Post on 02-Dec-2018
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares
VEJA E ÉPOCA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E
FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: um estudo da
cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral
Belo Horizonte
2016
Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares
VEJA E ÉPOCA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E
FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: um estudo da
cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Comunicação Social.
Área de concentração: Interações Midiáticas
Linha de pesquisa: Linguagem e Mediação
Sociotécnica
Orientadora: Professora Doutora Teresinha Maria
de Carvalho Cruz Pires
Belo Horizonte
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Tavares, Juliano Vasconcelos Magalhães
T231v Veja e Época e seus modos de expressão e formação da opinião pública: um
estudo da cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral / Juliano
Vasconcelos Magalhães Tavares. Belo Horizonte, 2016.
187 f. : il.
Orientadora: Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.
1. Opinião pública. 2. Veja (Revista). 3. Época (Revista). 4. Copa do mundo
(Futebol). 5. Jornalismo esportivo. 6. Jornalismo - Aspectos políticos. I. Pires,
Teresinha Maria de Carvalho Cruz. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas
Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.
CDU: 301.153.4
Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares
VEJA E ÉPOCA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E
FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: um estudo da
cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Comunicação Social da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Comunicação Social.
Área de concentração: Interações Midiáticas.
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires - PUC Minas (Orientadora)
______________________________________________________________________
Profa. Dra. Rosana de Lima Soares - USP (Banca Examinadora)
______________________________________________________________________
Prof. Dr. Marcio de Vasconcellos Serelle - PUC Minas (Banca Examinadora)
Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2016
Aos meus pais, Toninho e Genoveva, pelo amor
incondicional, pelo apoio nos mais diversos momentos da minha
vida e pelos momentos em que tive que me ausentar.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por tudo, especialmente por ter me dotado de forças não só para encarar
tamanho desafio, mas também para conseguir conciliar mestrado com o trabalho. Obrigado,
pai!
Ao Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), instituição na qual atuo, pelo
financiamento de cerca de 70% do curso.
Aos colegas da Comunicação: André, Ângela, Thomás e Virgínia (pelas conversas
descontraídas que tanto me fizeram bem), Denise (pelo modelo de power point que tanto usei
e pelas conversas de encorajamento no início do curso), Michel (pelas imagens recortadas e
descoberta de um dos textos que precisei na internet), Renan (por ter me liberado do trabalho
quando precisei) e aos estagiários Bruno (pelas diagramação de tabelas) e Mariana (pelas
imagens recortadas).
Aos bibliotecários das unidades Buritis, JK e 800 da Newton Paiva, em especial
Adelaide dos Reis, Andréia Freitas, Kênia Amaral e Maurílio Ponzo, que se esforçaram pra
encontrar as revistas que eu precisava, depois de eu ter virado BH de cabeça pra baixo atrás
das “danadas”.
Aos amigos, Fábio (por me ajudar a não sentir tanto frio na barriga com o mestrado,
afinal “é assim amigo!”), Helder (pelas palavras motivadoras e pelos ajustes em várias
imagens), Tatá (por ter me ajudado com a tradução de um texto em francês – aaaaaaahhh!) e
à minha professora de inglês, Elaine (que além do incentivo, sempre ajustou as aulas em
todas as vezes que precisei de apoio com textos).
À minha psicóloga, Beth, que acreditou em mim quando nem eu mesmo acreditava.
Aos amigos Alan, Altamir, Chris, Deise, Ethany, Keller, Luciano, Jaqueline, Jhonatan,
Luciley, Marcos, Márcia, Matheus,Rafael, Rafaela, Roberto, Rodrigo, pelos muitos momentos
roubados, mas especialmente pelas boas risadas (é cada figura…rsrs).
Aos amigos de Muzambinho, pelas conversas cheias de graça no “fubá da Zô”.
À minha irmã Tânia, ao meu cunhado Rodrigo e minha sobrinha Ana Laura, pelos
momentos família de descontração em Muzambinho. E quem diria, até o “Bozo” me fez rir…
Aos meus padrinhos, Adilson e Claudiney (por essa você não esperava, heim
Neves!), por me instigarem a fazer mestrado, pelo apoio de sempre e pelos momentos de
descontração.
A Samuel, pela convivência durante cerca de quatro meses em 2016. Em BH ou
Monte Verde, foi muito bom estar com “UelUel”!
Às secretárias do Mestrado, Camila (valeu pelas palavras motivadoras) e Isana, com
quem dei altas risadas (“como você está linda hoje, Isana!”).
Ao grupo “Mídia e Narrativa”, por contribuir para que eu me sinta mais à vontade no
mundo da pesquisa em Comunicação.
A todos os colegas do mestrado, em especial Bruna e Fernanda, com quem dividi altos
momentos de frio na barriga e várias cervejas, porque ninguém é de ferro! (mão na boca)
Aos profs. Dedé e Mozahir, com que cursei disciplinas.Obrigado por terem
contribuído para ampliar meus conhecimentos.
Ao prof. Ricardo, da UFMG, pelas ricas contribuições dadas na banca de
qualificação.
À profa. Rosana, da USP, por ter aceito participar da banca examinadora final.
Ao professor Júlio, por ter virado minha mente de cabeça pra baixo quando cheguei
no mestrado (como isso foi bom!) e pelas aulas bem-humoradas que me ajudaram a perder o
medo do curso (Meu Deus, como eu tive medo no início!).
Ao prof. Serelle, que por vezes prefiro chamar de “professor” em inglês (quase “virei
os ohos” de tanto ler textos em inglês pra sua disciplina, e não é que tô pegando o jeito).
Você não tem ideia de como suas palavras sempre me motivaram.
À profa. Teresinha, a quem arteiramente apelidei de “diva”. Obrigado por me
submeter à experiência mais intensa que vivi em minha vida, no âmbito educacional. Nem de
longe passava pela minha cabeça que eu teria capacidade para tanto em tão pouco tempo
(tudo bem que quase perdi o rumo por várias vezes, mas valeu). Se eu já gostava de
Comunicação, agora eu gosto muito mais!
Nossa história era sobre como Bush desempenhou suas obrigações. Ninguém quer
falar a respeito disso, falam apenas sobre fontes e falsificação e sobre teorias de
conspiração, porque é isso que as pessoas fazem hoje em dia quando não gostam de
uma história, elas apontam e gritam, questionam sua política, objetividade e sua
humanidade fundamental e pedem a Deus que a verdade se perca. Aí, quando tudo
acaba, eles já chutaram, eles já gritaram tanto que a gente nem consegue se
lembrar qual era a questão. (jornalista americana Mary Papes no filme
“Conspiração e Poder”, 2015)
RESUMO
Esta pesquisa identifica e analisa as estratégias discursivas utilizadas no âmbito do jornalismo
impresso, no sentido de expressar e também formar a opinião pública em um contexto de
Copa do Mundo e eleições presidenciais. Para tanto, realizou-se uma investigação da
cobertura feita pelas revistas Época e Veja entre os meses de maio e julho de 2014,
considerando as sondagens divulgadas e as falas publicizadas – ou silenciadas – de ordinários.
Essas narrativas midiáticas, ao apresentarem a pretensão de dar visibilidade ao clima de
opinião da sociedade brasileira naquele momento com apoio desses dois recursos, instigam o
desvelamento de suas formas de mediação. Em vista disso, inicialmente foram apresentados e
discutidos os conceitos de público, opinião pública e clima de opinião, além do papel da mídia
na propagação das várias vozes e representações do mundo, sem deixar de mencionar o poder
que isso lhe confere. Com base nas análises, pôde-se perceber a atuação política desses
veículos em relação ao desempenho do governo federal e da então presidente e candidata
Dilma Rousseff (PT) mediante as seguintes estratégias: enquadramento dos textos e das
capas; entrelaçamento entre futebol e política; uso político das sondagens e das falas dos
ordinários, bem como o seu silenciamento em alguns momentos.
Palavras-chave: Opinião pública. Copa do Mundo. Veja. Época. Eleições 2014.
ABSTRACT
This paper identifies and analyses discursives strategies used on printed journalism field, on
the way to express and also form a public opinion in a World Cup and presidential elections
context. Therefore, it was made an investigation on the coverage done by the magazines
Época e Veja between the months of May an July in 2014, whereas released polls and the
ordinary’s advertised speech – or silenced. This media narratives, when presenting the
pretension to give visibility to the climate of the Brazilian society’s opinion on that moment
with the support of these two recurses, instigates the unveiling of its mediation forms.
Considering this, it was initially presented and discussed the concepts of public, public
opinion, opinion climate, besides media’s role in the propagation of several voices and world
representations, not to mention the power this gives it. Based on the analysis, it could be
noticed the political action of these means in relation to the federal government and the
former president and candidate Dilma Rousseff’s (PT) performance through the following
strategies: texts and covers’ framing, interlacing between football and politics; the political
use of the polls and the ordinary people’s speech, as well as their silencing in some moments.
Keywords: Public Opinion. World Cup. Época.Veja. 2014 Elections.
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 - Capa Veja edição 2378 ................................................................................ 74
FIGURA 2 - Torcida entoando hino na Copa das Confederações .................................... 93
FIGURA 3 - Capa Época edição 836 ................................................................................ 94
FIGURA 4 - Capa Época edição 837 ................................................................................ 96
FIGURA 5 - Capas Época edições 836/837 ...................................................................... 97
FIGURA 6 - Desabamento de ruas em Natal (RN) ......................................................... 103
FIGURA 7 - Dilma Rousseff com Joseph Blatter ........................................................... 104
FIGURA 8 - Aécio Neves durante jogo da seleção ........................................................ 105
FIGURA 9 - Eduardo Campos durante jogo da seleção ................................................. 105
FIGURA 10 - Capa Época edição 840 ............................................................................ 108
FIGURA 11 - Capa Veja edição 2381 ............................................................................ 109
FIGURA 12 - Twitter oficial de Dilma Rousseff ............................................................ 111
FIGURA 13 - Capa Veja edição 2382 ............................................................................ 113
FIGURA 14 - Cenas de violência no Rio de Janeiro ...................................................... 116
FIGURA 15 - Infográfico das manifestações contra a Copa .......................................... 118
FIGURA 16 - Manifestantes encapuzados ...................................................................... 120
FIGURA 17 - Cenas de traficantes armados e revista alemã (no detalhe) ...................... 123
FIGURA 18 - Capas Época e Veja edições 833 e 2374 .................................................. 124
FIGURA 19 - Capa Época edição 834 ............................................................................ 124
FIGURA 20 - Capa Veja edição 2375 ............................................................................ 129
FIGURA 21 - Ilustração de o “Estado da desordem” ..................................................... 130
FIGURA 22 - “O desesperado”, do pintor Gustave Courbet .......................................... 130
FIGURA 23 - Obras em avenida de Cuiabá .................................................................... 133
FIGURA 24 - Representação de ordinário I.................................................................... 135
FIGURA 25 - Representação de ordinário II .................................................................. 136
FIGURA 26 - Representações de ordinários ................................................................... 137
FIGURA 27 - Capa Época edição 835 ............................................................................ 138
FIGURA 28 - Ordinários em destaque ............................................................................ 143
FIGURA 29 - Dilma Rousseff em visita ao Itaquerão .................................................... 146
FIGURA 30 - Capa Veja edição 2377 ............................................................................ 147
FIGURA 31 - Sindicalistas em confronto com a PM ..................................................... 149
FIGURA 32 - Coordenadora do MTST .......................................................................... 149
FIGURA 33 - Capa Veja edição 2378 ............................................................................ 152
FIGURA 34 - Torcedores brasileiros .............................................................................. 155
FIGURA 35 - Capa Época edição 838 ............................................................................ 156
FIGURA 36 - Capa Veja edição 2379 ............................................................................ 157
FIGURA 37 - Capas Época e Veja edições 839 e 2380 .................................................. 165
FIGURA 38 - Dilma Rousseff fazendo o gesto “É tóis .................................................. 168
FIGURA 39 - Capa Época edição 841 ............................................................................ 169
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 - Matriz de classificação das fontes .......................................................................... 53
QUADRO 2 - Cinturão de problemas ......................................................................................... 117
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 25
2 MÍDIA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA
.................................................................................................................................................. 29 2.1 Mídia, voz pública e democracia ........................................................................................ 29
2.2 Sondagens e seus usos pela mídia ...................................................................................... 42
2.3 Quando a fala do outro é uma peça-chave .......................................................................... 51
3 O CONTEXTO COPA E AS REVISTAS EM QUESTÃO ............................................. 61 3.1 Mundial 2014: vários “times” em um jogo ........................................................................ 61
3.2 Veja e Época: enxergando os semanários pela lupa ........................................................... 74
4 COMO VOZES PÚBLICAS DA COPA FORAM APRESENTADAS POR ÉPOCA E
VEJA ........................................................................................................................................ 87 4.1 Considerações Metodológicas ............................................................................................ 87
4.2 As sondagens entram no jogo ............................................................................................. 91
4.3 A “voz” e o silêncio dos ordinários .................................................................................. 115
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 171
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 175
ANEXO A - Resultados de sondagens publicados por Época ....................................... 187
25
1 INTRODUÇÃO
A mídia ocupa um papel central nas democracias no sentido de viabilizar o direito à
liberdade de opinião pública, afinal, segundo Manin (1995), isso requer dois elementos:
acesso à informação e liberdade para expressar opiniões políticas. Em um ano particularmente
significativo como o de 2014 – com Copa e eleições presidenciais – examinar criticamente se
ela realiza, e como, esse papel, nos parece uma tarefa relevante e necessária.
A partir disso, esta pesquisa identifica e analisa as estratégias discursivas utilizadas no
âmbito do jornalismo impresso, no sentido de expressar e também formar a opinião pública
naquele contexto. Nesse sentido, debruçou-se sobre duas estratégias acionadas pelas revistas
Época e Veja: uma delas a divulgação de pesquisas de opinião e a outra, a apresentação e fala
dos ordinários: ambos recursos utilizados nas reportagens das revistas. Segundo Couldry
(2002), o ordinário está presente na mídia às vezes, mais especificamente quando algo o leva
a posição de sujeito, por exemplo, quando realiza algo de extraordinário. No caso em exame,
embora não necessariamente isso tenha ocorrido, vozes de ordinários ganharam visibilidade
em ambas revistas tanto às vésperas como durante o Mundial. O modo como essas vozes
foram trazidas, seja na qualidade de “povo fala”, seja como personagens ficcionalizados, bem
como o intuito com que foram acionadas constitui objeto de estudo desta pesquisa.
Com isso, acredita-se que a escolha desse contexto possibilite uma rica reflexão acerca
do entrelaçamento entre mídia, futebol e política na atualidade, bem como sobre as
possibilidades de expressão dos interesses públicos, uma vez que em 2014 presenciam-se os
três modos de expressão da opinião pública apontados por Champagne (1996): voto,
manifestações de rua e sondagens.
Considerando que o governo federal foi um dos principais responsáveis pela condução
da Copa – e Dilma Rousseff uma presidente-candidata, era de se esperar que as discussões
midiáticas acerca do evento não se ativessem ao futebol e atingissem também o âmbito
político. Nesse sentido, vale citar Silva (2014), para quem o futebol já mostrou ter o dom de
converter a seleção brasileira na própria “Pátria de Chuteiras” – para lembrar Nelson
Rodrigues – portanto, é importante “reconhecer no campeonato mundial de futebol um
claro efeito político, que pode influenciar as eleições em favor do governo, caso ele (o
governo) consiga fazer com que sua imagem administrativa seja associada à dessa seleção
triunfante”. (SILVA, 2014, p. 49). Como se verá no decorrer do trabalho, travou-se um
embate discursivo por parte de Época e Veja com o governo federal em torno da equação:
Copa = Política.
26
Entretanto, Silva (2014), com base em uma análise realizada a partir de 1994 (ano em
que a eleição presidencial e a Copa começam a coincidir, na história política recente), salienta
que não há uma relação direta entre os desempenhos da seleção e o do governo:
considerados os anos de 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, o sucesso ou fracasso
em campo não pode ser apontado como a única causa para a vitória ou a
derrota do governo nas urnas. Vemos, então, que os dois últimos títulos da seleção
aconteceram, indistintamente, em anos em que o governo ganhou e que o governo
perdeu a eleição; em três outras copas nas quais a seleção não logrou a conquista
do campeonato, o governo ainda assim conseguiu eleger o seu candidato. (SILVA,
2014, p. 51).
Tendo em vista o exposto, as seguintes questões norteiam a pesquisa: quais foram os
modos de expressão e formação da opinião pública acionados pelas revistas Veja e Época em
suas coberturas realizadas sobre a Copa do Mundo, considerando o clima de opinião da
população brasileira acerca da então presidente Dilma Rousseff e da atuação do seu governo?
Como a publicação de sondagens e a presença de ordinários fez parte dessa estratégia? Em
que momento e como as sondagens são acionadas por Época e Veja? E quanto à visibilidade
dada às fontes ordinárias?
Para respondê-las, elaborou-se a seguinte estratégia metodológica. O corpus é formado
por dez edições de Época e outras dez de Veja, de 12 de maio a 16 de julho, período no qual
foram analisadas capas e reportagens relativas ao megaevento. Para a realização deste estudo,
foi feita uma pesquisa bibliográfica além de uma observação sistemática sobre o tema “Copa
do Mundo” nas revistas que resultou na elaboração de um quadro de informações gerais sobre
o conteúdo. Também foi feito um mapeamento das sondagens e das falas de ordinários
divulgadas nesses veículos, nas editorias relacionadas ao assunto.
A partir de então, realizou-se uma análise do enquadramento dado pelas revistas ao
assunto, observando em que medida e como as questões políticas foram entrelaçadas na
cobertura do megaevento. O método comparativo foi adotado para aferir o clima de opinião
construído pelas duas revistas e, para dar suporte à análise, foram utilizadas sondagens
realizadas no período pré e durante a Copa do Mundo pelo Instituto Análise e Ibope
Inteligência. Feitas sob encomenda da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da
República, essas pesquisas mostram dados acerca do clima de opinião que permeava o país
naquele momento.
A dissertação está organizada em três capítulos, além desta introdução e da conclusão.
No 2º capítulo, procurou-se aprofundar o estudo acerca do entrelaçamento entre mídia, voz
pública e democracia. Em vista disso, foi necessário discutir os conceitos de opinião pública e
27
clima de opinião, bem como o papel central da mídia na difusão das várias vozes e
representações do mundo, especialmente em repúblicas democráticas como o Brasil. Nesse
sentido, a pesquisa preocupou-se em investigar recursos utilizados pelos meios de
comunicação para expressar-se em nome do público, assim, um dos tópicos terá como tema as
sondagens, explicitando em que momentos e como esses instrumentos foram utilizados
estrategicamente. Outro tópico deste capítulo trata das fontes, ou melhor dizendo, do uso da
fala ou mesmo do silenciamento dos ordinários.
Já no 3º capítulo, o desafio foi fazer uma reconstrução do cenário político
socioeconômico que envolveu a Copa do Mundo, atentando para vários atores que tiveram
relação com o evento, entre eles o governo federal, a mídia, a sociedade e a Fifa. Com isso,
fez-se necessário atentar para as manifestações de 2013, momento em que o grito “Não vai ter
Copa” passa a ganhar força e repercussão na mídia. Para tanto, foi preciso fazer uma pesquisa
não somente em trabalhos acadêmicos, mas também em sites oficiais e de veículos de
comunicação, além das próprias Veja e Época que compõem o corpus. Por sua vez, outro
tópico dentro do mesmo capítulo, tem a pretensão de caracterizar e aprofundar o
entendimento acerca não só desses semanários, mas também em relação aos grupos aos quais
pertencem: Abril e Globo. No que tange ao 4º capítulo, inicialmente são apresentadas as
considerações metodológicas e, no tópico subsequente, são trazidas as análises das revistas
Veja e Época considerando os procedimentos estabelecidos.
Por fim, é oportuno mencionar ainda que Guimarães e Amorim (2013) ressaltam a
importância de se desenvolver estudos na interface dos campos da Comunicação e das
Ciências Políticas:
se a comunicação política tem sido um “ponto cego”, ou melhor dizendo, um déficit
teórico estrutural nas teorias democráticas contemporâneas, as teorias da
comunicação carecem de uma exposição radical às teorias democráticas da fundação
do Estado e das formas do seu governo. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 137).
Posto isso, acredita-se que foi possível desenvolver, ao final do processo, uma reflexão
significativa acerca dos modos de expressão e formação da opinião pública acionados pelo
jornalismo na atualidade.
29
2 MÍDIA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA
Ao se propor uma análise acerca dos modos de expressão e formação1 da opinião
pública acionados por semanários na Copa do Mundo, procurou-se, antes de qualquer coisa,
aprofundar o estudo acerca do entrelaçamento entre mídia, voz pública e democracia. Em
vista disso, este capítulo discutirá os conceitos de opinião pública e clima de opinião, bem
como o papel da mídia na disseminação das várias vozes e representações do mundo. Dessa
forma, um dos tópicos terá como tema as sondagens, explicitando, por exemplo, como esses
instrumentos são utilizados. Um outro tópico trata das fontes, ou melhor dizendo, do
ordinário.
2.1 Mídia, voz pública e democracia
Em regimes democráticos, a mídia exerce o papel crucial de dar visibilidade à opinião
pública. De acordo com Guimarães e Amorim (2013, p. 135): “sem direito à voz pública –
isto é, sem o direito democrático de falar e ser ouvido –, o cidadão não se constitui, ainda que
possa votar [...] na democracia do século XXI é preciso inserir no centro da discussão a luta
pelo direito à voz e por uma opinião pública democrática”. É nesse sentido que converge este
trabalho. Com isso, faz-se necessário discutir o conceito de opinião pública.
Em um texto bastante claro, Blumer (1987) não só conceitua os termos “massa” e
“público”, mas também aponta características e aspectos a eles relacionados. A massa seria
“representada por pessoas que participam de um comportamento de massa, como por
exemplo, aqueles que se agitam com um acontecimento nacional, os que tomam parte no surto
de uma nação” (BLUMER, 1987, p. 177). Entre suas características está o fato de seus
participantes poderem advir de qualquer profissão, posição social ou até mesmo vínculo
cultural. Para além disso, são figuras anônimas que possuem nenhuma ou pequena interação
entre si, por isso mesmo são uma organização frágil e de pouco poder de ação. Com isso,
conclui o autor, a massa não pode ser vista como uma sociedade ou comunidade. Tal
comportamento, no entanto, ganhou significativa importância nos tempos modernos, afinal,
1 A origem do verbo “expressar” vem de “‘fazer sair apertando, tirar de, extrair’. Metaforicamente se aplica a
fazer sair uma manifestação do pensamento, da mente de uma pessoa”. (Fonte:
http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/expressar/). Já quando se faz uma busca da origem do verbo
“formar” na internet, o resultado traz a palavra “informação”: “do latim, de informare, ‘modelar, dar forma’,
de in mais formare, ‘formar’. Daí surgiu a conotação de ‘formar uma ideia de algo’, que passou depois a
‘descrever’ e mais tarde se generalizou em ‘contar algo a alguém sobre alguma coisa’. (Fonte:
http://www.dicionarioetimologico.com.br/informacao/)
30
como o distanciamento entre esses indivíduos tem aumentado e pouco se comunicam uns com
os outros, agem de forma isolada abrindo espaço para que meios de comunicação, entre
outros, ajam no sentido de impeli-los em direção a algo mais amplo. (BLUMER, 1987).
Ainda segundo Blumer (1987, p. 181) “o termo público é usado para designar um
grupo de pessoas: a) que estão envolvidas em uma dada questão, b) que se encontram
divididas em suas posições diante dessa questão, e c) que discutem a respeito do problema”.
Portanto, é um grupo que surge para reagir ou mesmo enfrentar determinado tipo de situação
e toma decisões coletivas que são originadas por meio de discussões, o que não significa que
esse agrupamento chegue a ter forma de uma sociedade. A partir dessas colocações, de acordo
com o autor, a opinião pública pode ser considerada:
uma opinião combinada, formada por diversas opiniões sustentadas pelo público; ou
melhor, como a tendência central fixada através da competição entre opiniões
antagônicas e, em consequência, ela é configurada pela força relativa e pela ação da
oposição entre as demais opiniões. (BLUMER, 1987, p. 184).
Nesse sentido, Thiollent (1986) afirma que essa noção é utilizada:
[...] para designar o que a maioria da população de um país julga, gosta, prefere em
matéria de política, de economia ou de outros assuntos de importância nacional ou
internacional [...] a opinião pública não é a simples adição das opiniões individuais,
pois sua formação e sua significação dependem do contexto nacional, do governo,
dos partidos políticos, das grandes empresas, dos meios de comunicação de massa,
etc. (THIOLLENT, 1986, p. 16).
Por sua vez, Katz (1987) relaciona os conceitos de atitude e opinião pública. O
primeiro estaria ligado aos sentimentos e crenças por meio dos quais uma pessoa avalia algo
como positivo ou negativo. Por isso mesmo, a formação de atitudes é significativa para o
processo de opinião pública, que seria, segundo o autor, “uma descrição no nível coletivo, e se
refere à mobilização e canalização de respostas individuais no sentido de afetarem a tomada
de decisão em termos grupais ou nacionais”. (KATZ, 1987, p. 372).
Já Fishkin (1995), ao discutir o assunto, prefere explicar algo inusitado: o que chama
de uma profecia feita pelo historiador e político britânico James Bryce, em 1888. Segundo o
autor, Bryce dividiu o desenvolvimento das democracias em quatro estágios. O primeiro deles
foram as “assembleias primárias” ou democracias diretas, como na antiga Grécia ou mesmo
aquelas que sobrevivem em cantões suíços. “Porque ‘todas as pessoas’ se reuniam juntas, ‘tal
sistema de governo popular direto é possível somente em pequenas comunidades’”.
(FISHKIN, 1995, p. 71, tradução nossa)2. A segunda forma é dominada pelos orgãos
2 Because the “whole people” had to meet together, “such a system of direct popular government is possible only
in small communities”.
31
representativos, Parlamentos e Câmaras. “Nesse sistema, representantes eleitos tem ‘uma
razoável liberdade, partindo deles o poder por um considerável espaço de tempo, o que lhes
possibilita agir sem controle, salvo a possibilidade de alguma lei fundamental limitar sua
discricionariedade’”. (FISHKIN, 1995, p. 72, tradução nossa)3. Já a terceira forma de
democracia é considerada por Bryce uma distinta inovação americana. Algo que combina as
outras duas, ou seja, a consulta direta ao povo com a eleição de representantes, que “[…] são
idealizados diferentemente – ‘não como sábios ou fortes homens escolhidos pelo governo,
mas como delegados para ordens específicas a serem renovados em pequenos intervalos’”.
(FISHKIN, 1995, p. 72, tradução nossa)4.
Com isso, de acordo com o autor, há uma tendência desses representantes defenderem
as impressões da opinião pública e, naturalmente, produzirem o que Bryce chamou de
“Governo da Opinião Pública”. “‘Os olhares e anseios do povo prevalecem, antes mesmo de
serem expressos através de normas providas por órgãos e sem a necessidade de serem
expressas’”. (FISHKIN, 1995, p. 73, tradução nossa)5. Nesse tipo de governo no qual os
americanos foram pioneiros, a opinião pública seria a chave para abrir todas as portas.
“‘Crescendo sobre Presidentes e chefes de estado, sobre o Congresso e legislaturas de Estado,
sobre convencões e o vasto maquinário do partido, a opinião pública destaca-se, nos Estados
Unidos, como a grande fonte de poder, o mestre dos servos que tremem diante dela’”.
(FISHKIN, 1995, p. 73, tradução nossa)6. É interessante observar que Bryce profetizou que a
América estaria indo em direção a um quarto estágio da democracia. “‘O quarto estágio seria
atingido se a vontade da maioria dos cidadãos se tornasse determinante o tempo todo, sem a
necessidade de passar por órgãos representativos, possivelmente mesmo sem a necessidade de
passar pelo maquinário de votação’”. (FISHKIN, 1995, p. 73, tradução nossa)7. Esse estágio
foi chamado de “Domínio da Opinião Pública”.
Ainda segundo Fishkin (1995), Bryce também chegou a admitir “dificuldades
mecânicas” para que isso viesse a ocorrer. No entanto, cerca de cinquenta anos depois da
3 In this system, elected representatives have “a tolerably free hand, leaving them in power for a considerable
space of time, and allowing them to act unchecked, except in so far as custom, or possibly some fundamental
law, limits their discretion”. 4 [...] are “conceived of” differently – “not as wise and strong men chosen to govern, but as delegates under
specific orders to be renewed at short intervals”. 5 “The wishes and views of the people prevail, even before they have been conveyed throught the regular law-
appointed organs and without the need of their being so conveyed”. 6 “Towering over Presidents and State governors, over Congress and State legislatures, over conventions and the
vast machinery of party, public opinion stands out, in the United States, as the great source of power, the
master of servants who tremble before it”. 7 “A fourth stage would be reached if the will of the majority of the citizens were to become ascertanaible at all
times, and without the need of its passing through a body of representives, possibly even without the need of
voting machinery at all”.
32
publicação de seu livro: The American Commonwealth (1888), o psicólogo e empreendedor
George Gallup solucionou essa dificuldade demonstrando a medição da opinião pública. E
hoje essas pesquisas envolvem as mais diversas questões, inclusive uma Copa do Mundo.
Por sua vez, Manin (1995) esclarece que, para que representados possam formular e
expressar livremente suas opiniões políticas, são necessários dois elementos: o amplo acesso à
informação política, o que supõe tornar públicas as decisões governamentais e a liberdade
para expressar essas opiniões. Com isso, os representantes não precisam agir necessariamente
de acordo com os anseios do povo, mas também não podem simplesmente ignorá-los. Assim,
embora a único meio de imposição que os cidadãos possuam seja o voto:
os governados sempre têm a possibilidade de, no momento das eleições ou em
outras ocasiões, manifestar uma opinião coletiva diferente da que é defendida por
seus representantes. Costuma-se chamar de opinião pública essa voz coletiva do
povo que, sem ter valor impositivo, sempre pode se manifestar independentemente
do controle do governo. (MANIN, 1995, p. 8, grifo nosso).
Segundo o autor, é justamente essa liberdade de opinião pública que distingue o
governo representativo de uma representação absoluta. Nessa última, “o povo somente
adquire força política por intermédio da pessoa do representante, que, a partir do momento em
que chega ao poder, substitui completamente aquele que representa. Os representados não têm
outra voz senão a dele”. (MANIN, 1995, p. 8). Já em democracias, o povo pode se comportar
de forma completamente diferente:
quando os indivíduos, agindo como grupo, dão instruções aos seus representantes,
quando grupos exercem pressão sobre o governo, quando uma multidão se reúne nas
ruas ou assina uma petição, o povo está se manifestando como uma entidade política
capaz de falar e agir independentemente dos que estão no governo. (MANIN, 1995,
p. 8).
Não é para menos que Champagne (1996), ao explanar sobre a evolução da noção de
opinião pública no decorrer da história da França, chega a afirmar que não existe uma
definição científica acerca do termo, mas sim uma definição social, “o que existe é somente
um conjunto, mais ou menos diferenciado, de agentes em luta que procuram impor seu
conceito (em geral, de forma interessada) de ‘opinião pública’”. (CHAMPAGNE, 1996, p. 81,
grifo nosso). De acordo com o autor, durante muito tempo essa expressão foi dominada e
conduzida por uma elite de cidadãos em geral considerados os mais bem informados e
qualificados para se expor publicamente e, claro, dirigir tal opinião a uma parcela maior da
sociedade. No entanto, transformações pelas quais essa mesma sociedade passou, entre elas a
instauração do sufrágio coletivo (masculino) e o relativo desenvolvimento de instituições
33
como partidos políticos e sindicatos acabaram também por provocar mudanças nesse
conceito, progressivamente.
No final do século XIX, com a multiplicação dos movimentos de massa e das
manifestações de rua (em particular, associados à urbanização e industrialização) e,
sobretudo, com a difusão de uma imprensa popular e nacional, surgiu uma outra
“opinião pública”, concorrente da precedente, que, antes de suplantá-la, coexistiu
com ela até meados do século XX. (CHAMPAGNE, 1996, p. 64).
Com relação a esse novo modo de expressão da opinião pública, Tarde (1991) explica
que, antes do desenvolvimento de uma imprensa nacional, não havia uma única opinião, mas,
ao contrário, espíritos locais, opiniões fragmentadas, ignorantes umas das outras8.
Competiu à imprensa, depois do aparecimento do jornal, elevar a um nível nacional,
europeu, universal, o que até então era local, isto é, aquilo que, anteriormente, fosse
qual fosse o seu interesse intrínseco, teria ficado desconhecido e limitado. (TARDE,
1991, p. 65).
No contexto europeu e, resguardadas as devidas proporções, até no brasileiro, Gomes
(2008) afirma que a imprensa era considerada um instrumento privilegiado da esfera pública9.
Com isso, a opinião pública emergia dessa esfera, que por sua vez tinha a imprensa como uma
de suas plataformas. O autor apoiado em Habermas sublinha que, no entanto, na
contemporaneidade, presencia-se uma esfera pública em “decadência”, justamente por conta
de sua submissão aos mass media. A imprensa:
não é um meio de debate do qual se espera emergir uma opinião, mas um meio de
circulação de opiniões estabelecidas às quais se espera uma adesão, o mais
amplamente possível, de um público reduzido a uma massa chamada de tempos em
tempos a realizar decisões ‘plebiscitárias’. (GOMES, 2008, p. 49).
Ao referir-se à esfera pública em tempos contemporâneos, o autor recorre a uma
expressão cunhada por Habermas: refeudalização. Com efeito, o interesse público passa, na
verdade, a ser estabelecido nos bastidores, para satisfazer e estar em acordo com interesses
privados e “as mediações das pretensões que aí se apresentam se tornam literalmente
8 No Brasil, na segunda metade do século XVIII, em razão da cultura ser marcada, entre outros aspectos, pela
forte tradição oral, a concepção de opinião vinculou-se, por um bom tempo, a voz popular. Isso não quer dizer,
no entanto, que não havia não havia opinião pública naquela época. Muito pelo contrário, as discussões
relacionadas à política já saiam dos domínios da Corte e adentravam locais públicos como cafés, livrarias e até
sociedades secretas. No âmbito dos meios, é evidente que o país não tinha uma imprensa nacional, mas
incipientes periódicos tanto no Rio de Janeiro como em outras regiões do Brasil emitiam opiniões acerca de
questões políticas da época e contavam com certa visibilidade, tanto que já naquele período havia figuras
contrárias a essa liberdade de expressão. (NEVES, 2009). 9A esfera pública é caracterizada como o domínio social da argumentação coletiva. Essa esfera remete a Kant e
ao seu princípio de troca pública de razões, que deveria funcionar como um requisito fundamental do ideal de
sociedade cosmopolita e esclarecida. Essa caracterização aprofunda suas raízes na invenção da democracia
antiga. (GOMES, 2008, p. 57).
34
‘negociações’, barganhas entre forças e pressões representadas nos campos provisórios em
que se envolvem tanto o aparelho do Estado como os grupos de interesse”. (GOMES, 2008, p.
52). Grupos de interesse que, aliás, “possuem de imediato uma posição particular acerca da
questão em debate, e de outro lado, procuram obter em favor de sua posição o apoio e a
lealdade de grupos de desinteressados à margem da disputa”. (BLUMER, 1987, p. 185).
Assim, não há necessidade de “submeter” determinado fato ou pretensão à esfera
pública, é muito mais interessante “trabalhar” isso. Como? Através dos meios.
Os destinatários são agora meros consumidores de pontos de vista políticos ou
culturais, geralmente predispostos a oferecer o próprio agreement a uma posição que
diante deles se apresenta, selecionando-a do mercado de ponto de vistas disponíveis:
eis a nova opinião pública. (GOMES, 2008, p. 55).
Para Thiollent (1986), ao posicionar-se ou interpretar os fatos, seja de forma favorável
ou não ao governo, os meios de comunicação acabam por exercer um forte papel na formação
da opinião pública. O mesmo vale para grupos de empresários ou até sindicatos, que por meio
da mídia, venham a imprimir suas vontades e interesses. O autor enfatiza a diferença entre
regimes democráticos e autoritários, lembrando que esses últimos se utilizam da censura e de
outras medidas para cercear a liberdade de expressão, no entanto, ele não deixa de destacar
que, em regimes democráticos, embora a imprensa goze de relativa autonomia, também é
controlada “por grupos financeiros e políticos que dispõem de um forte poder informal,
paralelo às instituições políticas”. (THIOLLENT, 1986, p. 17). Com efeito, ressalta
Champagne (1996, p. 25), “a livre concorrência política que caracteriza os regimes do tipo
democráticos tende a ocultar o trabalho de imposição que existe também nesses regimes e que
tem como objeto a criação de um consenso sobre os temas passíveis de provocarem
desacordos”10. Como os campos políticos são cada vez mais amplos e heterogêneos, ocorre o
que o autor chama de “luta simbólica”, o que em democracias como o Brasil consiste em
promover ações que não incluem violência física ou militar, mas tentam impor sua visão do
mundo ao maior número de pessoas possível, a maioria delas pouco interessada em questões
políticas. Um bom exemplo disso são debates ou resultados eleitorais:
[...] falar em último lugar, fazer crer que a pessoa está falando de um plano ‘mais
elevado’ (por exemplo, ao elevar o nível do debate), pretender a defesa de um ponto
de vista não partidário, etc, são outros tantos aspectos dessa luta interminável para
conseguir a última palavra. (CHAMPAGNE, 1996, p. 21).
10 O próprio fato de o Brasil sediar uma Copa do Mundo é um exemplo disso. Embora isso não fosse um
consenso, cada um dos veículos em questão tende a traçar um olhar quase unilateral acerca do assunto.
35
Especificamente em relação a “conseguir a última palavra”, como se pode perceber em
observações para a produção deste estudo, cada uma das revistas (Veja e Época) colocam seus
pontos de vista acerca da Copa do Mundo 2014 e sua relação com o governo federal, o que,
em algumas edições, torna nítido o confronto entre os dois veículos acerca da mesma questão,
parecendo mesmo uma tentativa de tirar a razão do semanário concorrente.
Para além disso, Albuquerque (2013) afirma que a atuação do jornalismo não pode ser
reduzida a interesses econômicos ou à agenda de aliados políticos. Afinal, tanto jornalistas
como organizações jornalísticas “se dirigem aos agentes políticos e ao público em geral de um
lugar que lhes é próprio. Em particular, os jornalistas e organizações jornalísticas reivindicam
desempenhar o papel de representantes dos legítimos interesses dos cidadãos”.
(ALBUQUERQUE, 2013, p. 7).
O autor aponta, ainda, os dois princípios aos quais o jornalismo recorre para sustentar
tal pretensão, o primeiro deles relacionado à tradição do Fourth Estate em que:
o jornalismo é associado explicitamente a um papel político, descrito como um
agente essencialmente comprometido com a defesa da liberdade de expressão e um
instrumento a serviço do aperfeiçoamento da cidadania, uma vez que cobra das
autoridades governamentais uma prestação de contas dos seus atos.
(ALBUQUERQUE, 2013, p. 7).
O segundo princípio remete ao conceito de objetividade jornalística. De acordo com
Cook citado por Albuquerque (2013), ao seguir suas rotinas profissionais, “os jornalistas
desempenham um papel político fundamental, como mediadores do processo comunicativo
entre as autoridades governamentais e o público e dentre as diferentes instituições que
constituem o governo”. (ALBUQUERQUE, 2013, p. 7).
Por sua vez, Thiollent (1986), ao tratar dos argumentos utilizados pelos políticos,
aponta, entre eles, o Argumentum ad Populum, no qual o mesmo apelo emocional ao povo
feito pela mídia é utilizado, podendo ser desdobrado em argumento de apelo à opinião
pública. Para o autor, embora sejam diferentes, os dois geralmente são combinados em um
único discurso:
ao primeiro associam-se frequentemente imagens de humildade, pobreza e, ao
mesmo tempo, grandeza ou invencibilidade. Ao segundo é associada a ideia de
esclarecimento público, ‘cobrança’ coletiva ou de justificação impessoal de atos
políticos bastante personalizados. (THIOLLENT, 1986, p. 79).
Com base nas informações acima, parece ficar claro que os grupos midiáticos Abril e
Globo tentaram expressar e formar um clima de opinião junto ao público durante a Copa do
Mundo. Mas, afinal, o que seria esse clima de opinião?
36
Conceito ligado à teoria da Espiral do Silêncio, da cientista política alemã Noelle-
Neumann (1995), o clima de opinião sofre forte influência da mídia e interfere notadamente
na opinião pública. Isso ocorre basicamente por estar vinculado a três características humanas:
a hesitação em expressar pontos de vista minoritários, a habilidade de identificar tendências
no pensamento público e o medo do isolamento. Todos ligados ao processo nomeado “espiral
do silêncio”. Analisando eleições alemãs ocorridas em 1972, ela observou que “os seguidores
dos cristianodemocratas e socialdemocratas eram iguais em número, porém não contavam
com a mesma energia, entusiasmo nem gana para expressar suas convicções. Só apareciam
em público pins e símbolos socialdemocratas [...]”. (NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 21,
tradução nossa)11. Isso fez com que esses partidários dominassem a cena pública e, por outro
lado, provocou uma forte inibição nos seguidores da oposição. “Ao final, voltou-se a produzir
uma ‘guinada de último minuto’: as pessoas saltaram para o carro vencedor esperado, na
ocasião o Partido Socialdemocrata”. (NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 20, tradução nossa) 12.
O “efeito do carro vencedor” ou bandwagon effect foi cunhado pela autora com base nas
eleições de 1965, quando esses mesmos partidos estavam praticamente empatados durante o
pleito eleitoral mas, como os cristianodemocratas pareciam mais confiantes (e expressaram
isso), conquistaram muitos eleitores no final da campanha.
A cientista também observou, por meio de várias sondagens e outros testes que
confirmaram a espiral, que as pessoas conseguem, intuitivamente, perceber o clima de opinião
a sua volta, sendo que isso pode envolver os mais diversos temas: “quantos assuntos
diferentes engloba esta capacidade de reconhecer o clima de opinião? As observações
realizadas pelas pessoas incluem constantemente centenas de assuntos diferentes”. (NOELLE-
NEUMANN, 1995, p. 34, tradução nossa)13. O motivo para que, em sua maioria, as pessoas
ajam dessa maneira é o medo do isolamento. Com o apoio de experimentos realizados no
laboratório do psicólogo social Solomon Asch, a estudiosa demonstra que poucos indivíduos
confiam em si mesmos. Com isso, o temor do isolamento põe em marcha a espiral do silêncio:
“o esforço que dedicam a observar em volta parece ser um preço menor a pagar em
comparação com o risco de perder a estima de outros seres humanos; de serem rechaçados,
2 Los seguidores de los cristianodemócratas y de los socialdemócratas estuvieran igualados em número, pero no
contaban com la misma energía, entusiasmo ni ganas de expresar y exhibir sus convicciones. Sólo aparecían en
público pins y símbolos socialdemócratas [...]. 12 Al final, volvió a producirse un “vuelco en el último minuto”: la gente saltó al carro del vencedor esperado, en
esta ocasión el Partido Socialdemócrata. 13 Cuántos asuntos diferentes engloba esta capacidad de reconocer el clima de opinión? Hay que aceptar que las
observaciones realizadas por la gente incluyen constantemente cientos de asuntos diferentes.
37
depreciados, de ficarem só”. (NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 63, tradução nossa)14.
Algum tempo depois, pouco antes das eleições de 1976, ao receber o material referente
às sondagens quando estava de férias na Suíça, Neumann observou que, na medição mais
significativa, acerca de quem as pessoas achavam que ganharia as eleições, o clima de opinião
mostrava um dramático declínio dos cristianodemocratas. A primeira reação da cientista foi
imaginar que aqueles partidários haviam se comportado como nas eleições de 1972, de forma
mais amena, mas ao entrar em contato com o Instituto Allensbach15 e conhecer os dados,
acabou por descobrir exatamente o contrário: eles haviam se exposto muito mais. Só então ela
resolveu ater-se aos dados relacionados à mídia e foi aí que veio a resposta, clara como numa
cartilha: “somente aqueles que haviam observado à sua volta com maior frequência pelos
‘olhos’ da televisão haviam percebido a mudança no clima; os que haviam observado ao seu
entorno sem os ‘olhos’ da televisão não haviam notado nenhuma mudança no clima”.
(NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 211, tradução nossa)16. Isso demonstra claramente a força
da mídia no sentido de formar ou mesmo alterar opiniões. Como exemplo, é possível citar
uma informação apontada por um dos relatórios de pesquisa de opinião sobre a Copa do
Mundo encomendado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, a servir
de apoio para as análises neste trabalho. Com dados coletados entre 30 de maio e 2 de junho
de 2014 (poucos dias antes do início do Mundial), o documento afirma que “os entrevistados,
por vezes, mostram-se confusos entre o que o noticiário da mídia lhes apresenta e seus desejos
enquanto espectadores de um grande evento”. (INSTITUTO ANÁLISE, 2014, p. 12).
Por sua vez, Gamson (2011) afirma que a dependência das pessoas em relação à mídia
é parcial e possui forte relação com a questão em discussão. O autor faz ainda uma
comparação sugestiva acerca dos esforços feitos pelas pessoas para produzir sentido a quem
tenta encontrar caminho pela floresta:
os vários enquadramentos oferecidos no discurso da mídia proporcionam mapas que
indicam pontos úteis de entrada, e placas de sinalização em várias encruzilhadas
indicam os marcos de referência importantes, avisando sobre os perigos a serem
enfrentados em outros caminhos. (GAMSON, 2011, p. 224).
14 El esfuerzo que dedican a observar el entorno parece ser un precio menor a pagar en comparación con el riesgo
de perder la estimación de los otros seres humanos; de ser rechazados, despreciados, de estar solos. 15 O Instituto Allensbach, ou Instituto de Demoscopia Allensbach, foi fundado por Noelle-Neumann em 1947 e
até hoje realiza pesquisas de opinião pública na Alemanha. 16 Sólo los que habían observado el entorno con mayor frecuencia a través de los ojos de la televisión habían
percibido un cambio en el clima; los que habían observado el entorno sin los ojos de la televisión no habían
notado ningún cambio en el clima.
38
Pesquisas mostram que nem sempre as ideias e pensamentos acerca de determinado
assunto são necessariamente dependentes do que a mídia aponta ou sugere. De acordo com
estudos sobre o posicionamento de indivíduos acerca da questão da energia nuclear, mais de
25% das conversações se apoiaram sobre o conhecimento experiencial. Gamson explica,
ainda, que fez uso de tal assunto justamente por pressupor que era inevitável para a grande
maioria das pessoas não depender da mídia para conhecer tal questão.
“A falta de dependência, contudo, não significa ausência de uso ou influência”.
(GAMSON, 2011, p. 225). A partir de resultados obtidos tanto por ele como por outros
autores, conclui que é preciso estar atento a uma nova forma de se discutir o efeito dos meios
na opinião pública. Para ele, se a pessoa utiliza elementos da mídia em determinada fala, ela
já estaria sofrendo um efeito direto dos meios:
em vez de tratar o conteúdo da mídia como um estímulo que conduz a alguma
mudança de atitudes e de cognição, ele é tratado como uma ferramenta ou recurso
importante que as pessoas têm disponível, em graus variados, para auxiliá-las a
produzir sentido acerca das questões abordadas nas notícias. (GAMSON, 2011, p.
