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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares VEJA E ÉPOCA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: um estudo da cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral Belo Horizonte 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares

VEJA E ÉPOCA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E

FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: um estudo da

cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral

Belo Horizonte

2016

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Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares

VEJA E ÉPOCA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E

FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: um estudo da

cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Comunicação Social.

Área de concentração: Interações Midiáticas

Linha de pesquisa: Linguagem e Mediação

Sociotécnica

Orientadora: Professora Doutora Teresinha Maria

de Carvalho Cruz Pires

Belo Horizonte

2016

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FICHA CATALOGRÁFICA

Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

Tavares, Juliano Vasconcelos Magalhães

T231v Veja e Época e seus modos de expressão e formação da opinião pública: um

estudo da cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral / Juliano

Vasconcelos Magalhães Tavares. Belo Horizonte, 2016.

187 f. : il.

Orientadora: Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires

Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social.

1. Opinião pública. 2. Veja (Revista). 3. Época (Revista). 4. Copa do mundo

(Futebol). 5. Jornalismo esportivo. 6. Jornalismo - Aspectos políticos. I. Pires,

Teresinha Maria de Carvalho Cruz. II. Pontifícia Universidade Católica de Minas

Gerais. Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social. III. Título.

CDU: 301.153.4

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Juliano Vasconcelos Magalhães Tavares

VEJA E ÉPOCA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E

FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA: um estudo da

cobertura da Copa do Mundo em um ano eleitoral

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

Graduação em Comunicação Social da Pontifícia

Universidade Católica de Minas Gerais, como

requisito parcial para obtenção do título de Mestre

em Comunicação Social.

Área de concentração: Interações Midiáticas.

______________________________________________________________________

Profa. Dra. Teresinha Maria de Carvalho Cruz Pires - PUC Minas (Orientadora)

______________________________________________________________________

Profa. Dra. Rosana de Lima Soares - USP (Banca Examinadora)

______________________________________________________________________

Prof. Dr. Marcio de Vasconcellos Serelle - PUC Minas (Banca Examinadora)

Belo Horizonte, 13 de dezembro de 2016

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Aos meus pais, Toninho e Genoveva, pelo amor

incondicional, pelo apoio nos mais diversos momentos da minha

vida e pelos momentos em que tive que me ausentar.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, por tudo, especialmente por ter me dotado de forças não só para encarar

tamanho desafio, mas também para conseguir conciliar mestrado com o trabalho. Obrigado,

pai!

Ao Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), instituição na qual atuo, pelo

financiamento de cerca de 70% do curso.

Aos colegas da Comunicação: André, Ângela, Thomás e Virgínia (pelas conversas

descontraídas que tanto me fizeram bem), Denise (pelo modelo de power point que tanto usei

e pelas conversas de encorajamento no início do curso), Michel (pelas imagens recortadas e

descoberta de um dos textos que precisei na internet), Renan (por ter me liberado do trabalho

quando precisei) e aos estagiários Bruno (pelas diagramação de tabelas) e Mariana (pelas

imagens recortadas).

Aos bibliotecários das unidades Buritis, JK e 800 da Newton Paiva, em especial

Adelaide dos Reis, Andréia Freitas, Kênia Amaral e Maurílio Ponzo, que se esforçaram pra

encontrar as revistas que eu precisava, depois de eu ter virado BH de cabeça pra baixo atrás

das “danadas”.

Aos amigos, Fábio (por me ajudar a não sentir tanto frio na barriga com o mestrado,

afinal “é assim amigo!”), Helder (pelas palavras motivadoras e pelos ajustes em várias

imagens), Tatá (por ter me ajudado com a tradução de um texto em francês – aaaaaaahhh!) e

à minha professora de inglês, Elaine (que além do incentivo, sempre ajustou as aulas em

todas as vezes que precisei de apoio com textos).

À minha psicóloga, Beth, que acreditou em mim quando nem eu mesmo acreditava.

Aos amigos Alan, Altamir, Chris, Deise, Ethany, Keller, Luciano, Jaqueline, Jhonatan,

Luciley, Marcos, Márcia, Matheus,Rafael, Rafaela, Roberto, Rodrigo, pelos muitos momentos

roubados, mas especialmente pelas boas risadas (é cada figura…rsrs).

Aos amigos de Muzambinho, pelas conversas cheias de graça no “fubá da Zô”.

À minha irmã Tânia, ao meu cunhado Rodrigo e minha sobrinha Ana Laura, pelos

momentos família de descontração em Muzambinho. E quem diria, até o “Bozo” me fez rir…

Aos meus padrinhos, Adilson e Claudiney (por essa você não esperava, heim

Neves!), por me instigarem a fazer mestrado, pelo apoio de sempre e pelos momentos de

descontração.

A Samuel, pela convivência durante cerca de quatro meses em 2016. Em BH ou

Monte Verde, foi muito bom estar com “UelUel”!

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Às secretárias do Mestrado, Camila (valeu pelas palavras motivadoras) e Isana, com

quem dei altas risadas (“como você está linda hoje, Isana!”).

Ao grupo “Mídia e Narrativa”, por contribuir para que eu me sinta mais à vontade no

mundo da pesquisa em Comunicação.

A todos os colegas do mestrado, em especial Bruna e Fernanda, com quem dividi altos

momentos de frio na barriga e várias cervejas, porque ninguém é de ferro! (mão na boca)

Aos profs. Dedé e Mozahir, com que cursei disciplinas.Obrigado por terem

contribuído para ampliar meus conhecimentos.

Ao prof. Ricardo, da UFMG, pelas ricas contribuições dadas na banca de

qualificação.

À profa. Rosana, da USP, por ter aceito participar da banca examinadora final.

Ao professor Júlio, por ter virado minha mente de cabeça pra baixo quando cheguei

no mestrado (como isso foi bom!) e pelas aulas bem-humoradas que me ajudaram a perder o

medo do curso (Meu Deus, como eu tive medo no início!).

Ao prof. Serelle, que por vezes prefiro chamar de “professor” em inglês (quase “virei

os ohos” de tanto ler textos em inglês pra sua disciplina, e não é que tô pegando o jeito).

Você não tem ideia de como suas palavras sempre me motivaram.

À profa. Teresinha, a quem arteiramente apelidei de “diva”. Obrigado por me

submeter à experiência mais intensa que vivi em minha vida, no âmbito educacional. Nem de

longe passava pela minha cabeça que eu teria capacidade para tanto em tão pouco tempo

(tudo bem que quase perdi o rumo por várias vezes, mas valeu). Se eu já gostava de

Comunicação, agora eu gosto muito mais!

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Nossa história era sobre como Bush desempenhou suas obrigações. Ninguém quer

falar a respeito disso, falam apenas sobre fontes e falsificação e sobre teorias de

conspiração, porque é isso que as pessoas fazem hoje em dia quando não gostam de

uma história, elas apontam e gritam, questionam sua política, objetividade e sua

humanidade fundamental e pedem a Deus que a verdade se perca. Aí, quando tudo

acaba, eles já chutaram, eles já gritaram tanto que a gente nem consegue se

lembrar qual era a questão. (jornalista americana Mary Papes no filme

“Conspiração e Poder”, 2015)

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RESUMO

Esta pesquisa identifica e analisa as estratégias discursivas utilizadas no âmbito do jornalismo

impresso, no sentido de expressar e também formar a opinião pública em um contexto de

Copa do Mundo e eleições presidenciais. Para tanto, realizou-se uma investigação da

cobertura feita pelas revistas Época e Veja entre os meses de maio e julho de 2014,

considerando as sondagens divulgadas e as falas publicizadas – ou silenciadas – de ordinários.

Essas narrativas midiáticas, ao apresentarem a pretensão de dar visibilidade ao clima de

opinião da sociedade brasileira naquele momento com apoio desses dois recursos, instigam o

desvelamento de suas formas de mediação. Em vista disso, inicialmente foram apresentados e

discutidos os conceitos de público, opinião pública e clima de opinião, além do papel da mídia

na propagação das várias vozes e representações do mundo, sem deixar de mencionar o poder

que isso lhe confere. Com base nas análises, pôde-se perceber a atuação política desses

veículos em relação ao desempenho do governo federal e da então presidente e candidata

Dilma Rousseff (PT) mediante as seguintes estratégias: enquadramento dos textos e das

capas; entrelaçamento entre futebol e política; uso político das sondagens e das falas dos

ordinários, bem como o seu silenciamento em alguns momentos.

Palavras-chave: Opinião pública. Copa do Mundo. Veja. Época. Eleições 2014.

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ABSTRACT

This paper identifies and analyses discursives strategies used on printed journalism field, on

the way to express and also form a public opinion in a World Cup and presidential elections

context. Therefore, it was made an investigation on the coverage done by the magazines

Época e Veja between the months of May an July in 2014, whereas released polls and the

ordinary’s advertised speech – or silenced. This media narratives, when presenting the

pretension to give visibility to the climate of the Brazilian society’s opinion on that moment

with the support of these two recurses, instigates the unveiling of its mediation forms.

Considering this, it was initially presented and discussed the concepts of public, public

opinion, opinion climate, besides media’s role in the propagation of several voices and world

representations, not to mention the power this gives it. Based on the analysis, it could be

noticed the political action of these means in relation to the federal government and the

former president and candidate Dilma Rousseff’s (PT) performance through the following

strategies: texts and covers’ framing, interlacing between football and politics; the political

use of the polls and the ordinary people’s speech, as well as their silencing in some moments.

Keywords: Public Opinion. World Cup. Época.Veja. 2014 Elections.

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LISTA DE FIGURAS

FIGURA 1 - Capa Veja edição 2378 ................................................................................ 74

FIGURA 2 - Torcida entoando hino na Copa das Confederações .................................... 93

FIGURA 3 - Capa Época edição 836 ................................................................................ 94

FIGURA 4 - Capa Época edição 837 ................................................................................ 96

FIGURA 5 - Capas Época edições 836/837 ...................................................................... 97

FIGURA 6 - Desabamento de ruas em Natal (RN) ......................................................... 103

FIGURA 7 - Dilma Rousseff com Joseph Blatter ........................................................... 104

FIGURA 8 - Aécio Neves durante jogo da seleção ........................................................ 105

FIGURA 9 - Eduardo Campos durante jogo da seleção ................................................. 105

FIGURA 10 - Capa Época edição 840 ............................................................................ 108

FIGURA 11 - Capa Veja edição 2381 ............................................................................ 109

FIGURA 12 - Twitter oficial de Dilma Rousseff ............................................................ 111

FIGURA 13 - Capa Veja edição 2382 ............................................................................ 113

FIGURA 14 - Cenas de violência no Rio de Janeiro ...................................................... 116

FIGURA 15 - Infográfico das manifestações contra a Copa .......................................... 118

FIGURA 16 - Manifestantes encapuzados ...................................................................... 120

FIGURA 17 - Cenas de traficantes armados e revista alemã (no detalhe) ...................... 123

FIGURA 18 - Capas Época e Veja edições 833 e 2374 .................................................. 124

FIGURA 19 - Capa Época edição 834 ............................................................................ 124

FIGURA 20 - Capa Veja edição 2375 ............................................................................ 129

FIGURA 21 - Ilustração de o “Estado da desordem” ..................................................... 130

FIGURA 22 - “O desesperado”, do pintor Gustave Courbet .......................................... 130

FIGURA 23 - Obras em avenida de Cuiabá .................................................................... 133

FIGURA 24 - Representação de ordinário I.................................................................... 135

FIGURA 25 - Representação de ordinário II .................................................................. 136

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FIGURA 26 - Representações de ordinários ................................................................... 137

FIGURA 27 - Capa Época edição 835 ............................................................................ 138

FIGURA 28 - Ordinários em destaque ............................................................................ 143

FIGURA 29 - Dilma Rousseff em visita ao Itaquerão .................................................... 146

FIGURA 30 - Capa Veja edição 2377 ............................................................................ 147

FIGURA 31 - Sindicalistas em confronto com a PM ..................................................... 149

FIGURA 32 - Coordenadora do MTST .......................................................................... 149

FIGURA 33 - Capa Veja edição 2378 ............................................................................ 152

FIGURA 34 - Torcedores brasileiros .............................................................................. 155

FIGURA 35 - Capa Época edição 838 ............................................................................ 156

FIGURA 36 - Capa Veja edição 2379 ............................................................................ 157

FIGURA 37 - Capas Época e Veja edições 839 e 2380 .................................................. 165

FIGURA 38 - Dilma Rousseff fazendo o gesto “É tóis .................................................. 168

FIGURA 39 - Capa Época edição 841 ............................................................................ 169

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LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 - Matriz de classificação das fontes .......................................................................... 53

QUADRO 2 - Cinturão de problemas ......................................................................................... 117

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 25

2 MÍDIA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

.................................................................................................................................................. 29 2.1 Mídia, voz pública e democracia ........................................................................................ 29

2.2 Sondagens e seus usos pela mídia ...................................................................................... 42

2.3 Quando a fala do outro é uma peça-chave .......................................................................... 51

3 O CONTEXTO COPA E AS REVISTAS EM QUESTÃO ............................................. 61 3.1 Mundial 2014: vários “times” em um jogo ........................................................................ 61

3.2 Veja e Época: enxergando os semanários pela lupa ........................................................... 74

4 COMO VOZES PÚBLICAS DA COPA FORAM APRESENTADAS POR ÉPOCA E

VEJA ........................................................................................................................................ 87 4.1 Considerações Metodológicas ............................................................................................ 87

4.2 As sondagens entram no jogo ............................................................................................. 91

4.3 A “voz” e o silêncio dos ordinários .................................................................................. 115

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................ 171

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 175

ANEXO A - Resultados de sondagens publicados por Época ....................................... 187

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1 INTRODUÇÃO

A mídia ocupa um papel central nas democracias no sentido de viabilizar o direito à

liberdade de opinião pública, afinal, segundo Manin (1995), isso requer dois elementos:

acesso à informação e liberdade para expressar opiniões políticas. Em um ano particularmente

significativo como o de 2014 – com Copa e eleições presidenciais – examinar criticamente se

ela realiza, e como, esse papel, nos parece uma tarefa relevante e necessária.

A partir disso, esta pesquisa identifica e analisa as estratégias discursivas utilizadas no

âmbito do jornalismo impresso, no sentido de expressar e também formar a opinião pública

naquele contexto. Nesse sentido, debruçou-se sobre duas estratégias acionadas pelas revistas

Época e Veja: uma delas a divulgação de pesquisas de opinião e a outra, a apresentação e fala

dos ordinários: ambos recursos utilizados nas reportagens das revistas. Segundo Couldry

(2002), o ordinário está presente na mídia às vezes, mais especificamente quando algo o leva

a posição de sujeito, por exemplo, quando realiza algo de extraordinário. No caso em exame,

embora não necessariamente isso tenha ocorrido, vozes de ordinários ganharam visibilidade

em ambas revistas tanto às vésperas como durante o Mundial. O modo como essas vozes

foram trazidas, seja na qualidade de “povo fala”, seja como personagens ficcionalizados, bem

como o intuito com que foram acionadas constitui objeto de estudo desta pesquisa.

Com isso, acredita-se que a escolha desse contexto possibilite uma rica reflexão acerca

do entrelaçamento entre mídia, futebol e política na atualidade, bem como sobre as

possibilidades de expressão dos interesses públicos, uma vez que em 2014 presenciam-se os

três modos de expressão da opinião pública apontados por Champagne (1996): voto,

manifestações de rua e sondagens.

Considerando que o governo federal foi um dos principais responsáveis pela condução

da Copa – e Dilma Rousseff uma presidente-candidata, era de se esperar que as discussões

midiáticas acerca do evento não se ativessem ao futebol e atingissem também o âmbito

político. Nesse sentido, vale citar Silva (2014), para quem o futebol já mostrou ter o dom de

converter a seleção brasileira na própria “Pátria de Chuteiras” – para lembrar Nelson

Rodrigues – portanto, é importante “reconhecer no campeonato mundial de futebol um

claro efeito político, que pode influenciar as eleições em favor do governo, caso ele (o

governo) consiga fazer com que sua imagem administrativa seja associada à dessa seleção

triunfante”. (SILVA, 2014, p. 49). Como se verá no decorrer do trabalho, travou-se um

embate discursivo por parte de Época e Veja com o governo federal em torno da equação:

Copa = Política.

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Entretanto, Silva (2014), com base em uma análise realizada a partir de 1994 (ano em

que a eleição presidencial e a Copa começam a coincidir, na história política recente), salienta

que não há uma relação direta entre os desempenhos da seleção e o do governo:

considerados os anos de 1994, 1998, 2002, 2006 e 2010, o sucesso ou fracasso

em campo não pode ser apontado como a única causa para a vitória ou a

derrota do governo nas urnas. Vemos, então, que os dois últimos títulos da seleção

aconteceram, indistintamente, em anos em que o governo ganhou e que o governo

perdeu a eleição; em três outras copas nas quais a seleção não logrou a conquista

do campeonato, o governo ainda assim conseguiu eleger o seu candidato. (SILVA,

2014, p. 51).

Tendo em vista o exposto, as seguintes questões norteiam a pesquisa: quais foram os

modos de expressão e formação da opinião pública acionados pelas revistas Veja e Época em

suas coberturas realizadas sobre a Copa do Mundo, considerando o clima de opinião da

população brasileira acerca da então presidente Dilma Rousseff e da atuação do seu governo?

Como a publicação de sondagens e a presença de ordinários fez parte dessa estratégia? Em

que momento e como as sondagens são acionadas por Época e Veja? E quanto à visibilidade

dada às fontes ordinárias?

Para respondê-las, elaborou-se a seguinte estratégia metodológica. O corpus é formado

por dez edições de Época e outras dez de Veja, de 12 de maio a 16 de julho, período no qual

foram analisadas capas e reportagens relativas ao megaevento. Para a realização deste estudo,

foi feita uma pesquisa bibliográfica além de uma observação sistemática sobre o tema “Copa

do Mundo” nas revistas que resultou na elaboração de um quadro de informações gerais sobre

o conteúdo. Também foi feito um mapeamento das sondagens e das falas de ordinários

divulgadas nesses veículos, nas editorias relacionadas ao assunto.

A partir de então, realizou-se uma análise do enquadramento dado pelas revistas ao

assunto, observando em que medida e como as questões políticas foram entrelaçadas na

cobertura do megaevento. O método comparativo foi adotado para aferir o clima de opinião

construído pelas duas revistas e, para dar suporte à análise, foram utilizadas sondagens

realizadas no período pré e durante a Copa do Mundo pelo Instituto Análise e Ibope

Inteligência. Feitas sob encomenda da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da

República, essas pesquisas mostram dados acerca do clima de opinião que permeava o país

naquele momento.

A dissertação está organizada em três capítulos, além desta introdução e da conclusão.

No 2º capítulo, procurou-se aprofundar o estudo acerca do entrelaçamento entre mídia, voz

pública e democracia. Em vista disso, foi necessário discutir os conceitos de opinião pública e

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clima de opinião, bem como o papel central da mídia na difusão das várias vozes e

representações do mundo, especialmente em repúblicas democráticas como o Brasil. Nesse

sentido, a pesquisa preocupou-se em investigar recursos utilizados pelos meios de

comunicação para expressar-se em nome do público, assim, um dos tópicos terá como tema as

sondagens, explicitando em que momentos e como esses instrumentos foram utilizados

estrategicamente. Outro tópico deste capítulo trata das fontes, ou melhor dizendo, do uso da

fala ou mesmo do silenciamento dos ordinários.

Já no 3º capítulo, o desafio foi fazer uma reconstrução do cenário político

socioeconômico que envolveu a Copa do Mundo, atentando para vários atores que tiveram

relação com o evento, entre eles o governo federal, a mídia, a sociedade e a Fifa. Com isso,

fez-se necessário atentar para as manifestações de 2013, momento em que o grito “Não vai ter

Copa” passa a ganhar força e repercussão na mídia. Para tanto, foi preciso fazer uma pesquisa

não somente em trabalhos acadêmicos, mas também em sites oficiais e de veículos de

comunicação, além das próprias Veja e Época que compõem o corpus. Por sua vez, outro

tópico dentro do mesmo capítulo, tem a pretensão de caracterizar e aprofundar o

entendimento acerca não só desses semanários, mas também em relação aos grupos aos quais

pertencem: Abril e Globo. No que tange ao 4º capítulo, inicialmente são apresentadas as

considerações metodológicas e, no tópico subsequente, são trazidas as análises das revistas

Veja e Época considerando os procedimentos estabelecidos.

Por fim, é oportuno mencionar ainda que Guimarães e Amorim (2013) ressaltam a

importância de se desenvolver estudos na interface dos campos da Comunicação e das

Ciências Políticas:

se a comunicação política tem sido um “ponto cego”, ou melhor dizendo, um déficit

teórico estrutural nas teorias democráticas contemporâneas, as teorias da

comunicação carecem de uma exposição radical às teorias democráticas da fundação

do Estado e das formas do seu governo. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 137).

Posto isso, acredita-se que foi possível desenvolver, ao final do processo, uma reflexão

significativa acerca dos modos de expressão e formação da opinião pública acionados pelo

jornalismo na atualidade.

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2 MÍDIA E SEUS MODOS DE EXPRESSÃO E FORMAÇÃO DA OPINIÃO PÚBLICA

Ao se propor uma análise acerca dos modos de expressão e formação1 da opinião

pública acionados por semanários na Copa do Mundo, procurou-se, antes de qualquer coisa,

aprofundar o estudo acerca do entrelaçamento entre mídia, voz pública e democracia. Em

vista disso, este capítulo discutirá os conceitos de opinião pública e clima de opinião, bem

como o papel da mídia na disseminação das várias vozes e representações do mundo. Dessa

forma, um dos tópicos terá como tema as sondagens, explicitando, por exemplo, como esses

instrumentos são utilizados. Um outro tópico trata das fontes, ou melhor dizendo, do

ordinário.

2.1 Mídia, voz pública e democracia

Em regimes democráticos, a mídia exerce o papel crucial de dar visibilidade à opinião

pública. De acordo com Guimarães e Amorim (2013, p. 135): “sem direito à voz pública –

isto é, sem o direito democrático de falar e ser ouvido –, o cidadão não se constitui, ainda que

possa votar [...] na democracia do século XXI é preciso inserir no centro da discussão a luta

pelo direito à voz e por uma opinião pública democrática”. É nesse sentido que converge este

trabalho. Com isso, faz-se necessário discutir o conceito de opinião pública.

Em um texto bastante claro, Blumer (1987) não só conceitua os termos “massa” e

“público”, mas também aponta características e aspectos a eles relacionados. A massa seria

“representada por pessoas que participam de um comportamento de massa, como por

exemplo, aqueles que se agitam com um acontecimento nacional, os que tomam parte no surto

de uma nação” (BLUMER, 1987, p. 177). Entre suas características está o fato de seus

participantes poderem advir de qualquer profissão, posição social ou até mesmo vínculo

cultural. Para além disso, são figuras anônimas que possuem nenhuma ou pequena interação

entre si, por isso mesmo são uma organização frágil e de pouco poder de ação. Com isso,

conclui o autor, a massa não pode ser vista como uma sociedade ou comunidade. Tal

comportamento, no entanto, ganhou significativa importância nos tempos modernos, afinal,

1 A origem do verbo “expressar” vem de “‘fazer sair apertando, tirar de, extrair’. Metaforicamente se aplica a

fazer sair uma manifestação do pensamento, da mente de uma pessoa”. (Fonte:

http://origemdapalavra.com.br/site/palavras/expressar/). Já quando se faz uma busca da origem do verbo

“formar” na internet, o resultado traz a palavra “informação”: “do latim, de informare, ‘modelar, dar forma’,

de in mais formare, ‘formar’. Daí surgiu a conotação de ‘formar uma ideia de algo’, que passou depois a

‘descrever’ e mais tarde se generalizou em ‘contar algo a alguém sobre alguma coisa’. (Fonte:

http://www.dicionarioetimologico.com.br/informacao/)

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como o distanciamento entre esses indivíduos tem aumentado e pouco se comunicam uns com

os outros, agem de forma isolada abrindo espaço para que meios de comunicação, entre

outros, ajam no sentido de impeli-los em direção a algo mais amplo. (BLUMER, 1987).

Ainda segundo Blumer (1987, p. 181) “o termo público é usado para designar um

grupo de pessoas: a) que estão envolvidas em uma dada questão, b) que se encontram

divididas em suas posições diante dessa questão, e c) que discutem a respeito do problema”.

Portanto, é um grupo que surge para reagir ou mesmo enfrentar determinado tipo de situação

e toma decisões coletivas que são originadas por meio de discussões, o que não significa que

esse agrupamento chegue a ter forma de uma sociedade. A partir dessas colocações, de acordo

com o autor, a opinião pública pode ser considerada:

uma opinião combinada, formada por diversas opiniões sustentadas pelo público; ou

melhor, como a tendência central fixada através da competição entre opiniões

antagônicas e, em consequência, ela é configurada pela força relativa e pela ação da

oposição entre as demais opiniões. (BLUMER, 1987, p. 184).

Nesse sentido, Thiollent (1986) afirma que essa noção é utilizada:

[...] para designar o que a maioria da população de um país julga, gosta, prefere em

matéria de política, de economia ou de outros assuntos de importância nacional ou

internacional [...] a opinião pública não é a simples adição das opiniões individuais,

pois sua formação e sua significação dependem do contexto nacional, do governo,

dos partidos políticos, das grandes empresas, dos meios de comunicação de massa,

etc. (THIOLLENT, 1986, p. 16).

Por sua vez, Katz (1987) relaciona os conceitos de atitude e opinião pública. O

primeiro estaria ligado aos sentimentos e crenças por meio dos quais uma pessoa avalia algo

como positivo ou negativo. Por isso mesmo, a formação de atitudes é significativa para o

processo de opinião pública, que seria, segundo o autor, “uma descrição no nível coletivo, e se

refere à mobilização e canalização de respostas individuais no sentido de afetarem a tomada

de decisão em termos grupais ou nacionais”. (KATZ, 1987, p. 372).

Já Fishkin (1995), ao discutir o assunto, prefere explicar algo inusitado: o que chama

de uma profecia feita pelo historiador e político britânico James Bryce, em 1888. Segundo o

autor, Bryce dividiu o desenvolvimento das democracias em quatro estágios. O primeiro deles

foram as “assembleias primárias” ou democracias diretas, como na antiga Grécia ou mesmo

aquelas que sobrevivem em cantões suíços. “Porque ‘todas as pessoas’ se reuniam juntas, ‘tal

sistema de governo popular direto é possível somente em pequenas comunidades’”.

(FISHKIN, 1995, p. 71, tradução nossa)2. A segunda forma é dominada pelos orgãos

2 Because the “whole people” had to meet together, “such a system of direct popular government is possible only

in small communities”.

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representativos, Parlamentos e Câmaras. “Nesse sistema, representantes eleitos tem ‘uma

razoável liberdade, partindo deles o poder por um considerável espaço de tempo, o que lhes

possibilita agir sem controle, salvo a possibilidade de alguma lei fundamental limitar sua

discricionariedade’”. (FISHKIN, 1995, p. 72, tradução nossa)3. Já a terceira forma de

democracia é considerada por Bryce uma distinta inovação americana. Algo que combina as

outras duas, ou seja, a consulta direta ao povo com a eleição de representantes, que “[…] são

idealizados diferentemente – ‘não como sábios ou fortes homens escolhidos pelo governo,

mas como delegados para ordens específicas a serem renovados em pequenos intervalos’”.

(FISHKIN, 1995, p. 72, tradução nossa)4.

Com isso, de acordo com o autor, há uma tendência desses representantes defenderem

as impressões da opinião pública e, naturalmente, produzirem o que Bryce chamou de

“Governo da Opinião Pública”. “‘Os olhares e anseios do povo prevalecem, antes mesmo de

serem expressos através de normas providas por órgãos e sem a necessidade de serem

expressas’”. (FISHKIN, 1995, p. 73, tradução nossa)5. Nesse tipo de governo no qual os

americanos foram pioneiros, a opinião pública seria a chave para abrir todas as portas.

“‘Crescendo sobre Presidentes e chefes de estado, sobre o Congresso e legislaturas de Estado,

sobre convencões e o vasto maquinário do partido, a opinião pública destaca-se, nos Estados

Unidos, como a grande fonte de poder, o mestre dos servos que tremem diante dela’”.

(FISHKIN, 1995, p. 73, tradução nossa)6. É interessante observar que Bryce profetizou que a

América estaria indo em direção a um quarto estágio da democracia. “‘O quarto estágio seria

atingido se a vontade da maioria dos cidadãos se tornasse determinante o tempo todo, sem a

necessidade de passar por órgãos representativos, possivelmente mesmo sem a necessidade de

passar pelo maquinário de votação’”. (FISHKIN, 1995, p. 73, tradução nossa)7. Esse estágio

foi chamado de “Domínio da Opinião Pública”.

Ainda segundo Fishkin (1995), Bryce também chegou a admitir “dificuldades

mecânicas” para que isso viesse a ocorrer. No entanto, cerca de cinquenta anos depois da

3 In this system, elected representatives have “a tolerably free hand, leaving them in power for a considerable

space of time, and allowing them to act unchecked, except in so far as custom, or possibly some fundamental

law, limits their discretion”. 4 [...] are “conceived of” differently – “not as wise and strong men chosen to govern, but as delegates under

specific orders to be renewed at short intervals”. 5 “The wishes and views of the people prevail, even before they have been conveyed throught the regular law-

appointed organs and without the need of their being so conveyed”. 6 “Towering over Presidents and State governors, over Congress and State legislatures, over conventions and the

vast machinery of party, public opinion stands out, in the United States, as the great source of power, the

master of servants who tremble before it”. 7 “A fourth stage would be reached if the will of the majority of the citizens were to become ascertanaible at all

times, and without the need of its passing through a body of representives, possibly even without the need of

voting machinery at all”.

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publicação de seu livro: The American Commonwealth (1888), o psicólogo e empreendedor

George Gallup solucionou essa dificuldade demonstrando a medição da opinião pública. E

hoje essas pesquisas envolvem as mais diversas questões, inclusive uma Copa do Mundo.

Por sua vez, Manin (1995) esclarece que, para que representados possam formular e

expressar livremente suas opiniões políticas, são necessários dois elementos: o amplo acesso à

informação política, o que supõe tornar públicas as decisões governamentais e a liberdade

para expressar essas opiniões. Com isso, os representantes não precisam agir necessariamente

de acordo com os anseios do povo, mas também não podem simplesmente ignorá-los. Assim,

embora a único meio de imposição que os cidadãos possuam seja o voto:

os governados sempre têm a possibilidade de, no momento das eleições ou em

outras ocasiões, manifestar uma opinião coletiva diferente da que é defendida por

seus representantes. Costuma-se chamar de opinião pública essa voz coletiva do

povo que, sem ter valor impositivo, sempre pode se manifestar independentemente

do controle do governo. (MANIN, 1995, p. 8, grifo nosso).

Segundo o autor, é justamente essa liberdade de opinião pública que distingue o

governo representativo de uma representação absoluta. Nessa última, “o povo somente

adquire força política por intermédio da pessoa do representante, que, a partir do momento em

que chega ao poder, substitui completamente aquele que representa. Os representados não têm

outra voz senão a dele”. (MANIN, 1995, p. 8). Já em democracias, o povo pode se comportar

de forma completamente diferente:

quando os indivíduos, agindo como grupo, dão instruções aos seus representantes,

quando grupos exercem pressão sobre o governo, quando uma multidão se reúne nas

ruas ou assina uma petição, o povo está se manifestando como uma entidade política

capaz de falar e agir independentemente dos que estão no governo. (MANIN, 1995,

p. 8).

Não é para menos que Champagne (1996), ao explanar sobre a evolução da noção de

opinião pública no decorrer da história da França, chega a afirmar que não existe uma

definição científica acerca do termo, mas sim uma definição social, “o que existe é somente

um conjunto, mais ou menos diferenciado, de agentes em luta que procuram impor seu

conceito (em geral, de forma interessada) de ‘opinião pública’”. (CHAMPAGNE, 1996, p. 81,

grifo nosso). De acordo com o autor, durante muito tempo essa expressão foi dominada e

conduzida por uma elite de cidadãos em geral considerados os mais bem informados e

qualificados para se expor publicamente e, claro, dirigir tal opinião a uma parcela maior da

sociedade. No entanto, transformações pelas quais essa mesma sociedade passou, entre elas a

instauração do sufrágio coletivo (masculino) e o relativo desenvolvimento de instituições

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como partidos políticos e sindicatos acabaram também por provocar mudanças nesse

conceito, progressivamente.

No final do século XIX, com a multiplicação dos movimentos de massa e das

manifestações de rua (em particular, associados à urbanização e industrialização) e,

sobretudo, com a difusão de uma imprensa popular e nacional, surgiu uma outra

“opinião pública”, concorrente da precedente, que, antes de suplantá-la, coexistiu

com ela até meados do século XX. (CHAMPAGNE, 1996, p. 64).

Com relação a esse novo modo de expressão da opinião pública, Tarde (1991) explica

que, antes do desenvolvimento de uma imprensa nacional, não havia uma única opinião, mas,

ao contrário, espíritos locais, opiniões fragmentadas, ignorantes umas das outras8.

Competiu à imprensa, depois do aparecimento do jornal, elevar a um nível nacional,

europeu, universal, o que até então era local, isto é, aquilo que, anteriormente, fosse

qual fosse o seu interesse intrínseco, teria ficado desconhecido e limitado. (TARDE,

1991, p. 65).

No contexto europeu e, resguardadas as devidas proporções, até no brasileiro, Gomes

(2008) afirma que a imprensa era considerada um instrumento privilegiado da esfera pública9.

Com isso, a opinião pública emergia dessa esfera, que por sua vez tinha a imprensa como uma

de suas plataformas. O autor apoiado em Habermas sublinha que, no entanto, na

contemporaneidade, presencia-se uma esfera pública em “decadência”, justamente por conta

de sua submissão aos mass media. A imprensa:

não é um meio de debate do qual se espera emergir uma opinião, mas um meio de

circulação de opiniões estabelecidas às quais se espera uma adesão, o mais

amplamente possível, de um público reduzido a uma massa chamada de tempos em

tempos a realizar decisões ‘plebiscitárias’. (GOMES, 2008, p. 49).

Ao referir-se à esfera pública em tempos contemporâneos, o autor recorre a uma

expressão cunhada por Habermas: refeudalização. Com efeito, o interesse público passa, na

verdade, a ser estabelecido nos bastidores, para satisfazer e estar em acordo com interesses

privados e “as mediações das pretensões que aí se apresentam se tornam literalmente

8 No Brasil, na segunda metade do século XVIII, em razão da cultura ser marcada, entre outros aspectos, pela

forte tradição oral, a concepção de opinião vinculou-se, por um bom tempo, a voz popular. Isso não quer dizer,

no entanto, que não havia não havia opinião pública naquela época. Muito pelo contrário, as discussões

relacionadas à política já saiam dos domínios da Corte e adentravam locais públicos como cafés, livrarias e até

sociedades secretas. No âmbito dos meios, é evidente que o país não tinha uma imprensa nacional, mas

incipientes periódicos tanto no Rio de Janeiro como em outras regiões do Brasil emitiam opiniões acerca de

questões políticas da época e contavam com certa visibilidade, tanto que já naquele período havia figuras

contrárias a essa liberdade de expressão. (NEVES, 2009). 9A esfera pública é caracterizada como o domínio social da argumentação coletiva. Essa esfera remete a Kant e

ao seu princípio de troca pública de razões, que deveria funcionar como um requisito fundamental do ideal de

sociedade cosmopolita e esclarecida. Essa caracterização aprofunda suas raízes na invenção da democracia

antiga. (GOMES, 2008, p. 57).

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‘negociações’, barganhas entre forças e pressões representadas nos campos provisórios em

que se envolvem tanto o aparelho do Estado como os grupos de interesse”. (GOMES, 2008, p.

52). Grupos de interesse que, aliás, “possuem de imediato uma posição particular acerca da

questão em debate, e de outro lado, procuram obter em favor de sua posição o apoio e a

lealdade de grupos de desinteressados à margem da disputa”. (BLUMER, 1987, p. 185).

Assim, não há necessidade de “submeter” determinado fato ou pretensão à esfera

pública, é muito mais interessante “trabalhar” isso. Como? Através dos meios.

Os destinatários são agora meros consumidores de pontos de vista políticos ou

culturais, geralmente predispostos a oferecer o próprio agreement a uma posição que

diante deles se apresenta, selecionando-a do mercado de ponto de vistas disponíveis:

eis a nova opinião pública. (GOMES, 2008, p. 55).

Para Thiollent (1986), ao posicionar-se ou interpretar os fatos, seja de forma favorável

ou não ao governo, os meios de comunicação acabam por exercer um forte papel na formação

da opinião pública. O mesmo vale para grupos de empresários ou até sindicatos, que por meio

da mídia, venham a imprimir suas vontades e interesses. O autor enfatiza a diferença entre

regimes democráticos e autoritários, lembrando que esses últimos se utilizam da censura e de

outras medidas para cercear a liberdade de expressão, no entanto, ele não deixa de destacar

que, em regimes democráticos, embora a imprensa goze de relativa autonomia, também é

controlada “por grupos financeiros e políticos que dispõem de um forte poder informal,

paralelo às instituições políticas”. (THIOLLENT, 1986, p. 17). Com efeito, ressalta

Champagne (1996, p. 25), “a livre concorrência política que caracteriza os regimes do tipo

democráticos tende a ocultar o trabalho de imposição que existe também nesses regimes e que

tem como objeto a criação de um consenso sobre os temas passíveis de provocarem

desacordos”10. Como os campos políticos são cada vez mais amplos e heterogêneos, ocorre o

que o autor chama de “luta simbólica”, o que em democracias como o Brasil consiste em

promover ações que não incluem violência física ou militar, mas tentam impor sua visão do

mundo ao maior número de pessoas possível, a maioria delas pouco interessada em questões

políticas. Um bom exemplo disso são debates ou resultados eleitorais:

[...] falar em último lugar, fazer crer que a pessoa está falando de um plano ‘mais

elevado’ (por exemplo, ao elevar o nível do debate), pretender a defesa de um ponto

de vista não partidário, etc, são outros tantos aspectos dessa luta interminável para

conseguir a última palavra. (CHAMPAGNE, 1996, p. 21).

10 O próprio fato de o Brasil sediar uma Copa do Mundo é um exemplo disso. Embora isso não fosse um

consenso, cada um dos veículos em questão tende a traçar um olhar quase unilateral acerca do assunto.

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Especificamente em relação a “conseguir a última palavra”, como se pode perceber em

observações para a produção deste estudo, cada uma das revistas (Veja e Época) colocam seus

pontos de vista acerca da Copa do Mundo 2014 e sua relação com o governo federal, o que,

em algumas edições, torna nítido o confronto entre os dois veículos acerca da mesma questão,

parecendo mesmo uma tentativa de tirar a razão do semanário concorrente.

Para além disso, Albuquerque (2013) afirma que a atuação do jornalismo não pode ser

reduzida a interesses econômicos ou à agenda de aliados políticos. Afinal, tanto jornalistas

como organizações jornalísticas “se dirigem aos agentes políticos e ao público em geral de um

lugar que lhes é próprio. Em particular, os jornalistas e organizações jornalísticas reivindicam

desempenhar o papel de representantes dos legítimos interesses dos cidadãos”.

(ALBUQUERQUE, 2013, p. 7).

O autor aponta, ainda, os dois princípios aos quais o jornalismo recorre para sustentar

tal pretensão, o primeiro deles relacionado à tradição do Fourth Estate em que:

o jornalismo é associado explicitamente a um papel político, descrito como um

agente essencialmente comprometido com a defesa da liberdade de expressão e um

instrumento a serviço do aperfeiçoamento da cidadania, uma vez que cobra das

autoridades governamentais uma prestação de contas dos seus atos.

(ALBUQUERQUE, 2013, p. 7).

O segundo princípio remete ao conceito de objetividade jornalística. De acordo com

Cook citado por Albuquerque (2013), ao seguir suas rotinas profissionais, “os jornalistas

desempenham um papel político fundamental, como mediadores do processo comunicativo

entre as autoridades governamentais e o público e dentre as diferentes instituições que

constituem o governo”. (ALBUQUERQUE, 2013, p. 7).

Por sua vez, Thiollent (1986), ao tratar dos argumentos utilizados pelos políticos,

aponta, entre eles, o Argumentum ad Populum, no qual o mesmo apelo emocional ao povo

feito pela mídia é utilizado, podendo ser desdobrado em argumento de apelo à opinião

pública. Para o autor, embora sejam diferentes, os dois geralmente são combinados em um

único discurso:

ao primeiro associam-se frequentemente imagens de humildade, pobreza e, ao

mesmo tempo, grandeza ou invencibilidade. Ao segundo é associada a ideia de

esclarecimento público, ‘cobrança’ coletiva ou de justificação impessoal de atos

políticos bastante personalizados. (THIOLLENT, 1986, p. 79).

Com base nas informações acima, parece ficar claro que os grupos midiáticos Abril e

Globo tentaram expressar e formar um clima de opinião junto ao público durante a Copa do

Mundo. Mas, afinal, o que seria esse clima de opinião?

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Conceito ligado à teoria da Espiral do Silêncio, da cientista política alemã Noelle-

Neumann (1995), o clima de opinião sofre forte influência da mídia e interfere notadamente

na opinião pública. Isso ocorre basicamente por estar vinculado a três características humanas:

a hesitação em expressar pontos de vista minoritários, a habilidade de identificar tendências

no pensamento público e o medo do isolamento. Todos ligados ao processo nomeado “espiral

do silêncio”. Analisando eleições alemãs ocorridas em 1972, ela observou que “os seguidores

dos cristianodemocratas e socialdemocratas eram iguais em número, porém não contavam

com a mesma energia, entusiasmo nem gana para expressar suas convicções. Só apareciam

em público pins e símbolos socialdemocratas [...]”. (NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 21,

tradução nossa)11. Isso fez com que esses partidários dominassem a cena pública e, por outro

lado, provocou uma forte inibição nos seguidores da oposição. “Ao final, voltou-se a produzir

uma ‘guinada de último minuto’: as pessoas saltaram para o carro vencedor esperado, na

ocasião o Partido Socialdemocrata”. (NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 20, tradução nossa) 12.

O “efeito do carro vencedor” ou bandwagon effect foi cunhado pela autora com base nas

eleições de 1965, quando esses mesmos partidos estavam praticamente empatados durante o

pleito eleitoral mas, como os cristianodemocratas pareciam mais confiantes (e expressaram

isso), conquistaram muitos eleitores no final da campanha.

A cientista também observou, por meio de várias sondagens e outros testes que

confirmaram a espiral, que as pessoas conseguem, intuitivamente, perceber o clima de opinião

a sua volta, sendo que isso pode envolver os mais diversos temas: “quantos assuntos

diferentes engloba esta capacidade de reconhecer o clima de opinião? As observações

realizadas pelas pessoas incluem constantemente centenas de assuntos diferentes”. (NOELLE-

NEUMANN, 1995, p. 34, tradução nossa)13. O motivo para que, em sua maioria, as pessoas

ajam dessa maneira é o medo do isolamento. Com o apoio de experimentos realizados no

laboratório do psicólogo social Solomon Asch, a estudiosa demonstra que poucos indivíduos

confiam em si mesmos. Com isso, o temor do isolamento põe em marcha a espiral do silêncio:

“o esforço que dedicam a observar em volta parece ser um preço menor a pagar em

comparação com o risco de perder a estima de outros seres humanos; de serem rechaçados,

2 Los seguidores de los cristianodemócratas y de los socialdemócratas estuvieran igualados em número, pero no

contaban com la misma energía, entusiasmo ni ganas de expresar y exhibir sus convicciones. Sólo aparecían en

público pins y símbolos socialdemócratas [...]. 12 Al final, volvió a producirse un “vuelco en el último minuto”: la gente saltó al carro del vencedor esperado, en

esta ocasión el Partido Socialdemócrata. 13 Cuántos asuntos diferentes engloba esta capacidad de reconocer el clima de opinión? Hay que aceptar que las

observaciones realizadas por la gente incluyen constantemente cientos de asuntos diferentes.

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depreciados, de ficarem só”. (NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 63, tradução nossa)14.

Algum tempo depois, pouco antes das eleições de 1976, ao receber o material referente

às sondagens quando estava de férias na Suíça, Neumann observou que, na medição mais

significativa, acerca de quem as pessoas achavam que ganharia as eleições, o clima de opinião

mostrava um dramático declínio dos cristianodemocratas. A primeira reação da cientista foi

imaginar que aqueles partidários haviam se comportado como nas eleições de 1972, de forma

mais amena, mas ao entrar em contato com o Instituto Allensbach15 e conhecer os dados,

acabou por descobrir exatamente o contrário: eles haviam se exposto muito mais. Só então ela

resolveu ater-se aos dados relacionados à mídia e foi aí que veio a resposta, clara como numa

cartilha: “somente aqueles que haviam observado à sua volta com maior frequência pelos

‘olhos’ da televisão haviam percebido a mudança no clima; os que haviam observado ao seu

entorno sem os ‘olhos’ da televisão não haviam notado nenhuma mudança no clima”.

(NOELLE-NEUMANN, 1995, p. 211, tradução nossa)16. Isso demonstra claramente a força

da mídia no sentido de formar ou mesmo alterar opiniões. Como exemplo, é possível citar

uma informação apontada por um dos relatórios de pesquisa de opinião sobre a Copa do

Mundo encomendado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República, a servir

de apoio para as análises neste trabalho. Com dados coletados entre 30 de maio e 2 de junho

de 2014 (poucos dias antes do início do Mundial), o documento afirma que “os entrevistados,

por vezes, mostram-se confusos entre o que o noticiário da mídia lhes apresenta e seus desejos

enquanto espectadores de um grande evento”. (INSTITUTO ANÁLISE, 2014, p. 12).

Por sua vez, Gamson (2011) afirma que a dependência das pessoas em relação à mídia

é parcial e possui forte relação com a questão em discussão. O autor faz ainda uma

comparação sugestiva acerca dos esforços feitos pelas pessoas para produzir sentido a quem

tenta encontrar caminho pela floresta:

os vários enquadramentos oferecidos no discurso da mídia proporcionam mapas que

indicam pontos úteis de entrada, e placas de sinalização em várias encruzilhadas

indicam os marcos de referência importantes, avisando sobre os perigos a serem

enfrentados em outros caminhos. (GAMSON, 2011, p. 224).

14 El esfuerzo que dedican a observar el entorno parece ser un precio menor a pagar en comparación con el riesgo

de perder la estimación de los otros seres humanos; de ser rechazados, despreciados, de estar solos. 15 O Instituto Allensbach, ou Instituto de Demoscopia Allensbach, foi fundado por Noelle-Neumann em 1947 e

até hoje realiza pesquisas de opinião pública na Alemanha. 16 Sólo los que habían observado el entorno con mayor frecuencia a través de los ojos de la televisión habían

percibido un cambio en el clima; los que habían observado el entorno sin los ojos de la televisión no habían

notado ningún cambio en el clima.

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Pesquisas mostram que nem sempre as ideias e pensamentos acerca de determinado

assunto são necessariamente dependentes do que a mídia aponta ou sugere. De acordo com

estudos sobre o posicionamento de indivíduos acerca da questão da energia nuclear, mais de

25% das conversações se apoiaram sobre o conhecimento experiencial. Gamson explica,

ainda, que fez uso de tal assunto justamente por pressupor que era inevitável para a grande

maioria das pessoas não depender da mídia para conhecer tal questão.

“A falta de dependência, contudo, não significa ausência de uso ou influência”.

