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Versão On-line ISBN 978-85-8015-076-6Cadernos PDE
OS DESAFIOS DA ESCOLA PÚBLICA PARANAENSENA PERSPECTIVA DO PROFESSOR PDE
Artigos
O DESENVOLVIMENTO DA LEITURA POR INTERMÉDIO DE UMA
SEQUÊNCIA DIDÁTICA COM O GÊNERO CONTO1
Márcia Myszynski CHERON2
Suzete SILVA3
Resumo: Este artigo apresenta informações teórico-pedagógicas que resultaram da elaboração e da implementação do Projeto desenvolvido no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), promovido pela Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), e teve como ponto de partida a necessidade de aprimorar o nível de leitura de alunos de 1º ano do Ensino Médio e de promover o gosto por essa tão importante atividade. Para isso, o gênero textual conto foi escolhido, por ser um texto que possui extensão variada, o que permite a seleção daqueles que sejam mais curtos, para serem lidos em uma aula, por exemplo. As atividades foram elaboradas nos moldes da sequência didática de Schneuwly, Noverraz e Dolz (2004), que apresentam algumas etapas para seu desenvolvimento como: apresentação da situação; produção inicial; resolução de módulos; produção final. Os contos selecionados foram “A carteira” e “Um apólogo”, de Machado de Assis. Durante a implementação das atividades elaboradas, foi possível perceber o envolvimento e a evolução dos alunos, que se empenharam na sua realização. O gosto pela leitura esteve presente já na primeira etapa, momento em que os alunos foram expostos a diversos livros de contos, os quais foram lidos, individualmente, em sala de aula. Ao final do processo, isso se manteve, pois há alunos que retiram livros da biblioteca quinzenalmente, sem que sejam solicitados a isso. Depreende-se, assim, que o trabalho com o gênero conto funcionou como incentivo ao ato de ler, aprimorando o nível de leitura dos alunos.
Palavras-chave: Leitura; Gêneros discursivos; Sequência didática; Conto.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho expõe as etapas relacionadas à implementação de uma
proposta pedagógica com vistas à melhoria da fluência em leitura e à promoção do
gosto por essa atividade, realizada com alunos de primeiro ano do Ensino Médio de
uma escola pública da cidade de Rolândia-PR. Tais etapas contemplam: (i) a
revisão de literatura referente a determinados conceitos, como por exemplo: leitura,
1 Artigo apresentado ao Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), da Secretaria de Estado da Educação do Paraná (SEED), no final de 2014, realizado em parceria com a Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial para a conclusão do mesmo. 2 Professora de Português e de Inglês da rede pública estadual do Paraná, pertencente ao QPM - Quadro Próprio do Magistério - e integrante do PDE-2013 - Programa de Desenvolvimento Educacional. Possui mestrado em Estudos da Linguagem (2004), especialização em Ensino de Línguas Estrangeiras (2002) e graduação em Letras - Português/Inglês (2000) -, todos pela UEL - Universidade Estadual de Londrina - PR. E-mail: marciacheron@seed.pr.gov.br 3 Orientadora, Professora Doutora em Estudos da Linguagem, Docente Adjunto B, UEL- Universidade Estadual de Londrina, Centro de Letras e Ciências Humanas, Departamento de Letras Vernáculas e Clássicas. E-mail: prosuze@gmail.com
produções didáticas, gêneros discursivos e conto, feitas no primeiro semestre de
2013, por intermédio do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE), que tem
a duração de dois anos para cada participante, e é dividido em quatro semestres; (ii)
as atividades elaboradas sob as perspectivas teóricas assumidas, em forma de uma
sequência didática, realizada no segundo semestre de 2013, pelo PDE; (iii) os
resultados obtidos durante a implementação das atividades em sala de aula e
durante o Grupo de Trabalho em Rede – GTR, que consiste na interação virtual
entre os professores PDE e os demais professores da rede estadual de ensino do
Paraná, no terceiro semestre do referido programa, que coincide com o primeiro
semestre de 2014. O segundo semestre de 2014, e último do PDE, destina-se à
elaboração de um trabalho final, para expor os resultados e a análise de todo o
processo, concretizados neste trabalho, em forma de artigo.