225).
Além dos enquadramentos apontados pelo autor há outras articulações midiáticas que
possuem forte relação com a opinião pública, entre elas, a opinião publicada. De acordo com
Tönnies citado por Freitas e Pires (2009), ela “representa a ‘opinião publicamente expressa’
de um indivíduo, ou seja, uma opinião endereçada a recipientes em geral” (Tönnies apud
Freitas e Pires, 2009, p. 130). Num artigo, feito com base nos jornais Folha de S. Paulo, O
Estado de S. Paulo e O Globo, demonstrou-se a impossibilidade de discutir-se:
“opinião jornalística” atendo-se apenas a espaços designados pelos jornais como
reservados à opinião ou recorrendo-se a tipologias usuais (informativo,
interpretativo e opinativo) que muito ainda têm sido utilizadas para explicar os
processos de produção das notícias. (FREITAS; PIRES, 2009, p. 130).
Como comprovaram, no caso relacionado a relatos produzidos pelos jornais citados
acima acerca da deportação de boxeadores cubanos que participaram dos jogos Pan-
Americanos 2007, essa opinião está presente em vários formatos jornalísticos, em maior ou
menor grau, de forma mais ou menos explícita. “A opinião publicada vai se tornando muito
mais um ‘posicionamento político’ do que uma análise opinativa ou interpretativa, perdendo,
assim, parte de sua aura mediadora”. (FREITAS; PIRES, 2009, p. 139). Portanto, de acordo
com os autores, mais do que os fatos, nesse caso, o que conduziu as reportagens e até mesmo
as fontes que foram consultadas para a construção dessas informações foi a linha narrativa
desses veículos.
39
Com isso, fica claro a dificuldade de se construir uma opinião pública democrática.
Segundo Guimarães e Amorim (2013, p. 123), esse conceito “se configura no propósito de
aprofundar os princípios republicanos que se relacionam com a dimensão discursiva da
política, explorando, em sua complexidade, o potencial da defesa pública das liberdades
individuais”. Em suma, esse conceito se baseia em quatro características: a primeira está
ligada ao dinamismo e fluidez da opinião pública que, por sua vez, possui um caráter político.
Não há república que não seja fundamentalmente ligada a esse âmbito. Com isso, a opinião
pública “se constitui em processo público de formação de consensos e juízos”.
(GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 125). A segunda característica diz respeito à noção de
autogoverno. Sem liberdade individual, não há como se estabelecer uma opinião pública
democrática. E nesse sentido é preciso que haja leis que resguardem e garantam a liberdade
desses cidadãos. A terceira trata, basicamente, da pluralidade na formação da opinião. Se isso
for garantido, não haverá perigo de que interesses privados se sobreponham a interesses
públicos. A última característica está focada no papel do Estado, que seria o único capaz de
promover a defesa de um espaço realmente democrático, combatendo situações de
desigualdade econômica e estabelecendo acesso às informações.
Especificamente em relação à pluralidade na formação da opinião, Miguel (2014)
afirma que, nas sociedades contemporâneas, a mídia é o principal instrumento de propagação
das várias visões e representações do mundo social:
o problema é que os discursos que veicula não esgotam a pluralidade de perspectivas
e interesses sociais. As vozes que se fazem ouvir na mídia são representantes das
vozes da sociedade, mas essa representação possui um viés. O resultado é que os
meios de comunicação reproduzem mal a diversidade social, o que acarreta
consequências significativas para o exercício da democracia. (MIGUEL, 2014, p.
153).
Apesar disso, tanto no âmbito internacional como no Brasil, há fortes dificuldades e
impasses no sentido de se discutir ou mesmo implantar medidas que regulamentem a mídia.
De acordo com Guimarães e Amorim (2013), já na década de 1980, um relatório da Unesco
chamado Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa época (ou Relatório
MacBride), escrito por uma comissão de especialistas de diversos países entre eles o escritor
Gabriel García Márquez, “questiona a concentração da propriedade de comunicação e defende
a necessidade de políticas públicas para a comunicação, a fim de garantir a pluralidade de
vozes e corrigir assimetrias internacionais”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 55). No
entanto, não só os Estados Unidos mas também a Inglaterra não só repudiaram o relatório
como chegaram a romper com a Unesco. E não é só isso, o país norte-americano protagoniza
40
outras ações nesse sentido. Uma delas diz respeito à não adesão “aos tratados de proibição e
criminalização dos discursos de ódio (hate speech) propostos pela ONU”. (GUIMARÃES;
AMORIM, 2013, p. 56). Considerando as afirmações acima, vale a pena destacar: a
regulamentação do direito à comunicação nos EUA é muito diferente do modelo da União
Europeia.
Por sua vez, na América Latina, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) com
sede em Miami (EUA) reúne os principais proprietários de jornais das Américas, defende a
liberdade de imprensa e costuma denunciar leis aprovadas em parlamentos que tenham por
objetivo regulamentar o exercício da comunicação. A sociedade também posicionou-se contra
o Relatório MacBride. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013).
No Brasil, não é diferente. Os autores mostram que, embora a Constituição Federal
(1988) garanta o direito de acesso à informação, até hoje o Congresso Nacional não
regulamentou os artigos 220 e 224, que tratam da comunicação social. A liberdade de
expressão também foi tema de discussão do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do fim da
Lei de Imprensa, datada de 1967:
o acórdão, que julgou procedente a ação, acolhe como ideal de regulamentação
mínimo da presença do Estado, no qual identifica as ameaças à liberdade de
expressão. Os problemas de concentração de propriedade são considerados e
analisados no acórdão do ponto de vista formal. Exemplo é que o texto do acórdão
relaciona a proibição constitucional de proibição de monopólio e oligopólio como
garantia de pluralidade de mídia. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 58).
Apesar disso, sobre o artigo 220, que trata do assunto, nada se falou. Outros entraves
no Brasil são expostos por Lima (2013): o primeiro deles diz respeito ao boicote das grandes
mídias à I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009. Suas propostas foram
atacadas com se fossem uma tentativa de cercear a liberdade de expressão. O segundo
exemplo de intransigência diz respeito ao Código Brasileiro de Telecomunicações, embora
seja básico para a radiodifusão no país, já tem mais de 50 anos. Mesmo assim, os órgãos que
controlam a área não se dispõem a discutir publicamente o assunto. Por último, alguns
princípios e normas relacionados à comunicação foram exaustivamente discutidos na
Constituição, mas ainda não foram regulamentados em função de grupos de mídia. “Dessa
forma, os princípios não são cumpridos e, recentemente, alguns deles passaram a ser tratados
como ‘instrumentos de censura estatal’ por parte desses grupos”. (LIMA, 2013, p. 10).
Posto isso, Guimarães e Amorim (2013) apontam elementos que chamam de
categorias capazes de “mapear e medir o nível de democratização da opinião pública nas
diferentes situações institucionais e políticas de cada país”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013,
41
p. 128). Tais categorias englobam o nível de representatividade do sistema eleitoral, a
organização do sistema de mídia e a estrutura legal relacionada à liberdade de expressão.
Neste trabalho, no entanto, vamos nos ater à organização da mídia:
Serviço público, propriedade pública, regras públicas: o estatuto público deve guiar a
organização das esferas comunicacionais. O reconhecimento desse estatuto deve ser
observado para evitar contradições entre um serviço público explorado por um sistema
privado, o que não significa que empresas privadas não possam explorar a área, mas que essa
relação deve passar por critérios públicos.
Estímulo à radiodifusão comunitária: estímulo à formação de organizações públicas e
participativas que explorem a radiodifusão pública.
Critérios de outorga e fiscalização: quanto menos concentrado for o processo que
concede a outorga, mais protegida estará a liberdade de expressão; quanto mais vigorosas
forem as leis que impedem a formação de oligopólios, maior proteção à opinião pública;
quanto maior a representação em órgãos regulamentadores, menores as chances de
manipulação por interesses particulares e a existência de uma legislação que estabeleça
critérios de produção de conteúdo, promovendo a produção nacional e regional.
Ainda de acordo com os autores, a concepção de opinião pública democrática permite
que se voltem os olhares para uma outra questão: “a angústia produzida pela razão individual
da gramática liberal, que, ao desenhar o público como problemático para a individualidade,
coloca cada individuo como ameaça ao outro, dificultando a concepção de um público livre o
bastante para abrigar as diversidades”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 134). Apesar do
público ser visto de forma temerosa, isso não elimina a interpelação do outro, que nas
palavras do poeta Antônio Machado citado por Guimarães e Amorim (2013, p. 134):
“subsiste, persiste, é o osso duro de roer onde a razão perde os dentes”. Com isso, eles
propõem uma opinião pública democrática que acolha a dimensão da alteridade. Nesse
sentido, vale citar as palavras de Champagne (1996):
a “opinião pública” dos institutos de sondagem é simplesmente a agregação
estatística de opiniões privadas que se tornam públicas. Não é uma opinião que se
exprime em público, quer seja por petições, tribuna livre na imprensa, declaração na
televisão, carta de leitor enviada a um órgão de imprensa, participação em
“sondagem” no momento de uma emissão de televisão, manifestação de rua, etc.
(CHAMPAGNE, 1996, p. 113).
Em suma, os tópicos a seguir tratarão justamente dos dois recursos citados acima,
ambos utilizados nas reportagens das revistas: sondagens e a opinião expressa em público,
afinal, eles foram adotados por Veja e Época na construção de um clima de opinião que viesse
42
a expressar ou mesmo formar a opinião pública tanto às vésperas como durante a Copa do
Mundo.
2.2 Sondagens e seus usos pela mídia
De acordo com Champagne (1996), os políticos foram os primeiros a ter interesse
pelas sondagens, muito antes delas se interessarem por eles. Antes da década de 1960, as
pesquisas de opinião eram feitas sob encomenda, mas nem sempre eram publicadas, pelo
contrário eram utilizadas confidencialmente com o objetivo de municiar decisões políticas.
Ao discutir procedimentos relacionados à prática política, Thiollent (1986) destaca as
sondagens ou pesquisas de opinião como instrumentos cada vez mais institucionalizados no
âmbito da sociedade e da política moderna e que tiveram sua expansão atrelada à centralidade
da mídia. Segundo o autor:
a função da pesquisa de opinião consiste em conhecer quais são as opiniões, ideias,
sentimentos, gostos ou preferências do público. Os resultados são obtidos a partir de
entrevistas individuais ao nível de uma pequena amostra da população e são
utilizados como subsídios argumentativos nas tomadas de decisão e temáticas dos
meios de propaganda. (THIOLLENT, 1986, p. 19).
De acordo com Gomes (2004), a questão da construção da imagem pública17 é o
primeiro efeito da sondagem em meio a outros. De certa forma, a técnica que se disseminou
inicialmente nos Estados Unidos e espalhou-se pelo mundo funciona como uma espécie de
aferição da imagem pública, seja de pessoas, classes de pessoas ou mesmo instituições. Só
com apoio das pesquisas de opinião é possível que se identifique tal imagem. “Essa
identificação é etapa inicial necessária para que se tracem diretrizes e estratégias de ação, bem
como para que se implementem iniciativas, enfim, para que se dispare ou corrija propriamente
o processo da política de imagem”18. (GOMES, 2004, p. 272). Não foi por acaso que, no
Brasil, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República contratou institutos de
pesquisa para a produção de sondagens qualitativas e quantitativas acerca da Copa do Mundo
2014. Dois relatórios, reunidos as pesquisas sobre as manifestações de 2013, chegaram a
17 A imagem pública não é um tipo de imagem no sentido próprio, nem guarda qualquer relação com a imagem
plástica ou configuração visual exceto por analogia com o fato da representação. [...] O termo “imagem
pública”, finalmente, não designa um fato plástico ou visual, mas um fato cognitivo, conceitual. (GOMES,
2004, p. 247). 18 A expressão indica a prática política naquilo que nela está voltado para a competição pela produção e controle
de imagens públicas de personagens e instituições políticas. [...] A política de imagem é recurso que se
conhece desde a antiguidade e em toda parte, convivendo com democracia ou com tirania [...] Isso não exclui,
certamente, que existam aspectos específicos dessa prática na era de comunicação de massa. (GOMES, 2004,
p. 242).
43
provocar uma mudança no discurso do governo e na campanha publicitária relacionada à
Copa. No dia 6 de dezembro daquele ano, do bordão “Copa das Copas” passou a ter ampla
divulgação, tendo sido criado pelo marqueteiro Nizan Guanaes em detrimento do anterior,
inicialmente adotado, “Pátria de Chuteiras”. Segundo reportagem de Nery e Coutinho (2014)
na Folha de S. Paulo, “a mensagem oficial do Mundial deixou de enfatizar as obras de
infraestrutura que ficariam como herança do evento e passou a enaltecer o ufanismo e o
orgulho do ‘país do futebol’ em sediar a Copa”. Entre as principais observações, os
levantamentos que foram feitos após os protestos (junho a setembro de 2013) acabaram por
provocar a mudança do enfoque do Mundial porque diziam que a população não conseguia
enxergar o até então aclamado “legado” da Copa, que as obras não passavam de “maquiagem”
voltadas para o megaevento e que tudo voltaria a ser como antes, depois que os jogos
acabassem.
Para além do uso das sondagens pelos representantes políticos, Champagne (1996)
trata de seu uso por parte da imprensa, que passou a realizá-las e publicá-las por interesse
próprio. Fato que, aliás, fortaleceu os jornalistas e, consequentemente a imprensa como um
todo. Numa França em que essa área passava por um processo de autonomização e
profissionalização (a partir de 1960), a utilização das sondagens tornou-se um verdadeiro
trunfo. Afinal, com o apoio desse instrumento, os jornalistas passaram a opor-se a afirmações
de políticos e fazerem questionamentos apoiados numa suposta “vontade popular”:
essas questões são um efeito da relação que se instaurou entre os campos político e
jornalístico: não têm como objeto o conhecimento das opiniões dos cidadãos, mas
visam essencialmente reafirmar o poder próprio da imprensa em face do poder
político ao procurarem desestabilizar seus agentes. [...] Em última análise, o povo é
utilizado para proceder a ajustes de contas internas à classe político-
jornalística. (CHAMPAGNE, 1996, p. 135, grifos nossos).
Ajustes de contas que, aliás, na maioria das vezes, não são explícitos, o que faz com
que tanto jornalistas como cientistas políticos midiáticos – que serão caracterizados mais
adiante – façam parte do jogo político sem se apresentarem como jogadores pretendendo se
passarem por observadores imparciais. Isso se reflete na formulação de perguntas que se
apresentam como objetivas quando, na verdade, são tendenciosas. Questões que muitas vezes
são feitas a partir de resultados de pesquisas de opinião, “[...] parece que se limitam a
encomendar e comentar as sondagens para alimentar de maneira mais ‘científica’ os debates
com os políticos. [...] De fato, são atores em tempo integral e intervêm ativamente na luta.”
(CHAMPAGNE, 1996, p. 144).
44
Não é sem razão que a ciência política moderna e seus agentes, e nesse sentido, é
possível incluir tanto figuras que atuam em institutos de pesquisa quanto no âmbito midiático,
ou nas duas vertentes ao mesmo tempo, são alvo de um olhar fortemente crítico de Bourdieu
(1985). Para ilustrar essa temática, ele abre sua discussão com uma sondagem realizada pela
Société française d'enquêtes par sondages (Sofres) com a colaboração do Instituto de Estudos
Políticos a partir da seguinte afirmação: “Algumas pessoas, falando dos negócios do Estado,
dizem que são coisas muito complicadas e que é necessário ser um especialista para
compreendê-los”. O autor informa que, posteriormente, o entrevistado é questionado até que
ponto concorda ou discorda de tal afirmação: 72% tendem a concordar e acabam por atestar
sua própria incompetência. Diante disso, questiona: será que eles chegaram a se atentar ao que
implica uma confissão como essa? Para ele, seria o caso dos especialistas que atuaram na
produção dessa pergunta se questionarem acerca da natureza da competência política, ao invés
de criar uma questão simplista que leva os entrevistados a abrir mão dessa competência em
favor deles. Realmente, é sabido que à medida que se desce na hierarquia social e nos níveis
escolares, aumenta o número de pessoas que se omite a responder e, portanto, o desinteresse
por questões do âmbito político. Mas isso também está ligado ao fato dessas pessoas não
reconhecerem, nessas perguntas, seus interesses cotidianos por conta da linguagem oficial
política utilizada por esse instrumento – o discurso político.
Com efeito, o exemplo acima nada mais é do que uma ilustração para o que Bourdieu
(1985), inspirado em Platão, chama de doxósofo, ou seja, “especialista da doxa, opinião e
aparência, [...] fadado a dar aparências de ciência a um terreno em que as aparências sempre
são a favor da aparência”. (BOURDIEU, 1985, p. 154). E como alguém que parece estar
decidido a desmistificar o olhar acerca da ciência política como um território neutro a parte, o
autor afirma que ela “[...] sempre consistiu numa certa arte de devolver à classe dirigente e a
seu pessoal político sua ciência espontânea da política, ornada com a fachada de ciência”.
(BOURDIEU, 1985, p. 154). Com isso, entram em cena uma sequência de gestos e ações,
entre eles a busca de autores considerados referências, uma neutralidade ostentatória no tom e
um vocabulário falsamente técnico para elevar a ciência a um patamar distante das
conversações cotidianas e buscar, por meio de uma “máscara da objetividade”, o papel de
observador imparcial que, portanto, conserva uma distância considerável e igualitária de
qualquer um dos extremos. Vale lembrar que esse comportamento atravessou o âmbito da
ciência e adentrou aos meios de comunicação, afinal, os debates televisionados transmitidos
especialmente em períodos eleitorais tentam seguir essa mesma lógica, dividindo os espaços,
o tempo e a chances de cada candidato se pronunciar, sem falar nos sorteios para definir quem
45
inicia e quem dá sequência nas regras de cortesia política.
Talvez sejam essas as razões que fazem com que a reportagem “Um divórcio
amigável”, publicada na revista Veja19, logo após a abertura da Copa do Mundo e primeira
vitória da seleção brasileira, momento em que o país estava fazendo as pazes com o Mundial,
traga a fala do sociólogo Ronaldo Helal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “é um
equivoco associar a seleção ao governo. A sociedade amadureceu, derrotas e vitórias dentro
do campo não são mais um projeto de nação. Em 1998, o Brasil perdeu e Fernando Henrique
ganhou. Em 2002, o Brasil foi penta e a oposição levou.” (RODRIGUES, 2014, p.109).
Ironicamente, a edição da mesma revista20 que cobre a derrota histórica do Brasil contra a
Alemanha por 7X1, traz a reportagem de capa “Vai sobrar para ela?” com a opinião de dez
analistas da possível repercussão do resultado na então já iniciada corrida eleitoral. Do total,
sete são cientistas políticos ou responsáveis por institutos de pesquisa.
Por sua vez, na França, segundo Champagne (1996, p. 129), “a imprensa parisiense e
os semanários de circulação nacional são, sem dúvida, os maiores clientes dos institutos de
sondagem”. Ao fazer essa afirmação, o autor explica que o poder e adesão à crença nessas
pesquisas se dá em virtude de uma diversidade de interesses, mas que nem de longe isso é
homogêneo, mesmo dentro campo jornalístico. Talvez por isso mesmo, a forma de utilização
e de exposição dessas sondagens varie tanto de meio para meio. Apenas para citar alguns
exemplos, a imprensa popular acaba buscando aquilo que possa provocar risos ou mesmo
curiosidade num público que não tem o menor interesse por política, por outro lado:
Le Quotidien de Paris, Le Figaro ou Le Figaro – Magazine utilizam-nas do ponto
de vista político de forma direta e, quase sempre, manipuladora [...] Le Monde,
Libération ou Le Nouvel Observateur procedem mais frequentemente a pesquisas
que poderiam ser designadas por “politológicas”, isto é, igualmente políticas,
embora de forma mais dissimulada e sofisticada. (CHAMPAGNE, 1996, p. 129).
Com efeito, o autor utiliza esses e outros exemplos para demonstrar como, de uma
forma ou de outra, a mídia faz uso dessas pesquisas para intervir no jogo político, ou seja,
como numa guerra fria cada veículo defende seu próprio lado. Outra maneira de se fazer uso
disso é quando, a imprensa após uma intensa campanha sobre determinada questão que
envolve a população, realiza e divulga sondagens acerca do fato. Em suma, acaba criando um
efeito-cascata que projeta uma realidade fabricada muito diferente do que seria a realidade em
si. Ainda nesse sentido, a divulgação dessas pesquisas fora do período eleitoral tem, na
maioria das vezes, o objetivo de deslegitimar os governantes que estão no poder naquele
19 Edição 2378, de 18.06.2014. 20 Edição 2382, de 16.07.2014.
46
período e explicitar o fato de não serem mais majoritários, como poderá ser demonstrado nas
análises apresentadas no capítulo quatro. Atentando para um último exemplo mencionado por
Champagne (1996) é interessante perceber a diferença entre os títulos utilizados por jornais
franceses a partir de uma mesma sondagem: no Le Monde – “A inquietação dos franceses
aumenta diante da construção da Europa”, no Libération – “Dois franceses em três veem a
Europa cor-de-rosa”, ambos divulgados no dia 3 de março de 1989 e, por fim, no Ouest-
France – “Os franceses entre o temor e a esperança”, foi publicado no dia seguinte.
Uma vez apresentada a discussão sobre o uso das sondagens pela mídia, torna-se
necessário apontar os pontos positivos e negativos relativos a esse instrumento. Ao focar seu
olhar na América Latina, Echegaray (2001) mostra que, desde os anos 1980, as sondagens
desempenham um papel central no processo de democratização desses países. Isso porque os
meios de comunicação se utilizam de dados obtidos por essas coletas para informar e repassar
dados à população acerca de assuntos de relevância pública. Também nosso entendimento
sobre as instituições ou mesmo em relação ao que é certo ou errado numa democracia muitas
vezes é fruto dessas pesquisas. Por outro lado, boa parte da agenda pública e das providências
que são tomadas pelos governantes surge a partir dessa mesma origem. Ele ressalta, no
entanto, que o processo de democratização desses países não ocorreu de forma homogênea,
como também o fato dessas pesquisas terem surgido a partir de diferentes caminhos em cada
um desses lugares. De maneira geral:
os argumentos que enfatizam o lado positivo das pesquisas nos falam da sua
contribuição para aproximar os interesses e opiniões de representados e
representantes, seu estímulo para um tipo de fiscalização pública da conduta e
decisões políticas das lideranças, a possibilidade de dar continuidade à voz pública
dos cidadãos além do período eleitoral, e a oportunidade de aumentar a qualidade
da informação sobre a qual são tomadas determinadas decisões de governo.
(ECHEGARAY, 2001, p. 61, grifo nosso).
Cabe salientar que, no âmbito deste trabalho, parte da análise é justamente examinar
como a voz pública dos cidadãos brasileiros são publicizadas em sondagens veiculadas por
Veja e Época em um ano eleitoral. Nesse sentido, formula-se a seguinte questão: como e em
que circunstâncias tais semanários fazem uso dessa voz pública?
Echegaray (2001) também destaca o papel político das pesquisas de opinião,
lembrando que elas podem surtir efeito com relação a três aspectos: a melhora da
representação política da sociedade; o fortalecimento das oportunidades e instituições
democráticas e, finalmente, em relação a legitimação das opções antidemocráticas. No que diz
respeito ao primeiro, ele ressalta como essas pesquisas ampliam o interesse público no âmbito
47
da democracia: elas estariam incentivando um diálogo melhor e mais produtivo entre as elites
e a massa? Será que elas contribuiriam para, entre outras questões, “moldar um debate mais
educado sobre políticas específicas, para fazer a agenda política mais permeável a novas
demandas e assuntos, e para aproximar as decisões dos líderes às preferências da população”.
(ECHEGARAY, 2001, p. 63)21.
O segundo efeito possível está focado nos líderes e no fato das sondagens atuarem em
favor dos trâmites democráticos. Para isso, é preciso constatar como elas estariam sendo
utilizadas, por exemplo, “[...] no desestímulo à formação de apoio a golpes ou intervenções
extralegais dentro da democracia, no estímulo a uma maior pluralização e transparência da
vida partidária e da seleção dos candidatos a cargos políticos, na redução do clientelismo e
coronelismo [...]”. (ECHEGARAY, 2001, p. 63).
Por fim, o último efeito está ligado diretamente ao autoritarismo, ou seja, essas
pesquisas estariam sendo, de alguma forma, usadas para fortalecer políticas autoritárias ou
mesmo enfraquecer líderes democráticos? Ou seja, é preciso analisar como essas pesquisas
estão sendo utilizadas “em defesa de políticas contrárias ao pluralismo, ao respeito das
minorias, ou em favor da desmobilização de grupos e valores políticos chaves para a
democracia, ou como meios de legitimar o apoio para ações internas anticonstitucionais”.
(ECHEGARAY, 2001, p. 63-64).
Apenas para dar um exemplo da imensa contribuição das sondagens em relação ao
primeiro efeito, ou seja, a representação política da sociedade, Scott citado por Echegaray
(2001) afirma que muitos estudiosos têm apontado a forte presença desses instrumentos como
fiscalizadores em momentos que culminaram na queda dos presidentes Fernando Collor de
Mello (Brasil) e Carlos Pérez (Venezuela):
em ambas as ocasiões ocorreu um ciclo virtuoso de pesquisas mostrando o
descontentamento com os comportamentos das autoridades, que facilitaram a
mobilização popular de protesto em favor de punições, as quais – por sua vez – influenciaram na colocação da questão da corrupção no topo das preocupações do
público (como fora registrado pelas próprias pesquisas), o que acabou, em última
instância, por pressionar as instituições democráticas a tornar-se mais responsáveis e
atentas às demandas cidadãs. (SCOTT apud ECHEGARAY, 2001, p. 65).
Como contraponto a esses efeitos positivos, Bourdieu (1985) aponta três postulados
implícitos às sondagens. Segundo ele, mesmo quando todo o rigor metodológico é obedecido
21 Se os institutos de sondagem constituem, como dizem, um “progresso” é, talvez, no grau de sofisticação que
trazem à ideologia democrática: ao acusarem os políticos de falar, a torto e a direito, “em nome do povo”, os
profissionais das pesquisas de opinião conseguem efetivamente melhor desempenho ao levarem o próprio
“povo” a falar da mesma forma. (CHAMPAGNE, 1996, p. 111).
48
na execução dessa prática, é possível fazer questionamentos. Tais postulados apresentados
pelo autor envolvem o fato das pesquisas suporem, de antemão, que todos podem ter uma
opinião; que tais opiniões são equivalentes e, finalmente, que há um comum acordo sobre as
perguntas que devem ser feitas. Em suas argumentações, parece mesmo querer atingir o
âmago da questão: por isso acaba por questionar quais seriam exatamente os princípios
norteadores que geram as problemáticas das sondagens. Em seu artigo “A opinião pública não
existe”, ele chega a ilustrar tais afirmações comentando a análise de uma pesquisa sobre a
opinião da população acerca do sistema de ensino francês. Mais de duzentas perguntas sobre o
sistema de ensino teriam sido feitas desde 1968, ao passo que de 1960 a 1963 não se chegou a
vinte dúvidas. Isso significa que essas perguntas estiveram ligadas a uma determinada
conjuntura, em especial às “[...] preocupações políticas do ‘pessoal político’. [...] A questão
do ensino, por exemplo, só pode ser colocada por um instituto de opinião pública quando se
torna um problema político”. (BOURDIEU, 1985, p. 139). E aí abrimos um pequeno
parêntese: será que no caso da Copa do Mundo no Brasil isso seria diferente desse exemplo da
França? Se não houvesse interesses políticos no Mundial, teriam sido feitas tantas sondagens
acerca do evento?
O autor ainda atrela essa politização da sondagem a uma questão crucial, os recursos
financeiros para a execução desse instrumento. Nesse sentido, Thiollent (1986) também
destaca que pesquisas de opinião têm um alto custo. Ao comparar com pesquisas no âmbito
das ciências sociais, ele afirma que o faturamento das sondagens em poucas semanas supera,
em muito, orçamentos anuais dessas outras. Por isso mesmo, esse procedimento é bastante
restrito sendo reservado “a entidades da esfera do poder e é de difícil aproveitamento por
parte das organizações populares”. (THIOLLENT, 1986, p. 19).
Outra afirmação categórica feita por Bourdieu (1985, p. 139) é que “a sondagem de
opinião, no contexto atual, é um instrumento de ação política; sua função mais importante
consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública como pura adição de
opiniões individuais” e que as problemáticas colocadas pelas pesquisas não são nada menos
que interessadas. O autor enfatiza, ainda, que ao estancar porcentagens nas capas dos jornais
expondo a manifestação de uma suposta opinião pública, na verdade ela está sendo utilizada
como um artefato puro e simples para dissimular um sistema de forças e tensões. Com efeito,
[...] todo exercício da força é acompanhado por um discurso que visa legitimar a
força de quem a exerce; pode-se mesmo dizer que é próprio de toda relação de
forças dissimular-se como relação de força e de só ter toda sua força na medida que
ela se dissimula como tal. (BOURDIEU, 1985, p. 139).
49
Ainda em relação às problemáticas, Bourdieu (1985) lembra que muitas vezes as
questões impostas pelos instrumentos das sondagens simplesmente não fazem parte do
cotidiano das pessoas. Afinal, nem sempre aquilo que se apresenta como problema para uns é
visto da mesma maneira pelos outros. Portanto, “não existem perguntas que não sejam
reinterpretadas em função dos interesses ou dos não-interesses das pessoas para as quais são
colocadas”. (BOURDIEU, 1985, p. 141). Para ele, somente uma análise completa das
respostas pode trazer luz a essa questão. Ainda utilizando a temática relacionada ao ensino,
independentemente do âmbito, ele explica que no sobe e desce das classes sociais, quanto
mais se desce na hierarquia, mais tais problemas são enxergados como éticos. Por outro lado,
quanto mais se volta para o topo, mais tornam-se questões políticas. E assim “um dos efeitos
de distorção da pesquisa consiste em transformar respostas éticas em respostas políticas pelo
simples efeito de imposição da problemática”. (BOURDIEU, 1985, p. 142). Também há quem
diga que as distorções cometidas por esses institutos se dão em relação à forma como as
perguntas são elaboradas, o que o autor diz fazer sentido. Afinal, dependendo de como são
feitas, acabam por influenciar nas respostas dadas. Assim:
transgredindo o preceito elementar da construção de um questionário, que exige que
se “abram possibilidades” para todas as respostas possíveis, omite-se,
frequentemente, nas perguntas ou nas respostas propostas, uma das possíveis ou,
ainda, propõe-se várias vezes a mesma opção com formulações diferentes.
(BOURDIEU, 1985, p. 138).
Nesse sentido, ao analisar as sondagens publicadas por Veja e Época, há que se
considerar se elas explicitam quais perguntas foram feitas aos entrevistados. Por sua vez,
Kandel (1985), refletindo acerca de entrevistas não-diretivas tanto no âmbito da psicologia
como nas pesquisas de opinião, rechaça o fato desses especialistas ou organizadores insistirem
em chamar de “sujeito” pessoas que, na verdade, independentemente do método em que
ocorrem os questionamentos, estão sendo tratadas como “objeto”. Para ela, a questão envolve
menos a afirmação de que toda entrevista é desonesta do que propor condições nas quais o
controle e a iniciativa das ações, ao se tentar conhecer a opinião das pessoas, deixem de estar
apenas nas mãos de organizações ou especialistas-interrogadores e passem a ser partilhados
igualmente “pelo conjunto daqueles que, a partir daí, indivíduos e coletividades, não seria
mais ridículo chamar de ‘sujeitos’”. (KANDEL, 1985, p. 187).
Para a autora, a relação entre entrevistador e entrevistado, dessa forma, é uma troca
visivelmente desigual, na qual o segundo só tem o direito a cooperar e concordar com o que é
proposto pelo primeiro. Com isso, ela ainda expõe outro problema básico: apenas o
50
entrevistador tem o direito a questionar, fazer perguntas e elaborar suas conclusões. Portanto,
resta ao entrevistado apenas “[...] o direito de responder, quando lhe é perguntado (isto é,
precisamente, sob a pergunta – e na posição de sentido): o direito à palavra tornou-se um
simples dever de resposta”. (KANDEL, 1985, p. 183).
Portanto, embora o entrevistado seja levado ao status de sujeito, na realidade não é
bem isso que ocorre. “Em todos os casos, o sujeito é utilizado pelo pesquisador
(entrevistador); ele produz ‘material’ (verbal) que será ulteriormente explorado – como se diz
tão bem – por outros, com quadros de referência e objetivos que lhe são estranhos e, na
maioria das vezes, dissimulados. (KANDEL, 1985, p. 183). Posto isso, a autora questiona, por
exemplo, quem estaria sendo beneficiado com tal exploração.
Outros dois aspectos relacionados às sondagens que costumam gerar discussões tanto
no cotidiano como no âmbito acadêmico são a amostragem e os diferentes níveis de
informação do público. Em relação ao primeiro, Thiollent (1985) afirma que, ingenuamente,
algumas pessoas contestam o número de entrevistados, ou seja, um grupo de menos de duas
pessoas para representar um país de mais de 100 milhões de habitantes. Uma preocupação que
qualquer conhecimento básico em estatística afasta facilmente. No entanto, outras discussões
questionam os critérios utilizados para a construção dessa amostragem. Afinal, todas as
classes sociais, as categorias relacionadas a sexo e idade ou mesmo as regiões de um país
estariam sendo realmente representadas de maneira justa? Segundo o autor:
tecnicamente, os estatísticos e os especialistas em computação dessas companhias
estão em condição de determinar amostras representativas com razoáveis margens
de confiabilidade, seja qual for a complexidade da população global. Sempre
existem erros e distorções possíveis, mas parecem controláveis e parcialmente
retificáveis. (THIOLLENT, 1985, p. 67-68).
Já em relação ao segundo aspecto, para Bourdieu (1985), a única forma de mudar tal
situação e tornar o “jogo político” menos absurdo é provocar outro estímulo, muito diferente
daquele no qual uma pessoa simplesmente oferece uma resposta quando questionada. Da
mesma forma que, para estimular alguém a ir ao museu é preciso ensinar-lhe várias coisas na
escola, também seria necessário ensinar educação política desde o ensino fundamental, só
assim, ao serem questionadas por uma pesquisa de sondagem, as pessoas teriam condições
não apenas de darem respostas, mas também de produzirem perguntas ou mesmo defender-se
de questões que lhe são impostas porque não há o desejo de se colocar outra. A opinião de
Thiollent (1985) não destoa muito disso, em um dos seus textos chega mesmo a apontar
estatísticas evidenciando as disparidades de desinformação do público, independentemente de
contextos políticos. E não para por aí, afirma que tal desinformação ocorre inclusive em
51
países desenvolvidos. Assim, é possível concluir que a “validade de uma pesquisa de opinião
não seria problemática se todos os indivíduos que compõem a sociedade fossem iguais em
termos de acesso à informação e de capacidade de formular opiniões políticas”.
(THIOLLENT, 1985, p. 68).
Em vista disso, torna-se relevante examinar que opiniões políticas são atribuídas por
Veja e Época aos brasileiros naquele contexto de Copa do Mundo por meio das sondagens
divulgadas, bem como pelas falas dos ordinários que são utilizados como fontes nas
reportagens. É o que será discutido no tópico a seguir.
2.3 Quando a fala do outro é uma peça-chave
Ao tratar da mediação na vida cotidiana, uma das afirmações mais contundentes de
Silverstone (2002, p. 771, tradução nossa) expõe que “a maior característica da modernidade
reside no aumento de nossa confiança em sistemas abstratos”22. Entre esses sistemas, o autor
destaca a mídia, que mais do que nunca influencia no dia a dia das pessoas, portanto, não há
como dissociá-los, são “caminhos significativos inseparáveis”:
não há mais como conceber o cotidiano sem tomar conhecimento do papel central
que o crescimento da mídia eletrônica (mas também livros e imprensa) tem de
definir as maneiras de ver, sentir e agir. Meu argumento pressupõe que a mídia toma
como sua suprema realidade, nos termos de sua orientação, o mundo da vida
cotidiana da audiência, dos leitores e dos usuários. (SILVERSTONE, 2002, p. 762,
tradução nossa)23.
De acordo com o autor, além de fazer diferença na forma como se dão as relações
humanas, a mídia está completamente implicada na forma como reconhecemos o outro, afinal,
sem ela não teríamos como reconhecer alguém que está distante. É a mídia que nos conecta ou
desconecta desse tipo de relação com o outro, “[...] nossas telas e apresentadores são
diariamente impregnados com as imagens e vozes de mundos e pessoas os quais não
poderíamos, de outra forma, ter conhecimento [...]”. (SILVERSTONE, 2002, p. 768, tradução
nossa) 24.
22 A major characteristic of modernity lies in our increasing trust in abstract systems. 23 One can no longer conceive of the everyday without acknowledging the central role that increasingly the
electronic media (but also books and the press) have in defining its ways of seeing, being, and acting. My
argument presupposes that the media take as their paramount reality, in terms of their orientation, the everyday
life world of its audiences, readers, and users. 24 [...] our screens and speakers are daily suffused with the images and voices of worlds and peoples of which we
would otherwise have no knowledge [...].
52
Então, ele aponta duas possibilidades entre as quais a representação midiática do outro
oscila: a primeira definição de alteridade como “aniquilação”, algo além da nossa capacidade
de compreensão, criando ansiedade, legitimando a repressão e fortalecendo a cultura da
hostilidade, como quando divulgaram as imagens de palestinos celebrando a destruição do
Word Trade Center. Já a segunda forma de representação é a “incorporação”: com essa,
acontece justamente o oposto: ou seja, a negação da diferença. Assim, a imagem do outro é
incorporada a um ambiente controlado e familiar ao público, como num talk show ou num
documentário. Com isso, a figura do outro acaba por ser domesticada. Portanto, conclui o
autor, “em ambos os casos, a possibilidade de aproximar-se da alteridade em qualquer grau de
compreensão e sensibilidade é, com óbvias exceções individuais, fundamentalmente
comprometida”. (SILVERSTONE, 2002, p. 770, tradução nossa)25. Parece-nos justamente o
que ocorre, como será visto adiante, com a forma como grande parte das fontes são
apresentadas em veículos como as revistas Veja e Época.
Especificamente acerca dessa relação entre a vida cotidiana e o sistema midiático,
Couldry (2002) estabeleceu uma forma de nos diferenciar com base em nossa relação com a
mídia. Com isso, cria a figura do “ordinário” em contraposição a esse mundo. “É ‘senso
comum’ que o ‘mundo da mídia’ é, de algum modo, melhor, mais intenso, do que a ‘vida
ordinária’ e que as ‘pessoas midiáticas’ são, de algum modo, especiais”. (COULDRY, 2002,
p. 45, tradução nossa)26. De maneira geral, essa diferença é estabelecida por conta de uma
hierarquia simbólica advinda de uma das dimensões que colabora para o empoderamento da
mídia: o “ordering” (ordenação). Basicamente, o autor estabelece que o ordinário está
presente na mídia às vezes, mais especificamente quando algo o leva a posição de sujeito, por
exemplo, quando realiza algo de extraordinário (“on the media”), diferentemente daquelas
figuras (não ordinárias) que compõem esse mundo (“in the media”) entre elas cantores, atores
ou mesmo jogadores de futebol famosos (um exemplo básico é o jogador Neymar, um dos
maiores astros do futebol internacional e, claro, da Copa do Mundo 2014). Segundo Couldry
(2002):
[...] o termo também perpassa muitas divisões hierárquicas. Em qualquer caso
particular (‘vida ordinária’, ‘mundo ordinário’, ‘pessoas ordinárias’), mais do que
uma distinção pode sobrepor-se: a distinção básica entre ‘ordinário’ versus ‘fora do
ordinário’, mas também ‘ordinário’ versus ‘anormal’ (no senso pejorativo), ‘pessoa
ordinária’ versus qualquer ‘importante’ ou poderosa pessoa (em relação à política,
realeza, a polícia) e vida (doméstica) ‘ordinária’ versus o (implicitamente mais
25 In both cases the possibility of approaching that otherness with any degree of comprehension and sensibility
is, with obvius individuals exceptions, fundamentally compromised. 26 It is ‘common sense’ that the ‘media world’ is somehow better, more intense, than ‘ordinary life’, and that
‘media people’ are somehow special.
53
importante) mundo da esfera pública. (COULDRY, 2002, p. 45, tradução nossa)27.
Vale mencionar que, neste estudo, embora estejam “on the media”, os ordinários não
necessariamente fizeram algo de extraordinário, de qualquer forma, eles tiveram suas falas
publicizadas pelos veículos em questão.
No jargão jornalístico, o fato do ordinário estar presente na mídia às vezes o torna uma
“fonte de notícia”. A partir de uma pesquisa com diversos autores, Schmitz (2011) produziu
uma espécie de matriz na qual demarca e relaciona os tipos de fontes jornalísticas, de acordo
com o seguinte esquema:
Quadro 1 - Matriz de classificação das fontes
Categoria Grupo Ação Crédito Qualificação
Primária Oficial Positiva Identificada Confiável Secundária Empresarial Ativa Sigilosa Fidedigna Institucional Passiva Duvidosa
Popular Reativa
Testemunhal
Especializada
Referência
Notável
SCHfigura
...
Fonte: Schmitz (2011, p. 23)
Ainda segundo o autor, fontes de notícias são:
pessoas, organizações, grupos sociais ou referências; envolvidas direta ou
indiretamente em fatos ou eventos, que agem de forma proativa, ativa, passiva ou
reativa; sendo confiáveis, fidedignas ou duvidosas; de quem os jornalistas obtém
informações de modo explícito ou confidencial para transmitir ao público, por meio
de uma mídia. (Schmitz, 2011, p. 9).
Dentro disso, Schmitz (2011, p. 24) afirma que a “representação de uma organização,
grupo social ou personalidade pode ser mediada por uma assessoria de imprensa, porta-voz ou
informante autorizado ou não”. No entanto, nem a assessoria de imprensa nem o porta-voz
são fontes, mas simplesmente “pontes” que intermedeiam os interesses ou pensamento oficial
de quem representam.
Considerando que este trabalho tem como foco apenas o “mundo ordinário” de
27[...] the term´s usage also crosses many hierarchical divisions. In any particular case (‘ordinary life’, ‘ordinary
world’, ‘ordinary people’), more than one distinction may overlap: the basic distinction of ‘ordinary’ versus
‘out of the ordinary’, but also ‘ordinary’ versus ‘abnormal’ (in a pejorative sense), ‘ordinary person’ versus
any ‘important’ or powerful person (in relation to politics, royalty, the police, and so on), and ‘ordinary’
(domestic) life versus the (implicitly more important) world of the public sphere.
54
Couldry (2002), torna-se fundamental resgatar algumas definições. De acordo com Pena
(2010), fontes primárias são aquelas que possuem relação direta com a informação28. “Já a
secundária é o tipo de fonte usada para contextualizar a reportagem. Em uma matéria sobre a
Guerra do Iraque, por exemplo, soldados e moradores de Bagdá seriam fontes primárias,
enquanto cientistas políticos e analistas militares seriam fontes secundárias”. (PENA, 2010, p.
64). Encaixam-se na categoria “primária” as fontes oficiais e testemunhais. As primeiras
tendem a ser mais tendenciosas, pois “têm interesses a preservar, informações a esconder e
beneficiam-se da própria lógica do poder que as colocam na clássica condição de Instituição.
Governo, institutos, empresas, associações e demais organizações estão nessa categoria”.
(PENA, 2010, p. 62). Já as fontes testemunhais são, como o próprio nome diz, testemunhas do
fato. “Mas é preciso lembrar que seu relato sempre estará mediado pela emoção, pelos
preconceitos, pela memória e pela própria linguagem”. (PENA, 2010, p. 64). Além dessas,
Schmitz (2011) atenta para a:
popular: manifesta-se por si mesmo, geralmente, uma pessoa comum que não fala
por uma organização ou grupo social. Enquanto testemunha, enquadra-se em outro
tipo, por não defender uma causa própria. Uma fonte popular aparece notadamente
como “vítima, cidadão reivindicador ou testemunha”. (SCHMITZ, 2011, p. 25).
Segundo Charaudeau (2006), para se tornarem visíveis e atingirem, mesmo que
momentaneamente o mundo da mídia, os “atores sociais” – as fontes – devem ser
considerados, de alguma forma, dignos de se fazerem presentes naquele ambiente. Com isso,
o autor aponta alguns critérios pelos quais os meios captam esses atores: “notoriedade [...]
uma das funções das mídias é dar conta dos atores do espaço público que estejam mais em
foco” (CHARAUDEAU, 2006, p. 144); “representatividade [...] grupos reconhecidos como
detentores de poder ou contrapoder (pessoas do governo, da oposição, dos sindicatos[...])”
(CHARAUDEAU, 2006, p. 145); expressão, porque é preciso que as fontes tenham clareza ao
falar para o grande público e polêmica (o confronto entre pessoas gera polêmica e a mídia,
claro, faz um grande uso disso).
Também no que diz respeito às fontes, Pena (2010) cita um ditado popular conhecido:
“Quem conta um conto aumenta um ponto”. O autor utiliza essa expressão para explicar que
fontes são repletas de subjetividades, portanto, muitas vezes seu olhar está “mediado pelos
‘óculos’ de sua cultura, sua linguagem, seus preconceitos. E, dependendo do grau de miopia, a
lente de aumento pode ser direcionada para seus próprios interesses”. (PENA, 2010, p. 57).
28 Nas reportagens pertinentes a este trabalho, há falas de torcedores brasileiros e estrangeiros, manifestantes e
grevistas, além de pessoas que trabalham em setores direta ou indiretamente ligados ao megaevento, como por
exemplo, representantes de excursões para os jogos, funcionários de aeroportos e agentes de segurança.
55
O autor ainda destaca a questão da proximidade entre o jornalista e o entrevistado. A
partir do momento em que o interlocutor sabe que declarações dele serão divulgadas, as
mudanças também podem ocorrer em sua forma de repassar as informações. “Muito
provavelmente ficarão diferentes a postura, o tom e, dependendo das circunstâncias, até o
relato. O resultado de uma conversa com a fonte depende essencialmente do que ela imagina
sobre você e suas intenções”. (PENA, 2010, p. 58). Essa é uma das razões pelas quais o autor
sugere que para o jornalista, a desconfiança não é pecado, é norma de sobrevivência.
No entanto, não se pode deixar de atentar para o outro lado da questão. De acordo com
LAGE (2001, p. 53), é preciso considerar que “entre o fato e a versão que se divulga, há todo
um processo de percepção e interpretação que é a essência das atividades dos jornalistas”. O
autor lembra, ainda, que todo esse processo de transformação até que se chegue a hora de
reportar os fatos tem início justamente na fonte. Nesse sentido, Costa (2009) afirma que:
quando o jornalista realiza a representação de uma representação, ele está indo muito
além da questão dos ditos pilares verdade, justiça e ética. Porque nunca conseguirá
uma representação “pura”. Sempre estará reproduzindo visões de outrem – sem
contar a presença de todos os outros que formaram a sua própria visão de mundo.
(COSTA, 2009, p. 38).