(GAMSON, 2011, p. 225). A partir de resultados obtidos tanto por ele como por outros

autores, conclui que é preciso estar atento a uma nova forma de se discutir o efeito dos meios

na opinião pública. Para ele, se a pessoa utiliza elementos da mídia em determinada fala, ela

já estaria sofrendo um efeito direto dos meios:

em vez de tratar o conteúdo da mídia como um estímulo que conduz a alguma

mudança de atitudes e de cognição, ele é tratado como uma ferramenta ou recurso

importante que as pessoas têm disponível, em graus variados, para auxiliá-las a

produzir sentido acerca das questões abordadas nas notícias. (GAMSON, 2011, p.

225).

Além dos enquadramentos apontados pelo autor há outras articulações midiáticas que

possuem forte relação com a opinião pública, entre elas, a opinião publicada. De acordo com

Tönnies citado por Freitas e Pires (2009), ela “representa a ‘opinião publicamente expressa’

de um indivíduo, ou seja, uma opinião endereçada a recipientes em geral” (Tönnies apud

Freitas e Pires, 2009, p. 130). Num artigo, feito com base nos jornais Folha de S. Paulo, O

Estado de S. Paulo e O Globo, demonstrou-se a impossibilidade de discutir-se:

“opinião jornalística” atendo-se apenas a espaços designados pelos jornais como

reservados à opinião ou recorrendo-se a tipologias usuais (informativo,

interpretativo e opinativo) que muito ainda têm sido utilizadas para explicar os

processos de produção das notícias. (FREITAS; PIRES, 2009, p. 130).

Como comprovaram, no caso relacionado a relatos produzidos pelos jornais citados

acima acerca da deportação de boxeadores cubanos que participaram dos jogos Pan-

Americanos 2007, essa opinião está presente em vários formatos jornalísticos, em maior ou

menor grau, de forma mais ou menos explícita. “A opinião publicada vai se tornando muito

mais um ‘posicionamento político’ do que uma análise opinativa ou interpretativa, perdendo,

assim, parte de sua aura mediadora”. (FREITAS; PIRES, 2009, p. 139). Portanto, de acordo

com os autores, mais do que os fatos, nesse caso, o que conduziu as reportagens e até mesmo

as fontes que foram consultadas para a construção dessas informações foi a linha narrativa

desses veículos.

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Com isso, fica claro a dificuldade de se construir uma opinião pública democrática.

Segundo Guimarães e Amorim (2013, p. 123), esse conceito “se configura no propósito de

aprofundar os princípios republicanos que se relacionam com a dimensão discursiva da

política, explorando, em sua complexidade, o potencial da defesa pública das liberdades

individuais”. Em suma, esse conceito se baseia em quatro características: a primeira está

ligada ao dinamismo e fluidez da opinião pública que, por sua vez, possui um caráter político.

Não há república que não seja fundamentalmente ligada a esse âmbito. Com isso, a opinião

pública “se constitui em processo público de formação de consensos e juízos”.

(GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 125). A segunda característica diz respeito à noção de

autogoverno. Sem liberdade individual, não há como se estabelecer uma opinião pública

democrática. E nesse sentido é preciso que haja leis que resguardem e garantam a liberdade

desses cidadãos. A terceira trata, basicamente, da pluralidade na formação da opinião. Se isso

for garantido, não haverá perigo de que interesses privados se sobreponham a interesses

públicos. A última característica está focada no papel do Estado, que seria o único capaz de

promover a defesa de um espaço realmente democrático, combatendo situações de

desigualdade econômica e estabelecendo acesso às informações.

Especificamente em relação à pluralidade na formação da opinião, Miguel (2014)

afirma que, nas sociedades contemporâneas, a mídia é o principal instrumento de propagação

das várias visões e representações do mundo social:

o problema é que os discursos que veicula não esgotam a pluralidade de perspectivas

e interesses sociais. As vozes que se fazem ouvir na mídia são representantes das

vozes da sociedade, mas essa representação possui um viés. O resultado é que os

meios de comunicação reproduzem mal a diversidade social, o que acarreta

consequências significativas para o exercício da democracia. (MIGUEL, 2014, p.

153).

Apesar disso, tanto no âmbito internacional como no Brasil, há fortes dificuldades e

impasses no sentido de se discutir ou mesmo implantar medidas que regulamentem a mídia.

De acordo com Guimarães e Amorim (2013), já na década de 1980, um relatório da Unesco

chamado Um mundo e muitas vozes: comunicação e informação na nossa época (ou Relatório

MacBride), escrito por uma comissão de especialistas de diversos países entre eles o escritor

Gabriel García Márquez, “questiona a concentração da propriedade de comunicação e defende

a necessidade de políticas públicas para a comunicação, a fim de garantir a pluralidade de

vozes e corrigir assimetrias internacionais”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 55). No

entanto, não só os Estados Unidos mas também a Inglaterra não só repudiaram o relatório

como chegaram a romper com a Unesco. E não é só isso, o país norte-americano protagoniza

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outras ações nesse sentido. Uma delas diz respeito à não adesão “aos tratados de proibição e

criminalização dos discursos de ódio (hate speech) propostos pela ONU”. (GUIMARÃES;

AMORIM, 2013, p. 56). Considerando as afirmações acima, vale a pena destacar: a

regulamentação do direito à comunicação nos EUA é muito diferente do modelo da União

Europeia.

Por sua vez, na América Latina, a Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP) com

sede em Miami (EUA) reúne os principais proprietários de jornais das Américas, defende a

liberdade de imprensa e costuma denunciar leis aprovadas em parlamentos que tenham por

objetivo regulamentar o exercício da comunicação. A sociedade também posicionou-se contra

o Relatório MacBride. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013).

No Brasil, não é diferente. Os autores mostram que, embora a Constituição Federal

(1988) garanta o direito de acesso à informação, até hoje o Congresso Nacional não

regulamentou os artigos 220 e 224, que tratam da comunicação social. A liberdade de

expressão também foi tema de discussão do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do fim da

Lei de Imprensa, datada de 1967:

o acórdão, que julgou procedente a ação, acolhe como ideal de regulamentação

mínimo da presença do Estado, no qual identifica as ameaças à liberdade de

expressão. Os problemas de concentração de propriedade são considerados e

analisados no acórdão do ponto de vista formal. Exemplo é que o texto do acórdão

relaciona a proibição constitucional de proibição de monopólio e oligopólio como

garantia de pluralidade de mídia. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 58).

Apesar disso, sobre o artigo 220, que trata do assunto, nada se falou. Outros entraves

no Brasil são expostos por Lima (2013): o primeiro deles diz respeito ao boicote das grandes

mídias à I Conferência Nacional de Comunicação, realizada em 2009. Suas propostas foram

atacadas com se fossem uma tentativa de cercear a liberdade de expressão. O segundo

exemplo de intransigência diz respeito ao Código Brasileiro de Telecomunicações, embora

seja básico para a radiodifusão no país, já tem mais de 50 anos. Mesmo assim, os órgãos que

controlam a área não se dispõem a discutir publicamente o assunto. Por último, alguns

princípios e normas relacionados à comunicação foram exaustivamente discutidos na

Constituição, mas ainda não foram regulamentados em função de grupos de mídia. “Dessa

forma, os princípios não são cumpridos e, recentemente, alguns deles passaram a ser tratados

como ‘instrumentos de censura estatal’ por parte desses grupos”. (LIMA, 2013, p. 10).

Posto isso, Guimarães e Amorim (2013) apontam elementos que chamam de

categorias capazes de “mapear e medir o nível de democratização da opinião pública nas

diferentes situações institucionais e políticas de cada país”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013,

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p. 128). Tais categorias englobam o nível de representatividade do sistema eleitoral, a

organização do sistema de mídia e a estrutura legal relacionada à liberdade de expressão.

Neste trabalho, no entanto, vamos nos ater à organização da mídia:

Serviço público, propriedade pública, regras públicas: o estatuto público deve guiar a

organização das esferas comunicacionais. O reconhecimento desse estatuto deve ser

observado para evitar contradições entre um serviço público explorado por um sistema

privado, o que não significa que empresas privadas não possam explorar a área, mas que essa

relação deve passar por critérios públicos.

Estímulo à radiodifusão comunitária: estímulo à formação de organizações públicas e

participativas que explorem a radiodifusão pública.

Critérios de outorga e fiscalização: quanto menos concentrado for o processo que

concede a outorga, mais protegida estará a liberdade de expressão; quanto mais vigorosas

forem as leis que impedem a formação de oligopólios, maior proteção à opinião pública;

quanto maior a representação em órgãos regulamentadores, menores as chances de

manipulação por interesses particulares e a existência de uma legislação que estabeleça

critérios de produção de conteúdo, promovendo a produção nacional e regional.

Ainda de acordo com os autores, a concepção de opinião pública democrática permite

que se voltem os olhares para uma outra questão: “a angústia produzida pela razão individual

da gramática liberal, que, ao desenhar o público como problemático para a individualidade,

coloca cada individuo como ameaça ao outro, dificultando a concepção de um público livre o

bastante para abrigar as diversidades”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 134). Apesar do

público ser visto de forma temerosa, isso não elimina a interpelação do outro, que nas

palavras do poeta Antônio Machado citado por Guimarães e Amorim (2013, p. 134):

“subsiste, persiste, é o osso duro de roer onde a razão perde os dentes”. Com isso, eles

propõem uma opinião pública democrática que acolha a dimensão da alteridade. Nesse

sentido, vale citar as palavras de Champagne (1996):

a “opinião pública” dos institutos de sondagem é simplesmente a agregação

estatística de opiniões privadas que se tornam públicas. Não é uma opinião que se

exprime em público, quer seja por petições, tribuna livre na imprensa, declaração na

televisão, carta de leitor enviada a um órgão de imprensa, participação em

“sondagem” no momento de uma emissão de televisão, manifestação de rua, etc.

(CHAMPAGNE, 1996, p. 113).

Em suma, os tópicos a seguir tratarão justamente dos dois recursos citados acima,

ambos utilizados nas reportagens das revistas: sondagens e a opinião expressa em público,

afinal, eles foram adotados por Veja e Época na construção de um clima de opinião que viesse

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a expressar ou mesmo formar a opinião pública tanto às vésperas como durante a Copa do

Mundo.

2.2 Sondagens e seus usos pela mídia

De acordo com Champagne (1996), os políticos foram os primeiros a ter interesse

pelas sondagens, muito antes delas se interessarem por eles. Antes da década de 1960, as

pesquisas de opinião eram feitas sob encomenda, mas nem sempre eram publicadas, pelo

contrário eram utilizadas confidencialmente com o objetivo de municiar decisões políticas.

Ao discutir procedimentos relacionados à prática política, Thiollent (1986) destaca as

sondagens ou pesquisas de opinião como instrumentos cada vez mais institucionalizados no

âmbito da sociedade e da política moderna e que tiveram sua expansão atrelada à centralidade

da mídia. Segundo o autor:

a função da pesquisa de opinião consiste em conhecer quais são as opiniões, ideias,

sentimentos, gostos ou preferências do público. Os resultados são obtidos a partir de

entrevistas individuais ao nível de uma pequena amostra da população e são

utilizados como subsídios argumentativos nas tomadas de decisão e temáticas dos

meios de propaganda. (THIOLLENT, 1986, p. 19).

De acordo com Gomes (2004), a questão da construção da imagem pública17 é o

primeiro efeito da sondagem em meio a outros. De certa forma, a técnica que se disseminou

inicialmente nos Estados Unidos e espalhou-se pelo mundo funciona como uma espécie de

aferição da imagem pública, seja de pessoas, classes de pessoas ou mesmo instituições. Só

com apoio das pesquisas de opinião é possível que se identifique tal imagem. “Essa

identificação é etapa inicial necessária para que se tracem diretrizes e estratégias de ação, bem

como para que se implementem iniciativas, enfim, para que se dispare ou corrija propriamente

o processo da política de imagem”18. (GOMES, 2004, p. 272). Não foi por acaso que, no

Brasil, a Secretaria de Comunicação da Presidência da República contratou institutos de

pesquisa para a produção de sondagens qualitativas e quantitativas acerca da Copa do Mundo

2014. Dois relatórios, reunidos as pesquisas sobre as manifestações de 2013, chegaram a

17 A imagem pública não é um tipo de imagem no sentido próprio, nem guarda qualquer relação com a imagem

plástica ou configuração visual exceto por analogia com o fato da representação. [...] O termo “imagem

pública”, finalmente, não designa um fato plástico ou visual, mas um fato cognitivo, conceitual. (GOMES,

2004, p. 247). 18 A expressão indica a prática política naquilo que nela está voltado para a competição pela produção e controle

de imagens públicas de personagens e instituições políticas. [...] A política de imagem é recurso que se

conhece desde a antiguidade e em toda parte, convivendo com democracia ou com tirania [...] Isso não exclui,

certamente, que existam aspectos específicos dessa prática na era de comunicação de massa. (GOMES, 2004,

p. 242).

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provocar uma mudança no discurso do governo e na campanha publicitária relacionada à

Copa. No dia 6 de dezembro daquele ano, do bordão “Copa das Copas” passou a ter ampla

divulgação, tendo sido criado pelo marqueteiro Nizan Guanaes em detrimento do anterior,

inicialmente adotado, “Pátria de Chuteiras”. Segundo reportagem de Nery e Coutinho (2014)

na Folha de S. Paulo, “a mensagem oficial do Mundial deixou de enfatizar as obras de

infraestrutura que ficariam como herança do evento e passou a enaltecer o ufanismo e o

orgulho do ‘país do futebol’ em sediar a Copa”. Entre as principais observações, os

levantamentos que foram feitos após os protestos (junho a setembro de 2013) acabaram por

provocar a mudança do enfoque do Mundial porque diziam que a população não conseguia

enxergar o até então aclamado “legado” da Copa, que as obras não passavam de “maquiagem”

voltadas para o megaevento e que tudo voltaria a ser como antes, depois que os jogos

acabassem.

Para além do uso das sondagens pelos representantes políticos, Champagne (1996)

trata de seu uso por parte da imprensa, que passou a realizá-las e publicá-las por interesse

próprio. Fato que, aliás, fortaleceu os jornalistas e, consequentemente a imprensa como um

todo. Numa França em que essa área passava por um processo de autonomização e

profissionalização (a partir de 1960), a utilização das sondagens tornou-se um verdadeiro

trunfo. Afinal, com o apoio desse instrumento, os jornalistas passaram a opor-se a afirmações

de políticos e fazerem questionamentos apoiados numa suposta “vontade popular”:

essas questões são um efeito da relação que se instaurou entre os campos político e

jornalístico: não têm como objeto o conhecimento das opiniões dos cidadãos, mas

visam essencialmente reafirmar o poder próprio da imprensa em face do poder

político ao procurarem desestabilizar seus agentes. [...] Em última análise, o povo é

utilizado para proceder a ajustes de contas internas à classe político-

jornalística. (CHAMPAGNE, 1996, p. 135, grifos nossos).

Ajustes de contas que, aliás, na maioria das vezes, não são explícitos, o que faz com

que tanto jornalistas como cientistas políticos midiáticos – que serão caracterizados mais

adiante – façam parte do jogo político sem se apresentarem como jogadores pretendendo se

passarem por observadores imparciais. Isso se reflete na formulação de perguntas que se

apresentam como objetivas quando, na verdade, são tendenciosas. Questões que muitas vezes

são feitas a partir de resultados de pesquisas de opinião, “[...] parece que se limitam a

encomendar e comentar as sondagens para alimentar de maneira mais ‘científica’ os debates

com os políticos. [...] De fato, são atores em tempo integral e intervêm ativamente na luta.”

(CHAMPAGNE, 1996, p. 144).

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Não é sem razão que a ciência política moderna e seus agentes, e nesse sentido, é

possível incluir tanto figuras que atuam em institutos de pesquisa quanto no âmbito midiático,

ou nas duas vertentes ao mesmo tempo, são alvo de um olhar fortemente crítico de Bourdieu

(1985). Para ilustrar essa temática, ele abre sua discussão com uma sondagem realizada pela

Société française d'enquêtes par sondages (Sofres) com a colaboração do Instituto de Estudos

Políticos a partir da seguinte afirmação: “Algumas pessoas, falando dos negócios do Estado,

dizem que são coisas muito complicadas e que é necessário ser um especialista para

compreendê-los”. O autor informa que, posteriormente, o entrevistado é questionado até que

ponto concorda ou discorda de tal afirmação: 72% tendem a concordar e acabam por atestar

sua própria incompetência. Diante disso, questiona: será que eles chegaram a se atentar ao que

implica uma confissão como essa? Para ele, seria o caso dos especialistas que atuaram na

produção dessa pergunta se questionarem acerca da natureza da competência política, ao invés

de criar uma questão simplista que leva os entrevistados a abrir mão dessa competência em

favor deles. Realmente, é sabido que à medida que se desce na hierarquia social e nos níveis

escolares, aumenta o número de pessoas que se omite a responder e, portanto, o desinteresse

por questões do âmbito político. Mas isso também está ligado ao fato dessas pessoas não

reconhecerem, nessas perguntas, seus interesses cotidianos por conta da linguagem oficial

política utilizada por esse instrumento – o discurso político.

Com efeito, o exemplo acima nada mais é do que uma ilustração para o que Bourdieu

(1985), inspirado em Platão, chama de doxósofo, ou seja, “especialista da doxa, opinião e

aparência, [...] fadado a dar aparências de ciência a um terreno em que as aparências sempre

são a favor da aparência”. (BOURDIEU, 1985, p. 154). E como alguém que parece estar

decidido a desmistificar o olhar acerca da ciência política como um território neutro a parte, o

autor afirma que ela “[...] sempre consistiu numa certa arte de devolver à classe dirigente e a

seu pessoal político sua ciência espontânea da política, ornada com a fachada de ciência”.

(BOURDIEU, 1985, p. 154). Com isso, entram em cena uma sequência de gestos e ações,

entre eles a busca de autores considerados referências, uma neutralidade ostentatória no tom e

um vocabulário falsamente técnico para elevar a ciência a um patamar distante das

conversações cotidianas e buscar, por meio de uma “máscara da objetividade”, o papel de

observador imparcial que, portanto, conserva uma distância considerável e igualitária de

qualquer um dos extremos. Vale lembrar que esse comportamento atravessou o âmbito da

ciência e adentrou aos meios de comunicação, afinal, os debates televisionados transmitidos

especialmente em períodos eleitorais tentam seguir essa mesma lógica, dividindo os espaços,

o tempo e a chances de cada candidato se pronunciar, sem falar nos sorteios para definir quem

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inicia e quem dá sequência nas regras de cortesia política.

Talvez sejam essas as razões que fazem com que a reportagem “Um divórcio

amigável”, publicada na revista Veja19, logo após a abertura da Copa do Mundo e primeira

vitória da seleção brasileira, momento em que o país estava fazendo as pazes com o Mundial,

traga a fala do sociólogo Ronaldo Helal, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “é um

equivoco associar a seleção ao governo. A sociedade amadureceu, derrotas e vitórias dentro

do campo não são mais um projeto de nação. Em 1998, o Brasil perdeu e Fernando Henrique

ganhou. Em 2002, o Brasil foi penta e a oposição levou.” (RODRIGUES, 2014, p.109).

Ironicamente, a edição da mesma revista20 que cobre a derrota histórica do Brasil contra a

Alemanha por 7X1, traz a reportagem de capa “Vai sobrar para ela?” com a opinião de dez

analistas da possível repercussão do resultado na então já iniciada corrida eleitoral. Do total,

sete são cientistas políticos ou responsáveis por institutos de pesquisa.

Por sua vez, na França, segundo Champagne (1996, p. 129), “a imprensa parisiense e

os semanários de circulação nacional são, sem dúvida, os maiores clientes dos institutos de

sondagem”. Ao fazer essa afirmação, o autor explica que o poder e adesão à crença nessas

pesquisas se dá em virtude de uma diversidade de interesses, mas que nem de longe isso é

homogêneo, mesmo dentro campo jornalístico. Talvez por isso mesmo, a forma de utilização

e de exposição dessas sondagens varie tanto de meio para meio. Apenas para citar alguns

exemplos, a imprensa popular acaba buscando aquilo que possa provocar risos ou mesmo

curiosidade num público que não tem o menor interesse por política, por outro lado:

Le Quotidien de Paris, Le Figaro ou Le Figaro – Magazine utilizam-nas do ponto

de vista político de forma direta e, quase sempre, manipuladora [...] Le Monde,

Libération ou Le Nouvel Observateur procedem mais frequentemente a pesquisas

que poderiam ser designadas por “politológicas”, isto é, igualmente políticas,

embora de forma mais dissimulada e sofisticada. (CHAMPAGNE, 1996, p. 129).

Com efeito, o autor utiliza esses e outros exemplos para demonstrar como, de uma

forma ou de outra, a mídia faz uso dessas pesquisas para intervir no jogo político, ou seja,

como numa guerra fria cada veículo defende seu próprio lado. Outra maneira de se fazer uso

disso é quando, a imprensa após uma intensa campanha sobre determinada questão que

envolve a população, realiza e divulga sondagens acerca do fato. Em suma, acaba criando um

efeito-cascata que projeta uma realidade fabricada muito diferente do que seria a realidade em

si. Ainda nesse sentido, a divulgação dessas pesquisas fora do período eleitoral tem, na

maioria das vezes, o objetivo de deslegitimar os governantes que estão no poder naquele

19 Edição 2378, de 18.06.2014. 20 Edição 2382, de 16.07.2014.

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período e explicitar o fato de não serem mais majoritários, como poderá ser demonstrado nas

análises apresentadas no capítulo quatro. Atentando para um último exemplo mencionado por

Champagne (1996) é interessante perceber a diferença entre os títulos utilizados por jornais

franceses a partir de uma mesma sondagem: no Le Monde – “A inquietação dos franceses

aumenta diante da construção da Europa”, no Libération – “Dois franceses em três veem a

Europa cor-de-rosa”, ambos divulgados no dia 3 de março de 1989 e, por fim, no Ouest-

France – “Os franceses entre o temor e a esperança”, foi publicado no dia seguinte.

Uma vez apresentada a discussão sobre o uso das sondagens pela mídia, torna-se

necessário apontar os pontos positivos e negativos relativos a esse instrumento. Ao focar seu

olhar na América Latina, Echegaray (2001) mostra que, desde os anos 1980, as sondagens

desempenham um papel central no processo de democratização desses países. Isso porque os

meios de comunicação se utilizam de dados obtidos por essas coletas para informar e repassar

dados à população acerca de assuntos de relevância pública. Também nosso entendimento

sobre as instituições ou mesmo em relação ao que é certo ou errado numa democracia muitas

vezes é fruto dessas pesquisas. Por outro lado, boa parte da agenda pública e das providências

que são tomadas pelos governantes surge a partir dessa mesma origem. Ele ressalta, no

entanto, que o processo de democratização desses países não ocorreu de forma homogênea,

como também o fato dessas pesquisas terem surgido a partir de diferentes caminhos em cada

um desses lugares. De maneira geral:

os argumentos que enfatizam o lado positivo das pesquisas nos falam da sua

contribuição para aproximar os interesses e opiniões de representados e

representantes, seu estímulo para um tipo de fiscalização pública da conduta e

decisões políticas das lideranças, a possibilidade de dar continuidade à voz pública

dos cidadãos além do período eleitoral, e a oportunidade de aumentar a qualidade

da informação sobre a qual são tomadas determinadas decisões de governo.

(ECHEGARAY, 2001, p. 61, grifo nosso).

Cabe salientar que, no âmbito deste trabalho, parte da análise é justamente examinar

como a voz pública dos cidadãos brasileiros são publicizadas em sondagens veiculadas por

Veja e Época em um ano eleitoral. Nesse sentido, formula-se a seguinte questão: como e em

que circunstâncias tais semanários fazem uso dessa voz pública?

Echegaray (2001) também destaca o papel político das pesquisas de opinião,

lembrando que elas podem surtir efeito com relação a três aspectos: a melhora da

representação política da sociedade; o fortalecimento das oportunidades e instituições

democráticas e, finalmente, em relação a legitimação das opções antidemocráticas. No que diz

respeito ao primeiro, ele ressalta como essas pesquisas ampliam o interesse público no âmbito

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da democracia: elas estariam incentivando um diálogo melhor e mais produtivo entre as elites

e a massa? Será que elas contribuiriam para, entre outras questões, “moldar um debate mais

educado sobre políticas específicas, para fazer a agenda política mais permeável a novas

demandas e assuntos, e para aproximar as decisões dos líderes às preferências da população”.

(ECHEGARAY, 2001, p. 63)21.

O segundo efeito possível está focado nos líderes e no fato das sondagens atuarem em

favor dos trâmites democráticos. Para isso, é preciso constatar como elas estariam sendo

utilizadas, por exemplo, “[...] no desestímulo à formação de apoio a golpes ou intervenções

extralegais dentro da democracia, no estímulo a uma maior pluralização e transparência da

vida partidária e da seleção dos candidatos a cargos políticos, na redução do clientelismo e

coronelismo [...]”. (ECHEGARAY, 2001, p. 63).

Por fim, o último efeito está ligado diretamente ao autoritarismo, ou seja, essas

pesquisas estariam sendo, de alguma forma, usadas para fortalecer políticas autoritárias ou

mesmo enfraquecer líderes democráticos? Ou seja, é preciso analisar como essas pesquisas

estão sendo utilizadas “em defesa de políticas contrárias ao pluralismo, ao respeito das

minorias, ou em favor da desmobilização de grupos e valores políticos chaves para a

democracia, ou como meios de legitimar o apoio para ações internas anticonstitucionais”.

(ECHEGARAY, 2001, p. 63-64).

Apenas para dar um exemplo da imensa contribuição das sondagens em relação ao

primeiro efeito, ou seja, a representação política da sociedade, Scott citado por Echegaray

(2001) afirma que muitos estudiosos têm apontado a forte presença desses instrumentos como

fiscalizadores em momentos que culminaram na queda dos presidentes Fernando Collor de

Mello (Brasil) e Carlos Pérez (Venezuela):

em ambas as ocasiões ocorreu um ciclo virtuoso de pesquisas mostrando o

descontentamento com os comportamentos das autoridades, que facilitaram a

mobilização popular de protesto em favor de punições, as quais – por sua vez – influenciaram na colocação da questão da corrupção no topo das preocupações do

público (como fora registrado pelas próprias pesquisas), o que acabou, em última

instância, por pressionar as instituições democráticas a tornar-se mais responsáveis e

atentas às demandas cidadãs. (SCOTT apud ECHEGARAY, 2001, p. 65).

Como contraponto a esses efeitos positivos, Bourdieu (1985) aponta três postulados

implícitos às sondagens. Segundo ele, mesmo quando todo o rigor metodológico é obedecido

21 Se os institutos de sondagem constituem, como dizem, um “progresso” é, talvez, no grau de sofisticação que

trazem à ideologia democrática: ao acusarem os políticos de falar, a torto e a direito, “em nome do povo”, os

profissionais das pesquisas de opinião conseguem efetivamente melhor desempenho ao levarem o próprio

“povo” a falar da mesma forma. (CHAMPAGNE, 1996, p. 111).

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na execução dessa prática, é possível fazer questionamentos. Tais postulados apresentados

pelo autor envolvem o fato das pesquisas suporem, de antemão, que todos podem ter uma

opinião; que tais opiniões são equivalentes e, finalmente, que há um comum acordo sobre as

perguntas que devem ser feitas. Em suas argumentações, parece mesmo querer atingir o

âmago da questão: por isso acaba por questionar quais seriam exatamente os princípios

norteadores que geram as problemáticas das sondagens. Em seu artigo “A opinião pública não

existe”, ele chega a ilustrar tais afirmações comentando a análise de uma pesquisa sobre a

opinião da população acerca do sistema de ensino francês. Mais de duzentas perguntas sobre o

sistema de ensino teriam sido feitas desde 1968, ao passo que de 1960 a 1963 não se chegou a

vinte dúvidas. Isso significa que essas perguntas estiveram ligadas a uma determinada

conjuntura, em especial às “[...] preocupações políticas do ‘pessoal político’. [...] A questão

do ensino, por exemplo, só pode ser colocada por um instituto de opinião pública quando se

torna um problema político”. (BOURDIEU, 1985, p. 139). E aí abrimos um pequeno

parêntese: será que no caso da Copa do Mundo no Brasil isso seria diferente desse exemplo da

França? Se não houvesse interesses políticos no Mundial, teriam sido feitas tantas sondagens

acerca do evento?

O autor ainda atrela essa politização da sondagem a uma questão crucial, os recursos

financeiros para a execução desse instrumento. Nesse sentido, Thiollent (1986) também

destaca que pesquisas de opinião têm um alto custo. Ao comparar com pesquisas no âmbito

das ciências sociais, ele afirma que o faturamento das sondagens em poucas semanas supera,

em muito, orçamentos anuais dessas outras. Por isso mesmo, esse procedimento é bastante

restrito sendo reservado “a entidades da esfera do poder e é de difícil aproveitamento por

parte das organizações populares”. (THIOLLENT, 1986, p. 19).

Outra afirmação categórica feita por Bourdieu (1985, p. 139) é que “a sondagem de

opinião, no contexto atual, é um instrumento de ação política; sua função mais importante

consiste talvez em impor a ilusão de que existe uma opinião pública como pura adição de

opiniões individuais” e que as problemáticas colocadas pelas pesquisas não são nada menos

que interessadas. O autor enfatiza, ainda, que ao estancar porcentagens nas capas dos jornais

expondo a manifestação de uma suposta opinião pública, na verdade ela está sendo utilizada

como um artefato puro e simples para dissimular um sistema de forças e tensões. Com efeito,

[...] todo exercício da força é acompanhado por um discurso que visa legitimar a

força de quem a exerce; pode-se mesmo dizer que é próprio de toda relação de

forças dissimular-se como relação de força e de só ter toda sua força na medida que

ela se dissimula como tal. (BOURDIEU, 1985, p. 139).

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Ainda em relação às problemáticas, Bourdieu (1985) lembra que muitas vezes as

questões impostas pelos instrumentos das sondagens simplesmente não fazem parte do

cotidiano das pessoas. Afinal, nem sempre aquilo que se apresenta como problema para uns é

visto da mesma maneira pelos outros. Portanto, “não existem perguntas que não sejam

reinterpretadas em função dos interesses ou dos não-interesses das pessoas para as quais são

colocadas”. (BOURDIEU, 1985, p. 141). Para ele, somente uma análise completa das

respostas pode trazer luz a essa questão. Ainda utilizando a temática relacionada ao ensino,

independentemente do âmbito, ele explica que no sobe e desce das classes sociais, quanto

mais se desce na hierarquia, mais tais problemas são enxergados como éticos. Por outro lado,

quanto mais se volta para o topo, mais tornam-se questões políticas. E assim “um dos efeitos

de distorção da pesquisa consiste em transformar respostas éticas em respostas políticas pelo

simples efeito de imposição da problemática”. (BOURDIEU, 1985, p. 142). Também há quem

diga que as distorções cometidas por esses institutos se dão em relação à forma como as

perguntas são elaboradas, o que o autor diz fazer sentido. Afinal, dependendo de como são

feitas, acabam por influenciar nas respostas dadas. Assim:

transgredindo o preceito elementar da construção de um questionário, que exige que

se “abram possibilidades” para todas as respostas possíveis, omite-se,

frequentemente, nas perguntas ou nas respostas propostas, uma das possíveis ou,

ainda, propõe-se várias vezes a mesma opção com formulações diferentes.

(BOURDIEU, 1985, p. 138).

Nesse sentido, ao analisar as sondagens publicadas por Veja e Época, há que se

considerar se elas explicitam quais perguntas foram feitas aos entrevistados. Por sua vez,

Kandel (1985), refletindo acerca de entrevistas não-diretivas tanto no âmbito da psicologia

como nas pesquisas de opinião, rechaça o fato desses especialistas ou organizadores insistirem

em chamar de “sujeito” pessoas que, na verdade, independentemente do método em que

ocorrem os questionamentos, estão sendo tratadas como “objeto”. Para ela, a questão envolve

menos a afirmação de que toda entrevista é desonesta do que propor condições nas quais o

controle e a iniciativa das ações, ao se tentar conhecer a opinião das pessoas, deixem de estar

apenas nas mãos de organizações ou especialistas-interrogadores e passem a ser partilhados

igualmente “pelo conjunto daqueles que, a partir daí, indivíduos e coletividades, não seria

mais ridículo chamar de ‘sujeitos’”. (KANDEL, 1985, p. 187).

Para a autora, a relação entre entrevistador e entrevistado, dessa forma, é uma troca

visivelmente desigual, na qual o segundo só tem o direito a cooperar e concordar com o que é

proposto pelo primeiro. Com isso, ela ainda expõe outro problema básico: apenas o

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entrevistador tem o direito a questionar, fazer perguntas e elaborar suas conclusões. Portanto,

resta ao entrevistado apenas “[...] o direito de responder, quando lhe é perguntado (isto é,

precisamente, sob a pergunta – e na posição de sentido): o direito à palavra tornou-se um

simples dever de resposta”. (KANDEL, 1985, p. 183).

Portanto, embora o entrevistado seja levado ao status de sujeito, na realidade não é

bem isso que ocorre. “Em todos os casos, o sujeito é utilizado pelo pesquisador

(entrevistador); ele produz ‘material’ (verbal) que será ulteriormente explorado – como se diz

tão bem – por outros, com quadros de referência e objetivos que lhe são estranhos e, na

maioria das vezes, dissimulados. (KANDEL, 1985, p. 183). Posto isso, a autora questiona, por

exemplo, quem estaria sendo beneficiado com tal exploração.

Outros dois aspectos relacionados às sondagens que costumam gerar discussões tanto

no cotidiano como no âmbito acadêmico são a amostragem e os diferentes níveis de

informação do público. Em relação ao primeiro, Thiollent (1985) afirma que, ingenuamente,

algumas pessoas contestam o número de entrevistados, ou seja, um grupo de menos de duas

pessoas para representar um país de mais de 100 milhões de habitantes. Uma preocupação que

qualquer conhecimento básico em estatística afasta facilmente. No entanto, outras discussões

questionam os critérios utilizados para a construção dessa amostragem. Afinal, todas as

classes sociais, as categorias relacionadas a sexo e idade ou mesmo as regiões de um país

estariam sendo realmente representadas de maneira justa? Segundo o autor:

tecnicamente, os estatísticos e os especialistas em computação dessas companhias

estão em condição de determinar amostras representativas com razoáveis margens

de confiabilidade, seja qual for a complexidade da população global. Sempre

existem erros e distorções possíveis, mas parecem controláveis e parcialmente

retificáveis. (THIOLLENT, 1985, p. 67-68).

Já em relação ao segundo aspecto, para Bourdieu (1985), a única forma de mudar tal

situação e tornar o “jogo político” menos absurdo é provocar outro estímulo, muito diferente

daquele no qual uma pessoa simplesmente oferece uma resposta quando questionada. Da

mesma forma que, para estimular alguém a ir ao museu é preciso ensinar-lhe várias coisas na

escola, também seria necessário ensinar educação política desde o ensino fundamental, só

assim, ao serem questionadas por uma pesquisa de sondagem, as pessoas teriam condições

não apenas de darem respostas, mas também de produzirem perguntas ou mesmo defender-se

de questões que lhe são impostas porque não há o desejo de se colocar outra. A opinião de

Thiollent (1985) não destoa muito disso, em um dos seus textos chega mesmo a apontar

estatísticas evidenciando as disparidades de desinformação do público, independentemente de

contextos políticos. E não para por aí, afirma que tal desinformação ocorre inclusive em

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países desenvolvidos. Assim, é possível concluir que a “validade de uma pesquisa de opinião

não seria problemática se todos os indivíduos que compõem a sociedade fossem iguais em

termos de acesso à informação e de capacidade de formular opiniões políticas”.

(THIOLLENT, 1985, p. 68).

Em vista disso, torna-se relevante examinar que opiniões políticas são atribuídas por

Veja e Época aos brasileiros naquele contexto de Copa do Mundo por meio das sondagens

divulgadas, bem como pelas falas dos ordinários que são utilizados como fontes nas

reportagens. É o que será discutido no tópico a seguir.

2.3 Quando a fala do outro é uma peça-chave

Ao tratar da mediação na vida cotidiana, uma das afirmações mais contundentes de

Silverstone (2002, p. 771, tradução nossa) expõe que “a maior característica da modernidade

reside no aumento de nossa confiança em sistemas abstratos”22. Entre esses sistemas, o autor

destaca a mídia, que mais do que nunca influencia no dia a dia das pessoas, portanto, não há

como dissociá-los, são “caminhos significativos inseparáveis”:

não há mais como conceber o cotidiano sem tomar conhecimento do papel central

que o crescimento da mídia eletrônica (mas também livros e imprensa) tem de

definir as maneiras de ver, sentir e agir. Meu argumento pressupõe que a mídia toma

como sua suprema realidade, nos termos de sua orientação, o mundo da vida

cotidiana da audiência, dos leitores e dos usuários. (SILVERSTONE, 2002, p. 762,

tradução nossa)23.

De acordo com o autor, além de fazer diferença na forma como se dão as relações

humanas, a mídia está completamente implicada na forma como reconhecemos o outro, afinal,

sem ela não teríamos como reconhecer alguém que está distante. É a mídia que nos conecta ou

desconecta desse tipo de relação com o outro, “[...] nossas telas e apresentadores são

diariamente impregnados com as imagens e vozes de mundos e pessoas os quais não

poderíamos, de outra forma, ter conhecimento [...]”. (SILVERSTONE, 2002, p. 768, tradução

nossa) 24.

22 A major characteristic of modernity lies in our increasing trust in abstract systems. 23 One can no longer conceive of the everyday without acknowledging the central role that increasingly the

electronic media (but also books and the press) have in defining its ways of seeing, being, and acting. My

argument presupposes that the media take as their paramount reality, in terms of their orientation, the everyday

life world of its audiences, readers, and users. 24 [...] our screens and speakers are daily suffused with the images and voices of worlds and peoples of which we

would otherwise have no knowledge [...].

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Então, ele aponta duas possibilidades entre as quais a representação midiática do outro

oscila: a primeira definição de alteridade como “aniquilação”, algo além da nossa capacidade

de compreensão, criando ansiedade, legitimando a repressão e fortalecendo a cultura da

hostilidade, como quando divulgaram as imagens de palestinos celebrando a destruição do

Word Trade Center. Já a segunda forma de representação é a “incorporação”: com essa,

acontece justamente o oposto: ou seja, a negação da diferença. Assim, a imagem do outro é

incorporada a um ambiente controlado e familiar ao público, como num talk show ou num

documentário. Com isso, a figura do outro acaba por ser domesticada. Portanto, conclui o

autor, “em ambos os casos, a possibilidade de aproximar-se da alteridade em qualquer grau de

compreensão e sensibilidade é, com óbvias exceções individuais, fundamentalmente

comprometida”. (SILVERSTONE, 2002, p. 770, tradução nossa)25. Parece-nos justamente o

que ocorre, como será visto adiante, com a forma como grande parte das fontes são

apresentadas em veículos como as revistas Veja e Época.

Especificamente acerca dessa relação entre a vida cotidiana e o sistema midiático,

Couldry (2002) estabeleceu uma forma de nos diferenciar com base em nossa relação com a

mídia. Com isso, cria a figura do “ordinário” em contraposição a esse mundo. “É ‘senso

comum’ que o ‘mundo da mídia’ é, de algum modo, melhor, mais intenso, do que a ‘vida

ordinária’ e que as ‘pessoas midiáticas’ são, de algum modo, especiais”. (COULDRY, 2002,

p. 45, tradução nossa)26. De maneira geral, essa diferença é estabelecida por conta de uma

hierarquia simbólica advinda de uma das dimensões que colabora para o empoderamento da

mídia: o “ordering” (ordenação). Basicamente, o autor estabelece que o ordinário está

presente na mídia às vezes, mais especificamente quando algo o leva a posição de sujeito, por

exemplo, quando realiza algo de extraordinário (“on the media”), diferentemente daquelas

figuras (não ordinárias) que compõem esse mundo (“in the media”) entre elas cantores, atores

ou mesmo jogadores de futebol famosos (um exemplo básico é o jogador Neymar, um dos

maiores astros do futebol internacional e, claro, da Copa do Mundo 2014). Segundo Couldry

(2002):

[...] o termo também perpassa muitas divisões hierárquicas. Em qualquer caso

particular (‘vida ordinária’, ‘mundo ordinário’, ‘pessoas ordinárias’), mais do que

uma distinção pode sobrepor-se: a distinção básica entre ‘ordinário’ versus ‘fora do

ordinário’, mas também ‘ordinário’ versus ‘anormal’ (no senso pejorativo), ‘pessoa

ordinária’ versus qualquer ‘importante’ ou poderosa pessoa (em relação à política,

realeza, a polícia) e vida (doméstica) ‘ordinária’ versus o (implicitamente mais

25 In both cases the possibility of approaching that otherness with any degree of comprehension and sensibility

is, with obvius individuals exceptions, fundamentally compromised. 26 It is ‘common sense’ that the ‘media world’ is somehow better, more intense, than ‘ordinary life’, and that

‘media people’ are somehow special.

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importante) mundo da esfera pública. (COULDRY, 2002, p. 45, tradução nossa)27.

Vale mencionar que, neste estudo, embora estejam “on the media”, os ordinários não

necessariamente fizeram algo de extraordinário, de qualquer forma, eles tiveram suas falas

publicizadas pelos veículos em questão.

No jargão jornalístico, o fato do ordinário estar presente na mídia às vezes o torna uma

“fonte de notícia”. A partir de uma pesquisa com diversos autores, Schmitz (2011) produziu

uma espécie de matriz na qual demarca e relaciona os tipos de fontes jornalísticas, de acordo

com o seguinte esquema:

Quadro 1 - Matriz de classificação das fontes

Categoria Grupo Ação Crédito Qualificação

Primária Oficial Positiva Identificada Confiável Secundária Empresarial Ativa Sigilosa Fidedigna Institucional Passiva Duvidosa

Popular Reativa

Testemunhal

Especializada

Referência

Notável

SCHfigura

...

Fonte: Schmitz (2011, p. 23)

Ainda segundo o autor, fontes de notícias são:

pessoas, organizações, grupos sociais ou referências; envolvidas direta ou

indiretamente em fatos ou eventos, que agem de forma proativa, ativa, passiva ou

reativa; sendo confiáveis, fidedignas ou duvidosas; de quem os jornalistas obtém

informações de modo explícito ou confidencial para transmitir ao público, por meio

de uma mídia. (Schmitz, 2011, p. 9).

Dentro disso, Schmitz (2011, p. 24) afirma que a “representação de uma organização,

grupo social ou personalidade pode ser mediada por uma assessoria de imprensa, porta-voz ou

informante autorizado ou não”. No entanto, nem a assessoria de imprensa nem o porta-voz

são fontes, mas simplesmente “pontes” que intermedeiam os interesses ou pensamento oficial

de quem representam.

Considerando que este trabalho tem como foco apenas o “mundo ordinário” de

27[...] the term´s usage also crosses many hierarchical divisions. In any particular case (‘ordinary life’, ‘ordinary

world’, ‘ordinary people’), more than one distinction may overlap: the basic distinction of ‘ordinary’ versus

‘out of the ordinary’, but also ‘ordinary’ versus ‘abnormal’ (in a pejorative sense), ‘ordinary person’ versus

any ‘important’ or powerful person (in relation to politics, royalty, the police, and so on), and ‘ordinary’

(domestic) life versus the (implicitly more important) world of the public sphere.

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Couldry (2002), torna-se fundamental resgatar algumas definições. De acordo com Pena

(2010), fontes primárias são aquelas que possuem relação direta com a informação28. “Já a

secundária é o tipo de fonte usada para contextualizar a reportagem. Em uma matéria sobre a

Guerra do Iraque, por exemplo, soldados e moradores de Bagdá seriam fontes primárias,

enquanto cientistas políticos e analistas militares seriam fontes secundárias”. (PENA, 2010, p.

64). Encaixam-se na categoria “primária” as fontes oficiais e testemunhais. As primeiras

tendem a ser mais tendenciosas, pois “têm interesses a preservar, informações a esconder e

beneficiam-se da própria lógica do poder que as colocam na clássica condição de Instituição.

Governo, institutos, empresas, associações e demais organizações estão nessa categoria”.

(PENA, 2010, p. 62). Já as fontes testemunhais são, como o próprio nome diz, testemunhas do

fato. “Mas é preciso lembrar que seu relato sempre estará mediado pela emoção, pelos

preconceitos, pela memória e pela própria linguagem”. (PENA, 2010, p. 64). Além dessas,

Schmitz (2011) atenta para a:

popular: manifesta-se por si mesmo, geralmente, uma pessoa comum que não fala

por uma organização ou grupo social. Enquanto testemunha, enquadra-se em outro

tipo, por não defender uma causa própria. Uma fonte popular aparece notadamente

como “vítima, cidadão reivindicador ou testemunha”. (SCHMITZ, 2011, p. 25).

Segundo Charaudeau (2006), para se tornarem visíveis e atingirem, mesmo que

momentaneamente o mundo da mídia, os “atores sociais” – as fontes – devem ser

considerados, de alguma forma, dignos de se fazerem presentes naquele ambiente. Com isso,

o autor aponta alguns critérios pelos quais os meios captam esses atores: “notoriedade [...]

uma das funções das mídias é dar conta dos atores do espaço público que estejam mais em

foco” (CHARAUDEAU, 2006, p. 144); “representatividade [...] grupos reconhecidos como

detentores de poder ou contrapoder (pessoas do governo, da oposição, dos sindicatos[...])”

(CHARAUDEAU, 2006, p. 145); expressão, porque é preciso que as fontes tenham clareza ao

falar para o grande público e polêmica (o confronto entre pessoas gera polêmica e a mídia,

claro, faz um grande uso disso).

Também no que diz respeito às fontes, Pena (2010) cita um ditado popular conhecido:

“Quem conta um conto aumenta um ponto”. O autor utiliza essa expressão para explicar que

fontes são repletas de subjetividades, portanto, muitas vezes seu olhar está “mediado pelos

‘óculos’ de sua cultura, sua linguagem, seus preconceitos. E, dependendo do grau de miopia, a

lente de aumento pode ser direcionada para seus próprios interesses”. (PENA, 2010, p. 57).

28 Nas reportagens pertinentes a este trabalho, há falas de torcedores brasileiros e estrangeiros, manifestantes e

grevistas, além de pessoas que trabalham em setores direta ou indiretamente ligados ao megaevento, como por

exemplo, representantes de excursões para os jogos, funcionários de aeroportos e agentes de segurança.

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O autor ainda destaca a questão da proximidade entre o jornalista e o entrevistado. A

partir do momento em que o interlocutor sabe que declarações dele serão divulgadas, as

mudanças também podem ocorrer em sua forma de repassar as informações. “Muito

provavelmente ficarão diferentes a postura, o tom e, dependendo das circunstâncias, até o

relato. O resultado de uma conversa com a fonte depende essencialmente do que ela imagina

sobre você e suas intenções”. (PENA, 2010, p. 58). Essa é uma das razões pelas quais o autor

sugere que para o jornalista, a desconfiança não é pecado, é norma de sobrevivência.

No entanto, não se pode deixar de atentar para o outro lado da questão. De acordo com

LAGE (2001, p. 53), é preciso considerar que “entre o fato e a versão que se divulga, há todo

um processo de percepção e interpretação que é a essência das atividades dos jornalistas”. O

autor lembra, ainda, que todo esse processo de transformação até que se chegue a hora de

reportar os fatos tem início justamente na fonte. Nesse sentido, Costa (2009) afirma que:

quando o jornalista realiza a representação de uma representação, ele está indo muito

além da questão dos ditos pilares verdade, justiça e ética. Porque nunca conseguirá

uma representação “pura”. Sempre estará reproduzindo visões de outrem – sem

contar a presença de todos os outros que formaram a sua própria visão de mundo.