Para explicar o que considera “representação da representação”, ele toma como
exemplo um jornalista que testemunha um assassinato. Primeiramente, é preciso lembrar que
sendo o único testemunho exposto na notícia ou reportagem, suas palavras vêm carregadas
das representações que o acompanharam durante sua vida, tanto no aspecto profissional como
humano. De qualquer forma, é preciso lembrar que não há como fazer jornalismo sem outras
representações: é aí que surgem a figura da “[...] autoridade policial, a família da vítima, o
agressor, o advogado do agressor, as outras eventuais testemunhas... O exemplo vale para
praticamente todas as situações de cobertura jornalística”. (COSTA, 2009, p. 38). Portanto, o
autor é taxativo em afirmar que, para fazer uso da linguagem e das imagens, o comunicador
necessariamente vai ter que lançar mão de algo muito mais amplo do que uma representação
pura, ou seja, de algo que não parta somente de si mesmo. “Essa representação sempre será
mediada por outra representação, aquela realizada por outro (a fonte) ou por vários outros
(outras fontes, testemunhas...). Mesmo quando, em jornalismo, alguém estiver dando um
depoimento pessoal sobre algo do qual é testemunha ocular”. (COSTA, 2009, p. 39). Com
isso, o comunicador acaba deixando o caminho da verdade para adentrar o campo da
representação da representação.
Em determinado momento, Costa (2009) utiliza uma frase de Arthur Schopenhauer,
“O mundo é minha representação” para ilustrar como, num planeta repleto de representações
56
como a mídia, “o jornalista reapresenta as representações de outrem para os outros”.
(COSTA, 2009, p. 40). O que se pode observar nisso tudo, inclusive sem deixar de levar em
conta a questão ética, é que esse jornalista “encaixará nelas a sua própria representação, a qual
manipula, maneja, hierarquiza as representações que lhe foram feitas pelas diversas fontes
consultadas. Ele re-apresenta com sua capacidade de representar”. (COSTA, 2009, p. 40).
Não é para menos que autor cita uma provocação do jornalista e ensaísta vienense Karl Kraus
para finalizar seu artigo: “Não será o escrever senão a capacidade de apresentar uma opinião
ao público com palavras?” (KRAUS apud COSTA, 2009, p. 40).
Essa preponderância da ação do jornalista sobre as fontes também é apontada por Wolf
(2002), de tal forma que embora o autor as considere um fator essencial para a qualidade da
informação divulgada, o papel ativo do jornalista acaba por marginalizar esse componente da
reportagem. Por isso mesmo, de maneira nenhuma, a articulação das fontes é arbitrária ou
casual. Embora jornalista, público e fontes façam parte de um verdadeiro “jogo de corda”, não
há dúvidas de que esse jogo é decidido pela força. Não é para menos que não se pode
considerá-las “[...] todas iguais ou igualmente relevantes, assim como o acesso a elas e o seu
acesso aos jornalistas não está uniformemente distribuído”29. (WOLF, 2002, p. 223, grifo
nosso). Para explicar isso, ele afirma que: “a rede de fontes que os órgãos de informação
estabelecem como instrumento essencial para o seu funcionamento, reflete, por um lado, a
estrutura social e de poder existente e, por outro, organiza-se a partir das exigências dos
procedimentos produtivos”. (WOLF, 2002, p. 223).
Com isso, o autor chega a dois apontamentos significativos para este trabalho: um
deles diz respeito ao fato de que, se estiverem distantes de uma das duas questões apontadas
acima, as fontes não têm a menor chance de fazer diferença na cobertura dos fatos. Já o
segundo detalhe está ligado à percepção de que, embora existam possibilidades de,
eventualmente, o meio sair do âmbito de suas fontes convencionais para dar vazão a outras
falas, como isso não é comum, essa estrutura de fontes que o meio cria para si próprio acaba
por condicionar, fortemente, o tipo de informação a ser produzida por esse órgão. (WOLF,
2002).
Acerca da relação jornalista, meio e fontes, Fraga e Motta (2013) publicaram um
artigo no qual expõem uma disputa velada pela voz durante a crise na Universidade de
29 Nesse sentido, parece bastante relevante a consideração feita por Almeida (2012, p. 16) com relação ao
pensamento de Spivak: “o fato de a fala do subalterno e do colonizado ser sempre intermediada pela voz de
outrem, que se coloca em posição de reivindicar algo em nome de um (a) outro (a) [...] Para ela, não se pode
falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar ‘contra’ a subalternidade, criando espaços nos quais o subalterno
possa se articular e, como consequência, possa também ser ouvido”.
57
Brasília, em 2008. Os pesquisadores apontam três narradores principais durante a cobertura: o
primeiro narrador – Jornal Nacional, da TV Globo, com seus apresentadores; o segundo-
narrador, ou seja, os jornalistas que cobriam o episódio e o terceiro-narrador, as fontes. No
jogo de forças entre os três, para os autores, o veículo com seus apresentadores-editores é o
mais poderoso (pode incluir ou excluir falas ou até mesmo fatos), os repórteres, embora
diretamente envolvidos nos acontecimentos, têm poder de voz intermediária (pois podem ser
editados) e, por sua vez, as fontes possuem um poder de voz reduzido, embora tenham alguma
força. Essas fontes foram, ainda, consideradas personagens de uma trama narrativa tendo sido
identificadas como: “1) o protagonista principal, o movimento estudantil, e seus adjuvantes
apoiadores; 2) o antagonista principal (reitoria) e seus adjuvantes apoiadores”. (FRAGA;
MOTTA, 2009, p. 104). Um dado importante para o estudo do ordinário é:
[...] o modo como aparece o personagem, o modo como seus atos são retratados,
recortados e selecionados. Na narrativa do Jornal Nacional sobre a ocupação da
reitoria, os estudantes, por exemplo, são mostrados como guerreiros em prol do
saudável funcionamento da sociedade, e contra a corrupção. A narrativa jornalística
poderia ter escolhido abordá-los como arruaceiros sem propósito, mesmo exibindo
seus discursos políticos. (FRAGA; MOTTA, 2009, p. 105).
Segundo os autores, essa forma de designar os estudantes está presente em todo o
contexto relacionado à crise, só sendo alterada após o momento em que o reitor Timothy
Mulholland pede demissão, no dia 14 de abril de 2008. A partir daí, os estudantes passam a
ser vistos pelo noticiário como “os rebeldes sem causa”. (FRAGA; MOTTA, 2009). É mais
ou menos o que Emediato (2013) chama de enquadramento por designação, lembrando que
essa técnica visa “ativar na memória do leitor conteúdos e valores simbólicos e associá-los ao
enquadramento efetuado”. (EMEDIATO, 2013, p. 80). Com isso, muitas vezes aquele que
está realizando a ação é associado a uma classe e isso pode fazer com que quem esteja
assistindo ou lendo sobre o assunto associe a imagem daquela figura específica a uma classe
ou grupo, estabelecendo inclusive uma relação de causa e efeito sem o menor fundamento,
como por exemplo:
[...] na designação de um < policial > implicado num caso de violência (logo, os
policiais são violentos?), ou de um < professor agredido na saída da escola > (a
escola é violenta? os professores estão sendo vítimas da violência escolar?), de um
“homem político” acusado de corrupção (os políticos são corruptos?), de um
estuprador designado por uma etnia, caso já visto na imprensa europeia (logo, há
relação de causa e efeito entre a etnia e o tipo de violência praticado?).
(EMEDIATO, 2013, p. 83).
58
Outra forma de enquadramento apontada por Emediato (2013), também relacionada ao
que se diz do outro, são os “verbos de atitude”. Frequentemente utilizados no discurso
relatado30, esses verbos acabam por sugerir características psicológicas do sujeito em questão.
Não é por acaso que, em determinadas situações, esses verbos podem acabar representando
uma opinião do enunciador acerca da figura narrada. Por isso mesmo, esses tipo de ação do
veículo pode projetar um clima favorável ou desfavorável para o ator social exposto em
qualquer campo, entre eles, o político. “Trata-se, assim, de uma estratégia de enquadramento
do dizer do outro que indica ao leitor em qual perspectiva ele deve compreender esse dizer”.
(EMEDIATO, 2013, p. 84). Na lista de verbos citados pelo autor estão “‘acusar’, ‘negar’,
‘rejeitar’, ‘censurar’, ‘criticar’, ‘condenar’, ‘prometer’, ‘vibrar’, ‘ameaçar’, ‘denunciar’,
‘recusar’, ‘desejar’, ‘aconselhar’, ‘afrontar’, ‘atacar’, ‘contestar’, ‘se inquietar’, ‘exigir’ e
‘estimar’”. (EMEDIATO, 2013, p. 83).
Ainda de acordo com o autor, uma das problemáticas no que diz respeito à dimensão
argumentativa do discurso relatado está justamente na forma como a fala ou discurso do outro
é relatado pela imprensa. É comum que essa fala passe por um tipo de manipulação ou
enquadramento que acabam por desviar o discurso do contexto original. Ele chega a apontar
três formas acerca de como isso pode ser feito: qualificar, ou mesmo desqualificar, o locutor
de origem pelo que ele está dizendo; criar uma tensão dentro de um contexto em que aquela
fala pode surtir um efeito maior ou, num terceiro aspecto – mais ligado a este estudo, quando:
o discurso relatado é uma opinião partilhada pelo sujeito informante e ele deseja vê-
la circular (operação delicada e difícil de identificar como intencional, salvo por um
trabalho sistemático capaz de demonstrar a regularidade das opiniões publicadas por
uma instância midiática. (EMEDIATO, 2013, p. 89).
Um bom exemplo disso foi como a mídia enquadrou as palavras da ex-ministra dos
Assuntos Estrangeiros da França, Michèle Alliot-Marie, acerca de uma eventual ajuda militar
à Tunísia para que o país viesse a restabelecer a paz diante da queda de seu maior
representante. O resultado é que a ex-ministra foi qualificada de forma muito negativa, teve
que se retratar em meio a uma enxurrada de críticas e comentários e, mesmo assim, grande
parte do público não chegou a ter acesso ao que ela realmente havia falado. (EMEDIATO,
2013).
Por sua vez, Charaudeau (2006) aponta problemas em relação à questão do dito
relatado na mídia. O primeiro diz respeito à seleção dos atores do espaço público: as vozes
30 O discurso relatado é o ato de enunciação pelo qual um locutor (Loc/r) relata (Dr) o que foi dito (Do) por um
outro locutor (Loc/o), dirigindo-se a um interlocutor (Interloc/r) que, em princípio, não é o interlocutor de
origem (Interloc/o). (CHARAUDEAU, 2006, p. 161).
59
captadas podem ser de anônimos ou de estrelas. Ao divulgar os “notáveis”, a mídia pode ser
considerada séria, mas também suspeita. Já quando relata a voz dos anônimos, podem ser
vista como democrática, ou demagoga31. O autor aponta ainda os tipos de posicionamento.
“Na maior parte do tempo, o locutor-relator opera, de maneira consciente ou não,
transformações no dito de origem. Assim, essas transformações revelam um certo
posicionamento do locutor-relator, quer sejam voluntárias ou não. (CHARAUDEAU, 2006, p.
172). Dois casos expostos pelo especialista em análise de discurso mostram como o discurso
de origem passou por uma intervenção:
[...] Do [Despacho de Agência] “O ex-ministro deixou a França” > Dr [Manchete de
jornal] “O ex-ministro escapa da justiça francesa”. O Dr transforma a descrição de
uma ação de partida, apresentada como uma “constatação”, em ação de fuga cuja
causa (“a justiça”) é explicitada, o que faz com que a ação se transforme num ato
“voluntário e repreensível”. (CHARAUDEAU, 2006, p. 173).
[...] Do [Na ONU, o representante do Irã] “Podemos provar que o Iraque utiliza
armas químicas”> Dr: [Jornal] “Irã acusa Iraque de utilizar armas químicas” > Ao
dizer-se “provar”, introduz-se uma demonstração que deve finalizar num resultado-
constatação. [...] Mas relatar por “acusa” é, para o locutor-relator, explicitar o que
está apenas implícito, a saber, que o Irã está na posição de um juiz que designa o
outro como culpado. (CHARAUDEAU, 2006, p. 173).
Além das estratégias acima, Emediato (2013) chama a atenção para a questão do
apagamento enunciativo. É muito possível que o “enunciador-jornalista” não exponha
nenhum ponto de vista, o que não significa que o meio ao qual está vinculado não tenha seu
ponto, ou até mais de um ponto de vista. O que pode ocorrer é que, no texto, um discurso
relatado traduza o ponto de vista do grupo ou veículo de comunicação. Um caso bastante
evidente foi quando o jornal francês Libération, de 26 de fevereiro de 2010, expôs, na capa,
frases do então presidente Nicolas Sarkozy e do seu primeiro ministro, François Fillon.
Colocadas juntas, essas frases sugerem, ao leitor, que algo não está indo bem no governo e,
com isso, embora os dois sejam aliados, acaba criando-se uma situação no mínimo
embaraçosa. Outro detalhe que demonstra claramente o interesse do jornal em provocar uma
tensão naquele momento é o fato das fotos dos rostos do então presidente e seu primeiro
ministro estarem dispostas de forma oposta, como se estivessem realmente se confrontando.
(EMEDIATO, 2013).
Saindo do âmbito das figuras midiáticas para as ordinárias, as explanações de
Champagne (1996) acerca das representações de manifestações e de seus participantes na
31 Nesse caso, o autor aproxima-se de Thiollent (1986, p. 79) que ressalta: “podemos considerar que o argumento
de apelo ao povo é usado até à saturação no caso específico dos discursos populistas”.
60
França expõem como “as caricaturas, os relatos da manifestação, as entrevistas dadas,
aparentemente por acaso, por agricultores, etc, tendem a exercer sobre o leitor não advertido
um efeito decisivo da reconstituição do acontecimento” (CHAMPAGNE, 1996, p. 214). Um
exemplo exposto por um jornal – o Le Matin - mais próximo aos socialistas que, naquele
período, estavam no poder representa os manifestantes de forma caricatural e até pouco
simpática, uma tentativa de desmerecer ou mesmo desconsiderar a manifestação daqueles
agricultores. Com isso, acaba por entrevistar um camponês que tinha raízes nobres e havia
votado em Jacques Chirac nas eleições legislativas e ainda ressalta que era uma característica
da maior parte dos entrevistados. Também vale observar um trecho do relato de uma viagem
de ônibus feita por um dos correspondentes do jornal em companhia dos agricultores:
cada um transportava sua sacola abarrotada de víveres consistentes, daqueles que
satisfazem plenamente o ventre, sem esquecer a garrafa de tinto [...]. Por volta de
1h30, as conversações são interrompidas para dar lugar a divertidos roncos sem
qualquer espécie de inquietação. A primeira palavra matinal, por volta das 5h30,
veio da parte de trás do ônibus. “Talvez seja necessário pensar em uma parada
porque, se a viagem continuar, não aguento mais, preciso me aliviar!”
(CHAMPAGNE, 1996, p. 214).
O autor registra, também, a diversidade de percepções políticas e sociais que os
jornalistas, ou os veículos dos quais fazem parte, atribuem a uma mesma manifestação, por
meio das personagens que são apresentadas à sociedade nas reportagens divulgadas nesses
veículos.
Le Parisien libéré escolheu como camponês representativo para seus leitores
predominantemente populares um camponês tradicional do Oeste com seu “paletó
xadrez e boina com galões”, cujo “rosto queimado pelo sol está todo enrugado”; Le
Quotidien de Paris, muito lido pelos executivos, escolheu um jovem agricultor “que
não teria destoado em uma manifestação de estudantes com seus óculos de tartaruga,
terno de lã e cabelos à la ‘Sciences-Po’; quanto ao Libération, preferiu um
“camponês rico de esquerda”, cujo vestuário chama a atenção: jeans, tênis, paletó de
cor azul piscina”. (CHAMPAGNE, 1996, p. 216).
Considerando o contexto da Copa do Mundo sediada no Brasil, não só figuras da
esfera midiática como Neymar, um dos melhores jogadores do mundo e estrela da seleção
brasileira, foram temas de reportagens da mídia como também personas do mundo ordinário,
em especial brasileiros, torcedores ou não. Mas afinal, em um Mundial que se iniciou diante
de tanta polêmica, como esses ordinários estariam sendo retratados e o que eles estariam
dizendo em revistas como Veja e Época, por exemplo?
61
3 O CONTEXTO COPA E AS REVISTAS EM QUESTÃO
Como analisar o que foi dito em época de Mundial sem saber realmente o que ocorreu
em relação ao Mundial? Assim, propõe-se reconstruir o cenário político socioeconômico que
envolveu o megaevento, atentando para a atuação dos vários setores entre eles o governo
federal, a mídia e a sociedade. Para conhecer melhor esse contexto, fez-se necessário atentar
para as manifestações de 2013. Além disso, neste capítulo, pretende-se caracterizar e
aprofundar o entendimento acerca não só sobre Veja e Época, mas também em relação aos
grupos aos quais pertencem: Abril e Globo.
3.1 Mundial 2014: vários “times” em um jogo
2007 – A Federação Internacional de Futebol (Fifa) concede ao Brasil o direito de
tornar-se sede do maior evento relacionado ao esporte: a Copa do Mundo.
2010 – Comitês Populares da Copa são criados: vários outros grupos da sociedade
civil, ONGs, movimentos sociais, universidades, órgãos públicos – como o Ministério Público
ou a Defensoria Pública – se organizaram e compuseram tais entidades nas doze cidades-sede.
Em suma, buscavam monitorar os gastos e ser um agente mobilizador da sociedade para
garantir que os direitos humanos não fossem violados em detrimento da organização de
megaeventos (Copa do Mundo ou Olimpíadas).
2013 – Realizada entre os dias 15 e 30 de junho, a Copa das Confederações é
organizada pela Fifa e conta com um público de 574 mil torcedores32 nos estádios. As
cidades-sede dos jogos são Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e
Salvador33. Poucas semanas antes, mais exatamente entre os dias 6 e 21 de junho, protestos e
manifestações de rua com milhares de pessoas – pouco comuns na história do país – são
realizados em todo o Brasil e organizados, sobretudo, por jovens e pelas redes sociais,
surpreendem tanto a sociedade quanto o governo.
2014 – 12 de junho: abertura da Copa do Mundo. Até o dia 13 de julho jogos são
realizados nas seguintes cidades-sede: Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Manaus, Natal,
32 Fonte:
http://www.portal2014.org.br/noticias/11929/COPA+DAS+CONFEDERACOES+2013+TEM+A+SEGUNDA
+MELHOR+MEDIA+DE+PUBLICO.html 33 Fonte: http://www.suapesquisa.com/copa_confederacoes/
62
Cuiabá, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo34.
No mesmo período, mais exatamente de 10 a 30 de junho, ocorrem as convenções
partidárias para a escolha dos candidatos às Eleições Gerais, o pleito principal é a Presidência
da República. No dia 5 de julho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 11
candidaturas35 ao cargo, entre elas, Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Eduardo
Campos (PSB). Com a morte do presidenciável, Marina Silva (PSB), até então vice, assume a
candidatura.
2014 – A presidente Dilma é reeleita com 51,65% dos votos. O candidato da oposição,
Aécio Neves, obtém 48,35% dos votos36, em uma eleição marcada por forte polarização.
Elencados os fatos cronologicamente, segue-se agora uma discussão relacionada aos
principais envolvidos e suas atuações no contexto do Mundial: Fifa, governo brasileiro, mídia
e sociedade.
Ocke (2013) apresenta estudos realizados, muito antes do megaevento, pelo governo
federal, pelo site da revista Veja, pelo Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) e pela
CNT/Sensus. Em julho de 2011, pesquisas feitas em todas as regiões do país, pelo site da
revista, apontavam um clima pessimista:
os leitores foram consultados sobre os preparativos do país, o papel do poder público
no evento, as sensações provocadas pela realização do torneio e, claro, sobre as
chances da seleção brasileira ser campeã do torneio. Para 78% dos participantes da
pesquisa, porém, os torcedores que virão ao país em 2014 voltarão para casa com
uma percepção ruim do Brasil. Só duas entre cada dez pessoas acreditam que a
imagem geral da Copa do Mundo será positiva. (OCKE, 2013, p. 111).
De acordo com Ocke (2013), nas doze questões propostas, o sentimento majoritário
era negativo, a maior parte dos internautas que participaram acabou por assinalar as piores
possibilidades, criando enormes margens entre os percentuais favoráveis e desfavoráveis e,
portanto, um cenário totalmente desfavorável. Em suma, “[…] a Copa do Mundo de 2014 não
empolga nem cativa o torcedor, desperta temores sobre imagem do brasileiro no exterior e
provoca insatisfação por causa do gasto excessivo e pouco inteligente de dinheiro público nas
obras”. (OCKE, 2013, p. 112).
Segundo o pesquisador, parecia mesmo que o público estrangeiro estava muito mais
animado com a Copa que os próprios brasileiros. Foi o que mostraram as pesquisas
encomendadas pela Embratur e realizadas pela CNT/Sensus, ambas voltadas para esse
34 Fonte: http://www.portal2014.org.br/ 35 Fonte: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Julho/tse-recebe-11-pedidos-de-registro-de-
candidatos-a-presidencia-da-republica 36 Fonte: http://www.eleicoes2014.com.br/
63
público. Também realizado em 2011, o estudo do Instituto de Turismo não chegou a ser
divulgado publicamente, mas segundo Veja “o resultado desta aferição comprova a condição
de um país festivo, de gente hospitaleira, mas de capacidade organizacional duvidosa”.
(OCKE, 2013, p. 112) Já os resultados da pesquisa CNT/Sensus, feita com cidadãos de 18
países, mostrou novas percepções acerca do Brasil:
os resultados apontam para uma imagem projetada composta por cordialidade,
hospitalidade e belezas naturais, mas não deixam de demonstrar o conhecimento
internacional das lacunas da nação. Quanto às expectativas dos estrangeiros em
relação à capacidade nacional de organizar a Copa do Mundo de 2014, estas soam
como um alento e uma esperança. (OCKE, 2013, p. 112).
Também nesse sentido, segundo Mello (2013), um estudo encomendado pelo governo
brasileiro ao Instituto FSB Pesquisa expunha o olhar otimista com o qual a mídia exterior
estava olhando para o Brasil. Pesquisa essa realizada entre os dias 22 de outubro e 15 de
dezembro de 2012. Ao todo, de acordo com a autora, foram ouvidos 100 jornalistas em dez
países, na Europa, América Latina e Estados Unidos. Esses locais foram escolhidos pela
própria equipe de Comunicação do Ministério do Esporte. A pesquisadora explica que, entre
outras questões, perguntou-se “Que imagem você tem do governo brasileiro/ da Confederação
Brasileira de Futebol (CBF), da Fifa/ do Comitê Organizador Local da Copa no Brasil:
positiva ou negativa?” (MELLO, 2013, p. 9). Pelas respostas obtidas no estudo, a avaliação
parece inclusive ter superado as expectativas do governo:
entre os atores responsáveis pela Copa do Mundo, a maior avaliação positiva
é, de longe, a do Governo Brasileiro, com 86% de respostas “positivas”. Depois
aparecem a CBF (57%) e o Ministério do Esporte (55%). A FIFA tem a
imagem mais negativa (60%), seguida pela CBF (29%) e pelo COL (26%).
Ministério do Esporte e COL têm os maiores índices de desconhecimento (40% e
32%, respectivamente). (MELLO, 2013, p. 9).
Não é para menos que, segundo Lopes e Pereira (2014), estimava-se que o Brasil
viesse a receber 600.000 turistas estrangeiros em visita às doze cidades-sede da Copa. Seria
uma oportunidade única para que o país do futebol expusesse suas potencialidades turísticas,
bem como viesse a modernizar vários segmentos relacionados à infraestrutura urbana.
O que ninguém esperava é que, de 6 a 21 de junho de 2013, em plena Copa das
Confederações, mobilizados e atentos ao excesso de gastos públicos realizados com vistas aos
megaeventos, milhares de brasileiros fossem às ruas para protestar. Segundo Mendonça e
Daemon (2014), os movimentos abriram várias discussões, entre elas:
64
o lugar do jornalismo tradicional na contemporaneidade, o monopólio e a
responsabilidade por administrar os fluxos informativos37, os limites do direito de
protestar, os modos de atuação repressiva das polícias, a incapacidade dos
governantes em lidar com múltiplas e difusas reivindicações, bem como as miríades
– muitas vezes contraditórias – de grupos e correntes que passaram a ocupar com
certa periodicidade as ruas do Brasil. (MENDONÇA; DAEMON, 2014, p. 14).
Para Domingues (2013, p. 97), “as manifestações refletiram uma insatisfação mundial,
que afeta em particular os jovens, com a forma fechada com que funcionam sistemas
políticos”. Daí o forte poder de convocação das redes sociais, com o apoio e por meio delas
eles puderam mostrar sua insatisfação. Sem dúvida, depois de décadas de despolitização,
voltou-se a ter a sensação de ser possível e necessário transformar a realidade e, porque não,
de ter o direito a sonhar. Em um primeiro momento, entre esses jovens:
[...] muitos recém-formados, mais próximos às classes populares devido à expansão
do ensino superior no Brasil de Lula, e mesmo trabalhadores mais ou menos
qualificados, comparecem massivamente às manifestações (não a classe alta, como
muitos suspeitaram). Para a maioria foi o batismo de fogo em termos de
manifestações e protestos. (DOMINGUES, 2013, p. 97).
O autor também abre um parêntese para os caminhos que os manifestos tomaram.
Embora tenham sido iniciados pelo Movimento Passe Livre (MPL), forças da Central Única
dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), mas
especialmente da extrema-direita, auxiliadas por grupos anarquistas autodenominados black
blocks, acabaram oportunamente tentando disputar as ruas:
se em um primeiro momento a esquerda, ou um sentimento popular que remetia à
esquerda, era amplamente hegemônico nas ruas, ao crescerem as mobilizações um
fenômeno a que não estamos tão acostumados fez-se presente: a direita, em todos os
seus espectros, apareceu, o que na verdade levou muitos a temer, equivocadamente,
a preparação de um golpe político da direita. (DOMINGUES, 2013, p. 98).
Segundo Souza (2015), esse surgimento da direita ocorreu mais precisamente no dia
19 de junho:
fato comprovado pelas pesquisas do IBOPE feitas com os manifestantes em
dimensão nacional – foi um ponto de inflexão fundamental que ajuda a esclarecer a
força narrativa e institucional do pacto conservador brasileiro contemporâneo. Foi a
partir deste dia que as manifestações se tornaram massificadas e ganharam todo o
apoio da mídia nacional, assumindo a ‘classe média verdadeira’ – os 20% mais
escolarizados e de maior renda segundo pesquisa – de modo mais claro o
protagonismo do movimento. (SOUZA, 2015, p. 240).
Já acerca das razões que levaram ao movimento, Domingues (2013) traça um pequeno
histórico no qual lembra que o governo Lula buscou combater a pobreza e diminuir as
37 Esse contexto de crítica à mídia será levado em conta por ocasião das análises das revistas Veja (grupo Abril)
e Época (grupo Globo). O “lugar de fala” dessas revistas, em 2014, é afetado por tais manifestações. Inclusive
matérias e editoriais reafirmam seu papel como representante da “voz das ruas”.
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desigualdades sociais em nível nacional. Por outro lado, o governo Dilma Rousseff foi aos
poucos sendo marcado pelo relativo fechamento do espaço político. “Ou seja, reduzia-se o
espaço de possibilidade, autorização e legitimidade simbólica de contestação pela sociedade,
em termos de protestos e movimentos sociais, de sua articulação e sua capacidade de
demandar diálogo com o poder estatal.” (DOMINGUES, 2013, p. 95). Atrelado a isso, ele
destaca ainda que “depois de anos de mudanças sociais significativas, tudo indica que as
pessoas querem mais da agenda social e que estão faltando criatividade e iniciativa aos
partidos, notadamente ao PT, oxigênio principal da política brasileira nas últimas décadas”.
(DOMINGUES, 2013, p. 97).
Fato é que todas essas questões, juntas, tinham forte relação com o Mundial. De
acordo com Prudêncio (2014), durante as manifestações, os Comitês Populares da Copa (os
doze enfeixados na Articulação Nacional dos Comitês, a Ancop) criaram o “grito” que acabou
ganhando impacto e sendo utilizado em protestos que ocorreram em todo o país: “Não vai ter
Copa!” Não demorou muito para que tal slogan ganhasse ressonância em outras mobilizações,
assim como na mídia, e transformasse o evento em um mote contra o governo. No que diz
respeito às ações que podem ter contribuído para tanta rejeição à Copa, entre elas destacam-se
o cumprimento de exigências da Fédération Internationale de Football Association (Federação
Internacional de Futebol)38. Em relação às imposições da Fifa ao Brasil, uma resposta dada pelo
então presidente da associação, Joseph Blatter, em entrevista ao Globoesporte.com durante os
protestos realizados em 2013, ilustra bem o posicionamento da instituição:
o Brasil pediu para sediar a Copa do Mundo. Nós não impusemos a Copa do Mundo
ao Brasil. Eles sabiam que para sediar uma boa Copa do Mundo naturalmente teriam
que construir estádios. Mas nós dizemos que não é apenas para a Copa do Mundo...
existem outras construções: rodovias, hotéis, aeroportos...itens do legado para o
futuro. Não apenas para a Copa do Mundo. (BLATTER, 2013)
Nesse sentido, cabe assinalar como esse argumento – o “legado para o futuro” – citado
por Blatter, aparece estampado na capa da revista Época39, publicada pouco antes do Mundial,
no especial intitulado “Brasil Padrão Fifa”, no qual a revista faz “um relato do futuro”: uma
projeção do Brasil semelhante ao padrão de países desenvolvidos.
38A administração da Fifa é operada por uma Secretaria Geral, que emprega cerca de 400 colaboradores em
Zurique, Suíça. O presidente é o secretário geral da Fifa, que é responsável por implementar as decisões do
comitê executivo. Esse secretário é também responsável pelas finanças da Fifa, pelas relações internacionais,
pela organização da Copa do Mundo e por outras competições de futebol da Fifa. (Fonte: www.fifa.com,
tradução nossa). No Brasil, a Fifa contou com o apoio do Comitê Organizador Local (COL) para a organização
da Copa das Confederações e do Mundial. Financiado pela Federação, mas operando em regime de isenção
fiscal, o COL funcionava como uma espécie de escritório local da Fifa. 39 Edição 834, de 26.05.2014.
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Já em relação às ações realizadas pelo governo com o objetivo de cumprir as
exigências da Fifa, iniciaremos pela Lei Geral da Copa. Sancionada pela presidente Dilma
Roussef no dia 5 de junho de 2012, a lei aprovou pontos polêmicos que haviam sido alvo de
debates e rejeição em vários setores da sociedade brasileira, entre eles, por parte do
movimento “Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa”. De acordo com
Konchinski (2012), em reportagem publicada pelo UOL Copa, entre outras medidas:
a lei garante à Fifa o credenciamento de empresas que poderão fazer a transmissão e
cobertura jornalística dos eventos da Copa. As que não estão autorizadas pela Fifa
dependerão da cessão de imagens de jogos pela entidade. [...] A Lei Geral da Copa
prevê que o Brasil indenize a Fifa em caso de problemas que atrapalhem a realização
da Copa do Mundo.[...] A lei assegura à Fifa autorização para divulgar suas marcas,
distribuir, vender ou realizar propaganda de produtos nos locais de jogos, nas suas
imediações e vias de acesso. Isso, porém, não pode atrapalhar as atividades dos
estabelecimentos regulares. (KONCHINSKI, 2012).
As ações, no entanto, transpassaram o fator jurídico e atingiram outros âmbitos. No que diz
respeito à arena Itaquera, onde a Copa foi iniciada, o local não estava totalmente pronto no dia da
abertura do evento, como foi noticiado em vários meios à época, mas havia outro estádio em
São Paulo – o Morumbi – que, com reformas, poderia ter aberto o Mundial. Segundo Toledo
(2012), a pressa imposta por um calendário oficial das obras, feito e refeito pelo governo
federal, sobre pressões políticas e austeridade creditadas à Fifa40 e as negociações que
envolveram a decisão em favor de tal projeto coadunam com motivos relacionados a anseios e
pressa dos torcedores por um estádio.
No que diz respeito aos investimentos, Melo (2012) aponta que, considerando todo o
evento organizado pela Fifa, de acordo com o valor previsto na Matriz das Responsabilidades,
apenas 2% viria do orçamento de contribuições da iniciativa privada.
Outra questão bastante comentada foi o financiamento da construção de três estádios:
em Manaus, Brasília e Cuiabá, que só teriam realmente utilização durante a Copa do Mundo
(LATI, 2014). Especificamente em relação ao Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha,
de acordo com Hilgemberg (2013), uma reportagem publicada pelo Globo.com denunciou que
o Tribunal de Contas do DF teria encontrado distorções de mais de R$ 200 milhões nos custos
40 Informações publicadas no Band.com.br apontam a construção da Arena como decisão que teria tido o apoio
do então presidente Lula: “enquanto a Fifa não se define sobre o aproveitamento do Morumbi na Copa/14,
surge a possibilidade concreta de um novo estádio de futebol para o estado de São Paulo: a Arena Multiuso de
Pirituba, na zona norte da capital [...] Por trás de toda essa polêmica, suspeita-se de uma manobra de Andres
Sanchez (então presidente do clube), que estaria interessado em adotar, após a Copa, essa nova praça de
esportes como a “casa do Corinthians”. Indícios para alimentar essas suspeitas são muitos. A saber: o
Corinthians não tem estádio e vem usando o Pacaembu, cuja capacidade é pequena [...] Andres Sanchez é
amigo do (então) presidente Lula que abriu as portas do governo federal para ele. O presidente Lula é
corinthiano desde criancinha [...]”. (PIRILO apud TOLEDO, 2012, p. 8).
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da construção. No entanto, o portal apresenta apenas o lado do governador, Agnelo Queiroz,
desmentindo o fato. Não há nenhuma investigação realizada pelo veículo. Cabe lembrar,
ainda, que o portal faz parte do conglomerado responsável pela transmissão dos jogos.
Já as zonas localizadas em torno dos estádios ganharam, em várias cidades-sede, uma
nova perspectiva. Em Porto Alegre, aponta Gutterres (2011, p. 5), “as vilas do bairro Cruzeiro
e Cristal, o norte do bairro Humaitá e o centro do bairro Anchieta – onde fica a área do
Aeroporto Internacional Salgado Filho – ganham com a chegada da Copa do Mundo uma
perspectiva de centro”. Ainda segundo a autora, assim que essas passaram a ser alvo de
investimentos como ampliação, sinalização e pavimentação de avenidas e saneamento, além
da divulgação da ideia de reurbanização, o caráter público passou a revelar aspectos que até
então não existiam, o que também gerou polêmica, afinal, a razão de optar-se pela melhoria
dessas áreas específicas (e não de outras) estava atrelada ao evento. (GUTERRES, 2011).
Também em Porto Alegre, segundo Margarites (2013), a Copa acabou por dar novos rumos à
formulação de políticas habitacionais. A Lei Complementar 636/2010, de 13 de janeiro de
2010, regulamenta o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e continha um artigo que
garantia a permanência nas mesmas regiões de origem a 80% dos assentados pelo programa.
No entanto, em dezembro do mesmo ano, um projeto de lei de iniciativa da Prefeitura
aprovado na Câmara tornou tal artigo ineficaz para obras que estivessem na matriz de
responsabilidades da cidade para a Copa do Mundo.
Uma questão significativa a ser explicitada, no âmbito econômico, foi o fato de o
Brasil ter vivido um período acelerado de crescimento do mercado consumidor interno e 2010 ter sido
o auge dessa trajetória, uma “profunda mobilidade social – num país que tradicionalmente não
tem mobilidade entre classes – que acometeu o país nos últimos dez anos”. (RICCI, 2014, p. 10).
Certamente, esse clima de otimismo motivado por um período de bonança na economia refletiu-se na
forma de condução do governo, especialmente no que diz respeito aos trâmites relacionados aos
megaeventos que seriam sediados no país. No entanto, em 2014 o clima de opinião entre os brasileiros
– objeto de estudo desta pesquisa – já era bastante diferente, afinal:
o que não se disse é que vivíamos lastreados nos investimentos chineses. Segundo
estudo da China Global Investment Tracker, o Brasil foi principal beneficiário de
investimentos chineses em 2010: US$ 13,7 bilhões, excluindo-se os títulos
públicos e investimentos de menos de U$ 100 milhões. [...] Em 2013, este volume
se reduziu a 20%. E, pior, a China decidiu competir com o Brasil na venda
de produtos à Argentina, o terceiro maior importador de produtos brasileiros (atrás
de China e EUA). (RICCI, 2014, p. 11).
Todos os aspectos acima, somados, provocaram descontentamento em relação ao Mundial.
Na ocasião, Lati ressaltava o desconforto gerado para os três atores envolvidos:
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para o povo brasileiro, irritado com o enorme desperdício e mau legado de
infraestrutura [...]; para o governo deste país, que viu seus índices de aprovação
despencar na medida em que o evento se aproxima [...]; para a Fifa, cuja relação
com o comitê organizador tem piorado, pois ela tem sido forçada a flexibilizar todos
os seus prazos [...]. (LATI, 2014, p. 9, tradução nossa).41
Dessa forma, algumas semanas antes do início do evento, o clima polêmico em relação
à Copa era bastante evidente. Como aponta o autor:
segundo levantamento feito pela Editora Abril, nove em cada dez brasileiros temem
que a Copa deixe uma impressão negativa do seu país. Apenas 13% acham que o
evento deixará coisas positivas para o Brasil, 87% dizem que estão insatisfeitos com
o fato de sediarmos a competição e mais da metade usou a palavra "vergonha" para
descrever seus sentimentos face ao evento. (LATI, 2014, p. 10, tradução nossa)42.
Considerando isso, acredita-se ser necessário detalhar parte das informações expostas. Em
primeiro lugar, os jogos foram sediados em 12 cidades, porém 18 capitais chegaram a inscrever-se
com seus projetos para fazer parte do megaevento. Uma delas, Maceió, desistiu antes do anúncio
final da Fifa, em 31 de maio de 2009. Já Belém, Campo Grande, Florianópolis, Goiânia e Rio
Branco ficaram fora da disputa43. Vale destacar, entretanto, que, poucos dias antes do anúncio
oficial de que o Brasil seria sede do Mundial, uma Comissão da Fifa afirmou que o país tinha
condições de organizar uma Copa excepcional. No entanto, segundo essa mesma Comissão,
nenhum dos estádios estava em condições apropriadas considerando as exigências da Federação44.
Mesmo assim, em nenhum momento isso alterou o número de candidaturas à sede. Vale lembrar
também que, para que o Brasil sediasse os jogos, a Fifa exigia dez cidades-sede e que tal número
só chegou a 12 por conta da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que brigou por essa
questão em razão das dimensões continentais do gigante da América do Sul45.
Definidas as cidades-sede, e que parte delas também seriam palco da Copa das
Confederações, passaram a ser feitas obras e investimentos nos mais diversos âmbitos. Ao todo, de
acordo com dados do Portal da Transparência46, foram contratados um total de R$ 27.824.646.818
41 [...] es un Mundial incómodo para las tres partes mas implicadas em él: para el pueblo brasileño, fastidiado por
el inmenso despilfarro y el escaso legado en materia de infraestructura [...]; para el gobierno de este país, que
ha visto sus cifras de aprobación desplomarse conforme se acerca la patada inicial [...]; para la Fifa, cuya
relación con este Comité Organizador ha sido cada vez peor, pues se ha visto obligada a flexibilizar todos sus
plazos [...]. 42 según uma encuesta generada por la Editora Abril, nueve de cada diez brasileños temen que el Mundial de
2014 deje uma impresión negativa de su país. Em tanto, apenas el 13% destaca que el certamen legará cosas
positivas a Brasil, 87% señala que no esta satisfecho con albergar la competición y más de la mitad utiliza la
palavra “verguenza” para calificar su sentir de cara al evento. 43 Fonte: http://www.quadrodemedalhas.com/futebol/copa-do-mundo/copa-mundo-2014-cidades-sede.htm 44 Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2007/10/cronologia-da-candidatura-do-brasil-a-copa-do-mundo-de-
2014-1662987.html# 45 Fonte: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/cidades-copa-2014/cidades-sede-copa-
2014-estadios-capitais-fifa-cbf-abertura-final.shtml 46Fonte:
69
e executados R$ 20.078.902.040 em aeroportos, comunicação, desenvolvimento turístico, estádios,
instalações para a Copa das Confederações, mobilidade urbana, portos, segurança pública e
telecomunicações. Ao contrário do que foi amplamente divulgado, a maior parte dos investimentos
não foi em estádios, mas sim em aeroportos, R$ 7.551.598.668. Já o valor gasto com as arenas da
Copa foi de R$ 6.542.853.96447, seguidos por investimentos em mobilidade urbana – R$
3.825.526.776 e segurança pública – R$ 1.439.219.366. Estes quatro itens, juntos, representam
mais de 95% dos gastos executados.
No que diz respeito à previsão de aplicação dos recursos (R$ 27.346.140.056), montante
um pouco diferente do que realmente foi contratado (exposto acima), R$ 5.839.732.820 seriam
investidos pelo governo federal e R$ 8.198.505.150 financiados por essa mesma fonte. A maior
parte desse montante foi financiada por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
e Social e pela Caixa Econômica Federal.
Ressalta-se que, à época, o governo mencionava, de modo recorrente, o “legado da Copa”.
Apenas para citar o caso de Belo Horizonte, onde ocorreu o jogo no qual o Brasil perdeu para a
Alemanha por 7 a 1, além da reforma e adaptação do Estádio Magalhães Pinto (Mineirão), dentre
os projetos que fizeram parte das melhorias relacionadas à mobilidade urbana estão o Boulevard
Arrudas na Tereza Cristina, os BRT: Antônio Carlos/Pedro I, Cristiano Machado e Área Central, o
Corredor Pedro II, a ligação Via do Minério/Tereza Cristina e a Expansão da Central de Controle
de Trânsito. Além disso, o Aeroporto Internacional Tancredo Neves – Confins passou pelas
seguintes ações: construção do terminal de passageiros 3, reforma e ampliação da pista de pouso e
do sistema de pátios, reforma e modernização do terminal de passageiros e adequação do sistema
viário.
Especificamente em relação aos aeroportos, o investimento citado acima provocou um
aumento da capacidade de passageiros que podem ser transportados pelo país: de 215 para 285
milhões, um dado significativo considerando que de 2003 para 2012 o número de passageiros no
mercado doméstico mais que triplicou. Publicada pelo Diário Comércio Indústria & Serviços48,
além de expor esses dados, a reportagem “Modernização é maior legado da Copa” afirma que o
grande legado da Copa do Mundo foi a modernização dos aeroportos.
Já no que diz respeito à segurança pública, também de acordo com o portal da
http://www.portaltransparencia.gov.br/copa2014/empreendimentos/investimentos.seam?menu=2&assunto=te
ma 47 Do valor exposto acima, de acordo com o Portal da Transparência, quase de 1.500.000.000 foram investidos
nos estádios privados do Sport Clube Internacional, do Clube Atlético Paranaense e do Sport Club Corinthians
Paulista. Desse valor, cerca de 700.000.000 foram financiados pelo governo federal, através de bancos como o
BNDES e estão sendo pagos, em parcelas, pelos respectivos clubes. 48 Fonte: http://www.dci.com.br/especial/modernizacao-e-maior-legado-da-copa-id402652.html
70
Transparência, para integrar as instituições, foram adquiridos sistemas para a centralização das
operações de segurança e soluções para a integração dos sistemas de radiocomunicação entre as
instituições estaduais e órgãos federais. Também foram implementados os controles dos pontos de
entrada no país com a contratação de sistemas e equipamentos para aprimorar a segurança nas
estradas brasileiras e o fortalecimento da infraestrutura desses pontos. Foram adquiridos, ainda,
equipamentos e sistemas para a segurança do evento, além de capacitação, campanhas,
treinamentos, simulações e fiscalização do efetivo das instituições de segurança. Na Aeronáutica,
foram realizadas ações que ampliaram a defesa aeroespacial e o controle do espaço aéreo, bem
como o emprego de helicópteros. No Exército, foram desenvolvidas ações como defesa
contraterrorismo, defesa de estruturas estratégicas e defesa cibernética, além do emprego de
helicópteros, da fiscalização de explosivos e do preparo da força de contingência. Na Marinha,
foram executadas as mesmas ações, além da ampliação da defesa da área marítima e fluvial. No
âmbito geral, estabeleceu-se novas cooperações técnicas entre a Agência Brasileira de Inteligência
(Abin), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Secretaria Nacional de Segurança Pública.
Não é para menos que o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, enfatizou em
seus discursos pós-Copa que o principal legado do evento havia sido a integração entre as
instituições de segurança pública. Em entrevista ao portal da Associação Nacional dos Delegados
de Polícia Federal49, o delegado federal responsável pela Secretaria Extraordinária de Segurança
para Grandes Eventos, Andrei Rodrigues, disse concordar com o ministro, mas ressaltou ainda que
o alto nível de investimentos na área foi, sem dúvida, indiscutível.
Essa reportagem cita, ainda, as Olímpiadas e Paraolímpiadas como um desafio ainda maior
para a área, afinal, embora mais concentrados no Rio de Janeiro, apenas considerando as
delegações, são mais de 10.000 atletas de cerca de 200 países. Após essa “prova”, o Brasil estaria
pronto para receber não somente grandes eventos, mas para se consolidar-se como rota turística
internacional. Segundo Rodrigues (2014), “é um evento de proporções impressionantes. Para nós,
fica da Copa toda a expertise e experiência que tivemos e o conceito da operação. Os valores que
vamos empregar são os mesmos”.
Cabe destacar, também, outra informação divulgada pelo portal da Transparência, no que
diz respeito à esfera governamental que tinha responsabilidade pela execução das obras. Embora
grande parte dos recursos tenha sido financiada pelo governo federal, a responsabilidade pela
contratação e licitação das empresas que trabalharam nas obras, em especial os estádios e
mobilidade urbana, era dos governos estaduais e municipais. Isso certamente inclui não só parte
49 Fonte: http://www.adpf.org.br/adpf/index.wsp
71
dos atrasos nas construções, como também alteração de valores contratados inicialmente e a
responsabilidade pelo deslocamento (respeitável ou não) de famílias que moravam em locais onde
foi necessário fazer ajustes no espaço urbano. A Arena Itaquera em São Paulo e os ajustes no
espaço viário em seu entorno são só pequenos exemplos disso. No entanto, nenhuma das
informações ou mesmo a divisão de responsabilidades exposta acima foi destacada pela mídia50.
Portanto, é pertinente afirmar que não só o governo, mas também a mídia deram sua
contribuição para que o megaevento fosse tão rejeitado até sua abertura. Em um artigo
relacionado à Copa do Mundo de 2014, Hilgemberg (2013, p. 4) destaca o papel exercido pela
mídia, a seu ver, “a grande responsável por abastecer essas discussões [...] A abordagem dos
diferentes esportes pelos meios de comunicação é na verdade um discurso que medeia a
realidade. [...] a mídia se apropria dos eventos e medeia o acesso ao acontecido”.
Concordando com a autora, Bezerra e outros (2011) destacam:
o esporte é hegemonicamente consumido na sua forma de maior espetacularização,
ou seja, através do esporte de alto rendimento, especialmente durante a realização de
competições esportivas. Nesses eventos, a ampla abrangência e a representatividade
social, faz com que se depositem múltiplos interesses na sua realização e
participação. (BEZERRA et al. 2011, p. 2).
Em síntese, como afirmam Oliveira e Figueira (2014):
tanto o grande sistema midiático enfatizou mais os aspectos negativos do que os
positivos, quanto houve falhas do governo federal ao não divulgar para o cidadão
brasileiro quais benefícios ele teria com a realização do certame no país (só poucos
meses antes do evento o governo iniciou campanha publicitária com essa finalidade,
provavelmente tarde demais para reverter a onda de opinião). (OLIVEIRA; FIGUEIRA,
2014, p. 24).
Entretanto, assim que o Brasil venceu o primeiro jogo, no dia 12 de junho de 2014, o
clima de verde e amarelo festivo presente em todas as copas e que, até em então não havia
contagiado o povo brasileiro, passou a tomar conta do país, dessa vez com a participação
irrestrita de um enorme contingente de estrangeiros. No que diz respeito aos protestos, muitos
simplesmente não tiveram continuidade e outros foram esvaziados, sendo que apenas
pequenos grupos mantiveram as retaliações em dias de jogos do Brasil.
Dados oficiais confirmam o clima otimista. De acordo com levantamento do
Ministério do Turismo divulgado pelo Portal da Copa51, um milhão de estrangeiros de 203
nacionalidades estiveram no Brasil. Desses, 61% não conhecia o país e elogiou os serviços de
50 Isso sugere uma estratégia midiática por parte de alguns veículos, no sentido de focar suas críticas no governo
federal. 51 Fonte: http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/brasil-recebeu-um-milhao-de-turistas-estrangeiros-de-203-
nacionalidades
72
infraestrutura e turismo. Os itens mais bem avaliados foram hospitalidade e gastronomia, com
98% e 93% de aprovação. A segurança pública foi avaliada positivamente por 92% deles. Já
no que diz respeito à imprensa internacional, 96,5% dos profissionais da mídia
recomendariam o país para amigos e familiares. As pesquisas de avaliação com os
estrangeiros foram feitas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Fundação Instituto de
Pesquisas Econômicas (Fipe). Além disso, 3.056.397 brasileiros circularam pelo país. São
Paulo foi o principal estado emissor (858.825 pessoas), Minas Gerais ficou em 4º lugar
(204.425).
Com relação aos gastos dos estrangeiros, segundo dados do Banco Central divulgados
em janeiro de 201552, 2014 foi um ano de recorde (US$ 6,9 bilhões) – US$ 203 milhões a
mais do que foi registrado no ano anterior - que até então havia sido um recorde. Em junho e
julho, meses em que a Copa foi realizada, o aumento foi de 60% (US$ 1,5 bilhão) em relação
a igual período de 2013.
O segundo Mundial sediado no Brasil também contou com um público total de cerca
de 3,4 milhões de torcedores nos estádios (o segundo maior público da história do torneio,
perdendo apenas para o torneio nos EUA em 1994 – 3,5 milhões de pessoas)53 e com grande
visibilidade midiática: a final entre a Alemanha e a Argentina bateu todos os recordes de um
evento internacional na história (um bilhão de espectadores)54. E quando considera-se todas as
partidas, de acordo com um estudo da Fifa divulgado pela revista Placar55, 3,2 bilhões de
telespectadores assistiram aos jogos pela TV, sendo que o número de pessoas que
acompanhou o evento no Brasil só foi superado pelo país mais populoso do mundo: a China.
Também segundo o estudo, a audiência manteve os níveis da Copa na África do Sul, no
entanto, o número horas de partidas transmitidas aumentou em 36% em relação a 2010.
Para além disso, segundo o portal da Copa, duas das principais redes sociais do mundo
divulgaram estatísticas que mostram que foi o maior evento da história em número de
interações. No Twitter, foram 672 milhões de tweets, sendo só durante a final realizada no
Maracanã, 32 milhões de posts. Já no Facebook, não foi diferente:
52 Fonte: http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/gasto-de-estrangeiros-no-brasil-bate-recorde-em-2014 53 Fonte: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,copa-do-mundo,brasil-registra-segunda-maior-media-de-
publico-das-copas-do-mundo,1528047 54 Fonte: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,final-da-copa-do-mundo-foi-vista-por-mais-de-um-
bilhao-de-pessoas,1564835 55 Fonte: http://revistaplacar.uol.com.br/noticias/copa-do-mundo/copa-de-2014-teve-32-bilhoes-de-
espectadores.phtml#.V2w0ojWPHIU
73
a rede social contabilizou 3 bilhões de interações durante a Copa do Mundo,
envolvendo 350 milhões de pessoas. A final entre Alemanha e Argentina envolveu
88 milhões de pessoas e somou 280 milhões de interações, transformando a decisão
no evento mais comentado da história do Facebook. (COPA, 2014).
Isso fez com que Copa liderasse a lista dos principais tópicos daquele ano, bem a
frente do vírus ebola e das eleições no Brasil. Mas não foi somente aqui que o megaevento
explodiu na internet. No hemisfério norte, Estados Unidos, 10,5 milhões de pessoas falaram
sobre o Mundial durante o evento superando inclusive o país-sede (10 milhões). Tudo isso
sem falar no Google, que chegou a registrar 2,1 bilhões de buscas relacionadas ao evento,
sendo o craque Neymar o jogador mais procurado. (COPA, 2014).
É importante esclarecer que isso não significa que a mídia não tenha relacionado a
Copa, mesmo durante o evento, a questões políticas. Um exame das revistas Época e Veja
atesta que isso ocorreu, em maior ou menor grau. Apenas para exemplificar e, ao mesmo
tempo, destacar um aspecto significativo da história, em plena abertura da Copa das
Confederações, no dia 15 de junho de 2013, a presidente Dilma Roussef foi vaiada e seu
pronunciamento limitou-se ao “Declaro oficialmente aberta a Copa das Confederações
2013”56. Já no início do Mundial não houve pronunciamento, “foi a primeira vez em 30 anos
que nenhum chefe de Estado ou cartola discursou na abertura da Copa” (BOMBIG;
TURRER; LOYOLA, 2014, p. 33) e, mesmo assim, bastou que a imagem da presidente
aparecesse nos telões após o primeiro gol do Brasil para que a torcida não só a vaiasse, mas
também a insultasse. Embora as duas revistas tenham condenado os insultos, considerando
um gesto nada civilizado da plateia, apenas Época expôs uma questão que não poderia deixar
de ser mencionada neste trabalho: “o gesto era inaceitável para a plateia privilegiada que
assistia a uma festa em que a própria Fifa quer celebrar a paz”. (BOMBIG; TURRER;
LOYOLA, 2014, p. 32, grifo nosso). Eram 62 mil espectadores que chegaram a pagar até R$
990,0057 pela entrada, ou seja, uma parcela muito privilegiada e, portanto, nada representativa
da população brasileira. Apesar disso, as vaias foram destacadas com a foto da presidente, no
momento em que o fato ocorreu, na capa de Veja que trata da cobertura do evento:
56 Fonte: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/15/dilma-e-muito-vaiada-na-abertura-e-
blatter-da-bronca-na-torcida.htm 57 Fonte: http://www.ebc.com.br/esportes/2013/07/confira-os-precos-dos-ingressos-para-a-copa-do-mundo-2014
74
Figura 1 - Capa Veja edição 2378
Fonte: Veja (2014)
Sem dúvida, o resgate dos fatos citados acima sugere a colocação de Telles, Sampaio
e Baptista (2014):
durante todo o mandato, o governante e os seus opositores travam disputa para
controlar a forma como a opinião pública julga o desempenho do governo. Essa
disputa passa pela imputação de responsabilidade ao presidente e pelo destaque
dado a determinados temas em detrimento de outros. (TELLES; SAMPAIO;
BAPTISTA, 2014, p. 4).
Posto isso, é importante destacar que boa parte das informações apresentadas neste
tópico, em especial as que podem ser consideradas positivas no que diz respeito a realização
do megaevento, foram divulgadas após o término da Copa do Mundo – sendo algumas delas
apenas após o término do pleito eleitoral. As razões certamente se dão por conta do tempo
para que as empresas e instituições reunissem tais dados, bem como pelo fato de o Brasil ter
entrado em período eleitoral em durante a Copa, o que proíbe determinadas divulgações
oficiais que podem configurar como propaganda. Também não se pode deixar de mencionar a
derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1, isso acabou por ofuscar outros aspectos.
3.2 Veja e Época: enxergando os semanários pela lupa
No que diz respeito às revistas semanais de informação, Portela (2009) esclarece que:
75
a revista de informação geral, enquanto instrumento convencional de informação
constitui-se como meio mais propício para atualização e formação permanente do
indivíduo. Isto se deve tanto por sua característica de continuidade, que garante
informações recentes em tempo relativamente ágil, como pela oportunidade de
acesso a opiniões distintas num mesmo veículo, bem como pela possibilidade de
maior aprofundamento na análise. (PORTELA, 2009, p. 1).
Já Goulart (2006) destaca as características desse tipo de veículo: por conta de sua
periodicidade, as revistas contam com uma apuração muito mais esmiuçada e, em geral, têm
maior possibilidade de ouvir várias fontes. Isso reunido a uma gama de recursos gráficos e
fotografias, oferece condições para uma proposta de jornalismo mais analítico, interpretativo e
investigativo.
Por sua vez, ao nortear as peculiaridades próprias desse meio, Portela (2009) aponta o
texto, a informação mais analítica e aprofundada, a periodicidade, a segmentação e o formato.
Quanto à informação “mais analítica e aprofundada”, sabemos que tal peculiaridade tem
relação com a periodicidade. “Sem a superficialidade e/ou a pressa impostas aos jornais
diários, televisão e, principalmente, internet, a revista é capaz de fornecer maior quantidade
de informações sobre fatos que foram publicados por outros veículos”. (PORTELA, 2009, p.
3). É também essa característica que permite a revista não só contextualizar como analisar
com maior critério, ou mesmo intencionalidade, o fato que está reportando. Já no que diz
respeito à segmentação, a autora (2009, p. 4) lembra que “existem inúmeras publicações para
os diferentes tipos de leitores. Atualmente, é possível escolher uma revista levando em conta
as mais inusitadas opções”.
No entanto, para Dittrich e Lage citados por Mesquita (2008):
as revistas semanais praticam um jornalismo opinativo muito mais acentuado do que
a cobertura interpretativa. Os autores definem a interpretação como característica de
um texto jornalístico que apresenta fatos propondo ligações entre eles, podendo,
assim, levar o leitor a diversos entendimentos (por analogia, causa e consequência,
etc). A opinião propõe apenas uma versão diante de vários fatos. (DITTRICH;
LAGE apud MESQUITA, 2008, p. 50).
Especificamente em relação à Veja, publicação da editora Abril58 que pertence ao
Grupo Abril59, Velasquez e Kushnir (2009) afirmam que o semanário foi lançado em São
58Suas mais de 30 marcas que, disponíveis em plataformas digitais e no impresso, atingem mais de 20 milhões de
mulheres, homens, adolescentes e crianças em todo o Brasil, levando conteúdos de 17 segmentos como moda,
saúde, beleza, comportamento, negócios, esportes e decoração. Suas publicações vendem cerca de 144 milhões
de exemplares anualmente e somam mais de 4 milhões de assinaturas. Sete das dez maiores revistas do país
são da Abril, sendo Veja a primeira da lista e a maior semanal de informação do Brasil. A Editora também atua
em negócios digitais, com mais de 200 aplicativos, 40 sites editoriais e 28 revistas para tablets. (Fonte:
http://grupoabril.com.br/pt/o-que-fazemos/M%C3%ADdia/marcas-e-empresas/Editora%20Abril) 59 O Grupo Abril opera com base em dois principais segmentos empresariais: a Abril Mídia, que concentra os
negócios da Editora Abril, da Abril Gráfica e do CasaCor; e a DGB, holding de Distribuição e Logística.
76
Paulo, no dia 11 de setembro de 1968. Acerca das características editoriais da revista, as
autoras expõem detalhes sobre a distribuição de matérias e seções que foram adotadas dois
anos depois que a revista passou a circular e são utilizados até hoje, em sua maioria. De
acordo com nossas observações, todos os itens citados abaixo ainda fazem parte da revista:
[...] com a abertura composta por uma entrevista (que passou a ser impressa em
páginas amarelas), destaques da semana, cartas, o editorial (“Carta ao leitor”) e uma
grande matéria de resumo da semana, normalmente de pauta política. Nas últimas
páginas, os temas culturais: cinema, livros, música etc. Fechando a revista, uma
página de opinião assinada”. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).
Além de uma das mais tradicionais revistas do país, Veja é também a mais vendida.
Segundo a Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER)60, de janeiro a setembro de
2014, a circulação média do semanário chegou a 1.167.928 exemplares, muito acima da
segunda colocada: a revista Época, com 390.709 exemplares. Em relação ao perfil do leitor, a
primeira mostra que 22% vêm da classe A, 49% da B, 26% da C e 3% das classes D/E61,
enquanto a segunda expõe que 72% pertencem à classe AB, ao passo que 25% dos seus
leitores está na classe C62. Entre esses, 79% do público de Veja é assinante63, enquanto na
Época tal número chega a 91% dos exemplares64. Já no que diz respeito ao número de leitores
alcançados, dados apontados pela Abril65 apontam 8.614.529 leitores. Por sua vez, a revista da
editora Globo atinge cerca de 2.759.000 leitores.
Segundo Portela (2009), o número de exemplares faz de Veja a terceira maior revista
semanal do mundo, perdendo apenas para as americanas Time e Newsweek. “Inclusive, foram
as duas que inspiraram o surgimento de Veja, inaugurando no Brasil o gênero das
newsweeklies (revistas semanais de informação)”. (PORTELA, 2009, p. 13). Com efeito,
conforme o FSB Comunicações, Veja “é uma das publicações mais influentes do país. A elite
política está atenta a ela, que é indicada como uma das três revistas preferidas por mais de
70% dos deputados federais, muito acima de suas concorrentes”. (FSB apud BIROLI;
MIGUEL, 2010, p. 5). Já de acordo com Cavalcante (2015, p. 192), “a revista foi citada como
a mais ‘confiável’ no Brasil, única que recebeu avaliação totalmente positiva de mais da
metade (51,8%) dos entrevistados na manifestação de 12 de abril [de 2015]66”, atentando para
(Fonte: http://grupoabril.com.br/pt/quem-somos/empresa)
60 http://aner.org.br/dados-de-mercado/circulacao/ 61 http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais 62 http://editora.globo.com/midiakit/epoca/arquivos/MidiaKit_Epoca.pdf 63 http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais 64 http://editora.globo.com/midiakit/epoca/arquivos/MidiaKit_Epoca.pdf 65 http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais 66 Em 24 estados e no Distrito Federal, realizou-se manifestações contra o governo Dilma Rousseff e contra a
77
o fato que essa foi uma manifestação de Direita. Como bem aponta Silverstone (2005, p. 42),
a confiança é “uma precondição da mediação, uma pré-condição necessária em todos os
esforços da mídia por representação, e especificamente por representação factual”. Isso pode
estar relacionado às seguintes características:
Veja adota um estilo de jornalismo que rompe ostensivamente com os cânones da
objetividade. Sua adjetivação é agressiva, suas antipatias são explícitas, sua
predileção por determinados temas da agenda é indisfarçada – características que se
acentuaram nos últimos anos. As personagens de suas matérias são tratadas com
pesos e medidas bem diferenciados, conforme a posição que possuem. Os muitos
adversários da revista não se cansam de denunciar o “antijornalismo” que ela adota,
muitas vezes apresentando evidências de contaminação do noticiário por interesses
políticos [...] Mesmo assim, Veja permanece numa das posições centrais da imprensa
brasileira. (BIROLI; MIGUEL, 2010, p. 5).
Em seus estudos, Velasquez e Kushnir (2009) fazem um relato acerca da história da
revista Veja e de sua relação com os acontecimentos voltados para a esfera política no Brasil.
De acordo com as autoras, a revista, que iniciou suas atividades em 1968, trazia na capa a
imagem em negro da foice e do martelo sobre fundo vermelho, com a seguinte manchete “O
grande duelo no mundo comunista”. Vale lembrar que, justamente naquele período,
aumentava a resistência à ditatura militar no país. “Eram diretor e editor da Abril, Victor
Civita, diretor de publicações, Roberto Civita e Mino Carta, diretor de redação. Embora
sempre tenha sido chamada apenas de Veja, de seu número 1 até o 351, de 28 de maio de
1975, exibiu na capa o título Veja e leia”. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).
Segundo o histórico relatado pelas autoras, desde o início, a revista foi marcada pelas
coberturas políticas. Pouco depois do seu lançamento, em outubro de 1968, publicou uma
reportagem relacionada à repressão ao congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).
Na edição de 18 de dezembro daquele mesmo ano, período em que o Ato Institucional nº 5
(AI-5) foi decretado, “a programação de uma capa sobre o ato institucional levou à redação da
revista um censor que vetou algumas declarações de políticos. Mesmo assim, na segunda-feira
a revista foi apreendida nas bancas”. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).
Já durante o governo do presidente Ernesto Geisel, a partir de 1974, a estratégia
adotada para denunciar a censura foi a utilização de matérias sobre anjos e demônios para
completar o espaço aberto pelos cortes. Os textos também falavam sobre um certo monge
“Falcus”, que poderia ser uma referência ao então ministro da Justiça, Armando Falcão. Tal
corrupção no dia 12 de abril de 2015. Os estados onde os protestos ocorreram foram São Paulo, Paraná, Minas
Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Bahia, Pará, Maranhão, Amazonas, Alagoas, Goiás,
Santa Catarina, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Acre, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,
Piauí, Rondônia e Rio Grande do Norte. (Fonte: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-
noticias/2015/04/12/protestos-contra-dilma-ocorrem-no-df-e-em-6-estados.htm)
78
prática durou quatro edições e levou Mino Carta e José Roberto Guzzo a dar explicações à
Polícia Federal. Dessa forma, pode-se dizer que Veja agiu como um veículo de resistência
durante vários anos na ditadura, tanto que sempre admitia repórteres que haviam sido
demitidos de outros órgãos por razões políticas. Isso fez com que, durante o governo Geisel, a
ala linha dura das forças armadas viesse a pressionar a revista para que o veículo a
abandonasse sua linha crítica e se aproximasse um pouco mais da orientação do regime:
a pressão culminou, em fevereiro de 1976, com a saída do jornalista Mino Carta da
direção de redação por pressão direta do Ministério da Justiça. [...] Em depoimento
prestado cerca de 20 anos depois, Carta caracterizou sua demissão como a maneira
encontrada para garantir uma trégua na censura prévia e a manutenção de avais
governamentais para financiamentos obtidos no exterior pela Editora Abril. Em 3 de
junho de 1976, com um telefonema da Polícia Federal, a censura à Veja chegou ao
fim. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).
Coincidentemente ou não, foi neste mesmo ano, em 1976, que a revista Realidade,
fundada por Victor Civita e, portanto, pertencente à mesma editora, saiu de circulação.
Segundo Pereira Júnior (2009), a revista já havia vinha se pautando por um posicionamento
nos moldes da linha governista, tendo abandonado o enfrentamento ao regime político no
final de 1968. Para se ter uma ideia, no início de 1969, já apontava algumas características do
então futuro presidente do Brasil, Ernesto Geisel:
a revista publicou vários dados da biografia do presidente que revelavam a sua
capacidade de liderança, não economizando em adjetivos: “bom menino”, “bom
moço”, “bom conspirador”, “bom militar”, “bom revolucionário”, “bom pai” e “bom
amigo”. Poesias também foram publicadas para homenagear o futuro presidente.
(PEREIRA JÚNIOR, 2009).
Por sua vez, de acordo com Velasquez e Kushnir (2009), em 1978, um editorial de
Victor Civita comemorava os dez anos de Veja e expunha os princípios básicos que guiavam a
revista desde o seu nascimento. O primeiro deles: “E ser liberal, para nós, é querer o
progresso com ordem, a mudança pela evolução, e a manutenção da liberdade e da iniciativa
individuais como pedra angular do funcionamento da sociedade.” Outros temas também
foram abordados no texto, dentre eles, foram condenadas as greves e propostas de formação
de “centrais sindicais tipo CGT (Central Geral dos Trabalhadores), que fatalmente se
concentram na ação político-ideológica”.
Na década de 1980, a revista cresceu significativamente durante o processo de
redemocratização do país. Grande parte dos fatos, entre eles as manifestações populares
(“Diretas Já” e outras) e os novos planos econômicos, foram fortemente cobertos pelo
semanário, o que se reverteu em tiragens recordes naquela época. Nesse contexto, um novo
79
recorde de circulação, “em 16 de janeiro de 1985 (em edição fechada um dia antes da votação
realizada pelo Colégio Eleitoral), Veja foi às bancas com um número especial sobre as
eleições de 15 de janeiro, noticiando a já esperada vitória de Tancredo Neves”.
(VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009). Foi a partir daí que a revista foi “afinando sua sintonia”
com a classe média, seu principal-público, e mostrando-se envolvida com os interesses de
seus leitores. Daí o destaque para reportagens que mostrassem quais as consequências de
planos econômicos para o público. No mesmo período, mais exatamente em 1987:
Veja noticiava de forma positiva os avanços do “Centrão”, bloco parlamentar
conservador, apoiado pelo presidente Sarney e formado para conter os avanços
obtidos pelas forças de esquerda na primeira fase dos trabalhos de elaboração da
Constituição. Assim, a revista classificava os protestos dos movimentos sociais, em
especial os sindicatos, contra as propostas do “Centrão” na votação do regimento da
Constituinte de “baderna”, em matéria cujo título era “O voto ganha do grito”.
(VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).
Já na década de 1990, a revista cobre o lançamento do Plano Real com o olhar já
parcialmente voltado para a eleição do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique
Cardoso. Luiz Inácio Lula da Silva, até então preferido nas pesquisas eleitorais, vê sua
candidatura perder força diante do atrelamento do sucesso do plano ao então candidato FHC.
Com a vitória deste, em 1994, a revista passa a estampar um clima de otimismo e euforia
diante da tão sonhada estabilidade econômica. Clima que, aliás, de acordo com as autoras,
nem os escândalos com corrupção que abalariam o governo um ano depois alterariam de
forma profunda. Afinal, não houve exatamente muito empenho da revista em apurar e
desvendar o que estaria por trás de tais escândalos. E no ano seguinte, Veja manteve seu apoio
ao governo, sempre ancorada aos frutos do Plano Real.
No que diz respeito à relação entre a mídia e o governo petista, Pires (2007) destaca
um momento crucial – agosto de 2004 – quando o então governo Lula, a pedido da Federação
Nacional dos Jornalistas (Fenaj) encaminha ao Congresso um projeto de lei para a criação do
Conselho Federal de Jornalismo. Anunciado no dia 4 de agosto, durante a abertura do 31º
Congresso Nacional de Jornalismo, pelo então secretário de Imprensa e Divulgação da
Presidência da República, Ricardo Kotscho, o projeto foi condenado um dia depois, no Jornal
Nacional, veículo que assim como a revista Época, pertence ao Grupo Globo67. Em suma, o
67 O Grupo Globo atua em vários segmentos. A TV Globo tem sua programação distribuída em quase todo o
território nacional, por meio de 5 emissoras próprias, em parceria com empresas afiliadas, e em mais de 100
países, por meio da Globo Internacional. A Globo Filmes participa da coprodução de filmes brasileiros.
A Globosat é uma programadora de canais de TV por assinatura. O grupo atua nos segmentos de jornais e
revistas, impressos e digitais, através da Infoglobo e da editora Globo. A Som Livre atua na área musical. No
rádio, a atuação se dá por meio do Sistema Globo de Rádio. O ZAP é um portal de classificados online de
atuação nacional. (Fonte: http://grupoglobo.globo.com/index.php).
80
editor-chefe e âncora William Bonner:
[...] condenou o projeto, classificando-o como um retrocesso e uma ameaça à
liberdade de imprensa e à liberdade de expressão. Na sequência foi apresentada uma
reportagem com quatro depoimentos contrários e um favorável ao projeto [...] No
mesmo dia, no Jornal da Noite, às 23h30, a apresentadora Ana Paula Padrão voltou a
retificar a posição contrária da emissora ao projeto, reforçada pelo comentarista
Arnaldo Jabor, que alertava a sociedade para a volta da censura aos veículos de
comunicação do país, como ocorreu durante os vinte anos de ditadura. (TORVES
apud PIRES, 2007, p. 256)68.
A partir daí, a autora analisou a cobertura diária em relação ao fato em O Globo, jornal
também pertencente ao grupo e na Folha de S. Paulo, desde o momento em que o projeto foi
apresentado até quando o Executivo recua. O motivo é claro: comportando-se como parte
interessada, a mídia massacrou o projeto e deixou de expressar os diferentes pontos de vista
em relação ao assunto. O artigo ainda dá exemplos de como esses dois veículos rechaçaram o
governo, mas ressalta que isso não ocorreu apenas por parte deles. “Os grupos editoriais
Globo, Abril, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e Record formaram uma frente informal
contra a proposta. Ao grupo uniram-se juristas, personalidades, oposição, setores da situação,
além de boa parte da base das redações”. (VENCESLAU apud PIRES, 2007, p. 262, grifo
nosso)69.
Já a revista Época, da editora Globo70, nasceu no dia 25 de maio de 1998. De acordo
com Mesquita (2008), no que diz respeito aos temas retratados, nota-se o interesse
especialmente por entretenimento e utilidades. Além disso, as reportagens chamadas “frias”,
no jargão jornalístico, geralmente costumam ser bastante enfocadas pela revista.
No que tange ao perfil do leitor, Época intenciona, em seu mídia kit, demonstrar que
seu público possui um bom nível financeiro. Mesmo tendo fins principalmente comerciais,
acreditamos que vale a pena expor alguns dados: um em cada nove leitores pretende comprar
68 [...] condemned the bill, classifying it as retrogression and a threat to freedom of the press and freedom of
expression. Following this a report was presented with four opinions contrary and one favorable to the bill [...]
On the same day, in the Jornal da Noite newscast at 11:30 p.m., announcer Ana Paula Padrão again ratified the
television station´s position against the bill, reinforced by commentator Arnaldo Jabor, who warned society of
the return to censorchip of the country´s communication media, such as that which occurred during the twenty
years of dictatorship. 69 The Globo, Abril, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil and Record publishing groups formed an informal front
against the proposal. The group was joined by jurists, celebrities, opposition politicians, sectors supporting the
government, in addition to a good part of the newsroom base. 70 Fundada em 1952, tem no seu portfólio as marcas Época, Quem Acontece, Época Negócios, Marie Claire,
Casa e Jardim, Casa e Comida, Crescer, Autoesporte, Galileu, Pequenas Empresas & Grandes Negócios,
Globo Rural e Monet, além do agregador feminino Meus 5 Minutos. Por meio da Edições Globo Condé Nast,
joint venture firmada com a Condé Nast Internacional, publica no mercado brasileiro os títulos Vogue, Casa
Vogue, GQ e Glamour. A editora Globo, de Porto Alegre, foi comprada por Roberto Marinho em 1986. Com
isso, a Rio Gráfica Editora, já pertencente ao grupo, passou a chamar-se editora Globo. (Fonte:
http://corp.editoraglobo.globo.com/a-empresa/)
81
um carro 0 km; 94% têm automóvel no lar e, destes, 69% são proprietários; mais da metade
possui algum tipo de seguro; 76% têm cartão de crédito; 61% têm computador em casa; 90%
tem acesso à internet no lar, sendo que 90% desses possuem banda larga e, finalmente, mais
de 496 mil leitores comprarão eletroeletrônicos nos próximos 12 meses71.
Outra informação significativa é que o conglomerado Globo foi responsável pela
transmissão do Mundial. Como licenciante, a Fifa concedeu, por meio de transações
financeiras, os direitos de transmissão dos jogos à rede Globo, que por sua vez repassou tais
direitos a outros veículos nacionais72.
Além da transmissão, de acordo com Castro e Konchinski (2012), a Globo produziu o
vídeo do slogan do Mundial, organizou grandes eventos da Fifa no país e, em 2012, a empresa
do grupo Globo Marcas passou a ser responsável pelo licenciamento de produtos com a marca
da Copa 2014. Tal envolvimento sugere que, pelo menos naquele momento, as revistas em
questão tivessem interesses antagônicos com relação ao evento, o que possivelmente refletiu-
se em suas coberturas com o objetivo de conduzir, ou mesmo, formar a opinião pública, pelo
menos de seus leitores.
No que tange a imagem de si que essas revistas querem construir na mente dos
leitores, Hagen e Benetti (2010) expuseram trechos de textos que mostram como elas se
apresentam em seus sites oficiais ou por meio de seus representantes. Abaixo, serão expostos
alguns exemplos. No entanto, como parte das informações foram ajustadas pelos editores,
serão feitas as adaptações necessárias, sem perder de vista a base construída pelos
pesquisadores.
A missão de Veja, de acordo com a fala do então presidente da Abril, Roberto Civita,
exposta pelo site73 é:
ser a maior e mais respeitada revista do Brasil. Ser a principal publicação brasileira
em todos os sentidos. Não apenas em circulação, faturamento publicitário,
assinantes, qualidade, competência jornalística, mas também em sua insistência na
necessidade de consertar, reformular, repensar e reformar o Brasil. (CIVITA, s/d)
71 http://editora.globo.com/midiakit/epoca/arquivos/MidiaKit_Epoca.pdf 72 De acordo como a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), os veículos são os seguintes: Rádio e Televisão
Bandeirantes Ltda, SporTV, FOX Brasil, ESPN do Brasil, Bandsports, Rádio Tupi S.A., Rádio Verdes Mares,
Rádio Transamérica de SP Ltda, Rádio Olinda Pernambuco Ltda, Rádio Jovem Pam, Rádio Paiquerê Ltda,
Rádio Metropolitana FM, Rádio Liberdade de Caruaru Ltda, Rádio Manchete, Rádio Itatiaia, Rádio TV do
Amazonas, Rádios Globo SP e Rio, Rádio Gaúcha S.A, Rádio Excelcior, Rádio EBC, Fundação Santo
Antônio, TV e Rádio Jornal do Commércio Ltda, Rádio Clube do Pará PRC 5, Rádio Família FM Ltda, Rádio
105 Brazil e Rádio Brasil Sul Ltda. (Fonte:
http://www.ebc.com.br/sites/default/files/emissoraslicenciadas.pdf). 73 http://publiabril.abril.com.br/marcas/veja/plataformas/revista-impressa
82
No mesmo raciocínio, segue um trecho da missão do grupo74: “A Abril está
empenhada em contribuir para a difusão de informação, cultura e entretenimento, para o
progresso da educação, a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento da livre iniciativa
e o fortalecimento das instituições democráticas do país”. Já a Época, em 2015, expõe como
sua missão75: “fazer um jornalismo que capte o espírito do nosso tempo e ajude a construir o
amanhã, converta informação em conhecimento, transforme a confusão em clareza”. Entre
suas crenças, afirma que “acreditamos num mundo sem muros, globalizado” e “acreditamos
que a meritocracia76 é o melhor caminho para uma sociedade justa, dinâmica e próspera”.
Segundo Hagen e Benetti (2010, p. 129), “a representação de si em Veja e Época está
relacionada ao poder econômico e político da Abril e da Globo. Essas editoras, que fazem
parte de grande grupos de comunicação, defendem o sistema capitalista, a livre iniciativa, a
competitividade e o lucro”. É interessante observar que, de todos os temas apontados pelos
pesquisadores, apenas o lucro não aparece, de modo explícito, na “missão”, “visão” ou
“crença” da revista Época.
Especificamente no que diz respeito ao poder político, Hagen e Benetti (2010, p. 130)
destacam que isso é “declarado na preocupação com o estabelecimento de uma agenda de
temas relevantes, sempre como empresas que se consideram aptas a apontar ao Estado os
rumos da nação”. De acordo com eles, não é para menos que Civita fala em “insistência na
necessidade de consertar, reformular, repensar e reformar o Brasil”. Essa preocupação
também fez parte do seminário “O Brasil que queremos ser”, organizado por Veja em 2008 no
qual discutiu-se temas como educação, economia, imprensa e democracia. A partir desse
evento, propostas foram apresentadas na edição 2077 da revista. A questão também aparece
entre as crenças de Época: “acreditamos numa postura crítica e propositiva, capaz de formular
uma agenda de soluções para os problemas da atualidade”. Para os autores, “percebe-se que
tanto Veja como Época associam a defesa da democracia à livre iniciativa”. (HAGEN;
BENETTI, 2010, p. 130).
74 http://grupoabril.com.br/pt/missao-e-valores 75 http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2013/07/nossa-missao.html 76 “Para Kreckel, a ideologia do desempenho baseia-se na ‘tríade meritocrática’ que envolve qualificação,
posição e salário. Destes, a qualificação, refletindo a extraordinária importância do conhecimento com o
desenvolvimento do capitalismo, é o primeiro e mais importante ponto que condiciona os outros dois. A
ideologia do desempenho é uma ‘ideologia’ na medida em que ela não apenas estimula e premia a capacidade
de desempenho objetiva, mas legitima o acesso diferencial permanente a chances de vida e apropriação de
bens escassos. Apenas a combinação da tríade da ideologia do desempenho faz do indivíduo um ‘sinalizador’
completo e efetivo do ‘cidadão completo’ (Vollbürger)”. (SOUZA, 2003, p. 65).
83
Em relação ao quesito “independência”, um trecho da Carta do Editor77 assinada pelo
então presidente da Abril, Roberto Civita, no Mídia Kit do semanário afirma que:
Veja está empenhada em apresentar semanalmente não apenas um grande leque de
informações confiáveis, mas também o contexto e a análise que permitem colocar os
fatos em perspectiva e entende-los melhor. É fundamental, para isso, que a revista
seja independente, isenta, inteligente, responsável. Que não admita pressões de
governos e governantes, amigos e inimigos, acionistas e anunciantes. Que busque a
objetividade. (CIVITA, s/d)
Para Hagen e Benetti (2010, p. 131), “essa independência não diz respeito a uma
cobertura plural dos fatos. Independência, para a Veja, é defender o sistema favorável aos
interesses comerciais da Abril”.
Já Época apresenta, junto à missão, mais uma de suas crenças78 e afirma que
“acreditamos na diversidade, na pluralidade e no jornalismo independente e apartidário”. No
entanto, embora o paradoxo entre interesses econômicos e independência não esteja evidente
nessas falas institucionais, é preciso lembrar os compromissos da editora Globo não só com o
poder político mas também com as demais empresas do grupo. Afinal, o próprio site da
editora traz, em outra aba, o que chama de “Princípios Editoriais do Grupo Globo”, com um
texto de apresentação79 datado de 6 agosto de 2011 e assinado por Roberto Irineu Marinho,
João Marinho e José Roberto Marinho. Segundo eles, “o que se pretendeu foi explicitar o que
é imprescindível ao exercício, com integridade, da prática jornalística, para que, a partir dessa
base, os veículos das Organizações Globo [hoje Grupo Globo] possam atualizar ou construir
os seus manuais”. Destaca-se a seção III do documento, na qual são trazidos “Os valores cuja
defesa é um imperativo do jornalismo”, que também tratam da questão da independência:
as Organizações Globo [hoje Grupo Globo] serão sempre independentes,
apartidárias, laicas e praticarão um jornalismo que busque a isenção, a correção e a
agilidade [...] Não serão, portanto, nem a favor nem contra governos, igrejas, clubes,
grupos econômicos, partidos. Mas defenderão intransigentemente o respeito a
valores sem os quais uma sociedade não pode se desenvolver plenamente: a
democracia, as liberdades individuais, a livre-iniciativa, os direitos humanos, a
república, o avanço da ciência e a preservação da natureza. [...] Sem a democracia, a
livre-iniciativa e a liberdade de expressão, é impossível praticar o modelo de
jornalismo de que trata este documento, e é imperioso defendê-lo de qualquer
tentativa de controle estatal ou paraestatal. Os limites do jornalista e das empresas de
comunicação são as leis do país, e a liberdade de informar nunca pode ser
considerada excessiva. (GRUPO GLOBO, 2011).
Vale mencionar, ainda neste item, a crise no setor de comunicação, em especial no
âmbito impresso. De acordo com Costa (2016), isso vem ocorrendo em todo o mundo, sendo
77 http://publiabril.abril.com.br/marcas/veja 78 http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2013/07/nossa-missao.html 79 http://corp.editoraglobo.globo.com/principio/
84
que no Brasil teve início em 2011, com o declínio da publicidade. “O ano de 2010 ainda foi
bom, especialmente em razão do mercado imobiliário”. (COSTA, 2016). Também segundo a
autora, “cresceu a pressão por aumento mais rápido da receita digital, dominada por poderosas
organizações como Google e Facebook”. (COSTA, 2016).
No que diz respeito aos semanários em questão, acredita-se que por fazer parte do
Grupo Globo, Época sinta menos os efeitos da crise. De acordo com Possebon (2016),
conforme o balanço de 2015:
a receita líquida das empresas do grupo foi de R$ 16,04 bilhões no consolidado (que
inclui participações minoritárias) e R$ 11,16 bilhões na controladora. Foi uma queda
de 6% na receita da controladora e pouco mais de 2% na receita líquida consolidada
em relação a 2014 em valores nominais (sem contar a inflação). (POSSEBON,
2016).
Já a situação da Abril parece mais delicada. Com uma área de atuação fortemente
voltada para as revistas, vários veículos do grupo acabaram por ser “descontinuados”, para
não dizer extintos nos últimos anos. Entre eles, chama a atenção o caso da revista Playboy,
que após cerca de 40 anos nas bancas de todo o país, saiu de circulação em novembro de
201580. Mas isso parece ser apenas uma pequena parte do problema:
segundo relato da Folha, a empresa da família Civita “vendeu a totalidade das ações
da Abril Educação para fundos de investimentos da gestora Tarpon, em uma
operação avaliada em R$ 1,3 bilhão. O valor representa a soma da fatia de 20,73%
do capital social total adquirido nesta segunda-feira (9/02) com os 19,91% que o
Tarpon havia adquirido em agosto do ano passado […] A venda do negócio de
educação é mais um passo no processo de enxugamento que vem sendo
implementado no Grupo Abril desde a morte do empresário Roberto Civita, em maio
de 2013. Desde então, a empresa descontinuou quatro títulos (‘Alfa’, ‘Bravo’,
‘Gloss’ e ‘Lola’), vendeu as frequências da MTV e transferiu dez títulos para a
Editora Caras”. (BORGES, 2015).
No entanto, essa tendência parece estar sendo amenizada desde que Michel Temer
assumiu a presidência. De acordo com uma investigação acerca de números divulgados pela
Secom feita por Rosário (2016), do blog O Cafezinho, “os repasses federais para a Editora
Globo, que edita a revista Época, dispararam 586%, na comparação de janeiro/agosto de 2016
com o ano inteiro de 2015.” (ROSÁRIO, 2016). Já a editora Caras, da qual os donos da Abril
são sócios, “recebeu R$ 1,55 milhão da Secom nos oito primeiros meses de 2016, um
crescimento de 2.473% sobre os valores recebidos no ano inteiro de 2015”. (ROSÁRIO,
2016). Por sua vez, as verbas destinadas à própria Abril aumentaram em quase 50% mensais.
80 http://www.sganoticias.com.br/2015/11/em-crise-editora-abril-deixa-de.html
85
No que diz respeito à mídia, segundo Maia (2008), não se pode apenas condenar ou
premiar os agentes midiáticos em relação a questões políticas. Há exemplos de que tratou o
assunto com seriedade, mobilizou as discussões de forma eficaz e fortaleceu o debate público,
mas também houve casos em que o contrário ocorreu, ou seja, as informações foram
distorcidas pela mídia, que acabou banalizando ou mesmo ignorando questões relevantes.
Nesse interim, alguns atores sociais ganham um papel de destaque na mídia, nem sempre
merecido, e outros acabam sendo pouco representados ou até excluídos do debate. Apenas
para exemplificar, como expõe Champagne (1996), foi mais ou menos o que aconteceu nas
manifestações de março de 1982, na França. Embora nem toda a imprensa tenha se portado
dessa forma, “a maior parte dos jornais parisienses está de acordo em apresentar o desfile com
um certo humor que denuncia a distância social que separa os jornalistas parisienses do
mundo rural”. (CHAMPAGNE, 1996, p. 213).
Com isso, Maia (2008) afirma que não há como estabelecer uma regra geral e única no
que diz respeito ao comportamento dos meios em relação à vida política, seja esse positivo ou
negativo. Assim, a autora conclui que:
cabe às pesquisas empíricas apreender a atuação dos meios massivos em situações
específicas, levando em consideração as instituições e agentes da mídia, as
instituições e os agentes do sistema político, as práticas receptivas e os usos que os
cidadãos fazem do material midiático, bem como o contexto sócio-histórico em que
diversas variáveis se cruzam. (MAIA, 2008, p. 202).
É justamente a atuação dos veículos caracterizados acima, considerando o contexto em
que ocorreu a Copa do Mundo, que se propõe investigar neste trabalho.
87
4 COMO VOZES PÚBLICAS DA COPA FORAM APRESENTADAS POR ÉPOCA E
VEJA
Feitas as discussões teóricas, serão apresentadas as considerações metodológicas e,
posteriormente, as análises das revistas Veja e Época considerando os procedimentos
estabelecidos. O corpus da pesquisa é composto pelas edições referentes ao seguinte período:
12 de maio a 16 de julho de 2014, sendo que as análises foram feitas cronologicamente.
4.1 Considerações Metodológicas
Tendo em vista que o objetivo desta pesquisa é investigar o clima de opinião
construído pelas revistas Veja e Época em suas coberturas da Copa do Mundo, em um ano
eleitoral, com vistas a expressar e formar a opinião pública acerca do megaevento, da então
presidente-candidata Dilma Rousseff e da atuação do seu governo, foram elaboradas as
seguintes questões: em que momento e como as sondagens são acionadas por Época e Veja? E
quanto à visibilidade dada às fontes ordinárias?
Com o objetivo de responder a essas questões, foi definido o seguinte corpus: dez
edições da revista Época e dez edições da revista Veja, compreendendo o período entre 12 de
maio e 16 de julho de 2014. Tal recorte foi escolhido com base em uma pré-observação das
capas e reportagens das revistas, por meio da qual foi identificada a data do início da
cobertura bem como o seu término.
No que diz respeito às capas, das dez edições de Época que compõem o corpus,
apenas duas não destacam o Mundial, sendo que uma delas traz o tema no alto da página (30
de junho de 2014). Em relação à Veja, das dez edições a serem observadas, quatro não
mencionam o fato na capa e uma trata do assunto apenas no cabeçalho. É importante ressaltar,
ainda, que as capas das edições 2375 (Veja - 28.05.2014) e 834 (Época – 26.05.2014))
mencionam a Copa e tratam de um assunto indiretamente ligado ao evento: as características
do país que sediaria o Mundial.
Sobre as reportagens, parte delas trata do futebol e das celebridades da área, outras a
relacionam a questões como “a opinião do brasileiro em relação ao megaevento”,
“infraestrutura do país”, “segurança (ou falta dela)”, à “política/eleições” e a “manifestos”.
Quantificamos, ao todo, 47 reportagens na Época e 35 na Veja, ressaltando que as análises
serão focadas naquelas que saíram do âmbito “futebol/técnica”.
88
Foi realizada uma pesquisa documental nos relatórios encomendados pela Secretaria
de Comunicação da Presidência da República e disponíveis no seu site81, com a finalidade de
identificar as opiniões das pessoas, obtidas acerca de questões relativas à Copa. Destaca-se
que, ao todo, seis relatórios acerca do Mundial foram feitos por meio de sondagens, em sua
maioria com moradores das cidades-sede dos jogos. A proposta é levantar informações acerca
do clima de opinião dos brasileiros em três deles – um produzido pelo Instituto Análise e
outros dois pelo Ibope Inteligência: Pesquisa Telefônica de Opinião Pública Copa do Mundo
2014 (06/2014), Estudo Quantitativo Ad hoc – Copa do Mundo 2014 (06/2014) e Estudo
Qualitativo Ad hoc Clima de Copa (06/2014), com dados coletados de 30 de maio a 14 de
julho, lembrando que o Mundial iniciou-se no dia 12 de junho e foi encerrado em 13 de julho.
Cabe esclarecer que a intenção é contrapor as informações fornecidas nesses relatórios
com aquelas apresentadas pelas revistas junto à publicação de sondagens. Considerando as
observações realizadas, ambas citam pesquisas de opinião de renomados institutos para
ilustrar algumas de suas reportagens: a Época aponta dados coletados pelo Ibope Inteligência,
Instituto Datafolha, CNI/Ibope e Instituto Pew Research (EUA) e o site Reclame Aqui, além
de uma pesquisa de autoria não divulgada na reportagem “A redenção nos pés do craque”. Já
a Veja cita o Pew Research, pesquisas encomendadas pelo governo (nas reportagens “O
pessimismo diminuiu” e “O bom e o mau humor”) e uma de autoria não divulgada em “O
jogo de caneladas”.
Além disso, aplicando a metodologia sugerida por Benetti (2007) pretende-se mapear
e analisar as falas de um tipo específico de fonte: os ordinários que ganharam visibilidade nas
edições selecionadas para exame. Apoiando-se no conceito de Bakhtin, a autora afirma que o
discurso jornalístico é altamente polifônico, “podemos citar como vozes: as fontes, o
jornalista-indivíduo que assina o texto, o jornalista-instituição quando o texto não é assinado,
o leitor que assina a carta publicada”. (BENETTI, 2007, p. 116). Apesar disso, ao analisar-se
o discurso, pode-se observar que, embora constituído por muitas vozes, nem sempre a
polifonia está presente. “Para identificar o seu caráter polifônico ou monofônico é preciso
mapear as vozes que o conformam e, nesse movimento, refletir sobre as posições de sujeito
ocupadas por indivíduos distintos”. (BENETTI, 2007, p. 116). Recorrendo a Foucault, a
autora afirma que:
o individuo, ao falar, ocupa uma posição determinada, de onde deve falar naquele
contexto de produção. [...] essas posições de sujeito são lugares que os indivíduos
81 http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa
89
metaforicamente “vêm ocupar”. São lugares construídos fora do discurso em
questão, segundo determinações culturais, sociais e históricas. (BENETTI, 2007, p.
117).
Por fim, ressalta-se que as fontes não ordinárias, entre elas jogadores de futebol,
técnicos e governantes, não farão parte das análises. Também foram excluídos porta-vozes de
órgãos públicos e especialistas por não representarem a opinião pública, neste trabalho
privilegiada.
Ainda considerando a pluralidade de vozes, ou a ausência dessa pluralidade no texto
jornalístico, pretende-se também fazer a análise do discurso acerca de outra questão apontada
por Benetti (2007): o silenciamento, afinal, o não-dito tem tanta força quanto o dito:
para estuda-lo, porém, é preciso que o analista detenha grande conhecimento sobre a
temática em questão – para, depois de mapear os sentidos presentes no discurso,
identificar aqueles sentidos que, embora significativos, estão silenciados e analisar
por que, afinal, estão ausentes daquele espaço discursivo. (BENETTI, 2007, p. 115).