(COSTA, 2009, p. 38).

Para explicar o que considera “representação da representação”, ele toma como

exemplo um jornalista que testemunha um assassinato. Primeiramente, é preciso lembrar que

sendo o único testemunho exposto na notícia ou reportagem, suas palavras vêm carregadas

das representações que o acompanharam durante sua vida, tanto no aspecto profissional como

humano. De qualquer forma, é preciso lembrar que não há como fazer jornalismo sem outras

representações: é aí que surgem a figura da “[...] autoridade policial, a família da vítima, o

agressor, o advogado do agressor, as outras eventuais testemunhas... O exemplo vale para

praticamente todas as situações de cobertura jornalística”. (COSTA, 2009, p. 38). Portanto, o

autor é taxativo em afirmar que, para fazer uso da linguagem e das imagens, o comunicador

necessariamente vai ter que lançar mão de algo muito mais amplo do que uma representação

pura, ou seja, de algo que não parta somente de si mesmo. “Essa representação sempre será

mediada por outra representação, aquela realizada por outro (a fonte) ou por vários outros

(outras fontes, testemunhas...). Mesmo quando, em jornalismo, alguém estiver dando um

depoimento pessoal sobre algo do qual é testemunha ocular”. (COSTA, 2009, p. 39). Com

isso, o comunicador acaba deixando o caminho da verdade para adentrar o campo da

representação da representação.

Em determinado momento, Costa (2009) utiliza uma frase de Arthur Schopenhauer,

“O mundo é minha representação” para ilustrar como, num planeta repleto de representações

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como a mídia, “o jornalista reapresenta as representações de outrem para os outros”.

(COSTA, 2009, p. 40). O que se pode observar nisso tudo, inclusive sem deixar de levar em

conta a questão ética, é que esse jornalista “encaixará nelas a sua própria representação, a qual

manipula, maneja, hierarquiza as representações que lhe foram feitas pelas diversas fontes

consultadas. Ele re-apresenta com sua capacidade de representar”. (COSTA, 2009, p. 40).

Não é para menos que autor cita uma provocação do jornalista e ensaísta vienense Karl Kraus

para finalizar seu artigo: “Não será o escrever senão a capacidade de apresentar uma opinião

ao público com palavras?” (KRAUS apud COSTA, 2009, p. 40).

Essa preponderância da ação do jornalista sobre as fontes também é apontada por Wolf

(2002), de tal forma que embora o autor as considere um fator essencial para a qualidade da

informação divulgada, o papel ativo do jornalista acaba por marginalizar esse componente da

reportagem. Por isso mesmo, de maneira nenhuma, a articulação das fontes é arbitrária ou

casual. Embora jornalista, público e fontes façam parte de um verdadeiro “jogo de corda”, não

há dúvidas de que esse jogo é decidido pela força. Não é para menos que não se pode

considerá-las “[...] todas iguais ou igualmente relevantes, assim como o acesso a elas e o seu

acesso aos jornalistas não está uniformemente distribuído”29. (WOLF, 2002, p. 223, grifo

nosso). Para explicar isso, ele afirma que: “a rede de fontes que os órgãos de informação

estabelecem como instrumento essencial para o seu funcionamento, reflete, por um lado, a

estrutura social e de poder existente e, por outro, organiza-se a partir das exigências dos

procedimentos produtivos”. (WOLF, 2002, p. 223).

Com isso, o autor chega a dois apontamentos significativos para este trabalho: um

deles diz respeito ao fato de que, se estiverem distantes de uma das duas questões apontadas

acima, as fontes não têm a menor chance de fazer diferença na cobertura dos fatos. Já o

segundo detalhe está ligado à percepção de que, embora existam possibilidades de,

eventualmente, o meio sair do âmbito de suas fontes convencionais para dar vazão a outras

falas, como isso não é comum, essa estrutura de fontes que o meio cria para si próprio acaba

por condicionar, fortemente, o tipo de informação a ser produzida por esse órgão. (WOLF,

2002).

Acerca da relação jornalista, meio e fontes, Fraga e Motta (2013) publicaram um

artigo no qual expõem uma disputa velada pela voz durante a crise na Universidade de

29 Nesse sentido, parece bastante relevante a consideração feita por Almeida (2012, p. 16) com relação ao

pensamento de Spivak: “o fato de a fala do subalterno e do colonizado ser sempre intermediada pela voz de

outrem, que se coloca em posição de reivindicar algo em nome de um (a) outro (a) [...] Para ela, não se pode

falar pelo subalterno, mas pode-se trabalhar ‘contra’ a subalternidade, criando espaços nos quais o subalterno

possa se articular e, como consequência, possa também ser ouvido”.

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Brasília, em 2008. Os pesquisadores apontam três narradores principais durante a cobertura: o

primeiro narrador – Jornal Nacional, da TV Globo, com seus apresentadores; o segundo-

narrador, ou seja, os jornalistas que cobriam o episódio e o terceiro-narrador, as fontes. No

jogo de forças entre os três, para os autores, o veículo com seus apresentadores-editores é o

mais poderoso (pode incluir ou excluir falas ou até mesmo fatos), os repórteres, embora

diretamente envolvidos nos acontecimentos, têm poder de voz intermediária (pois podem ser

editados) e, por sua vez, as fontes possuem um poder de voz reduzido, embora tenham alguma

força. Essas fontes foram, ainda, consideradas personagens de uma trama narrativa tendo sido

identificadas como: “1) o protagonista principal, o movimento estudantil, e seus adjuvantes

apoiadores; 2) o antagonista principal (reitoria) e seus adjuvantes apoiadores”. (FRAGA;

MOTTA, 2009, p. 104). Um dado importante para o estudo do ordinário é:

[...] o modo como aparece o personagem, o modo como seus atos são retratados,

recortados e selecionados. Na narrativa do Jornal Nacional sobre a ocupação da

reitoria, os estudantes, por exemplo, são mostrados como guerreiros em prol do

saudável funcionamento da sociedade, e contra a corrupção. A narrativa jornalística

poderia ter escolhido abordá-los como arruaceiros sem propósito, mesmo exibindo

seus discursos políticos. (FRAGA; MOTTA, 2009, p. 105).

Segundo os autores, essa forma de designar os estudantes está presente em todo o

contexto relacionado à crise, só sendo alterada após o momento em que o reitor Timothy

Mulholland pede demissão, no dia 14 de abril de 2008. A partir daí, os estudantes passam a

ser vistos pelo noticiário como “os rebeldes sem causa”. (FRAGA; MOTTA, 2009). É mais

ou menos o que Emediato (2013) chama de enquadramento por designação, lembrando que

essa técnica visa “ativar na memória do leitor conteúdos e valores simbólicos e associá-los ao

enquadramento efetuado”. (EMEDIATO, 2013, p. 80). Com isso, muitas vezes aquele que

está realizando a ação é associado a uma classe e isso pode fazer com que quem esteja

assistindo ou lendo sobre o assunto associe a imagem daquela figura específica a uma classe

ou grupo, estabelecendo inclusive uma relação de causa e efeito sem o menor fundamento,

como por exemplo:

[...] na designação de um < policial > implicado num caso de violência (logo, os

policiais são violentos?), ou de um < professor agredido na saída da escola > (a

escola é violenta? os professores estão sendo vítimas da violência escolar?), de um

“homem político” acusado de corrupção (os políticos são corruptos?), de um

estuprador designado por uma etnia, caso já visto na imprensa europeia (logo, há

relação de causa e efeito entre a etnia e o tipo de violência praticado?).

(EMEDIATO, 2013, p. 83).

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Outra forma de enquadramento apontada por Emediato (2013), também relacionada ao

que se diz do outro, são os “verbos de atitude”. Frequentemente utilizados no discurso

relatado30, esses verbos acabam por sugerir características psicológicas do sujeito em questão.

Não é por acaso que, em determinadas situações, esses verbos podem acabar representando

uma opinião do enunciador acerca da figura narrada. Por isso mesmo, esses tipo de ação do

veículo pode projetar um clima favorável ou desfavorável para o ator social exposto em

qualquer campo, entre eles, o político. “Trata-se, assim, de uma estratégia de enquadramento

do dizer do outro que indica ao leitor em qual perspectiva ele deve compreender esse dizer”.

(EMEDIATO, 2013, p. 84). Na lista de verbos citados pelo autor estão “‘acusar’, ‘negar’,

‘rejeitar’, ‘censurar’, ‘criticar’, ‘condenar’, ‘prometer’, ‘vibrar’, ‘ameaçar’, ‘denunciar’,

‘recusar’, ‘desejar’, ‘aconselhar’, ‘afrontar’, ‘atacar’, ‘contestar’, ‘se inquietar’, ‘exigir’ e

‘estimar’”. (EMEDIATO, 2013, p. 83).

Ainda de acordo com o autor, uma das problemáticas no que diz respeito à dimensão

argumentativa do discurso relatado está justamente na forma como a fala ou discurso do outro

é relatado pela imprensa. É comum que essa fala passe por um tipo de manipulação ou

enquadramento que acabam por desviar o discurso do contexto original. Ele chega a apontar

três formas acerca de como isso pode ser feito: qualificar, ou mesmo desqualificar, o locutor

de origem pelo que ele está dizendo; criar uma tensão dentro de um contexto em que aquela

fala pode surtir um efeito maior ou, num terceiro aspecto – mais ligado a este estudo, quando:

o discurso relatado é uma opinião partilhada pelo sujeito informante e ele deseja vê-

la circular (operação delicada e difícil de identificar como intencional, salvo por um

trabalho sistemático capaz de demonstrar a regularidade das opiniões publicadas por

uma instância midiática. (EMEDIATO, 2013, p. 89).

Um bom exemplo disso foi como a mídia enquadrou as palavras da ex-ministra dos

Assuntos Estrangeiros da França, Michèle Alliot-Marie, acerca de uma eventual ajuda militar

à Tunísia para que o país viesse a restabelecer a paz diante da queda de seu maior

representante. O resultado é que a ex-ministra foi qualificada de forma muito negativa, teve

que se retratar em meio a uma enxurrada de críticas e comentários e, mesmo assim, grande

parte do público não chegou a ter acesso ao que ela realmente havia falado. (EMEDIATO,

2013).

Por sua vez, Charaudeau (2006) aponta problemas em relação à questão do dito

relatado na mídia. O primeiro diz respeito à seleção dos atores do espaço público: as vozes

30 O discurso relatado é o ato de enunciação pelo qual um locutor (Loc/r) relata (Dr) o que foi dito (Do) por um

outro locutor (Loc/o), dirigindo-se a um interlocutor (Interloc/r) que, em princípio, não é o interlocutor de

origem (Interloc/o). (CHARAUDEAU, 2006, p. 161).

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captadas podem ser de anônimos ou de estrelas. Ao divulgar os “notáveis”, a mídia pode ser

considerada séria, mas também suspeita. Já quando relata a voz dos anônimos, podem ser

vista como democrática, ou demagoga31. O autor aponta ainda os tipos de posicionamento.

“Na maior parte do tempo, o locutor-relator opera, de maneira consciente ou não,

transformações no dito de origem. Assim, essas transformações revelam um certo

posicionamento do locutor-relator, quer sejam voluntárias ou não. (CHARAUDEAU, 2006, p.

172). Dois casos expostos pelo especialista em análise de discurso mostram como o discurso

de origem passou por uma intervenção:

[...] Do [Despacho de Agência] “O ex-ministro deixou a França” > Dr [Manchete de

jornal] “O ex-ministro escapa da justiça francesa”. O Dr transforma a descrição de

uma ação de partida, apresentada como uma “constatação”, em ação de fuga cuja

causa (“a justiça”) é explicitada, o que faz com que a ação se transforme num ato

“voluntário e repreensível”. (CHARAUDEAU, 2006, p. 173).

[...] Do [Na ONU, o representante do Irã] “Podemos provar que o Iraque utiliza

armas químicas”> Dr: [Jornal] “Irã acusa Iraque de utilizar armas químicas” > Ao

dizer-se “provar”, introduz-se uma demonstração que deve finalizar num resultado-

constatação. [...] Mas relatar por “acusa” é, para o locutor-relator, explicitar o que

está apenas implícito, a saber, que o Irã está na posição de um juiz que designa o

outro como culpado. (CHARAUDEAU, 2006, p. 173).

Além das estratégias acima, Emediato (2013) chama a atenção para a questão do

apagamento enunciativo. É muito possível que o “enunciador-jornalista” não exponha

nenhum ponto de vista, o que não significa que o meio ao qual está vinculado não tenha seu

ponto, ou até mais de um ponto de vista. O que pode ocorrer é que, no texto, um discurso

relatado traduza o ponto de vista do grupo ou veículo de comunicação. Um caso bastante

evidente foi quando o jornal francês Libération, de 26 de fevereiro de 2010, expôs, na capa,

frases do então presidente Nicolas Sarkozy e do seu primeiro ministro, François Fillon.

Colocadas juntas, essas frases sugerem, ao leitor, que algo não está indo bem no governo e,

com isso, embora os dois sejam aliados, acaba criando-se uma situação no mínimo

embaraçosa. Outro detalhe que demonstra claramente o interesse do jornal em provocar uma

tensão naquele momento é o fato das fotos dos rostos do então presidente e seu primeiro

ministro estarem dispostas de forma oposta, como se estivessem realmente se confrontando.

(EMEDIATO, 2013).

Saindo do âmbito das figuras midiáticas para as ordinárias, as explanações de

Champagne (1996) acerca das representações de manifestações e de seus participantes na

31 Nesse caso, o autor aproxima-se de Thiollent (1986, p. 79) que ressalta: “podemos considerar que o argumento

de apelo ao povo é usado até à saturação no caso específico dos discursos populistas”.

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França expõem como “as caricaturas, os relatos da manifestação, as entrevistas dadas,

aparentemente por acaso, por agricultores, etc, tendem a exercer sobre o leitor não advertido

um efeito decisivo da reconstituição do acontecimento” (CHAMPAGNE, 1996, p. 214). Um

exemplo exposto por um jornal – o Le Matin - mais próximo aos socialistas que, naquele

período, estavam no poder representa os manifestantes de forma caricatural e até pouco

simpática, uma tentativa de desmerecer ou mesmo desconsiderar a manifestação daqueles

agricultores. Com isso, acaba por entrevistar um camponês que tinha raízes nobres e havia

votado em Jacques Chirac nas eleições legislativas e ainda ressalta que era uma característica

da maior parte dos entrevistados. Também vale observar um trecho do relato de uma viagem

de ônibus feita por um dos correspondentes do jornal em companhia dos agricultores:

cada um transportava sua sacola abarrotada de víveres consistentes, daqueles que

satisfazem plenamente o ventre, sem esquecer a garrafa de tinto [...]. Por volta de

1h30, as conversações são interrompidas para dar lugar a divertidos roncos sem

qualquer espécie de inquietação. A primeira palavra matinal, por volta das 5h30,

veio da parte de trás do ônibus. “Talvez seja necessário pensar em uma parada

porque, se a viagem continuar, não aguento mais, preciso me aliviar!”

(CHAMPAGNE, 1996, p. 214).

O autor registra, também, a diversidade de percepções políticas e sociais que os

jornalistas, ou os veículos dos quais fazem parte, atribuem a uma mesma manifestação, por

meio das personagens que são apresentadas à sociedade nas reportagens divulgadas nesses

veículos.

Le Parisien libéré escolheu como camponês representativo para seus leitores

predominantemente populares um camponês tradicional do Oeste com seu “paletó

xadrez e boina com galões”, cujo “rosto queimado pelo sol está todo enrugado”; Le

Quotidien de Paris, muito lido pelos executivos, escolheu um jovem agricultor “que

não teria destoado em uma manifestação de estudantes com seus óculos de tartaruga,

terno de lã e cabelos à la ‘Sciences-Po’; quanto ao Libération, preferiu um

“camponês rico de esquerda”, cujo vestuário chama a atenção: jeans, tênis, paletó de

cor azul piscina”. (CHAMPAGNE, 1996, p. 216).

Considerando o contexto da Copa do Mundo sediada no Brasil, não só figuras da

esfera midiática como Neymar, um dos melhores jogadores do mundo e estrela da seleção

brasileira, foram temas de reportagens da mídia como também personas do mundo ordinário,

em especial brasileiros, torcedores ou não. Mas afinal, em um Mundial que se iniciou diante

de tanta polêmica, como esses ordinários estariam sendo retratados e o que eles estariam

dizendo em revistas como Veja e Época, por exemplo?

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3 O CONTEXTO COPA E AS REVISTAS EM QUESTÃO

Como analisar o que foi dito em época de Mundial sem saber realmente o que ocorreu

em relação ao Mundial? Assim, propõe-se reconstruir o cenário político socioeconômico que

envolveu o megaevento, atentando para a atuação dos vários setores entre eles o governo

federal, a mídia e a sociedade. Para conhecer melhor esse contexto, fez-se necessário atentar

para as manifestações de 2013. Além disso, neste capítulo, pretende-se caracterizar e

aprofundar o entendimento acerca não só sobre Veja e Época, mas também em relação aos

grupos aos quais pertencem: Abril e Globo.

3.1 Mundial 2014: vários “times” em um jogo

2007 – A Federação Internacional de Futebol (Fifa) concede ao Brasil o direito de

tornar-se sede do maior evento relacionado ao esporte: a Copa do Mundo.

2010 – Comitês Populares da Copa são criados: vários outros grupos da sociedade

civil, ONGs, movimentos sociais, universidades, órgãos públicos – como o Ministério Público

ou a Defensoria Pública – se organizaram e compuseram tais entidades nas doze cidades-sede.

Em suma, buscavam monitorar os gastos e ser um agente mobilizador da sociedade para

garantir que os direitos humanos não fossem violados em detrimento da organização de

megaeventos (Copa do Mundo ou Olimpíadas).

2013 – Realizada entre os dias 15 e 30 de junho, a Copa das Confederações é

organizada pela Fifa e conta com um público de 574 mil torcedores32 nos estádios. As

cidades-sede dos jogos são Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Recife, Rio de Janeiro e

Salvador33. Poucas semanas antes, mais exatamente entre os dias 6 e 21 de junho, protestos e

manifestações de rua com milhares de pessoas – pouco comuns na história do país – são

realizados em todo o Brasil e organizados, sobretudo, por jovens e pelas redes sociais,

surpreendem tanto a sociedade quanto o governo.

2014 – 12 de junho: abertura da Copa do Mundo. Até o dia 13 de julho jogos são

realizados nas seguintes cidades-sede: Belo Horizonte, Brasília, Fortaleza, Manaus, Natal,

32 Fonte:

http://www.portal2014.org.br/noticias/11929/COPA+DAS+CONFEDERACOES+2013+TEM+A+SEGUNDA

+MELHOR+MEDIA+DE+PUBLICO.html 33 Fonte: http://www.suapesquisa.com/copa_confederacoes/

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Cuiabá, Curitiba, Recife, Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo34.

No mesmo período, mais exatamente de 10 a 30 de junho, ocorrem as convenções

partidárias para a escolha dos candidatos às Eleições Gerais, o pleito principal é a Presidência

da República. No dia 5 de julho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) registra 11

candidaturas35 ao cargo, entre elas, Aécio Neves (PSDB), Dilma Rousseff (PT) e Eduardo

Campos (PSB). Com a morte do presidenciável, Marina Silva (PSB), até então vice, assume a

candidatura.

2014 – A presidente Dilma é reeleita com 51,65% dos votos. O candidato da oposição,

Aécio Neves, obtém 48,35% dos votos36, em uma eleição marcada por forte polarização.

Elencados os fatos cronologicamente, segue-se agora uma discussão relacionada aos

principais envolvidos e suas atuações no contexto do Mundial: Fifa, governo brasileiro, mídia

e sociedade.

Ocke (2013) apresenta estudos realizados, muito antes do megaevento, pelo governo

federal, pelo site da revista Veja, pelo Instituto Brasileiro de Turismo (Embratur) e pela

CNT/Sensus. Em julho de 2011, pesquisas feitas em todas as regiões do país, pelo site da

revista, apontavam um clima pessimista:

os leitores foram consultados sobre os preparativos do país, o papel do poder público

no evento, as sensações provocadas pela realização do torneio e, claro, sobre as

chances da seleção brasileira ser campeã do torneio. Para 78% dos participantes da

pesquisa, porém, os torcedores que virão ao país em 2014 voltarão para casa com

uma percepção ruim do Brasil. Só duas entre cada dez pessoas acreditam que a

imagem geral da Copa do Mundo será positiva. (OCKE, 2013, p. 111).

De acordo com Ocke (2013), nas doze questões propostas, o sentimento majoritário

era negativo, a maior parte dos internautas que participaram acabou por assinalar as piores

possibilidades, criando enormes margens entre os percentuais favoráveis e desfavoráveis e,

portanto, um cenário totalmente desfavorável. Em suma, “[…] a Copa do Mundo de 2014 não

empolga nem cativa o torcedor, desperta temores sobre imagem do brasileiro no exterior e

provoca insatisfação por causa do gasto excessivo e pouco inteligente de dinheiro público nas

obras”. (OCKE, 2013, p. 112).

Segundo o pesquisador, parecia mesmo que o público estrangeiro estava muito mais

animado com a Copa que os próprios brasileiros. Foi o que mostraram as pesquisas

encomendadas pela Embratur e realizadas pela CNT/Sensus, ambas voltadas para esse

34 Fonte: http://www.portal2014.org.br/ 35 Fonte: http://www.tse.jus.br/imprensa/noticias-tse/2014/Julho/tse-recebe-11-pedidos-de-registro-de-

candidatos-a-presidencia-da-republica 36 Fonte: http://www.eleicoes2014.com.br/

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público. Também realizado em 2011, o estudo do Instituto de Turismo não chegou a ser

divulgado publicamente, mas segundo Veja “o resultado desta aferição comprova a condição

de um país festivo, de gente hospitaleira, mas de capacidade organizacional duvidosa”.

(OCKE, 2013, p. 112) Já os resultados da pesquisa CNT/Sensus, feita com cidadãos de 18

países, mostrou novas percepções acerca do Brasil:

os resultados apontam para uma imagem projetada composta por cordialidade,

hospitalidade e belezas naturais, mas não deixam de demonstrar o conhecimento

internacional das lacunas da nação. Quanto às expectativas dos estrangeiros em

relação à capacidade nacional de organizar a Copa do Mundo de 2014, estas soam

como um alento e uma esperança. (OCKE, 2013, p. 112).

Também nesse sentido, segundo Mello (2013), um estudo encomendado pelo governo

brasileiro ao Instituto FSB Pesquisa expunha o olhar otimista com o qual a mídia exterior

estava olhando para o Brasil. Pesquisa essa realizada entre os dias 22 de outubro e 15 de

dezembro de 2012. Ao todo, de acordo com a autora, foram ouvidos 100 jornalistas em dez

países, na Europa, América Latina e Estados Unidos. Esses locais foram escolhidos pela

própria equipe de Comunicação do Ministério do Esporte. A pesquisadora explica que, entre

outras questões, perguntou-se “Que imagem você tem do governo brasileiro/ da Confederação

Brasileira de Futebol (CBF), da Fifa/ do Comitê Organizador Local da Copa no Brasil:

positiva ou negativa?” (MELLO, 2013, p. 9). Pelas respostas obtidas no estudo, a avaliação

parece inclusive ter superado as expectativas do governo:

entre os atores responsáveis pela Copa do Mundo, a maior avaliação positiva

é, de longe, a do Governo Brasileiro, com 86% de respostas “positivas”. Depois

aparecem a CBF (57%) e o Ministério do Esporte (55%). A FIFA tem a

imagem mais negativa (60%), seguida pela CBF (29%) e pelo COL (26%).

Ministério do Esporte e COL têm os maiores índices de desconhecimento (40% e

32%, respectivamente). (MELLO, 2013, p. 9).

Não é para menos que, segundo Lopes e Pereira (2014), estimava-se que o Brasil

viesse a receber 600.000 turistas estrangeiros em visita às doze cidades-sede da Copa. Seria

uma oportunidade única para que o país do futebol expusesse suas potencialidades turísticas,

bem como viesse a modernizar vários segmentos relacionados à infraestrutura urbana.

O que ninguém esperava é que, de 6 a 21 de junho de 2013, em plena Copa das

Confederações, mobilizados e atentos ao excesso de gastos públicos realizados com vistas aos

megaeventos, milhares de brasileiros fossem às ruas para protestar. Segundo Mendonça e

Daemon (2014), os movimentos abriram várias discussões, entre elas:

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o lugar do jornalismo tradicional na contemporaneidade, o monopólio e a

responsabilidade por administrar os fluxos informativos37, os limites do direito de

protestar, os modos de atuação repressiva das polícias, a incapacidade dos

governantes em lidar com múltiplas e difusas reivindicações, bem como as miríades

– muitas vezes contraditórias – de grupos e correntes que passaram a ocupar com

certa periodicidade as ruas do Brasil. (MENDONÇA; DAEMON, 2014, p. 14).

Para Domingues (2013, p. 97), “as manifestações refletiram uma insatisfação mundial,

que afeta em particular os jovens, com a forma fechada com que funcionam sistemas

políticos”. Daí o forte poder de convocação das redes sociais, com o apoio e por meio delas

eles puderam mostrar sua insatisfação. Sem dúvida, depois de décadas de despolitização,

voltou-se a ter a sensação de ser possível e necessário transformar a realidade e, porque não,

de ter o direito a sonhar. Em um primeiro momento, entre esses jovens:

[...] muitos recém-formados, mais próximos às classes populares devido à expansão

do ensino superior no Brasil de Lula, e mesmo trabalhadores mais ou menos

qualificados, comparecem massivamente às manifestações (não a classe alta, como

muitos suspeitaram). Para a maioria foi o batismo de fogo em termos de

manifestações e protestos. (DOMINGUES, 2013, p. 97).

O autor também abre um parêntese para os caminhos que os manifestos tomaram.

Embora tenham sido iniciados pelo Movimento Passe Livre (MPL), forças da Central Única

dos Trabalhadores (CUT) e do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), mas

especialmente da extrema-direita, auxiliadas por grupos anarquistas autodenominados black

blocks, acabaram oportunamente tentando disputar as ruas:

se em um primeiro momento a esquerda, ou um sentimento popular que remetia à

esquerda, era amplamente hegemônico nas ruas, ao crescerem as mobilizações um

fenômeno a que não estamos tão acostumados fez-se presente: a direita, em todos os

seus espectros, apareceu, o que na verdade levou muitos a temer, equivocadamente,

a preparação de um golpe político da direita. (DOMINGUES, 2013, p. 98).

Segundo Souza (2015), esse surgimento da direita ocorreu mais precisamente no dia

19 de junho:

fato comprovado pelas pesquisas do IBOPE feitas com os manifestantes em

dimensão nacional – foi um ponto de inflexão fundamental que ajuda a esclarecer a

força narrativa e institucional do pacto conservador brasileiro contemporâneo. Foi a

partir deste dia que as manifestações se tornaram massificadas e ganharam todo o

apoio da mídia nacional, assumindo a ‘classe média verdadeira’ – os 20% mais

escolarizados e de maior renda segundo pesquisa – de modo mais claro o

protagonismo do movimento. (SOUZA, 2015, p. 240).

Já acerca das razões que levaram ao movimento, Domingues (2013) traça um pequeno

histórico no qual lembra que o governo Lula buscou combater a pobreza e diminuir as

37 Esse contexto de crítica à mídia será levado em conta por ocasião das análises das revistas Veja (grupo Abril)

e Época (grupo Globo). O “lugar de fala” dessas revistas, em 2014, é afetado por tais manifestações. Inclusive

matérias e editoriais reafirmam seu papel como representante da “voz das ruas”.

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desigualdades sociais em nível nacional. Por outro lado, o governo Dilma Rousseff foi aos

poucos sendo marcado pelo relativo fechamento do espaço político. “Ou seja, reduzia-se o

espaço de possibilidade, autorização e legitimidade simbólica de contestação pela sociedade,

em termos de protestos e movimentos sociais, de sua articulação e sua capacidade de

demandar diálogo com o poder estatal.” (DOMINGUES, 2013, p. 95). Atrelado a isso, ele

destaca ainda que “depois de anos de mudanças sociais significativas, tudo indica que as

pessoas querem mais da agenda social e que estão faltando criatividade e iniciativa aos

partidos, notadamente ao PT, oxigênio principal da política brasileira nas últimas décadas”.

(DOMINGUES, 2013, p. 97).

Fato é que todas essas questões, juntas, tinham forte relação com o Mundial. De

acordo com Prudêncio (2014), durante as manifestações, os Comitês Populares da Copa (os

doze enfeixados na Articulação Nacional dos Comitês, a Ancop) criaram o “grito” que acabou

ganhando impacto e sendo utilizado em protestos que ocorreram em todo o país: “Não vai ter

Copa!” Não demorou muito para que tal slogan ganhasse ressonância em outras mobilizações,

assim como na mídia, e transformasse o evento em um mote contra o governo. No que diz

respeito às ações que podem ter contribuído para tanta rejeição à Copa, entre elas destacam-se

o cumprimento de exigências da Fédération Internationale de Football Association (Federação

Internacional de Futebol)38. Em relação às imposições da Fifa ao Brasil, uma resposta dada pelo

então presidente da associação, Joseph Blatter, em entrevista ao Globoesporte.com durante os

protestos realizados em 2013, ilustra bem o posicionamento da instituição:

o Brasil pediu para sediar a Copa do Mundo. Nós não impusemos a Copa do Mundo

ao Brasil. Eles sabiam que para sediar uma boa Copa do Mundo naturalmente teriam

que construir estádios. Mas nós dizemos que não é apenas para a Copa do Mundo...

existem outras construções: rodovias, hotéis, aeroportos...itens do legado para o

futuro. Não apenas para a Copa do Mundo. (BLATTER, 2013)

Nesse sentido, cabe assinalar como esse argumento – o “legado para o futuro” – citado

por Blatter, aparece estampado na capa da revista Época39, publicada pouco antes do Mundial,

no especial intitulado “Brasil Padrão Fifa”, no qual a revista faz “um relato do futuro”: uma

projeção do Brasil semelhante ao padrão de países desenvolvidos.

38A administração da Fifa é operada por uma Secretaria Geral, que emprega cerca de 400 colaboradores em

Zurique, Suíça. O presidente é o secretário geral da Fifa, que é responsável por implementar as decisões do

comitê executivo. Esse secretário é também responsável pelas finanças da Fifa, pelas relações internacionais,

pela organização da Copa do Mundo e por outras competições de futebol da Fifa. (Fonte: www.fifa.com,

tradução nossa). No Brasil, a Fifa contou com o apoio do Comitê Organizador Local (COL) para a organização

da Copa das Confederações e do Mundial. Financiado pela Federação, mas operando em regime de isenção

fiscal, o COL funcionava como uma espécie de escritório local da Fifa. 39 Edição 834, de 26.05.2014.

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Já em relação às ações realizadas pelo governo com o objetivo de cumprir as

exigências da Fifa, iniciaremos pela Lei Geral da Copa. Sancionada pela presidente Dilma

Roussef no dia 5 de junho de 2012, a lei aprovou pontos polêmicos que haviam sido alvo de

debates e rejeição em vários setores da sociedade brasileira, entre eles, por parte do

movimento “Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa”. De acordo com

Konchinski (2012), em reportagem publicada pelo UOL Copa, entre outras medidas:

a lei garante à Fifa o credenciamento de empresas que poderão fazer a transmissão e

cobertura jornalística dos eventos da Copa. As que não estão autorizadas pela Fifa

dependerão da cessão de imagens de jogos pela entidade. [...] A Lei Geral da Copa

prevê que o Brasil indenize a Fifa em caso de problemas que atrapalhem a realização

da Copa do Mundo.[...] A lei assegura à Fifa autorização para divulgar suas marcas,

distribuir, vender ou realizar propaganda de produtos nos locais de jogos, nas suas

imediações e vias de acesso. Isso, porém, não pode atrapalhar as atividades dos

estabelecimentos regulares. (KONCHINSKI, 2012).

As ações, no entanto, transpassaram o fator jurídico e atingiram outros âmbitos. No que diz

respeito à arena Itaquera, onde a Copa foi iniciada, o local não estava totalmente pronto no dia da

abertura do evento, como foi noticiado em vários meios à época, mas havia outro estádio em

São Paulo – o Morumbi – que, com reformas, poderia ter aberto o Mundial. Segundo Toledo

(2012), a pressa imposta por um calendário oficial das obras, feito e refeito pelo governo

federal, sobre pressões políticas e austeridade creditadas à Fifa40 e as negociações que

envolveram a decisão em favor de tal projeto coadunam com motivos relacionados a anseios e

pressa dos torcedores por um estádio.

No que diz respeito aos investimentos, Melo (2012) aponta que, considerando todo o

evento organizado pela Fifa, de acordo com o valor previsto na Matriz das Responsabilidades,

apenas 2% viria do orçamento de contribuições da iniciativa privada.

Outra questão bastante comentada foi o financiamento da construção de três estádios:

em Manaus, Brasília e Cuiabá, que só teriam realmente utilização durante a Copa do Mundo

(LATI, 2014). Especificamente em relação ao Estádio Nacional de Brasília Mané Garrincha,

de acordo com Hilgemberg (2013), uma reportagem publicada pelo Globo.com denunciou que

o Tribunal de Contas do DF teria encontrado distorções de mais de R$ 200 milhões nos custos

40 Informações publicadas no Band.com.br apontam a construção da Arena como decisão que teria tido o apoio

do então presidente Lula: “enquanto a Fifa não se define sobre o aproveitamento do Morumbi na Copa/14,

surge a possibilidade concreta de um novo estádio de futebol para o estado de São Paulo: a Arena Multiuso de

Pirituba, na zona norte da capital [...] Por trás de toda essa polêmica, suspeita-se de uma manobra de Andres

Sanchez (então presidente do clube), que estaria interessado em adotar, após a Copa, essa nova praça de

esportes como a “casa do Corinthians”. Indícios para alimentar essas suspeitas são muitos. A saber: o

Corinthians não tem estádio e vem usando o Pacaembu, cuja capacidade é pequena [...] Andres Sanchez é

amigo do (então) presidente Lula que abriu as portas do governo federal para ele. O presidente Lula é

corinthiano desde criancinha [...]”. (PIRILO apud TOLEDO, 2012, p. 8).

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da construção. No entanto, o portal apresenta apenas o lado do governador, Agnelo Queiroz,

desmentindo o fato. Não há nenhuma investigação realizada pelo veículo. Cabe lembrar,

ainda, que o portal faz parte do conglomerado responsável pela transmissão dos jogos.

Já as zonas localizadas em torno dos estádios ganharam, em várias cidades-sede, uma

nova perspectiva. Em Porto Alegre, aponta Gutterres (2011, p. 5), “as vilas do bairro Cruzeiro

e Cristal, o norte do bairro Humaitá e o centro do bairro Anchieta – onde fica a área do

Aeroporto Internacional Salgado Filho – ganham com a chegada da Copa do Mundo uma

perspectiva de centro”. Ainda segundo a autora, assim que essas passaram a ser alvo de

investimentos como ampliação, sinalização e pavimentação de avenidas e saneamento, além

da divulgação da ideia de reurbanização, o caráter público passou a revelar aspectos que até

então não existiam, o que também gerou polêmica, afinal, a razão de optar-se pela melhoria

dessas áreas específicas (e não de outras) estava atrelada ao evento. (GUTERRES, 2011).

Também em Porto Alegre, segundo Margarites (2013), a Copa acabou por dar novos rumos à

formulação de políticas habitacionais. A Lei Complementar 636/2010, de 13 de janeiro de

2010, regulamenta o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) e continha um artigo que

garantia a permanência nas mesmas regiões de origem a 80% dos assentados pelo programa.

No entanto, em dezembro do mesmo ano, um projeto de lei de iniciativa da Prefeitura

aprovado na Câmara tornou tal artigo ineficaz para obras que estivessem na matriz de

responsabilidades da cidade para a Copa do Mundo.

Uma questão significativa a ser explicitada, no âmbito econômico, foi o fato de o

Brasil ter vivido um período acelerado de crescimento do mercado consumidor interno e 2010 ter sido

o auge dessa trajetória, uma “profunda mobilidade social – num país que tradicionalmente não

tem mobilidade entre classes – que acometeu o país nos últimos dez anos”. (RICCI, 2014, p. 10).

Certamente, esse clima de otimismo motivado por um período de bonança na economia refletiu-se na

forma de condução do governo, especialmente no que diz respeito aos trâmites relacionados aos

megaeventos que seriam sediados no país. No entanto, em 2014 o clima de opinião entre os brasileiros

– objeto de estudo desta pesquisa – já era bastante diferente, afinal:

o que não se disse é que vivíamos lastreados nos investimentos chineses. Segundo

estudo da China Global Investment Tracker, o Brasil foi principal beneficiário de

investimentos chineses em 2010: US$ 13,7 bilhões, excluindo-se os títulos

públicos e investimentos de menos de U$ 100 milhões. [...] Em 2013, este volume

se reduziu a 20%. E, pior, a China decidiu competir com o Brasil na venda

de produtos à Argentina, o terceiro maior importador de produtos brasileiros (atrás

de China e EUA). (RICCI, 2014, p. 11).

Todos os aspectos acima, somados, provocaram descontentamento em relação ao Mundial.

Na ocasião, Lati ressaltava o desconforto gerado para os três atores envolvidos:

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para o povo brasileiro, irritado com o enorme desperdício e mau legado de

infraestrutura [...]; para o governo deste país, que viu seus índices de aprovação

despencar na medida em que o evento se aproxima [...]; para a Fifa, cuja relação

com o comitê organizador tem piorado, pois ela tem sido forçada a flexibilizar todos

os seus prazos [...]. (LATI, 2014, p. 9, tradução nossa).41

Dessa forma, algumas semanas antes do início do evento, o clima polêmico em relação

à Copa era bastante evidente. Como aponta o autor:

segundo levantamento feito pela Editora Abril, nove em cada dez brasileiros temem

que a Copa deixe uma impressão negativa do seu país. Apenas 13% acham que o

evento deixará coisas positivas para o Brasil, 87% dizem que estão insatisfeitos com

o fato de sediarmos a competição e mais da metade usou a palavra "vergonha" para

descrever seus sentimentos face ao evento. (LATI, 2014, p. 10, tradução nossa)42.

Considerando isso, acredita-se ser necessário detalhar parte das informações expostas. Em

primeiro lugar, os jogos foram sediados em 12 cidades, porém 18 capitais chegaram a inscrever-se

com seus projetos para fazer parte do megaevento. Uma delas, Maceió, desistiu antes do anúncio

final da Fifa, em 31 de maio de 2009. Já Belém, Campo Grande, Florianópolis, Goiânia e Rio

Branco ficaram fora da disputa43. Vale destacar, entretanto, que, poucos dias antes do anúncio

oficial de que o Brasil seria sede do Mundial, uma Comissão da Fifa afirmou que o país tinha

condições de organizar uma Copa excepcional. No entanto, segundo essa mesma Comissão,

nenhum dos estádios estava em condições apropriadas considerando as exigências da Federação44.

Mesmo assim, em nenhum momento isso alterou o número de candidaturas à sede. Vale lembrar

também que, para que o Brasil sediasse os jogos, a Fifa exigia dez cidades-sede e que tal número

só chegou a 12 por conta da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que brigou por essa

questão em razão das dimensões continentais do gigante da América do Sul45.

Definidas as cidades-sede, e que parte delas também seriam palco da Copa das

Confederações, passaram a ser feitas obras e investimentos nos mais diversos âmbitos. Ao todo, de

acordo com dados do Portal da Transparência46, foram contratados um total de R$ 27.824.646.818

41 [...] es un Mundial incómodo para las tres partes mas implicadas em él: para el pueblo brasileño, fastidiado por

el inmenso despilfarro y el escaso legado en materia de infraestructura [...]; para el gobierno de este país, que

ha visto sus cifras de aprobación desplomarse conforme se acerca la patada inicial [...]; para la Fifa, cuya

relación con este Comité Organizador ha sido cada vez peor, pues se ha visto obligada a flexibilizar todos sus

plazos [...]. 42 según uma encuesta generada por la Editora Abril, nueve de cada diez brasileños temen que el Mundial de

2014 deje uma impresión negativa de su país. Em tanto, apenas el 13% destaca que el certamen legará cosas

positivas a Brasil, 87% señala que no esta satisfecho con albergar la competición y más de la mitad utiliza la

palavra “verguenza” para calificar su sentir de cara al evento. 43 Fonte: http://www.quadrodemedalhas.com/futebol/copa-do-mundo/copa-mundo-2014-cidades-sede.htm 44 Fonte: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticia/2007/10/cronologia-da-candidatura-do-brasil-a-copa-do-mundo-de-

2014-1662987.html# 45 Fonte: http://veja.abril.com.br/idade/exclusivo/perguntas_respostas/cidades-copa-2014/cidades-sede-copa-

2014-estadios-capitais-fifa-cbf-abertura-final.shtml 46Fonte:

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e executados R$ 20.078.902.040 em aeroportos, comunicação, desenvolvimento turístico, estádios,

instalações para a Copa das Confederações, mobilidade urbana, portos, segurança pública e

telecomunicações. Ao contrário do que foi amplamente divulgado, a maior parte dos investimentos

não foi em estádios, mas sim em aeroportos, R$ 7.551.598.668. Já o valor gasto com as arenas da

Copa foi de R$ 6.542.853.96447, seguidos por investimentos em mobilidade urbana – R$

3.825.526.776 e segurança pública – R$ 1.439.219.366. Estes quatro itens, juntos, representam

mais de 95% dos gastos executados.

No que diz respeito à previsão de aplicação dos recursos (R$ 27.346.140.056), montante

um pouco diferente do que realmente foi contratado (exposto acima), R$ 5.839.732.820 seriam

investidos pelo governo federal e R$ 8.198.505.150 financiados por essa mesma fonte. A maior

parte desse montante foi financiada por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

e Social e pela Caixa Econômica Federal.

Ressalta-se que, à época, o governo mencionava, de modo recorrente, o “legado da Copa”.

Apenas para citar o caso de Belo Horizonte, onde ocorreu o jogo no qual o Brasil perdeu para a

Alemanha por 7 a 1, além da reforma e adaptação do Estádio Magalhães Pinto (Mineirão), dentre

os projetos que fizeram parte das melhorias relacionadas à mobilidade urbana estão o Boulevard

Arrudas na Tereza Cristina, os BRT: Antônio Carlos/Pedro I, Cristiano Machado e Área Central, o

Corredor Pedro II, a ligação Via do Minério/Tereza Cristina e a Expansão da Central de Controle

de Trânsito. Além disso, o Aeroporto Internacional Tancredo Neves – Confins passou pelas

seguintes ações: construção do terminal de passageiros 3, reforma e ampliação da pista de pouso e

do sistema de pátios, reforma e modernização do terminal de passageiros e adequação do sistema

viário.

Especificamente em relação aos aeroportos, o investimento citado acima provocou um

aumento da capacidade de passageiros que podem ser transportados pelo país: de 215 para 285

milhões, um dado significativo considerando que de 2003 para 2012 o número de passageiros no

mercado doméstico mais que triplicou. Publicada pelo Diário Comércio Indústria & Serviços48,

além de expor esses dados, a reportagem “Modernização é maior legado da Copa” afirma que o

grande legado da Copa do Mundo foi a modernização dos aeroportos.

Já no que diz respeito à segurança pública, também de acordo com o portal da

http://www.portaltransparencia.gov.br/copa2014/empreendimentos/investimentos.seam?menu=2&assunto=te

ma 47 Do valor exposto acima, de acordo com o Portal da Transparência, quase de 1.500.000.000 foram investidos

nos estádios privados do Sport Clube Internacional, do Clube Atlético Paranaense e do Sport Club Corinthians

Paulista. Desse valor, cerca de 700.000.000 foram financiados pelo governo federal, através de bancos como o

BNDES e estão sendo pagos, em parcelas, pelos respectivos clubes. 48 Fonte: http://www.dci.com.br/especial/modernizacao-e-maior-legado-da-copa-id402652.html

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Transparência, para integrar as instituições, foram adquiridos sistemas para a centralização das

operações de segurança e soluções para a integração dos sistemas de radiocomunicação entre as

instituições estaduais e órgãos federais. Também foram implementados os controles dos pontos de

entrada no país com a contratação de sistemas e equipamentos para aprimorar a segurança nas

estradas brasileiras e o fortalecimento da infraestrutura desses pontos. Foram adquiridos, ainda,

equipamentos e sistemas para a segurança do evento, além de capacitação, campanhas,

treinamentos, simulações e fiscalização do efetivo das instituições de segurança. Na Aeronáutica,

foram realizadas ações que ampliaram a defesa aeroespacial e o controle do espaço aéreo, bem

como o emprego de helicópteros. No Exército, foram desenvolvidas ações como defesa

contraterrorismo, defesa de estruturas estratégicas e defesa cibernética, além do emprego de

helicópteros, da fiscalização de explosivos e do preparo da força de contingência. Na Marinha,

foram executadas as mesmas ações, além da ampliação da defesa da área marítima e fluvial. No

âmbito geral, estabeleceu-se novas cooperações técnicas entre a Agência Brasileira de Inteligência

(Abin), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Não é para menos que o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardoso, enfatizou em

seus discursos pós-Copa que o principal legado do evento havia sido a integração entre as

instituições de segurança pública. Em entrevista ao portal da Associação Nacional dos Delegados

de Polícia Federal49, o delegado federal responsável pela Secretaria Extraordinária de Segurança

para Grandes Eventos, Andrei Rodrigues, disse concordar com o ministro, mas ressaltou ainda que

o alto nível de investimentos na área foi, sem dúvida, indiscutível.

Essa reportagem cita, ainda, as Olímpiadas e Paraolímpiadas como um desafio ainda maior

para a área, afinal, embora mais concentrados no Rio de Janeiro, apenas considerando as

delegações, são mais de 10.000 atletas de cerca de 200 países. Após essa “prova”, o Brasil estaria

pronto para receber não somente grandes eventos, mas para se consolidar-se como rota turística

internacional. Segundo Rodrigues (2014), “é um evento de proporções impressionantes. Para nós,

fica da Copa toda a expertise e experiência que tivemos e o conceito da operação. Os valores que

vamos empregar são os mesmos”.

Cabe destacar, também, outra informação divulgada pelo portal da Transparência, no que

diz respeito à esfera governamental que tinha responsabilidade pela execução das obras. Embora

grande parte dos recursos tenha sido financiada pelo governo federal, a responsabilidade pela

contratação e licitação das empresas que trabalharam nas obras, em especial os estádios e

mobilidade urbana, era dos governos estaduais e municipais. Isso certamente inclui não só parte

49 Fonte: http://www.adpf.org.br/adpf/index.wsp

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dos atrasos nas construções, como também alteração de valores contratados inicialmente e a

responsabilidade pelo deslocamento (respeitável ou não) de famílias que moravam em locais onde

foi necessário fazer ajustes no espaço urbano. A Arena Itaquera em São Paulo e os ajustes no

espaço viário em seu entorno são só pequenos exemplos disso. No entanto, nenhuma das

informações ou mesmo a divisão de responsabilidades exposta acima foi destacada pela mídia50.

Portanto, é pertinente afirmar que não só o governo, mas também a mídia deram sua

contribuição para que o megaevento fosse tão rejeitado até sua abertura. Em um artigo

relacionado à Copa do Mundo de 2014, Hilgemberg (2013, p. 4) destaca o papel exercido pela

mídia, a seu ver, “a grande responsável por abastecer essas discussões [...] A abordagem dos

diferentes esportes pelos meios de comunicação é na verdade um discurso que medeia a

realidade. [...] a mídia se apropria dos eventos e medeia o acesso ao acontecido”.