A partir desses dois âmbitos: sondagens e voz dos ordinários, será feita a análise de
enquadramento das capas e reportagens das revistas. Mendonça e Simões (2012, p. 187)
relatam que:
por meio da análise do enquadramento, já se estudaram objetos tão diversos como
campanhas políticas, reality shows, grandes eventos públicos, movimentos sociais e
conversas informais. Heuristicamente rica e bastante maleável, a noção parece se
adaptar a diferentes problemas de pesquisa, embasando abordagens metodológicas
distintas. (MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p. 187).
Com isso, analisa-se os enunciados e discursos das mais diversas naturezas, captando
o modo como determinada realidade é enquadrada por eles. “No cerne desse tipo de
operacionalização reside uma preocupação em compreender o modo como discursos
estabelecem molduras de sentido, enquadrando o mundo a partir de perspectivas específicas”.
(MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p. 193). Nessa mesma direção, Mesquita (2008) afirma que o
enquadramento pode ser aplicado tanto no âmbito da emissão quanto à recepção:
no que diz respeito à emissão, os estudos voltam-se à análise de termos, frases e
palavras repetidas que permitem a identificação de uma orientação imposta pelo
jornalista na construção de notícias [...] Isso ocorre, muitas vezes, por meio da
comparação entre dois ou mais veículos, verificando as similaridades e diferenças
que caracterizaram a cobertura de cada veículo”. (MESQUITA, 2008, p. 21).
Vale destacar, ainda, que a proposta é fazer uso do “enquadramento interpretativo”,
um conceito desenvolvido por Mauro Porto. Segundo o autor (2006):
90
[...] enquadramento interpretativo diz respeito a um nível mais concreto: a
interpretação de temas ou eventos específicos. O ponto de partida é o de que
qualquer tema ou evento importante é controverso, ou seja, é enquadrado de forma
diferente por diferentes atores. A mídia tem um papel fundamental ao dar
visibilidade a certos enquadramentos ou ao marginalizar e excluir outros pontos de
vista. (PORTO, 2006, p. 132).
Dentro disso, pretende-se atentar, ainda, para o uso de fotos que são utilizadas nessas
reportagens, afinal, de acordo com Loizos (2002), os meios de comunicação muitas vezes
dependem de elementos visuais. Logo, esse material não pode ser ignorado. No entanto:
estes registros não estão isentos de problemas, ou acima de manipulação, e eles não
são nada mais que representações, ou traços, de um complexo maior de ações
passadas. […] eles são, inevitavelmente, simplificações em escala secundária,
dependente, reduzida das realidades que lhes deram origem. (LOIZOS, 2002, p.
138).
Já no que diz respeito às capas, o propósito é examinar como elas são compostas,
considerando as manchetes, chamadas e imagens, bem como os sentidos produzidos em
conjunto, com vistas a expressar ou formar um clima de opinião.
A partir desse material, a pesquisa terá como base o método comparativo, a ser
utilizado entre as duas revistas. Acerca do método comparativo, Schneider e Schimitt (1998)
afirmam que:
a comparação, enquanto momento da atividade cognitiva , pode ser considerada
com o inerente ao processo de construção do conhecimento nas ciências sociais. É
lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos descobrir
regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e
tipologias, identificando continuidades e descontinuidades, semelhanças e
diferenças, e explicitando as determinações mais gerais que regem os fenômenos
sociais. (SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998, p. 1).
Os autores explicam, ainda, que o método comparativo deve ser aplicado
considerando, especialmente, três momentos: o primeiro envolve a seleção de dois ou mais
fenômenos que sejam efetivamente comparáveis: o que significa não apenas definir os
recortes, mas reproduzir aspectos essenciais dos fatos ou fenômenos investigados.
Posteriormente, é necessário definir os elementos a serem comparados. Neste momento, eles
explicam que alguns autores já partem de modelos previamente construídos, com as variáveis
especificadas previamente. Por último, eles apontam a generalização e perguntam “o que faz
com que um estudo comparado não se torne uma mera coleção de casos interessantes?”
(SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998, p. 35) Para eles, o método comparativo deve ser visto
como uma bússola, um mapa para que o pesquisador não se perca entre os caminhos da
pesquisa, mas é necessário estar atento ao equilíbrio para a produção de um trabalho
91
sistemático que não perca de vista suas indagações iniciais. (SCHNEIDER; SCHIMITT,
1998).
Acredita-se que, adotando os procedimentos metodológicos expostos acima, será
possível desenvolver uma reflexão acerca dos modos de expressão e formação do clima de
opinião acionados pelo jornalismo praticado por Época e Veja na atualidade.
4.2 As sondagens entram no jogo
Nesta seção, será feita uma análise do modo como as sondagens foram publicadas nas
duas revistas. Ambas citam pesquisas de opinião de renomados institutos para ilustrar
algumas de suas reportagens: a Época aponta dados coletados pelo Ibope Inteligência,
Instituto Datafolha, CNI/Ibope e Instituto Pew Research (EUA), além de mencionar o site
Reclame Aqui82, distribuídos em quatro edições e seis matérias. Já a Veja cita o Pew
Research, pesquisas encomendadas pelo governo e uma de autoria não divulgada (quatro
reportagens ao todo). Feito em ordem cronólogica, o estudo terá início pelo semanário da
Globo e depois passará pela edição correspondente de Veja.
Na edição 836 de Época, datada de 9 de junho de 2014, poucos dias antes da abertura
do Mundial ocorrida no dia 12, três pesquisas de opinião foram publicadas na reportagem de
capa “Por que amamos tanto a seleção”. São apresentados, em sequência, os resultados de
pesquisas realizadas naquele momento por dois institutos de pesquisa e um site. Vale destacar
que, em um parágrafo antes, é trazido o cenário de protestos “contra a corrupção e pela
melhoria dos serviços públicos” da Copa das Confederações em 2013 e questiona: “o torcedor
estava dividido: até que ponto o apoio à Seleção significava compactuar com a bagunça e as
denúncias de desvios que marcaram a organização da Copa do Mundo no Brasil?” (LIMA;
TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34), ou seja, traça-se um paralelo entre a opinião dos
brasileiros em 2013 e 2014. Seguem as sondagens, atentando para o fato de que, junto a
nenhuma delas, é exposto exatamente quando os dados foram coletados:
De acordo com o Instituto Datafolha, apenas 48% da população apoia o Mundial no
Brasil – 41% são contra. Há seis anos, o apoio era de 79%. Entre os paulistanos,
45% são a favor da Copa, e 43% são contra. (LIMA; TURRER; GORCZES
KI, 2014, p. 34).
Segundo uma pesquisa do Instituto Pew Research divulgada na semana passada,
61% dos brasileiros acham que acolher a Copa do Mundo é negativo para o país.
82 A empresa começou com reclamações dos familiares e amigos em um pequeno escritório em Campo Grande,
MS, e hoje é um site acessado em todo o Brasil. Diariamente, mais de 600 mil pessoas pesquisam nele as
reputações das empresas antes de realizar uma compra, contratar um serviço ou resolver um problema. (Fonte:
http://www.reclameaqui.com.br/institucional)
92
(LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34).
Em pesquisa divulgada com exclusividade por ÉPOCA, o site Reclame Aqui
detectou que 86% dos cadastrados no site se dizem “insatisfeitos” ou “pouco
satisfeitos” com a organização da Copa do Mundo. (LIMA; TURRER;
GORCZESKI, 2014, p. 34).
Também no parágrafo em que as pesquisas são publicadas, essa divisão é enfatizada:
“os torcedores têm sentimentos ambíguos às vésperas da Copa do Mundo” (LIMA; TURRER;
GORCZESKI, 2014, p. 34) e imediatamente após as pesquisas expostas, a seguinte questão é
colocada:
Quando a bola rolar no jogo Brasil X Croácia, conseguirão os torcedores brasileiros
separar os dois sentimentos – o amor pela Seleção Brasileira e a justa revolta com
os políticos? É bem provável que sim, graças à relação que os brasileiros têm com
a Seleção nacional. Trata-se de uma história de identificação e paixão que tem
poucos paralelos no mundo. (LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34, grifos
nossos).
No que diz respeito às razões que levaram a um país dividido, a reportagem cita os
serviços públicos longe do “padrão Fifa” mas enfatiza especialmente a insatisfação em
relação à organização do evento – e não ao evento em si – (a pesquisa do site “Reclame Aqui”
tem o foco nessa questão), bem como em denúncias em relação aos seus preparativos83: “a
Copa começará num estádio inacabado, o Itaquerão, construído em meio a brigas políticas”.
(LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34)84.
Embora tais pesquisas expusessem um brasileiro dividido, praticamente toda a
reportagem, bem como o título – Por que amamos tanto a seleção – e as imagens nela
utilizadas, como por exemplo a foto da torcida no Maracanã, cantando o hino na final da Copa
das Confederações (Figura 2), trazem uma atmosfera no mínimo patriótica, em que a forte
relação entre a seleção e os brasileiros é enfatizada. Portanto, a “justa revolta com os
políticos” não deve envolver o amor ao esporte, afinal:
83 As sondagens encomendadas pela Secom ao Instituto Análise, no mesmo período, entre os dias 5 a 9 de junho
de 2014, apontam que “o momento retratou um entrevistado em expectativa, sem saber exatamente o que
encontrará quando a Copa começar”. (INSTITUTO ANÁLISE, 2014, p. 12). Em relação aos sentimentos pré-
Copa, o relatório afirma que duas questões sobressaem: “1. Os entrevistados têm a percepção de que a mídia
exerce influência nos sentimentos que alimentam com relação à Copa; 2. Paira no ar um sentimento de
desconforto e irritação com tudo o que diz respeito ao meio político, que respinga em todas as esferas de
governo. Este sentimento se deteriora ainda mais pela percepção de que os altos gastos com a Copa ocorrem
em um cenário de baixo crescimento econômico, de elevação do custo de vida, de precariedade na oferta de
serviços públicos e de crescimento da insegurança nos centros urbanos”. (INSTITUTO ANÁLISE, 2014, p. 12,
grifo nosso). Em relação aos efeitos dos meios, informação especialmente importante para esta pesquisa, o
documento registra ainda que “os entrevistados, por vezes, mostram-se confusos entre o que o noticiário da
mídia lhes apresenta e seus desejos enquanto espectadores de um grande evento”. (INSTITUTO ANÁLISE,
2014, p. 12). 84 As disputas políticas relacionadas ao Itaquerão serão retomadas, de modo detalhado, posteriormente.
93
quando se trata da Seleção, no entanto, os brasileiros têm razões objetivas para sentir
orgulho. O escrete canarinho é o único pentacampeão mundial. O único a ter
participado de todas as Copas do Mundo. O recordista de gols marcados em Copas,
210. O único jogador a participar de três campanhas vitoriosas é brasileiro – Pelé. O
maior artilheiro das Copas é Ronaldo, com 15 gols. (LIMA; TURRER;
GORCZESKI, 2014, p. 34).
Figura 2 - Torcida entoando hino na Copa das Confederações
Fonte: Jasper Juinen/Getty Images (2014, p. 32-33)
Sem dúvida, há uma tentativa de formar um clima de opinião favorável ao Mundial,
mas contrário a sua organização. Isso aparece já na capa da revista, conforme a Figura 3, que
traz o título “A Copa que divide o Brasil” e usa como ilustração a figura de um rosto dividido
ao meio: em um dos lados as cores e o desenho da bandeira nacional (em suma, a
representação do torcedor), no outro a pintura retratando a máscara de um revolucionário que
inspirou o filme “V de Vingança”85(em suma, representando aqueles que eram desfavoráveis
a realização do evento). De acordo com Schilling (2013), essa máscara foi bastante utilizada
durante os protestos em 2013. Com isso, conclui-se que já na capa é traçado um paralelo entre
os manifestos daquele ano e 2014. Logo, é possível constatar pelo menos dois níveis de
significação: um primeiro em que a imagem é associada ao personagem do filme, ou seja,
uma clara intertextualidade com a cultura mídiática e um segundo, menos comum, mas que
não deve ser desconsiderado, no qual a associação é diretamente ligada a um revolucionário
que tentou tomar o poder na Inglaterra.
Chama atenção, ainda, o fato de logo abaixo da manchete principal vir o trecho do
85 Defensor da liberdade, o revolucionário inglês Guy Fawkes comandou, em 1605, uma tentativa de explodir as
Casas do Parlamento e tomar o poder na Inglaterra. O golpe fracassou, mas desde um ano depois da execução
e esquartejamento do ídolo anarquista e sete dos seus companheiros (em 1606), todo dia 5 de novembro é
comemorado com festas e fogueiras no Reino Unido. Fawkes virou personagem de quadrinhos e inspirou o
filme V de Vingança, lançado em 2006, principal responsável pela popularização das sinistras feições.
(SCHILLING, 2013)
94
subtítulo “Por que amamos tanto a seleção” dialogando justamente com uma chamada para a
entrevista do então ministro do Esporte, Aldo Rebelo: “Dilma não deve temer a vaia”86, já
considerando a vaia à então presidente como fato iminente. Nesse caso, percebe-se claramente
a articulação entre Copa e política, ainda mais considerando o fato das três chamadas expostas
no cabeçalho terem foco no megaevento. Enquanto isso, na reportagem, a frase “Um ano se
passou. Embora os protestos de junho tenham arrefecido e se convertido em reivindicações
pontuais de alguns grupos e sindicatos, os torcedores têm sentimentos ambíguos às vésperas
da Copa do Mundo” (LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34) ajuda a mostrar que,
correlacionando os dois momentos, a revista busca formar opinião no sentido de que seria
necessário diferenciar a avaliação do Mundial da avaliação do governo que então o conduzia.
Figura 3 - Capa Época edição 836
Fonte: Época (2014)
A edição 837, de 16 de junho de 2014, traz a chamada de capa “O craque que une o
Brasil: o brasileiro se curva aos pés de Neymar – e mostra que aprendeu a separar futebol e
política” já apresentando como certo algo que na semana anterior colocava como dúvida:
86 É importante destacar que, embora o extrato da fala do então ministro do Esporte, Aldo Rebelo, tenha sido
divulgado na capa: “Dilma não deve temer a vaia”, na entrevista publicada pela revista, essa não foi a fala
literal do ministro: “Época – De alguma forma, o Planalto teme que ela seja vaiada, que se repita o que
aconteceu na partida de abertura da Copa das Confederações, em Brasília? Caso isso aconteça, qual a imagem
para o mundo? Rebelo – Não importa temer vaia. Vaia não mata ninguém. Jogador é vaiado, técnico é vaiado,
jornalista é vaiado”. (BOMBIG, 2014, p. 52). Vale observar que antes mesmo de fazer a pergunta, o jornalista
já faz uma afirmação.
95
“conseguirão os torcedores brasileiros separar os dois sentimentos – o amor pela Seleção
brasileira e a justa revolta com os políticos?” (LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34,
grifo nosso). Já a reportagem de capa “A redenção nos pés do craque”, traz as seguintes
informações:
os resultados das pesquisas mais recentes retratam com nitidez esse mau momento.
Ela [Dilma Rousseff] não pode nem trocar o técnico: o ex-presidente Luiz Inácio
Lula da Silva acumula essa função com a de dono do time. De acordo com o
Datafolha, as intenções de voto em Dilma caem consistentemente desde fevereiro.
Na ocasião, 44% dos entrevistados votavam em Dilma. Na pesquisa mais recente, na
semana passada, eram 34%. Ao mesmo tempo, a rejeição a Dilma cresceu de 30%
para 35%. A situação só não é pior porque os adversários ainda não ameaçam.
(BOMBIG; TURRER; LOYOLA, 2014, p. 36, grifo nosso) 87.
As sondagens expostas apontam a queda da então presidente Dilma Rousseff nas
intenções de voto. Para apresentar esses dados, no entanto, os repórteres traçam um caminho
relativamente longo. Em um primeiro momento, o texto traz realmente a trajetória que o título
principal propõe (o protagonismo de Neymar no jogo contra a Croácia), o que ocorre por três
parágrafos. Até que os insultos à presidente durante o jogo de abertura da Copa são reportados
(e condenados). “Foi grosseiro. Foi injustificável. [...] inaceitável para a plateia privilegiada
que assistia a uma festa em que a própria Fifa quer celebrar a paz”. (BOMBIG; TURRER;
LOYOLA, 2014, p. 32). A partir daí, a reportagem, recorrendo a trocadilhos que denotam
ironia, retrata a segunda parte de sua linha fina no sentido de criticar o governo federal: “Mas
quem salvará o governo Dilma dos gols contra na organização da Copa?” (BOMBIG;
TURRER; LOYOLA, 2014, p. 31, grifo nosso), traz alguns embates entre governos de SP e
federal com manifestantes e aponta uma série de problemas e erros relacionados ao início do
Mundial:
quem foi ao Itaquerão encontrou um estádio ainda em acabamento. A piada que
corria entre os presentes na abertura da Copa do Mundo era que o estádio não estava
no padrão Fifa, mas sim no padrão “Pifa”: a iluminação pifou, a internet pifou, o
atendimento nas lanchonetes pifou, a descarga dos banheiros pifou. (BOMBIG;
TURRER; LOYOLA, 2014, p. 33).
A partir de então, o texto cai no âmbito da disputa política. Em suma, é uma espécie de
preparação para a apresentação das sondagens e de como os então pré-candidatos, Aécio
Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e a própria Dilma Rousseff (PT) estavam se
articulando para a futura campanha. Nesse momento, é fundamental lembrar Champagne
(1996): a divulgação dessas pesquisas fora do período eleitoral tem, na maioria das vezes, o
87 Nesse trecho, assim como em outras partes do texto, observa-se a forte presença de uma narrativa que recorre
a termos próprios do futebol – técnico, time, adversário – trabalhndo com a ideia de jogo/Copa e jogo político-
eleitoral.
96
objetivo de deslegitimar os governantes que estão no poder naquele período e explicitar o fato
de não serem mais majoritários.
Mas essa parece não ser a única razão pela qual as sondagens são expostas. Neste
momento, não só um dos relatórios encomendados pela Secom (IBOPE INTELIGÊNCIA,
2014)88, mas o próprio fato de todos os ingressos já terem sido vendidos, mostravam que os
brasileiros pretendiam vestir a camisa e acompanhar o Mundial. Considerando isso, além da
vitória do Brasil contra a Croácia no primeiro jogo, fica fácil entender o porquê da exposição
dessas sondagens e, também, o porquê do subtítulo na capa “O brasileiro se curva aos pés de
Neymar – e mostra que aprendeu a separar futebol de política”:
Figura 4 - Capa Época edição 837
Fonte: Época (2014)
Sabendo que o pessimismo diminuiria, os argumentos elencados nos sugerem que a
revista se antecipou em mostrar que, embora a Copa do Mundo viesse a trazer momentos de
alegria, a culpa pelos problemas ocorridos até aquele momento era exclusivamente do
governo federal, por isso as intenções de voto em Dilma vinham caindo. Portanto, era
necessário que o recado deixado na capa da edição viesse a ser levado em conta, ou seja, o
88 Acredita-se que a editoria da revista conhecia esse material, por duas razões: primeiro, por conta do caráter
público dessas sondagens (disponíveis na internet), segundo porque a própria reportagem chega a citar “O
Planalto passou a consumir com avidez pesquisas de opinião para entender o povo” (BOMBIG; TURRER;
LOYOLA, 2014, p. 34), remetendo ao período posterior à Copa das Confederações, justamente quando as
pesquisas relacionadas ao Mundial passaram a ser feitas.
97
brasileiro finalmente teria aprendido a separar futebol de política.
Um último aspecto significativo a ser mencionado é a estratégia de exposição nas
capas, por duas vezes consecutivas, de um rosto dividido ao meio com parte da bandeira do
Brasil do lado esquerdo. Na primeira semana, “A Copa que divide o Brasil”, na segunda, “O
craque que une o Brasil”. Com isso, a revista resolve, com o apoio da seleção (representada
pelo rosto de Neymar) algo que não se alterará no conteúdo, como se verá adiante.
Figura 5 - Capas Época edições 836/837
Fonte: Época (2014)
Na mesma edição, a reportagem “Sairemos bem na foto?” traz os seguintes dados:
O cidadão brasileiro não precisa ser especialista no tema para notar o perigo. Na
pesquisa do Centro de Pesquisa Pew, 39% dos brasileiros responderam que receber a
Copa prejudicará a imagem global do país, por fatores variados como
desorganização ou violência. Outros 35% acreditam que a Copa melhorará a
imagem do país e 23% acham que não haverá efeito algum. (CORONATO;
MAURO; GABRIEL, 2014, p. 42, grifo nosso).
Além dessas sondagens, a revista busca legitimar seu posicionamento recorrendo a
declarações de especialistas: “‘Um evento único pode afetar significativamente a reputação de
um país, para o bem ou para o mal’, diz Ana Luísa Almeida, professora na Fundação Dom
Cabral e presidente no Brasil do Reputacion Institute, uma consultoria internacional”.
(CORONATO; MAURO; GABRIEL, 2014, p. 40). Uma segunda fala, mais contundente,
funciona como uma espécie de gancho para que as sondagens sejam expostas:
98
o consultor americano Simon Anholt [...] diz que a imagem do Brasil no mundo
ficou inflada nos anos 2000, por causa das altas expectativas econômicas de então,
do ganho real de importância dos países emergentes e do carisma do então
presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. “Agora, a grande exposição do ‘Brasil real’ na
TV, com a Copa e a Olimpíada, poderá piorar um pouco a imagem do país.
(CORONATO, MAURO, GABRIEL; 2014, p. 42).
Nessa citação chamam atenção as seguintes colocações: a primeira dizendo que a
“imagem” do país “ficou inflada” entre outras razões pelo carisma do então presidente Lula e
que, naquele momento, em contraposição, o “Brasil real” na TV poderia piorar a imagem do
país no exterior. Nas frases seguintes, a busca de legitimação desse “Brasil real” pelos
brasileiros: “Na pesquisa do Centro de Pesquisa Pew, 39% dos brasileiros responderam que
receber a Copa prejudicará a imagem global do país”. (CORONATO; MAURO; GABRIEL,
2014, p. 42). Ou seja, a imagem melhorada, vinculada ao nome do então presidente Lula, era
apenas uma imagem “inflada”, portanto, muito diferente do Brasil real. Ainda no que diz
respeito a fala do consultor americano, é preciso resgatar Bourdieu (1985) e desmistificar o
olhar acerca da ciência política (em especial, no âmbito das sondagens) como um território
neutro a parte, lembrando que ela “[...] sempre consistiu numa certa arte de devolver à classe
dirigente e a seu pessoal político sua ciência espontânea da política, ornada com a fachada de
ciência”. (BOURDIEU, 1985, p. 154).
Para complementar a análise, cabe ressaltar o lide da reportagem no qual se afirma
que:
a Copa do Mundo de 2014 será o evento mais transmitido e visto da história da
humanidade.[...] a transmissão dos jogos pela TV chegará a 3,6 bilhões de pessoas.
Nas próximas quatro semanas, os 600 mil turistas estrangeiros aguardados para a
Copa criarão uma quantidade de prodigiosa de vídeos, fotos e textos sobre o Brasil e
os brasileiros. (CORONATO; MAURO; GABRIEL, 2014, p. 40).
Novamente, acredita-se que o veículo tentava formar um clima de opinião favorável ao
evento. Isso fica mais nítido quando se observa o relatório final do Ibope Inteligência,
encomendado pela Secom, com sondagens feitas de 30 de maio a 2 de junho, é analisado.
Apenas 31% dos entrevistados concordam que “A Copa do Mundo mostrará que o povo
brasileiro está preparado para receber turistas” (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 27).
Outros 58% discordam dessa afirmação. Em contrapartida, nas enquetes feitas de 11 a 21 de
junho, quando perguntados sobre que prejuízos a Copa teria trazido ao país, apenas 1%
declarou “imagem do país no cenário internacional”. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 36).
Esse mesmo documento aponta que, no período citado acima, 51% dos entrevistados se
declararam mais satisfeitos com a realização da Copa no Brasil e 35% mais insatisfeitos.
(IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 28).
99
Já em relação à “desorganização e violência”, evidenciados como fatores responsáveis
pelo mau humor do brasileiro, dados coletados de 11 a 21 de junho, pelo Ibope Inteligência
(2014) mostram que, a partir da pergunta: “como o(a) Sr(a) avalia a organização da Copa do
Mundo: ela foi ótima, boa, regular, ruim ou péssima?” (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p.
31), 52% dos entrevistados declararam ótima/boa e 32% regular. Apenas 13% ruim/péssima.
Portanto, quando os dados da pesquisa encomendada pela Secom são confrontados com a
reportagem de Época, percebe-se a tentativa de formar um clima de opinião negativo em
relação ao principal responsável pela realização do evento: o governo federal.
Na edição de Época de 23 de junho, no 838, dois textos: “E se o Brasil perder a
Copa?” e “O bom humor está por um fio” perpassam o âmbito do futebol e contém
sondagens. O primeiro traz a seguinte informação referente à pesquisa realizada no dia 19 de
junho:
segundo uma pesquisa CNI/Ibope divulgada na última quinta-feira, a aprovação à
gestão Dilma caiu 5 pontos percentuais e está em 31% (quem responde que o
governo é “bom” ou “ótimo”). (BOMBIG, 2014, p. 39).
O primeiro detalhe a observar-se é que, embora aponte o dado de “bom” ou “ótimo”, a
pesquisa é divulgada de forma incompleta: os números relativos ao quesito “regular” ou
mesmo ruim/péssima não são explicitados, o que já é um indício de que a sondagem teria sido
utilizada como um artefato político para dissimular um sistema de forças e tensões, conforme
sugere Bourdieu (1985).
No que diz respeito à matéria, tanto no mesmo parágrafo em que a sondagem é
apresentada, como no posterior, o repórter afirma que Dilma Rousseff mantém uma “distância
prudente” em relação à Copa ou mesmo à seleção. Um exemplo é que o técnico Luiz Felipe
Scolari esperava vê-la na Granja Comary, antes da estreia, mas a então presidente preferiu
enviar uma mensagem ao grupo. No entanto, não é apenas dessa forma que o texto relaciona o
momento que o país estava vivendo em razão do Mundial com possíveis táticas eleitorais,
como se estivesse mesmo abrindo os olhos do leitor: o subtítulo já sugere isso “Dilma – e o
próprio Lula – se prepara para usar o evento na campanha eleitoral. O maior risco é uma
derrota nas oitavas de final” (BOMBIG, 2014, p. 38). Por sua vez, o lide apenas reforça tais
informações:
a Copa do Mundo do Brasil está longe de ser, até agora, o caos que se desenhava e
todos temiam. Os protestos ficaram sob controle, as torcidas fazem a festa e os jogos
enchem os olhos. Nesse cenário, o governo federal e o PT já elaboram uma
estratégia para transformar o evento em ativo eleitoral de Dilma Rousseff.
(BOMBIG, 2014, p. 38, grifo nosso).
100
Não é para menos que a reportagem foca nessa questão. Vale considerar que o Brasil
passava por um período de convenções partidárias para a escolha dos candidatos às Eleições
Gerais de 2014. Esse período terminaria em sete dias. Além disso, o torcedor brasileiro estava
bastante satisfeito com o Mundial. Considerando dados coletados de 22 de junho a 3 de julho
pelo relatório do Ibope Inteligência (2014), quando perguntados sobre que assuntos noticiados
mais se lembravam nos últimos dias, os jogos do Brasil ficaram em primeiro lugar (24% das
respostas). Já a atuação do governo federal, considerando aspectos negativos, ficou longe
disso: 5%, atrás dos quesitos jogos do Brasil, manifestações e seleção brasileira. Em outra
questão, 46% dos entrevistados disseram que a Copa estava melhor do que o esperado, 28%
igual ao esperado e apenas 14% pior do que o esperado. Já em relação à organização do
evento, de um modo geral, 63% disseram ótima/boa, 26% regular e apenas 6% a
consideravam ruim/péssima. Além disso, 70% se declararam favoráveis à realização do
Mundial no Brasil. Apenas 21% eram contrários. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014). Dividindo
a Copa em três períodos: 11 a 21/06, 22/06 a 03/07 e 04 a 14/07, o relatório do Ibope (2014)
afirma ainda que:
a organização do torneio futebolístico teve boa avaliação da população, pois
independente da fase do torneio, pelo menos metade dos respondentes indicaram
desempenho ótimo ou bom; o segundo período foi o de melhor avaliação. O grau de
apoio à realização da Copa também foi alto, aproximadamente sete em cada dez
entrevistados. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 47).
Na outra matéria, não assinada – “O bom humor está por um fio”, as sondagens
aparecem da seguinte forma:
o sociólogo Mauro Paulino, diretor do DataFolha, diz que a evolução da Copa
inverteu a expectativa negativa que a antecedeu. As pesquisas do instituto
mostravam que o interesse pela Copa era o menor já verificado, justamente no
momento em que a grande festa do futebol Mundial se instalava no Brasil. O
percentual de “grande interesse” em torno do evento, que sempre girava em torno de
50% dos entrevistados, estava em 25% semanas antes da partida inaugural. (O
BOM..., 2014, p. 42).
Com relação a esse trecho cabem algumas observações: as sondagens são utilizadas
para evidenciar um momento anterior ao início da Copa, mas são publicadas 11 dias depois da
abertura do evento (23 de junho). Como foi observado, na edição de 2 de junho, já havia um
clima relativamente favorável ao megaevento. Portanto, as pesquisas retratam algo que havia
ocorrido há mais de 20 dias, lembrando que sondagens são retratos do momento em que
foram realizadas, não tendo nenhuma capacidade preditiva. Além disso, embora afirme que
houve uma virada no humor dos brasileiros e até cite a fala do antropólogo Édison Gastaldo,
101
da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: “Não é porque torço pela Seleção que sou
alienado. As pessoas estão perdendo a vergonha de torcer, perdendo a vergonha de ser
felizes” (O BOM..., 2014, p. 42), a reportagem simplesmente não traz nenhum dado referente
a esse período que, como foi observado na análise anterior, era bastante favorável. Apesar
disso, para deixar bem claro que o bom humor do brasileiro estava por um fio, imediatamente
após a exposição das sondagens velhas, as falas do diretor do DataFolha são trazidas:
Paulino diz que a campanha da Seleção e o bom papel do Brasil como anfitrião
ajudam a mudar esse quadro. “Isso deve se manter pelo menos até o primeiro jogo
das oitavas de final”, afirma. “Se ocorrer uma derrota nesse jogo, todo o sentimento
de euforia poderá virar frustração. Se ganharmos, o sentimento de orgulho estará no
auge.” (O BOM..., 2014, p. 42).
Com o apoio da fala de ordinários (a serem analisadas posteriormente) e especialistas,
o parágrafo posterior traz situações cotidianas que apontam para problemas relacionados à
saúde e educação, em contraposição ao alto investimento em estádios, algo que até então a
revista só havia feito na reportagem “Por que amamos tanto a seleção”, da edição anterior à
abertura da Copa, mas de maneira bastante amena. A fala de um especialista encerra o texto
quase com um tom de agouro: “‘Qualquer país se chateia ao perder’, diz o prof. Laurent
Dubois, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, onde ensina a disciplina futebol e
política. ‘No caso do Brasil, se algo assim ocorrer, ainda mais sediando a Copa, será
devastador’”. (O BOM..., 2014, p. 42, grifo nosso).
Diferentemente de Época, que divulgou pesquisas antes mesmo do Mundial começar,
a edição 2.379 de Veja, referente a 25 de junho, pela primeira vez, faz uso de várias
sondagens em duas reportagens. Segue o “O pessimismo diminuiu”:
a euforia momentânea dos governistas está amparada em pesquisas feitas para
consumo interno. Elas mostram que, depois da primeira semana de jogos, o apoio à
realização da Copa no Brasil passou de 54% para 66%, enquanto a oposição caiu de
39% para 27%. Já a organização do evento é considerada “ótima ou boa” por 56%,
“regular” por 31% e “ruim” por 9%. Esse último porcentual era de 20% antes da
partida da estreia entre Brasil e Croácia. Outro dado confirma a redução do
pessimismo relacionado à Copa. Em 11 e 12 de junho, 33% dos entrevistados
afirmaram que a Copa estava sendo pior do que o esperado. Nos dois dias seguintes,
foram 21%. Agora, são 17%. (PEREIRA et al. 2014, p. 115).
essa sensação de bem-estar se reflete nas pesquisas [do governo]. Ao responderem
sobre o que acompanham no noticiário, 47% dos entrevistados citam resultados e
jogadores da Copa. As manifestações e a organização do evento aparecem com 23%
e 14% das menções. (PEREIRA et al. 2014, p. 117).
O primeiro aspecto a se ressaltar é que, assim como Época, o semanário estava atento
ao humor do brasileiro naquele momento. Outro detalhe é que, diferentemente do semanário
da Globo, Veja apresenta os dados de forma completa. Além disso, tanto o título “O
102
pessimismo diminuiu” como o trecho do subtítulo “As pesquisas mostram que aumentou o
apoio dos brasileiros à Copa” (PEREIRA et al. 2014, p. 114) realmente expressavam o clima
de opinião naquele momento. No entanto, acredita-se que a revista se utiliza das pesquisas
com um único objetivo: desmantelar a crença de que “esses números injetaram ânimo na
campanha à reeleição de Dilma”. (PEREIRA et al. 2014, p. 115). Imediatamente após essa
frase, a seguinte informação é trazida: “Há a esperança de que a Copa inverta – ou pelo menos
neutralize – o clima de mau humor reinante entre os brasileiros, principalmente em razão da
inflação e do desempenho da economia”. (PEREIRA et al. 2014, p. 115, grifo nosso). Não
apenas esses fatores passaram a fazer parte do texto, no sentido de mostrar dificuldades que o
então governo Dilma teria. Outros como manifestações (embora o texto comente que foram
“minguadas”) também foram citados. Para completar:
são muitos os obstáculos pela frente, dos conhecidos, como as obras de
infraestrutura atrasadas, aos imprevisíveis. Na semana passada, foi decretado
estado de calamidade pública em Natal devido às fortes chuvas que castigaram a
cidade. Nada que impedisse a realização do duelo entre Estados Unidos e Gana [...]
Até agora, o maior desgaste para a presidente foram os xingamentos disparados
contra ela no Itaquerão. (PEREIRA et al. 2014, p. 117).
Posto isso, observa-se que, assim como Época, o bom momento traduzido pelas
pesquisas de opinião é visto com olhar crítico por Veja que, além de citar questões realmente
significativas em um ano eleitoral como o desempenho ruim da economia, evidencia por meio
de imagem (Figura 6), fatores bastante negativos, mas que não tinham relação com o governo
federal, como problemas de infraestrutura em Natal (responsabilidade do governo local).
Nesse sentido, de acordo com Santos (2009):
a imagem, no âmbito do jornalismo, é concebida como um recurso de mediação
visual que, em articulação com o texto verbal, busca gerar conhecimentos e
esclarecimentos sobre a realidade. Nesse sentido, a fotografia é normalmente
apropriada pela atividade jornalística, como expressão visual da realidade [...].
(SANTOS, 2009, p. 1).
103
Figura 6 - Desabamento de ruas em Natal (RN)
Fonte: Emanuel Amaral/Tribuna do Norte (2014, p. 117)
Já na reportagem “O jogo das caneladas”, também do dia 25 de junho, aparecem as
seguintes pesquisas de opinião:
os sinais de desânimo saltam aos olhos nas pesquisas de opinião pública: 30% do
eleitorado está dividido entre indecisos, votos brancos e nulos, uma massa que não
se identifica, pelo menos até agora, com nenhum político, nenhum partido, nenhum
conjunto de propostas. Segundo a pesquisa mais recente sobre o assunto, 61% dos
eleitores são contra o voto obrigatório. É também recorde e um sinal evidente de
indiferença política. (ZALIS; MEGALE, 2014, p. 119).
É importante fazer as seguintes considerações: em primeiro lugar, não há nenhuma
informação acerca de qual seria o instituto responsável pela coleta e produção desses dados, o
que já torna a informação duvidosa. Outra questão se dá em relação ao momento em que essas
pesquisas foram publicadas: o Brasil estava vivendo uma fase de euforia, com as 32 melhores
seleções do mundo se enfrentando no “país do futebol”. No entanto, os sinais de desânimo da
opinião pública com os políticos e os partidos são ressaltados e, junto a isso, a reportagem
apresenta, a sua maneira, os então três pré-candidatos: Aécio Neves, Dilma Rousseff e
Eduardo Campos. Seguem alguns trechos:
na semana passada, reeditou-se nova rodada de acusações entre Lula e Fernando
Henrique. Um ex-presidente (nem precisa dizer qual) disse que o país queria livrar-
se dos “corruptos e ladrões” e o outro (todo mundo sabe qual) retrucou acusando o
anterior de ter cometido exatamente aquele crime pelo qual a cúpula de seu
próprio partido foi parar na cadeia – comprar votos. (ZALIS; MEGALE, 2014,
p. 119, grifo nosso).
Na encruzilhada da subpolítica, Campos, o presidenciável do PSB, conseguiu passar
incólume ao dizer que não ficava mais “num projeto comandado por um bando de
raposas que já roubou o que tinha a roubar”. Aliado de primeira hora do PT, Campos
apoiou o governo petista de 2002 até o ano passado. Levou apenas onze anos para
perceber que havia um bando de raposas roubando? (ZALIS; MEGALE, 2014, p.
119).
104
Não é apenas a ironia que permeia a pergunta final que chama a atenção.
Considerando apenas esses dois trechos, fica clara a contundente polarização da disputa entre
os pré-candidatos do PT e do PSDB e o forte ataque a então presidente Dilma Rousseff. As
imagens não só ratificam, mas também enfatizam isso. A foto da então presidente é divulgada
com o então “kaiser da Fifa”, Joseph Blatter, lembrando que a associação foi alvo de fortes
críticas em todo o Brasil pelo seu excesso de exigências:
Figura 7 - Dilma Rousseff com Joseph Blatter
Fonte: Keystone/Steffen Schmidt/AP (2014, p. 118)
Por sua vez, o então candidato Aécio Neves é apresentado com a camisa da seleção,
festivo, em meio a um grupo de torcedores, bem na página ao lado. Na legenda, que é comum
aos dois candidatos: “Coro das mãos – Dilma com o kaiser da Fifa, e Aécio no empate do
Brasil com o México: muita cautela” (ZALIS; MEGALE, 2014, p. 119):
105
Figura 8 - Aécio Neves durante jogo da seleção
Fonte: Ramon Lisboa/EM/D.A Press (2014, p. 119)
Só na outra página, já no final da reportagem, aparece o então pré-candidato do PSB,
Eduardo Campos, junto ao ex-jogador e senador Romário (PSB - RJ). O então pré-candidato
também usava a camisa da seleção, mas portava um aspecto bem menos festivo:
Figura 9 - Eduardo Campos durante jogo da seleção
Fonte: Alexandre Severo (2014, p. 120)
Há ainda um segundo trecho em que são apresentadas pesquisas de opinião:
no Brasil, o governo vendeu a Copa como sucesso planetário – a Copa das Copas –,
enquanto a oposição apostou que seria uma vergonha mundial. As pesquisas
mostram que, antes da estreia do torneio, o eleitorado vinha seguindo essa divisão.
Entre os eleitores de Dilma, 67% apoiavam a Copa. Entre os eleitores de Aécio, só
42% aprovam o Mundial no país. (ZALIS; MEGALE; CAUTI, 2014, p. 120).
Nesse caso, a revista não apenas reafirma a polarização como diz que “a oposição
apostou que (a Copa) seria uma vergonha mundial” (ZALIS; MEGALE; CAUTI, 2014, p.
106
120) e que “entre os eleitores de Aécio, só 42% aprovavam o Mundial no país” (ZALIS;
MEGALE; CAUTI, 2014, p. 120). Entende-se que, com isso, fica mais do que estabelecido
que o semanário possui suas preferências eleitorais e que, considerando as análises realizadas
até o momento, tentou formar um clima de opinião desfavorável ao evento em razão de
questões políticas. No parágrafo anterior, afirma-se ainda que “[...] organizar uma Copa é uma
experiência que pode ter algum reflexo político na medida em que expõe a competência, ou
não, do governo para exibir o país ao mundo”. (ZALIS; MEGALE; CAUTI, 2014, p. 120).
Acredita-se que essa tenha sido justamente a razão para que tanto a Abril como a Globo, dois
grandes conglomerados, tenham, até aquele momento, evidenciado de forma tão agressiva e
quase unilateral os problemas com a organização do evento.
Posto isso, observa-se que, foi justamente nessas edições de Época e Veja, o momento
em que o maior número de pesquisas de opinião pública foi divulgado. Ironicamente, duas
questões já citadas permeavam o período: o bom humor do brasileiro refletido nas sondagens
e a realização das convenções partidárias, que seriam encerradas no dia 30 de junho (menos
de uma semana depois).
A edição 839 de Época, datada de 30 de junho, traz as sondagens acerca do humor do
brasileiro em tempos de Mundial pela última vez, na reportagem “Animados sim, alienados
não”. Seguem os trechos:
Uma pesquisa do Ibope Inteligência, revelada por ÉPOCA com exclusividade,
traduz essa mudança de astral em números. O Ibope entrevistou 2.002 pessoas em
140 municípios, em duas ocasiões. O primeiro levantamento foi feito entre 15 e 19
de maio, pouco menos de um mês antes do início do evento. O segundo terminou em
22 de junho, dez dias após a abertura.[...] Os entrevistados favoráveis á Copa do
Mundo passaram de 51% para 67%. Mais pessoas também disseram ansiar para que
o evento seja um sucesso. Hoje, 85% se declaram na torcida. Em maio, eram 71%.
(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52).
O número de entrevistados que acredita que o evento trará mais benefícios ao Brasil
ficou estagnado na rodada de pesquisa feita em junho – em comparação com uma
etapa ainda anterior do levantamento, realizada em fevereiro deste ano. Nas duas
ocasiões, só 43% foram otimistas sobre as melhorias. Quarenta por cento dos
ouvidos afirmaram que a Copa trará prejuízos. (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52).
De forma geral, pode-se dizer que a reportagem expressa o clima de opinião que o país
estava vivendo e, diferentemente do que vinha sendo dito até essa edição, toca-se na questão
do país como uma boa sede da Copa. Isso fica ainda mais claro em uma das frases que
aparece junto ao primeiro trecho acima: “O resultado sugere que os brasileiros colocaram de
lado a indignação com problemas estruturais para torcer não só pelo desempenho de nossa
Seleção – mas também pelo sucesso do país como anfitrião”. (BUSCATO; KORTE, 2014, p.
107
52, grifo nosso).
Essa frase sintetiza algo que o texto parece querer ressaltar: “a indignação com
problemas estruturais”. Chama atenção o fato de, já no subtítulo, a matéria evidenciar os
prejuízos: “Uma pesquisa exclusiva mostra que os brasileiros estão mais empolgados com a
Copa – embora 40% achem que o evento trará prejuízos ao país”. (BUSCATO; KORTE,
2014, p. 52, grifo nosso). Por outro lado, os 43% que naquele momento diziam o contrário
não ganham o mesmo destaque, aparecendo no corpo do texto da seguinte forma: “o número
de entrevistados que acredita que o evento trará mais benefícios ao Brasil ficou estagnado”.
Um gráfico, já na última página, expõe essas mesmas estatísticas, mas em meio a vários
outros números, conforme Anexo A.
Outro aspecto interessante das sondagens apresentadas no infográfico anexo é o seu
conteúdo, mais uma vez dividindo a população:
a opinião mudou nos extremos da sociedade. Entre os entrevistados com
escolaridade mais baixa e renda familiar menor, houve aumento do pessimismo. O
contrário aconteceu entre as pessoas com escolaridade e renda maior. Agora, eles
são mais otimistas sobre as consequências. (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54).
Embora questões estruturais como problemas no transporte público tenham aparecido
de forma explícita nos resultados das pesquisas de opinião no período pré-Mundial (a própria
matéria diz isso) sondagens com esse tipo de informação só foram divulgadas por Época na 8ª
edição que trata da Copa, a 13 dias de seu término (30 de junho) e em pleno auge da euforia
dos torcedores. Isso ocorreu em dois outros momentos, mas com a presença de ordinários e
será analisado posteriormente.
Por sua vez, o lide traz as informações relembrando a “catástrofe anunciada” do pré-
Copa: “Há um mês, esperava-se pelo pior. Estádios inacabados, aeroportos em obras, greves
nos transportes. Começada a Copa e 12 de junho, a catástrofe anunciada não veio”.
(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52). Pouco antes do segundo trecho com as sondagens, uma
frase reforça tais evidências. Observa-se, ainda, que essa reportagem também se volta para as
questões levantadas em 2013: “O astral mais leve das ruas não significa que a população
tenha esquecido os problemas que levaram milhares a protestar em junho do ano passado”.
(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52, grifo nosso).
Não se pode deixar de expor ainda que, diante da pergunta feita pelas repórteres:
“Uma eliminação precoce poderá mudar o clima festivo da Copa no Brasil?, a resposta do
diretor de negócios do Ibope, Helio Gastaldi, dizendo “não esperar uma inversão de humor da
população. ‘Os brasileiros já sabem separar o desempenho do time da organização do
108
evento’” (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54) sugere que o governo não deveria ser poupado.
Com isso, mais uma vez se explícita o uso político das sondagens. Sem dúvida, fica
clara sua utilização para fazer uma espécie de fusão entre o Mundial e questões estruturais
vividas por um país em ano eleitoral (ao todo, quatro infográficos acompanham a
reportagem). A última frase do texto: “o país quer resultados, não só dentro de campo”
(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54) parece mesmo dar o toque final nesse sentido.
A edição no 840 de Época, penúltima a ser analisada, não apresenta resultados de
pesquisas, embora traga reportagens relacionadas ao futebol, jogadores ou mesmo à torcida. A
capa expressa o clima de opinião favorável e festivo que o país estava vivendo: por meio do
uso da cor amarela em referência à seleção canarinho, parece querer traduzir os sentimentos
dos brasileiros com o título: Eu acredito! Ao centro, o escudo da CBF já com as seis estrelas
simboliza a sonhada conquista do hexacampeonato. Na reportagem de capa intitulada “É
preciso ter nervos de aço”, o subtítulo reforça essa relação de cumplicidade: “a torcida
abraça a seleção, e o Brasil elimina a Colômbia num jogo dramático. Que venha a Alemanha
– e, se possível, um bom cardiologista”. (MATHEUS; GOMIDE; BOMBIG, 2014, p. 24,
grifo nosso).
Figura 10 - Capa Época edição 840
Fonte: Época (2014)
Na edição correspondente de Veja, 2.381, a ênfase também é dada à seleção e não há
sondagens. Mas ao contrário de Época, o clima trazido na capa já não é tão favorável. Com a
imagem do jogador Neymar agonizando no chão, a chamada de capa “Agora é na raça!” traz o
109
seguinte subtítulo: “Atacado pelas costas pelo colombiano Zúñiga, o craque Neymar fratura
uma vértebra e está fora da Copa”. O título e o subtítulo da reportagem de capa é ainda mais
derrotista: “Triunfo e tragédia – Depois de celebrar a vitória contra a bela equipe da
Colômbia e reencontrar o equilíbrio perdido, ficando a dois jogos do hexa, a seleção brasileira
perde Neymar quando mais precisa dele”. (MARANHÃO, 2014, p. 63). Sem dúvida, é notória
a ênfase dada pela revista ao momento difícil pelo qual passava a seleção. Naquela mesma
semana, o Brasil perderia para a Alemanha por 7X1.
Figura 11 - Capa Veja edição 2381
Fonte: Veja (2014)
Na última edição de Veja sobre a Copa (2.382), de 16 de julho de 2016, as sondagens
aparecem em duas reportagens: “O bom e o mau humor” e “Milhões de vitoriosos”. Abaixo,
seguem as pesquisas divulgadas em “O bom e o mau humor”, reportagem de capa:
Encomendada pelo governo, uma pesquisa telefônica realizada nas 24 horas
seguintes à eliminação do Brasil dá uma ideia do potencial de dano na popularidade
de Dilma. O número de entrevistados que concordam com o Brasil “sabe organizar
um evento” ou “é um país importante para o mundo” caiu 7 pontos porcentuais.[...]
A queda foi um pouco mais acentuada quando os entrevistados responderam sobre o
“orgulho de ser brasileiro” e se esta é “a mais alegre das Copas”. Nesses casos, a
redução foi de 8 a 9 pontos, respectivamente. (PEREIRA et al. 2014, p. 55).
Agora, os assessores [presidenciais] lidam com a realidade. Esta, segundo eles, ainda
seria positiva porque o porcentual de brasileiros que aprovam a organização da Copa
se mantém acima dos 60%. (PEREIRA et al. 2014, p. 55).
110
Segundo a última pesquisa do Datafolha, Dilma subiu de 34% para 38% nas
intenções de voto entre junho e julho, justamente durante o período da Copa e das
vitórias do Brasil. (PEREIRA et al. 2014, p. 59).
Pode-se dizer que essa reportagem é praticamente um resumo do que foi exposto
acerca das pesquisas de opinião no âmbito teórico, com ênfase nas palavras de Bourdieu.
Aspectos relacionados ao processo de formação da opinião pública se revelam no título, nos
trechos descritos acima e, no intuito de justificá-los, na opinião de nada menos do que dez
especialistas, sendo oito deles da área de Ciência Política. A todo momento, fica clara a
tentativa de vincular a imagem da então-presidente candidata a maior derrota sofrida pela
seleção brasileira, como se o fato fosse um prenúncio para o resultado das eleições. Os
artifícios para isso estão em quase todo o texto. No que diz respeito aos números da pesquisa
encomendados pelo governo e que a própria revista cita, realmente houve uma queda da
satisfação dos brasileiros. De acordo com o relatório, “há um claro indício de que o resultado
do jogo do Brasil na fase semifinal foi determinante na avaliação do evento como um todo”
(IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 47) considerando uma indagação feita pelo instituto de
pesquisa no dia 14 de julho, para tirar dúvidas sobre a satisfação com o evento. Naquele
momento, 78% dos entrevistados disseram que o desempenho da seleção brasileira foi pior do
que o esperado. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014).
No entanto, nem todos os dados apontavam nesse sentido. Assim como a organização
citada no primeiro trechos com sondagens, outros fatores mantiveram bons números. De
acordo com dados coletados de 4 a 14 de julho pelo Ibope Inteligência (2014), sob encomenda
da Secom, para 38% dos entrevistados, o funcionamento dos aeroportos foi ótimo/bom e para
29% regular; 72% consideraram a recepção aos turistas ótima/boa; para 43% a segurança
pública foi ótima/boa e para 26% regular e o funcionamento dos estádios foi considerado
ótimo/bom por 57% dos entrevistados. Os números relativos ao transporte público não foram
positivos (apenas 25% acharam bom/ótimo), mas esse é exatamente o índice do início da
Copa (de 11 a 21 de junho), quando 44% avaliavam esse item como péssimo, o pior índice
registrado. Ainda de acordo com o relatório:
há um maior grau de concordância de que a Copa do Mundo mostra que o Brasil é
um país importante, é preparado para receber turistas, sabe organizar um evento, fez
a organização de uma das Copas mais alegres da história e que melhorou sua
imagem perante o resto do mundo. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 48).
Portanto, é possível dizer que a revista evidenciou apenas os dados que lhe
interessavam, omitindo números que podem ser considerados significativos. Algo que
também chama a atenção é que, junto a esses dados, seguem as palavras de especialistas.
111
Além de aparecem no texto, suas palavras ganham destaque na reportagem. Ressalta-se que,
das dez opiniões registradas, oito possuem relação com a área de Ciência Política: Antonio
Lavareda (presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e
Econômicas), Carlos Montenegro (presidente do Ibope), Marco Antonio Villa (historidador e
cientista político), Ricardo Guedes (diretor-presidente do Instituto Sensus), Mauro Paulino
(diretor-geral do Datafolha), Carlos Pereira (cientista político da Fundação Getúlio Vargas
(FGV), Gaudêncio Torquato (especialista em marketing político) e Lucio Rennó (cientista
político da UnB). Das dez opiniões, seis concordam que a derrota afetará a candidatura da
então presidente (cabe lembrar que a própria Veja havia afirmado que um fato não estava
ligado ao outro, na edição logo após a abertura do Mundial), dois especialistas são neutros e
os diretores do Ibope e Datafolha discordam.
Junto à utilização das sondagens e das falas dos especialistas, a revista expõe várias
situações nas quais vincula a imagem da presidente à seleção, entre elas sete mensagens do
seu Twitter oficial e, embora quatro tenham sido postadas após a derrota (Figura 12), o
subtítulo da reportagem afirma que “Quando tudo ia bem na Copa e com a seleção, Dilma
capitalizou o momento a favor – e deu certo. Agora ela tenta se isolar do azedume geral
provocado pelo 7 a 1 no Mineirão. Vai dar certo?” (PEREIRA et al. 2014, p. 53, grifo nosso).
Figura 12 - Twitter oficial de Dilma Rousseff
Fonte: Veja (2014, p. 54)
Além disso, a foto da então presidente é reproduzida em duas situações: junto à
seleção, durante a conquista da Copa das Confederações, em 2013 e quando ela postou, pelo
Twitter, em homenagem ao jogador Neymar, um “É tóis”, gesto feito frequentemente pelo
atacante (a imagem também foi publicada na capa, como veremos posteriormente). Dilma
112
Rousseff fez isso no dia anterior ao jogo contra a Alemanha, justamente porque ele havia
sofrido uma lesão e não poderia jogar. O gesto foi feito a pedido do perfil fake Dilma Bolada,
durante bate-papo da então presidente na página do Palácio do Planalto no Facebook89.
Apesar disso, junto à foto, a revista publicou a seguinte legenda: “Antes da derrota... A carona
no sucesso da seleção. Em 2013, depois que o time venceu a Copa das Confederações, Dilma
declarou: ‘Meu governo é padrão Felipão’”. (PEREIRA et al. 2014, p. 53) sugerindo, no
mínimo, um oportunismo eleitoral por parte da então presidente-candidata.
Já na última página, com fotos de ex-presidentes junto a seleções, a reportagem traz
outra legenda: “No país do futebol, os presidentes nunca perderam a oportunidade de tirar
algum proveito do sucesso da seleção. Foi assim em 1970, durante a ditadura, em 1994, com
Itamar Franco e, em 2002, com Fernando Henrique.” (PEREIRA et al. 2014, p. 58). Mas não
é só aí que o Mundial vira uma preocupação do “pessoal político”. A matéria traz ainda fotos
dos então outros candidatos: Aécio Neves e Eduardo Campos. Para Aécio: “Quem vai pagar o
preço são aqueles que tentaram se apropriar de um evento que é de todos os brasileiros”
(PEREIRA et al. 2014, p. 56) e para Eduardo: “O futebol, como muitas coisas no Brasil,
precisa se renovar” (PEREIRA et al. 2014, p. 57).
Por sua vez, a capa dessa edição traz a mesma imagem (Dilma reproduzindo “É tóis”)
com parte dos jogadores da seleção ao fundo, atônitos, no dia do jogo contra a Alemanha. Na
chamada, a pergunta: “Vai sobrar para ela?”. Portanto, já na capa a tentativa de formar a
opinião pública vinculando a imagem da então presidente à derrota da seleção. O subtítulo da
capa praticamente resume isso: “10 analistas opinam se o mau humor com a derrota da
seleção vai prejudicar Dilma nas eleições”. Ironicamente, das dez edições analisadas, essa foi
a segunda vez que a então chefe do poder executivo ganhou destaque na capa, a primeira foi
por ocasião da vaia no Itaquerão.
89 http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/nas-redes-sociais-dilma-faz-homenagem-a-neymar-e-
tois/?cHash=2a0e782f6f33dd054cc3b690e1963d6a
113
Figura 13 - Capa Veja edição 2382
Fonte: Veja (2014)
As sondagens também foram utilizadas na reportagem “Milhões de vitoriosos”:
O Brasil tem boa imagem no exterior. A rede social Badoo90 fez uma pesquisa com
30000 pessoas de 15 países indagando qual era a “nacionalidade mais bacana” do
mundo. A brasileira apareceu em segundo lugar, atrás da americana. Pouco antes da
Copa, o instituto americano Pew Research ouviu 41000 pessoas em 37 países para
saber se tinham opinião “favorável” ou “desfavorável” sobre o Brasil. Em 23 países,
a maioria disse ter boa opinião. Os mais entusiastas são jovens de 18 a 29 anos.
Outro dado relevante mostra que nossos vizinhos são os que mais admiram o Brasil.
No Chile, 74% tem visão favorável do país, o maior índice entre as 37 nações
pesquisadas, seguido por Venezuela (67%) e Peru (66%). Na Argentina, 56% têm
boa impressão do Brasil e só 19% dizem o contrário. (PETRY, 2014, p. 62, grifo
nosso).
A primeira questão a se apontar é que, pela primeira vez, Veja, na cobertura analisada,
traz uma sondagem que não está atrelada as preocupações políticas. Pelo contrário, nesse
momento o veículo parece muito mais utilizar os dados obtidos por meio dessas coletas para
informar e repassar informações de relevância pública à população (ECHEGARAY, 2001),
afinal, há de se convir, que em uma festa como a Copa do Mundo no país do futebol, perder o
campeonato já é uma péssima notícia, mas certamente pouquíssimos brasileiros imaginavam
uma derrota por 7 a 1 (o estudante Elton Sato acertou sozinho o placar e venceu um bolão
90 O Badoo é uma rede social criada para conhecer pessoas e aumentar seus círculos de amizade. É possível
escolher que tipo de relacionamento procura: amizade, bate-papo ou mesmo namorar. (Fonte:
http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2014/05/como-entrar-no-badoo-pelo-facebook-veja-
dica.html)
114
com 148 mil apostas) e mais, que a seleção Argentina fosse para a final no Maracanã.
Portanto, naquele momento, os brasileiros eram realmente “milhões de vitoriosos”,
especialmente em razão da excelente recepção feita aos turistas, exposta pelas duas revistas e
certamente sentida em todo o país, como foi visto em um dos dados da análise anterior. Com
isso, a revista estaria expressando o clima de opinião entre os brasileiros.
Exemplos do comportamento dos anfitriões expostos em um texto da agência inglesa
de notícias Reuters foram divulgados na reportagem: no Rio, um motorista que não fala inglês
improvisou um tradutor (aplicativo) no smartphone; em São Paulo, um vendedor ambulante
ajudou, com uma placa em inglês, turistas a pegarem o ônibus para o aeroporto; em Belo
Horizonte, lixeiros distraíram torcedores brasileiros ou estrangeiros batucando um sambinha
nas latas de lixo e na lateral dos caminhões, e convidavam a plateia a dançar; em Fortaleza,
microempreendedores alugaram bicicletas para estrangeiros chegarem ao estádio (o trânsito a
3Km da arena foi proibido pela Fifa). Para além disso, a reportagem chega a enumerar
algumas exceções, mas afirma que o “saldo geral do comportamento do brasileiro foi à altura
de um megaevento esportivo internacional como a Copa”. (PETRY, 2014, p. 62).
É importante, ainda, fazer pelo menos duas observações: a primeira diz respeito ao
momento em que a sondagem foi feita pelo instituto Pew Research, afinal, se a pesquisa foi
feita “pouco antes da Copa”, porque as informações foram divulgadas pelo veículo somente
naquele momento e não antes, como outras? Afinal, como se verá posteriormente, das cinco
edições relacionadas ao Mundial antes que a bola começasse realmente a rolar, quatro delas
não fizeram nada menos do que criar um clima de pânico e terror que no mínimo reforçaram a
baixa autoestima do brasileiro e a capacidade do país sediar um dos maiores eventos
internacionais do planeta.
Posto isso, embora as reportagens analisadas tenham sido publicadas (nas duas
revistas) em editorias teoricamente voltadas para a Copa do Mundo, percebe-se claramente o
intuito de direcionar, em maior ou menor intensidade, o assunto para o âmbito eleitoral (a
exceção dessa última). Sem dúvida, fica explícito que as perguntas feitas aos cidadãos e,
divulgadas na forma de várias sondagens, estavam ligadas àquela conjuntura, ou seja, eram
“[...] preocupações políticas do ‘pessoal político’” (BOURDIEU, 1985, p. 139) diante de um
evento mundial em um ano eleitoral. Tanto é que algumas das pesquisas haviam sido feitas,
em outros momentos, com outro intuito e acabaram por ser encaixadas nas reportagens. Ainda
lembrando o autor, as capas de jornais podem estancar porcentagens expondo a manifestação
de uma suposta opinião pública, mas no fundo isso não passa de artefato puro e simples para
dissimular um sistema de forças e tensões. Em suma, o uso dessas pesquisas pelos veículos
115
em questão, nas palavras de Champagne (1996), explicita:
a relação que se instaurou entre os campos político e jornalístico: não têm como
objeto o conhecimento das opiniões dos cidadãos, mas visam essencialmente
reafirmar o poder próprio da imprensa em face do poder político ao procurarem
desestabilizar seus agentes. (CHAMPAGNE, 1996, p. 135).
Realizadas as análises de como as sondagens foram divulgadas pelos veículos em
questão, o estudo segue agora com as observações em relação às falas dos ordinários.
4.3 A “voz” e o silêncio dos ordinários
As falas ou ações dos ordinários serão apresentadas cronologicamente, a partir do
nome de cada um deles, ressaltando que nem todos chegam a ser nomeados pelos veículos.
Nesses casos, parte-se de suas profissões ou pela forma que foram designados nas
reportagens. Como nas sondagens, o estudo terá início por Época e depois passará pela edição
correspondente de Veja.
No que diz respeito às primeiras edições das duas revistas que tratam da Copa do
Mundo (fora do âmbito do futebol), apenas a revista Veja no 2373, de 14 de maio, trouxe a
voz de um ordinário. Com foco na segurança pública, “Cenário de pouca beleza” traz a voz
de um representante institucional:
Sargento baseado na Rocinha
As ordens superiores são para evitar o confronto, de modo a não arranhar ainda mais
a imagem do programa. (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p. 95)
Essa fala de um sargento que atua em uma das Unidades de Polícia Pacificadora91, da
forma como foi encaixada no texto, corrobora com a tentativa de colocar em descrédito todas
as atividades e melhorias realizadas pelas UPPs até então, algumas delas inclusive citadas no
primeiro parágrafo da reportagem. Isso fica ainda mais contundente quando se atenta para o
fato de que a fala é apresentada justamente pouco depois do seguinte trecho:
91 Implantado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, no fim de 2008, o Programa das UPPs –
planejado e coordenado pela Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional – foi elaborado com os
princípios da polícia de proximidade, um conceito que vai além da polícia comunitária e tem sua estratégia
fundamentada na parceria entre a população e as instituições da área de Segurança Pública. O Programa
engloba parcerias entre os governos – municipal, estadual e federal – e diferentes atores da sociedade civil
organizada e tem como objetivo a retomada permanente de comunidades dominadas pelo tráfico, assim como a
garantia da proximidade do Estado com a população. (Fonte: www.upprj.com).
116
vê-se um misto de despreparo e leniência na tropa que supostamente deveria
desarticular e prender as gangues – os oficiais não agem ora por desconhecimento do
território, ora por puro medo e às vezes até em nome de acordos espúrios. Ou ainda
em razão de um mandamento que rege informalmente várias UPPs. (LEITÃO;
PIMENTA, 2014, p. 95).
Note-se que o “mandamento que rege informalmente várias UPPs” estaria ligado às
ordens superiores para não arranhar a imagem do programa. Essa informação é exposta na
matéria logo após a divulgação de um levantamento de Veja, com base em dados do Instituto
de Segurança Pública do Rio. Nesse levantamento, são apresentados diversos números que
traduzem o aumento da violência na cida/de de 2013 até aquele momento, que como
anunciado no título, era um “cenário de pouca beleza”.
No entorno do Maracanã, cenário da grande festa, são em média 15 assaltos por
dia. Na semana passada, o caso de um menino de 8 anos alvejado na cabeça chocou
pela banalidade; ele saia da escola, vizinha ao estádio, quando se viu em meio a um
tiroteio liderado pelo chefão de um morro da região. (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p.
94, grifo nosso).
Ao evidenciar o aumento da criminalidade e vinculá-la a locais onde o Mundial
ocorreria, o texto e as imagens que são divulgadas junto a ele (Figura 14) sugerem também a
tentativa de formar um clima negativo entre os leitores e turistas brasileiros que pretendiam
prestigiar os jogos na cidade-sede92:
Figura 14 - Cenas de violência no Rio de Janeiro
Fonte: Glaucon Fernandes/Eleven/Estadão conteúdo (2014, p. 94-95)
92Na mesma edição da revista, na coluna veja.com, foram divulgados resultados de uma sondagem feita pelo site
com pessoas que possuíam tal pretensão: “em 100% dos questionários preenchidos, os participantes disseram
que pretendem acompanhar o Mundial. [...] Quase 10% deverão ver pelo menos uma partida ao vivo no
estádio – e, apesar de muita gente ter dito que evitaria as doze cidades-sede durante a Copa, só 12% revelaram
planos de viajar para fugir da superlotação e do caos previstos em algumas das capitais que receberão as
partidas”. (EM CLIMA, 2014, p. 8).
117
Para concluir a argumentação, a reportagem traz a fala de um alto escalão da
corporação (não nomeado): “desavenças com a cúpula da Secretaria de Segurança fizeram as
delegacias praticamente deixar de investigar as quadrilhas” (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p.
96). Chama a atenção a ausência do contraditório, nenhuma fala de um responsável pelas
UPPs ou mesmo por uma das unidades citadas: Complexo do Alemão ou Rocinha é exposta
no sentido de dizer pelo menos o que estaria sendo feito para reverter tal situação. Isso fica
ainda mais nítido com a publicação de um quadro intitulado “Cinturão de Problemas” em que
tanto a relação entre as comunidades e a rota percorrida por turistas como a situação naquele
momento é trazida: “a um mês da competição, as favelas mais estratégicas para o programa
viraram um barril de pólvora, espalhando o medo na cidade” (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p.
96), mas nada é dito em relação a possíveis melhorias:
Quadro 2 - Cinturão de problemas
Fonte: Veja (2014, p. 96)
Além disso, é importante observar que nenhuma informação em relação aos
investimentos feitos em segurança pública nas doze cidades-sede (R$ 1.439.219.366) para
equipar e integrar as instituições de segurança pública, questões abordadas no capítulo que
contextualizou o Mundial, são mencionadas.
No dia 19 de maio, edição no 833 de Época publicou duas reportagens sobre o
Mundial: “À espera da Croácia”, com foco no treinador Luiz Felipe Scolari e “Marcha de
protesto e oportunismo”. Esta última retratou protestos contrários à Copa ocorridos em todo
o Brasil no dia 15 de maio93 e apresentou os manifestantes tanto em infográfico (Figura 15)
93 Segundo levantamento feito por Época, o movimento denominado 15M (em razão da data) reuniu cerca de 8
118
como no corpo do texto:
Figura 15 - Infográfico das manifestações contra a Copa
Fonte: Época (2014, p. 34)
mil pessoas nas cidades-sede do Mundial. As manifestações mais radicais ocorreram em São Paulo, sendo que
Belo Horizonte e a capital paulista contaram com o maior número de manifestantes: 1.500. (BOMBIG et al.
2014).
119
Comitê Popular da Copa de São Paulo
As ações foram coordenadas por um grupo que se autointitula Comitê Popular da
Copa de São Paulo. No total, segundo um levantamento feito por ÉPOCA, o
movimento reuniu, ao longo do dia, cerca de 8 mil pessoas no país. (BOMBIG et al.
2014, p. 33).
1.500 pessoas (São Paulo)
As manifestações mais radicais ocorreram em São Paulo. Pela manhã, o Movimento
dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) fechou a Rodovia Anhanguera, que liga a
capital ao interior. Outro grupo protestou ao lado do novo estádio do Corinthians, o
Itaquerão, palco do jogo de abertura da Copa. Torcedores da torcida da Gaviões da
Fiel se organizaram para evitar que a arena sofresse danos materiais. No início da
noite, cerca de 2 mil pessoas tomaram parte da Avenida Paulista. Os adeptos da
tática black bloc depredaram uma concessionária de veículos, como é de seu feitio, e
o protesto se esvaziou por volta das 20 horas. (BOMBIG et al. 2014, p. 33).
1.300 pessoas (Rio de Janeiro)
No Rio de Janeiro, cerca de 1.300 pessoas se reuniram na Central do Brasil. Com a
adesão de motoristas de ônibus e professores da rede pública em greve, o protesto,
apesar de modesto, fechou três pistas da Avenida Presidente Vargas, uma das
principais vias do centro carioca. A Polícia Militar chegou a fazer um cordão de
isolamento em torno do protesto, onde estavam cerca de 60 mascarados. (BOMBIG
et al. 2014, p. 33).
O interesse em trazer esses dados para a análise se dá pelo fato de que, conforme
salienta Champagne (1996), as manifestações são um dos modos de expressão da opinião
pública. No entanto, nesse caso o que se percebe é que, obstante à ampla divulgação das ações
dos manifestantes, apenas a fala de um ordinário é trazida pelo semanário:
Arielli Moreira, integrante da executiva nacional da Assembleia Nacional de
Estudantes-Livre
Isso (o protesto) é para mostrar, não só para o Brasil, mas para o mundo, a
indignação dos trabalhadores e as injustiças e inversões de valores e prioridades do
governo [federal], afirma Arielli Moreira, de 24 anos, integrante da executiva
nacional da Assembleia Nacional de Estudantes-Livre. Essa não é mais a Copa que o
governo do PT planejou. Foi tudo por água abaixo, e faremos um grande ato na
abertura da Copa. (BOMBIG et al. 2014, p. 33).
Sem dúvida, a primeira reportagem de Época que retrata parte do contexto do Mundial
já tenta formar um clima de opinião negativo em relação aos manifestantes. Tanto o título
“Marcha de protesto e oportunismo” como as duas imagens – ambas com figuras mascaradas
– trazidas para ilustrá-la evidenciam o nítido interesse de minimizar a dimensão desses
120
movimentos naquele momento (Figuras 15 e 16)94. O subtítulo traduz exatamente isso: “A
menos de um mês da Copa do Mundo, grevistas, manifestantes e os tradicionais black blocs se
aproveitam da data para impor sua pauta de reivindicações e causar tumulto sem o
resultado esperado”. (BOMBIG et al. 2014, p. 32, grifo nosso). Os números divulgados
também: em todo o país, “cerca de 8 mil pessoas”.
Figura 16 - Manifestantes encapuzados
Fonte: Marcelo Min/Fotogarrafa/Época (2014, p. 32-33)
Por outro lado, tanto no decorrer do texto como no infográfico que acompanha a
matéria, os repórteres se preocuparam em diferenciar os grupos e suas respectivas atuações,
bem como os fatos que ocorreram. Dos oito momentos em que ordinários são apresentados,
apenas dois tratam de confronto com a polícia e um terceiro deixa bem claro quem seriam:
“os adeptos da tática black bloc depredaram uma concessionária de veículos, como é de seu
feitio [...]”. Com isso, pode-se dizer que os manifestantes não foram necessariamente
associados à violência.
No entanto, é preciso ressaltar que embora sejam apresentados, apenas as palavras de
um deles são expostas e, mesmo assim, no sentido de legitimar o ataque a atuação do governo
federal em relação à Copa. No parágrafo anterior, a reportagem traz algumas falas do então
ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, dizendo lamentar que
“se tenha disseminado a ideia de que a Copa é ‘um paraíso de ganhos para a Fifa, de
corrupção’ e de ‘elefantes brancos’ inúteis (novos estádios).” Imediatamente após, o texto
afirma que:
94 É importante observar que, em meio a esse cenário considerado de “protesto e oportunismo”, são apresentadas
faixas como “Não vai ter Copa – Nossa saída é uma greve geral”, “# Copa pra quem? Copa sem povo: tô na
rua de novo”, “Fifa go home” e “Terrorista é a Fifa”.
121
a função dele é ingrata.[...] Carvalho tenta defender o indefensável. Já ficou
provado que a organização da Copa é, em muitos aspectos, um desastre.
Somente os gastos com a construção e reforma dos 12 estádios do torneio saltaram
de R$ 2,2 bilhões, previstos inicialmente, para R$ 8 bilhões. Os desmandos e os
atrasos na preparação brasileira ofereceram a base para a insatisfação de muitos com
o Mundial. (BOMBIG et al. 2014, p. 33, grifos nossos).
Na edição correspondente (2374), Veja trouxe duas reportagens: “A marra do melhor
jogador do mundo”, sobre o craque Cristiano Ronaldo e “Este é o país da Copa”. A segunda
envolve as mesmas manifestações divulgadas por Época e segurança pública. Seguem os
trechos com a atuação dos grupos e dos ordinários:
Sem-teto, estudantes e black blocs
As manifestações foram organizadas por sem-teto, estudantes e black blocs, sem a
presença visível de partidos políticos. Se o número de participantes ficou abaixo do
esperado, os episódios de violência não decepcionaram os mais pessimistas. Em São
Paulo, um grupo de black blocs depredou uma concessionária em entrou em choque
com policiais [...] Outro grupo tentou invadir o Itaquerão, sede da abertura da Copa
do Mundo, mas foi contido por torcedores organizados do Corinthians, o dono da
arena. (LEITÃO, 2014, p. 61).
Vândalos
No Recife, a região metropolitana pegou fogo na mão de vândalos que se
aproveitaram de uma greve da polícia (já encerrada) para impor o terror. (LEITÃO,
2014, p. 61).
Traficante Rafael Alves, o Peixe
Também a favela Aliança ficou em paz nesse dia. Peixe, o senhor do lugar e do time
de futebol (para o alto escalão do crime carioca, bancar equipes em seus redutos
também é uma forma de alardear poder – eles são os donos da bola, os cartolas da
favela) detestou a súbita notoriedade produzida pelo vídeo do jogo. O episódio o
alçou ao rol dos bandidos mais procurados do Rio. Por causa disso, o traficante
ordenou o recolhimento dos fuzis e proibiu os moradores de usar celular na rua, para
evitar novos flagrantes. (LEITÃO, 2014, p. 61).
Grupo de manifestantes
Na noite de sexta-feira, São Paulo ainda registrou rescaldos das manifestações de
quinta. Um grupo ateou fogo em dezenas de carros em um estacionamento próximo
ao Aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do Brasil, porta de entrada de
grande parte dos turistas que virão para a Copa do Mundo. O grupo arremessou
rojões contra policiais e um bairro vizinho ao terminal foi cercado por carros da
polícia, para evitar que os manifestantes tentassem chegar ao aeroporto. (LEITÃO,
2014, p. 61).
Em suma, a reportagem reforça a construção de um clima de opinião negativo em
relação ao evento com forte apelo à questão da segurança pública, dando continuidade ao que
foi feito na edição anterior. Não é para menos que os dois primeiros parágrafos do texto
122
descrevem cenas de um vídeo postado na internet em que jogadores de um time amador
patrocinado pelo traficante Rafael Alves (o Peixe) sacam fuzis e pistolas e disparam para o
alto. “Assim são as tardes de domingo no Brasil, deve imaginar o mundo” (LEITÃO, 2014, p.
60), afirma a repórter concluindo o parágrafo.
A partir de então a narrativa sai do âmbito do Rio de Janeiro e envolve outras cidades-
sede. Dentro disso, especialmente dois pontos merecem destaque. Um deles diz respeito à
generalização que permeia o texto: todos os grupos de ordinários são colocados no mesmo
patamar, chegando a sugerir que atuam em conjunto, “as manifestações foram organizadas
por sem-teto, estudantes e black blocs”. Além disso, a todo momento as manifestações são
associadas à violência, fixando a ideia de que todo manifestante é necessariamente um
vândalo que pode oferecer perigo aos turistas: “um grupo ateou fogo em dezenas de carros em
um estacionamento próximo ao Aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do Brasil,
porta de entrada de grande parte dos turistas que virão para a Copa do Mundo”. Nesse sentido,
vale lembrar Emediato (2013) com o conceito de enquadramento por designação, lembrando
que essa técnica visa “ativar na memória do leitor conteúdos e valores simbólicos e associá-
los ao enquadramento efetuado”. (EMEDIATO, 2013, p. 80). Segundo o autor, muitas vezes
aquele que está realizando a ação é associado a uma classe e isso pode fazer com que quem
esteja lendo sobre o assunto associe a imagem daquela figura específica a uma classe ou
grupo, estabelecendo inclusive uma relação de causa e efeito sem o menor fundamento. No
caso desse texto, não se trata de uma figura específica, mas de grupos de manifestantes que
são associados a vândalos.
Outro aspecto significativo é que, embora os manifestantes sejam, junto com os
traficantes da Vila Aliança, os protagonistas da reportagem, em nenhum momento são
chamados a falar. Não há sequer um dito relatado que tenha vindo dos mesmos, muito pelo
contrário, suas vozes são silenciadas, simplesmente excluídas. Nas palavras de Orlandi (1993,
p. 106), o silêncio também significa “aquilo que é preciso não dizer para que o texto se feche
e, em consequência, seja coerente, não-contraditório, capaz de unidade”.
Assim como na edição anterior, praticamente nada foi dito em relação a ações de
combate à violência, à exceção da frase “O episódio [exposto no vídeo que foi postado na
internet] o alçou ao rol dos bandidos mais procurados do Rio”, em relação ao traficante
Rafael Alves, o Peixe. Pelo contrário, quem lê a reportagem acredita que no Brasil as
instituições de segurança pública simplesmente não funcionam e que, portanto, “justamente
no país do futebol, a Copa do Mundo pode ser um fiasco”, frase retirada de uma revista alemã
e replicada no último parágrafo da matéria. Para reforçar o clima de opinião desfavorável,
123
tanto uma das imagens do vídeo como a capa da revista (com uma bola pegando fogo indo em
direção ao Rio de Janeiro) foram divulgados por Veja:
Figura 17 - Cenas de traficantes armados
e revista alemã (no detalhe)
Fonte: Jornal Extra (2014, p. 60-61)
Com o apoio da análise dessas reportagens, é possível afirmar que, nessas edições,
Época (833) e Veja (2374) ensaiam o clima de opinião que pretendem formar em relação à
Copa do Mundo. As revistas também não parecem querer esconder isso. Foi a primeira vez
que, naquele contexto, os semanários trouxeram, em suas capas, personalidades do futebol
conhecidas não apenas no Brasil, mas mundialmente (Figura 18). A revista da Globo
apresenta um “Futebol em perfil” com ninguém menos que Luiz Felipe Scolari. Na chamada
de capa, a frase do técnico da seleção brasileira: “Não vão tirar minha alegria”. Pela primeira
vez, uma bola de futebol substitui a letra “o” da palavra Época. No cabeçalho, a imagem da
capa do guia “A copa das estrelas” que a revista trouxe junto à edição. Indícios claros dos
interesses econômicos que o Grupo Globo tinha no Mundial, afinal, a transmissão dos jogos
foi capitaneada pela emissora do grupo. Por sua vez, o semanário concorrente publica um
especial sobre o jogador português Cristiano Ronaldo, no subtítulo: “A marra, a arrogância e
os segredos do melhor jogador do mundo”. Irônico que em um evento com tantos craques
brasileiros, entre eles Neymar, justamente um jogador português venha a ser capa do maior
semanário do país. Em suma, isso sugere-nos que já nesse momento tem início uma espécie
de batalha entre os dois veículos para, nas palavras de Champagne (1996, p. 21), “conseguir a
124
última palavra”.
Figura 18 - Capas Época e Veja edições 833 e 2374
Fonte: Época e Veja (2014)
No dia 26 de maio, Edição Especial de Aniversário – 16 anos de Época, a revista fez
um trabalho inusitado. A partir da capa “Brasil Padrão Fifa”, publicou uma série de
reportagens narradas de ponto vista hipotético:
Figura 19 - Capa Época edição 834
Fonte: Época (2014)
125
Com o título “Como será o Brasil em 2030”, a grande reportagem mistura
informações atuais com supostas hipóteses de como o país estaria 16 anos depois, já no nível
de um país desenvolvido. Entre os textos, dois deles: “Medicina para inglês ver – e
aprovar” e “Nosso jeito israelense de fazer negócios” trazem representações de ordinários.
Seguem trechos acerca dos personagens trazidos no primeiro texto:
Maria Clara Oliveira, estudante (personagem composta)
[...] a estudante Maria Clara Oliveira, de 22 anos, acordou indisposta. Desconfiou
que algo não ia bem ao se levantar da cama com dor de cabeça, náuseas e cansaço.
Logo suspeitou de dengue. (SEGATTO, 2014, p. 68).
Graças às mudanças no atendimento de saúde brasileiro, Maria Clara sabia
exatamente onde procurar ajuda no dia em que acordou indisposta. Não teve
dificuldade para ser atendida por um clínico geral. (SEGATTO, 2014, p. 68, grifo
nosso).
Vera, mãe de Maria Clara (personagem composta)
Maria Clara não estava doente, estava grávida. Ela correu para dar a notícia à mãe.
Vera riu, chorou, rodopiou pela sala ao saber que o primeiro neto estava a caminho.
Maria Clara contou que já receberá as orientações [...] bem diferente da
experiência de Vera durante o nascimento da filha. (SEGATTO, 2014, p. 69,
grifo nosso).
A mãe de Maria Clara também é atendida no SUS e, ao contrário dos brasileiros
de uma geração atrás, está satisfeita com o tratamento que recebe do serviço
público. [...] Vera recebe do SUS os medicamentos fundamentais para o controle de
suas duas doenças crônicas. Os remédios nunca faltam. Até 2014, não era assim.
(SEGATTO, 2014, p. 69, grifos nossos).
Avô de Maria Clara (personagem composta)
Maria Clara visitou o avô para contar sobre sua gravidez. Aos 83 anos, ele tem
câncer de pulmão e não quis viver seus últimos dias num hospital. É atendido numa
unidade de cuidados paliativos. (SEGATTO, 2014, p. 69).
Inicialmente, cabe esclarecer sobre a denominação “personagem composta”. Segundo
Martinez, Correio e Passos (2015), a revista americana The New Yorker foi uma das
publicações que ajudaram a moldar a versão moderna do jornalismo literário. Entre as práticas
adotadas pelo veículo estão “a reconstrução de diálogos entre personagens a partir da
memória do repórter, a narração de acontecimentos parcial ou inteiramente ficcionais e, em
casos excepcionais, o uso de personagens compostos”. (MARTINEZ; CORREIO; PASSOS,
2015, p. 239).
De acordo com os autores, no caso específico desses últimos, o termo refere-se a duas
situações: no primeiro caso, as personagens reúnem características de vários entrevistados e,
126
embora não haja uma pessoa que corresponda ao sujeito apresentado no texto, os fatos e
descrições atrelados a ele foram apurados. No entanto, entre 1940 e 1970, os jornalistas
encontraram outro caminho para a criação desses personagens: ao invés de elegerem um
representante da classe para ser sua fonte, passaram a construir um “perfil médio que
revelasse situações comuns a vários indivíduos”. (MARTINEZ; CORREIO; PASSOS, 2015,
p. 240). Foi justamente o que Época fez. Ao invés de buscar ordinários para conferir
legitimidade à sua história, o veículo preferiu lançar mão de personagens compostos para
ilustrar situações bem distintas daquelas vivenciadas. As personagens criadas pelo semanário
vivem em 2030, em uma época muito diferenciada em relação ao sistema público de saúde de
2014, especialmente porque importou várias soluções do Reino Unido para melhorar a saúde
dos brasileiros. Com suas ações e histórias de vida, tanto as personagens de Maria Clara,
como de sua mãe Vera e seu avô ilustram as mudanças hipotéticas e, ao mesmo tempo,
expõem problemas da saúde pública no Brasil. Para reforçar isso, o texto traz dados
comparativos (entre Brasil e Reino Unido) relacionados a investimentos e estatísticas na área.
Como título, o infográfico traz: “O Brasil estava doente”.
Martinez, Correio e Passos (2015) comentam, ainda, que estudos sobre jornalismo
literário indicam que, a partir de 1970, não há problema algum fazer uso desse tipo de
personagem, desde que o público seja informado de que se trata de um texto ficcional ou
inspirado em fatos reais. Um procedimento que, aliás, a revista adota já na capa:
“Convidamos você a entrar na máquina do tempo, viajar até 2030 e conhecer o país dos
nossos sonhos”. No entanto, Araújo (2012) atenta para outra questão: “quando as produções
jornalísticas recorrem a traços específicos e demasiado limitados para caracterizar os atores
sociais, podem estar a contribuir para a criação de universos de percepção estanques, dos
quais, o grande público se torna refém”. (ARAÚJO, 2012, p. 13). Além disso, vale destacar
que Época não pratica o jornalismo literário.
No texto “Nosso jeito estratégico de fazer negócios”, escrito por Graziele Oliveira,
repete-se a fórmula, com uma única diferença: agora é realmente um ordinário que fala:
Em 2014, Roberto Peres já tinha experiência no ramo de alimentação. Sua hamburgueria, a
Parsons, em São Paulo, atraía clientes com uma proposta básica [...] Peres, naquele ano, tinha
dificuldades parecidas com a maioria dos que se aventuravam a abrir um negócio próprio. “É
muito difícil conseguir crédito e encontrar gente qualificada para contratar”, afirmava.
(OLIVEIRA, 2014, p. 80).
Imediatamente após a fala do ordinário, o texto traz informações negativas acerca das
dificuldades de se empreender no país, entre elas: “Quem decidia empreender no Brasil
naquela época era um herói. Entre 189 países, o Brasil ficava em 116º lugar em qualidade de
127
ambiente e negócios, no estudo Doing Business, do Banco Mundial”. (OLIVEIRA, 2014, p.
80). E no mesmo parágrafo, com a frase: “A mudança começou durante a campanha eleitoral
de 2014, quando todos os principais candidatos incluíram, em seus programas de governo,
medidas para facilitar a vida de quem quisesse abrir um negócio próprio e criar um produto ou
serviço novo” (OLIVEIRA, 2014, p. 81) a jornalista dá início a uma série de sugestões para
que o país se tornasse uma potência no âmbito do empreendedorismo, com base nos
procedimentos adotados por Israel.
Em suma, os dois textos se apoiam na voz de personagens (compostos ou não) para,
em um momento em que o país passava por protestos e manifestações, apontarem aspectos
negativos e, sobretudo, fazerem novas propostas políticas, tudo isso em ano eleitoral. Vale
lembrar Hagen e Bennetti (2010, p. 130), afinal, tanto a Globo como a Abril expõem, em seus
sites oficiais, sua “preocupação com o estabelecimento de uma agenda de temas relevantes,
sempre como empresas que se consideram aptas a apontar ao Estado os rumos da nação”.
Na edição de Veja publicada na mesma semana, seguindo a estratégia de Época, o
especial “Estado da desordem” traz o personagem composto “John Doe”, que em português
significa “fulano”, um estrangeiro “encarregado pela revista de passar alguns meses no Brasil
antes da Copa do Mundo”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83). Três matérias que fazem parte do
“especial” trazem ordinários e, embora o assunto principal não seja o evento, o mencionam.
Segue a análise da primeira delas: “Estado da desordem”.
John Doe, americano do Brooklyn (personagem composta)
Numa nublada manhã de abril, visitei o Aeroporto de Guarulhos, o maior do país,
porta de entrada de estrangeiros. No caminho, além do trânsito pesado, há placas
com a indicação “Aeroporto Internacional de Guarulhos”, “Aeroporto Internacional
Gov. André Franco Montoro”, “Aeroporto de Guarulhos (Cumbica)” e, quando
finalmente se chega ao destino, a sinalização informa “Aeroporto Internacional de
São Paulo”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).
Senhor ao celular
Sentado no setor de embarque do terminal 2 de Guarulhos-Montoro-Cumbica-São
Paulo, vi um senhor berrando ao celular: “Você disse que ia consertar a maçaneta e a
correntinha hoje. Não, não! Você disse que ia hoje!” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).
Moça com acompanhante
De repente, uma moça gritou para seu acompanhante do outro lado do saguão
lotado: “Sérgio! É portão 26! Não é aqui!” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).
128
Casal no aeroporto
Um casal tentava se despedir de alguém em Santa Catarina pelo celular, mas a
ligação caiu uma, duas, três vezes. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).
Funcionário da companhia Gol
Um funcionário da Gol informou que o voo para o Rio de Janeiro ia atrasar. O
aeroporto estava fechado por “razões meteorológicas”. Eram 10h30. (Mais tarde,
soube que o aeroporto fechara por onze minutos [...] mas, naquele fim de manhã,
funcionava normalmente). A companhia pegou carona nas “razões meteorológicas”
e enfiou seu atraso. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).
As situações apresentadas acima (à exceção da primeira, vivida pelo personagem
composto John Doe) são protagonizadas por ordinários. Em suma, essas pessoas são trazidas à
narrativa para mostrar as “jabuticabas”, definidas como “tudo o que só existe no Brasil”.
(ZALIS; PETRY, 2014, p. 83). No entanto, o relato pretende mesmo revelar “como a vida
cotidiana no Brasil é insólita, massacrante, imprevisível – e nós nem percebemos mais”
(ZALIS; PETRY, 2014, p. 83). Ironicamente, todas as situações apontadas acima ocorreram
no Aeroporto de Guarulhos, “o maior do país, porta de entrada de estrangeiros”, lembrando
que cerca de um milhão de pessoas viriam ao Brasil para acompanhar o Mundial. Portanto,
pode-se dizer que Doe é um “perfil médio” dos turistas e seu relato, do caos que eles viveriam
ao chegar à sede da Copa (uma previsão que não se concretizaria).
Vale atentar ainda que não só o especial: “Estado da desordem”, mas a chamada de
capa “O ‘susto Brasil’” (Figura 20), chamado de irmão gêmeo do “custo Brasil”, reforçam o
clima de opinião negativo evidenciando características negativas do país justamente às
vésperas do megaevento. Em relação ao “custo Brasil”, Costa e Gameiro (2005) o definem
como:
um conjunto de ineficiências e distorções que comprometem o Brasil, no sentido de
competitividade perante outras nações. Nesse conjunto estão presentes fatores como
o sistema tributário desproporcional e injusto; a malha rodoviária em má condição; a
administração pública corrupta; os altos encargos trabalhistas; a elevada taxa de
juros; os altos índices de violência; a inadimplência e a burocracia estatal. (COSTA;
GAMEIRO, 2005).
Para reforçar esse clima, recorrendo à intertextualidade, ambas trazem como ilustração
a recriação do autorretrato “O Desesperado”95, de Gustave Courbet96, pintor realista francês
95 Trata-se de um autorretrato que se encontra entre as 50 obras mais famosas do mundo. [...] Com o rosto
quadrado em “close-up”, o pintor olha para o observador, em total estado de desespero, como se estivesse a
pedir-lhe socorro. (http://virusdaarte.net/courbet-o-desespero/) 96 Jean Désiré Gustave Courbet foi um importante pintor francês do século XIX, considerado um dos principais
representantes do Realismo nas artes plásticas. Além da pintura, dedicou-se ao ativismo político, defendendo
ideias democráticas, republicanas e socialistas. (http://www.suapesquisa.com/biografias/gustave_courbet.htm)
129
do século XIX. É interessante atentar para o trabalho despendido pela revista, a ponto de
contratar um modelo vivo e recriar tal cena em estúdio. Outro aspecto a se observar é que é
nesses momentos, quando os semanários recorrem a expedientes que envolvem o “jornalismo
literário” ou de intertextualidade, que o posicionamento editorial é explicitado com maior
clareza:
Figura 20 - Capa Veja edição 2375
Fonte: Veja (2014)
130
Figura 21 - Ilustração de o “Estado da desordem”
Fonte: Pedro Rubens (2014, p. 82-83)
Figura 22 - “O desesperado”, do pintor Gustave Courbet
Fonte: Gustave Courbet (1844-1854)
Também parte do “especial” publicado por Veja, a reportagem “O carimbo e a tela”
traz outros ordinários:
131
Abel Parente, engenheiro
Abel Parente, engenheiro de 73 anos, decidiu fechar sua consultoria em Salvador.
Fazia 10 anos que não tinha empregado e dois que não havia faturamento.
“Basicamente, já era uma empresa desativada”. Parente me disse. Mesmo assim, ele
contratou uma advogada, Patricia Gaudenzi. Imagine: contratar advogado para
fechar empresa! (ZALIS; PETRY, 2014, p. 85).
Sérgio Mena Barreto, presidente da Abrafarma
Demora em farmácia é difícil de tolerar. Fui conversar com Sérgio Mena Barreto,
presidente da Abrafarma, que representa as farmácias. Ele me disse que, desde 2008,
o governo introduziu mudanças, como obrigar farmacêuticos a informar os dados de
antibióticos e remédios controlados vendidos aos clientes. Com isso, o tempo médio
do atendimento subiu de seis para quatorze minutos. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).
Médico – especialista em fígado
Conheci um médico – um dos maiores especialistas em fígado do Brasil – que fica
indignado porque suas receitas só tem validade se estão carimbadas com o seu
nome e o número do seu registro [...] “Por que essa exigência? Um carimbo destes
aqui (ele pega a engenhoca sobre sua mesa) pode ser feito até numa padaria. Que
valor isso tem?” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).
Artur de Barros, vendedor em Goiânia
Artur de Barros, 20 anos, vendedor em Goiânia, me falou do seu calvário para obter
o seguro-desemprego. No dia 24 de fevereiro, ele recebeu um telefonema da Caixa
Econômica dizendo que estava pronto seu Cartão do Cidadão, que lhe permitiria
retirar o benefício. Entrando e saindo de filas e recebendo informações
contraditórias, ele levou 39 dias para retirar o cartão! (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).
Tiago Vaquelli, empresário em Taubaté
Tiago Vaquelli, 34 anos, empresário do setor de informática em Taubaté, interior de
São Paulo, me contou que, numa noite de março, teve problemas com a vizinhança e
ligou para o 190, número de emergência. Uma gravação lhe ofereceu um longo
cardápio de números antes de colocá-lo com um humano na linha. Ele me disse: “Se
fosse emergência com risco de vida, eu teria morrido”. (ZALIS; PETRY, 2014, p.
86).
Paula Vanuccy, de Natal
Paula Vanuccy comprou um apartamento na planta em Natal, no Rio Grande do
Norte. A obra terminou em 7 de janeiro. Feliz da vida, ela planejou a mudança para
fevereiro e, com garagem no novo edifício, comprou um carro. Ledo otimismo. A
prefeitura levou meses para vistoriar o edifício e dar o habite-se, sem o qual o
imóvel não pode ser ocupado. Conta Paula: “Pedi a concessionária para guardar o
carro, fiquei andando de ônibus e pagando aluguel”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).