Concordando com a autora, Bezerra e outros (2011) destacam:

o esporte é hegemonicamente consumido na sua forma de maior espetacularização,

ou seja, através do esporte de alto rendimento, especialmente durante a realização de

competições esportivas. Nesses eventos, a ampla abrangência e a representatividade

social, faz com que se depositem múltiplos interesses na sua realização e

participação. (BEZERRA et al. 2011, p. 2).

Em síntese, como afirmam Oliveira e Figueira (2014):

tanto o grande sistema midiático enfatizou mais os aspectos negativos do que os

positivos, quanto houve falhas do governo federal ao não divulgar para o cidadão

brasileiro quais benefícios ele teria com a realização do certame no país (só poucos

meses antes do evento o governo iniciou campanha publicitária com essa finalidade,

provavelmente tarde demais para reverter a onda de opinião). (OLIVEIRA; FIGUEIRA,

2014, p. 24).

Entretanto, assim que o Brasil venceu o primeiro jogo, no dia 12 de junho de 2014, o

clima de verde e amarelo festivo presente em todas as copas e que, até em então não havia

contagiado o povo brasileiro, passou a tomar conta do país, dessa vez com a participação

irrestrita de um enorme contingente de estrangeiros. No que diz respeito aos protestos, muitos

simplesmente não tiveram continuidade e outros foram esvaziados, sendo que apenas

pequenos grupos mantiveram as retaliações em dias de jogos do Brasil.

Dados oficiais confirmam o clima otimista. De acordo com levantamento do

Ministério do Turismo divulgado pelo Portal da Copa51, um milhão de estrangeiros de 203

nacionalidades estiveram no Brasil. Desses, 61% não conhecia o país e elogiou os serviços de

50 Isso sugere uma estratégia midiática por parte de alguns veículos, no sentido de focar suas críticas no governo

federal. 51 Fonte: http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/brasil-recebeu-um-milhao-de-turistas-estrangeiros-de-203-

nacionalidades

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infraestrutura e turismo. Os itens mais bem avaliados foram hospitalidade e gastronomia, com

98% e 93% de aprovação. A segurança pública foi avaliada positivamente por 92% deles. Já

no que diz respeito à imprensa internacional, 96,5% dos profissionais da mídia

recomendariam o país para amigos e familiares. As pesquisas de avaliação com os

estrangeiros foram feitas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Fundação Instituto de

Pesquisas Econômicas (Fipe). Além disso, 3.056.397 brasileiros circularam pelo país. São

Paulo foi o principal estado emissor (858.825 pessoas), Minas Gerais ficou em 4º lugar

(204.425).

Com relação aos gastos dos estrangeiros, segundo dados do Banco Central divulgados

em janeiro de 201552, 2014 foi um ano de recorde (US$ 6,9 bilhões) – US$ 203 milhões a

mais do que foi registrado no ano anterior - que até então havia sido um recorde. Em junho e

julho, meses em que a Copa foi realizada, o aumento foi de 60% (US$ 1,5 bilhão) em relação

a igual período de 2013.

O segundo Mundial sediado no Brasil também contou com um público total de cerca

de 3,4 milhões de torcedores nos estádios (o segundo maior público da história do torneio,

perdendo apenas para o torneio nos EUA em 1994 – 3,5 milhões de pessoas)53 e com grande

visibilidade midiática: a final entre a Alemanha e a Argentina bateu todos os recordes de um

evento internacional na história (um bilhão de espectadores)54. E quando considera-se todas as

partidas, de acordo com um estudo da Fifa divulgado pela revista Placar55, 3,2 bilhões de

telespectadores assistiram aos jogos pela TV, sendo que o número de pessoas que

acompanhou o evento no Brasil só foi superado pelo país mais populoso do mundo: a China.

Também segundo o estudo, a audiência manteve os níveis da Copa na África do Sul, no

entanto, o número horas de partidas transmitidas aumentou em 36% em relação a 2010.

Para além disso, segundo o portal da Copa, duas das principais redes sociais do mundo

divulgaram estatísticas que mostram que foi o maior evento da história em número de

interações. No Twitter, foram 672 milhões de tweets, sendo só durante a final realizada no

Maracanã, 32 milhões de posts. Já no Facebook, não foi diferente:

52 Fonte: http://www.copa2014.gov.br/pt-br/noticia/gasto-de-estrangeiros-no-brasil-bate-recorde-em-2014 53 Fonte: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,copa-do-mundo,brasil-registra-segunda-maior-media-de-

publico-das-copas-do-mundo,1528047 54 Fonte: http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,final-da-copa-do-mundo-foi-vista-por-mais-de-um-

bilhao-de-pessoas,1564835 55 Fonte: http://revistaplacar.uol.com.br/noticias/copa-do-mundo/copa-de-2014-teve-32-bilhoes-de-

espectadores.phtml#.V2w0ojWPHIU

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a rede social contabilizou 3 bilhões de interações durante a Copa do Mundo,

envolvendo 350 milhões de pessoas. A final entre Alemanha e Argentina envolveu

88 milhões de pessoas e somou 280 milhões de interações, transformando a decisão

no evento mais comentado da história do Facebook. (COPA, 2014).

Isso fez com que Copa liderasse a lista dos principais tópicos daquele ano, bem a

frente do vírus ebola e das eleições no Brasil. Mas não foi somente aqui que o megaevento

explodiu na internet. No hemisfério norte, Estados Unidos, 10,5 milhões de pessoas falaram

sobre o Mundial durante o evento superando inclusive o país-sede (10 milhões). Tudo isso

sem falar no Google, que chegou a registrar 2,1 bilhões de buscas relacionadas ao evento,

sendo o craque Neymar o jogador mais procurado. (COPA, 2014).

É importante esclarecer que isso não significa que a mídia não tenha relacionado a

Copa, mesmo durante o evento, a questões políticas. Um exame das revistas Época e Veja

atesta que isso ocorreu, em maior ou menor grau. Apenas para exemplificar e, ao mesmo

tempo, destacar um aspecto significativo da história, em plena abertura da Copa das

Confederações, no dia 15 de junho de 2013, a presidente Dilma Roussef foi vaiada e seu

pronunciamento limitou-se ao “Declaro oficialmente aberta a Copa das Confederações

2013”56. Já no início do Mundial não houve pronunciamento, “foi a primeira vez em 30 anos

que nenhum chefe de Estado ou cartola discursou na abertura da Copa” (BOMBIG;

TURRER; LOYOLA, 2014, p. 33) e, mesmo assim, bastou que a imagem da presidente

aparecesse nos telões após o primeiro gol do Brasil para que a torcida não só a vaiasse, mas

também a insultasse. Embora as duas revistas tenham condenado os insultos, considerando

um gesto nada civilizado da plateia, apenas Época expôs uma questão que não poderia deixar

de ser mencionada neste trabalho: “o gesto era inaceitável para a plateia privilegiada que

assistia a uma festa em que a própria Fifa quer celebrar a paz”. (BOMBIG; TURRER;

LOYOLA, 2014, p. 32, grifo nosso). Eram 62 mil espectadores que chegaram a pagar até R$

990,0057 pela entrada, ou seja, uma parcela muito privilegiada e, portanto, nada representativa

da população brasileira. Apesar disso, as vaias foram destacadas com a foto da presidente, no

momento em que o fato ocorreu, na capa de Veja que trata da cobertura do evento:

56 Fonte: http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2013/06/15/dilma-e-muito-vaiada-na-abertura-e-

blatter-da-bronca-na-torcida.htm 57 Fonte: http://www.ebc.com.br/esportes/2013/07/confira-os-precos-dos-ingressos-para-a-copa-do-mundo-2014

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Figura 1 - Capa Veja edição 2378

Fonte: Veja (2014)

Sem dúvida, o resgate dos fatos citados acima sugere a colocação de Telles, Sampaio

e Baptista (2014):

durante todo o mandato, o governante e os seus opositores travam disputa para

controlar a forma como a opinião pública julga o desempenho do governo. Essa

disputa passa pela imputação de responsabilidade ao presidente e pelo destaque

dado a determinados temas em detrimento de outros. (TELLES; SAMPAIO;

BAPTISTA, 2014, p. 4).

Posto isso, é importante destacar que boa parte das informações apresentadas neste

tópico, em especial as que podem ser consideradas positivas no que diz respeito a realização

do megaevento, foram divulgadas após o término da Copa do Mundo – sendo algumas delas

apenas após o término do pleito eleitoral. As razões certamente se dão por conta do tempo

para que as empresas e instituições reunissem tais dados, bem como pelo fato de o Brasil ter

entrado em período eleitoral em durante a Copa, o que proíbe determinadas divulgações

oficiais que podem configurar como propaganda. Também não se pode deixar de mencionar a

derrota do Brasil para a Alemanha por 7 a 1, isso acabou por ofuscar outros aspectos.

3.2 Veja e Época: enxergando os semanários pela lupa

No que diz respeito às revistas semanais de informação, Portela (2009) esclarece que:

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a revista de informação geral, enquanto instrumento convencional de informação

constitui-se como meio mais propício para atualização e formação permanente do

indivíduo. Isto se deve tanto por sua característica de continuidade, que garante

informações recentes em tempo relativamente ágil, como pela oportunidade de

acesso a opiniões distintas num mesmo veículo, bem como pela possibilidade de

maior aprofundamento na análise. (PORTELA, 2009, p. 1).

Já Goulart (2006) destaca as características desse tipo de veículo: por conta de sua

periodicidade, as revistas contam com uma apuração muito mais esmiuçada e, em geral, têm

maior possibilidade de ouvir várias fontes. Isso reunido a uma gama de recursos gráficos e

fotografias, oferece condições para uma proposta de jornalismo mais analítico, interpretativo e

investigativo.

Por sua vez, ao nortear as peculiaridades próprias desse meio, Portela (2009) aponta o

texto, a informação mais analítica e aprofundada, a periodicidade, a segmentação e o formato.

Quanto à informação “mais analítica e aprofundada”, sabemos que tal peculiaridade tem

relação com a periodicidade. “Sem a superficialidade e/ou a pressa impostas aos jornais

diários, televisão e, principalmente, internet, a revista é capaz de fornecer maior quantidade

de informações sobre fatos que foram publicados por outros veículos”. (PORTELA, 2009, p.

3). É também essa característica que permite a revista não só contextualizar como analisar

com maior critério, ou mesmo intencionalidade, o fato que está reportando. Já no que diz

respeito à segmentação, a autora (2009, p. 4) lembra que “existem inúmeras publicações para

os diferentes tipos de leitores. Atualmente, é possível escolher uma revista levando em conta

as mais inusitadas opções”.

No entanto, para Dittrich e Lage citados por Mesquita (2008):

as revistas semanais praticam um jornalismo opinativo muito mais acentuado do que

a cobertura interpretativa. Os autores definem a interpretação como característica de

um texto jornalístico que apresenta fatos propondo ligações entre eles, podendo,

assim, levar o leitor a diversos entendimentos (por analogia, causa e consequência,

etc). A opinião propõe apenas uma versão diante de vários fatos. (DITTRICH;

LAGE apud MESQUITA, 2008, p. 50).

Especificamente em relação à Veja, publicação da editora Abril58 que pertence ao

Grupo Abril59, Velasquez e Kushnir (2009) afirmam que o semanário foi lançado em São

58Suas mais de 30 marcas que, disponíveis em plataformas digitais e no impresso, atingem mais de 20 milhões de

mulheres, homens, adolescentes e crianças em todo o Brasil, levando conteúdos de 17 segmentos como moda,

saúde, beleza, comportamento, negócios, esportes e decoração. Suas publicações vendem cerca de 144 milhões

de exemplares anualmente e somam mais de 4 milhões de assinaturas. Sete das dez maiores revistas do país

são da Abril, sendo Veja a primeira da lista e a maior semanal de informação do Brasil. A Editora também atua

em negócios digitais, com mais de 200 aplicativos, 40 sites editoriais e 28 revistas para tablets. (Fonte:

http://grupoabril.com.br/pt/o-que-fazemos/M%C3%ADdia/marcas-e-empresas/Editora%20Abril) 59 O Grupo Abril opera com base em dois principais segmentos empresariais: a Abril Mídia, que concentra os

negócios da Editora Abril, da Abril Gráfica e do CasaCor; e a DGB, holding de Distribuição e Logística.

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Paulo, no dia 11 de setembro de 1968. Acerca das características editoriais da revista, as

autoras expõem detalhes sobre a distribuição de matérias e seções que foram adotadas dois

anos depois que a revista passou a circular e são utilizados até hoje, em sua maioria. De

acordo com nossas observações, todos os itens citados abaixo ainda fazem parte da revista:

[...] com a abertura composta por uma entrevista (que passou a ser impressa em

páginas amarelas), destaques da semana, cartas, o editorial (“Carta ao leitor”) e uma

grande matéria de resumo da semana, normalmente de pauta política. Nas últimas

páginas, os temas culturais: cinema, livros, música etc. Fechando a revista, uma

página de opinião assinada”. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).

Além de uma das mais tradicionais revistas do país, Veja é também a mais vendida.

Segundo a Associação Nacional dos Editores de Revistas (ANER)60, de janeiro a setembro de

2014, a circulação média do semanário chegou a 1.167.928 exemplares, muito acima da

segunda colocada: a revista Época, com 390.709 exemplares. Em relação ao perfil do leitor, a

primeira mostra que 22% vêm da classe A, 49% da B, 26% da C e 3% das classes D/E61,

enquanto a segunda expõe que 72% pertencem à classe AB, ao passo que 25% dos seus

leitores está na classe C62. Entre esses, 79% do público de Veja é assinante63, enquanto na

Época tal número chega a 91% dos exemplares64. Já no que diz respeito ao número de leitores

alcançados, dados apontados pela Abril65 apontam 8.614.529 leitores. Por sua vez, a revista da

editora Globo atinge cerca de 2.759.000 leitores.

Segundo Portela (2009), o número de exemplares faz de Veja a terceira maior revista

semanal do mundo, perdendo apenas para as americanas Time e Newsweek. “Inclusive, foram

as duas que inspiraram o surgimento de Veja, inaugurando no Brasil o gênero das

newsweeklies (revistas semanais de informação)”. (PORTELA, 2009, p. 13). Com efeito,

conforme o FSB Comunicações, Veja “é uma das publicações mais influentes do país. A elite

política está atenta a ela, que é indicada como uma das três revistas preferidas por mais de

70% dos deputados federais, muito acima de suas concorrentes”. (FSB apud BIROLI;

MIGUEL, 2010, p. 5). Já de acordo com Cavalcante (2015, p. 192), “a revista foi citada como

a mais ‘confiável’ no Brasil, única que recebeu avaliação totalmente positiva de mais da

metade (51,8%) dos entrevistados na manifestação de 12 de abril [de 2015]66”, atentando para

(Fonte: http://grupoabril.com.br/pt/quem-somos/empresa)

60 http://aner.org.br/dados-de-mercado/circulacao/ 61 http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais 62 http://editora.globo.com/midiakit/epoca/arquivos/MidiaKit_Epoca.pdf 63 http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais 64 http://editora.globo.com/midiakit/epoca/arquivos/MidiaKit_Epoca.pdf 65 http://www.publiabril.com.br/marcas/veja/revista/informacoes-gerais 66 Em 24 estados e no Distrito Federal, realizou-se manifestações contra o governo Dilma Rousseff e contra a

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o fato que essa foi uma manifestação de Direita. Como bem aponta Silverstone (2005, p. 42),

a confiança é “uma precondição da mediação, uma pré-condição necessária em todos os

esforços da mídia por representação, e especificamente por representação factual”. Isso pode

estar relacionado às seguintes características:

Veja adota um estilo de jornalismo que rompe ostensivamente com os cânones da

objetividade. Sua adjetivação é agressiva, suas antipatias são explícitas, sua

predileção por determinados temas da agenda é indisfarçada – características que se

acentuaram nos últimos anos. As personagens de suas matérias são tratadas com

pesos e medidas bem diferenciados, conforme a posição que possuem. Os muitos

adversários da revista não se cansam de denunciar o “antijornalismo” que ela adota,

muitas vezes apresentando evidências de contaminação do noticiário por interesses

políticos [...] Mesmo assim, Veja permanece numa das posições centrais da imprensa

brasileira. (BIROLI; MIGUEL, 2010, p. 5).

Em seus estudos, Velasquez e Kushnir (2009) fazem um relato acerca da história da

revista Veja e de sua relação com os acontecimentos voltados para a esfera política no Brasil.

De acordo com as autoras, a revista, que iniciou suas atividades em 1968, trazia na capa a

imagem em negro da foice e do martelo sobre fundo vermelho, com a seguinte manchete “O

grande duelo no mundo comunista”. Vale lembrar que, justamente naquele período,

aumentava a resistência à ditatura militar no país. “Eram diretor e editor da Abril, Victor

Civita, diretor de publicações, Roberto Civita e Mino Carta, diretor de redação. Embora

sempre tenha sido chamada apenas de Veja, de seu número 1 até o 351, de 28 de maio de

1975, exibiu na capa o título Veja e leia”. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).

Segundo o histórico relatado pelas autoras, desde o início, a revista foi marcada pelas

coberturas políticas. Pouco depois do seu lançamento, em outubro de 1968, publicou uma

reportagem relacionada à repressão ao congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE).

Na edição de 18 de dezembro daquele mesmo ano, período em que o Ato Institucional nº 5

(AI-5) foi decretado, “a programação de uma capa sobre o ato institucional levou à redação da

revista um censor que vetou algumas declarações de políticos. Mesmo assim, na segunda-feira

a revista foi apreendida nas bancas”. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).

Já durante o governo do presidente Ernesto Geisel, a partir de 1974, a estratégia

adotada para denunciar a censura foi a utilização de matérias sobre anjos e demônios para

completar o espaço aberto pelos cortes. Os textos também falavam sobre um certo monge

“Falcus”, que poderia ser uma referência ao então ministro da Justiça, Armando Falcão. Tal

corrupção no dia 12 de abril de 2015. Os estados onde os protestos ocorreram foram São Paulo, Paraná, Minas

Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Bahia, Pará, Maranhão, Amazonas, Alagoas, Goiás,

Santa Catarina, Ceará, Pernambuco, Sergipe, Paraíba, Acre, Tocantins, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul,

Piauí, Rondônia e Rio Grande do Norte. (Fonte: http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-

noticias/2015/04/12/protestos-contra-dilma-ocorrem-no-df-e-em-6-estados.htm)

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prática durou quatro edições e levou Mino Carta e José Roberto Guzzo a dar explicações à

Polícia Federal. Dessa forma, pode-se dizer que Veja agiu como um veículo de resistência

durante vários anos na ditadura, tanto que sempre admitia repórteres que haviam sido

demitidos de outros órgãos por razões políticas. Isso fez com que, durante o governo Geisel, a

ala linha dura das forças armadas viesse a pressionar a revista para que o veículo a

abandonasse sua linha crítica e se aproximasse um pouco mais da orientação do regime:

a pressão culminou, em fevereiro de 1976, com a saída do jornalista Mino Carta da

direção de redação por pressão direta do Ministério da Justiça. [...] Em depoimento

prestado cerca de 20 anos depois, Carta caracterizou sua demissão como a maneira

encontrada para garantir uma trégua na censura prévia e a manutenção de avais

governamentais para financiamentos obtidos no exterior pela Editora Abril. Em 3 de

junho de 1976, com um telefonema da Polícia Federal, a censura à Veja chegou ao

fim. (VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).

Coincidentemente ou não, foi neste mesmo ano, em 1976, que a revista Realidade,

fundada por Victor Civita e, portanto, pertencente à mesma editora, saiu de circulação.

Segundo Pereira Júnior (2009), a revista já havia vinha se pautando por um posicionamento

nos moldes da linha governista, tendo abandonado o enfrentamento ao regime político no

final de 1968. Para se ter uma ideia, no início de 1969, já apontava algumas características do

então futuro presidente do Brasil, Ernesto Geisel:

a revista publicou vários dados da biografia do presidente que revelavam a sua

capacidade de liderança, não economizando em adjetivos: “bom menino”, “bom

moço”, “bom conspirador”, “bom militar”, “bom revolucionário”, “bom pai” e “bom

amigo”. Poesias também foram publicadas para homenagear o futuro presidente.

(PEREIRA JÚNIOR, 2009).

Por sua vez, de acordo com Velasquez e Kushnir (2009), em 1978, um editorial de

Victor Civita comemorava os dez anos de Veja e expunha os princípios básicos que guiavam a

revista desde o seu nascimento. O primeiro deles: “E ser liberal, para nós, é querer o

progresso com ordem, a mudança pela evolução, e a manutenção da liberdade e da iniciativa

individuais como pedra angular do funcionamento da sociedade.” Outros temas também

foram abordados no texto, dentre eles, foram condenadas as greves e propostas de formação

de “centrais sindicais tipo CGT (Central Geral dos Trabalhadores), que fatalmente se

concentram na ação político-ideológica”.

Na década de 1980, a revista cresceu significativamente durante o processo de

redemocratização do país. Grande parte dos fatos, entre eles as manifestações populares

(“Diretas Já” e outras) e os novos planos econômicos, foram fortemente cobertos pelo

semanário, o que se reverteu em tiragens recordes naquela época. Nesse contexto, um novo

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recorde de circulação, “em 16 de janeiro de 1985 (em edição fechada um dia antes da votação

realizada pelo Colégio Eleitoral), Veja foi às bancas com um número especial sobre as

eleições de 15 de janeiro, noticiando a já esperada vitória de Tancredo Neves”.

(VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009). Foi a partir daí que a revista foi “afinando sua sintonia”

com a classe média, seu principal-público, e mostrando-se envolvida com os interesses de

seus leitores. Daí o destaque para reportagens que mostrassem quais as consequências de

planos econômicos para o público. No mesmo período, mais exatamente em 1987:

Veja noticiava de forma positiva os avanços do “Centrão”, bloco parlamentar

conservador, apoiado pelo presidente Sarney e formado para conter os avanços

obtidos pelas forças de esquerda na primeira fase dos trabalhos de elaboração da

Constituição. Assim, a revista classificava os protestos dos movimentos sociais, em

especial os sindicatos, contra as propostas do “Centrão” na votação do regimento da

Constituinte de “baderna”, em matéria cujo título era “O voto ganha do grito”.

(VELASQUEZ; KUSHNIR, 2009).

Já na década de 1990, a revista cobre o lançamento do Plano Real com o olhar já

parcialmente voltado para a eleição do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique

Cardoso. Luiz Inácio Lula da Silva, até então preferido nas pesquisas eleitorais, vê sua

candidatura perder força diante do atrelamento do sucesso do plano ao então candidato FHC.

Com a vitória deste, em 1994, a revista passa a estampar um clima de otimismo e euforia

diante da tão sonhada estabilidade econômica. Clima que, aliás, de acordo com as autoras,

nem os escândalos com corrupção que abalariam o governo um ano depois alterariam de

forma profunda. Afinal, não houve exatamente muito empenho da revista em apurar e

desvendar o que estaria por trás de tais escândalos. E no ano seguinte, Veja manteve seu apoio

ao governo, sempre ancorada aos frutos do Plano Real.

No que diz respeito à relação entre a mídia e o governo petista, Pires (2007) destaca

um momento crucial – agosto de 2004 – quando o então governo Lula, a pedido da Federação

Nacional dos Jornalistas (Fenaj) encaminha ao Congresso um projeto de lei para a criação do

Conselho Federal de Jornalismo. Anunciado no dia 4 de agosto, durante a abertura do 31º

Congresso Nacional de Jornalismo, pelo então secretário de Imprensa e Divulgação da

Presidência da República, Ricardo Kotscho, o projeto foi condenado um dia depois, no Jornal

Nacional, veículo que assim como a revista Época, pertence ao Grupo Globo67. Em suma, o

67 O Grupo Globo atua em vários segmentos. A TV Globo tem sua programação distribuída em quase todo o

território nacional, por meio de 5 emissoras próprias, em parceria com empresas afiliadas, e em mais de 100

países, por meio da Globo Internacional. A Globo Filmes participa da coprodução de filmes brasileiros.

A Globosat é uma programadora de canais de TV por assinatura. O grupo atua nos segmentos de jornais e

revistas, impressos e digitais, através da Infoglobo e da editora Globo. A Som Livre atua na área musical. No

rádio, a atuação se dá por meio do Sistema Globo de Rádio. O ZAP é um portal de classificados online de

atuação nacional. (Fonte: http://grupoglobo.globo.com/index.php).

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editor-chefe e âncora William Bonner:

[...] condenou o projeto, classificando-o como um retrocesso e uma ameaça à

liberdade de imprensa e à liberdade de expressão. Na sequência foi apresentada uma

reportagem com quatro depoimentos contrários e um favorável ao projeto [...] No

mesmo dia, no Jornal da Noite, às 23h30, a apresentadora Ana Paula Padrão voltou a

retificar a posição contrária da emissora ao projeto, reforçada pelo comentarista

Arnaldo Jabor, que alertava a sociedade para a volta da censura aos veículos de

comunicação do país, como ocorreu durante os vinte anos de ditadura. (TORVES

apud PIRES, 2007, p. 256)68.

A partir daí, a autora analisou a cobertura diária em relação ao fato em O Globo, jornal

também pertencente ao grupo e na Folha de S. Paulo, desde o momento em que o projeto foi

apresentado até quando o Executivo recua. O motivo é claro: comportando-se como parte

interessada, a mídia massacrou o projeto e deixou de expressar os diferentes pontos de vista

em relação ao assunto. O artigo ainda dá exemplos de como esses dois veículos rechaçaram o

governo, mas ressalta que isso não ocorreu apenas por parte deles. “Os grupos editoriais

Globo, Abril, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil e Record formaram uma frente informal

contra a proposta. Ao grupo uniram-se juristas, personalidades, oposição, setores da situação,

além de boa parte da base das redações”. (VENCESLAU apud PIRES, 2007, p. 262, grifo

nosso)69.

Já a revista Época, da editora Globo70, nasceu no dia 25 de maio de 1998. De acordo

com Mesquita (2008), no que diz respeito aos temas retratados, nota-se o interesse

especialmente por entretenimento e utilidades. Além disso, as reportagens chamadas “frias”,

no jargão jornalístico, geralmente costumam ser bastante enfocadas pela revista.

No que tange ao perfil do leitor, Época intenciona, em seu mídia kit, demonstrar que

seu público possui um bom nível financeiro. Mesmo tendo fins principalmente comerciais,

acreditamos que vale a pena expor alguns dados: um em cada nove leitores pretende comprar

68 [...] condemned the bill, classifying it as retrogression and a threat to freedom of the press and freedom of

expression. Following this a report was presented with four opinions contrary and one favorable to the bill [...]

On the same day, in the Jornal da Noite newscast at 11:30 p.m., announcer Ana Paula Padrão again ratified the

television station´s position against the bill, reinforced by commentator Arnaldo Jabor, who warned society of

the return to censorchip of the country´s communication media, such as that which occurred during the twenty

years of dictatorship. 69 The Globo, Abril, Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil and Record publishing groups formed an informal front

against the proposal. The group was joined by jurists, celebrities, opposition politicians, sectors supporting the

government, in addition to a good part of the newsroom base. 70 Fundada em 1952, tem no seu portfólio as marcas Época, Quem Acontece, Época Negócios, Marie Claire,

Casa e Jardim, Casa e Comida, Crescer, Autoesporte, Galileu, Pequenas Empresas & Grandes Negócios,

Globo Rural e Monet, além do agregador feminino Meus 5 Minutos. Por meio da Edições Globo Condé Nast,

joint venture firmada com a Condé Nast Internacional, publica no mercado brasileiro os títulos Vogue, Casa

Vogue, GQ e Glamour. A editora Globo, de Porto Alegre, foi comprada por Roberto Marinho em 1986. Com

isso, a Rio Gráfica Editora, já pertencente ao grupo, passou a chamar-se editora Globo. (Fonte:

http://corp.editoraglobo.globo.com/a-empresa/)

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um carro 0 km; 94% têm automóvel no lar e, destes, 69% são proprietários; mais da metade

possui algum tipo de seguro; 76% têm cartão de crédito; 61% têm computador em casa; 90%

tem acesso à internet no lar, sendo que 90% desses possuem banda larga e, finalmente, mais

de 496 mil leitores comprarão eletroeletrônicos nos próximos 12 meses71.

Outra informação significativa é que o conglomerado Globo foi responsável pela

transmissão do Mundial. Como licenciante, a Fifa concedeu, por meio de transações

financeiras, os direitos de transmissão dos jogos à rede Globo, que por sua vez repassou tais

direitos a outros veículos nacionais72.

Além da transmissão, de acordo com Castro e Konchinski (2012), a Globo produziu o

vídeo do slogan do Mundial, organizou grandes eventos da Fifa no país e, em 2012, a empresa

do grupo Globo Marcas passou a ser responsável pelo licenciamento de produtos com a marca

da Copa 2014. Tal envolvimento sugere que, pelo menos naquele momento, as revistas em

questão tivessem interesses antagônicos com relação ao evento, o que possivelmente refletiu-

se em suas coberturas com o objetivo de conduzir, ou mesmo, formar a opinião pública, pelo

menos de seus leitores.

No que tange a imagem de si que essas revistas querem construir na mente dos

leitores, Hagen e Benetti (2010) expuseram trechos de textos que mostram como elas se

apresentam em seus sites oficiais ou por meio de seus representantes. Abaixo, serão expostos

alguns exemplos. No entanto, como parte das informações foram ajustadas pelos editores,

serão feitas as adaptações necessárias, sem perder de vista a base construída pelos

pesquisadores.

A missão de Veja, de acordo com a fala do então presidente da Abril, Roberto Civita,

exposta pelo site73 é:

ser a maior e mais respeitada revista do Brasil. Ser a principal publicação brasileira

em todos os sentidos. Não apenas em circulação, faturamento publicitário,

assinantes, qualidade, competência jornalística, mas também em sua insistência na

necessidade de consertar, reformular, repensar e reformar o Brasil. (CIVITA, s/d)

71 http://editora.globo.com/midiakit/epoca/arquivos/MidiaKit_Epoca.pdf 72 De acordo como a Empresa Brasil de Comunicação (EBC), os veículos são os seguintes: Rádio e Televisão

Bandeirantes Ltda, SporTV, FOX Brasil, ESPN do Brasil, Bandsports, Rádio Tupi S.A., Rádio Verdes Mares,

Rádio Transamérica de SP Ltda, Rádio Olinda Pernambuco Ltda, Rádio Jovem Pam, Rádio Paiquerê Ltda,

Rádio Metropolitana FM, Rádio Liberdade de Caruaru Ltda, Rádio Manchete, Rádio Itatiaia, Rádio TV do

Amazonas, Rádios Globo SP e Rio, Rádio Gaúcha S.A, Rádio Excelcior, Rádio EBC, Fundação Santo

Antônio, TV e Rádio Jornal do Commércio Ltda, Rádio Clube do Pará PRC 5, Rádio Família FM Ltda, Rádio

105 Brazil e Rádio Brasil Sul Ltda. (Fonte:

http://www.ebc.com.br/sites/default/files/emissoraslicenciadas.pdf). 73 http://publiabril.abril.com.br/marcas/veja/plataformas/revista-impressa

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No mesmo raciocínio, segue um trecho da missão do grupo74: “A Abril está

empenhada em contribuir para a difusão de informação, cultura e entretenimento, para o

progresso da educação, a melhoria da qualidade de vida, o desenvolvimento da livre iniciativa

e o fortalecimento das instituições democráticas do país”. Já a Época, em 2015, expõe como

sua missão75: “fazer um jornalismo que capte o espírito do nosso tempo e ajude a construir o

amanhã, converta informação em conhecimento, transforme a confusão em clareza”. Entre

suas crenças, afirma que “acreditamos num mundo sem muros, globalizado” e “acreditamos

que a meritocracia76 é o melhor caminho para uma sociedade justa, dinâmica e próspera”.

Segundo Hagen e Benetti (2010, p. 129), “a representação de si em Veja e Época está

relacionada ao poder econômico e político da Abril e da Globo. Essas editoras, que fazem

parte de grande grupos de comunicação, defendem o sistema capitalista, a livre iniciativa, a

competitividade e o lucro”. É interessante observar que, de todos os temas apontados pelos

pesquisadores, apenas o lucro não aparece, de modo explícito, na “missão”, “visão” ou

“crença” da revista Época.

Especificamente no que diz respeito ao poder político, Hagen e Benetti (2010, p. 130)

destacam que isso é “declarado na preocupação com o estabelecimento de uma agenda de

temas relevantes, sempre como empresas que se consideram aptas a apontar ao Estado os

rumos da nação”. De acordo com eles, não é para menos que Civita fala em “insistência na

necessidade de consertar, reformular, repensar e reformar o Brasil”. Essa preocupação

também fez parte do seminário “O Brasil que queremos ser”, organizado por Veja em 2008 no

qual discutiu-se temas como educação, economia, imprensa e democracia. A partir desse

evento, propostas foram apresentadas na edição 2077 da revista. A questão também aparece

entre as crenças de Época: “acreditamos numa postura crítica e propositiva, capaz de formular

uma agenda de soluções para os problemas da atualidade”. Para os autores, “percebe-se que

tanto Veja como Época associam a defesa da democracia à livre iniciativa”. (HAGEN;

BENETTI, 2010, p. 130).

74 http://grupoabril.com.br/pt/missao-e-valores 75 http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2013/07/nossa-missao.html 76 “Para Kreckel, a ideologia do desempenho baseia-se na ‘tríade meritocrática’ que envolve qualificação,

posição e salário. Destes, a qualificação, refletindo a extraordinária importância do conhecimento com o

desenvolvimento do capitalismo, é o primeiro e mais importante ponto que condiciona os outros dois. A

ideologia do desempenho é uma ‘ideologia’ na medida em que ela não apenas estimula e premia a capacidade

de desempenho objetiva, mas legitima o acesso diferencial permanente a chances de vida e apropriação de

bens escassos. Apenas a combinação da tríade da ideologia do desempenho faz do indivíduo um ‘sinalizador’

completo e efetivo do ‘cidadão completo’ (Vollbürger)”. (SOUZA, 2003, p. 65).

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Em relação ao quesito “independência”, um trecho da Carta do Editor77 assinada pelo

então presidente da Abril, Roberto Civita, no Mídia Kit do semanário afirma que:

Veja está empenhada em apresentar semanalmente não apenas um grande leque de

informações confiáveis, mas também o contexto e a análise que permitem colocar os

fatos em perspectiva e entende-los melhor. É fundamental, para isso, que a revista

seja independente, isenta, inteligente, responsável. Que não admita pressões de

governos e governantes, amigos e inimigos, acionistas e anunciantes. Que busque a

objetividade. (CIVITA, s/d)

Para Hagen e Benetti (2010, p. 131), “essa independência não diz respeito a uma

cobertura plural dos fatos. Independência, para a Veja, é defender o sistema favorável aos

interesses comerciais da Abril”.

Já Época apresenta, junto à missão, mais uma de suas crenças78 e afirma que

“acreditamos na diversidade, na pluralidade e no jornalismo independente e apartidário”. No

entanto, embora o paradoxo entre interesses econômicos e independência não esteja evidente

nessas falas institucionais, é preciso lembrar os compromissos da editora Globo não só com o

poder político mas também com as demais empresas do grupo. Afinal, o próprio site da

editora traz, em outra aba, o que chama de “Princípios Editoriais do Grupo Globo”, com um

texto de apresentação79 datado de 6 agosto de 2011 e assinado por Roberto Irineu Marinho,

João Marinho e José Roberto Marinho. Segundo eles, “o que se pretendeu foi explicitar o que

é imprescindível ao exercício, com integridade, da prática jornalística, para que, a partir dessa

base, os veículos das Organizações Globo [hoje Grupo Globo] possam atualizar ou construir

os seus manuais”. Destaca-se a seção III do documento, na qual são trazidos “Os valores cuja

defesa é um imperativo do jornalismo”, que também tratam da questão da independência:

as Organizações Globo [hoje Grupo Globo] serão sempre independentes,

apartidárias, laicas e praticarão um jornalismo que busque a isenção, a correção e a

agilidade [...] Não serão, portanto, nem a favor nem contra governos, igrejas, clubes,

grupos econômicos, partidos. Mas defenderão intransigentemente o respeito a

valores sem os quais uma sociedade não pode se desenvolver plenamente: a

democracia, as liberdades individuais, a livre-iniciativa, os direitos humanos, a

república, o avanço da ciência e a preservação da natureza. [...] Sem a democracia, a

livre-iniciativa e a liberdade de expressão, é impossível praticar o modelo de

jornalismo de que trata este documento, e é imperioso defendê-lo de qualquer

tentativa de controle estatal ou paraestatal. Os limites do jornalista e das empresas de

comunicação são as leis do país, e a liberdade de informar nunca pode ser

considerada excessiva. (GRUPO GLOBO, 2011).

Vale mencionar, ainda neste item, a crise no setor de comunicação, em especial no

âmbito impresso. De acordo com Costa (2016), isso vem ocorrendo em todo o mundo, sendo

77 http://publiabril.abril.com.br/marcas/veja 78 http://epoca.globo.com/tempo/noticia/2013/07/nossa-missao.html 79 http://corp.editoraglobo.globo.com/principio/

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que no Brasil teve início em 2011, com o declínio da publicidade. “O ano de 2010 ainda foi

bom, especialmente em razão do mercado imobiliário”. (COSTA, 2016). Também segundo a

autora, “cresceu a pressão por aumento mais rápido da receita digital, dominada por poderosas

organizações como Google e Facebook”. (COSTA, 2016).

No que diz respeito aos semanários em questão, acredita-se que por fazer parte do

Grupo Globo, Época sinta menos os efeitos da crise. De acordo com Possebon (2016),

conforme o balanço de 2015:

a receita líquida das empresas do grupo foi de R$ 16,04 bilhões no consolidado (que

inclui participações minoritárias) e R$ 11,16 bilhões na controladora. Foi uma queda

de 6% na receita da controladora e pouco mais de 2% na receita líquida consolidada

em relação a 2014 em valores nominais (sem contar a inflação). (POSSEBON,

2016).

Já a situação da Abril parece mais delicada. Com uma área de atuação fortemente

voltada para as revistas, vários veículos do grupo acabaram por ser “descontinuados”, para

não dizer extintos nos últimos anos. Entre eles, chama a atenção o caso da revista Playboy,

que após cerca de 40 anos nas bancas de todo o país, saiu de circulação em novembro de

201580. Mas isso parece ser apenas uma pequena parte do problema:

segundo relato da Folha, a empresa da família Civita “vendeu a totalidade das ações

da Abril Educação para fundos de investimentos da gestora Tarpon, em uma

operação avaliada em R$ 1,3 bilhão. O valor representa a soma da fatia de 20,73%

do capital social total adquirido nesta segunda-feira (9/02) com os 19,91% que o

Tarpon havia adquirido em agosto do ano passado […] A venda do negócio de

educação é mais um passo no processo de enxugamento que vem sendo

implementado no Grupo Abril desde a morte do empresário Roberto Civita, em maio

de 2013. Desde então, a empresa descontinuou quatro títulos (‘Alfa’, ‘Bravo’,

‘Gloss’ e ‘Lola’), vendeu as frequências da MTV e transferiu dez títulos para a

Editora Caras”. (BORGES, 2015).

No entanto, essa tendência parece estar sendo amenizada desde que Michel Temer

assumiu a presidência. De acordo com uma investigação acerca de números divulgados pela

Secom feita por Rosário (2016), do blog O Cafezinho, “os repasses federais para a Editora

Globo, que edita a revista Época, dispararam 586%, na comparação de janeiro/agosto de 2016

com o ano inteiro de 2015.” (ROSÁRIO, 2016). Já a editora Caras, da qual os donos da Abril

são sócios, “recebeu R$ 1,55 milhão da Secom nos oito primeiros meses de 2016, um

crescimento de 2.473% sobre os valores recebidos no ano inteiro de 2015”. (ROSÁRIO,

2016). Por sua vez, as verbas destinadas à própria Abril aumentaram em quase 50% mensais.

80 http://www.sganoticias.com.br/2015/11/em-crise-editora-abril-deixa-de.html

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No que diz respeito à mídia, segundo Maia (2008), não se pode apenas condenar ou

premiar os agentes midiáticos em relação a questões políticas. Há exemplos de que tratou o

assunto com seriedade, mobilizou as discussões de forma eficaz e fortaleceu o debate público,

mas também houve casos em que o contrário ocorreu, ou seja, as informações foram

distorcidas pela mídia, que acabou banalizando ou mesmo ignorando questões relevantes.

Nesse interim, alguns atores sociais ganham um papel de destaque na mídia, nem sempre

merecido, e outros acabam sendo pouco representados ou até excluídos do debate. Apenas

para exemplificar, como expõe Champagne (1996), foi mais ou menos o que aconteceu nas

manifestações de março de 1982, na França. Embora nem toda a imprensa tenha se portado

dessa forma, “a maior parte dos jornais parisienses está de acordo em apresentar o desfile com

um certo humor que denuncia a distância social que separa os jornalistas parisienses do

mundo rural”. (CHAMPAGNE, 1996, p. 213).

Com isso, Maia (2008) afirma que não há como estabelecer uma regra geral e única no

que diz respeito ao comportamento dos meios em relação à vida política, seja esse positivo ou

negativo. Assim, a autora conclui que:

cabe às pesquisas empíricas apreender a atuação dos meios massivos em situações

específicas, levando em consideração as instituições e agentes da mídia, as

instituições e os agentes do sistema político, as práticas receptivas e os usos que os

cidadãos fazem do material midiático, bem como o contexto sócio-histórico em que

diversas variáveis se cruzam. (MAIA, 2008, p. 202).

É justamente a atuação dos veículos caracterizados acima, considerando o contexto em

que ocorreu a Copa do Mundo, que se propõe investigar neste trabalho.

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4 COMO VOZES PÚBLICAS DA COPA FORAM APRESENTADAS POR ÉPOCA E

VEJA

Feitas as discussões teóricas, serão apresentadas as considerações metodológicas e,

posteriormente, as análises das revistas Veja e Época considerando os procedimentos

estabelecidos. O corpus da pesquisa é composto pelas edições referentes ao seguinte período:

12 de maio a 16 de julho de 2014, sendo que as análises foram feitas cronologicamente.

4.1 Considerações Metodológicas

Tendo em vista que o objetivo desta pesquisa é investigar o clima de opinião

construído pelas revistas Veja e Época em suas coberturas da Copa do Mundo, em um ano

eleitoral, com vistas a expressar e formar a opinião pública acerca do megaevento, da então

presidente-candidata Dilma Rousseff e da atuação do seu governo, foram elaboradas as

seguintes questões: em que momento e como as sondagens são acionadas por Época e Veja? E

quanto à visibilidade dada às fontes ordinárias?

Com o objetivo de responder a essas questões, foi definido o seguinte corpus: dez

edições da revista Época e dez edições da revista Veja, compreendendo o período entre 12 de

maio e 16 de julho de 2014. Tal recorte foi escolhido com base em uma pré-observação das

capas e reportagens das revistas, por meio da qual foi identificada a data do início da

cobertura bem como o seu término.

No que diz respeito às capas, das dez edições de Época que compõem o corpus,

apenas duas não destacam o Mundial, sendo que uma delas traz o tema no alto da página (30

de junho de 2014). Em relação à Veja, das dez edições a serem observadas, quatro não

mencionam o fato na capa e uma trata do assunto apenas no cabeçalho. É importante ressaltar,

ainda, que as capas das edições 2375 (Veja - 28.05.2014) e 834 (Época – 26.05.2014))

mencionam a Copa e tratam de um assunto indiretamente ligado ao evento: as características

do país que sediaria o Mundial.

Sobre as reportagens, parte delas trata do futebol e das celebridades da área, outras a

relacionam a questões como “a opinião do brasileiro em relação ao megaevento”,

“infraestrutura do país”, “segurança (ou falta dela)”, à “política/eleições” e a “manifestos”.

Quantificamos, ao todo, 47 reportagens na Época e 35 na Veja, ressaltando que as análises

serão focadas naquelas que saíram do âmbito “futebol/técnica”.

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Foi realizada uma pesquisa documental nos relatórios encomendados pela Secretaria

de Comunicação da Presidência da República e disponíveis no seu site81, com a finalidade de

identificar as opiniões das pessoas, obtidas acerca de questões relativas à Copa. Destaca-se

que, ao todo, seis relatórios acerca do Mundial foram feitos por meio de sondagens, em sua

maioria com moradores das cidades-sede dos jogos. A proposta é levantar informações acerca

do clima de opinião dos brasileiros em três deles – um produzido pelo Instituto Análise e

outros dois pelo Ibope Inteligência: Pesquisa Telefônica de Opinião Pública Copa do Mundo

2014 (06/2014), Estudo Quantitativo Ad hoc – Copa do Mundo 2014 (06/2014) e Estudo

Qualitativo Ad hoc Clima de Copa (06/2014), com dados coletados de 30 de maio a 14 de

julho, lembrando que o Mundial iniciou-se no dia 12 de junho e foi encerrado em 13 de julho.

Cabe esclarecer que a intenção é contrapor as informações fornecidas nesses relatórios

com aquelas apresentadas pelas revistas junto à publicação de sondagens. Considerando as

observações realizadas, ambas citam pesquisas de opinião de renomados institutos para

ilustrar algumas de suas reportagens: a Época aponta dados coletados pelo Ibope Inteligência,

Instituto Datafolha, CNI/Ibope e Instituto Pew Research (EUA) e o site Reclame Aqui, além

de uma pesquisa de autoria não divulgada na reportagem “A redenção nos pés do craque”. Já

a Veja cita o Pew Research, pesquisas encomendadas pelo governo (nas reportagens “O

pessimismo diminuiu” e “O bom e o mau humor”) e uma de autoria não divulgada em “O

jogo de caneladas”.

Além disso, aplicando a metodologia sugerida por Benetti (2007) pretende-se mapear

e analisar as falas de um tipo específico de fonte: os ordinários que ganharam visibilidade nas

edições selecionadas para exame. Apoiando-se no conceito de Bakhtin, a autora afirma que o

discurso jornalístico é altamente polifônico, “podemos citar como vozes: as fontes, o

jornalista-indivíduo que assina o texto, o jornalista-instituição quando o texto não é assinado,

o leitor que assina a carta publicada”. (BENETTI, 2007, p. 116). Apesar disso, ao analisar-se

o discurso, pode-se observar que, embora constituído por muitas vozes, nem sempre a

polifonia está presente. “Para identificar o seu caráter polifônico ou monofônico é preciso

mapear as vozes que o conformam e, nesse movimento, refletir sobre as posições de sujeito

ocupadas por indivíduos distintos”. (BENETTI, 2007, p. 116). Recorrendo a Foucault, a

autora afirma que:

o individuo, ao falar, ocupa uma posição determinada, de onde deve falar naquele

contexto de produção. [...] essas posições de sujeito são lugares que os indivíduos

81 http://www.secom.gov.br/atuacao/pesquisa

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metaforicamente “vêm ocupar”. São lugares construídos fora do discurso em

questão, segundo determinações culturais, sociais e históricas. (BENETTI, 2007, p.

117).

Por fim, ressalta-se que as fontes não ordinárias, entre elas jogadores de futebol,

técnicos e governantes, não farão parte das análises. Também foram excluídos porta-vozes de

órgãos públicos e especialistas por não representarem a opinião pública, neste trabalho

privilegiada.