132
John Doe (personagem composto)
O serviço público enrosca até nos nomes. Li em VEJA.com que há o seguinte cargo
em Brasília: “coordenador-geral da Coordenação-Geral de Planejamento e
Ordenamento da Aquicultura em Águas da União Marinhas do Departamento de
Planejamento e Ordenamento da Aquicultura em Águas da União da Secretaria de
Planejamento e Ordenamento da Aquicultura do Ministério da Pesca”. (ZALIS;
PETRY, 2014, p. 86).
O primeiro aspecto a ser exposto é que, novamente, os ordinários foram apresentados
por John Doe (que também expõe uma situação) e tiveram direito à voz, sendo que,
diferentemente da matéria anterior, a maioria deles foi nomeada. Vale destacar, ainda, que
todos, sem exceção, fazem fortes críticas a aspectos burocráticos relativos ao serviço público.
Uma frase dos redatores frisa isso fortemente: “No serviço público, quase tudo é
dramaticamente complicado”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).
Para completar, em determinado momento do texto, a origem da burocracia é
explicada por um especialista como um legado negativo da colonização portuguesa. No
mesmo parágrafo, o assunto não só recai, mas acima de tudo evidencia os problemas
relacionados ao Mundial, sem apontar nenhum aspecto positivo:
Atualizada, a herança maldita está nos preparativos para a Copa do Mundo: estádios
fora do prazo, obras inacabadas, erros de projeto, erros de execução. Um fiasco. A
trinta dias da Copa, um balanço indicava que das 167 metas programadas para o
Mundial só 68 haviam sido alcançadas. O Brasil construiu uma capital no meio do
nada em menos de quatro anos. Pensei que uma Copa fosse moleza. (ZALIS;
PETRY, 2014, p. 86).
A imagem abaixo, de página inteira, reforça as críticas à organização do evento. A
legenda da foto traz a seguinte informação: “Lama na avenida da Copa, em Cuiabá: é o
mesmo país que fez uma capital em menos de quatro anos” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).
No entanto, em momento algum, a reportagem fala sobre a divisão de reponsabilidades (entre
as esferas governamentais) na contratação e execução das obras. Segundo o portal da
Transparência97, todas as obras de mobilidade urbana em Cuiabá eram responsabilidade do
governo do estado e, não do governo federal, como a matéria dá a entender.
97 http://www.transparencia.gov.br/copa2014/cidades/tema.seam?tema=8&cidadeSede=3
133
Figura 23 - Obras em avenida de Cuiabá
Fonte: Joel Silva/Folha Press (2014, p. 87)
A reportagem “O tempo e a moeda” conta com os seguintes ordinários:
Antenor Leal, pres. da Associação Comercial (Rio de Janeiro)
O seminário atrasou uma hora porque todo mundo ficou preso no trânsito. O Rio
parou. Antenor Leal, presidente da Associação Comercial, promotor do evento,
atrasou-se quarenta minutos. “Não foi muito”, disse. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 94).
Testemunha ocular (no festival Lollapalooza)
Uma testemunha ocular contou que um senhor idoso, com vasta barba grisalha, não
pôde retirar sua cerveja porque não tinha no pulso a fita dos 18 anos. (ZALIS;
PETRY, 2014, p. 95).
Leonildo Bares, produtor em Mato Grosso
Leonildo Bares, produtor de soja e milho em Sinop, Mato Grosso, é exportador. Ele
me contou que, para cada tonelada de grão exportada, precisa obter umas trinta notas
fiscais. Para chegarem ao Porto de Paranaguá, no Paraná, seus caminhões andam por
rodovias esburacadas, mal sinalizadas. No porto, vão-se até setenta dias para
despachar a carga. Tudo isso ceifa um terço do seu ganho em cada tonelada.
(ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).
Edília Gonçalves, empresária em Curitiba
Cansada de assaltos à sua loja de roupas íntimas no centro de Curitiba, Edília
Gonçalves resolveu mudar de endereço e alugou um novo ponto em julho de 2012.
A prefeitura complicou tanto com os documentos que, em fevereiro de 2014, Edília
desistiu da nova loja sem ter vendido nada. Ela me fez um desabafo: “Durante um
134
ano e meio, paguei 5.500 reais de aluguel sem poder abrir meu negócio. Tenho
70.000 peças em casa”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).
Renata Mello, empresária em Uberlândia
Renata Mello, dona de uma pequena empresa de produtos de saúde em Uberlândia,
em Minas Gerais, sofre prejuízos anuais de pelo menos 1 milhão de reais com a
burocracia da Anvisa, a agência de vigilância sanitária. Ela me contou: “Há pedidos
para registro de produtos que demoram mais de dois anos. Quando, enfim, consigo
colocá-los à venda, já estão ultrapassados”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).
Assim como nas outras reportagens do especial, é dada a voz a vários ordinários.
Todas as falas relatam aspectos negativos relacionados à burocracia, sendo que duas delas são
associadas diretamente ao governo federal. No parágrafo posterior a história de Leonildo –
produtor em Mato Grosso – a reportagem afirma que “A qualidade das instituições brasileiras
– atuação do governo, regulação do mercado, estabilidade da ordem jurídica – é ainda mais
lamentável. Fica abaixo de Ruanda, Botsuana, Gana”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96, grifo
nosso). Em um segundo momento, logo após a fala de Renata – empresária em Uberlândia –
tanto o governo como a Copa tornam-se assunto:
o governo brasileiro vem atualizando as normas de segurança do trabalho, que
datavam dos anos 70. Em alguns casos, inspirou-se na legislação europeia,
considerada a melhor do mundo. Mas inventou tantos berenguendéns e balangandãs
que equipamentos fabricados na Alemanha, bons para o mercado europeu, não são
aceitos no Brasil porque descumprem as normas de segurança. (Ora, em 2006,
nenhum operário morreu nas obras da Copa da Alemanha. No Brasil, até a semana
passada, eram nove as vítimas fatais. Outra: a menos de 30 dias da Copa, o governo
lançou uma cartilha para orientar os operários sobre normas de segurança nas obras
do Mundial...) (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).
Já Antenor Leal, o presidente da Associação Comercial do Rio é trazido quando os
jornalistas narram a realização de um seminário – O Rio não pode parar – sobre mobilidade
urbana: “A ideia era discutir alternativas de deslocamento da cidade, que, além da Copa, vai
sediar a Olimpíada em 2016. O seminário atrasou uma hora porque todo mundo ficou preso
no trânsito. O Rio parou”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 94, grifo nosso) Com essa ironia final,
logo depois de afirmar que “quase tudo no Brasil é demorado”, o texto desmerece a
capacidade de o país sediar e organizar, de maneira eficaz, os dois eventos que ocorreriam
posteriormente, o que provou-se não ser uma realidade. Tanto o Mundial quanto as
Olímpiadas foram muito bem avaliados por estrangeiros que visitaram o Brasil. Em relação ao
primeiro, números já foram expostos no capítulo 3, por ocasião da apresentação do contexto.
Já no que diz respeito aos jogos olímpicos, a própria Veja publicou na capa da edição 2491, de
17 de agosto de 2016: “O Brasil surpreende o mundo”, o que nos sugere que, em 2014, a
135
intenção era mesmo desacreditar o evento organizado pelo governo federal. Não por acaso, no
parágrafo posterior, o texto traz uma fala contundente do então secretário-geral da Fifa:
“Convidado a descrever a experiência de organizar a Copa no Brasil, o secretário-geral da
Fifa, Jérôme Valcke, disparou: “Vivemos um inferno. A cada vez tínhamos que repetir a
mensagem”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).
Por fim, é importante considerar que parte das colocações apresentadas no especial são
realmente questões que o Brasil precisa melhorar e deve rever. Como afirma Albuquerque
(2013, p. 7), os jornalistas e organizações jornalísticas reivindicam desempenhar o papel de
representantes dos legítimos interesses dos cidadãos”. Por outro lado, é notório o fato de
nenhuma das falas apresentar nada de positivo, fazendo com que um clima de derrota, para
não dizer de catastrófe, percorra praticamente toda a reportagem. Tudo isso a menos de 15
dias do Mundial.
Em sua edição no 835, de 2 de junho, Época traz duas reportagens relacionadas ao
evento: “Manual da Copa para todos os gostos” e “Um baú de surpresas”. No que diz
respeito à primeira, não há nenhum ordinário, mas em três momentos aparece a representação
de um (desenhado). Figura típica de um torcedor brasileiro, o primeiro está caracterizado,
vibrante e também com uma bandeira nacional à mão:
Figura 24 - Representação de ordinário I
Fonte: Samuel Rodrigues (2014, p. 41)
136
Essa primeira imagem ocupa página inteira e aparece logo na abertura do texto, junto a
uma das dicas do “manual da Copa”: “para quem quer festejar”. Das doze dicas, dez delas são
voltadas para o brasileiro torcedor, fortalecendo a relação de cumplicidade e o clima de
opinião favorável ao evento. O lide da reportagem escancara isso:
a Seleção Brasileira treina na Granja Comary, em Teresópolis. Torcedores e atletas
estrangeiros começam a desembarcar no país, operários removem tapumes de
aeroportos e estádios. [...] Entre a abertura no Itaquerão, no dia 12, em São Paulo, e
a final, em 13 de julho, no Rio de Janeiro, o Brasil viverá 32 dias inesquecíveis. O
país do futebol será oficialmente, pela primeira vez em mais de 50 anos, o País do
Futebol do Mundo Todo. (IMERCIO et al. 2014, p. 40, grifo nosso).
Ressalta-se que o grifo é do autor da dissertação, porém as palavras em maiúsculo –
País do Futebol do Mundo Todo – são da própria revista, certamente para dar ênfase à
informação. Para completar, a primeira dica dá os parabéns a quem vai assistir aos jogos.
“Antes de tudo, parabéns. Mais de 6 milhões de brasileiros inscreveram-se para comprar um
ingresso – e você conseguiu. Agora, aproveite”. (IMERCIO et al. 2014, p. 40). Na segunda
representação (Figura 25), o torcedor tem o mesmo estilo: só que agora se veste com a
bandeira do Brasil e vê os jogos pela TV. Vale lembrar que o Grupo Globo, dono do
semanário em questão, era responsável pela transmissão dos jogos e, portanto, seria
financeiramente interessante ter o brasileiro “grudado na TV”. (IMERCIO et al. 2014, p. 43).
Figura 25 - Representação de ordinário II
Fonte: Samuel Rodrigues (2014, p. 43)
137
Em relação às dicas, a 11ª é voltada “para quem quer protestar”. Nesse momento, o
semanário explicita a opinião que já vinha formando acerca de manifestantes: “Durante a
Copa será estranho gritar “Não vai ter Copa!” Quer protestar mesmo assim? É só mudar o
slogan para “Vamos infernizar todo mundo na Copa” (IMERCIO et al. 2014, p. 45, grifo
nosso), o que demonstra que mais uma vez o semanário tenta formar uma opinião negativa em
relação aos manifestantes. Logo abaixo da dica, as imagens dos ordinários em questão
fortalecem a mensagem: de um lado a representação do torcedor caracterizado aparece
novamente, só que dessa vez aterrorizado por um manifestante de máscara, encapuzado, com
um estilingue no bolso traseiro e um cartaz com os dizeres “Não vai ter Copa”. Importante
não deixar de ressaltar o tamanho com o qual cada um dos ordinários é representado – muito
maior, o torcedor olha para o manifestante de cima para baixo, o que sugere o protagonismo
do torcedor e a pequena expressividade daqueles que se manifestavam:
Figura 26 - Representações de ordinários
Fonte: Samuel Rodrigues (2014, p. 45)
Vale registrar que, nesse momento, o semanário estava expressando o que pensava a
maioria da população brasileira em relação aos jogos. De acordo com relatório do Ibope
encomendado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), 39%
dos brasileiros estava animado com a Copa do Mundo no Brasil, 29% se dizia indiferente e
31% estava desanimado. Apesar das opiniões divididas, quando perguntados se “o(a) sr(a)
pretende ver todos os jogos que puder da Copa do Mundo, só os jogos do Brasil ou não
138
pretende ver nenhum jogo?” (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 16), 42% disseram que
queriam ver todos os jogos que puderem, 37% só os jogos do Brasil e apenas 20% não
pretendiam ver nada. Além disso, 69% diziam que aquele era o momento para se evitar
manifestações e apenas 29% achavam que era hora de aproveitar para fazer manifestações.
Destaca-se que esses dados foram coletados entre 30 de maio e 2 de junho. (IBOPE
INTELIGÊNCIA, 2014).
A segunda capa da revista com foco no evento sinaliza o que a reportagem trará
(Figura 27). Se por um lado a cabeça – que na verdade é uma bola de futebol – do ordinário
representado esteja confusa com fotos de protestos, encapuzados e cartazes como “Queremos
hospitais padrão Fifa”, por outro lado, imagens de um Mundial alegre e festivo aparecem no
topo da cabeça. Ao redor das imagens, um fundo verde e o título “Manual de sobrevivência na
Copa” em amarelo e branco, cores da seleção “canarinho”. A ênfase ao torcedor é dada no
subtítulo: “Um guia completo para vibrar com a seleção, para cair com tudo na festa – e até
para ficar longe da confusão”:
Figura 27 - Capa Época edição 835
Fonte: Época (2014)
Já na reportagem “Um baú de surpresas”, os ordinários são apresentados da seguinte
forma:
Movimentos indígenas e de sem-teto, unidos no maior protesto do ano em Brasília,
entraram em confronto com a Polícia Militar. Manifestantes atacaram policiais com
paus, pedras e até flechas. Um dia antes, no Rio de Janeiro, o ônibus da Seleção
139
Brasileira que levava os jogadores do aeroporto do Galeão ao centro de treinamento
em Teresópolis, foi cercado por quase 100 manifestantes anti-Copa. O ônibus
canarinho foi chutado e acabou repleto de adesivos com a frase “Não vai ter Copa”.
(TURRER et al. 2014, p. 32).
O foco dessa notícia são os problemas de organização pelos quais o evento vinha
passando. Com o subtítulo: “Se o futebol é uma caixinha, a Copa de 2014 é uma possível
fonte de imprevistos ainda maior. Com o país em clima tenso, tudo será testado para valer na
própria competição” (TURRER et al. 2014, p. 32) já se pode ter uma ideia do que o texto
trará.
São apontadas “surpresas” em quatro âmbitos: segurança e transporte públicos,
estádios e aeroportos. O primeiro deles traz o episódio citado acima e conclui: “Agentes de
segurança, federais e estaduais, estavam em número insuficiente para evitar o cerco ao
veículo”. (TURRER et al. 2014, p. 32). A reportagem aponta problemas com a segurança
pública, mas não se pode deixar de dizer que tanto o então secretário extraordinário do
governo federal para Segurança em Grandes Eventos, Andrei Rodrigues, como a então
presidente Dilma Rousseff tiveram direito à voz para colocar o contraponto em relação aquela
situação. Segundo o então secretário: “A avaliação da Polícia Militar do Rio de Janeiro era
que não havia risco para a saída da delegação naquele momento e para a integridade dos
jogadores”. (TURRER et al. 2014, p. 32).
No entanto, nos outros três âmbitos (estádios, transporte público e aeroportos), as falas
apresentadas possuem cunho negativo. Não há nenhum contraponto. Além disso, observa-se,
em todo o texto, o silenciamento dos ordinários, ou seja, nenhum cidadão é chamado a falar,
nem mesmo os manifestantes que tiveram suas ações citadas. Também não há nenhuma
opinião de alguém da população, nem a favor nem contra as obras. Simplesmente nenhuma
voz é acionada no sentido de valorizar os possíveis benefícios que as obras trariam às cidades-
sede, mesmo depois do megaevento. É como se melhorias não tivessem ocorrido. A única
pessoa que traz um ponto positivo aparece no final do texto e trata da questão do combate ao
terrorismo é um especialista, o ex-secretário nacional de Segurança Pública, coronel José
Vicente da Silva Filho: “Há preparo das Forças Armadas e das polícias. Está todo mundo
conectado com as redes de inteligência internacionais”. (TURRER et al. 2014, p. 34). No
entanto, essa mesma fala é imediatamente seguida por uma crítica: “Muita coisa foi feita em
cima da hora. Não se fez um sistema adequado de comunicação para que todos os agentes de
segurança possam conversar numa situação de crise”. (TURRER et al. 2014, p. 34). Nas
palavras de Orlandi (1993), o silêncio está relacionado a tudo aquilo que é apagado, colocado
de lado, excluído. Nesse caso específico, nada menos do que a voz dos cidadãos.
140
Vale lembrar, como foi exposto na análise anterior, que o brasileiro pretendia
acompanhar o Mundial. No entanto, a mesma pesquisa do Ibope Inteligência (2014) que
explicitava isso apontava que, perguntados sobre o desempenho do governo federal na
organização da Copa até aquele momento, apenas 27% dos entrevistados responderam
ótima/boa, 39% consideraram regular e 33% ruim/péssima. Em relação ao desempenho do
país na preparação da Copa do Mundo, em quatro itens, dois foram bem avaliados: estádios
(38% ótimo/bom, 37% regular, 24% ruim/péssimo); reforma nos aeroportos (28% ótimo/bom,
34% regular, 33% ruim/péssimo). Já o transporte público e a segurança não obtiveram bons
índices: 16% ótimo/bom, 34% regular e 48% péssimo (transporte) e 15% ótimo/bom, 29%
regular e 55% ruim/péssimo (segurança). Portanto, o país estava bastante dividido. Não é para
menos que três, das quatro áreas avaliadas, recebem críticas bastante severas na reportagem.
No entanto, em nenhum momento o texto esclarece que esferas do governo são responsáveis
pelas obras.
A edição correspondente de Veja (2376), datada de 4 de junho, traz a reportagem
“Testados e reprovados”, sobre a situação dos aeroportos às vésperas do Mundial. Os
seguintes ordinários estão presentes:
Policial federal que integrou equipe
“Nada mudou. É uma bagunça generalizada”. (LEITÃO, 2014, p. 88).
Delegado da PF
“Operamos a maior parte do tempo off-line, recolhendo apenas o formulário de
entrada” (LEITÃO, 2014, p. 89).
Funcionário da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)
“É o piloto quem informa o número de passageiros pelo rádio e encaminha os
passaportes. Se quiser, ele poderá omitir a presença de uma pessoa e ela entrará
clandestinamente no país”. (LEITÃO, 2014, p. 89).
Agente do Porto do Rio
“Entramos no navio e registramos a pilha de passaportes que nos entregam. Não
chegamos nem a ver as pessoas, quanto mais saber se todas foram contabilizadas”.
(LEITÃO, 2014, p. 89).
Assim como no especial “Estado da desordem”, publicado na edição anterior, vários
ordinários são chamados a falar (considerando que o texto não chega a duas páginas). Em sua
maioria trabalhadores do setor aeroportuário, todos validam o título “Testados e reprovados”.
Os únicos contrapontos apresentados envolvem o âmbito oficial, mas nenhum responsável é
convidado a falar em favor da instituição: “para reforçar o contingente durante a Copa (no
141
Galeão, Rio) com policiais de outras cidades, a PF está oferecendo o dobro do valor de
diárias”. (LEITÃO, 2014, p. 89). Mas a própria repórter complementa a frase de forma
subjetiva: “pode funcionar por ora, mas é solução temporária”.
O outro contraponto também é feito por meio da Polícia Federal e imediatamente
derrubado: “Oficialmente, a Polícia Federal garante que está tudo sob controle. Dois relatórios
reservados da própria PF, porém, mostram a distância entre a realidade e a versão oficial”.
(LEITÃO, 2014, p. 88). É a partir dessas palavras que, no parágrafo posterior, os ordinários
começam a dar suas declarações. Antes disso, a repórter apresenta dados dos relatórios citados
referentes a 2012 e diz apenas que “o exercício se repetiu no fim do ano passado (2013)”.
(LEITÃO, 2014, p. 88). Em nenhum momento são citados todos os esforços e empenho feitos
em relação à ampliação dos aeroportos que, naquele momento, estavam bem estruturados. É
fato que parte das obras ficariam prontas após a Copa (e isso poderia ter sido divulgado), mas
por outro lado, como foi exposto no capítulo 3, chegou-se a dizer que o maior legado do
megaevento foi a modernização dos aeroportos, sendo também o maior nível de investimento
apontado pelo portal da Transparência: R$ 7.551.598.668. Nenhuma informação nesse sentido
foi dada pelo veículo.
Imediatamente após a última declaração, as denúncias recaem sobre o aeroporto
internacional do Rio, para o qual foi feito um relatório à parte pois:
[...] está circundado de favelas tomadas por bandidos que agem não só nas imediações,
mas também no seu interior. O vaivém dos traficantes não se dá nos saguões, mas em
áreas menos visíveis, onde praticamente inexiste vigilância. O relatório mapeia oito
pontos especialmente vulneráveis. (LEITÃO, 2014, p. 89).
Novamente, o veículo tenta formar um clima de opinião desfavorável ao Mundial. Pela
terceira vez (em quatro edições) evidenciando problemas na segurança pública, mas agora o
foco é voltado para a principal porta de entrada dos turistas:
os aeroportos brasileiros já começam a maltratar os turistas que vêm ver os jogos.
[...] o que se prevê são filas e a desinformação de sempre – tudo potencializado pela
explosão de demanda. Estima-se que 600000 turistas estrangeiros circulem por
esses locais durante o Mundial. Mas, além dos gargalos mais conhecidos [...] há
outro, menos visível, que vem afligindo autoridades em Brasília: a falta de
segurança nas portas de entrada do país. (LEITÃO, 2014, p. 88, grifo nosso).
Não é para menos que tais informações são trazidas já no lide da reportagem. Vale
explicitar aqui que, neste momento, como já foi apontado, os brasileiros não pensavam em
ignorar o Mundial, mas ainda havia muita polêmica. Diante das perguntas do relatório do
Ibope Inteligência (2014, p. 34), “como o(a) sr(a) avalia o desempenho do país na preparação
da Copa do Mundo em relação à construção dos estádios, reforma dos aeroportos, obras de
142
transporte público e segurança pública? O (a) sr(a) diria que está sendo: ótimo, bom, regular,
ruim ou péssimo?” o pior resultado foi relacionado à segurança pública: 55% responderam
ruim ou péssimo, 29% regular e 15% ótimo/bom. (IBOPE, 2014). Outra questão está
diretamente ligada ao enquadramento dado ao texto: 58% dos entrevistados discordaram da
afirmação “A Copa do Mundo mostrará que o povo brasileiro está preparado para receber
turistas”. (IBOPE, 2014, p. 27). A matéria parece querer reforçar esse sentimento. Os dados
citados acima foram coletados de 30 maio a 2 de junho, apenas dois antes da publicação do
semanário.
Na edição de Época, no 836, do dia 9 de junho de 2014 (pré-abertura do Mundial), os
ordinários estiveram presentes em duas das cinco reportagens publicadas: “Por que amamos
tanto a seleção” (reportagem de capa) e “O dia em que (quase) perdemos a Copa”. Segue a
análise da primeira:
Howard Webb, árbitro inglês
Nunca vi nada igual em minha vida. [...] Mesmo sendo inglês, fiquei emocionado
com o hino brasileiro. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 34).
Caio Luperi Pires
O paulistano Caio Luperi Pires, de 26 anos, continuará uma tradição familiar:
torcerá pelo Brasil. Ele pretende pintar de verde e amarelo a rua onde mora,
homenagem ao avô, que morreu em 2003, logo depois do pentacampeonato. Caio
também já comprou ingresso para as quartas de final, em Fortaleza. Acredita que o
Brasil chega lá. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 39).
Em destaque, as mesmas palavras, em outra ordem, com o título “O torcedor”.
Gisele Ramon
A bancária Gisele Ramon, de 31 anos, criticou os protestos no Facebook. “Por que
não fizeram isso antes”, escreveu. Fácil, agora todo mundo sabe falar de política.
Mas, na hora de ir às ruas, alguém fez alguma coisa?” (TURRER; LIMA;
GORCZESKI, 2014, p. 39).
Em destaque: A indecisa – Ela criticou os protestos nas redes sociais e foi chamada de “alienada”
e “ignorante”. Acompanhará a Copa pela televisão, ao lado do marido. Descendente
de alemães, torcerá pelo Brasil e pelo time de seus avós (TURRER; LIMA;
GORCZESKI, 2014, p. 39).
Carlos Eduardo Galiano O engenheiro Carlos Eduardo Galiano, de 26 anos, também verá os jogos pela TV –
mas diz que torcerá contra o Brasil. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 39).
Em destaque:
O desiludido - Irritado com as denúncias, diz que torcerá contra o Brasil. “Esses
milhões gastos na Copa seriam mais bem usados em saúde e educação”, diz ele.
“Nem precisava de estádios em Manaus ou Cuiabá, que não tem futebol
143
desenvolvido”. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 39).
Embora tenha sido publicado em um momento ainda polêmico, o texto traz apenas
uma fonte que destoa com relação à perspectiva da enunciação. O forte apelo ao “amor à
Seleção” permeia não apenas o título da reportagem, mas praticamente todas as falas inclusive
o depoimento emocionado de um estrangeiro, exposto para reforçar esse sentimento. A única
exceção é o engenheiro Carlos Eduardo Galiano, que “torcerá contra o Brasil”, mas não
deixará de ver “os jogos pela TV”. Ironicamente, Galiano é o único personagem não
apresentado com valores relacionados a questões familiares como “homenagem ao avô” ou
“ao lado do marido” (descrições dos outros personagens), além de também ter sido o único a
receber um adjetivo negativo: “O desiludido”.
Na Figura 28, pode-se observar o espaço e o direito à voz dado a esses ordinários. É
interessante notar que, se por um lado, eles têm direito à fala, por outro, à maneira como a
revista os coloca, é como se representassem toda a população brasileira. Considerando que,
conforme a seção anterior, essa mesma reportagem trouxe sondagens que expunham tal
divisão, pode-se afirmar que esses ordinários foram, claramente, apresentados como
representações da opinião pública. Para além disso, a forma como foram caracterizados
reforça a tentativa de formar um clima de opinião favorável ao Mundial.
Figura 28 - Ordinários em destaque
Fonte: Rogério Cassimiro/Época; Letícia Moreira/Época (2014, p. 38-39)
144
Na reportagem “O dia em que (quase) perdemos a Copa”, aparece a fala do
jornalista Carlos Henrique Vasconcelos:
Luis Português (o secretário executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes)
sempre foi um nerd, daquele típico, sabe? Bem articulado, erudito, ele ia para o
quarto ler enquanto os outros viravam a noite tomando cerveja (TAVARES, 2014, p.
63).
O texto traz o então secretário executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes,
como uma espécie de salvador da pátria num momento em que a Fifa chegou a ameaçar que o
Brasil deixaria de sediar o megaevento, por conta da violência durante os protestos na época
da Copa das Confederações. De acordo com o texto, a partir de então a articulação de
Fernandes foi decisiva para que os jogos realmente viessem a ser realizados no país. O único
personagem ordinário apresentado (Carlos Henrique Vasconcelos) reforça isso claramente.
Até que sua fala seja exposta, no entanto, a reportagem ataca fortemente o governo federal no
quesito organização. Para citar apenas dois exemplos: “O Brasil não levava as exigências da
Fifa a sério – não levava a Copa a sério. Houve atrasos e desculpas demais, em todos os
aspectos que compõem um evento desse porte [...]” (TAVARES, 2014, p. 62) e “Se, com ele,
a fase de preparação da Copa foi uma bagunça, sem ele seria um desastre – e talvez até nem
houvesse Copa”. (TAVARES, 2014, p. 63). Para completar, o último parágrafo da reportagem
traz uma frase que introduz o depoimento do próprio Luis Fernandes e legitima o clima de
opinião construído pelo veículo nessa edição, bastante favorável ao Mundial:
Fernandes estranhava que o brasileiro ainda não estivesse coberto de verde e
amarelo, aguardando com entusiasmo a Copa que se aproxima. “Sinto pena, porque
as pessoas não estão aproveitando. Elas estão contaminadas. Já sabíamos que seria
ano de eleição, mas a ruptura veio em junho do ano passado. Tenho absoluta
convicção de que a Copa e a Olimpíada são boas para o Brasil [...]”. (TAVARES,
2014, p. 63).
Inicialmente, a reportagem “A abertura num estádio problema” ressalta o fato de o
estádio “Itaquerão” abrir a Copa sem ter passado por todos os testes necessários, o que
poderia gerar uma situação de risco para os torcedores. No entanto, isso é levado claramente
para o âmbito político:
pelos cálculos do Partido dos Trabalhadores e do Palácio do Planalto, a abertura da
Copa seria uma apoteose que reafirmaria o Brasil como potência emergente, além de
uma festa para lançar a reeleição de Dilma Rousseff à Presidência. O evento tornou-
se uma fonte de preocupação”. (BOMBIG; TURRER, 2014, p. 56).
Já no segundo parágrafo, os repórteres trazem a trajetória da construção do estádio,
evidenciando que “negociações políticas e econômicas falaram mais alto do que o interesse
145
público. A empreitada contou com o envolvimento do então presidente Luiz Inácio Lula da
Silva”. (BOMBIG; TURRER, 2014, p. 56). Além disso, em determinado momento, chegam a
afirmar que ouviram políticos, cartolas e empresários para contar os bastidores dessa história,
mas acabam por trazer apenas uma fala do ex-presidente do Corinthians, André Sanchez, na
época em que a Odebrecht venceu a licitação do estádio. É justamente nesse sentido que se
percebe a ausência dos ordinários. Embora a construção do estádio tenha ocorrido em uma das
regiões mais populares da grande SP, o que provocou discussões e polêmica entre os
moradores da região, ninguém é chamado a falar. Se muitos torcedores do Corinthians
estavam sentindo-se felizes: “orgulhosos, torcedores do time visitam o local para tirar fotos e
fazer filmagens” (UCHOAS, 2012), por outro lado, várias famílias tiveram que deixar suas
casas repentinamente, por conta das obras viárias no entorno do Itaquerão feitas sob
responsabilidade da Prefeitura e do Governo do Estado de São Paulo98:
a ampliação da Radial Leste, por exemplo, levou à remoção de casas na comunidade
de Vila Progresso – cujas regiões mais próximas da rodovia têm mais de “vila” do
que de “progresso”. Segundo os moradores locais, os agentes da subprefeitura
chegaram repentinamente à área para promover a derrubada de casas. Os moradores
conseguiram resistir, mas eles retornaram em seguida, em horário de trabalho. A
moradora Carla Vaneide disse que sua casa quase foi derrubada com os três filhos
dentro, já que estavam dormindo enquanto ela trabalhava. (UCHOAS, 2012).
É possível que a situação não fosse exatamente a mesma em 2014, mas certamente
ainda não era um consenso, apesar disso nenhuma menção é feita na reportagem. Da mesma
maneira, os moradores não tiveram direito à voz, o que nos remete às palavras de Orlandi
(1993, p. 105): “o silêncio não é ausência de palavras. Impor o silêncio não é calar o
interlocutor mas impedi-lo de sustentar outro discurso. Em condições dadas, fala-se para não
dizer (ou não permitir que se digam) coisas que podem causar rupturas significativas na
relação de sentidos”.
Também fica nítido que, em momento algum, as questões relacionadas aos moradores
estão implícitas na reportagem. Daí a necessidade de destacarmos a diferença entre os
conceitos de implícito e silêncio. “O implícito é o não-dito que se define em relação ao dizer.
O silêncio, ao contrário, não é o não-dito que sustenta o dizer mas é aquilo que é apagado,
colocado de lado, excluído”. Para além disso, o silêncio também significa “aquilo que é
preciso não dizer para que o texto se feche e, em consequência, seja coerente, não-
contraditório, capaz de unidade [...]. (ORLANDI, 1993, p. 106). Em um momento no qual a
98 http://infraestruturaurbana.pini.com.br/solucoes-tecnicas/21/obras-no-entorno-do-itaquerao-polo-industrial-
obras-viarias-273255-1.aspx
146
revista tenta claramente formar um clima de opinião favorável à Copa do Mundo, acredita-se
que seria no mínimo contraditório trazer a voz de pessoas questionando ou se sentindo, de
alguma forma, prejudicadas por obras no entorno de um estádio.
A ausência dos ordinários nessa reportagem também nos faz atentar para as colocações
de Guimarães e Amorim (2013), quando ressaltam o fato de uma opinião pública democrática
estar intimamente ligada à “necessidade de garantir a pluralidade na formação dessa opinião,
de modo a impedir a sobreposição de interesses particularistas na definição do interesse
público”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 125). Em suma, para suprir seus próprios
interesses, em um ano eleitoral, o veículo apontou problemas pontuais de um estádio (que
menos de uma semana depois inaugurou a Copa com sucesso) para resgatar questões políticas
relacionadas à obra e rechaçar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente
Dilma Rousseff – a imagem dela em visita ao Itaquerão (Figura 29) é trazida para reforçar o
texto. No entanto, o mesmo empenho não é feito para resgatar a história dessa construção com
o apoio dos moradores e expor os problemas provocados pelos governos estadual e municipal,
afinal, isso mais do que nunca acarretaria formar um clima de opinião completamente
contrário ao que a revista vinha conduzindo.
Figura 29 - Dilma Rousseff em visita ao Itaquerão
Fonte: Evelson de Freitas/Estadão (2014, p. 58)
Na edição da revista Veja (no 2377), de 11 de junho de 2014, há duas reportagens
relacionadas ao megaevento: “Retrato de dois Brasis” e “Marcação Cerrada”. Uma delas de
capa: “Retrato de dois Brasis” (Figura 30), traz um panorama geral relacionado a mudanças
147
no país de 1950 (quando a primeira Copa foi aqui sediada) em 2014.
Figura 30 - Capa Veja edição 2377
Fonte: Veja (2014)
Esta é a primeira vez, desde que a cobertura acerca do contexto do Mundial foi
iniciada pelo semanário, que uma reportagem de cunho relativamente positivo foi publicada
sobre o assunto. Não apenas a capa sinaliza isso com um “Z” cheio de imagens coloridas
relacionadas à atualidade, mas também a seguinte informação exposta no lide: “alguns vícios
brasileiros, atraso, por exemplo, parecem invencíveis. Mas o resultado da caminhada
civilizatória desses 64 anos que se passaram desde a Copa de 50 é, como se verá, animador”
(GAMA et al. 2014, p. 74), o que não significa que não haja críticas à organização da Copa no
decorrer da reportagem. O mais interessante, no entanto, é que pela primeira vez, a revista
sequer apresenta ordinários. Ao contrário, por exemplo, do especial “Estado da desordem”, no
qual muitos ordinários são chamados a falar, o silêncio (das vozes) permeia as dez páginas do
texto. Outro detalhe significativo é que, justamente essa edição traz, anunciado no cabeçalho
da capa, o “Guia da Copa” com a chamada “1, 2, 3, 4, 5…Hexa”, com a imagem do então
zagueiro da seleção, Thiago Silva. É bom lembrar que Época fez isso já na segunda edição
que tratou do assunto. Vale lembrar aqui, como observou-se anteriormente, que nesse
momento o Brasil já estava começando a entrar no clima do Mundial.
Na edição de Época, no 837, do dia 16 de junho de 2014 (pós abertura do Mundial) os
ordinários foram evidenciados em três das seis reportagens: “O oportunismo dos sindicatos e
148
movimentos sociais”, “O Carnaval do gringos” e “Hoje é festa na floresta”. Em “O
oportunismo dos sindicatos e movimentos sociais” são eles:
Membro do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (não nomeado)
Alguns caíram no choro. Outros no riso. “Só não rolou churrasco porque a gente só
tinha salsicha”, disse um dos cerca de 8 mil moradores do terreno próximo ao
Itaquerão, em São Paulo, a mais nova ocupação do Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto (MTST). (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 44).
Marcio Hasegava, operador de transporte do Metrô
Para 42 deles, o desfecho foi pior: a demissão. “O medo venceu. Deixamos os
demitidos para trás”. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 44).
“Nossa inspiração foi a greve dos garis, no Rio”, diz. “Houve um transtorno no
início, mas depois ficou claro para a sociedade que a reivindicação deles estava
correta”. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45).
Maria das Dores Ferreira (uma das coordenadoras do Movimento dos Trabalhadores
Sem Teto)
“Continuaremos nossa luta, mas com menos consistência durante a Copa”.
(FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45).
Se por um lado, é dado o direito à fala aos manifestantes, por outro, boa parte dessas
falas é relatada no sentido de evidenciar o lado negativo desses mesmos representantes. A
primeira citação já abre o texto debochando dos membros do movimento que ocuparam um
terreno próximo ao Itaquerão, estádio onde o megaevento foi aberto: “Alguns caíram no
choro. Outros no riso. ‘Só não rolou churrasco porque a gente só tinha salsicha’”. Em um
segundo momento, após mostrar que, por conta da paralisação, os funcionários do Metrô
foram punidos pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) com uma multa diária de R$ 500
mil e, além disso, 42 deles haviam sido demitidos, o operador de metrô Marcio Hasegava é
mostrado como uma figura calculista que não se incomoda com tal situação (“deixamos os
demitidos para trás”). Posteriormente, é apresentado como um sindicalista consciente:
Hasegava, do Metrô, diz que conviveu com um sentimento dúbio ao longo da greve.
Ao mesmo tempo, sabia que a paralisação prejudicava os quase 4 milhões de
passageiros que usam o Metrô diariamente, mas acreditava que a luta dos
metroviários pro melhores condições de trabalho poderia ajudar a conscientizar
outras categorias. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45).
No entanto, essa caracterização é derrubada no parágrafo seguinte: “Hasegava estava
no grupo que enfrentou a Polícia Militar na sexta-feira anterior [...] Ele fez parte de uma
minoria que votou pela manutenção da greve – mesmo depois de ela ser considerada
abusiva”. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45, grifo nosso). Uma das fotografias destacadas
149
mostra o sindicalista em confronto com a polícia:
Figura 31 - Sindicalistas em confronto com a PM
Fonte: Nelson Antoine/AP (2014, p. 44)
Já a fala de uma das coordenadoras do MTST, Maria das Dores Ferreira:
“Continuaremos nossa luta, mas com menos consistência durante a Copa”, além de ser trazida
no texto, é destacada atestando que até reivindicações pontuais estavam se amenizado naquele
momento:
Figura 32 - Coordenadora do MTST
Fonte: Filipe Redondo/Época (2014, p. 45)
150
Na reportagem “O Carnaval dos gringos”, de Isabel Clemente, Rodrigo Turrer, Ana
Luiza Cardoso, Marcelo Bortolotti e Raphael Gomide, são expostas as falas de estrangeiros:
Fagundo Yadarola, advogado argentino
Messi, Messi (CLEMENTE et al. 2014, p. 52).
Marcel Peitz, de 24 anos, alemão
Ele ficará no Brasil por duas semanas, alugou um apartamento na Lapa, bairro da
boemia carioca, mas não conseguiu comprar nenhum ingresso. Nem na Alemanha
nem aqui. “Não posso pagar R$ 500 num ingresso, não mesmo. Assistirei aos jogos
na rua. Ao menos a cerveja aqui é barata”. (CLEMENTE et al. 2014, p. 53).
Helena Korpunko, diretora de Comunicação da Casa da Rússia
“Queremos levar daqui as boas lições para a organização da próxima Copa (que será
realizada na Rússia) e também apresentar a cultura russa para os brasileiros, porque
aqui ela não é muito conhecida”. (CLEMENTE et al. 2014, p. 53).
Daniel Frankenhuis, holandês, diretor de acampamento às margens da Represa de
Guarapiranga
“Fazemos isso há 12 anos, estivemos em várias Copas, e o objetivo é ver os jogos e
se divertir o máximo possível. [...] Queremos fazer isso aqui na beira da represa.
Serão 5 mil pessoas entrando na água ao mesmo tempo, será uma loucura”. (em
alusão a uma festa em que europeus entram na água gelada no primeiro dia do
ano). (CLEMENTE et al. 2014, p. 54).
De início, é preciso observar que os estrangeiros apresentados pertencem a diferentes
classes sociais: o alemão não pode pagar pelos ingressos, mas alugou um apartamento em um
bairro da boemia carioca; a Casa da Rússia fica dentro do Museu de Arte Moderna no Rio, um
“quartel-general cinematográfico”; a diária no acampamento sai por volta de R$ 245,00 e
“inclui café da manhã, almoço e jantar, feitos por um bufê contratado”. (CLEMENTE et al.
2014, p. 54).
Além disso, é importante destacar que essas vozes, embora não representem ordinários
da opinião pública brasileira, foram apresentadas neste trabalho por uma simples razão. Se
considerarmos que, naquele momento, a revista vinha construindo um clima de opinião
favorável à Copa, nada poderia vir mais a calhar do que evidenciar falas e imagens de
estrangeiros numa perspectiva festiva (“Carnaval”) em que, para o grupo Globo, era
importante que todos os brasileiros estivessem, independente da classe social. Não é para
menos que um trecho do subtítulo afirma: “o barulho dos torcedores estrangeiros anima as
sedes da Copa” (CLEMENTE et al. 2014, p. 52, grifo nosso). Vale lembrar que, de acordo
151
com as pesquisas de opinião expostas no contexto apresentado, a imagem do Brasil como sede
do megaevento era muito mais otimista entre os estrangeiros do que propriamente entre os
brasileiros.
O texto “Hoje é festa na floresta”, escrito por Leopoldo Mateus, traz falas de alguns
moradores de Manaus.
Funcionária do aeroporto de Manaus (nome não informado)
[...] há anos [...] (em alusão a um conjunto de aviões abandonados ao lado da pista
do aeroporto) (MATEUS, 2014, p. 56).
Francielson Ferreira, empresário em Manaus
Você acha que está indo para o meio do mato e pega um trânsito infernal.
(MATEUS, 2014, p. 57).
O empresário Farancielson torce para uma volta aos velhos tempos. “Nos anos 1980,
os estádios aqui eram lotados. O futebol do Amazonas foi perdendo investimento.”
Ele considera a Copa uma oportunidade de revitalizar o futebol local. Aqui passa o
Campeonato Carioca na TV, mas o daqui nem é televisionado. Acredito que agora
possa retomar.” (MATEUS, 2014, p. 58).
Eduardo Félix, gerente manauara
Dizer que não temos condições de receber a Copa é preconceito. Para ele, a partida
entre Itália e Inglaterra é o maior evento da história da cidade. (MATEUS, 2014, p.
58).
“Ficou só na maquete”, afirma o gerente manauara Eduardo Félix, de 59 anos. (em
alusão a um monotrilho prometido para o Mundial) Ele não acredita que algo de
significativo fique para a cidade, além do estádio. (MATEUS, 2014, p. 58).
Sem dúvidas, o foco da reportagem é na questão do clima da cidade-sede. Isso fica
claro já no subtítulo: “Com quatro jogos em Manaus, a Copa de 2014 será a primeira
disputada no meio de uma selva tropical. O calor e a umidade são os maiores desafios”
(MATEUS, 2014, p. 56). Depois de mencionar comentários de técnicos de seleções e de um
fisiologista sobre as dificuldades de se jogar futebol nesse ambiente, a segunda metade do
texto se volta para o âmbito de evidenciar o potencial da cidade como uma das sedes.
No entanto, é importante mencionar que a construção do estádio em Manaus foi
apontada, nacionalmente, como um desperdício de dinheiro público especialmente porque a
região não possui um futebol suficientemente forte para a utilização frequente de um estádio
com os requisitos exigidos pela Fifa. Mesmo assim, a cidade candidatou-se a ser uma das
sedes da Copa. No entanto, nenhuma das fontes apresentadas na reportagem sequer menciona
152
isso, o que sugere que não havia problemas nesse sentido para o cidadão manauara. Pelo
contrário, as personagens se complementam em defender o potencial da cidade e até a
possibilidade de retorno aos “velhos tempos” do futebol na Amazônia.
Acerca dos gastos públicos, apenas uma frase – já quase no final do texto – menciona
o assunto: “O maior dilema do governo amazonense é o que fazer com a Arena Amazônia,
que custou R$ 757 milhões, depois da Copa”. (MATEUS, 2014, p. 58). Já a questão de uma
obra prometida e não realizada foi criticada por Eduardo Félix. Por sinal, a única crítica feita
por um ordinário. Um aspecto positivo a ser ressaltado é que, pelo menos nesse caso, o
problema com as obras e a questão dos gastos foram creditados ao governo estadual.
Já na edição da revista Veja correspondente não foi trazido nenhum ordinário que não
estivesse ligado estritamente à questão técnica (futebol). Uma das matérias publicadas é a
reportagem de capa “O hino, as vaias e Neymar”. Capa que, aliás, foi dividida em três
“destaques”: “Hino”, para fazer referência ao patriotismo brasileiro, “Neymar”, representando
o futebol e “Vaia”, com a imagem da então presidente Dilma Rousseff acompanhada do então
vice Michel Temer. É notório o interesse do veículo, em um momento no qual a seleção
venceu e o brasileiro está fazendo as pazes com o Mundial, tentar formar a opinião do leitor
no sentido de separar os fatos e evidenciar os insultos à então chefe do Executivo. No
cabeçalho, a mensagem é bastante clara: “Os três destaques da abertura da Copa mostram que
para os brasileiros patria não é governo e a paixão pelo futebol não combina com política”.
Figura 33 - Capa Veja edição 2378
Fonte: Veja (2014)
153
Na edição 838 de Época (23 de junho), a reportagem não assinada “O bom humor
está por um fio” traz vários ordinários:
Odair Alexandre Júnior, empresário
A exceção era a Rua Rogério Jorge, que o empresário Odair Alexandre Júnior, de 45
anos, vestiu cuidadosamente de verde e amarelo, como faz desde criança. “A Seleção é a
Seleção”, diz ele, orgulhoso, na rua deserta. “Politicagem e protesto, só nas urnas”. (O
BOM..., 2014, p. 40).
Alexandre Randmer, despachante
“Parece que hoje todo mundo se escondeu em casa”, diz o despachante Alexandre
Randmer, de 35 anos. Ele viu o jogo no quintal de casa, comendo uma feijoada em
companhia dos amigos. “O pessoal deve estar com medo das manifestações”. (O BOM...,
2014, p. 40).
Alex Bellos, escritor e jornalista inglês
O escritor e jornalista inglês Alex Bellos, que morou cinco anos no Brasil, diz que nunca
viu os brasileiros tão contidos em relação à Seleção. “As ruas não estão enfeitadas, as
pessoas não estão eufóricas. Só há festas onde estão os estrangeiros”, diz ele. Em Londres,
antes da Olimpíada de 2012, Bellos diz que havia ressentimento com os gastos e má
vontade em relação ao evento. Mas isso mudou com os resultados esportivos. (O BOM...,
2014, p. 42).
Deise Quintiliano, professora universitária
A professora universitária Deise Quintiliano, de 50 anos, saiu toda enfeitada para o
segundo jogo do Brasil, depois de ter ficado em casa no primeiro. “Fui chamada de
alienada no metrô, por usar enfeites do Brasil, mas não participei das manifestações das
Diretas, nos anos 1980, para ficar em casa com medo de ser reprimida”, diz ela. Deise é
carioca e mora no bairro da Tijuca. (O BOM..., 2014, p. 42).