Ainda considerando a pluralidade de vozes, ou a ausência dessa pluralidade no texto

jornalístico, pretende-se também fazer a análise do discurso acerca de outra questão apontada

por Benetti (2007): o silenciamento, afinal, o não-dito tem tanta força quanto o dito:

para estuda-lo, porém, é preciso que o analista detenha grande conhecimento sobre a

temática em questão – para, depois de mapear os sentidos presentes no discurso,

identificar aqueles sentidos que, embora significativos, estão silenciados e analisar

por que, afinal, estão ausentes daquele espaço discursivo. (BENETTI, 2007, p. 115).

A partir desses dois âmbitos: sondagens e voz dos ordinários, será feita a análise de

enquadramento das capas e reportagens das revistas. Mendonça e Simões (2012, p. 187)

relatam que:

por meio da análise do enquadramento, já se estudaram objetos tão diversos como

campanhas políticas, reality shows, grandes eventos públicos, movimentos sociais e

conversas informais. Heuristicamente rica e bastante maleável, a noção parece se

adaptar a diferentes problemas de pesquisa, embasando abordagens metodológicas

distintas. (MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p. 187).

Com isso, analisa-se os enunciados e discursos das mais diversas naturezas, captando

o modo como determinada realidade é enquadrada por eles. “No cerne desse tipo de

operacionalização reside uma preocupação em compreender o modo como discursos

estabelecem molduras de sentido, enquadrando o mundo a partir de perspectivas específicas”.

(MENDONÇA; SIMÕES, 2012, p. 193). Nessa mesma direção, Mesquita (2008) afirma que o

enquadramento pode ser aplicado tanto no âmbito da emissão quanto à recepção:

no que diz respeito à emissão, os estudos voltam-se à análise de termos, frases e

palavras repetidas que permitem a identificação de uma orientação imposta pelo

jornalista na construção de notícias [...] Isso ocorre, muitas vezes, por meio da

comparação entre dois ou mais veículos, verificando as similaridades e diferenças

que caracterizaram a cobertura de cada veículo”. (MESQUITA, 2008, p. 21).

Vale destacar, ainda, que a proposta é fazer uso do “enquadramento interpretativo”,

um conceito desenvolvido por Mauro Porto. Segundo o autor (2006):

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[...] enquadramento interpretativo diz respeito a um nível mais concreto: a

interpretação de temas ou eventos específicos. O ponto de partida é o de que

qualquer tema ou evento importante é controverso, ou seja, é enquadrado de forma

diferente por diferentes atores. A mídia tem um papel fundamental ao dar

visibilidade a certos enquadramentos ou ao marginalizar e excluir outros pontos de

vista. (PORTO, 2006, p. 132).

Dentro disso, pretende-se atentar, ainda, para o uso de fotos que são utilizadas nessas

reportagens, afinal, de acordo com Loizos (2002), os meios de comunicação muitas vezes

dependem de elementos visuais. Logo, esse material não pode ser ignorado. No entanto:

estes registros não estão isentos de problemas, ou acima de manipulação, e eles não

são nada mais que representações, ou traços, de um complexo maior de ações

passadas. […] eles são, inevitavelmente, simplificações em escala secundária,

dependente, reduzida das realidades que lhes deram origem. (LOIZOS, 2002, p.

138).

Já no que diz respeito às capas, o propósito é examinar como elas são compostas,

considerando as manchetes, chamadas e imagens, bem como os sentidos produzidos em

conjunto, com vistas a expressar ou formar um clima de opinião.

A partir desse material, a pesquisa terá como base o método comparativo, a ser

utilizado entre as duas revistas. Acerca do método comparativo, Schneider e Schimitt (1998)

afirmam que:

a comparação, enquanto momento da atividade cognitiva , pode ser considerada

com o inerente ao processo de construção do conhecimento nas ciências sociais. É

lançando mão de um tipo de raciocínio comparativo que podemos descobrir

regularidades, perceber deslocamentos e transformações, construir modelos e

tipologias, identificando continuidades e descontinuidades, semelhanças e

diferenças, e explicitando as determinações mais gerais que regem os fenômenos

sociais. (SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998, p. 1).

Os autores explicam, ainda, que o método comparativo deve ser aplicado

considerando, especialmente, três momentos: o primeiro envolve a seleção de dois ou mais

fenômenos que sejam efetivamente comparáveis: o que significa não apenas definir os

recortes, mas reproduzir aspectos essenciais dos fatos ou fenômenos investigados.

Posteriormente, é necessário definir os elementos a serem comparados. Neste momento, eles

explicam que alguns autores já partem de modelos previamente construídos, com as variáveis

especificadas previamente. Por último, eles apontam a generalização e perguntam “o que faz

com que um estudo comparado não se torne uma mera coleção de casos interessantes?”

(SCHNEIDER; SCHIMITT, 1998, p. 35) Para eles, o método comparativo deve ser visto

como uma bússola, um mapa para que o pesquisador não se perca entre os caminhos da

pesquisa, mas é necessário estar atento ao equilíbrio para a produção de um trabalho

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sistemático que não perca de vista suas indagações iniciais. (SCHNEIDER; SCHIMITT,

1998).

Acredita-se que, adotando os procedimentos metodológicos expostos acima, será

possível desenvolver uma reflexão acerca dos modos de expressão e formação do clima de

opinião acionados pelo jornalismo praticado por Época e Veja na atualidade.

4.2 As sondagens entram no jogo

Nesta seção, será feita uma análise do modo como as sondagens foram publicadas nas

duas revistas. Ambas citam pesquisas de opinião de renomados institutos para ilustrar

algumas de suas reportagens: a Época aponta dados coletados pelo Ibope Inteligência,

Instituto Datafolha, CNI/Ibope e Instituto Pew Research (EUA), além de mencionar o site

Reclame Aqui82, distribuídos em quatro edições e seis matérias. Já a Veja cita o Pew

Research, pesquisas encomendadas pelo governo e uma de autoria não divulgada (quatro

reportagens ao todo). Feito em ordem cronólogica, o estudo terá início pelo semanário da

Globo e depois passará pela edição correspondente de Veja.

Na edição 836 de Época, datada de 9 de junho de 2014, poucos dias antes da abertura

do Mundial ocorrida no dia 12, três pesquisas de opinião foram publicadas na reportagem de

capa “Por que amamos tanto a seleção”. São apresentados, em sequência, os resultados de

pesquisas realizadas naquele momento por dois institutos de pesquisa e um site. Vale destacar

que, em um parágrafo antes, é trazido o cenário de protestos “contra a corrupção e pela

melhoria dos serviços públicos” da Copa das Confederações em 2013 e questiona: “o torcedor

estava dividido: até que ponto o apoio à Seleção significava compactuar com a bagunça e as

denúncias de desvios que marcaram a organização da Copa do Mundo no Brasil?” (LIMA;

TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34), ou seja, traça-se um paralelo entre a opinião dos

brasileiros em 2013 e 2014. Seguem as sondagens, atentando para o fato de que, junto a

nenhuma delas, é exposto exatamente quando os dados foram coletados:

De acordo com o Instituto Datafolha, apenas 48% da população apoia o Mundial no

Brasil – 41% são contra. Há seis anos, o apoio era de 79%. Entre os paulistanos,

45% são a favor da Copa, e 43% são contra. (LIMA; TURRER; GORCZES

KI, 2014, p. 34).

Segundo uma pesquisa do Instituto Pew Research divulgada na semana passada,

61% dos brasileiros acham que acolher a Copa do Mundo é negativo para o país.

82 A empresa começou com reclamações dos familiares e amigos em um pequeno escritório em Campo Grande,

MS, e hoje é um site acessado em todo o Brasil. Diariamente, mais de 600 mil pessoas pesquisam nele as

reputações das empresas antes de realizar uma compra, contratar um serviço ou resolver um problema. (Fonte:

http://www.reclameaqui.com.br/institucional)

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(LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34).

Em pesquisa divulgada com exclusividade por ÉPOCA, o site Reclame Aqui

detectou que 86% dos cadastrados no site se dizem “insatisfeitos” ou “pouco

satisfeitos” com a organização da Copa do Mundo. (LIMA; TURRER;

GORCZESKI, 2014, p. 34).

Também no parágrafo em que as pesquisas são publicadas, essa divisão é enfatizada:

“os torcedores têm sentimentos ambíguos às vésperas da Copa do Mundo” (LIMA; TURRER;

GORCZESKI, 2014, p. 34) e imediatamente após as pesquisas expostas, a seguinte questão é

colocada:

Quando a bola rolar no jogo Brasil X Croácia, conseguirão os torcedores brasileiros

separar os dois sentimentos – o amor pela Seleção Brasileira e a justa revolta com

os políticos? É bem provável que sim, graças à relação que os brasileiros têm com

a Seleção nacional. Trata-se de uma história de identificação e paixão que tem

poucos paralelos no mundo. (LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34, grifos

nossos).

No que diz respeito às razões que levaram a um país dividido, a reportagem cita os

serviços públicos longe do “padrão Fifa” mas enfatiza especialmente a insatisfação em

relação à organização do evento – e não ao evento em si – (a pesquisa do site “Reclame Aqui”

tem o foco nessa questão), bem como em denúncias em relação aos seus preparativos83: “a

Copa começará num estádio inacabado, o Itaquerão, construído em meio a brigas políticas”.

(LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34)84.

Embora tais pesquisas expusessem um brasileiro dividido, praticamente toda a

reportagem, bem como o título – Por que amamos tanto a seleção – e as imagens nela

utilizadas, como por exemplo a foto da torcida no Maracanã, cantando o hino na final da Copa

das Confederações (Figura 2), trazem uma atmosfera no mínimo patriótica, em que a forte

relação entre a seleção e os brasileiros é enfatizada. Portanto, a “justa revolta com os

políticos” não deve envolver o amor ao esporte, afinal:

83 As sondagens encomendadas pela Secom ao Instituto Análise, no mesmo período, entre os dias 5 a 9 de junho

de 2014, apontam que “o momento retratou um entrevistado em expectativa, sem saber exatamente o que

encontrará quando a Copa começar”. (INSTITUTO ANÁLISE, 2014, p. 12). Em relação aos sentimentos pré-

Copa, o relatório afirma que duas questões sobressaem: “1. Os entrevistados têm a percepção de que a mídia

exerce influência nos sentimentos que alimentam com relação à Copa; 2. Paira no ar um sentimento de

desconforto e irritação com tudo o que diz respeito ao meio político, que respinga em todas as esferas de

governo. Este sentimento se deteriora ainda mais pela percepção de que os altos gastos com a Copa ocorrem

em um cenário de baixo crescimento econômico, de elevação do custo de vida, de precariedade na oferta de

serviços públicos e de crescimento da insegurança nos centros urbanos”. (INSTITUTO ANÁLISE, 2014, p. 12,

grifo nosso). Em relação aos efeitos dos meios, informação especialmente importante para esta pesquisa, o

documento registra ainda que “os entrevistados, por vezes, mostram-se confusos entre o que o noticiário da

mídia lhes apresenta e seus desejos enquanto espectadores de um grande evento”. (INSTITUTO ANÁLISE,

2014, p. 12). 84 As disputas políticas relacionadas ao Itaquerão serão retomadas, de modo detalhado, posteriormente.

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quando se trata da Seleção, no entanto, os brasileiros têm razões objetivas para sentir

orgulho. O escrete canarinho é o único pentacampeão mundial. O único a ter

participado de todas as Copas do Mundo. O recordista de gols marcados em Copas,

210. O único jogador a participar de três campanhas vitoriosas é brasileiro – Pelé. O

maior artilheiro das Copas é Ronaldo, com 15 gols. (LIMA; TURRER;

GORCZESKI, 2014, p. 34).

Figura 2 - Torcida entoando hino na Copa das Confederações

Fonte: Jasper Juinen/Getty Images (2014, p. 32-33)

Sem dúvida, há uma tentativa de formar um clima de opinião favorável ao Mundial,

mas contrário a sua organização. Isso aparece já na capa da revista, conforme a Figura 3, que

traz o título “A Copa que divide o Brasil” e usa como ilustração a figura de um rosto dividido

ao meio: em um dos lados as cores e o desenho da bandeira nacional (em suma, a

representação do torcedor), no outro a pintura retratando a máscara de um revolucionário que

inspirou o filme “V de Vingança”85(em suma, representando aqueles que eram desfavoráveis

a realização do evento). De acordo com Schilling (2013), essa máscara foi bastante utilizada

durante os protestos em 2013. Com isso, conclui-se que já na capa é traçado um paralelo entre

os manifestos daquele ano e 2014. Logo, é possível constatar pelo menos dois níveis de

significação: um primeiro em que a imagem é associada ao personagem do filme, ou seja,

uma clara intertextualidade com a cultura mídiática e um segundo, menos comum, mas que

não deve ser desconsiderado, no qual a associação é diretamente ligada a um revolucionário

que tentou tomar o poder na Inglaterra.

Chama atenção, ainda, o fato de logo abaixo da manchete principal vir o trecho do

85 Defensor da liberdade, o revolucionário inglês Guy Fawkes comandou, em 1605, uma tentativa de explodir as

Casas do Parlamento e tomar o poder na Inglaterra. O golpe fracassou, mas desde um ano depois da execução

e esquartejamento do ídolo anarquista e sete dos seus companheiros (em 1606), todo dia 5 de novembro é

comemorado com festas e fogueiras no Reino Unido. Fawkes virou personagem de quadrinhos e inspirou o

filme V de Vingança, lançado em 2006, principal responsável pela popularização das sinistras feições.

(SCHILLING, 2013)

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subtítulo “Por que amamos tanto a seleção” dialogando justamente com uma chamada para a

entrevista do então ministro do Esporte, Aldo Rebelo: “Dilma não deve temer a vaia”86, já

considerando a vaia à então presidente como fato iminente. Nesse caso, percebe-se claramente

a articulação entre Copa e política, ainda mais considerando o fato das três chamadas expostas

no cabeçalho terem foco no megaevento. Enquanto isso, na reportagem, a frase “Um ano se

passou. Embora os protestos de junho tenham arrefecido e se convertido em reivindicações

pontuais de alguns grupos e sindicatos, os torcedores têm sentimentos ambíguos às vésperas

da Copa do Mundo” (LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34) ajuda a mostrar que,

correlacionando os dois momentos, a revista busca formar opinião no sentido de que seria

necessário diferenciar a avaliação do Mundial da avaliação do governo que então o conduzia.

Figura 3 - Capa Época edição 836

Fonte: Época (2014)

A edição 837, de 16 de junho de 2014, traz a chamada de capa “O craque que une o

Brasil: o brasileiro se curva aos pés de Neymar – e mostra que aprendeu a separar futebol e

política” já apresentando como certo algo que na semana anterior colocava como dúvida:

86 É importante destacar que, embora o extrato da fala do então ministro do Esporte, Aldo Rebelo, tenha sido

divulgado na capa: “Dilma não deve temer a vaia”, na entrevista publicada pela revista, essa não foi a fala

literal do ministro: “Época – De alguma forma, o Planalto teme que ela seja vaiada, que se repita o que

aconteceu na partida de abertura da Copa das Confederações, em Brasília? Caso isso aconteça, qual a imagem

para o mundo? Rebelo – Não importa temer vaia. Vaia não mata ninguém. Jogador é vaiado, técnico é vaiado,

jornalista é vaiado”. (BOMBIG, 2014, p. 52). Vale observar que antes mesmo de fazer a pergunta, o jornalista

já faz uma afirmação.

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“conseguirão os torcedores brasileiros separar os dois sentimentos – o amor pela Seleção

brasileira e a justa revolta com os políticos?” (LIMA; TURRER; GORCZESKI, 2014, p. 34,

grifo nosso). Já a reportagem de capa “A redenção nos pés do craque”, traz as seguintes

informações:

os resultados das pesquisas mais recentes retratam com nitidez esse mau momento.

Ela [Dilma Rousseff] não pode nem trocar o técnico: o ex-presidente Luiz Inácio

Lula da Silva acumula essa função com a de dono do time. De acordo com o

Datafolha, as intenções de voto em Dilma caem consistentemente desde fevereiro.

Na ocasião, 44% dos entrevistados votavam em Dilma. Na pesquisa mais recente, na

semana passada, eram 34%. Ao mesmo tempo, a rejeição a Dilma cresceu de 30%

para 35%. A situação só não é pior porque os adversários ainda não ameaçam.

(BOMBIG; TURRER; LOYOLA, 2014, p. 36, grifo nosso) 87.

As sondagens expostas apontam a queda da então presidente Dilma Rousseff nas

intenções de voto. Para apresentar esses dados, no entanto, os repórteres traçam um caminho

relativamente longo. Em um primeiro momento, o texto traz realmente a trajetória que o título

principal propõe (o protagonismo de Neymar no jogo contra a Croácia), o que ocorre por três

parágrafos. Até que os insultos à presidente durante o jogo de abertura da Copa são reportados

(e condenados). “Foi grosseiro. Foi injustificável. [...] inaceitável para a plateia privilegiada

que assistia a uma festa em que a própria Fifa quer celebrar a paz”. (BOMBIG; TURRER;

LOYOLA, 2014, p. 32). A partir daí, a reportagem, recorrendo a trocadilhos que denotam

ironia, retrata a segunda parte de sua linha fina no sentido de criticar o governo federal: “Mas

quem salvará o governo Dilma dos gols contra na organização da Copa?” (BOMBIG;

TURRER; LOYOLA, 2014, p. 31, grifo nosso), traz alguns embates entre governos de SP e

federal com manifestantes e aponta uma série de problemas e erros relacionados ao início do

Mundial:

quem foi ao Itaquerão encontrou um estádio ainda em acabamento. A piada que

corria entre os presentes na abertura da Copa do Mundo era que o estádio não estava

no padrão Fifa, mas sim no padrão “Pifa”: a iluminação pifou, a internet pifou, o

atendimento nas lanchonetes pifou, a descarga dos banheiros pifou. (BOMBIG;

TURRER; LOYOLA, 2014, p. 33).

A partir de então, o texto cai no âmbito da disputa política. Em suma, é uma espécie de

preparação para a apresentação das sondagens e de como os então pré-candidatos, Aécio

Neves (PSDB), Eduardo Campos (PSB) e a própria Dilma Rousseff (PT) estavam se

articulando para a futura campanha. Nesse momento, é fundamental lembrar Champagne

(1996): a divulgação dessas pesquisas fora do período eleitoral tem, na maioria das vezes, o

87 Nesse trecho, assim como em outras partes do texto, observa-se a forte presença de uma narrativa que recorre

a termos próprios do futebol – técnico, time, adversário – trabalhndo com a ideia de jogo/Copa e jogo político-

eleitoral.

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objetivo de deslegitimar os governantes que estão no poder naquele período e explicitar o fato

de não serem mais majoritários.

Mas essa parece não ser a única razão pela qual as sondagens são expostas. Neste

momento, não só um dos relatórios encomendados pela Secom (IBOPE INTELIGÊNCIA,

2014)88, mas o próprio fato de todos os ingressos já terem sido vendidos, mostravam que os

brasileiros pretendiam vestir a camisa e acompanhar o Mundial. Considerando isso, além da

vitória do Brasil contra a Croácia no primeiro jogo, fica fácil entender o porquê da exposição

dessas sondagens e, também, o porquê do subtítulo na capa “O brasileiro se curva aos pés de

Neymar – e mostra que aprendeu a separar futebol de política”:

Figura 4 - Capa Época edição 837

Fonte: Época (2014)

Sabendo que o pessimismo diminuiria, os argumentos elencados nos sugerem que a

revista se antecipou em mostrar que, embora a Copa do Mundo viesse a trazer momentos de

alegria, a culpa pelos problemas ocorridos até aquele momento era exclusivamente do

governo federal, por isso as intenções de voto em Dilma vinham caindo. Portanto, era

necessário que o recado deixado na capa da edição viesse a ser levado em conta, ou seja, o

88 Acredita-se que a editoria da revista conhecia esse material, por duas razões: primeiro, por conta do caráter

público dessas sondagens (disponíveis na internet), segundo porque a própria reportagem chega a citar “O

Planalto passou a consumir com avidez pesquisas de opinião para entender o povo” (BOMBIG; TURRER;

LOYOLA, 2014, p. 34), remetendo ao período posterior à Copa das Confederações, justamente quando as

pesquisas relacionadas ao Mundial passaram a ser feitas.

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brasileiro finalmente teria aprendido a separar futebol de política.

Um último aspecto significativo a ser mencionado é a estratégia de exposição nas

capas, por duas vezes consecutivas, de um rosto dividido ao meio com parte da bandeira do

Brasil do lado esquerdo. Na primeira semana, “A Copa que divide o Brasil”, na segunda, “O

craque que une o Brasil”. Com isso, a revista resolve, com o apoio da seleção (representada

pelo rosto de Neymar) algo que não se alterará no conteúdo, como se verá adiante.

Figura 5 - Capas Época edições 836/837

Fonte: Época (2014)

Na mesma edição, a reportagem “Sairemos bem na foto?” traz os seguintes dados:

O cidadão brasileiro não precisa ser especialista no tema para notar o perigo. Na

pesquisa do Centro de Pesquisa Pew, 39% dos brasileiros responderam que receber a

Copa prejudicará a imagem global do país, por fatores variados como

desorganização ou violência. Outros 35% acreditam que a Copa melhorará a

imagem do país e 23% acham que não haverá efeito algum. (CORONATO;

MAURO; GABRIEL, 2014, p. 42, grifo nosso).

Além dessas sondagens, a revista busca legitimar seu posicionamento recorrendo a

declarações de especialistas: “‘Um evento único pode afetar significativamente a reputação de

um país, para o bem ou para o mal’, diz Ana Luísa Almeida, professora na Fundação Dom

Cabral e presidente no Brasil do Reputacion Institute, uma consultoria internacional”.

(CORONATO; MAURO; GABRIEL, 2014, p. 40). Uma segunda fala, mais contundente,

funciona como uma espécie de gancho para que as sondagens sejam expostas:

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o consultor americano Simon Anholt [...] diz que a imagem do Brasil no mundo

ficou inflada nos anos 2000, por causa das altas expectativas econômicas de então,

do ganho real de importância dos países emergentes e do carisma do então

presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. “Agora, a grande exposição do ‘Brasil real’ na

TV, com a Copa e a Olimpíada, poderá piorar um pouco a imagem do país.

(CORONATO, MAURO, GABRIEL; 2014, p. 42).

Nessa citação chamam atenção as seguintes colocações: a primeira dizendo que a

“imagem” do país “ficou inflada” entre outras razões pelo carisma do então presidente Lula e

que, naquele momento, em contraposição, o “Brasil real” na TV poderia piorar a imagem do

país no exterior. Nas frases seguintes, a busca de legitimação desse “Brasil real” pelos

brasileiros: “Na pesquisa do Centro de Pesquisa Pew, 39% dos brasileiros responderam que

receber a Copa prejudicará a imagem global do país”. (CORONATO; MAURO; GABRIEL,

2014, p. 42). Ou seja, a imagem melhorada, vinculada ao nome do então presidente Lula, era

apenas uma imagem “inflada”, portanto, muito diferente do Brasil real. Ainda no que diz

respeito a fala do consultor americano, é preciso resgatar Bourdieu (1985) e desmistificar o

olhar acerca da ciência política (em especial, no âmbito das sondagens) como um território

neutro a parte, lembrando que ela “[...] sempre consistiu numa certa arte de devolver à classe

dirigente e a seu pessoal político sua ciência espontânea da política, ornada com a fachada de

ciência”. (BOURDIEU, 1985, p. 154).

Para complementar a análise, cabe ressaltar o lide da reportagem no qual se afirma

que:

a Copa do Mundo de 2014 será o evento mais transmitido e visto da história da

humanidade.[...] a transmissão dos jogos pela TV chegará a 3,6 bilhões de pessoas.

Nas próximas quatro semanas, os 600 mil turistas estrangeiros aguardados para a

Copa criarão uma quantidade de prodigiosa de vídeos, fotos e textos sobre o Brasil e

os brasileiros. (CORONATO; MAURO; GABRIEL, 2014, p. 40).

Novamente, acredita-se que o veículo tentava formar um clima de opinião favorável ao

evento. Isso fica mais nítido quando se observa o relatório final do Ibope Inteligência,

encomendado pela Secom, com sondagens feitas de 30 de maio a 2 de junho, é analisado.

Apenas 31% dos entrevistados concordam que “A Copa do Mundo mostrará que o povo

brasileiro está preparado para receber turistas” (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 27).

Outros 58% discordam dessa afirmação. Em contrapartida, nas enquetes feitas de 11 a 21 de

junho, quando perguntados sobre que prejuízos a Copa teria trazido ao país, apenas 1%

declarou “imagem do país no cenário internacional”. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 36).

Esse mesmo documento aponta que, no período citado acima, 51% dos entrevistados se

declararam mais satisfeitos com a realização da Copa no Brasil e 35% mais insatisfeitos.

(IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 28).

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Já em relação à “desorganização e violência”, evidenciados como fatores responsáveis

pelo mau humor do brasileiro, dados coletados de 11 a 21 de junho, pelo Ibope Inteligência

(2014) mostram que, a partir da pergunta: “como o(a) Sr(a) avalia a organização da Copa do

Mundo: ela foi ótima, boa, regular, ruim ou péssima?” (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p.

31), 52% dos entrevistados declararam ótima/boa e 32% regular. Apenas 13% ruim/péssima.

Portanto, quando os dados da pesquisa encomendada pela Secom são confrontados com a

reportagem de Época, percebe-se a tentativa de formar um clima de opinião negativo em

relação ao principal responsável pela realização do evento: o governo federal.

Na edição de Época de 23 de junho, no 838, dois textos: “E se o Brasil perder a

Copa?” e “O bom humor está por um fio” perpassam o âmbito do futebol e contém

sondagens. O primeiro traz a seguinte informação referente à pesquisa realizada no dia 19 de

junho:

segundo uma pesquisa CNI/Ibope divulgada na última quinta-feira, a aprovação à

gestão Dilma caiu 5 pontos percentuais e está em 31% (quem responde que o

governo é “bom” ou “ótimo”). (BOMBIG, 2014, p. 39).

O primeiro detalhe a observar-se é que, embora aponte o dado de “bom” ou “ótimo”, a

pesquisa é divulgada de forma incompleta: os números relativos ao quesito “regular” ou

mesmo ruim/péssima não são explicitados, o que já é um indício de que a sondagem teria sido

utilizada como um artefato político para dissimular um sistema de forças e tensões, conforme

sugere Bourdieu (1985).

No que diz respeito à matéria, tanto no mesmo parágrafo em que a sondagem é

apresentada, como no posterior, o repórter afirma que Dilma Rousseff mantém uma “distância

prudente” em relação à Copa ou mesmo à seleção. Um exemplo é que o técnico Luiz Felipe

Scolari esperava vê-la na Granja Comary, antes da estreia, mas a então presidente preferiu

enviar uma mensagem ao grupo. No entanto, não é apenas dessa forma que o texto relaciona o

momento que o país estava vivendo em razão do Mundial com possíveis táticas eleitorais,

como se estivesse mesmo abrindo os olhos do leitor: o subtítulo já sugere isso “Dilma – e o

próprio Lula – se prepara para usar o evento na campanha eleitoral. O maior risco é uma

derrota nas oitavas de final” (BOMBIG, 2014, p. 38). Por sua vez, o lide apenas reforça tais

informações:

a Copa do Mundo do Brasil está longe de ser, até agora, o caos que se desenhava e

todos temiam. Os protestos ficaram sob controle, as torcidas fazem a festa e os jogos

enchem os olhos. Nesse cenário, o governo federal e o PT já elaboram uma

estratégia para transformar o evento em ativo eleitoral de Dilma Rousseff.

(BOMBIG, 2014, p. 38, grifo nosso).

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Não é para menos que a reportagem foca nessa questão. Vale considerar que o Brasil

passava por um período de convenções partidárias para a escolha dos candidatos às Eleições

Gerais de 2014. Esse período terminaria em sete dias. Além disso, o torcedor brasileiro estava

bastante satisfeito com o Mundial. Considerando dados coletados de 22 de junho a 3 de julho

pelo relatório do Ibope Inteligência (2014), quando perguntados sobre que assuntos noticiados

mais se lembravam nos últimos dias, os jogos do Brasil ficaram em primeiro lugar (24% das

respostas). Já a atuação do governo federal, considerando aspectos negativos, ficou longe

disso: 5%, atrás dos quesitos jogos do Brasil, manifestações e seleção brasileira. Em outra

questão, 46% dos entrevistados disseram que a Copa estava melhor do que o esperado, 28%

igual ao esperado e apenas 14% pior do que o esperado. Já em relação à organização do

evento, de um modo geral, 63% disseram ótima/boa, 26% regular e apenas 6% a

consideravam ruim/péssima. Além disso, 70% se declararam favoráveis à realização do

Mundial no Brasil. Apenas 21% eram contrários. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014). Dividindo

a Copa em três períodos: 11 a 21/06, 22/06 a 03/07 e 04 a 14/07, o relatório do Ibope (2014)

afirma ainda que:

a organização do torneio futebolístico teve boa avaliação da população, pois

independente da fase do torneio, pelo menos metade dos respondentes indicaram

desempenho ótimo ou bom; o segundo período foi o de melhor avaliação. O grau de

apoio à realização da Copa também foi alto, aproximadamente sete em cada dez

entrevistados. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 47).

Na outra matéria, não assinada – “O bom humor está por um fio”, as sondagens

aparecem da seguinte forma:

o sociólogo Mauro Paulino, diretor do DataFolha, diz que a evolução da Copa

inverteu a expectativa negativa que a antecedeu. As pesquisas do instituto

mostravam que o interesse pela Copa era o menor já verificado, justamente no

momento em que a grande festa do futebol Mundial se instalava no Brasil. O

percentual de “grande interesse” em torno do evento, que sempre girava em torno de

50% dos entrevistados, estava em 25% semanas antes da partida inaugural. (O

BOM..., 2014, p. 42).

Com relação a esse trecho cabem algumas observações: as sondagens são utilizadas

para evidenciar um momento anterior ao início da Copa, mas são publicadas 11 dias depois da

abertura do evento (23 de junho). Como foi observado, na edição de 2 de junho, já havia um

clima relativamente favorável ao megaevento. Portanto, as pesquisas retratam algo que havia

ocorrido há mais de 20 dias, lembrando que sondagens são retratos do momento em que

foram realizadas, não tendo nenhuma capacidade preditiva. Além disso, embora afirme que

houve uma virada no humor dos brasileiros e até cite a fala do antropólogo Édison Gastaldo,

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da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro: “Não é porque torço pela Seleção que sou

alienado. As pessoas estão perdendo a vergonha de torcer, perdendo a vergonha de ser

felizes” (O BOM..., 2014, p. 42), a reportagem simplesmente não traz nenhum dado referente

a esse período que, como foi observado na análise anterior, era bastante favorável. Apesar

disso, para deixar bem claro que o bom humor do brasileiro estava por um fio, imediatamente

após a exposição das sondagens velhas, as falas do diretor do DataFolha são trazidas:

Paulino diz que a campanha da Seleção e o bom papel do Brasil como anfitrião

ajudam a mudar esse quadro. “Isso deve se manter pelo menos até o primeiro jogo

das oitavas de final”, afirma. “Se ocorrer uma derrota nesse jogo, todo o sentimento

de euforia poderá virar frustração. Se ganharmos, o sentimento de orgulho estará no

auge.” (O BOM..., 2014, p. 42).

Com o apoio da fala de ordinários (a serem analisadas posteriormente) e especialistas,

o parágrafo posterior traz situações cotidianas que apontam para problemas relacionados à

saúde e educação, em contraposição ao alto investimento em estádios, algo que até então a

revista só havia feito na reportagem “Por que amamos tanto a seleção”, da edição anterior à

abertura da Copa, mas de maneira bastante amena. A fala de um especialista encerra o texto

quase com um tom de agouro: “‘Qualquer país se chateia ao perder’, diz o prof. Laurent

Dubois, da Universidade Duke, nos Estados Unidos, onde ensina a disciplina futebol e

política. ‘No caso do Brasil, se algo assim ocorrer, ainda mais sediando a Copa, será

devastador’”. (O BOM..., 2014, p. 42, grifo nosso).

Diferentemente de Época, que divulgou pesquisas antes mesmo do Mundial começar,

a edição 2.379 de Veja, referente a 25 de junho, pela primeira vez, faz uso de várias

sondagens em duas reportagens. Segue o “O pessimismo diminuiu”:

a euforia momentânea dos governistas está amparada em pesquisas feitas para

consumo interno. Elas mostram que, depois da primeira semana de jogos, o apoio à

realização da Copa no Brasil passou de 54% para 66%, enquanto a oposição caiu de

39% para 27%. Já a organização do evento é considerada “ótima ou boa” por 56%,

“regular” por 31% e “ruim” por 9%. Esse último porcentual era de 20% antes da

partida da estreia entre Brasil e Croácia. Outro dado confirma a redução do

pessimismo relacionado à Copa. Em 11 e 12 de junho, 33% dos entrevistados

afirmaram que a Copa estava sendo pior do que o esperado. Nos dois dias seguintes,

foram 21%. Agora, são 17%. (PEREIRA et al. 2014, p. 115).

essa sensação de bem-estar se reflete nas pesquisas [do governo]. Ao responderem

sobre o que acompanham no noticiário, 47% dos entrevistados citam resultados e

jogadores da Copa. As manifestações e a organização do evento aparecem com 23%

e 14% das menções. (PEREIRA et al. 2014, p. 117).

O primeiro aspecto a se ressaltar é que, assim como Época, o semanário estava atento

ao humor do brasileiro naquele momento. Outro detalhe é que, diferentemente do semanário

da Globo, Veja apresenta os dados de forma completa. Além disso, tanto o título “O

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pessimismo diminuiu” como o trecho do subtítulo “As pesquisas mostram que aumentou o

apoio dos brasileiros à Copa” (PEREIRA et al. 2014, p. 114) realmente expressavam o clima

de opinião naquele momento. No entanto, acredita-se que a revista se utiliza das pesquisas

com um único objetivo: desmantelar a crença de que “esses números injetaram ânimo na

campanha à reeleição de Dilma”. (PEREIRA et al. 2014, p. 115). Imediatamente após essa

frase, a seguinte informação é trazida: “Há a esperança de que a Copa inverta – ou pelo menos

neutralize – o clima de mau humor reinante entre os brasileiros, principalmente em razão da

inflação e do desempenho da economia”. (PEREIRA et al. 2014, p. 115, grifo nosso). Não

apenas esses fatores passaram a fazer parte do texto, no sentido de mostrar dificuldades que o

então governo Dilma teria. Outros como manifestações (embora o texto comente que foram

“minguadas”) também foram citados. Para completar:

são muitos os obstáculos pela frente, dos conhecidos, como as obras de

infraestrutura atrasadas, aos imprevisíveis. Na semana passada, foi decretado

estado de calamidade pública em Natal devido às fortes chuvas que castigaram a

cidade. Nada que impedisse a realização do duelo entre Estados Unidos e Gana [...]

Até agora, o maior desgaste para a presidente foram os xingamentos disparados

contra ela no Itaquerão. (PEREIRA et al. 2014, p. 117).

Posto isso, observa-se que, assim como Época, o bom momento traduzido pelas

pesquisas de opinião é visto com olhar crítico por Veja que, além de citar questões realmente

significativas em um ano eleitoral como o desempenho ruim da economia, evidencia por meio

de imagem (Figura 6), fatores bastante negativos, mas que não tinham relação com o governo

federal, como problemas de infraestrutura em Natal (responsabilidade do governo local).

Nesse sentido, de acordo com Santos (2009):

a imagem, no âmbito do jornalismo, é concebida como um recurso de mediação

visual que, em articulação com o texto verbal, busca gerar conhecimentos e

esclarecimentos sobre a realidade. Nesse sentido, a fotografia é normalmente

apropriada pela atividade jornalística, como expressão visual da realidade [...].

(SANTOS, 2009, p. 1).

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Figura 6 - Desabamento de ruas em Natal (RN)

Fonte: Emanuel Amaral/Tribuna do Norte (2014, p. 117)

Já na reportagem “O jogo das caneladas”, também do dia 25 de junho, aparecem as

seguintes pesquisas de opinião:

os sinais de desânimo saltam aos olhos nas pesquisas de opinião pública: 30% do

eleitorado está dividido entre indecisos, votos brancos e nulos, uma massa que não

se identifica, pelo menos até agora, com nenhum político, nenhum partido, nenhum

conjunto de propostas. Segundo a pesquisa mais recente sobre o assunto, 61% dos

eleitores são contra o voto obrigatório. É também recorde e um sinal evidente de

indiferença política. (ZALIS; MEGALE, 2014, p. 119).

É importante fazer as seguintes considerações: em primeiro lugar, não há nenhuma

informação acerca de qual seria o instituto responsável pela coleta e produção desses dados, o

que já torna a informação duvidosa. Outra questão se dá em relação ao momento em que essas

pesquisas foram publicadas: o Brasil estava vivendo uma fase de euforia, com as 32 melhores

seleções do mundo se enfrentando no “país do futebol”. No entanto, os sinais de desânimo da

opinião pública com os políticos e os partidos são ressaltados e, junto a isso, a reportagem

apresenta, a sua maneira, os então três pré-candidatos: Aécio Neves, Dilma Rousseff e

Eduardo Campos. Seguem alguns trechos:

na semana passada, reeditou-se nova rodada de acusações entre Lula e Fernando

Henrique. Um ex-presidente (nem precisa dizer qual) disse que o país queria livrar-

se dos “corruptos e ladrões” e o outro (todo mundo sabe qual) retrucou acusando o

anterior de ter cometido exatamente aquele crime pelo qual a cúpula de seu

próprio partido foi parar na cadeia – comprar votos. (ZALIS; MEGALE, 2014,

p. 119, grifo nosso).

Na encruzilhada da subpolítica, Campos, o presidenciável do PSB, conseguiu passar

incólume ao dizer que não ficava mais “num projeto comandado por um bando de

raposas que já roubou o que tinha a roubar”. Aliado de primeira hora do PT, Campos

apoiou o governo petista de 2002 até o ano passado. Levou apenas onze anos para

perceber que havia um bando de raposas roubando? (ZALIS; MEGALE, 2014, p.

119).

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Não é apenas a ironia que permeia a pergunta final que chama a atenção.

Considerando apenas esses dois trechos, fica clara a contundente polarização da disputa entre

os pré-candidatos do PT e do PSDB e o forte ataque a então presidente Dilma Rousseff. As

imagens não só ratificam, mas também enfatizam isso. A foto da então presidente é divulgada

com o então “kaiser da Fifa”, Joseph Blatter, lembrando que a associação foi alvo de fortes

críticas em todo o Brasil pelo seu excesso de exigências:

Figura 7 - Dilma Rousseff com Joseph Blatter

Fonte: Keystone/Steffen Schmidt/AP (2014, p. 118)

Por sua vez, o então candidato Aécio Neves é apresentado com a camisa da seleção,

festivo, em meio a um grupo de torcedores, bem na página ao lado. Na legenda, que é comum

aos dois candidatos: “Coro das mãos – Dilma com o kaiser da Fifa, e Aécio no empate do

Brasil com o México: muita cautela” (ZALIS; MEGALE, 2014, p. 119):

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Figura 8 - Aécio Neves durante jogo da seleção

Fonte: Ramon Lisboa/EM/D.A Press (2014, p. 119)

Só na outra página, já no final da reportagem, aparece o então pré-candidato do PSB,

Eduardo Campos, junto ao ex-jogador e senador Romário (PSB - RJ). O então pré-candidato

também usava a camisa da seleção, mas portava um aspecto bem menos festivo:

Figura 9 - Eduardo Campos durante jogo da seleção

Fonte: Alexandre Severo (2014, p. 120)

Há ainda um segundo trecho em que são apresentadas pesquisas de opinião:

no Brasil, o governo vendeu a Copa como sucesso planetário – a Copa das Copas –,

enquanto a oposição apostou que seria uma vergonha mundial. As pesquisas

mostram que, antes da estreia do torneio, o eleitorado vinha seguindo essa divisão.

Entre os eleitores de Dilma, 67% apoiavam a Copa. Entre os eleitores de Aécio, só

42% aprovam o Mundial no país. (ZALIS; MEGALE; CAUTI, 2014, p. 120).

Nesse caso, a revista não apenas reafirma a polarização como diz que “a oposição

apostou que (a Copa) seria uma vergonha mundial” (ZALIS; MEGALE; CAUTI, 2014, p.

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120) e que “entre os eleitores de Aécio, só 42% aprovavam o Mundial no país” (ZALIS;

MEGALE; CAUTI, 2014, p. 120). Entende-se que, com isso, fica mais do que estabelecido

que o semanário possui suas preferências eleitorais e que, considerando as análises realizadas

até o momento, tentou formar um clima de opinião desfavorável ao evento em razão de

questões políticas. No parágrafo anterior, afirma-se ainda que “[...] organizar uma Copa é uma

experiência que pode ter algum reflexo político na medida em que expõe a competência, ou

não, do governo para exibir o país ao mundo”. (ZALIS; MEGALE; CAUTI, 2014, p. 120).

Acredita-se que essa tenha sido justamente a razão para que tanto a Abril como a Globo, dois

grandes conglomerados, tenham, até aquele momento, evidenciado de forma tão agressiva e

quase unilateral os problemas com a organização do evento.

Posto isso, observa-se que, foi justamente nessas edições de Época e Veja, o momento

em que o maior número de pesquisas de opinião pública foi divulgado. Ironicamente, duas

questões já citadas permeavam o período: o bom humor do brasileiro refletido nas sondagens

e a realização das convenções partidárias, que seriam encerradas no dia 30 de junho (menos

de uma semana depois).

A edição 839 de Época, datada de 30 de junho, traz as sondagens acerca do humor do

brasileiro em tempos de Mundial pela última vez, na reportagem “Animados sim, alienados

não”. Seguem os trechos:

Uma pesquisa do Ibope Inteligência, revelada por ÉPOCA com exclusividade,

traduz essa mudança de astral em números. O Ibope entrevistou 2.002 pessoas em

140 municípios, em duas ocasiões. O primeiro levantamento foi feito entre 15 e 19

de maio, pouco menos de um mês antes do início do evento. O segundo terminou em

22 de junho, dez dias após a abertura.[...] Os entrevistados favoráveis á Copa do

Mundo passaram de 51% para 67%. Mais pessoas também disseram ansiar para que

o evento seja um sucesso. Hoje, 85% se declaram na torcida. Em maio, eram 71%.

(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52).

O número de entrevistados que acredita que o evento trará mais benefícios ao Brasil

ficou estagnado na rodada de pesquisa feita em junho – em comparação com uma

etapa ainda anterior do levantamento, realizada em fevereiro deste ano. Nas duas

ocasiões, só 43% foram otimistas sobre as melhorias. Quarenta por cento dos

ouvidos afirmaram que a Copa trará prejuízos. (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52).

De forma geral, pode-se dizer que a reportagem expressa o clima de opinião que o país

estava vivendo e, diferentemente do que vinha sendo dito até essa edição, toca-se na questão

do país como uma boa sede da Copa. Isso fica ainda mais claro em uma das frases que

aparece junto ao primeiro trecho acima: “O resultado sugere que os brasileiros colocaram de

lado a indignação com problemas estruturais para torcer não só pelo desempenho de nossa

Seleção – mas também pelo sucesso do país como anfitrião”. (BUSCATO; KORTE, 2014, p.

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52, grifo nosso).

Essa frase sintetiza algo que o texto parece querer ressaltar: “a indignação com

problemas estruturais”. Chama atenção o fato de, já no subtítulo, a matéria evidenciar os

prejuízos: “Uma pesquisa exclusiva mostra que os brasileiros estão mais empolgados com a

Copa – embora 40% achem que o evento trará prejuízos ao país”. (BUSCATO; KORTE,

2014, p. 52, grifo nosso). Por outro lado, os 43% que naquele momento diziam o contrário

não ganham o mesmo destaque, aparecendo no corpo do texto da seguinte forma: “o número

de entrevistados que acredita que o evento trará mais benefícios ao Brasil ficou estagnado”.

Um gráfico, já na última página, expõe essas mesmas estatísticas, mas em meio a vários

outros números, conforme Anexo A.

Outro aspecto interessante das sondagens apresentadas no infográfico anexo é o seu

conteúdo, mais uma vez dividindo a população:

a opinião mudou nos extremos da sociedade. Entre os entrevistados com

escolaridade mais baixa e renda familiar menor, houve aumento do pessimismo. O

contrário aconteceu entre as pessoas com escolaridade e renda maior. Agora, eles

são mais otimistas sobre as consequências. (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54).

Embora questões estruturais como problemas no transporte público tenham aparecido

de forma explícita nos resultados das pesquisas de opinião no período pré-Mundial (a própria

matéria diz isso) sondagens com esse tipo de informação só foram divulgadas por Época na 8ª

edição que trata da Copa, a 13 dias de seu término (30 de junho) e em pleno auge da euforia

dos torcedores. Isso ocorreu em dois outros momentos, mas com a presença de ordinários e

será analisado posteriormente.

Por sua vez, o lide traz as informações relembrando a “catástrofe anunciada” do pré-

Copa: “Há um mês, esperava-se pelo pior. Estádios inacabados, aeroportos em obras, greves

nos transportes. Começada a Copa e 12 de junho, a catástrofe anunciada não veio”.

(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52). Pouco antes do segundo trecho com as sondagens, uma

frase reforça tais evidências. Observa-se, ainda, que essa reportagem também se volta para as

questões levantadas em 2013: “O astral mais leve das ruas não significa que a população

tenha esquecido os problemas que levaram milhares a protestar em junho do ano passado”.

(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 52, grifo nosso).

Não se pode deixar de expor ainda que, diante da pergunta feita pelas repórteres:

“Uma eliminação precoce poderá mudar o clima festivo da Copa no Brasil?, a resposta do

diretor de negócios do Ibope, Helio Gastaldi, dizendo “não esperar uma inversão de humor da

população. ‘Os brasileiros já sabem separar o desempenho do time da organização do

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evento’” (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54) sugere que o governo não deveria ser poupado.

Com isso, mais uma vez se explícita o uso político das sondagens. Sem dúvida, fica

clara sua utilização para fazer uma espécie de fusão entre o Mundial e questões estruturais

vividas por um país em ano eleitoral (ao todo, quatro infográficos acompanham a

reportagem). A última frase do texto: “o país quer resultados, não só dentro de campo”

(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54) parece mesmo dar o toque final nesse sentido.

A edição no 840 de Época, penúltima a ser analisada, não apresenta resultados de

pesquisas, embora traga reportagens relacionadas ao futebol, jogadores ou mesmo à torcida. A

capa expressa o clima de opinião favorável e festivo que o país estava vivendo: por meio do

uso da cor amarela em referência à seleção canarinho, parece querer traduzir os sentimentos

dos brasileiros com o título: Eu acredito! Ao centro, o escudo da CBF já com as seis estrelas

simboliza a sonhada conquista do hexacampeonato. Na reportagem de capa intitulada “É

preciso ter nervos de aço”, o subtítulo reforça essa relação de cumplicidade: “a torcida

abraça a seleção, e o Brasil elimina a Colômbia num jogo dramático. Que venha a Alemanha

– e, se possível, um bom cardiologista”. (MATHEUS; GOMIDE; BOMBIG, 2014, p. 24,

grifo nosso).

Figura 10 - Capa Época edição 840

Fonte: Época (2014)

Na edição correspondente de Veja, 2.381, a ênfase também é dada à seleção e não há

sondagens. Mas ao contrário de Época, o clima trazido na capa já não é tão favorável. Com a

imagem do jogador Neymar agonizando no chão, a chamada de capa “Agora é na raça!” traz o

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seguinte subtítulo: “Atacado pelas costas pelo colombiano Zúñiga, o craque Neymar fratura

uma vértebra e está fora da Copa”. O título e o subtítulo da reportagem de capa é ainda mais

derrotista: “Triunfo e tragédia – Depois de celebrar a vitória contra a bela equipe da

Colômbia e reencontrar o equilíbrio perdido, ficando a dois jogos do hexa, a seleção brasileira

perde Neymar quando mais precisa dele”. (MARANHÃO, 2014, p. 63). Sem dúvida, é notória

a ênfase dada pela revista ao momento difícil pelo qual passava a seleção. Naquela mesma

semana, o Brasil perderia para a Alemanha por 7X1.