Andrea Souza, canadense casada com brasileiro
A canadense Andrea Souza, casada com o brasileiro Ivaney Souza, de 33 anos, estava
num bar em Moema, área nobre de São Paulo, acompanhada do marido e da filha Anna,
de 3 meses. Ela chegou ao Brasil às vésperas da Copa de 2010 e se encantou com o
entusiasmo dos brasileiros pela Copa. Agora, andava estranhando a frieza. “Não vi a
mesma empolgação, mas bastou os jogos começarem para eu sentir novamente o alto-
astral dos brasileiros”, diz ela. (O BOM..., 2014, p. 42).
Thayná Sprung, estilista
A estilista carioca Thayná Sprung, de 27 anos, só aderiu à celebração pública do futebol
na segunda partida do Brasil. Dispensada do trabalho, foi a um bar torcer. Tinha
sentimentos divididos. “O país precisa investir mais em saúde e educação, não em
estádios”, diz ela. (O BOM..., 2014, p. 42).
154
Aline Soares, dona de casa
Em Brasília, a dona de casa Aline Soares era prova da necessidade de investimento em
saúde. Na véspera do jogo entre Brasil e Croácia, ela teve de levar a filha ao hospital de
Taguatinga. O atendimento foi péssimo. A sorte é que eu tenho uma tia enfermeira que
medicou minha menina em casa. Se dependesse do hospital público...” Na terça-feira,
Alina viu o jogo do Brasil em companhia de amigos, na festa da Fifa em Taguatinga, a 20
quilômetros do Plano Piloto. A tarde começou animada, em ritmo de pagode. Murchou
assim que o empate sem gols do Brasil tomou forma. (O BOM..., 2014, p. 42).
Dione, amigo de Aline
“Acho bom o Brasil ganhar essa Copa. Gastar bilhões em estádios e não ganhar é feio. O
pau vai quebrar”, diz um amigo de Aline que se apresentou apenas como Dione. (O
BOM..., 2014, p. 42).
Em sua maioria, as imagens (Figura 34) focam nos torcedores festivos e empolgados,
refletindo o clima do evento no momento, lembrando que as sondagens encomendadas pela
Secom e expostas na seção anterior mostravam isso. Também é dada a oportunidade para que
vários torcedores falem, o que pode ser considerado um aspecto positivo do texto. As vozes
desses torcedores, embora às vezes críticas em relação à realização do evento, se apresentam
animadas. Segundo o texto, o ânimo não chega ao nível de outros mundiais, por várias razões,
entre elas, o “medo das manifestações” explicitado por um deles. Chama a atenção o fato de
que, nesse momento, as manifestações que até então eram expostas pela revista como ações
de minorias (que por vezes foram representadas, nas imagens, como encapuzados) agora que
perderam força, ganham um novo status: “Quando se anda pelas ruas das grandes cidades
brasileiras, fica claro que o país não deixou para trás o espírito crítico de junho, que se
traduziu no slogan “Não vai ter Copa”. (O BOM..., 2014, p. 40, grifo nosso).
155
Figura 34 - Torcedores brasileiros
Fonte: Marcelo Min/Fotogarrafa; Filipe Redondo;
Igo Estrela; Guillermo Giasanti/Época (2014, p. 40-41)
Outra razão a expor que os brasileiros estavam menos ufanistas aparece na fala dos
três últimos ordinários apresentados, todas bem contundentes, explicitando o alto
investimento em estádios, em detrimento da educação e saúde. Até então, a revista só havia
feito isso uma única vez na edição anterior à abertura do evento, mesmo assim de forma
amena, com a reportagem “Por que amamos tanto a seleção” que traz a fala de Carlos
Eduardo Galeano, nomeado pelo próprio semanário como “O desiludido”, conforme análise
feita anteriormente. Nesse sentido, é importante destacar que, de acordo com dados coletados
entre 22 de junho e 3 de julho e expostos no relatório do Ibope Inteligência (2014), realmente
quando perguntados acerca do prejuízo que a Copa trouxe ao Brasil, 47% das respostas
(considerando duas menções) apontavam para gastos com dinheiro público/ prejuízo
financeiro e 36% falta de verba para saúde e educação. Isso está traduzido na fala desses
ordinários. No entanto, ao serem questionados acerca dos benefícios que o evento teria
trazido, 32% dos entrevistados mencionaram o aquecimento da economia e 30% citaram o
incentivo ao turismo. Acerca desses aspectos, nada é mencionado e nenhuma fala é divulgada.
156
No que diz respeito à capa, o semanário reafirma a cumplicidade e interesse no
sucesso do campeonato, estampando a imagem da taça que seria entregue ao campeão do
Mundial (Figura 35). O título “Não vai ser nada fácil” está direcionado especialmente à
reportagem “As ameaças ao hexa” (voltada para o futebol). Não se pode deixar de observar,
no entanto, que as chamadas da capa também sinalizam o recado que a revista pretende dar ao
leitor: “O previsível uso político da Copa” e o “Nosso bom humor por um fio” fazem
referência às matérias já analisadas. Vale lembrar que ambas refletem o clima de opinião
favorável ao evento e à seleção, mas por isso mesmo querem, acima de tudo, atentar ao leitor
para a necessidade de diferenciar futebol de política (em ano eleitoral).
Figura 35 - Capa Época edição 838
Fonte: Época (2014)
Pode-se dizer que, na edição correspondente de Veja (2379), os ordinários foram
expostos na cobertura por meio de sondagens, já analisadas anteriormente. Isso parece claro
na capa (Figura 36) que traz os ordinários em destaque, sem nomeá-los. Em meio a uma
torcida de verde e amarelo, uma brasileira sorri e expressa o clima de opinião dominante entre
a população. A chamada de capa também traduz isso: “Só alegria até agora”. É importante
observar que, embora a Copa seja considerada uma festa popular, esta é a única vez que o
público brasileiro é evidenciado na capa pela revista. Até então, isso só havia ocorrido de
forma bastante sutil na edição de 11 de junho, pré-Mundial. Isso não significa que a revista
tenha deixado de anunciar sutilmente, no subtítulo, os recados (e a opinião) que tentaria
157
formar no leitor: “Um festival de gols nos gramados, menos pessimismo nas pesquisas, mais
consumo, visitantes em festa e o melhor é aproveitar, pois legado duradouro, esqueça”. Já no
rodapé a chamada para a notícia exclusiva: “Testamos o programa de computador que fura a
fila de compra de ingressos no site da Fifa. Funciona. Mas é justo?” Em suma, é praticamente
um resumo do “Especial Copa” no qual, diferentemente de Época, que priorizou o futebol,
Veja dedicou ao tema duas reportagens: “Não tem mais surpresa” e “Show como no tempo de
Pelé”. Mesmo assim, essa última traz um box “Elogios, só para a qualidade do futebol”, no
qual afirma que “após o início do evento, o tom apocalíptico da imprensa internacional deu
lugar a reportagens mais ponderadas. As críticas porém predominam sobre os elogios”.
(RODRIGUES, 2014, p. 112).
Figura 36 - Capa Veja edição 2379
Fonte: Veja (2014)
Por sua vez, a edição 839 de Época, publicada em 30 de junho, trouxe três reportagens
que perpassam o âmbito técnico e trazem ordinários: “O Brasil abraça os latinos”, “O
futebol será agora com as mãos” e “Animados sim, alienados não”. Segue a análise da
primeira:
Florencia Mori e Mercedez Molina, argentinas
As jovens argentinas Florencia Mori e Mercedez Molina, ambas de 21 anos, decidiram
não perder a oportunidade de ver a seleção de seu país na quase vizinha Porto Alegre. De
158
ônibus convencional, levaram mais de 24 horas de Buenos Aires à capital gaúcha.
Chegaram na manhã da quarta-feira, dia do jogo contra a Nigéria. Viajaram com pouco
dinheiro e contaram com hospedagem solidária (o famoso “ficar onde der”). Tinham
planos de seguir até São Paulo, próximo destino de sua seleção. “Do pouco que vimos,
estamos encantadas”, afirmou Florencia. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 41).
Sergio Alvarez, argentino
O argentino Sergio Alvarez, de 37 anos, veio de Quilmes, perto de Buenos Aires, para
assistir a vários jogos da equipe de Lionel Messi. Esteve no Rio de Janeiro, foi a Porto
Alegre e promete acompanhar a Argentina até onde ela for. “Estou apaixonado pela
cidade e quero agradecer às pessoas daqui. Foi surpreendente nossa recepção”.
(TEIXEIRA et al. 2014, p. 41).
Luciano Grassi, argentino
Para eles, a provocação é saudável (acerca da rivalidade Brasil x Argentina). “Isso de
briga é mais uma coisa de marketing. Os gaúchos romperam com esse mito”, diz o
argentino Luciano Grassi, de 27 anos. Ele veio de La Pampa com sua família para
acompanhar sua seleção. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 41).
Heitor Menegale e Izabel Bukowski, brasileiros
No Rio de Janeiro, o advogado Heitor Menegale, de 58 anos, e sua mulher, Izabel
Bukowski, de 43, já se consideravam até mais sul-americanos que brasileiros. Dizem que
suas melhores férias foram em países do continente. [...] “Recebemos dois amigos
equatorianos com um jantar de moqueca e caipirinha”, diz Izabel, moradora de Ipanema,
na Zona Sul.[...] “Sou brasileiro, mas, mesmo que o Brasil perca, continuarei torcendo.
Pelos nossos vizinhos”, diz Menegale. “Até mesmo pela Argentina”. (TEIXEIRA et al.
2014, p. 41).
Daniel Musi e Tomaz Montañes, latinos
O argentino Daniel Musi, de 50 anos, vive há 25 anos no Brasil e diz que ficou
impressionado. [...] Durante a Copa, conheceu o colombiano Tomaz Montañes, de 52
anos, ao caminhar pela orla de Copacabana. “Deixamos de lado a rivalidade, torcemos
juntos”, diz Montañes. “O técnico da Colômbia é argentino!”. Ambos lamentaram a
distância que ainda existe entre os sul-americanos, apesar da proximidade geográfica.
Musi viu, na prática, essa distância ruir. “Nunca pensei que veria tantos argentinos na
Praia de Copacabana. Isso é extraordinário, deveria ocorrer mais”. (TEIXEIRA et al.
2014, p. 42).
Raúl, Ruben e Raúl Júnior, chilenos
O motorista de táxi Raúl Rozas Rojas, de 60 anos, veio para o Brasil com metade dos
quatro filhos – Ruben Rozas, de 35 anos, e Raúl Rozas Rojas Júnior, de 34.[...] Fizeram
um passeio “perfeito” ao Cristo Redentor na ensolarada manhã de quarta-feira, dia 25.
Disseram ter recebido “recomendações desnecessárias” sobre a vinda ao Brasil: cuidado
com a comida e a violência. “Encontramos um povo amável, uma cidade tranquila e uma
comida maravilhosa. Ninguém passou mal até agora”, diz Ruben, rindo. O trio chileno
alugara um apartamento de um jovem músico próximo ao Maracanã, num arranjo pela
internet. Pagaram R$ 1200 por quatro dias – e acharam justo. Nem os táxis estão mais
159
caros que no Chile, diz o pai, Raúl, taxista. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 43).
Marjorie Jean François, mexicana
A advogada mexicana Marjorie Jean François, de Guadalajara, aproveitou a Copa para
visitar a Cinelândia, área de interesse histórico no centro do Rio. [...] Para ela, se alguém
tem de vencer esta Copa, que seja uma seleção da América Latina. “Somos latinos, antes
de tudo”. [...] Lamenta apenas não poder ficar até a final. “Os brasileiros são muito
amáveis. Todo o tempo, tentam nos dar informações, ajudam”. (TEIXEIRA et al. 2014,
p. 44).
Francisco Yepez e Andrés Gomez, equatoriano
Os equatorianos Francisco Yepez e Andrés Gomez, ambos de 26 anos e engenheiros
ambientais, vieram ao Brasil pela primeira vez atraídos pela Copa. [...] “O carioca tem
uma personalidade encantadora, amável. Fomos muito bem recebidos”, diz Yepez.
“Fizemos contato com um casal de São Paulo, amigos de amigos nossos. Eles nos
levaram para passear, nos ajudaram com hospedagem. Tem sido fácil fazer amizades.
Aprendemos palavras básicas e deu tudo certo”, afirma Gómez. Gostaram tanto do Brasil
que pretendem voltar logo. Para passear? “Para casar”, dizem os dois em coro. “É sério,
conhecemos moças especiais em Brasília. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 44).
Marcela Orjuela, colombiana
A colombiana Marcela Orjuela, de 38 anos, com o pequeno Javier, de 3 [...] vive na Barra
da Tijuca, Zona Oeste do Rio, desde o ano passado. “Depois da Colômbia, torceremos
pela América Latina em primeiro lugar”. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 46).
É importante registrar, antes de qualquer coisa, que a reportagem expressa o clima de
opinião favorável ao evento naquele momento. Acredita-se que, para a maioria dos ordinários
que são mencionados no texto, a Copa foi excelente até a final (Alemanha X Argentina no
Maracanã). Isso porque, embora cite brasileiros, a matéria é muito mais focada nos latinos que
estão não apenas se divertindo, mas gostando da experiência de estar no Brasil. Nesse sentido,
vale destacar dados coletados de 22/06 a 03/07 e expostos no relatório do Ibope Inteligência
(2014, p. 38) em relação à questão: “pelo que o (a) sr (a) sabe ou ouviu falar, a recepção aos
turistas tem sido ótima, boa regular ruim, ou péssima?”; 68% dos entrevistados responderam
ótima/boa, 15% regular e apenas 5% ruim/péssima, sendo que esses índices melhoraram após
a data acima.
Ao apresentar as razões de tantos latinos da América Espanhola no país da Copa, a
reportagem traz a seguinte informação: “A classe média da região cresceu 60,3% desde 2003,
de acordo com Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No mesmo período, a
população vivendo na pobreza encolheu 34%”. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 42, grifo nosso). A
informação é significativa, mas em nenhum momento a revista especifica que o crescimento
160
da classe media e a redução da pobreza teria se dado sob os governos de Lula e Dilma ou
mesmo evidencia o Brasil nesse contexto. Ironicamente, três páginas depois, já tratando de
outro assunto (diplomacia, como se verá abaixo), o texto cita “o governo de Luiz Inácio Lula
da Silva (2003-2011)”. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 45).
Mas o “abraço” aos latinos acaba adentrando à outra questão: a diplomática. É nesse
momento que tanto os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, como a então
presidente Dilma Rousseff são citados. As informações relacionadas aos dois primeiros, no
que diz respeito às relações exteriores, são positivas. O então governo Dilma não é visto da
mesma forma:
a integração de quase duas décadas diminuiu de ritmo com Dilma Rousseff, a ponto
de quase parar. Ela sempre demonstrou incômodo com os protocolos diplomáticos e
grandes visitas de Estado. [...] A inabilidade da diplomacia brasileira fez o Brasil
perder espaço como interlocutor legítimo em crises regionais e pôs em xeque a
integração econômica da América Latina. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 45).
Como contraponto, na última página do texto, os repórteres afirmam que um evento
como a Copa do Mundo é capaz de tornar compatíveis as agendas apertadas de chefes de
Estado e elencam os encontros que a então presidente Dilma havia tido com o vice-presidente
dos Estados Unidos, Joe Biden, bem como com a chanceler alemã Angela Merkel, o
presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos e a presidente chilena, Michelle Bachelet.
Já a reportagem “O futebol será agora com as mãos” trouxe os seguintes ordinários:
Elias Cândido, taxista
“A cidade realmente recebeu muitas obras. Nosso faturamento caiu de 15% a 20%
no período de mais obras, porque a gente não conseguia andar, diz o taxista Elias
Cândido. Ele afirma que gastava uma hora da região central da cidade até o
aeroporto. Agora, numa Cuiabá menos caótica, faz o mesmo percurso em 15
minutos, dependendo do horário. Segundo ele, se as obras em andamento
terminarem, o legado da Copa para a cidade será real. “Se todas que começaram
terminarem, Cuiabá ganhará muito mesmo. Mas tenho medo de que não concluam o
VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, uma espécie). Hoje dizem que ele era para os
cuiabanos, e não para os turistas. Mas estava nas obras da Copa”, afirma Cândido.
(MATEUS, 2014, p. 49).
Leonardo Vilas Boas, advogado
“O que prometeram, no geral, não cumpriram. Acredito que possa ficar abandonado
após a Copa. O VLT, só acredito vendo”, diz o advogado Leonardo Vilas Boas. Para
ele, várias obras foram disfarçadas para o Mundial. (MATEUS, 2014, p. 50).
161
Jaime Garcia, servidor público
O servidor público Jaime Garcia está otimista. “Uma Copa no Brasil, ainda mais
nesta região tão esquecida, não dá para torcer contra. E vai ficar legado, sim. O
trânsito melhorou muito, apesar de as obras ainda não estarem concluídas”, afirma
Garcia. Para ele, a marca ruim deixada pela Copa foram as denúncias de desvio de
recursos. “Foi um ponto negativo, mas aí o povo tem que saber quem coloca lá”,
afirma. (MATEUS, 2014, p. 50).
Até o momento, entre todas as reportagens analisadas, essa foi uma das que melhor
apresentou a polêmica em torno da Copa, inclusive trazendo ordinários que expressavam
pontos positivos e negativos acerca dos benefícios e prejuízos que Cuiabá teria por sediar o
evento. Em suma, havia atraso nas obras, mas de qualquer forma, a cidade já estava sendo
beneficiada. A única ressalva é que melhorias no âmbito da infraestrutura só vieram a ser
comentadas por Época naquele momento (30 de junho), quando a euforia do Mundial já havia
invadido o país.
No que tange ao estádio, embora a reportagem aponte o fato de uma arena ter sido
construída em uma cidade na qual não há um futebol desenvolvido e, portanto, ser uma forte
candidata a elefante branco – segundo o portal da Transparência99, foram investidos R$
596.400.000,00, sendo R$ 258.500.000,00 do governo estadual e R$ 337.900.000,00
financiados pelo BNDES (o texto fala em um total de mais de R$ 600 milhões) – também é
exposta a alternativa de conceder o estádio à iniciativa privada e, especialmente, de utilizá-lo
para o futebol americano, esporte no qual Cuiabá é considerada um centro de referência
brasileiro e possui um clube profissional: o Cuiabá Arsenal. Não apenas nesse sentido, a voz
do então secretário extraordinário da Copa, Mauricio Guimarães, é trazida para dar
declarações em mais de um momento.
Outro aspecto que deve ser considerado é que o texto, diferentemente da maioria do
material publicado pelos semanários analisados, informa claramente quem são os
responsáveis pelas obras, tanto no que diz respeito ao estádio como as de mobilidade urbana.
Isso fica bastante evidente, por exemplo, quando o repórter comenta a fala do último ordinário
citado: “Garcia refere-se à soma de denúncias do Ministério Público Estadual, que fizeram
com que o Tribunal de Contas do Estado embargasse obras como o VLT, por suspeitas de
irregularidades nos projetos de licitação. O governo estadual sempre negou qualquer
irregularidade.” (MATEUS, 2014, p. 50, grifo nosso).
A reportagem “Animados, sim. Alienados, não”, já analisada no que diz respeito às
sondagens, contou com os seguintes ordinários:
99 http://www.transparencia.gov.br/copa2014/cidades/execucao.seam?empreendimento=3
162
Sônia Leardini, dona de casa
tome o exemplo da paulista Sônia Leardini, de 50 anos, que trabalha num salão de
festas, nos fins de semana, em Jundiaí, no interior de São Paulo. Ela apostava que as
melhorias feitas para receber os turistas estrangeiros aumentaria de alguma forma
sua qualidade de vida. Agora, afirma estar decepcionada. “Achei que o transporte
fosse melhorar. Com a correria para fazer estádios e acabar as obras, gastaram todo
o dinheiro e esqueceram o povo”, diz Sônia. (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54).
Maria Aparecida Freitas, pedagoga
a pedagoga paulistana Maria Aparecida Freitas, de 52 anos, moradora da capital
paulista, diz-se aliviada. “Mesmo com todas as limitações, estamos fazendo uma
Copa bacana. Antes, havia o receio de uma grande vergonha nacional”.
(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54).
Nessa matéria, é possível observar ainda mais claramente a ligação entre sondagens e
fontes proposta por este trabalho: as duas ordinárias foram trazidas com o único objetivo de
ilustrar pesquisas do Ibope divulgadas pela reportagem. Isso fica bastante evidente no texto:
os dados devem ser interpretados com cautela, porque não são tão significativos
quando descontada a margem de erro da pesquisa. Ainda assim, chamam a atenção
porque traduzem sentimentos disseminados na sociedade. (BUSCATO; KORTE,
2014, p. 54).
Imediatamente após essa frase, as opiniões das ordinárias (expostas nos trechos acima
apresentados) são trazidas. O espaço dado a elas, em termos de imagem, é exatamente o
mesmo. Portanto, nesse aspecto pode-se dizer que houve imparcialidade por parte do veículo.
No que diz respeito ao que foi dito por elas, também há coerência. No entanto, é possível
fazer pelo menos duas observações: no depoimento de Maria Aparecida, o sentimento
destacado é alívio. Não se fala mais nada acerca dos benefícios que as próprias pesquisas
divulgadas pelo veículo diziam que o Brasil teria sediando o megaevento (43% dos brasileiros
acreditavam que a Copa traria mais benefícios). Já em relação ao desapontamento de Sônia
Leardini, um trecho em especial merece atenção: os repórteres falam em “melhorias feitas
para receber os turistas estrangeiros” como se brasileiros não fossem fazer uso disso.
Ressalta-se que, já em 2013, foi explicitado pelo governo federal que a infraestrutura
construída para o Mundial ficaria como um legado para o país, em especial nas cidades-sede,
conforme foi visto nos capítulos anteriores.
Também é importante mencionar que é traçada uma estratégia parecida com o que foi
feito na reportagem “O bom humor está por um fio”, publicado na edição anterior. Ambos
trazem ordinários para tratar de problemas estruturais como transporte público. O detalhe é
que, até então, a revista não havia evidenciado tal assunto. Isso só vem a ocorrer quando a
163
euforia passa a dominar o clima de opinião no país.
Saindo do âmbito do futebol, a edição correspondente de Veja, publicada no dia 2 de
julho (2380), traz “Os bons ares do Brasil”:
Maximiliano Garin, argentino
“ainda estamos procurando um hotel para ficar. Não temos bilhetes, nada”, diz
Maximiliano Garin, argentino que saiu com o irmão e três amigos da cidade de
Ceres, ao norte de Santa Fé, e dirigiu 1700 quilômetros até Porto Alegre. “Era uma
chance única na vida. Os próximos Mundiais serão na Rússia e no Catar, lugares
distantes e sem graça.” (LEITÃO et al. 2014, p. 70).
Esteban Magalinas, argentino
“os brasileiros cedem água quente para tomarmos mate, e dão até comida para
alguns que não tinham nem dinheiro para comer e mesmo assim vieram”, conta o
professor de tênis Esteban Magalinas. (LEITÃO et al. 2014, p. 71).
Adilson Luiz da Cruz, taxista brasileiro
o taxista Adilson Luiz da Cruz, de 42 anos, encontrou quarenta ingressos de jogos da
Copa no banco de trás do carro e os devolveu aos donos, torcedores mexicanos.
(LEITÃO et al. 2014, p. 71).
Luiz Gonzaga, porteiro brasileiro
o porteiro Luiz Gonzaga, que trabalha em um prédio próximo ao Maracanã, virou
sua televisão para que cerca de cinquenta torcedores chilenos sem ingresso
pudessem ver, aglomerados em frente à grade, sua seleção bater a Espanha por 2 a 0.
(LEITÃO et al. 2014, p. 71).
Pela primeira vez, é possível dizer que o semanário da Abril expressa o clima de
opinião que o país estava vivendo. Tanto é que, além dessa reportagem em análise, outras três
refletem esse clima e se atém ao âmbito do futebol como espetáculo. Notadamente, isso só
vem a ocorrer no dia 2 de julho, na 8ª edição que menciona o Mundial.
Em suma, com o apoio das falas ou mesmo ações de ordinários, evidencia-se “os bons
ares do Brasil” destacados no título. Sem dúvida, o texto mostra o país como um grande
anfitrião dos mais de um milhão de estrangeiros que aportaram em terras tupiniquins: “boa
parte dos estrangeiros cita as pequenas atitudes gentis como o diferencial do Brasil”.
(LEITÃO et al. 2014, p. 71). Todo esse “clima de paz” não impede, no entanto, que em alguns
momentos, o governo federal e a infraestrutura construída nas cidades-sede seja alvo de
críticas. Já no lide, isso aparece na seguinte frase: “para além do belo futebol nos gramados, a
alegria que tomou conta do país talvez seja o único legado incontestável do torneio”
(LEITÃO et al. 2014, p. 69). O segundo parágrafo é ainda mais crítico e culmina em uma fala
164
da então presidente Dilma Rousseff, precedida por um comentário no mínimo irônico:
“ninguém, quando voltar do Brasil, sairá daqui e levará na mala estádio, aeroporto,
obras de mobilidade urbana”. Azar de quem fica, porque haverá muito estádio feito
elefante branco (o que será mesmo das arenas Amazônia e Pantanal?), aeroportos
precários e obras de mobilidade urbana que não saíram do papel. (LEITÃO et al.
2014, p. 70, grifo nosso).
Posto isso, embora destaque o grande número de estrangeiros no país, em momento
algum a reportagem faz menção ao que isso significou para a economia. Já no que diz respeito
à infraestrutura, contrapontos não são apresentados, como se nenhum benefício viesse a ser
trazido, em especial às cidades-sede.
É interessante observar, ainda, as capas dessas edições. Das dez revistas Época que
fazem parte das análises, apenas duas não trazem (direta ou indiretamente) o Mundial como
destaque principal. Com isso, é notório o fato de que, no período de 19 de maio a 14 de julho
(o evento terminou dia 13 de julho), essa foi a única edição na qual preferiu-se destacar a
Copa apenas no cabeçalho (Figura 37). A Veja também se utilizou da estratégia, embora não
seja possível fazer a mesma observação, simplesmente porque o semanário já não vinha
trazendo o evento na capa com frequência. No entanto, o destaque principal chama atenção:
“Plano Real 20 anos”, acompanhado pelo seguinte subtítulo: “O plano que matou a
hiperinflação, estabilizou a economia e fez do Brasil um país sério corre o risco de
explodir”100. No alto de um bolo, como se pode observar na Figura 37, uma bomba-relógio.
Vale lembrar que o plano foi criado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique
Cardoso, que veio a se tornar presidente da República. Não se pode negar que o assunto é
significativo, mas dar o destaque principal a algo que ocorreu há 20 anos quando o “país do
futebol” vive um momento de euforia por sediar um evento mundial no mínimo contradiz
regras básicas que qualquer jornalista tenha conhecimento e sugere um apoio implícito ao
PSDB.
100 De acordo com a reportagem “As ameaças ao real no seu 20º aniversário”, “o plano segue incompleto e, além
disso, sofre ameaças decorrentes de equívocos cometidos, nos últimos anos, pela política econômica. Essas
ameaças podem ser resumidas em três pontos: inflação acima da meta, truques nas finanças públicas e baixa
produtividade. (GUANDALINI; SAKATE, 2014, p. 55).
165
Figura 37 - Capas Época e Veja edições 839 e 2380
Fonte: Época e Veja (2014)
Na última edição acerca da Copa (841), de 14 de julho, Época revela ainda mais
fortemente o sentimento de cumplicidade em relação ao evento, em especial à seleção. “O
vexame do Mineirão” relata, em quatro grandes reportagens, a derrota da seleção brasileira
para a Alemanha e faz um resumo do Mundial: “O vexame”, “Os erros”, “As lições” e “E,
apesar de tudo...”. Duas delas: “O vexame” e “As lições” tratam especificamente de futebol.
Quanto às outras, “E, apesar de tudo...” traz os ordinários e “Os erros”, embora não
contenha falas, complementará a análise:
Sam O’Brien, funcionário público australiano
“Quando disse que iria para o Brasil, meus amigos e familiares me desaconselharam,
por ser perigoso”, diz o australiano Sam O’Brien, funcionário público de 23 anos.
“O que vi aqui foi um povo alegre, que sabe receber bem os turistas. Eu me senti tão
seguro e confortável como se estivesse viajando pela Austrália.” (FERRARI, 2014,
p. 72).
Freek Bolt, professor holandês
No bairro boêmio da Vila Madalena, em São Paulo, o professor de história holandês
Freek Bolt, de 27 anos, se divertia num grupo de cerca de dez amigos. [...] “Vou
voltar para a Holanda e dizer para todos os meus amigos escolherem o Brasil como
próximo destino para as férias”, diz Bolt. (FERRARI, 2014, p. 72).
166
Torcedores canadenses
Dois canadenses entoavam o canto “Mil gols, mil gols... Só Pelé, só Pelé. Maradona
cheirador”, abraçados a um grupo de brasileiros. O objetivo era provocar torcedores
argentinos incansáveis no hino “Brasil decime qué se siente...”. (FERRARI, 2014, p.
72).
Felipe Nieto, enfermeiro colombiano
O colombiano Felipe Nieto, enfermeiro de 36 anos, descrevia para uma recém-
conhecida amiga brasileira o que mais gostara em cada uma das cidades brasileiras
onde estivera ao longo de 20 dias. “Estive em Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza e
Belo Horizonte. Até São Paulo achei uma cidade bonita”, disse. Seu único
arrependimento foi pôr a camisa da Colômbia no dia depois do jogo contra o Brasil.
“Achei que os brasileiros gostariam, porque ambas as camisas são amarelas”, diz.
“Percebi depois de alguns xingamentos que a entrada do Zúñiga em Neymar tinha
sido mais grave do que imaginava.” (FERRARI, 2014, p. 72).
“E, apesar de tudo...” é a última grande reportagem do especial (em páginas coloridas,
as outras três são em preto e branco) que faz um resumo dos momentos da Copa. O título e o
subtítulo são trazidos em verde, em página amarela e os seguintes dizeres: “O vexame da
Seleção em campo não tirou o título que o Brasil ganhou fora das quatro linhas. O que poderia
dar errado não deu. Ganhamos os gringos na simpatia, na paixão pelo futebol e fizemos a
melhor das Copas”. (Ferrari, 2014, p. 70).
O subtítulo é só um prenúncio do que a matéria tratará com o apoio irrestrito dos
ordinários estrangeiros, trazidos nesse momento com o único objetivo de fortalecer a
autoestima dos anfitriões. No lide (exposto logo abaixo) e em outros trechos do texto, a
reportagem renega aspectos que o próprio semanário considerou negativos em relação à
organização da Copa, até então evidenciados:
Se, dentro de campo, vivemos a maior derrota da história recente do futebol
mundial, fora das quatro linhas o Brasil realizou o maior evento de seus 514 anos.
[...] Mesmo com alguns incidentes, como a queda de um viaduto em Belo Horizonte,
os cenários catastróficos do período pré-Copa do Mundo não se confirmaram. Os
estádios, elogiados, ficaram lotados em praticamente todas as partidas. Os
aeroportos não entraram em colapso. Não faltou hospedagem. Restaurantes e bares
faturaram como nunca. A segurança reinou, na medida do possível, dada a
quantidade de aglomerações que se distribuíram por todo o país. As manifestações
foram pontuais. (FERRARI, 2014, p. 71, grifo nosso).
Mais de 600 mil turistas vieram de 180 países, segundo dados preliminares do
governo brasileiro. Os torcedores gastaram quase R$ 7 bilhões nas 12 cidades sedes.
(FERRARI, 2014, p. 72).
Bastou a primeira semana do torneio para que todo o receio da imprensa
internacional em relação à Copa no Brasil se transformasse em encantamento. [...] A
revista alemã Der Siegel publicou uma capa dois meses antes da Copa do Mundo em
tom catastrófico, dizendo que o evento tinha tudo para dar errado. Durante a Copa,
admitiu depois que houvera exagero nas previsões. Até mesmo o sisudo jornal inglês
Financial Times fez reverência à Copa brasileira. No dia anterior à derrota por 7 a 1
167
para a Alemanha, o jornalista britânico Simon Kuper publicou uma coluna com o
título “Por que o Brasil já ganhou”. No texto, Kuper exalta a segurança, a beleza da
comemoração de estrangeiros na Praia de Copacabana [...] (FERRARI, 2014, p. 72).
Além da alegria e da excelente receptividade dos brasileiros aos estrangeiros, já
evidenciadas em edições anteriores, a matéria destaca vários fatores até então não
mencionados em nenhum momento: entre eles os gastos dos turistas no Brasil, a
movimentação da economia no período e, especialmente no que tange ao governo federal e
estaduais, a qualidade dos estádios, dos aeroportos e a eficiência no âmbito da segurança
pública. Em suma, a revista do grupo Globo resume tudo, em seu lide, afirmando que “o
Brasil realizou o maior evento de seus 514 anos”. Tudo isso, em meio a uma derrota histórica
que enraiveceu o torcedor brasileiro101 e fez com que o país do futebol entrasse em uma crise
de grande descrença nesse esporte, o que ainda não se reverteu completamente até o
momento, mesmo com a vitória sobre a Alemanha nas Olimpíadas 2016. Novamente, é
preciso lembrar que o grupo Globo sempre é responsável pelas transmissões de jogos da Copa
do Mundo, entre outros campeonatos de futebol no país. Portanto, é muito importante para o
veículo formar a opinião nesse sentido. Não é atoa que a frase do atacante alemão Lukas
Podolski é citada no início da matéria: “O mundo do futebol deve muito ao Brasil, que será
sempre o país do futebol”. (FERRARI, 2014, p. 71).
Já no que diz respeito à presidente Dilma Rousseff, a revista não é tão complacente.
No box ao lado da reportagem analisada acima, intitulado “O maior show da Terra”, afirma-se
que “a abertura da Copa no Brasil, em 12 de junho, foi o evento de maior audiência na
história. Segundo dados preliminares da Fifa, 3,2 bilhões de espectadores [...]”. Algumas
linhas abaixo, o texto relembra que “com medo de receber vaias, a presidente Dilma Rousseff
e o presidente da Fifa, Joseph Blatter, abriram mão de discursar. Não adiantou. A imagem da
presidente no telão do estádio, despertou um coro de xingamentos” (FERRARI, 2014, p. 73) e
conclui condenando o comportamento da torcida: “o público presente ao estádio de São Paulo
deu um exemplo de falta de educação inédito na história das Copas” (FERRARI, 2014, p. 73).
Ao lado do texto, uma foto da então presidente com uma expressão nada agradável.
Para complementar a análise, na grande reportagem “Os erros” questiona-se “O que
aconteceu? Como foi possível? Quem é o culpado” (MATEUS, BOMBIG, 2014, p. 44) acerca
101 Vale ainda mencionar aqui dados acerca de como o brasileiro estava se sentindo naquele momento. De acordo
com o último relatório do Ibope Inteligência (2014), foi indagado em 14 de julho, um dia após o término da
Copa, sobre o desempenho da seleção brasileira: quase oito em cada dez brasileiros disseram que foi pior do
que o esperado. A recepção aos turistas evidenciada na reportagem com as falas dos ordinários foi considerada
ótima/boa por 72% dos entrevistados e regular por apenas 13%. Esses dados foram coletados de 04 a 14 de
julho.
168
da derrota contra a Alemanha por 7X1. Reportagens trazem vários aspectos voltados para o
âmbito do futebol. A última, no entanto: “Uma mistura de futebol e política” se remete a
então presidente. No subtítulo, o texto afirma categoricamente que “O desempenho do Brasil
na Copa não costuma influenciar as eleições presidenciais. Mas a ingerência dos políticos
influencia o futebol – quase sempre de forma negativa” (UMA MISTURA..., 2014, p. 62/63).
No corpo do texto, sem assinatura, evidencia-se o vínculo entre a estadista e a seleção:
numa época em que os eleitores sabem cada vez mais distinguir política e futebol,
Dilma não precisava ter associado sua imagem à da Seleção Brasileira. Foi ela que,
depois da conquista da Copa das Confederações no ano passado, afirmou que seu
governo era “padrão Felipão”. Foi ela que, dias antes da Copa, convocou uma rede
nacional de televisão para mandar uma mensagem para o time. No Twitter, Dilma
repetiu a frase de Nélson Rodrigues, ao dizer que a seleção é a “pátria de chuteiras”.
(UMA MISTURA..., 2014, p. 62).
Embora de forma bem mais amena do que Veja fez, como visto na análise das
sondagens, a imagem trazida pela reportagem também reforça essa ligação: a foto da então
presidente reproduzindo, pelo Twitter, um “É tóis” (gesto feito frequentemente por Neymar)
em homenagem ao atacante. Já a legenda explicava a verdade: “A presidente Dilma Rousseff
faz o gesto ‘É tóis’ para Neymar”. (UMA MISTURA..., 2014, p. 63), mas a reportagem e o
contexto no qual a foto foi publicada sugerem outra interpretação. Vale mencionar, no
entanto, que a própria revista havia afirmado, na edição do dia 23 de junho (como já foi
analisado), que até então a estadista estava mantendo uma distância prudente em relação à
Copa, evitando, por exemplo, visitar a seleção na concentração antes da estreia.
Figura 38 - Dilma Rousseff fazendo o gesto “É tóis”
Fonte: reprodução Época (2014, p. 62-63)
169
No que diz respeito à última capa relacionada ao Mundial, pode-se dizer que o
semanário tentou, naquele momento, formar um clima de opinião favorável à seleção entre os
brasileiros:
Figura 39 - Capa Época edição 841
Fonte: Época (2014)
Afinal, não se nega a realidade da derrota esmagadora – no alto da capa, “O vexame
do Mineirão”, mas em destaque a representação de um ordinário, ou seja, a figura de um
torcedor de luto, chorando com as cores da bandeira do Brasil pintadas no rosto, cria um
clima de comoção em relação à seleção e, consequentemente, tenta manter a forte relação
entre o time e a torcida, então abalada. Não se pode dizer, em momento algum, que diante do
seu grande esforço e dos incidentes que ocorreram no decorrer da Copa, o time brasileiro não
fosse digno disso. No entanto, acredita-se que a revista se utilize desse artifício especialmente
em razão do aspecto financeiro, como já foi esmiuçado anteriormente.
171
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A primeira colocação a ser feita neste momento é que, para se chegar ao fim, é preciso
voltar ao início. Afinal, quando todo este estudo começou, não havia nada além de uma
grande inquietude diante do excesso de discussões e previsões acerca de uma Copa do Mundo
que seria sediada no “país do futebol”, além do fato de que a mídia parecia não falar a mesma
língua. Foi então que o “ruído interno” acabou se transformando nesta dissertação.
Considerado um dos eventos mais populares do planeta, era de se esperar que os mais
variados atores da sociedade tivessem algum tipo de interesse em sua realização, ainda mais
atentando para o fato de que 2014 era um ano eleitoral. Entre esses, dois grandes
conglomerados de comunicação do país: a Abril e a Globo. Em vista disso, por meio dos
semanários Veja e Época, observou-se que esses grupos não apenas expressaram, mas
também tentaram formar a opinião pública de acordo com suas próprias convicções,
oferecendo ao leitor uma visão quase unilateral acerca dos fatos.
A partir dessas informações, passamos a tecer considerações acerca dos achados do
trabalho. A primeira delas é que os dois veículos, de fato, agiram como atores políticos. Prova
disso é que, como em uma grande partida, Veja “jogou no ataque”. O semanário deu início a
sua cobertura sobre o assunto criando um clima de pânico e terror no qual a capacidade de o
país sediar um grande evento foi questionada nos mais diversos aspectos estruturais, em
especial no que diz respeito à recepção e segurança de turistas de todo o mundo. Na edição
exatamente anterior à abertura do Mundial, quando o clima de opinião entre os brasileiros já
estava se amenizando em relação à Copa, a revista também amenizou seu discurso, mas nem
de longe se absteve de tentar formar um clima de opinião negativo, deixando questões
relativas aos jogos e à seleção brasileira na maioria das vezes em segundo plano. Em meio a
tudo isso, melhorias no âmbito da infraestrutura sequer foram mencionadas. Assim, a então
presidente-candidata Dilma Rousseff, em duas significativas edições, tornou-se alvo de suas
capas. Uma delas quando foi vaiada na abertura do evento e a outra quando o Brasil perdeu
para a Alemanha por 7 a 1.
A revista da Globo, por sua vez, adotou uma postura diferente. Desde a primeira
edição, a apologia à seleção e a forte relação do torcedor brasileiro com o futebol tornam-se
fatores primordiais na construção de um clima de opinião bastante favorável ao evento.
Afinal, milhões de brasileiros assistiriam aos jogos pela TV. No entanto, isso não significa
que, em algum momento, esse mesmo bom humor tenho sido direcionado ao principal
organizador do evento: o governo federal. Com isso, problemas relacionados a estádios,
172
segurança pública e mobilidade urbana nas cidades-sede, entre outros, foram evidenciados
pelo semanário enquanto seus benefícios mal foram expostos. Nesse sentido, uma capa que
parece sintetizar o posicionamento da cobertura de Época é a que traz um rosto dividido –
representando a sociedade brasileira – ao meio, de um lado o desenho da bandeira do Brasil e
do outro, uma máscara bastante utilizada em sinal de protesto durante as manifestações de
rua, em 2013.
Dessa forma, observa-se que o enquadramento das capas e dos textos foi um forte
recurso utilizado pelas revistas no sentido de atuar politicamente, isso sem falar nas várias
fotografias que serviram de apoio. Outra estratégia a ser apontada é o entrelaçamento da
cobertura do Mundial com questões eleitorais pertinentes aquele ano, entre elas as convenções
partidárias. Embora os dois veículos afirmassem que “o brasileiro aprendeu a separar futebol
e política” e que “futebol não combina com política”, ambos promoveram o entrelaçamento
desses dois assuntos, muitas vezes em uma mesma reportagem. Certamente, não havia
necessidade de ser assim.
Para além desses dois expedientes, um terceiro foi acionado: divulgação de vozes
públicas por meio das sondagens e da publicação de falas – ficcionalizadas ou não – dos
ordinários. No que diz respeito às pesquisas, ficou claro que tanto a publicação de sondagens
adquiridas pelos próprios veículos selecionados quanto a publicação de dados encomendados
pelo governo ocorreu especialmente no decorrer da Copa, uma demonstração de que havia
preocupações políticas de Época e Veja acerca de possíveis influências que isso poderia
acarretar nas eleições de 2014. Não é para menos que o semanário da Abril chega a afirmar
que “[...] organizar uma Copa é uma experiência que pode ter algum reflexo político na
medida em que expõe a competência, ou não, do governo para exibir o país ao mundo”.
(ZALIS; MEGALE, 2014, p. 120). Outro aspecto a se atentar foram as recorrentes
interpretações dos dados: sempre de acordo com que os veículos consideravam conveniente e
não de forma imparcial.
Em relação ao uso dos ordinários, vale mencionar a presença de duas estratégias. A
primeira: o uso político de suas falas. Em Veja, eles são trazidos, entre outras situações, para
apontar vários problemas como a burocracia no Brasil (edição de 28 de maio) e acabam por
corroborar com um discurso que fortalece o sentimento de descrédito em relação ao país,
justamente às vésperas de um evento internacional. Já em Época, eles aparecem, por exemplo,
quando o Brasil vivia um momento de grande euforia em razão do Mundial, a partir da edição
de 23 de junho, e citam problemas estruturais que até então simplesmente não haviam sido
evidenciados pelo semanário. E na falta de fontes que afirmassem o que esses veículos
173
pretendiam reportar, entram em cena os chamados personagens compostos, que conforme
Martinez, Correio e Passos (2015), na verdade são perfis construídos a partir de situações
comuns vividas por vários indivíduos.
Um último procedimento significativo que corrobora a ideia da atuação de Época e
Veja como atores políticos diz respeito ao silenciamento dos ordinários. Em alguns momentos
como na reportagem “Este é o país da Copa” (Veja), envolvendo os protestos do dia 15 de
maio e a questão da segurança pública, manifestantes são apresentados, mas não chegam a ter
direito à fala. Em outros, como na matéria sobre o Itaquerão (“A abertura num estádio
problema” – da revista concorrente), moradores da região do estádio tiveram que deixar suas
casas repentinamente por conta de ações dos governos estadual e municipal e sequer são
apresentados.
Outro ponto que é interessante ressaltar diz respeito aos autores discutidos. Chega a
impressionar a pertinência de suas reflexões – apenas para citar alguns: Noelle-Neumann
(1995), Guimarães e Amorim (2013), Silverstone (2002), Emediato (2013) e Couldry (2002)
com relação à cobertura jornalística de Época e Veja relatada no trabalho. Acerca desse
último autor, vale destacar uma outra percepção em relação aos ordinários. Por meio das
análises, fica claro que eles não necessariamente adentram às coberturas apenas quando
realizam algo de extraordinário (por exemplo, quando cometem um crime hediondo ou
vencem disputas musicais televisionadas). Esses personagens também são trazidos pelas
revistas, às vésperas e durante a Copa do Mundo, simplesmente pelo fato de serem fortes
representações da opinião pública e, nesse caso, suas palavras acabam por se tornar valiosas
estratégias retóricas, sem necessariamente haver algo de especial em suas ações.
Ainda no âmbito da utilização dos ordinários, é oportuno retomar a ideia de
representação da representação postulada por Costa (2009). Com o apoio das análises, foi
possível observar como os jornalistas enquadram e hierarquizam as diversas fontes
consultadas.
É também pertinente comentar, considerando as três formas de expressão da opinião
pública (voto, manifestações e sondagens) apontadas por Champagne (1996), que além do uso
político dessas últimas, mais de uma vez a revista Época recuperou e legitimou a “voz das
ruas” relacionada às manifestações de 2013. Portanto, fica claro que dois modos de expressão
da opinião pública foram expostos para influenciar, de alguma forma, em um terceiro: a
votação em outubro de 2014.
Outro ponto significativo do trabalho diz respeito à utilização dos relatórios
encomendados pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República - Secom,
174
acerca do clima de opinião no país. É certo que não há nenhuma novidade na utilização de
sondagens pelos políticos: “antes que as sondagens tivessem mostrado interesse por eles, os
políticos – pelo menos, de forma marginal – interessavam-se pelas sondagens, enquanto
técnica que permitia prever, eventualmente, os movimentos de opinião” (CHAMPAGNE,
1996, p. 127), mas o que há de inovador foi justamente a transparência, a disponibilização
desses relatórios pelo governo e, consequentemente, a possibilidade de o uso desses dados
tanto por parte das revistas quanto como metodologia de análise, tal como foi feito na
produção desta pesquisa. Vale lembrar que tais dados chegaram a ser utilizados por mais de
uma vez pela Veja, inclusive em reportagem de capa.
Por fim, ao buscar-se explicitar como o jogo político se reorganiza e se estrutura em
torno da “opinião pública”, observou-se que Época e Veja, dois grandes veículos de
repercussão nacional e pertencentes a dois expressivos conglomerados de comunicação, já
dão evidências, em 2014, de seus posicionamentos políticos que se tornaram ainda mais
nítidos em 2015, preparando o caminho para o que diversos acadêmicos e setores de esquerda
da sociedade brasileira denominaram golpe midiático. Acredita-se, então, que possa ser essa
uma das contribuições do estudo realizado: “jogar luz” e trazer subsídios para a apreensão das
estratégias discursivas de duas revistas que representam esses conglomerados e buscaram
formar a opinião diante de um megaevento realizado em um ano eleitoral.
175
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ANEXO A - Resultados de sondagens publicados por Época
Fonte: Época (2014, p. 54-55)