Figura 11 - Capa Veja edição 2381

Fonte: Veja (2014)

Na última edição de Veja sobre a Copa (2.382), de 16 de julho de 2016, as sondagens

aparecem em duas reportagens: “O bom e o mau humor” e “Milhões de vitoriosos”. Abaixo,

seguem as pesquisas divulgadas em “O bom e o mau humor”, reportagem de capa:

Encomendada pelo governo, uma pesquisa telefônica realizada nas 24 horas

seguintes à eliminação do Brasil dá uma ideia do potencial de dano na popularidade

de Dilma. O número de entrevistados que concordam com o Brasil “sabe organizar

um evento” ou “é um país importante para o mundo” caiu 7 pontos porcentuais.[...]

A queda foi um pouco mais acentuada quando os entrevistados responderam sobre o

“orgulho de ser brasileiro” e se esta é “a mais alegre das Copas”. Nesses casos, a

redução foi de 8 a 9 pontos, respectivamente. (PEREIRA et al. 2014, p. 55).

Agora, os assessores [presidenciais] lidam com a realidade. Esta, segundo eles, ainda

seria positiva porque o porcentual de brasileiros que aprovam a organização da Copa

se mantém acima dos 60%. (PEREIRA et al. 2014, p. 55).

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Segundo a última pesquisa do Datafolha, Dilma subiu de 34% para 38% nas

intenções de voto entre junho e julho, justamente durante o período da Copa e das

vitórias do Brasil. (PEREIRA et al. 2014, p. 59).

Pode-se dizer que essa reportagem é praticamente um resumo do que foi exposto

acerca das pesquisas de opinião no âmbito teórico, com ênfase nas palavras de Bourdieu.

Aspectos relacionados ao processo de formação da opinião pública se revelam no título, nos

trechos descritos acima e, no intuito de justificá-los, na opinião de nada menos do que dez

especialistas, sendo oito deles da área de Ciência Política. A todo momento, fica clara a

tentativa de vincular a imagem da então-presidente candidata a maior derrota sofrida pela

seleção brasileira, como se o fato fosse um prenúncio para o resultado das eleições. Os

artifícios para isso estão em quase todo o texto. No que diz respeito aos números da pesquisa

encomendados pelo governo e que a própria revista cita, realmente houve uma queda da

satisfação dos brasileiros. De acordo com o relatório, “há um claro indício de que o resultado

do jogo do Brasil na fase semifinal foi determinante na avaliação do evento como um todo”

(IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 47) considerando uma indagação feita pelo instituto de

pesquisa no dia 14 de julho, para tirar dúvidas sobre a satisfação com o evento. Naquele

momento, 78% dos entrevistados disseram que o desempenho da seleção brasileira foi pior do

que o esperado. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014).

No entanto, nem todos os dados apontavam nesse sentido. Assim como a organização

citada no primeiro trechos com sondagens, outros fatores mantiveram bons números. De

acordo com dados coletados de 4 a 14 de julho pelo Ibope Inteligência (2014), sob encomenda

da Secom, para 38% dos entrevistados, o funcionamento dos aeroportos foi ótimo/bom e para

29% regular; 72% consideraram a recepção aos turistas ótima/boa; para 43% a segurança

pública foi ótima/boa e para 26% regular e o funcionamento dos estádios foi considerado

ótimo/bom por 57% dos entrevistados. Os números relativos ao transporte público não foram

positivos (apenas 25% acharam bom/ótimo), mas esse é exatamente o índice do início da

Copa (de 11 a 21 de junho), quando 44% avaliavam esse item como péssimo, o pior índice

registrado. Ainda de acordo com o relatório:

há um maior grau de concordância de que a Copa do Mundo mostra que o Brasil é

um país importante, é preparado para receber turistas, sabe organizar um evento, fez

a organização de uma das Copas mais alegres da história e que melhorou sua

imagem perante o resto do mundo. (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 48).

Portanto, é possível dizer que a revista evidenciou apenas os dados que lhe

interessavam, omitindo números que podem ser considerados significativos. Algo que

também chama a atenção é que, junto a esses dados, seguem as palavras de especialistas.

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Além de aparecem no texto, suas palavras ganham destaque na reportagem. Ressalta-se que,

das dez opiniões registradas, oito possuem relação com a área de Ciência Política: Antonio

Lavareda (presidente do Conselho Científico do Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e

Econômicas), Carlos Montenegro (presidente do Ibope), Marco Antonio Villa (historidador e

cientista político), Ricardo Guedes (diretor-presidente do Instituto Sensus), Mauro Paulino

(diretor-geral do Datafolha), Carlos Pereira (cientista político da Fundação Getúlio Vargas

(FGV), Gaudêncio Torquato (especialista em marketing político) e Lucio Rennó (cientista

político da UnB). Das dez opiniões, seis concordam que a derrota afetará a candidatura da

então presidente (cabe lembrar que a própria Veja havia afirmado que um fato não estava

ligado ao outro, na edição logo após a abertura do Mundial), dois especialistas são neutros e

os diretores do Ibope e Datafolha discordam.

Junto à utilização das sondagens e das falas dos especialistas, a revista expõe várias

situações nas quais vincula a imagem da presidente à seleção, entre elas sete mensagens do

seu Twitter oficial e, embora quatro tenham sido postadas após a derrota (Figura 12), o

subtítulo da reportagem afirma que “Quando tudo ia bem na Copa e com a seleção, Dilma

capitalizou o momento a favor – e deu certo. Agora ela tenta se isolar do azedume geral

provocado pelo 7 a 1 no Mineirão. Vai dar certo?” (PEREIRA et al. 2014, p. 53, grifo nosso).

Figura 12 - Twitter oficial de Dilma Rousseff

Fonte: Veja (2014, p. 54)

Além disso, a foto da então presidente é reproduzida em duas situações: junto à

seleção, durante a conquista da Copa das Confederações, em 2013 e quando ela postou, pelo

Twitter, em homenagem ao jogador Neymar, um “É tóis”, gesto feito frequentemente pelo

atacante (a imagem também foi publicada na capa, como veremos posteriormente). Dilma

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Rousseff fez isso no dia anterior ao jogo contra a Alemanha, justamente porque ele havia

sofrido uma lesão e não poderia jogar. O gesto foi feito a pedido do perfil fake Dilma Bolada,

durante bate-papo da então presidente na página do Palácio do Planalto no Facebook89.

Apesar disso, junto à foto, a revista publicou a seguinte legenda: “Antes da derrota... A carona

no sucesso da seleção. Em 2013, depois que o time venceu a Copa das Confederações, Dilma

declarou: ‘Meu governo é padrão Felipão’”. (PEREIRA et al. 2014, p. 53) sugerindo, no

mínimo, um oportunismo eleitoral por parte da então presidente-candidata.

Já na última página, com fotos de ex-presidentes junto a seleções, a reportagem traz

outra legenda: “No país do futebol, os presidentes nunca perderam a oportunidade de tirar

algum proveito do sucesso da seleção. Foi assim em 1970, durante a ditadura, em 1994, com

Itamar Franco e, em 2002, com Fernando Henrique.” (PEREIRA et al. 2014, p. 58). Mas não

é só aí que o Mundial vira uma preocupação do “pessoal político”. A matéria traz ainda fotos

dos então outros candidatos: Aécio Neves e Eduardo Campos. Para Aécio: “Quem vai pagar o

preço são aqueles que tentaram se apropriar de um evento que é de todos os brasileiros”

(PEREIRA et al. 2014, p. 56) e para Eduardo: “O futebol, como muitas coisas no Brasil,

precisa se renovar” (PEREIRA et al. 2014, p. 57).

Por sua vez, a capa dessa edição traz a mesma imagem (Dilma reproduzindo “É tóis”)

com parte dos jogadores da seleção ao fundo, atônitos, no dia do jogo contra a Alemanha. Na

chamada, a pergunta: “Vai sobrar para ela?”. Portanto, já na capa a tentativa de formar a

opinião pública vinculando a imagem da então presidente à derrota da seleção. O subtítulo da

capa praticamente resume isso: “10 analistas opinam se o mau humor com a derrota da

seleção vai prejudicar Dilma nas eleições”. Ironicamente, das dez edições analisadas, essa foi

a segunda vez que a então chefe do poder executivo ganhou destaque na capa, a primeira foi

por ocasião da vaia no Itaquerão.

89 http://www.correio24horas.com.br/detalhe/noticia/nas-redes-sociais-dilma-faz-homenagem-a-neymar-e-

tois/?cHash=2a0e782f6f33dd054cc3b690e1963d6a

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Figura 13 - Capa Veja edição 2382

Fonte: Veja (2014)

As sondagens também foram utilizadas na reportagem “Milhões de vitoriosos”:

O Brasil tem boa imagem no exterior. A rede social Badoo90 fez uma pesquisa com

30000 pessoas de 15 países indagando qual era a “nacionalidade mais bacana” do

mundo. A brasileira apareceu em segundo lugar, atrás da americana. Pouco antes da

Copa, o instituto americano Pew Research ouviu 41000 pessoas em 37 países para

saber se tinham opinião “favorável” ou “desfavorável” sobre o Brasil. Em 23 países,

a maioria disse ter boa opinião. Os mais entusiastas são jovens de 18 a 29 anos.

Outro dado relevante mostra que nossos vizinhos são os que mais admiram o Brasil.

No Chile, 74% tem visão favorável do país, o maior índice entre as 37 nações

pesquisadas, seguido por Venezuela (67%) e Peru (66%). Na Argentina, 56% têm

boa impressão do Brasil e só 19% dizem o contrário. (PETRY, 2014, p. 62, grifo

nosso).

A primeira questão a se apontar é que, pela primeira vez, Veja, na cobertura analisada,

traz uma sondagem que não está atrelada as preocupações políticas. Pelo contrário, nesse

momento o veículo parece muito mais utilizar os dados obtidos por meio dessas coletas para

informar e repassar informações de relevância pública à população (ECHEGARAY, 2001),

afinal, há de se convir, que em uma festa como a Copa do Mundo no país do futebol, perder o

campeonato já é uma péssima notícia, mas certamente pouquíssimos brasileiros imaginavam

uma derrota por 7 a 1 (o estudante Elton Sato acertou sozinho o placar e venceu um bolão

90 O Badoo é uma rede social criada para conhecer pessoas e aumentar seus círculos de amizade. É possível

escolher que tipo de relacionamento procura: amizade, bate-papo ou mesmo namorar. (Fonte:

http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2014/05/como-entrar-no-badoo-pelo-facebook-veja-

dica.html)

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com 148 mil apostas) e mais, que a seleção Argentina fosse para a final no Maracanã.

Portanto, naquele momento, os brasileiros eram realmente “milhões de vitoriosos”,

especialmente em razão da excelente recepção feita aos turistas, exposta pelas duas revistas e

certamente sentida em todo o país, como foi visto em um dos dados da análise anterior. Com

isso, a revista estaria expressando o clima de opinião entre os brasileiros.

Exemplos do comportamento dos anfitriões expostos em um texto da agência inglesa

de notícias Reuters foram divulgados na reportagem: no Rio, um motorista que não fala inglês

improvisou um tradutor (aplicativo) no smartphone; em São Paulo, um vendedor ambulante

ajudou, com uma placa em inglês, turistas a pegarem o ônibus para o aeroporto; em Belo

Horizonte, lixeiros distraíram torcedores brasileiros ou estrangeiros batucando um sambinha

nas latas de lixo e na lateral dos caminhões, e convidavam a plateia a dançar; em Fortaleza,

microempreendedores alugaram bicicletas para estrangeiros chegarem ao estádio (o trânsito a

3Km da arena foi proibido pela Fifa). Para além disso, a reportagem chega a enumerar

algumas exceções, mas afirma que o “saldo geral do comportamento do brasileiro foi à altura

de um megaevento esportivo internacional como a Copa”. (PETRY, 2014, p. 62).

É importante, ainda, fazer pelo menos duas observações: a primeira diz respeito ao

momento em que a sondagem foi feita pelo instituto Pew Research, afinal, se a pesquisa foi

feita “pouco antes da Copa”, porque as informações foram divulgadas pelo veículo somente

naquele momento e não antes, como outras? Afinal, como se verá posteriormente, das cinco

edições relacionadas ao Mundial antes que a bola começasse realmente a rolar, quatro delas

não fizeram nada menos do que criar um clima de pânico e terror que no mínimo reforçaram a

baixa autoestima do brasileiro e a capacidade do país sediar um dos maiores eventos

internacionais do planeta.

Posto isso, embora as reportagens analisadas tenham sido publicadas (nas duas

revistas) em editorias teoricamente voltadas para a Copa do Mundo, percebe-se claramente o

intuito de direcionar, em maior ou menor intensidade, o assunto para o âmbito eleitoral (a

exceção dessa última). Sem dúvida, fica explícito que as perguntas feitas aos cidadãos e,

divulgadas na forma de várias sondagens, estavam ligadas àquela conjuntura, ou seja, eram

“[...] preocupações políticas do ‘pessoal político’” (BOURDIEU, 1985, p. 139) diante de um

evento mundial em um ano eleitoral. Tanto é que algumas das pesquisas haviam sido feitas,

em outros momentos, com outro intuito e acabaram por ser encaixadas nas reportagens. Ainda

lembrando o autor, as capas de jornais podem estancar porcentagens expondo a manifestação

de uma suposta opinião pública, mas no fundo isso não passa de artefato puro e simples para

dissimular um sistema de forças e tensões. Em suma, o uso dessas pesquisas pelos veículos

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em questão, nas palavras de Champagne (1996), explicita:

a relação que se instaurou entre os campos político e jornalístico: não têm como

objeto o conhecimento das opiniões dos cidadãos, mas visam essencialmente

reafirmar o poder próprio da imprensa em face do poder político ao procurarem

desestabilizar seus agentes. (CHAMPAGNE, 1996, p. 135).

Realizadas as análises de como as sondagens foram divulgadas pelos veículos em

questão, o estudo segue agora com as observações em relação às falas dos ordinários.

4.3 A “voz” e o silêncio dos ordinários

As falas ou ações dos ordinários serão apresentadas cronologicamente, a partir do

nome de cada um deles, ressaltando que nem todos chegam a ser nomeados pelos veículos.

Nesses casos, parte-se de suas profissões ou pela forma que foram designados nas

reportagens. Como nas sondagens, o estudo terá início por Época e depois passará pela edição

correspondente de Veja.

No que diz respeito às primeiras edições das duas revistas que tratam da Copa do

Mundo (fora do âmbito do futebol), apenas a revista Veja no 2373, de 14 de maio, trouxe a

voz de um ordinário. Com foco na segurança pública, “Cenário de pouca beleza” traz a voz

de um representante institucional:

Sargento baseado na Rocinha

As ordens superiores são para evitar o confronto, de modo a não arranhar ainda mais

a imagem do programa. (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p. 95)

Essa fala de um sargento que atua em uma das Unidades de Polícia Pacificadora91, da

forma como foi encaixada no texto, corrobora com a tentativa de colocar em descrédito todas

as atividades e melhorias realizadas pelas UPPs até então, algumas delas inclusive citadas no

primeiro parágrafo da reportagem. Isso fica ainda mais contundente quando se atenta para o

fato de que a fala é apresentada justamente pouco depois do seguinte trecho:

91 Implantado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro, no fim de 2008, o Programa das UPPs –

planejado e coordenado pela Subsecretaria de Planejamento e Integração Operacional – foi elaborado com os

princípios da polícia de proximidade, um conceito que vai além da polícia comunitária e tem sua estratégia

fundamentada na parceria entre a população e as instituições da área de Segurança Pública. O Programa

engloba parcerias entre os governos – municipal, estadual e federal – e diferentes atores da sociedade civil

organizada e tem como objetivo a retomada permanente de comunidades dominadas pelo tráfico, assim como a

garantia da proximidade do Estado com a população. (Fonte: www.upprj.com).

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vê-se um misto de despreparo e leniência na tropa que supostamente deveria

desarticular e prender as gangues – os oficiais não agem ora por desconhecimento do

território, ora por puro medo e às vezes até em nome de acordos espúrios. Ou ainda

em razão de um mandamento que rege informalmente várias UPPs. (LEITÃO;

PIMENTA, 2014, p. 95).

Note-se que o “mandamento que rege informalmente várias UPPs” estaria ligado às

ordens superiores para não arranhar a imagem do programa. Essa informação é exposta na

matéria logo após a divulgação de um levantamento de Veja, com base em dados do Instituto

de Segurança Pública do Rio. Nesse levantamento, são apresentados diversos números que

traduzem o aumento da violência na cida/de de 2013 até aquele momento, que como

anunciado no título, era um “cenário de pouca beleza”.

No entorno do Maracanã, cenário da grande festa, são em média 15 assaltos por

dia. Na semana passada, o caso de um menino de 8 anos alvejado na cabeça chocou

pela banalidade; ele saia da escola, vizinha ao estádio, quando se viu em meio a um

tiroteio liderado pelo chefão de um morro da região. (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p.

94, grifo nosso).

Ao evidenciar o aumento da criminalidade e vinculá-la a locais onde o Mundial

ocorreria, o texto e as imagens que são divulgadas junto a ele (Figura 14) sugerem também a

tentativa de formar um clima negativo entre os leitores e turistas brasileiros que pretendiam

prestigiar os jogos na cidade-sede92:

Figura 14 - Cenas de violência no Rio de Janeiro

Fonte: Glaucon Fernandes/Eleven/Estadão conteúdo (2014, p. 94-95)

92Na mesma edição da revista, na coluna veja.com, foram divulgados resultados de uma sondagem feita pelo site

com pessoas que possuíam tal pretensão: “em 100% dos questionários preenchidos, os participantes disseram

que pretendem acompanhar o Mundial. [...] Quase 10% deverão ver pelo menos uma partida ao vivo no

estádio – e, apesar de muita gente ter dito que evitaria as doze cidades-sede durante a Copa, só 12% revelaram

planos de viajar para fugir da superlotação e do caos previstos em algumas das capitais que receberão as

partidas”. (EM CLIMA, 2014, p. 8).

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Para concluir a argumentação, a reportagem traz a fala de um alto escalão da

corporação (não nomeado): “desavenças com a cúpula da Secretaria de Segurança fizeram as

delegacias praticamente deixar de investigar as quadrilhas” (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p.

96). Chama a atenção a ausência do contraditório, nenhuma fala de um responsável pelas

UPPs ou mesmo por uma das unidades citadas: Complexo do Alemão ou Rocinha é exposta

no sentido de dizer pelo menos o que estaria sendo feito para reverter tal situação. Isso fica

ainda mais nítido com a publicação de um quadro intitulado “Cinturão de Problemas” em que

tanto a relação entre as comunidades e a rota percorrida por turistas como a situação naquele

momento é trazida: “a um mês da competição, as favelas mais estratégicas para o programa

viraram um barril de pólvora, espalhando o medo na cidade” (LEITÃO; PIMENTA, 2014, p.

96), mas nada é dito em relação a possíveis melhorias:

Quadro 2 - Cinturão de problemas

Fonte: Veja (2014, p. 96)

Além disso, é importante observar que nenhuma informação em relação aos

investimentos feitos em segurança pública nas doze cidades-sede (R$ 1.439.219.366) para

equipar e integrar as instituições de segurança pública, questões abordadas no capítulo que

contextualizou o Mundial, são mencionadas.

No dia 19 de maio, edição no 833 de Época publicou duas reportagens sobre o

Mundial: “À espera da Croácia”, com foco no treinador Luiz Felipe Scolari e “Marcha de

protesto e oportunismo”. Esta última retratou protestos contrários à Copa ocorridos em todo

o Brasil no dia 15 de maio93 e apresentou os manifestantes tanto em infográfico (Figura 15)

93 Segundo levantamento feito por Época, o movimento denominado 15M (em razão da data) reuniu cerca de 8

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como no corpo do texto:

Figura 15 - Infográfico das manifestações contra a Copa

Fonte: Época (2014, p. 34)

mil pessoas nas cidades-sede do Mundial. As manifestações mais radicais ocorreram em São Paulo, sendo que

Belo Horizonte e a capital paulista contaram com o maior número de manifestantes: 1.500. (BOMBIG et al.

2014).

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Comitê Popular da Copa de São Paulo

As ações foram coordenadas por um grupo que se autointitula Comitê Popular da

Copa de São Paulo. No total, segundo um levantamento feito por ÉPOCA, o

movimento reuniu, ao longo do dia, cerca de 8 mil pessoas no país. (BOMBIG et al.

2014, p. 33).

1.500 pessoas (São Paulo)

As manifestações mais radicais ocorreram em São Paulo. Pela manhã, o Movimento

dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) fechou a Rodovia Anhanguera, que liga a

capital ao interior. Outro grupo protestou ao lado do novo estádio do Corinthians, o

Itaquerão, palco do jogo de abertura da Copa. Torcedores da torcida da Gaviões da

Fiel se organizaram para evitar que a arena sofresse danos materiais. No início da

noite, cerca de 2 mil pessoas tomaram parte da Avenida Paulista. Os adeptos da

tática black bloc depredaram uma concessionária de veículos, como é de seu feitio, e

o protesto se esvaziou por volta das 20 horas. (BOMBIG et al. 2014, p. 33).

1.300 pessoas (Rio de Janeiro)

No Rio de Janeiro, cerca de 1.300 pessoas se reuniram na Central do Brasil. Com a

adesão de motoristas de ônibus e professores da rede pública em greve, o protesto,

apesar de modesto, fechou três pistas da Avenida Presidente Vargas, uma das

principais vias do centro carioca. A Polícia Militar chegou a fazer um cordão de

isolamento em torno do protesto, onde estavam cerca de 60 mascarados. (BOMBIG

et al. 2014, p. 33).

O interesse em trazer esses dados para a análise se dá pelo fato de que, conforme

salienta Champagne (1996), as manifestações são um dos modos de expressão da opinião

pública. No entanto, nesse caso o que se percebe é que, obstante à ampla divulgação das ações

dos manifestantes, apenas a fala de um ordinário é trazida pelo semanário:

Arielli Moreira, integrante da executiva nacional da Assembleia Nacional de

Estudantes-Livre

Isso (o protesto) é para mostrar, não só para o Brasil, mas para o mundo, a

indignação dos trabalhadores e as injustiças e inversões de valores e prioridades do

governo [federal], afirma Arielli Moreira, de 24 anos, integrante da executiva

nacional da Assembleia Nacional de Estudantes-Livre. Essa não é mais a Copa que o

governo do PT planejou. Foi tudo por água abaixo, e faremos um grande ato na

abertura da Copa. (BOMBIG et al. 2014, p. 33).

Sem dúvida, a primeira reportagem de Época que retrata parte do contexto do Mundial

já tenta formar um clima de opinião negativo em relação aos manifestantes. Tanto o título

“Marcha de protesto e oportunismo” como as duas imagens – ambas com figuras mascaradas

– trazidas para ilustrá-la evidenciam o nítido interesse de minimizar a dimensão desses

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movimentos naquele momento (Figuras 15 e 16)94. O subtítulo traduz exatamente isso: “A

menos de um mês da Copa do Mundo, grevistas, manifestantes e os tradicionais black blocs se

aproveitam da data para impor sua pauta de reivindicações e causar tumulto sem o

resultado esperado”. (BOMBIG et al. 2014, p. 32, grifo nosso). Os números divulgados

também: em todo o país, “cerca de 8 mil pessoas”.

Figura 16 - Manifestantes encapuzados

Fonte: Marcelo Min/Fotogarrafa/Época (2014, p. 32-33)

Por outro lado, tanto no decorrer do texto como no infográfico que acompanha a

matéria, os repórteres se preocuparam em diferenciar os grupos e suas respectivas atuações,

bem como os fatos que ocorreram. Dos oito momentos em que ordinários são apresentados,

apenas dois tratam de confronto com a polícia e um terceiro deixa bem claro quem seriam:

“os adeptos da tática black bloc depredaram uma concessionária de veículos, como é de seu

feitio [...]”. Com isso, pode-se dizer que os manifestantes não foram necessariamente

associados à violência.

No entanto, é preciso ressaltar que embora sejam apresentados, apenas as palavras de

um deles são expostas e, mesmo assim, no sentido de legitimar o ataque a atuação do governo

federal em relação à Copa. No parágrafo anterior, a reportagem traz algumas falas do então

ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, dizendo lamentar que

“se tenha disseminado a ideia de que a Copa é ‘um paraíso de ganhos para a Fifa, de

corrupção’ e de ‘elefantes brancos’ inúteis (novos estádios).” Imediatamente após, o texto

afirma que:

94 É importante observar que, em meio a esse cenário considerado de “protesto e oportunismo”, são apresentadas

faixas como “Não vai ter Copa – Nossa saída é uma greve geral”, “# Copa pra quem? Copa sem povo: tô na

rua de novo”, “Fifa go home” e “Terrorista é a Fifa”.

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a função dele é ingrata.[...] Carvalho tenta defender o indefensável. Já ficou

provado que a organização da Copa é, em muitos aspectos, um desastre.

Somente os gastos com a construção e reforma dos 12 estádios do torneio saltaram

de R$ 2,2 bilhões, previstos inicialmente, para R$ 8 bilhões. Os desmandos e os

atrasos na preparação brasileira ofereceram a base para a insatisfação de muitos com

o Mundial. (BOMBIG et al. 2014, p. 33, grifos nossos).

Na edição correspondente (2374), Veja trouxe duas reportagens: “A marra do melhor

jogador do mundo”, sobre o craque Cristiano Ronaldo e “Este é o país da Copa”. A segunda

envolve as mesmas manifestações divulgadas por Época e segurança pública. Seguem os

trechos com a atuação dos grupos e dos ordinários:

Sem-teto, estudantes e black blocs

As manifestações foram organizadas por sem-teto, estudantes e black blocs, sem a

presença visível de partidos políticos. Se o número de participantes ficou abaixo do

esperado, os episódios de violência não decepcionaram os mais pessimistas. Em São

Paulo, um grupo de black blocs depredou uma concessionária em entrou em choque

com policiais [...] Outro grupo tentou invadir o Itaquerão, sede da abertura da Copa

do Mundo, mas foi contido por torcedores organizados do Corinthians, o dono da

arena. (LEITÃO, 2014, p. 61).

Vândalos

No Recife, a região metropolitana pegou fogo na mão de vândalos que se

aproveitaram de uma greve da polícia (já encerrada) para impor o terror. (LEITÃO,

2014, p. 61).

Traficante Rafael Alves, o Peixe

Também a favela Aliança ficou em paz nesse dia. Peixe, o senhor do lugar e do time

de futebol (para o alto escalão do crime carioca, bancar equipes em seus redutos

também é uma forma de alardear poder – eles são os donos da bola, os cartolas da

favela) detestou a súbita notoriedade produzida pelo vídeo do jogo. O episódio o

alçou ao rol dos bandidos mais procurados do Rio. Por causa disso, o traficante

ordenou o recolhimento dos fuzis e proibiu os moradores de usar celular na rua, para

evitar novos flagrantes. (LEITÃO, 2014, p. 61).

Grupo de manifestantes

Na noite de sexta-feira, São Paulo ainda registrou rescaldos das manifestações de

quinta. Um grupo ateou fogo em dezenas de carros em um estacionamento próximo

ao Aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do Brasil, porta de entrada de

grande parte dos turistas que virão para a Copa do Mundo. O grupo arremessou

rojões contra policiais e um bairro vizinho ao terminal foi cercado por carros da

polícia, para evitar que os manifestantes tentassem chegar ao aeroporto. (LEITÃO,

2014, p. 61).

Em suma, a reportagem reforça a construção de um clima de opinião negativo em

relação ao evento com forte apelo à questão da segurança pública, dando continuidade ao que

foi feito na edição anterior. Não é para menos que os dois primeiros parágrafos do texto

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descrevem cenas de um vídeo postado na internet em que jogadores de um time amador

patrocinado pelo traficante Rafael Alves (o Peixe) sacam fuzis e pistolas e disparam para o

alto. “Assim são as tardes de domingo no Brasil, deve imaginar o mundo” (LEITÃO, 2014, p.

60), afirma a repórter concluindo o parágrafo.

A partir de então a narrativa sai do âmbito do Rio de Janeiro e envolve outras cidades-

sede. Dentro disso, especialmente dois pontos merecem destaque. Um deles diz respeito à

generalização que permeia o texto: todos os grupos de ordinários são colocados no mesmo

patamar, chegando a sugerir que atuam em conjunto, “as manifestações foram organizadas

por sem-teto, estudantes e black blocs”. Além disso, a todo momento as manifestações são

associadas à violência, fixando a ideia de que todo manifestante é necessariamente um

vândalo que pode oferecer perigo aos turistas: “um grupo ateou fogo em dezenas de carros em

um estacionamento próximo ao Aeroporto de Guarulhos, o mais movimentado do Brasil,

porta de entrada de grande parte dos turistas que virão para a Copa do Mundo”. Nesse sentido,

vale lembrar Emediato (2013) com o conceito de enquadramento por designação, lembrando

que essa técnica visa “ativar na memória do leitor conteúdos e valores simbólicos e associá-

los ao enquadramento efetuado”. (EMEDIATO, 2013, p. 80). Segundo o autor, muitas vezes

aquele que está realizando a ação é associado a uma classe e isso pode fazer com que quem

esteja lendo sobre o assunto associe a imagem daquela figura específica a uma classe ou

grupo, estabelecendo inclusive uma relação de causa e efeito sem o menor fundamento. No

caso desse texto, não se trata de uma figura específica, mas de grupos de manifestantes que

são associados a vândalos.

Outro aspecto significativo é que, embora os manifestantes sejam, junto com os

traficantes da Vila Aliança, os protagonistas da reportagem, em nenhum momento são

chamados a falar. Não há sequer um dito relatado que tenha vindo dos mesmos, muito pelo

contrário, suas vozes são silenciadas, simplesmente excluídas. Nas palavras de Orlandi (1993,

p. 106), o silêncio também significa “aquilo que é preciso não dizer para que o texto se feche

e, em consequência, seja coerente, não-contraditório, capaz de unidade”.

Assim como na edição anterior, praticamente nada foi dito em relação a ações de

combate à violência, à exceção da frase “O episódio [exposto no vídeo que foi postado na

internet] o alçou ao rol dos bandidos mais procurados do Rio”, em relação ao traficante

Rafael Alves, o Peixe. Pelo contrário, quem lê a reportagem acredita que no Brasil as

instituições de segurança pública simplesmente não funcionam e que, portanto, “justamente

no país do futebol, a Copa do Mundo pode ser um fiasco”, frase retirada de uma revista alemã

e replicada no último parágrafo da matéria. Para reforçar o clima de opinião desfavorável,

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tanto uma das imagens do vídeo como a capa da revista (com uma bola pegando fogo indo em

direção ao Rio de Janeiro) foram divulgados por Veja:

Figura 17 - Cenas de traficantes armados

e revista alemã (no detalhe)

Fonte: Jornal Extra (2014, p. 60-61)

Com o apoio da análise dessas reportagens, é possível afirmar que, nessas edições,

Época (833) e Veja (2374) ensaiam o clima de opinião que pretendem formar em relação à

Copa do Mundo. As revistas também não parecem querer esconder isso. Foi a primeira vez

que, naquele contexto, os semanários trouxeram, em suas capas, personalidades do futebol

conhecidas não apenas no Brasil, mas mundialmente (Figura 18). A revista da Globo

apresenta um “Futebol em perfil” com ninguém menos que Luiz Felipe Scolari. Na chamada

de capa, a frase do técnico da seleção brasileira: “Não vão tirar minha alegria”. Pela primeira

vez, uma bola de futebol substitui a letra “o” da palavra Época. No cabeçalho, a imagem da

capa do guia “A copa das estrelas” que a revista trouxe junto à edição. Indícios claros dos

interesses econômicos que o Grupo Globo tinha no Mundial, afinal, a transmissão dos jogos

foi capitaneada pela emissora do grupo. Por sua vez, o semanário concorrente publica um

especial sobre o jogador português Cristiano Ronaldo, no subtítulo: “A marra, a arrogância e

os segredos do melhor jogador do mundo”. Irônico que em um evento com tantos craques

brasileiros, entre eles Neymar, justamente um jogador português venha a ser capa do maior

semanário do país. Em suma, isso sugere-nos que já nesse momento tem início uma espécie

de batalha entre os dois veículos para, nas palavras de Champagne (1996, p. 21), “conseguir a

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última palavra”.

Figura 18 - Capas Época e Veja edições 833 e 2374

Fonte: Época e Veja (2014)

No dia 26 de maio, Edição Especial de Aniversário – 16 anos de Época, a revista fez

um trabalho inusitado. A partir da capa “Brasil Padrão Fifa”, publicou uma série de

reportagens narradas de ponto vista hipotético:

Figura 19 - Capa Época edição 834

Fonte: Época (2014)

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Com o título “Como será o Brasil em 2030”, a grande reportagem mistura

informações atuais com supostas hipóteses de como o país estaria 16 anos depois, já no nível

de um país desenvolvido. Entre os textos, dois deles: “Medicina para inglês ver – e

aprovar” e “Nosso jeito israelense de fazer negócios” trazem representações de ordinários.

Seguem trechos acerca dos personagens trazidos no primeiro texto:

Maria Clara Oliveira, estudante (personagem composta)

[...] a estudante Maria Clara Oliveira, de 22 anos, acordou indisposta. Desconfiou

que algo não ia bem ao se levantar da cama com dor de cabeça, náuseas e cansaço.

Logo suspeitou de dengue. (SEGATTO, 2014, p. 68).

Graças às mudanças no atendimento de saúde brasileiro, Maria Clara sabia

exatamente onde procurar ajuda no dia em que acordou indisposta. Não teve

dificuldade para ser atendida por um clínico geral. (SEGATTO, 2014, p. 68, grifo

nosso).

Vera, mãe de Maria Clara (personagem composta)

Maria Clara não estava doente, estava grávida. Ela correu para dar a notícia à mãe.

Vera riu, chorou, rodopiou pela sala ao saber que o primeiro neto estava a caminho.

Maria Clara contou que já receberá as orientações [...] bem diferente da

experiência de Vera durante o nascimento da filha. (SEGATTO, 2014, p. 69,

grifo nosso).

A mãe de Maria Clara também é atendida no SUS e, ao contrário dos brasileiros

de uma geração atrás, está satisfeita com o tratamento que recebe do serviço

público. [...] Vera recebe do SUS os medicamentos fundamentais para o controle de

suas duas doenças crônicas. Os remédios nunca faltam. Até 2014, não era assim.

(SEGATTO, 2014, p. 69, grifos nossos).

Avô de Maria Clara (personagem composta)

Maria Clara visitou o avô para contar sobre sua gravidez. Aos 83 anos, ele tem

câncer de pulmão e não quis viver seus últimos dias num hospital. É atendido numa

unidade de cuidados paliativos. (SEGATTO, 2014, p. 69).

Inicialmente, cabe esclarecer sobre a denominação “personagem composta”. Segundo

Martinez, Correio e Passos (2015), a revista americana The New Yorker foi uma das

publicações que ajudaram a moldar a versão moderna do jornalismo literário. Entre as práticas

adotadas pelo veículo estão “a reconstrução de diálogos entre personagens a partir da

memória do repórter, a narração de acontecimentos parcial ou inteiramente ficcionais e, em

casos excepcionais, o uso de personagens compostos”. (MARTINEZ; CORREIO; PASSOS,

2015, p. 239).

De acordo com os autores, no caso específico desses últimos, o termo refere-se a duas

situações: no primeiro caso, as personagens reúnem características de vários entrevistados e,

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embora não haja uma pessoa que corresponda ao sujeito apresentado no texto, os fatos e

descrições atrelados a ele foram apurados. No entanto, entre 1940 e 1970, os jornalistas

encontraram outro caminho para a criação desses personagens: ao invés de elegerem um

representante da classe para ser sua fonte, passaram a construir um “perfil médio que

revelasse situações comuns a vários indivíduos”. (MARTINEZ; CORREIO; PASSOS, 2015,

p. 240). Foi justamente o que Época fez. Ao invés de buscar ordinários para conferir

legitimidade à sua história, o veículo preferiu lançar mão de personagens compostos para

ilustrar situações bem distintas daquelas vivenciadas. As personagens criadas pelo semanário

vivem em 2030, em uma época muito diferenciada em relação ao sistema público de saúde de

2014, especialmente porque importou várias soluções do Reino Unido para melhorar a saúde

dos brasileiros. Com suas ações e histórias de vida, tanto as personagens de Maria Clara,

como de sua mãe Vera e seu avô ilustram as mudanças hipotéticas e, ao mesmo tempo,

expõem problemas da saúde pública no Brasil. Para reforçar isso, o texto traz dados

comparativos (entre Brasil e Reino Unido) relacionados a investimentos e estatísticas na área.

Como título, o infográfico traz: “O Brasil estava doente”.

Martinez, Correio e Passos (2015) comentam, ainda, que estudos sobre jornalismo

literário indicam que, a partir de 1970, não há problema algum fazer uso desse tipo de

personagem, desde que o público seja informado de que se trata de um texto ficcional ou

inspirado em fatos reais. Um procedimento que, aliás, a revista adota já na capa:

“Convidamos você a entrar na máquina do tempo, viajar até 2030 e conhecer o país dos

nossos sonhos”. No entanto, Araújo (2012) atenta para outra questão: “quando as produções

jornalísticas recorrem a traços específicos e demasiado limitados para caracterizar os atores

sociais, podem estar a contribuir para a criação de universos de percepção estanques, dos

quais, o grande público se torna refém”. (ARAÚJO, 2012, p. 13). Além disso, vale destacar

que Época não pratica o jornalismo literário.

No texto “Nosso jeito estratégico de fazer negócios”, escrito por Graziele Oliveira,

repete-se a fórmula, com uma única diferença: agora é realmente um ordinário que fala:

Em 2014, Roberto Peres já tinha experiência no ramo de alimentação. Sua hamburgueria, a

Parsons, em São Paulo, atraía clientes com uma proposta básica [...] Peres, naquele ano, tinha

dificuldades parecidas com a maioria dos que se aventuravam a abrir um negócio próprio. “É

muito difícil conseguir crédito e encontrar gente qualificada para contratar”, afirmava.

(OLIVEIRA, 2014, p. 80).

Imediatamente após a fala do ordinário, o texto traz informações negativas acerca das

dificuldades de se empreender no país, entre elas: “Quem decidia empreender no Brasil

naquela época era um herói. Entre 189 países, o Brasil ficava em 116º lugar em qualidade de

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ambiente e negócios, no estudo Doing Business, do Banco Mundial”. (OLIVEIRA, 2014, p.

80). E no mesmo parágrafo, com a frase: “A mudança começou durante a campanha eleitoral

de 2014, quando todos os principais candidatos incluíram, em seus programas de governo,

medidas para facilitar a vida de quem quisesse abrir um negócio próprio e criar um produto ou

serviço novo” (OLIVEIRA, 2014, p. 81) a jornalista dá início a uma série de sugestões para

que o país se tornasse uma potência no âmbito do empreendedorismo, com base nos

procedimentos adotados por Israel.

Em suma, os dois textos se apoiam na voz de personagens (compostos ou não) para,

em um momento em que o país passava por protestos e manifestações, apontarem aspectos

negativos e, sobretudo, fazerem novas propostas políticas, tudo isso em ano eleitoral. Vale

lembrar Hagen e Bennetti (2010, p. 130), afinal, tanto a Globo como a Abril expõem, em seus

sites oficiais, sua “preocupação com o estabelecimento de uma agenda de temas relevantes,

sempre como empresas que se consideram aptas a apontar ao Estado os rumos da nação”.

Na edição de Veja publicada na mesma semana, seguindo a estratégia de Época, o

especial “Estado da desordem” traz o personagem composto “John Doe”, que em português

significa “fulano”, um estrangeiro “encarregado pela revista de passar alguns meses no Brasil

antes da Copa do Mundo”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83). Três matérias que fazem parte do

“especial” trazem ordinários e, embora o assunto principal não seja o evento, o mencionam.

Segue a análise da primeira delas: “Estado da desordem”.

John Doe, americano do Brooklyn (personagem composta)

Numa nublada manhã de abril, visitei o Aeroporto de Guarulhos, o maior do país,

porta de entrada de estrangeiros. No caminho, além do trânsito pesado, há placas

com a indicação “Aeroporto Internacional de Guarulhos”, “Aeroporto Internacional

Gov. André Franco Montoro”, “Aeroporto de Guarulhos (Cumbica)” e, quando

finalmente se chega ao destino, a sinalização informa “Aeroporto Internacional de

São Paulo”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).

Senhor ao celular

Sentado no setor de embarque do terminal 2 de Guarulhos-Montoro-Cumbica-São

Paulo, vi um senhor berrando ao celular: “Você disse que ia consertar a maçaneta e a

correntinha hoje. Não, não! Você disse que ia hoje!” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).

Moça com acompanhante

De repente, uma moça gritou para seu acompanhante do outro lado do saguão

lotado: “Sérgio! É portão 26! Não é aqui!” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).

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Casal no aeroporto

Um casal tentava se despedir de alguém em Santa Catarina pelo celular, mas a

ligação caiu uma, duas, três vezes. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).

Funcionário da companhia Gol

Um funcionário da Gol informou que o voo para o Rio de Janeiro ia atrasar. O

aeroporto estava fechado por “razões meteorológicas”. Eram 10h30. (Mais tarde,

soube que o aeroporto fechara por onze minutos [...] mas, naquele fim de manhã,

funcionava normalmente). A companhia pegou carona nas “razões meteorológicas”

e enfiou seu atraso. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 83).

As situações apresentadas acima (à exceção da primeira, vivida pelo personagem

composto John Doe) são protagonizadas por ordinários. Em suma, essas pessoas são trazidas à

narrativa para mostrar as “jabuticabas”, definidas como “tudo o que só existe no Brasil”.

(ZALIS; PETRY, 2014, p. 83). No entanto, o relato pretende mesmo revelar “como a vida

cotidiana no Brasil é insólita, massacrante, imprevisível – e nós nem percebemos mais”

(ZALIS; PETRY, 2014, p. 83). Ironicamente, todas as situações apontadas acima ocorreram

no Aeroporto de Guarulhos, “o maior do país, porta de entrada de estrangeiros”, lembrando

que cerca de um milhão de pessoas viriam ao Brasil para acompanhar o Mundial. Portanto,

pode-se dizer que Doe é um “perfil médio” dos turistas e seu relato, do caos que eles viveriam

ao chegar à sede da Copa (uma previsão que não se concretizaria).

Vale atentar ainda que não só o especial: “Estado da desordem”, mas a chamada de

capa “O ‘susto Brasil’” (Figura 20), chamado de irmão gêmeo do “custo Brasil”, reforçam o

clima de opinião negativo evidenciando características negativas do país justamente às

vésperas do megaevento. Em relação ao “custo Brasil”, Costa e Gameiro (2005) o definem

como:

um conjunto de ineficiências e distorções que comprometem o Brasil, no sentido de

competitividade perante outras nações. Nesse conjunto estão presentes fatores como

o sistema tributário desproporcional e injusto; a malha rodoviária em má condição; a

administração pública corrupta; os altos encargos trabalhistas; a elevada taxa de

juros; os altos índices de violência; a inadimplência e a burocracia estatal. (COSTA;

GAMEIRO, 2005).

Para reforçar esse clima, recorrendo à intertextualidade, ambas trazem como ilustração

a recriação do autorretrato “O Desesperado”95, de Gustave Courbet96, pintor realista francês

95 Trata-se de um autorretrato que se encontra entre as 50 obras mais famosas do mundo. [...] Com o rosto

quadrado em “close-up”, o pintor olha para o observador, em total estado de desespero, como se estivesse a

pedir-lhe socorro. (http://virusdaarte.net/courbet-o-desespero/) 96 Jean Désiré Gustave Courbet foi um importante pintor francês do século XIX, considerado um dos principais

representantes do Realismo nas artes plásticas. Além da pintura, dedicou-se ao ativismo político, defendendo

ideias democráticas, republicanas e socialistas. (http://www.suapesquisa.com/biografias/gustave_courbet.htm)

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do século XIX. É interessante atentar para o trabalho despendido pela revista, a ponto de

contratar um modelo vivo e recriar tal cena em estúdio. Outro aspecto a se observar é que é

nesses momentos, quando os semanários recorrem a expedientes que envolvem o “jornalismo

literário” ou de intertextualidade, que o posicionamento editorial é explicitado com maior

clareza:

Figura 20 - Capa Veja edição 2375

Fonte: Veja (2014)

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Figura 21 - Ilustração de o “Estado da desordem”

Fonte: Pedro Rubens (2014, p. 82-83)

Figura 22 - “O desesperado”, do pintor Gustave Courbet

Fonte: Gustave Courbet (1844-1854)

Também parte do “especial” publicado por Veja, a reportagem “O carimbo e a tela”

traz outros ordinários:

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Abel Parente, engenheiro

Abel Parente, engenheiro de 73 anos, decidiu fechar sua consultoria em Salvador.

Fazia 10 anos que não tinha empregado e dois que não havia faturamento.

“Basicamente, já era uma empresa desativada”. Parente me disse. Mesmo assim, ele

contratou uma advogada, Patricia Gaudenzi. Imagine: contratar advogado para

fechar empresa! (ZALIS; PETRY, 2014, p. 85).

Sérgio Mena Barreto, presidente da Abrafarma

Demora em farmácia é difícil de tolerar. Fui conversar com Sérgio Mena Barreto,

presidente da Abrafarma, que representa as farmácias. Ele me disse que, desde 2008,

o governo introduziu mudanças, como obrigar farmacêuticos a informar os dados de

antibióticos e remédios controlados vendidos aos clientes. Com isso, o tempo médio

do atendimento subiu de seis para quatorze minutos. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).

Médico – especialista em fígado

Conheci um médico – um dos maiores especialistas em fígado do Brasil – que fica

indignado porque suas receitas só tem validade se estão carimbadas com o seu

nome e o número do seu registro [...] “Por que essa exigência? Um carimbo destes

aqui (ele pega a engenhoca sobre sua mesa) pode ser feito até numa padaria. Que

valor isso tem?” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).

Artur de Barros, vendedor em Goiânia

Artur de Barros, 20 anos, vendedor em Goiânia, me falou do seu calvário para obter

o seguro-desemprego. No dia 24 de fevereiro, ele recebeu um telefonema da Caixa

Econômica dizendo que estava pronto seu Cartão do Cidadão, que lhe permitiria

retirar o benefício. Entrando e saindo de filas e recebendo informações

contraditórias, ele levou 39 dias para retirar o cartão! (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).

Tiago Vaquelli, empresário em Taubaté

Tiago Vaquelli, 34 anos, empresário do setor de informática em Taubaté, interior de

São Paulo, me contou que, numa noite de março, teve problemas com a vizinhança e

ligou para o 190, número de emergência. Uma gravação lhe ofereceu um longo

cardápio de números antes de colocá-lo com um humano na linha. Ele me disse: “Se

fosse emergência com risco de vida, eu teria morrido”. (ZALIS; PETRY, 2014, p.

86).

Paula Vanuccy, de Natal

Paula Vanuccy comprou um apartamento na planta em Natal, no Rio Grande do

Norte. A obra terminou em 7 de janeiro. Feliz da vida, ela planejou a mudança para

fevereiro e, com garagem no novo edifício, comprou um carro. Ledo otimismo. A

prefeitura levou meses para vistoriar o edifício e dar o habite-se, sem o qual o

imóvel não pode ser ocupado. Conta Paula: “Pedi a concessionária para guardar o

carro, fiquei andando de ônibus e pagando aluguel”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).

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John Doe (personagem composto)

O serviço público enrosca até nos nomes. Li em VEJA.com que há o seguinte cargo

em Brasília: “coordenador-geral da Coordenação-Geral de Planejamento e

Ordenamento da Aquicultura em Águas da União Marinhas do Departamento de

Planejamento e Ordenamento da Aquicultura em Águas da União da Secretaria de

Planejamento e Ordenamento da Aquicultura do Ministério da Pesca”. (ZALIS;

PETRY, 2014, p. 86).

O primeiro aspecto a ser exposto é que, novamente, os ordinários foram apresentados

por John Doe (que também expõe uma situação) e tiveram direito à voz, sendo que,

diferentemente da matéria anterior, a maioria deles foi nomeada. Vale destacar, ainda, que

todos, sem exceção, fazem fortes críticas a aspectos burocráticos relativos ao serviço público.

Uma frase dos redatores frisa isso fortemente: “No serviço público, quase tudo é

dramaticamente complicado”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).

Para completar, em determinado momento do texto, a origem da burocracia é

explicada por um especialista como um legado negativo da colonização portuguesa. No

mesmo parágrafo, o assunto não só recai, mas acima de tudo evidencia os problemas

relacionados ao Mundial, sem apontar nenhum aspecto positivo:

Atualizada, a herança maldita está nos preparativos para a Copa do Mundo: estádios

fora do prazo, obras inacabadas, erros de projeto, erros de execução. Um fiasco. A

trinta dias da Copa, um balanço indicava que das 167 metas programadas para o

Mundial só 68 haviam sido alcançadas. O Brasil construiu uma capital no meio do

nada em menos de quatro anos. Pensei que uma Copa fosse moleza. (ZALIS;

PETRY, 2014, p. 86).

A imagem abaixo, de página inteira, reforça as críticas à organização do evento. A

legenda da foto traz a seguinte informação: “Lama na avenida da Copa, em Cuiabá: é o

mesmo país que fez uma capital em menos de quatro anos” (ZALIS; PETRY, 2014, p. 86).

No entanto, em momento algum, a reportagem fala sobre a divisão de reponsabilidades (entre

as esferas governamentais) na contratação e execução das obras. Segundo o portal da

Transparência97, todas as obras de mobilidade urbana em Cuiabá eram responsabilidade do

governo do estado e, não do governo federal, como a matéria dá a entender.

97 http://www.transparencia.gov.br/copa2014/cidades/tema.seam?tema=8&cidadeSede=3

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Figura 23 - Obras em avenida de Cuiabá

Fonte: Joel Silva/Folha Press (2014, p. 87)

A reportagem “O tempo e a moeda” conta com os seguintes ordinários:

Antenor Leal, pres. da Associação Comercial (Rio de Janeiro)

O seminário atrasou uma hora porque todo mundo ficou preso no trânsito. O Rio

parou. Antenor Leal, presidente da Associação Comercial, promotor do evento,

atrasou-se quarenta minutos. “Não foi muito”, disse. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 94).

Testemunha ocular (no festival Lollapalooza)

Uma testemunha ocular contou que um senhor idoso, com vasta barba grisalha, não

pôde retirar sua cerveja porque não tinha no pulso a fita dos 18 anos. (ZALIS;

PETRY, 2014, p. 95).

Leonildo Bares, produtor em Mato Grosso

Leonildo Bares, produtor de soja e milho em Sinop, Mato Grosso, é exportador. Ele

me contou que, para cada tonelada de grão exportada, precisa obter umas trinta notas

fiscais. Para chegarem ao Porto de Paranaguá, no Paraná, seus caminhões andam por

rodovias esburacadas, mal sinalizadas. No porto, vão-se até setenta dias para

despachar a carga. Tudo isso ceifa um terço do seu ganho em cada tonelada.

(ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).

Edília Gonçalves, empresária em Curitiba

Cansada de assaltos à sua loja de roupas íntimas no centro de Curitiba, Edília

Gonçalves resolveu mudar de endereço e alugou um novo ponto em julho de 2012.

A prefeitura complicou tanto com os documentos que, em fevereiro de 2014, Edília

desistiu da nova loja sem ter vendido nada. Ela me fez um desabafo: “Durante um

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ano e meio, paguei 5.500 reais de aluguel sem poder abrir meu negócio. Tenho

70.000 peças em casa”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).

Renata Mello, empresária em Uberlândia

Renata Mello, dona de uma pequena empresa de produtos de saúde em Uberlândia,

em Minas Gerais, sofre prejuízos anuais de pelo menos 1 milhão de reais com a

burocracia da Anvisa, a agência de vigilância sanitária. Ela me contou: “Há pedidos

para registro de produtos que demoram mais de dois anos. Quando, enfim, consigo

colocá-los à venda, já estão ultrapassados”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).

Assim como nas outras reportagens do especial, é dada a voz a vários ordinários.

Todas as falas relatam aspectos negativos relacionados à burocracia, sendo que duas delas são

associadas diretamente ao governo federal. No parágrafo posterior a história de Leonildo –

produtor em Mato Grosso – a reportagem afirma que “A qualidade das instituições brasileiras

– atuação do governo, regulação do mercado, estabilidade da ordem jurídica – é ainda mais

lamentável. Fica abaixo de Ruanda, Botsuana, Gana”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96, grifo

nosso). Em um segundo momento, logo após a fala de Renata – empresária em Uberlândia –

tanto o governo como a Copa tornam-se assunto:

o governo brasileiro vem atualizando as normas de segurança do trabalho, que

datavam dos anos 70. Em alguns casos, inspirou-se na legislação europeia,

considerada a melhor do mundo. Mas inventou tantos berenguendéns e balangandãs

que equipamentos fabricados na Alemanha, bons para o mercado europeu, não são

aceitos no Brasil porque descumprem as normas de segurança. (Ora, em 2006,

nenhum operário morreu nas obras da Copa da Alemanha. No Brasil, até a semana

passada, eram nove as vítimas fatais. Outra: a menos de 30 dias da Copa, o governo

lançou uma cartilha para orientar os operários sobre normas de segurança nas obras

do Mundial...) (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).

Já Antenor Leal, o presidente da Associação Comercial do Rio é trazido quando os

jornalistas narram a realização de um seminário – O Rio não pode parar – sobre mobilidade

urbana: “A ideia era discutir alternativas de deslocamento da cidade, que, além da Copa, vai

sediar a Olimpíada em 2016. O seminário atrasou uma hora porque todo mundo ficou preso

no trânsito. O Rio parou”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 94, grifo nosso) Com essa ironia final,

logo depois de afirmar que “quase tudo no Brasil é demorado”, o texto desmerece a

capacidade de o país sediar e organizar, de maneira eficaz, os dois eventos que ocorreriam

posteriormente, o que provou-se não ser uma realidade. Tanto o Mundial quanto as

Olímpiadas foram muito bem avaliados por estrangeiros que visitaram o Brasil. Em relação ao

primeiro, números já foram expostos no capítulo 3, por ocasião da apresentação do contexto.

Já no que diz respeito aos jogos olímpicos, a própria Veja publicou na capa da edição 2491, de

17 de agosto de 2016: “O Brasil surpreende o mundo”, o que nos sugere que, em 2014, a

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intenção era mesmo desacreditar o evento organizado pelo governo federal. Não por acaso, no

parágrafo posterior, o texto traz uma fala contundente do então secretário-geral da Fifa:

“Convidado a descrever a experiência de organizar a Copa no Brasil, o secretário-geral da

Fifa, Jérôme Valcke, disparou: “Vivemos um inferno. A cada vez tínhamos que repetir a

mensagem”. (ZALIS; PETRY, 2014, p. 96).

Por fim, é importante considerar que parte das colocações apresentadas no especial são

realmente questões que o Brasil precisa melhorar e deve rever. Como afirma Albuquerque

(2013, p. 7), os jornalistas e organizações jornalísticas reivindicam desempenhar o papel de

representantes dos legítimos interesses dos cidadãos”. Por outro lado, é notório o fato de

nenhuma das falas apresentar nada de positivo, fazendo com que um clima de derrota, para

não dizer de catastrófe, percorra praticamente toda a reportagem. Tudo isso a menos de 15

dias do Mundial.

Em sua edição no 835, de 2 de junho, Época traz duas reportagens relacionadas ao

evento: “Manual da Copa para todos os gostos” e “Um baú de surpresas”. No que diz

respeito à primeira, não há nenhum ordinário, mas em três momentos aparece a representação

de um (desenhado). Figura típica de um torcedor brasileiro, o primeiro está caracterizado,

vibrante e também com uma bandeira nacional à mão:

Figura 24 - Representação de ordinário I

Fonte: Samuel Rodrigues (2014, p. 41)

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Essa primeira imagem ocupa página inteira e aparece logo na abertura do texto, junto a

uma das dicas do “manual da Copa”: “para quem quer festejar”. Das doze dicas, dez delas são

voltadas para o brasileiro torcedor, fortalecendo a relação de cumplicidade e o clima de

opinião favorável ao evento. O lide da reportagem escancara isso:

a Seleção Brasileira treina na Granja Comary, em Teresópolis. Torcedores e atletas

estrangeiros começam a desembarcar no país, operários removem tapumes de

aeroportos e estádios. [...] Entre a abertura no Itaquerão, no dia 12, em São Paulo, e

a final, em 13 de julho, no Rio de Janeiro, o Brasil viverá 32 dias inesquecíveis. O

país do futebol será oficialmente, pela primeira vez em mais de 50 anos, o País do

Futebol do Mundo Todo. (IMERCIO et al. 2014, p. 40, grifo nosso).

Ressalta-se que o grifo é do autor da dissertação, porém as palavras em maiúsculo –

País do Futebol do Mundo Todo – são da própria revista, certamente para dar ênfase à

informação. Para completar, a primeira dica dá os parabéns a quem vai assistir aos jogos.

“Antes de tudo, parabéns. Mais de 6 milhões de brasileiros inscreveram-se para comprar um

ingresso – e você conseguiu. Agora, aproveite”. (IMERCIO et al. 2014, p. 40). Na segunda

representação (Figura 25), o torcedor tem o mesmo estilo: só que agora se veste com a

bandeira do Brasil e vê os jogos pela TV. Vale lembrar que o Grupo Globo, dono do

semanário em questão, era responsável pela transmissão dos jogos e, portanto, seria

financeiramente interessante ter o brasileiro “grudado na TV”. (IMERCIO et al. 2014, p. 43).

Figura 25 - Representação de ordinário II

Fonte: Samuel Rodrigues (2014, p. 43)

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Em relação às dicas, a 11ª é voltada “para quem quer protestar”. Nesse momento, o

semanário explicita a opinião que já vinha formando acerca de manifestantes: “Durante a

Copa será estranho gritar “Não vai ter Copa!” Quer protestar mesmo assim? É só mudar o

slogan para “Vamos infernizar todo mundo na Copa” (IMERCIO et al. 2014, p. 45, grifo

nosso), o que demonstra que mais uma vez o semanário tenta formar uma opinião negativa em

relação aos manifestantes. Logo abaixo da dica, as imagens dos ordinários em questão

fortalecem a mensagem: de um lado a representação do torcedor caracterizado aparece

novamente, só que dessa vez aterrorizado por um manifestante de máscara, encapuzado, com

um estilingue no bolso traseiro e um cartaz com os dizeres “Não vai ter Copa”. Importante

não deixar de ressaltar o tamanho com o qual cada um dos ordinários é representado – muito

maior, o torcedor olha para o manifestante de cima para baixo, o que sugere o protagonismo

do torcedor e a pequena expressividade daqueles que se manifestavam:

Figura 26 - Representações de ordinários

Fonte: Samuel Rodrigues (2014, p. 45)

Vale registrar que, nesse momento, o semanário estava expressando o que pensava a

maioria da população brasileira em relação aos jogos. De acordo com relatório do Ibope

encomendado pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom), 39%

dos brasileiros estava animado com a Copa do Mundo no Brasil, 29% se dizia indiferente e

31% estava desanimado. Apesar das opiniões divididas, quando perguntados se “o(a) sr(a)

pretende ver todos os jogos que puder da Copa do Mundo, só os jogos do Brasil ou não

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pretende ver nenhum jogo?” (IBOPE INTELIGÊNCIA, 2014, p. 16), 42% disseram que

queriam ver todos os jogos que puderem, 37% só os jogos do Brasil e apenas 20% não

pretendiam ver nada. Além disso, 69% diziam que aquele era o momento para se evitar

manifestações e apenas 29% achavam que era hora de aproveitar para fazer manifestações.

Destaca-se que esses dados foram coletados entre 30 de maio e 2 de junho. (IBOPE

INTELIGÊNCIA, 2014).

A segunda capa da revista com foco no evento sinaliza o que a reportagem trará

(Figura 27). Se por um lado a cabeça – que na verdade é uma bola de futebol – do ordinário

representado esteja confusa com fotos de protestos, encapuzados e cartazes como “Queremos

hospitais padrão Fifa”, por outro lado, imagens de um Mundial alegre e festivo aparecem no

topo da cabeça. Ao redor das imagens, um fundo verde e o título “Manual de sobrevivência na

Copa” em amarelo e branco, cores da seleção “canarinho”. A ênfase ao torcedor é dada no

subtítulo: “Um guia completo para vibrar com a seleção, para cair com tudo na festa – e até

para ficar longe da confusão”:

Figura 27 - Capa Época edição 835

Fonte: Época (2014)

Já na reportagem “Um baú de surpresas”, os ordinários são apresentados da seguinte

forma:

Movimentos indígenas e de sem-teto, unidos no maior protesto do ano em Brasília,

entraram em confronto com a Polícia Militar. Manifestantes atacaram policiais com

paus, pedras e até flechas. Um dia antes, no Rio de Janeiro, o ônibus da Seleção

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Brasileira que levava os jogadores do aeroporto do Galeão ao centro de treinamento

em Teresópolis, foi cercado por quase 100 manifestantes anti-Copa. O ônibus

canarinho foi chutado e acabou repleto de adesivos com a frase “Não vai ter Copa”.

(TURRER et al. 2014, p. 32).

O foco dessa notícia são os problemas de organização pelos quais o evento vinha

passando. Com o subtítulo: “Se o futebol é uma caixinha, a Copa de 2014 é uma possível

fonte de imprevistos ainda maior. Com o país em clima tenso, tudo será testado para valer na

própria competição” (TURRER et al. 2014, p. 32) já se pode ter uma ideia do que o texto

trará.

São apontadas “surpresas” em quatro âmbitos: segurança e transporte públicos,

estádios e aeroportos. O primeiro deles traz o episódio citado acima e conclui: “Agentes de

segurança, federais e estaduais, estavam em número insuficiente para evitar o cerco ao

veículo”. (TURRER et al. 2014, p. 32). A reportagem aponta problemas com a segurança

pública, mas não se pode deixar de dizer que tanto o então secretário extraordinário do

governo federal para Segurança em Grandes Eventos, Andrei Rodrigues, como a então

presidente Dilma Rousseff tiveram direito à voz para colocar o contraponto em relação aquela

situação. Segundo o então secretário: “A avaliação da Polícia Militar do Rio de Janeiro era

que não havia risco para a saída da delegação naquele momento e para a integridade dos

jogadores”. (TURRER et al. 2014, p. 32).

No entanto, nos outros três âmbitos (estádios, transporte público e aeroportos), as falas

apresentadas possuem cunho negativo. Não há nenhum contraponto. Além disso, observa-se,

em todo o texto, o silenciamento dos ordinários, ou seja, nenhum cidadão é chamado a falar,

nem mesmo os manifestantes que tiveram suas ações citadas. Também não há nenhuma

opinião de alguém da população, nem a favor nem contra as obras. Simplesmente nenhuma

voz é acionada no sentido de valorizar os possíveis benefícios que as obras trariam às cidades-

sede, mesmo depois do megaevento. É como se melhorias não tivessem ocorrido. A única

pessoa que traz um ponto positivo aparece no final do texto e trata da questão do combate ao

terrorismo é um especialista, o ex-secretário nacional de Segurança Pública, coronel José

Vicente da Silva Filho: “Há preparo das Forças Armadas e das polícias. Está todo mundo

conectado com as redes de inteligência internacionais”. (TURRER et al. 2014, p. 34). No

entanto, essa mesma fala é imediatamente seguida por uma crítica: “Muita coisa foi feita em

cima da hora. Não se fez um sistema adequado de comunicação para que todos os agentes de

segurança possam conversar numa situação de crise”. (TURRER et al. 2014, p. 34). Nas

palavras de Orlandi (1993), o silêncio está relacionado a tudo aquilo que é apagado, colocado

de lado, excluído. Nesse caso específico, nada menos do que a voz dos cidadãos.

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Vale lembrar, como foi exposto na análise anterior, que o brasileiro pretendia

acompanhar o Mundial. No entanto, a mesma pesquisa do Ibope Inteligência (2014) que

explicitava isso apontava que, perguntados sobre o desempenho do governo federal na

organização da Copa até aquele momento, apenas 27% dos entrevistados responderam

ótima/boa, 39% consideraram regular e 33% ruim/péssima. Em relação ao desempenho do

país na preparação da Copa do Mundo, em quatro itens, dois foram bem avaliados: estádios

(38% ótimo/bom, 37% regular, 24% ruim/péssimo); reforma nos aeroportos (28% ótimo/bom,

34% regular, 33% ruim/péssimo). Já o transporte público e a segurança não obtiveram bons

índices: 16% ótimo/bom, 34% regular e 48% péssimo (transporte) e 15% ótimo/bom, 29%

regular e 55% ruim/péssimo (segurança). Portanto, o país estava bastante dividido. Não é para

menos que três, das quatro áreas avaliadas, recebem críticas bastante severas na reportagem.

No entanto, em nenhum momento o texto esclarece que esferas do governo são responsáveis

pelas obras.

A edição correspondente de Veja (2376), datada de 4 de junho, traz a reportagem

“Testados e reprovados”, sobre a situação dos aeroportos às vésperas do Mundial. Os

seguintes ordinários estão presentes:

Policial federal que integrou equipe

“Nada mudou. É uma bagunça generalizada”. (LEITÃO, 2014, p. 88).

Delegado da PF

“Operamos a maior parte do tempo off-line, recolhendo apenas o formulário de

entrada” (LEITÃO, 2014, p. 89).

Funcionário da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac)

“É o piloto quem informa o número de passageiros pelo rádio e encaminha os

passaportes. Se quiser, ele poderá omitir a presença de uma pessoa e ela entrará

clandestinamente no país”. (LEITÃO, 2014, p. 89).

Agente do Porto do Rio

“Entramos no navio e registramos a pilha de passaportes que nos entregam. Não

chegamos nem a ver as pessoas, quanto mais saber se todas foram contabilizadas”.

(LEITÃO, 2014, p. 89).

Assim como no especial “Estado da desordem”, publicado na edição anterior, vários

ordinários são chamados a falar (considerando que o texto não chega a duas páginas). Em sua

maioria trabalhadores do setor aeroportuário, todos validam o título “Testados e reprovados”.

Os únicos contrapontos apresentados envolvem o âmbito oficial, mas nenhum responsável é

convidado a falar em favor da instituição: “para reforçar o contingente durante a Copa (no

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Galeão, Rio) com policiais de outras cidades, a PF está oferecendo o dobro do valor de

diárias”. (LEITÃO, 2014, p. 89). Mas a própria repórter complementa a frase de forma

subjetiva: “pode funcionar por ora, mas é solução temporária”.

O outro contraponto também é feito por meio da Polícia Federal e imediatamente

derrubado: “Oficialmente, a Polícia Federal garante que está tudo sob controle. Dois relatórios

reservados da própria PF, porém, mostram a distância entre a realidade e a versão oficial”.

(LEITÃO, 2014, p. 88). É a partir dessas palavras que, no parágrafo posterior, os ordinários

começam a dar suas declarações. Antes disso, a repórter apresenta dados dos relatórios citados

referentes a 2012 e diz apenas que “o exercício se repetiu no fim do ano passado (2013)”.

(LEITÃO, 2014, p. 88). Em nenhum momento são citados todos os esforços e empenho feitos

em relação à ampliação dos aeroportos que, naquele momento, estavam bem estruturados. É

fato que parte das obras ficariam prontas após a Copa (e isso poderia ter sido divulgado), mas

por outro lado, como foi exposto no capítulo 3, chegou-se a dizer que o maior legado do

megaevento foi a modernização dos aeroportos, sendo também o maior nível de investimento

apontado pelo portal da Transparência: R$ 7.551.598.668. Nenhuma informação nesse sentido

foi dada pelo veículo.

Imediatamente após a última declaração, as denúncias recaem sobre o aeroporto

internacional do Rio, para o qual foi feito um relatório à parte pois:

[...] está circundado de favelas tomadas por bandidos que agem não só nas imediações,

mas também no seu interior. O vaivém dos traficantes não se dá nos saguões, mas em

áreas menos visíveis, onde praticamente inexiste vigilância. O relatório mapeia oito

pontos especialmente vulneráveis. (LEITÃO, 2014, p. 89).

Novamente, o veículo tenta formar um clima de opinião desfavorável ao Mundial. Pela

terceira vez (em quatro edições) evidenciando problemas na segurança pública, mas agora o

foco é voltado para a principal porta de entrada dos turistas:

os aeroportos brasileiros já começam a maltratar os turistas que vêm ver os jogos.

[...] o que se prevê são filas e a desinformação de sempre – tudo potencializado pela

explosão de demanda. Estima-se que 600000 turistas estrangeiros circulem por

esses locais durante o Mundial. Mas, além dos gargalos mais conhecidos [...] há

outro, menos visível, que vem afligindo autoridades em Brasília: a falta de

segurança nas portas de entrada do país. (LEITÃO, 2014, p. 88, grifo nosso).

Não é para menos que tais informações são trazidas já no lide da reportagem. Vale

explicitar aqui que, neste momento, como já foi apontado, os brasileiros não pensavam em

ignorar o Mundial, mas ainda havia muita polêmica. Diante das perguntas do relatório do

Ibope Inteligência (2014, p. 34), “como o(a) sr(a) avalia o desempenho do país na preparação

da Copa do Mundo em relação à construção dos estádios, reforma dos aeroportos, obras de

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transporte público e segurança pública? O (a) sr(a) diria que está sendo: ótimo, bom, regular,

ruim ou péssimo?” o pior resultado foi relacionado à segurança pública: 55% responderam

ruim ou péssimo, 29% regular e 15% ótimo/bom. (IBOPE, 2014). Outra questão está

diretamente ligada ao enquadramento dado ao texto: 58% dos entrevistados discordaram da

afirmação “A Copa do Mundo mostrará que o povo brasileiro está preparado para receber

turistas”. (IBOPE, 2014, p. 27). A matéria parece querer reforçar esse sentimento. Os dados

citados acima foram coletados de 30 maio a 2 de junho, apenas dois antes da publicação do

semanário.

Na edição de Época, no 836, do dia 9 de junho de 2014 (pré-abertura do Mundial), os

ordinários estiveram presentes em duas das cinco reportagens publicadas: “Por que amamos

tanto a seleção” (reportagem de capa) e “O dia em que (quase) perdemos a Copa”. Segue a

análise da primeira:

Howard Webb, árbitro inglês

Nunca vi nada igual em minha vida. [...] Mesmo sendo inglês, fiquei emocionado

com o hino brasileiro. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 34).

Caio Luperi Pires

O paulistano Caio Luperi Pires, de 26 anos, continuará uma tradição familiar:

torcerá pelo Brasil. Ele pretende pintar de verde e amarelo a rua onde mora,

homenagem ao avô, que morreu em 2003, logo depois do pentacampeonato. Caio

também já comprou ingresso para as quartas de final, em Fortaleza. Acredita que o

Brasil chega lá. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 39).

Em destaque, as mesmas palavras, em outra ordem, com o título “O torcedor”.

Gisele Ramon

A bancária Gisele Ramon, de 31 anos, criticou os protestos no Facebook. “Por que

não fizeram isso antes”, escreveu. Fácil, agora todo mundo sabe falar de política.

Mas, na hora de ir às ruas, alguém fez alguma coisa?” (TURRER; LIMA;

GORCZESKI, 2014, p. 39).

Em destaque: A indecisa – Ela criticou os protestos nas redes sociais e foi chamada de “alienada”

e “ignorante”. Acompanhará a Copa pela televisão, ao lado do marido. Descendente

de alemães, torcerá pelo Brasil e pelo time de seus avós (TURRER; LIMA;

GORCZESKI, 2014, p. 39).

Carlos Eduardo Galiano O engenheiro Carlos Eduardo Galiano, de 26 anos, também verá os jogos pela TV –

mas diz que torcerá contra o Brasil. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 39).

Em destaque:

O desiludido - Irritado com as denúncias, diz que torcerá contra o Brasil. “Esses

milhões gastos na Copa seriam mais bem usados em saúde e educação”, diz ele.

“Nem precisava de estádios em Manaus ou Cuiabá, que não tem futebol

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desenvolvido”. (TURRER; LIMA; GORCZESKI, 2014, p. 39).

Embora tenha sido publicado em um momento ainda polêmico, o texto traz apenas

uma fonte que destoa com relação à perspectiva da enunciação. O forte apelo ao “amor à

Seleção” permeia não apenas o título da reportagem, mas praticamente todas as falas inclusive

o depoimento emocionado de um estrangeiro, exposto para reforçar esse sentimento. A única

exceção é o engenheiro Carlos Eduardo Galiano, que “torcerá contra o Brasil”, mas não

deixará de ver “os jogos pela TV”. Ironicamente, Galiano é o único personagem não

apresentado com valores relacionados a questões familiares como “homenagem ao avô” ou

“ao lado do marido” (descrições dos outros personagens), além de também ter sido o único a

receber um adjetivo negativo: “O desiludido”.

Na Figura 28, pode-se observar o espaço e o direito à voz dado a esses ordinários. É

interessante notar que, se por um lado, eles têm direito à fala, por outro, à maneira como a

revista os coloca, é como se representassem toda a população brasileira. Considerando que,

conforme a seção anterior, essa mesma reportagem trouxe sondagens que expunham tal

divisão, pode-se afirmar que esses ordinários foram, claramente, apresentados como

representações da opinião pública. Para além disso, a forma como foram caracterizados

reforça a tentativa de formar um clima de opinião favorável ao Mundial.

Figura 28 - Ordinários em destaque

Fonte: Rogério Cassimiro/Época; Letícia Moreira/Época (2014, p. 38-39)

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Na reportagem “O dia em que (quase) perdemos a Copa”, aparece a fala do

jornalista Carlos Henrique Vasconcelos:

Luis Português (o secretário executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes)

sempre foi um nerd, daquele típico, sabe? Bem articulado, erudito, ele ia para o

quarto ler enquanto os outros viravam a noite tomando cerveja (TAVARES, 2014, p.

63).

O texto traz o então secretário executivo do Ministério dos Esportes, Luis Fernandes,

como uma espécie de salvador da pátria num momento em que a Fifa chegou a ameaçar que o

Brasil deixaria de sediar o megaevento, por conta da violência durante os protestos na época

da Copa das Confederações. De acordo com o texto, a partir de então a articulação de

Fernandes foi decisiva para que os jogos realmente viessem a ser realizados no país. O único

personagem ordinário apresentado (Carlos Henrique Vasconcelos) reforça isso claramente.

Até que sua fala seja exposta, no entanto, a reportagem ataca fortemente o governo federal no

quesito organização. Para citar apenas dois exemplos: “O Brasil não levava as exigências da

Fifa a sério – não levava a Copa a sério. Houve atrasos e desculpas demais, em todos os

aspectos que compõem um evento desse porte [...]” (TAVARES, 2014, p. 62) e “Se, com ele,

a fase de preparação da Copa foi uma bagunça, sem ele seria um desastre – e talvez até nem

houvesse Copa”. (TAVARES, 2014, p. 63). Para completar, o último parágrafo da reportagem

traz uma frase que introduz o depoimento do próprio Luis Fernandes e legitima o clima de

opinião construído pelo veículo nessa edição, bastante favorável ao Mundial:

Fernandes estranhava que o brasileiro ainda não estivesse coberto de verde e

amarelo, aguardando com entusiasmo a Copa que se aproxima. “Sinto pena, porque

as pessoas não estão aproveitando. Elas estão contaminadas. Já sabíamos que seria

ano de eleição, mas a ruptura veio em junho do ano passado. Tenho absoluta

convicção de que a Copa e a Olimpíada são boas para o Brasil [...]”. (TAVARES,

2014, p. 63).

Inicialmente, a reportagem “A abertura num estádio problema” ressalta o fato de o

estádio “Itaquerão” abrir a Copa sem ter passado por todos os testes necessários, o que

poderia gerar uma situação de risco para os torcedores. No entanto, isso é levado claramente

para o âmbito político:

pelos cálculos do Partido dos Trabalhadores e do Palácio do Planalto, a abertura da

Copa seria uma apoteose que reafirmaria o Brasil como potência emergente, além de

uma festa para lançar a reeleição de Dilma Rousseff à Presidência. O evento tornou-

se uma fonte de preocupação”. (BOMBIG; TURRER, 2014, p. 56).

Já no segundo parágrafo, os repórteres trazem a trajetória da construção do estádio,

evidenciando que “negociações políticas e econômicas falaram mais alto do que o interesse

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público. A empreitada contou com o envolvimento do então presidente Luiz Inácio Lula da

Silva”. (BOMBIG; TURRER, 2014, p. 56). Além disso, em determinado momento, chegam a

afirmar que ouviram políticos, cartolas e empresários para contar os bastidores dessa história,

mas acabam por trazer apenas uma fala do ex-presidente do Corinthians, André Sanchez, na

época em que a Odebrecht venceu a licitação do estádio. É justamente nesse sentido que se

percebe a ausência dos ordinários. Embora a construção do estádio tenha ocorrido em uma das

regiões mais populares da grande SP, o que provocou discussões e polêmica entre os

moradores da região, ninguém é chamado a falar. Se muitos torcedores do Corinthians

estavam sentindo-se felizes: “orgulhosos, torcedores do time visitam o local para tirar fotos e

fazer filmagens” (UCHOAS, 2012), por outro lado, várias famílias tiveram que deixar suas

casas repentinamente, por conta das obras viárias no entorno do Itaquerão feitas sob

responsabilidade da Prefeitura e do Governo do Estado de São Paulo98:

a ampliação da Radial Leste, por exemplo, levou à remoção de casas na comunidade

de Vila Progresso – cujas regiões mais próximas da rodovia têm mais de “vila” do

que de “progresso”. Segundo os moradores locais, os agentes da subprefeitura

chegaram repentinamente à área para promover a derrubada de casas. Os moradores

conseguiram resistir, mas eles retornaram em seguida, em horário de trabalho. A

moradora Carla Vaneide disse que sua casa quase foi derrubada com os três filhos

dentro, já que estavam dormindo enquanto ela trabalhava. (UCHOAS, 2012).

É possível que a situação não fosse exatamente a mesma em 2014, mas certamente

ainda não era um consenso, apesar disso nenhuma menção é feita na reportagem. Da mesma

maneira, os moradores não tiveram direito à voz, o que nos remete às palavras de Orlandi

(1993, p. 105): “o silêncio não é ausência de palavras. Impor o silêncio não é calar o

interlocutor mas impedi-lo de sustentar outro discurso. Em condições dadas, fala-se para não

dizer (ou não permitir que se digam) coisas que podem causar rupturas significativas na

relação de sentidos”.

Também fica nítido que, em momento algum, as questões relacionadas aos moradores

estão implícitas na reportagem. Daí a necessidade de destacarmos a diferença entre os

conceitos de implícito e silêncio. “O implícito é o não-dito que se define em relação ao dizer.

O silêncio, ao contrário, não é o não-dito que sustenta o dizer mas é aquilo que é apagado,

colocado de lado, excluído”. Para além disso, o silêncio também significa “aquilo que é

preciso não dizer para que o texto se feche e, em consequência, seja coerente, não-

contraditório, capaz de unidade [...]. (ORLANDI, 1993, p. 106). Em um momento no qual a

98 http://infraestruturaurbana.pini.com.br/solucoes-tecnicas/21/obras-no-entorno-do-itaquerao-polo-industrial-

obras-viarias-273255-1.aspx

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revista tenta claramente formar um clima de opinião favorável à Copa do Mundo, acredita-se

que seria no mínimo contraditório trazer a voz de pessoas questionando ou se sentindo, de

alguma forma, prejudicadas por obras no entorno de um estádio.

A ausência dos ordinários nessa reportagem também nos faz atentar para as colocações

de Guimarães e Amorim (2013), quando ressaltam o fato de uma opinião pública democrática

estar intimamente ligada à “necessidade de garantir a pluralidade na formação dessa opinião,

de modo a impedir a sobreposição de interesses particularistas na definição do interesse

público”. (GUIMARÃES; AMORIM, 2013, p. 125). Em suma, para suprir seus próprios

interesses, em um ano eleitoral, o veículo apontou problemas pontuais de um estádio (que

menos de uma semana depois inaugurou a Copa com sucesso) para resgatar questões políticas

relacionadas à obra e rechaçar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a então presidente

Dilma Rousseff – a imagem dela em visita ao Itaquerão (Figura 29) é trazida para reforçar o

texto. No entanto, o mesmo empenho não é feito para resgatar a história dessa construção com

o apoio dos moradores e expor os problemas provocados pelos governos estadual e municipal,

afinal, isso mais do que nunca acarretaria formar um clima de opinião completamente

contrário ao que a revista vinha conduzindo.

Figura 29 - Dilma Rousseff em visita ao Itaquerão

Fonte: Evelson de Freitas/Estadão (2014, p. 58)

Na edição da revista Veja (no 2377), de 11 de junho de 2014, há duas reportagens

relacionadas ao megaevento: “Retrato de dois Brasis” e “Marcação Cerrada”. Uma delas de

capa: “Retrato de dois Brasis” (Figura 30), traz um panorama geral relacionado a mudanças

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no país de 1950 (quando a primeira Copa foi aqui sediada) em 2014.

Figura 30 - Capa Veja edição 2377

Fonte: Veja (2014)

Esta é a primeira vez, desde que a cobertura acerca do contexto do Mundial foi

iniciada pelo semanário, que uma reportagem de cunho relativamente positivo foi publicada

sobre o assunto. Não apenas a capa sinaliza isso com um “Z” cheio de imagens coloridas

relacionadas à atualidade, mas também a seguinte informação exposta no lide: “alguns vícios

brasileiros, atraso, por exemplo, parecem invencíveis. Mas o resultado da caminhada

civilizatória desses 64 anos que se passaram desde a Copa de 50 é, como se verá, animador”

(GAMA et al. 2014, p. 74), o que não significa que não haja críticas à organização da Copa no

decorrer da reportagem. O mais interessante, no entanto, é que pela primeira vez, a revista

sequer apresenta ordinários. Ao contrário, por exemplo, do especial “Estado da desordem”, no

qual muitos ordinários são chamados a falar, o silêncio (das vozes) permeia as dez páginas do

texto. Outro detalhe significativo é que, justamente essa edição traz, anunciado no cabeçalho

da capa, o “Guia da Copa” com a chamada “1, 2, 3, 4, 5…Hexa”, com a imagem do então

zagueiro da seleção, Thiago Silva. É bom lembrar que Época fez isso já na segunda edição

que tratou do assunto. Vale lembrar aqui, como observou-se anteriormente, que nesse

momento o Brasil já estava começando a entrar no clima do Mundial.

Na edição de Época, no 837, do dia 16 de junho de 2014 (pós abertura do Mundial) os

ordinários foram evidenciados em três das seis reportagens: “O oportunismo dos sindicatos e

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movimentos sociais”, “O Carnaval do gringos” e “Hoje é festa na floresta”. Em “O

oportunismo dos sindicatos e movimentos sociais” são eles:

Membro do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (não nomeado)

Alguns caíram no choro. Outros no riso. “Só não rolou churrasco porque a gente só

tinha salsicha”, disse um dos cerca de 8 mil moradores do terreno próximo ao

Itaquerão, em São Paulo, a mais nova ocupação do Movimento dos Trabalhadores

Sem Teto (MTST). (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 44).

Marcio Hasegava, operador de transporte do Metrô

Para 42 deles, o desfecho foi pior: a demissão. “O medo venceu. Deixamos os

demitidos para trás”. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 44).

“Nossa inspiração foi a greve dos garis, no Rio”, diz. “Houve um transtorno no

início, mas depois ficou claro para a sociedade que a reivindicação deles estava

correta”. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45).

Maria das Dores Ferreira (uma das coordenadoras do Movimento dos Trabalhadores

Sem Teto)

“Continuaremos nossa luta, mas com menos consistência durante a Copa”.

(FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45).

Se por um lado, é dado o direito à fala aos manifestantes, por outro, boa parte dessas

falas é relatada no sentido de evidenciar o lado negativo desses mesmos representantes. A

primeira citação já abre o texto debochando dos membros do movimento que ocuparam um

terreno próximo ao Itaquerão, estádio onde o megaevento foi aberto: “Alguns caíram no

choro. Outros no riso. ‘Só não rolou churrasco porque a gente só tinha salsicha’”. Em um

segundo momento, após mostrar que, por conta da paralisação, os funcionários do Metrô

foram punidos pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) com uma multa diária de R$ 500

mil e, além disso, 42 deles haviam sido demitidos, o operador de metrô Marcio Hasegava é

mostrado como uma figura calculista que não se incomoda com tal situação (“deixamos os

demitidos para trás”). Posteriormente, é apresentado como um sindicalista consciente:

Hasegava, do Metrô, diz que conviveu com um sentimento dúbio ao longo da greve.

Ao mesmo tempo, sabia que a paralisação prejudicava os quase 4 milhões de

passageiros que usam o Metrô diariamente, mas acreditava que a luta dos

metroviários pro melhores condições de trabalho poderia ajudar a conscientizar

outras categorias. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45).

No entanto, essa caracterização é derrubada no parágrafo seguinte: “Hasegava estava

no grupo que enfrentou a Polícia Militar na sexta-feira anterior [...] Ele fez parte de uma

minoria que votou pela manutenção da greve – mesmo depois de ela ser considerada

abusiva”. (FERRARI; RIBEIRO, 2014, p. 45, grifo nosso). Uma das fotografias destacadas

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mostra o sindicalista em confronto com a polícia:

Figura 31 - Sindicalistas em confronto com a PM

Fonte: Nelson Antoine/AP (2014, p. 44)

Já a fala de uma das coordenadoras do MTST, Maria das Dores Ferreira:

“Continuaremos nossa luta, mas com menos consistência durante a Copa”, além de ser trazida

no texto, é destacada atestando que até reivindicações pontuais estavam se amenizado naquele

momento:

Figura 32 - Coordenadora do MTST

Fonte: Filipe Redondo/Época (2014, p. 45)

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Na reportagem “O Carnaval dos gringos”, de Isabel Clemente, Rodrigo Turrer, Ana

Luiza Cardoso, Marcelo Bortolotti e Raphael Gomide, são expostas as falas de estrangeiros:

Fagundo Yadarola, advogado argentino

Messi, Messi (CLEMENTE et al. 2014, p. 52).

Marcel Peitz, de 24 anos, alemão

Ele ficará no Brasil por duas semanas, alugou um apartamento na Lapa, bairro da

boemia carioca, mas não conseguiu comprar nenhum ingresso. Nem na Alemanha

nem aqui. “Não posso pagar R$ 500 num ingresso, não mesmo. Assistirei aos jogos

na rua. Ao menos a cerveja aqui é barata”. (CLEMENTE et al. 2014, p. 53).

Helena Korpunko, diretora de Comunicação da Casa da Rússia

“Queremos levar daqui as boas lições para a organização da próxima Copa (que será

realizada na Rússia) e também apresentar a cultura russa para os brasileiros, porque

aqui ela não é muito conhecida”. (CLEMENTE et al. 2014, p. 53).

Daniel Frankenhuis, holandês, diretor de acampamento às margens da Represa de

Guarapiranga

“Fazemos isso há 12 anos, estivemos em várias Copas, e o objetivo é ver os jogos e

se divertir o máximo possível. [...] Queremos fazer isso aqui na beira da represa.

Serão 5 mil pessoas entrando na água ao mesmo tempo, será uma loucura”. (em

alusão a uma festa em que europeus entram na água gelada no primeiro dia do

ano). (CLEMENTE et al. 2014, p. 54).

De início, é preciso observar que os estrangeiros apresentados pertencem a diferentes

classes sociais: o alemão não pode pagar pelos ingressos, mas alugou um apartamento em um

bairro da boemia carioca; a Casa da Rússia fica dentro do Museu de Arte Moderna no Rio, um

“quartel-general cinematográfico”; a diária no acampamento sai por volta de R$ 245,00 e

“inclui café da manhã, almoço e jantar, feitos por um bufê contratado”. (CLEMENTE et al.

2014, p. 54).

Além disso, é importante destacar que essas vozes, embora não representem ordinários

da opinião pública brasileira, foram apresentadas neste trabalho por uma simples razão. Se

considerarmos que, naquele momento, a revista vinha construindo um clima de opinião

favorável à Copa, nada poderia vir mais a calhar do que evidenciar falas e imagens de

estrangeiros numa perspectiva festiva (“Carnaval”) em que, para o grupo Globo, era

importante que todos os brasileiros estivessem, independente da classe social. Não é para

menos que um trecho do subtítulo afirma: “o barulho dos torcedores estrangeiros anima as

sedes da Copa” (CLEMENTE et al. 2014, p. 52, grifo nosso). Vale lembrar que, de acordo

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com as pesquisas de opinião expostas no contexto apresentado, a imagem do Brasil como sede

do megaevento era muito mais otimista entre os estrangeiros do que propriamente entre os

brasileiros.

O texto “Hoje é festa na floresta”, escrito por Leopoldo Mateus, traz falas de alguns

moradores de Manaus.

Funcionária do aeroporto de Manaus (nome não informado)

[...] há anos [...] (em alusão a um conjunto de aviões abandonados ao lado da pista

do aeroporto) (MATEUS, 2014, p. 56).

Francielson Ferreira, empresário em Manaus

Você acha que está indo para o meio do mato e pega um trânsito infernal.

(MATEUS, 2014, p. 57).

O empresário Farancielson torce para uma volta aos velhos tempos. “Nos anos 1980,

os estádios aqui eram lotados. O futebol do Amazonas foi perdendo investimento.”

Ele considera a Copa uma oportunidade de revitalizar o futebol local. Aqui passa o

Campeonato Carioca na TV, mas o daqui nem é televisionado. Acredito que agora

possa retomar.” (MATEUS, 2014, p. 58).

Eduardo Félix, gerente manauara

Dizer que não temos condições de receber a Copa é preconceito. Para ele, a partida

entre Itália e Inglaterra é o maior evento da história da cidade. (MATEUS, 2014, p.

58).

“Ficou só na maquete”, afirma o gerente manauara Eduardo Félix, de 59 anos. (em

alusão a um monotrilho prometido para o Mundial) Ele não acredita que algo de

significativo fique para a cidade, além do estádio. (MATEUS, 2014, p. 58).

Sem dúvidas, o foco da reportagem é na questão do clima da cidade-sede. Isso fica

claro já no subtítulo: “Com quatro jogos em Manaus, a Copa de 2014 será a primeira

disputada no meio de uma selva tropical. O calor e a umidade são os maiores desafios”

(MATEUS, 2014, p. 56). Depois de mencionar comentários de técnicos de seleções e de um

fisiologista sobre as dificuldades de se jogar futebol nesse ambiente, a segunda metade do

texto se volta para o âmbito de evidenciar o potencial da cidade como uma das sedes.

No entanto, é importante mencionar que a construção do estádio em Manaus foi

apontada, nacionalmente, como um desperdício de dinheiro público especialmente porque a

região não possui um futebol suficientemente forte para a utilização frequente de um estádio

com os requisitos exigidos pela Fifa. Mesmo assim, a cidade candidatou-se a ser uma das

sedes da Copa. No entanto, nenhuma das fontes apresentadas na reportagem sequer menciona

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isso, o que sugere que não havia problemas nesse sentido para o cidadão manauara. Pelo

contrário, as personagens se complementam em defender o potencial da cidade e até a

possibilidade de retorno aos “velhos tempos” do futebol na Amazônia.

Acerca dos gastos públicos, apenas uma frase – já quase no final do texto – menciona

o assunto: “O maior dilema do governo amazonense é o que fazer com a Arena Amazônia,

que custou R$ 757 milhões, depois da Copa”. (MATEUS, 2014, p. 58). Já a questão de uma

obra prometida e não realizada foi criticada por Eduardo Félix. Por sinal, a única crítica feita

por um ordinário. Um aspecto positivo a ser ressaltado é que, pelo menos nesse caso, o

problema com as obras e a questão dos gastos foram creditados ao governo estadual.

Já na edição da revista Veja correspondente não foi trazido nenhum ordinário que não

estivesse ligado estritamente à questão técnica (futebol). Uma das matérias publicadas é a

reportagem de capa “O hino, as vaias e Neymar”. Capa que, aliás, foi dividida em três

“destaques”: “Hino”, para fazer referência ao patriotismo brasileiro, “Neymar”, representando

o futebol e “Vaia”, com a imagem da então presidente Dilma Rousseff acompanhada do então

vice Michel Temer. É notório o interesse do veículo, em um momento no qual a seleção

venceu e o brasileiro está fazendo as pazes com o Mundial, tentar formar a opinião do leitor

no sentido de separar os fatos e evidenciar os insultos à então chefe do Executivo. No

cabeçalho, a mensagem é bastante clara: “Os três destaques da abertura da Copa mostram que

para os brasileiros patria não é governo e a paixão pelo futebol não combina com política”.

Figura 33 - Capa Veja edição 2378

Fonte: Veja (2014)

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Na edição 838 de Época (23 de junho), a reportagem não assinada “O bom humor

está por um fio” traz vários ordinários:

Odair Alexandre Júnior, empresário

A exceção era a Rua Rogério Jorge, que o empresário Odair Alexandre Júnior, de 45

anos, vestiu cuidadosamente de verde e amarelo, como faz desde criança. “A Seleção é a

Seleção”, diz ele, orgulhoso, na rua deserta. “Politicagem e protesto, só nas urnas”. (O

BOM..., 2014, p. 40).

Alexandre Randmer, despachante

“Parece que hoje todo mundo se escondeu em casa”, diz o despachante Alexandre

Randmer, de 35 anos. Ele viu o jogo no quintal de casa, comendo uma feijoada em

companhia dos amigos. “O pessoal deve estar com medo das manifestações”. (O BOM...,

2014, p. 40).

Alex Bellos, escritor e jornalista inglês

O escritor e jornalista inglês Alex Bellos, que morou cinco anos no Brasil, diz que nunca

viu os brasileiros tão contidos em relação à Seleção. “As ruas não estão enfeitadas, as

pessoas não estão eufóricas. Só há festas onde estão os estrangeiros”, diz ele. Em Londres,

antes da Olimpíada de 2012, Bellos diz que havia ressentimento com os gastos e má

vontade em relação ao evento. Mas isso mudou com os resultados esportivos. (O BOM...,

2014, p. 42).

Deise Quintiliano, professora universitária

A professora universitária Deise Quintiliano, de 50 anos, saiu toda enfeitada para o

segundo jogo do Brasil, depois de ter ficado em casa no primeiro. “Fui chamada de

alienada no metrô, por usar enfeites do Brasil, mas não participei das manifestações das

Diretas, nos anos 1980, para ficar em casa com medo de ser reprimida”, diz ela. Deise é

carioca e mora no bairro da Tijuca. (O BOM..., 2014, p. 42).

Andrea Souza, canadense casada com brasileiro

A canadense Andrea Souza, casada com o brasileiro Ivaney Souza, de 33 anos, estava

num bar em Moema, área nobre de São Paulo, acompanhada do marido e da filha Anna,

de 3 meses. Ela chegou ao Brasil às vésperas da Copa de 2010 e se encantou com o

entusiasmo dos brasileiros pela Copa. Agora, andava estranhando a frieza. “Não vi a

mesma empolgação, mas bastou os jogos começarem para eu sentir novamente o alto-

astral dos brasileiros”, diz ela. (O BOM..., 2014, p. 42).

Thayná Sprung, estilista

A estilista carioca Thayná Sprung, de 27 anos, só aderiu à celebração pública do futebol

na segunda partida do Brasil. Dispensada do trabalho, foi a um bar torcer. Tinha

sentimentos divididos. “O país precisa investir mais em saúde e educação, não em

estádios”, diz ela. (O BOM..., 2014, p. 42).

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Aline Soares, dona de casa

Em Brasília, a dona de casa Aline Soares era prova da necessidade de investimento em

saúde. Na véspera do jogo entre Brasil e Croácia, ela teve de levar a filha ao hospital de

Taguatinga. O atendimento foi péssimo. A sorte é que eu tenho uma tia enfermeira que

medicou minha menina em casa. Se dependesse do hospital público...” Na terça-feira,

Alina viu o jogo do Brasil em companhia de amigos, na festa da Fifa em Taguatinga, a 20

quilômetros do Plano Piloto. A tarde começou animada, em ritmo de pagode. Murchou

assim que o empate sem gols do Brasil tomou forma. (O BOM..., 2014, p. 42).

Dione, amigo de Aline

“Acho bom o Brasil ganhar essa Copa. Gastar bilhões em estádios e não ganhar é feio. O

pau vai quebrar”, diz um amigo de Aline que se apresentou apenas como Dione. (O

BOM..., 2014, p. 42).

Em sua maioria, as imagens (Figura 34) focam nos torcedores festivos e empolgados,

refletindo o clima do evento no momento, lembrando que as sondagens encomendadas pela

Secom e expostas na seção anterior mostravam isso. Também é dada a oportunidade para que

vários torcedores falem, o que pode ser considerado um aspecto positivo do texto. As vozes

desses torcedores, embora às vezes críticas em relação à realização do evento, se apresentam

animadas. Segundo o texto, o ânimo não chega ao nível de outros mundiais, por várias razões,

entre elas, o “medo das manifestações” explicitado por um deles. Chama a atenção o fato de

que, nesse momento, as manifestações que até então eram expostas pela revista como ações

de minorias (que por vezes foram representadas, nas imagens, como encapuzados) agora que

perderam força, ganham um novo status: “Quando se anda pelas ruas das grandes cidades

brasileiras, fica claro que o país não deixou para trás o espírito crítico de junho, que se

traduziu no slogan “Não vai ter Copa”. (O BOM..., 2014, p. 40, grifo nosso).

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Figura 34 - Torcedores brasileiros

Fonte: Marcelo Min/Fotogarrafa; Filipe Redondo;

Igo Estrela; Guillermo Giasanti/Época (2014, p. 40-41)

Outra razão a expor que os brasileiros estavam menos ufanistas aparece na fala dos

três últimos ordinários apresentados, todas bem contundentes, explicitando o alto

investimento em estádios, em detrimento da educação e saúde. Até então, a revista só havia

feito isso uma única vez na edição anterior à abertura do evento, mesmo assim de forma

amena, com a reportagem “Por que amamos tanto a seleção” que traz a fala de Carlos

Eduardo Galeano, nomeado pelo próprio semanário como “O desiludido”, conforme análise

feita anteriormente. Nesse sentido, é importante destacar que, de acordo com dados coletados

entre 22 de junho e 3 de julho e expostos no relatório do Ibope Inteligência (2014), realmente

quando perguntados acerca do prejuízo que a Copa trouxe ao Brasil, 47% das respostas

(considerando duas menções) apontavam para gastos com dinheiro público/ prejuízo

financeiro e 36% falta de verba para saúde e educação. Isso está traduzido na fala desses

ordinários. No entanto, ao serem questionados acerca dos benefícios que o evento teria

trazido, 32% dos entrevistados mencionaram o aquecimento da economia e 30% citaram o

incentivo ao turismo. Acerca desses aspectos, nada é mencionado e nenhuma fala é divulgada.

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No que diz respeito à capa, o semanário reafirma a cumplicidade e interesse no

sucesso do campeonato, estampando a imagem da taça que seria entregue ao campeão do

Mundial (Figura 35). O título “Não vai ser nada fácil” está direcionado especialmente à

reportagem “As ameaças ao hexa” (voltada para o futebol). Não se pode deixar de observar,

no entanto, que as chamadas da capa também sinalizam o recado que a revista pretende dar ao

leitor: “O previsível uso político da Copa” e o “Nosso bom humor por um fio” fazem

referência às matérias já analisadas. Vale lembrar que ambas refletem o clima de opinião

favorável ao evento e à seleção, mas por isso mesmo querem, acima de tudo, atentar ao leitor

para a necessidade de diferenciar futebol de política (em ano eleitoral).

Figura 35 - Capa Época edição 838

Fonte: Época (2014)

Pode-se dizer que, na edição correspondente de Veja (2379), os ordinários foram

expostos na cobertura por meio de sondagens, já analisadas anteriormente. Isso parece claro

na capa (Figura 36) que traz os ordinários em destaque, sem nomeá-los. Em meio a uma

torcida de verde e amarelo, uma brasileira sorri e expressa o clima de opinião dominante entre

a população. A chamada de capa também traduz isso: “Só alegria até agora”. É importante

observar que, embora a Copa seja considerada uma festa popular, esta é a única vez que o

público brasileiro é evidenciado na capa pela revista. Até então, isso só havia ocorrido de

forma bastante sutil na edição de 11 de junho, pré-Mundial. Isso não significa que a revista

tenha deixado de anunciar sutilmente, no subtítulo, os recados (e a opinião) que tentaria

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formar no leitor: “Um festival de gols nos gramados, menos pessimismo nas pesquisas, mais

consumo, visitantes em festa e o melhor é aproveitar, pois legado duradouro, esqueça”. Já no

rodapé a chamada para a notícia exclusiva: “Testamos o programa de computador que fura a

fila de compra de ingressos no site da Fifa. Funciona. Mas é justo?” Em suma, é praticamente

um resumo do “Especial Copa” no qual, diferentemente de Época, que priorizou o futebol,

Veja dedicou ao tema duas reportagens: “Não tem mais surpresa” e “Show como no tempo de

Pelé”. Mesmo assim, essa última traz um box “Elogios, só para a qualidade do futebol”, no

qual afirma que “após o início do evento, o tom apocalíptico da imprensa internacional deu

lugar a reportagens mais ponderadas. As críticas porém predominam sobre os elogios”.

(RODRIGUES, 2014, p. 112).

Figura 36 - Capa Veja edição 2379

Fonte: Veja (2014)

Por sua vez, a edição 839 de Época, publicada em 30 de junho, trouxe três reportagens

que perpassam o âmbito técnico e trazem ordinários: “O Brasil abraça os latinos”, “O

futebol será agora com as mãos” e “Animados sim, alienados não”. Segue a análise da

primeira:

Florencia Mori e Mercedez Molina, argentinas

As jovens argentinas Florencia Mori e Mercedez Molina, ambas de 21 anos, decidiram

não perder a oportunidade de ver a seleção de seu país na quase vizinha Porto Alegre. De

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ônibus convencional, levaram mais de 24 horas de Buenos Aires à capital gaúcha.

Chegaram na manhã da quarta-feira, dia do jogo contra a Nigéria. Viajaram com pouco

dinheiro e contaram com hospedagem solidária (o famoso “ficar onde der”). Tinham

planos de seguir até São Paulo, próximo destino de sua seleção. “Do pouco que vimos,

estamos encantadas”, afirmou Florencia. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 41).

Sergio Alvarez, argentino

O argentino Sergio Alvarez, de 37 anos, veio de Quilmes, perto de Buenos Aires, para

assistir a vários jogos da equipe de Lionel Messi. Esteve no Rio de Janeiro, foi a Porto

Alegre e promete acompanhar a Argentina até onde ela for. “Estou apaixonado pela

cidade e quero agradecer às pessoas daqui. Foi surpreendente nossa recepção”.

(TEIXEIRA et al. 2014, p. 41).

Luciano Grassi, argentino

Para eles, a provocação é saudável (acerca da rivalidade Brasil x Argentina). “Isso de

briga é mais uma coisa de marketing. Os gaúchos romperam com esse mito”, diz o

argentino Luciano Grassi, de 27 anos. Ele veio de La Pampa com sua família para

acompanhar sua seleção. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 41).

Heitor Menegale e Izabel Bukowski, brasileiros

No Rio de Janeiro, o advogado Heitor Menegale, de 58 anos, e sua mulher, Izabel

Bukowski, de 43, já se consideravam até mais sul-americanos que brasileiros. Dizem que

suas melhores férias foram em países do continente. [...] “Recebemos dois amigos

equatorianos com um jantar de moqueca e caipirinha”, diz Izabel, moradora de Ipanema,

na Zona Sul.[...] “Sou brasileiro, mas, mesmo que o Brasil perca, continuarei torcendo.

Pelos nossos vizinhos”, diz Menegale. “Até mesmo pela Argentina”. (TEIXEIRA et al.

2014, p. 41).

Daniel Musi e Tomaz Montañes, latinos

O argentino Daniel Musi, de 50 anos, vive há 25 anos no Brasil e diz que ficou

impressionado. [...] Durante a Copa, conheceu o colombiano Tomaz Montañes, de 52

anos, ao caminhar pela orla de Copacabana. “Deixamos de lado a rivalidade, torcemos

juntos”, diz Montañes. “O técnico da Colômbia é argentino!”. Ambos lamentaram a

distância que ainda existe entre os sul-americanos, apesar da proximidade geográfica.

Musi viu, na prática, essa distância ruir. “Nunca pensei que veria tantos argentinos na

Praia de Copacabana. Isso é extraordinário, deveria ocorrer mais”. (TEIXEIRA et al.

2014, p. 42).

Raúl, Ruben e Raúl Júnior, chilenos

O motorista de táxi Raúl Rozas Rojas, de 60 anos, veio para o Brasil com metade dos

quatro filhos – Ruben Rozas, de 35 anos, e Raúl Rozas Rojas Júnior, de 34.[...] Fizeram

um passeio “perfeito” ao Cristo Redentor na ensolarada manhã de quarta-feira, dia 25.

Disseram ter recebido “recomendações desnecessárias” sobre a vinda ao Brasil: cuidado

com a comida e a violência. “Encontramos um povo amável, uma cidade tranquila e uma

comida maravilhosa. Ninguém passou mal até agora”, diz Ruben, rindo. O trio chileno

alugara um apartamento de um jovem músico próximo ao Maracanã, num arranjo pela

internet. Pagaram R$ 1200 por quatro dias – e acharam justo. Nem os táxis estão mais

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caros que no Chile, diz o pai, Raúl, taxista. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 43).

Marjorie Jean François, mexicana

A advogada mexicana Marjorie Jean François, de Guadalajara, aproveitou a Copa para

visitar a Cinelândia, área de interesse histórico no centro do Rio. [...] Para ela, se alguém

tem de vencer esta Copa, que seja uma seleção da América Latina. “Somos latinos, antes

de tudo”. [...] Lamenta apenas não poder ficar até a final. “Os brasileiros são muito

amáveis. Todo o tempo, tentam nos dar informações, ajudam”. (TEIXEIRA et al. 2014,

p. 44).

Francisco Yepez e Andrés Gomez, equatoriano

Os equatorianos Francisco Yepez e Andrés Gomez, ambos de 26 anos e engenheiros

ambientais, vieram ao Brasil pela primeira vez atraídos pela Copa. [...] “O carioca tem

uma personalidade encantadora, amável. Fomos muito bem recebidos”, diz Yepez.

“Fizemos contato com um casal de São Paulo, amigos de amigos nossos. Eles nos

levaram para passear, nos ajudaram com hospedagem. Tem sido fácil fazer amizades.

Aprendemos palavras básicas e deu tudo certo”, afirma Gómez. Gostaram tanto do Brasil

que pretendem voltar logo. Para passear? “Para casar”, dizem os dois em coro. “É sério,

conhecemos moças especiais em Brasília. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 44).

Marcela Orjuela, colombiana

A colombiana Marcela Orjuela, de 38 anos, com o pequeno Javier, de 3 [...] vive na Barra

da Tijuca, Zona Oeste do Rio, desde o ano passado. “Depois da Colômbia, torceremos

pela América Latina em primeiro lugar”. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 46).

É importante registrar, antes de qualquer coisa, que a reportagem expressa o clima de

opinião favorável ao evento naquele momento. Acredita-se que, para a maioria dos ordinários

que são mencionados no texto, a Copa foi excelente até a final (Alemanha X Argentina no

Maracanã). Isso porque, embora cite brasileiros, a matéria é muito mais focada nos latinos que

estão não apenas se divertindo, mas gostando da experiência de estar no Brasil. Nesse sentido,

vale destacar dados coletados de 22/06 a 03/07 e expostos no relatório do Ibope Inteligência

(2014, p. 38) em relação à questão: “pelo que o (a) sr (a) sabe ou ouviu falar, a recepção aos

turistas tem sido ótima, boa regular ruim, ou péssima?”; 68% dos entrevistados responderam

ótima/boa, 15% regular e apenas 5% ruim/péssima, sendo que esses índices melhoraram após

a data acima.

Ao apresentar as razões de tantos latinos da América Espanhola no país da Copa, a

reportagem traz a seguinte informação: “A classe média da região cresceu 60,3% desde 2003,

de acordo com Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). No mesmo período, a

população vivendo na pobreza encolheu 34%”. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 42, grifo nosso). A

informação é significativa, mas em nenhum momento a revista especifica que o crescimento

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da classe media e a redução da pobreza teria se dado sob os governos de Lula e Dilma ou

mesmo evidencia o Brasil nesse contexto. Ironicamente, três páginas depois, já tratando de

outro assunto (diplomacia, como se verá abaixo), o texto cita “o governo de Luiz Inácio Lula

da Silva (2003-2011)”. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 45).

Mas o “abraço” aos latinos acaba adentrando à outra questão: a diplomática. É nesse

momento que tanto os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, como a então

presidente Dilma Rousseff são citados. As informações relacionadas aos dois primeiros, no

que diz respeito às relações exteriores, são positivas. O então governo Dilma não é visto da

mesma forma:

a integração de quase duas décadas diminuiu de ritmo com Dilma Rousseff, a ponto

de quase parar. Ela sempre demonstrou incômodo com os protocolos diplomáticos e

grandes visitas de Estado. [...] A inabilidade da diplomacia brasileira fez o Brasil

perder espaço como interlocutor legítimo em crises regionais e pôs em xeque a

integração econômica da América Latina. (TEIXEIRA et al. 2014, p. 45).

Como contraponto, na última página do texto, os repórteres afirmam que um evento

como a Copa do Mundo é capaz de tornar compatíveis as agendas apertadas de chefes de

Estado e elencam os encontros que a então presidente Dilma havia tido com o vice-presidente

dos Estados Unidos, Joe Biden, bem como com a chanceler alemã Angela Merkel, o

presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos e a presidente chilena, Michelle Bachelet.

Já a reportagem “O futebol será agora com as mãos” trouxe os seguintes ordinários:

Elias Cândido, taxista

“A cidade realmente recebeu muitas obras. Nosso faturamento caiu de 15% a 20%

no período de mais obras, porque a gente não conseguia andar, diz o taxista Elias

Cândido. Ele afirma que gastava uma hora da região central da cidade até o

aeroporto. Agora, numa Cuiabá menos caótica, faz o mesmo percurso em 15

minutos, dependendo do horário. Segundo ele, se as obras em andamento

terminarem, o legado da Copa para a cidade será real. “Se todas que começaram

terminarem, Cuiabá ganhará muito mesmo. Mas tenho medo de que não concluam o

VLT (Veículo Leve sobre Trilhos, uma espécie). Hoje dizem que ele era para os

cuiabanos, e não para os turistas. Mas estava nas obras da Copa”, afirma Cândido.

(MATEUS, 2014, p. 49).

Leonardo Vilas Boas, advogado

“O que prometeram, no geral, não cumpriram. Acredito que possa ficar abandonado

após a Copa. O VLT, só acredito vendo”, diz o advogado Leonardo Vilas Boas. Para

ele, várias obras foram disfarçadas para o Mundial. (MATEUS, 2014, p. 50).

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Jaime Garcia, servidor público

O servidor público Jaime Garcia está otimista. “Uma Copa no Brasil, ainda mais

nesta região tão esquecida, não dá para torcer contra. E vai ficar legado, sim. O

trânsito melhorou muito, apesar de as obras ainda não estarem concluídas”, afirma

Garcia. Para ele, a marca ruim deixada pela Copa foram as denúncias de desvio de

recursos. “Foi um ponto negativo, mas aí o povo tem que saber quem coloca lá”,

afirma. (MATEUS, 2014, p. 50).

Até o momento, entre todas as reportagens analisadas, essa foi uma das que melhor

apresentou a polêmica em torno da Copa, inclusive trazendo ordinários que expressavam

pontos positivos e negativos acerca dos benefícios e prejuízos que Cuiabá teria por sediar o

evento. Em suma, havia atraso nas obras, mas de qualquer forma, a cidade já estava sendo

beneficiada. A única ressalva é que melhorias no âmbito da infraestrutura só vieram a ser

comentadas por Época naquele momento (30 de junho), quando a euforia do Mundial já havia

invadido o país.

No que tange ao estádio, embora a reportagem aponte o fato de uma arena ter sido

construída em uma cidade na qual não há um futebol desenvolvido e, portanto, ser uma forte

candidata a elefante branco – segundo o portal da Transparência99, foram investidos R$

596.400.000,00, sendo R$ 258.500.000,00 do governo estadual e R$ 337.900.000,00

financiados pelo BNDES (o texto fala em um total de mais de R$ 600 milhões) – também é

exposta a alternativa de conceder o estádio à iniciativa privada e, especialmente, de utilizá-lo

para o futebol americano, esporte no qual Cuiabá é considerada um centro de referência

brasileiro e possui um clube profissional: o Cuiabá Arsenal. Não apenas nesse sentido, a voz

do então secretário extraordinário da Copa, Mauricio Guimarães, é trazida para dar

declarações em mais de um momento.

Outro aspecto que deve ser considerado é que o texto, diferentemente da maioria do

material publicado pelos semanários analisados, informa claramente quem são os

responsáveis pelas obras, tanto no que diz respeito ao estádio como as de mobilidade urbana.

Isso fica bastante evidente, por exemplo, quando o repórter comenta a fala do último ordinário

citado: “Garcia refere-se à soma de denúncias do Ministério Público Estadual, que fizeram

com que o Tribunal de Contas do Estado embargasse obras como o VLT, por suspeitas de

irregularidades nos projetos de licitação. O governo estadual sempre negou qualquer

irregularidade.” (MATEUS, 2014, p. 50, grifo nosso).

A reportagem “Animados, sim. Alienados, não”, já analisada no que diz respeito às

sondagens, contou com os seguintes ordinários:

99 http://www.transparencia.gov.br/copa2014/cidades/execucao.seam?empreendimento=3

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Sônia Leardini, dona de casa

tome o exemplo da paulista Sônia Leardini, de 50 anos, que trabalha num salão de

festas, nos fins de semana, em Jundiaí, no interior de São Paulo. Ela apostava que as

melhorias feitas para receber os turistas estrangeiros aumentaria de alguma forma

sua qualidade de vida. Agora, afirma estar decepcionada. “Achei que o transporte

fosse melhorar. Com a correria para fazer estádios e acabar as obras, gastaram todo

o dinheiro e esqueceram o povo”, diz Sônia. (BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54).

Maria Aparecida Freitas, pedagoga

a pedagoga paulistana Maria Aparecida Freitas, de 52 anos, moradora da capital

paulista, diz-se aliviada. “Mesmo com todas as limitações, estamos fazendo uma

Copa bacana. Antes, havia o receio de uma grande vergonha nacional”.

(BUSCATO; KORTE, 2014, p. 54).

Nessa matéria, é possível observar ainda mais claramente a ligação entre sondagens e

fontes proposta por este trabalho: as duas ordinárias foram trazidas com o único objetivo de

ilustrar pesquisas do Ibope divulgadas pela reportagem. Isso fica bastante evidente no texto:

os dados devem ser interpretados com cautela, porque não são tão significativos

quando descontada a margem de erro da pesquisa. Ainda assim, chamam a atenção

porque traduzem sentimentos disseminados na sociedade. (BUSCATO; KORTE,

2014, p. 54).

Imediatamente após essa frase, as opiniões das ordinárias (expostas nos trechos acima

apresentados) são trazidas. O espaço dado a elas, em termos de imagem, é exatamente o

mesmo. Portanto, nesse aspecto pode-se dizer que houve imparcialidade por parte do veículo.

No que diz respeito ao que foi dito por elas, também há coerência. No entanto, é possível

fazer pelo menos duas observações: no depoimento de Maria Aparecida, o sentimento

destacado é alívio. Não se fala mais nada acerca dos benefícios que as próprias pesquisas

divulgadas pelo veículo diziam que o Brasil teria sediando o megaevento (43% dos brasileiros

acreditavam que a Copa traria mais benefícios). Já em relação ao desapontamento de Sônia

Leardini, um trecho em especial merece atenção: os repórteres falam em “melhorias feitas

para receber os turistas estrangeiros” como se brasileiros não fossem fazer uso disso.

Ressalta-se que, já em 2013, foi explicitado pelo governo federal que a infraestrutura

construída para o Mundial ficaria como um legado para o país, em especial nas cidades-sede,

conforme foi visto nos capítulos anteriores.

Também é importante mencionar que é traçada uma estratégia parecida com o que foi

feito na reportagem “O bom humor está por um fio”, publicado na edição anterior. Ambos

trazem ordinários para tratar de problemas estruturais como transporte público. O detalhe é

que, até então, a revista não havia evidenciado tal assunto. Isso só vem a ocorrer quando a

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euforia passa a dominar o clima de opinião no país.

Saindo do âmbito do futebol, a edição correspondente de Veja, publicada no dia 2 de

julho (2380), traz “Os bons ares do Brasil”:

Maximiliano Garin, argentino

“ainda estamos procurando um hotel para ficar. Não temos bilhetes, nada”, diz

Maximiliano Garin, argentino que saiu com o irmão e três amigos da cidade de

Ceres, ao norte de Santa Fé, e dirigiu 1700 quilômetros até Porto Alegre. “Era uma

chance única na vida. Os próximos Mundiais serão na Rússia e no Catar, lugares

distantes e sem graça.” (LEITÃO et al. 2014, p. 70).

Esteban Magalinas, argentino

“os brasileiros cedem água quente para tomarmos mate, e dão até comida para

alguns que não tinham nem dinheiro para comer e mesmo assim vieram”, conta o

professor de tênis Esteban Magalinas. (LEITÃO et al. 2014, p. 71).

Adilson Luiz da Cruz, taxista brasileiro

o taxista Adilson Luiz da Cruz, de 42 anos, encontrou quarenta ingressos de jogos da

Copa no banco de trás do carro e os devolveu aos donos, torcedores mexicanos.

(LEITÃO et al. 2014, p. 71).

Luiz Gonzaga, porteiro brasileiro

o porteiro Luiz Gonzaga, que trabalha em um prédio próximo ao Maracanã, virou

sua televisão para que cerca de cinquenta torcedores chilenos sem ingresso

pudessem ver, aglomerados em frente à grade, sua seleção bater a Espanha por 2 a 0.

(LEITÃO et al. 2014, p. 71).

Pela primeira vez, é possível dizer que o semanário da Abril expressa o clima de

opinião que o país estava vivendo. Tanto é que, além dessa reportagem em análise, outras três

refletem esse clima e se atém ao âmbito do futebol como espetáculo. Notadamente, isso só

vem a ocorrer no dia 2 de julho, na 8ª edição que menciona o Mundial.

Em suma, com o apoio das falas ou mesmo ações de ordinários, evidencia-se “os bons

ares do Brasil” destacados no título. Sem dúvida, o texto mostra o país como um grande

anfitrião dos mais de um milhão de estrangeiros que aportaram em terras tupiniquins: “boa

parte dos estrangeiros cita as pequenas atitudes gentis como o diferencial do Brasil”.

(LEITÃO et al. 2014, p. 71). Todo esse “clima de paz” não impede, no entanto, que em alguns

momentos, o governo federal e a infraestrutura construída nas cidades-sede seja alvo de

críticas. Já no lide, isso aparece na seguinte frase: “para além do belo futebol nos gramados, a

alegria que tomou conta do país talvez seja o único legado incontestável do torneio”

(LEITÃO et al. 2014, p. 69). O segundo parágrafo é ainda mais crítico e culmina em uma fala

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da então presidente Dilma Rousseff, precedida por um comentário no mínimo irônico:

“ninguém, quando voltar do Brasil, sairá daqui e levará na mala estádio, aeroporto,

obras de mobilidade urbana”. Azar de quem fica, porque haverá muito estádio feito

elefante branco (o que será mesmo das arenas Amazônia e Pantanal?), aeroportos

precários e obras de mobilidade urbana que não saíram do papel. (LEITÃO et al.

2014, p. 70, grifo nosso).

Posto isso, embora destaque o grande número de estrangeiros no país, em momento

algum a reportagem faz menção ao que isso significou para a economia. Já no que diz respeito

à infraestrutura, contrapontos não são apresentados, como se nenhum benefício viesse a ser

trazido, em especial às cidades-sede.

É interessante observar, ainda, as capas dessas edições. Das dez revistas Época que

fazem parte das análises, apenas duas não trazem (direta ou indiretamente) o Mundial como

destaque principal. Com isso, é notório o fato de que, no período de 19 de maio a 14 de julho

(o evento terminou dia 13 de julho), essa foi a única edição na qual preferiu-se destacar a

Copa apenas no cabeçalho (Figura 37). A Veja também se utilizou da estratégia, embora não

seja possível fazer a mesma observação, simplesmente porque o semanário já não vinha

trazendo o evento na capa com frequência. No entanto, o destaque principal chama atenção:

“Plano Real 20 anos”, acompanhado pelo seguinte subtítulo: “O plano que matou a

hiperinflação, estabilizou a economia e fez do Brasil um país sério corre o risco de

explodir”100. No alto de um bolo, como se pode observar na Figura 37, uma bomba-relógio.

Vale lembrar que o plano foi criado pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique

Cardoso, que veio a se tornar presidente da República. Não se pode negar que o assunto é

significativo, mas dar o destaque principal a algo que ocorreu há 20 anos quando o “país do

futebol” vive um momento de euforia por sediar um evento mundial no mínimo contradiz

regras básicas que qualquer jornalista tenha conhecimento e sugere um apoio implícito ao

PSDB.

100 De acordo com a reportagem “As ameaças ao real no seu 20º aniversário”, “o plano segue incompleto e, além

disso, sofre ameaças decorrentes de equívocos cometidos, nos últimos anos, pela política econômica. Essas

ameaças podem ser resumidas em três pontos: inflação acima da meta, truques nas finanças públicas e baixa

produtividade. (GUANDALINI; SAKATE, 2014, p. 55).

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Figura 37 - Capas Época e Veja edições 839 e 2380

Fonte: Época e Veja (2014)

Na última edição acerca da Copa (841), de 14 de julho, Época revela ainda mais

fortemente o sentimento de cumplicidade em relação ao evento, em especial à seleção. “O

vexame do Mineirão” relata, em quatro grandes reportagens, a derrota da seleção brasileira

para a Alemanha e faz um resumo do Mundial: “O vexame”, “Os erros”, “As lições” e “E,

apesar de tudo...”. Duas delas: “O vexame” e “As lições” tratam especificamente de futebol.

Quanto às outras, “E, apesar de tudo...” traz os ordinários e “Os erros”, embora não

contenha falas, complementará a análise:

Sam O’Brien, funcionário público australiano

“Quando disse que iria para o Brasil, meus amigos e familiares me desaconselharam,

por ser perigoso”, diz o australiano Sam O’Brien, funcionário público de 23 anos.

“O que vi aqui foi um povo alegre, que sabe receber bem os turistas. Eu me senti tão

seguro e confortável como se estivesse viajando pela Austrália.” (FERRARI, 2014,

p. 72).

Freek Bolt, professor holandês

No bairro boêmio da Vila Madalena, em São Paulo, o professor de história holandês

Freek Bolt, de 27 anos, se divertia num grupo de cerca de dez amigos. [...] “Vou

voltar para a Holanda e dizer para todos os meus amigos escolherem o Brasil como

próximo destino para as férias”, diz Bolt. (FERRARI, 2014, p. 72).

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Torcedores canadenses

Dois canadenses entoavam o canto “Mil gols, mil gols... Só Pelé, só Pelé. Maradona

cheirador”, abraçados a um grupo de brasileiros. O objetivo era provocar torcedores

argentinos incansáveis no hino “Brasil decime qué se siente...”. (FERRARI, 2014, p.

72).

Felipe Nieto, enfermeiro colombiano

O colombiano Felipe Nieto, enfermeiro de 36 anos, descrevia para uma recém-

conhecida amiga brasileira o que mais gostara em cada uma das cidades brasileiras

onde estivera ao longo de 20 dias. “Estive em Brasília, Rio de Janeiro, Fortaleza e

Belo Horizonte. Até São Paulo achei uma cidade bonita”, disse. Seu único

arrependimento foi pôr a camisa da Colômbia no dia depois do jogo contra o Brasil.

“Achei que os brasileiros gostariam, porque ambas as camisas são amarelas”, diz.

“Percebi depois de alguns xingamentos que a entrada do Zúñiga em Neymar tinha

sido mais grave do que imaginava.” (FERRARI, 2014, p. 72).

“E, apesar de tudo...” é a última grande reportagem do especial (em páginas coloridas,

as outras três são em preto e branco) que faz um resumo dos momentos da Copa. O título e o

subtítulo são trazidos em verde, em página amarela e os seguintes dizeres: “O vexame da

Seleção em campo não tirou o título que o Brasil ganhou fora das quatro linhas. O que poderia

dar errado não deu. Ganhamos os gringos na simpatia, na paixão pelo futebol e fizemos a

melhor das Copas”. (Ferrari, 2014, p. 70).

O subtítulo é só um prenúncio do que a matéria tratará com o apoio irrestrito dos

ordinários estrangeiros, trazidos nesse momento com o único objetivo de fortalecer a

autoestima dos anfitriões. No lide (exposto logo abaixo) e em outros trechos do texto, a

reportagem renega aspectos que o próprio semanário considerou negativos em relação à

organização da Copa, até então evidenciados:

Se, dentro de campo, vivemos a maior derrota da história recente do futebol

mundial, fora das quatro linhas o Brasil realizou o maior evento de seus 514 anos.

[...] Mesmo com alguns incidentes, como a queda de um viaduto em Belo Horizonte,

os cenários catastróficos do período pré-Copa do Mundo não se confirmaram. Os

estádios, elogiados, ficaram lotados em praticamente todas as partidas. Os

aeroportos não entraram em colapso. Não faltou hospedagem. Restaurantes e bares

faturaram como nunca. A segurança reinou, na medida do possível, dada a

quantidade de aglomerações que se distribuíram por todo o país. As manifestações

foram pontuais. (FERRARI, 2014, p. 71, grifo nosso).

Mais de 600 mil turistas vieram de 180 países, segundo dados preliminares do

governo brasileiro. Os torcedores gastaram quase R$ 7 bilhões nas 12 cidades sedes.

(FERRARI, 2014, p. 72).

Bastou a primeira semana do torneio para que todo o receio da imprensa

internacional em relação à Copa no Brasil se transformasse em encantamento. [...] A

revista alemã Der Siegel publicou uma capa dois meses antes da Copa do Mundo em

tom catastrófico, dizendo que o evento tinha tudo para dar errado. Durante a Copa,

admitiu depois que houvera exagero nas previsões. Até mesmo o sisudo jornal inglês

Financial Times fez reverência à Copa brasileira. No dia anterior à derrota por 7 a 1

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para a Alemanha, o jornalista britânico Simon Kuper publicou uma coluna com o

título “Por que o Brasil já ganhou”. No texto, Kuper exalta a segurança, a beleza da

comemoração de estrangeiros na Praia de Copacabana [...] (FERRARI, 2014, p. 72).

Além da alegria e da excelente receptividade dos brasileiros aos estrangeiros, já

evidenciadas em edições anteriores, a matéria destaca vários fatores até então não

mencionados em nenhum momento: entre eles os gastos dos turistas no Brasil, a

movimentação da economia no período e, especialmente no que tange ao governo federal e

estaduais, a qualidade dos estádios, dos aeroportos e a eficiência no âmbito da segurança

pública. Em suma, a revista do grupo Globo resume tudo, em seu lide, afirmando que “o

Brasil realizou o maior evento de seus 514 anos”. Tudo isso, em meio a uma derrota histórica

que enraiveceu o torcedor brasileiro101 e fez com que o país do futebol entrasse em uma crise

de grande descrença nesse esporte, o que ainda não se reverteu completamente até o

momento, mesmo com a vitória sobre a Alemanha nas Olimpíadas 2016. Novamente, é

preciso lembrar que o grupo Globo sempre é responsável pelas transmissões de jogos da Copa

do Mundo, entre outros campeonatos de futebol no país. Portanto, é muito importante para o

veículo formar a opinião nesse sentido. Não é atoa que a frase do atacante alemão Lukas

Podolski é citada no início da matéria: “O mundo do futebol deve muito ao Brasil, que será

sempre o país do futebol”. (FERRARI, 2014, p. 71).

Já no que diz respeito à presidente Dilma Rousseff, a revista não é tão complacente.

No box ao lado da reportagem analisada acima, intitulado “O maior show da Terra”, afirma-se

que “a abertura da Copa no Brasil, em 12 de junho, foi o evento de maior audiência na

história. Segundo dados preliminares da Fifa, 3,2 bilhões de espectadores [...]”. Algumas

linhas abaixo, o texto relembra que “com medo de receber vaias, a presidente Dilma Rousseff

e o presidente da Fifa, Joseph Blatter, abriram mão de discursar. Não adiantou. A imagem da

presidente no telão do estádio, despertou um coro de xingamentos” (FERRARI, 2014, p. 73) e

conclui condenando o comportamento da torcida: “o público presente ao estádio de São Paulo

deu um exemplo de falta de educação inédito na história das Copas” (FERRARI, 2014, p. 73).

Ao lado do texto, uma foto da então presidente com uma expressão nada agradável.

Para complementar a análise, na grande reportagem “Os erros” questiona-se “O que

aconteceu? Como foi possível? Quem é o culpado” (MATEUS, BOMBIG, 2014, p. 44) acerca

101 Vale ainda mencionar aqui dados acerca de como o brasileiro estava se sentindo naquele momento. De acordo

com o último relatório do Ibope Inteligência (2014), foi indagado em 14 de julho, um dia após o término da

Copa, sobre o desempenho da seleção brasileira: quase oito em cada dez brasileiros disseram que foi pior do

que o esperado. A recepção aos turistas evidenciada na reportagem com as falas dos ordinários foi considerada

ótima/boa por 72% dos entrevistados e regular por apenas 13%. Esses dados foram coletados de 04 a 14 de

julho.

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da derrota contra a Alemanha por 7X1. Reportagens trazem vários aspectos voltados para o

âmbito do futebol. A última, no entanto: “Uma mistura de futebol e política” se remete a

então presidente. No subtítulo, o texto afirma categoricamente que “O desempenho do Brasil

na Copa não costuma influenciar as eleições presidenciais. Mas a ingerência dos políticos

influencia o futebol – quase sempre de forma negativa” (UMA MISTURA..., 2014, p. 62/63).

No corpo do texto, sem assinatura, evidencia-se o vínculo entre a estadista e a seleção:

numa época em que os eleitores sabem cada vez mais distinguir política e futebol,

Dilma não precisava ter associado sua imagem à da Seleção Brasileira. Foi ela que,

depois da conquista da Copa das Confederações no ano passado, afirmou que seu

governo era “padrão Felipão”. Foi ela que, dias antes da Copa, convocou uma rede

nacional de televisão para mandar uma mensagem para o time. No Twitter, Dilma

repetiu a frase de Nélson Rodrigues, ao dizer que a seleção é a “pátria de chuteiras”.

(UMA MISTURA..., 2014, p. 62).

Embora de forma bem mais amena do que Veja fez, como visto na análise das

sondagens, a imagem trazida pela reportagem também reforça essa ligação: a foto da então

presidente reproduzindo, pelo Twitter, um “É tóis” (gesto feito frequentemente por Neymar)

em homenagem ao atacante. Já a legenda explicava a verdade: “A presidente Dilma Rousseff

faz o gesto ‘É tóis’ para Neymar”. (UMA MISTURA..., 2014, p. 63), mas a reportagem e o

contexto no qual a foto foi publicada sugerem outra interpretação. Vale mencionar, no

entanto, que a própria revista havia afirmado, na edição do dia 23 de junho (como já foi

analisado), que até então a estadista estava mantendo uma distância prudente em relação à

Copa, evitando, por exemplo, visitar a seleção na concentração antes da estreia.

Figura 38 - Dilma Rousseff fazendo o gesto “É tóis”

Fonte: reprodução Época (2014, p. 62-63)

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No que diz respeito à última capa relacionada ao Mundial, pode-se dizer que o

semanário tentou, naquele momento, formar um clima de opinião favorável à seleção entre os

brasileiros:

Figura 39 - Capa Época edição 841

Fonte: Época (2014)

Afinal, não se nega a realidade da derrota esmagadora – no alto da capa, “O vexame

do Mineirão”, mas em destaque a representação de um ordinário, ou seja, a figura de um

torcedor de luto, chorando com as cores da bandeira do Brasil pintadas no rosto, cria um

clima de comoção em relação à seleção e, consequentemente, tenta manter a forte relação

entre o time e a torcida, então abalada. Não se pode dizer, em momento algum, que diante do

seu grande esforço e dos incidentes que ocorreram no decorrer da Copa, o time brasileiro não

fosse digno disso. No entanto, acredita-se que a revista se utilize desse artifício especialmente

em razão do aspecto financeiro, como já foi esmiuçado anteriormente.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A primeira colocação a ser feita neste momento é que, para se chegar ao fim, é preciso

voltar ao início. Afinal, quando todo este estudo começou, não havia nada além de uma

grande inquietude diante do excesso de discussões e previsões acerca de uma Copa do Mundo

que seria sediada no “país do futebol”, além do fato de que a mídia parecia não falar a mesma

língua. Foi então que o “ruído interno” acabou se transformando nesta dissertação.

Considerado um dos eventos mais populares do planeta, era de se esperar que os mais

variados atores da sociedade tivessem algum tipo de interesse em sua realização, ainda mais

atentando para o fato de que 2014 era um ano eleitoral. Entre esses, dois grandes

conglomerados de comunicação do país: a Abril e a Globo. Em vista disso, por meio dos

semanários Veja e Época, observou-se que esses grupos não apenas expressaram, mas

também tentaram formar a opinião pública de acordo com suas próprias convicções,

oferecendo ao leitor uma visão quase unilateral acerca dos fatos.

A partir dessas informações, passamos a tecer considerações acerca dos achados do

trabalho. A primeira delas é que os dois veículos, de fato, agiram como atores políticos. Prova

disso é que, como em uma grande partida, Veja “jogou no ataque”. O semanário deu início a

sua cobertura sobre o assunto criando um clima de pânico e terror no qual a capacidade de o

país sediar um grande evento foi questionada nos mais diversos aspectos estruturais, em

especial no que diz respeito à recepção e segurança de turistas de todo o mundo. Na edição

exatamente anterior à abertura do Mundial, quando o clima de opinião entre os brasileiros já

estava se amenizando em relação à Copa, a revista também amenizou seu discurso, mas nem

de longe se absteve de tentar formar um clima de opinião negativo, deixando questões

relativas aos jogos e à seleção brasileira na maioria das vezes em segundo plano. Em meio a

tudo isso, melhorias no âmbito da infraestrutura sequer foram mencionadas. Assim, a então

presidente-candidata Dilma Rousseff, em duas significativas edições, tornou-se alvo de suas

capas. Uma delas quando foi vaiada na abertura do evento e a outra quando o Brasil perdeu

para a Alemanha por 7 a 1.

A revista da Globo, por sua vez, adotou uma postura diferente. Desde a primeira

edição, a apologia à seleção e a forte relação do torcedor brasileiro com o futebol tornam-se

fatores primordiais na construção de um clima de opinião bastante favorável ao evento.

Afinal, milhões de brasileiros assistiriam aos jogos pela TV. No entanto, isso não significa

que, em algum momento, esse mesmo bom humor tenho sido direcionado ao principal

organizador do evento: o governo federal. Com isso, problemas relacionados a estádios,

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segurança pública e mobilidade urbana nas cidades-sede, entre outros, foram evidenciados

pelo semanário enquanto seus benefícios mal foram expostos. Nesse sentido, uma capa que

parece sintetizar o posicionamento da cobertura de Época é a que traz um rosto dividido –

representando a sociedade brasileira – ao meio, de um lado o desenho da bandeira do Brasil e

do outro, uma máscara bastante utilizada em sinal de protesto durante as manifestações de

rua, em 2013.

Dessa forma, observa-se que o enquadramento das capas e dos textos foi um forte

recurso utilizado pelas revistas no sentido de atuar politicamente, isso sem falar nas várias

fotografias que serviram de apoio. Outra estratégia a ser apontada é o entrelaçamento da

cobertura do Mundial com questões eleitorais pertinentes aquele ano, entre elas as convenções

partidárias. Embora os dois veículos afirmassem que “o brasileiro aprendeu a separar futebol

e política” e que “futebol não combina com política”, ambos promoveram o entrelaçamento

desses dois assuntos, muitas vezes em uma mesma reportagem. Certamente, não havia

necessidade de ser assim.

Para além desses dois expedientes, um terceiro foi acionado: divulgação de vozes

públicas por meio das sondagens e da publicação de falas – ficcionalizadas ou não – dos

ordinários. No que diz respeito às pesquisas, ficou claro que tanto a publicação de sondagens

adquiridas pelos próprios veículos selecionados quanto a publicação de dados encomendados

pelo governo ocorreu especialmente no decorrer da Copa, uma demonstração de que havia

preocupações políticas de Época e Veja acerca de possíveis influências que isso poderia

acarretar nas eleições de 2014. Não é para menos que o semanário da Abril chega a afirmar

que “[...] organizar uma Copa é uma experiência que pode ter algum reflexo político na

medida em que expõe a competência, ou não, do governo para exibir o país ao mundo”.

(ZALIS; MEGALE, 2014, p. 120). Outro aspecto a se atentar foram as recorrentes

interpretações dos dados: sempre de acordo com que os veículos consideravam conveniente e

não de forma imparcial.

Em relação ao uso dos ordinários, vale mencionar a presença de duas estratégias. A

primeira: o uso político de suas falas. Em Veja, eles são trazidos, entre outras situações, para

apontar vários problemas como a burocracia no Brasil (edição de 28 de maio) e acabam por

corroborar com um discurso que fortalece o sentimento de descrédito em relação ao país,

justamente às vésperas de um evento internacional. Já em Época, eles aparecem, por exemplo,

quando o Brasil vivia um momento de grande euforia em razão do Mundial, a partir da edição

de 23 de junho, e citam problemas estruturais que até então simplesmente não haviam sido

evidenciados pelo semanário. E na falta de fontes que afirmassem o que esses veículos

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pretendiam reportar, entram em cena os chamados personagens compostos, que conforme

Martinez, Correio e Passos (2015), na verdade são perfis construídos a partir de situações

comuns vividas por vários indivíduos.

Um último procedimento significativo que corrobora a ideia da atuação de Época e

Veja como atores políticos diz respeito ao silenciamento dos ordinários. Em alguns momentos

como na reportagem “Este é o país da Copa” (Veja), envolvendo os protestos do dia 15 de

maio e a questão da segurança pública, manifestantes são apresentados, mas não chegam a ter

direito à fala. Em outros, como na matéria sobre o Itaquerão (“A abertura num estádio

problema” – da revista concorrente), moradores da região do estádio tiveram que deixar suas

casas repentinamente por conta de ações dos governos estadual e municipal e sequer são

apresentados.

Outro ponto que é interessante ressaltar diz respeito aos autores discutidos. Chega a

impressionar a pertinência de suas reflexões – apenas para citar alguns: Noelle-Neumann

(1995), Guimarães e Amorim (2013), Silverstone (2002), Emediato (2013) e Couldry (2002)

com relação à cobertura jornalística de Época e Veja relatada no trabalho. Acerca desse

último autor, vale destacar uma outra percepção em relação aos ordinários. Por meio das

análises, fica claro que eles não necessariamente adentram às coberturas apenas quando

realizam algo de extraordinário (por exemplo, quando cometem um crime hediondo ou

vencem disputas musicais televisionadas). Esses personagens também são trazidos pelas

revistas, às vésperas e durante a Copa do Mundo, simplesmente pelo fato de serem fortes

representações da opinião pública e, nesse caso, suas palavras acabam por se tornar valiosas

estratégias retóricas, sem necessariamente haver algo de especial em suas ações.

Ainda no âmbito da utilização dos ordinários, é oportuno retomar a ideia de

representação da representação postulada por Costa (2009). Com o apoio das análises, foi

possível observar como os jornalistas enquadram e hierarquizam as diversas fontes

consultadas.

É também pertinente comentar, considerando as três formas de expressão da opinião

pública (voto, manifestações e sondagens) apontadas por Champagne (1996), que além do uso

político dessas últimas, mais de uma vez a revista Época recuperou e legitimou a “voz das

ruas” relacionada às manifestações de 2013. Portanto, fica claro que dois modos de expressão

da opinião pública foram expostos para influenciar, de alguma forma, em um terceiro: a

votação em outubro de 2014.

Outro ponto significativo do trabalho diz respeito à utilização dos relatórios

encomendados pela Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República - Secom,

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acerca do clima de opinião no país. É certo que não há nenhuma novidade na utilização de

sondagens pelos políticos: “antes que as sondagens tivessem mostrado interesse por eles, os

políticos – pelo menos, de forma marginal – interessavam-se pelas sondagens, enquanto

técnica que permitia prever, eventualmente, os movimentos de opinião” (CHAMPAGNE,

1996, p. 127), mas o que há de inovador foi justamente a transparência, a disponibilização

desses relatórios pelo governo e, consequentemente, a possibilidade de o uso desses dados

tanto por parte das revistas quanto como metodologia de análise, tal como foi feito na

produção desta pesquisa. Vale lembrar que tais dados chegaram a ser utilizados por mais de

uma vez pela Veja, inclusive em reportagem de capa.

Por fim, ao buscar-se explicitar como o jogo político se reorganiza e se estrutura em

torno da “opinião pública”, observou-se que Época e Veja, dois grandes veículos de

repercussão nacional e pertencentes a dois expressivos conglomerados de comunicação, já

dão evidências, em 2014, de seus posicionamentos políticos que se tornaram ainda mais

nítidos em 2015, preparando o caminho para o que diversos acadêmicos e setores de esquerda

da sociedade brasileira denominaram golpe midiático. Acredita-se, então, que possa ser essa

uma das contribuições do estudo realizado: “jogar luz” e trazer subsídios para a apreensão das

estratégias discursivas de duas revistas que representam esses conglomerados e buscaram

formar a opinião diante de um megaevento realizado em um ano eleitoral.

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REFERÊNCIAS

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ANEXO A - Resultados de sondagens publicados por Época

Fonte: Época (2014, p. 54-55)