A escolha pela leitura deu-se porque, em geral, os alunos da rede pública
estadual apresentam dificuldades em ler, compreender/interpretar textos dos mais
variados gêneros. Para confirmar o que nossa experiência revela, basta ver
resultados de exames como o Pisa, o Enem, etc. Além disso, os alunos apresentam,
também, dificuldades em escrever e em produzir textos orais em situações diversas,
como em seminários, dentre outras atividades.
Tantos problemas não podem ser solucionados de uma vez e
repentinamente. Assim, é necessário que haja um processo de ensino/aprendizagem
voltado ao desenvolvimento de habilidades para que os referidos alunos
desenvolvam suas capacidades relacionadas à leitura, à oralidade e à escrita, no
intuito de contribuir para a formação de leitores competentes. Para isso, o gênero
textual escolhido foi o conto, já que possui extensão variada, o que permite a
seleção de textos mais curtos, que podem ser lidos em uma aula, por exemplo.
A partir do quadro exposto anteriormente, que demonstra as dificuldades
relacionadas à leitura, à oralidade e à escrita de alunos de primeiro ano do Ensino
Médio, faz-se a primeira indagação: é possível aprimorar o nível de leitura dos
alunos e fazer com que eles desenvolvam o prazer de ler?
Partindo dessa reflexão e com vistas a uma resposta positiva, acredita-se que
com um trabalho bem elaborado, pode haver uma melhoria significativa do nível de
leitura dos alunos, possibilitando que eles desenvolvam o prazer de ler mediante a
elaboração de uma sequência didática com o gênero textual conto.
A leitura de contos permite que os alunos usem a imaginação. No decorrer
das atividades com os contos, há possibilidade de estudos relacionados ao
vocabulário, à estrutura e aos elementos da narrativa. Podem, também, ser
desenvolvidas atividades orais para a “contação” das histórias lidas e,
possivelmente, a criação de outras. Há, também, a intenção de se trabalhar a
argumentação, uma vez que cada conto é construído a partir de uma temática e sob
o ponto de vista de um narrador, e isso pode ser explorado nas atividades feitas com
os alunos.
O objetivo geral deste trabalho é, conforme já mencionado, aprimorar o nível
de leitura dos alunos, fazer com que eles desenvolvam o prazer de ler e se
apropriem de determinadas características do gênero conto. No entanto, muitos
outros objetivos específicos estão associados a este, pois os alunos, ao ter contato
com os contos, podem usar a imaginação para criar as imagens neles retratadas,
podem observar o ponto de vista assumido, podem argumentar a respeito da
temática, podem ampliar o vocabulário, podem melhorar a oralidade ao argumentar,
ao expor a história de um conto, podem se apropriar das características do gênero
conto, etc.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Esta parte tem como finalidade apresentar os principais conceitos assumidos
durante as fases de construção e de implementação das atividades para alunos de
primeiro ano do Ensino Médio sob a forma de uma sequência didática com o gênero
conto.
2.1 Leitura
A concepção de leitura assumida é aquela que considera a leitura um
processo discursivo (CORACINI, 1995), em que a atribuição de sentidos das
palavras acontecerá dependendo do contexto de produção. Assim, nessa visão, não
cabem distinções entre sentidos denotativos/conotativos, literais/metafóricos, etc.
Essas distinções são comuns na visão ascendente de leitura em que o texto ganha
existência própria, independentemente do sujeito e da situação de enunciação,
conforme Kato (1987).
A visão descendente de leitura prevê que o leitor aciona esquemas, pacotes
de conhecimentos estruturados e cinco estratégias (seleção, antecipação/predição,
inferência, autocontrole e autocorreção) são utilizadas para que ele (o leitor) se torne
a fonte única de sentido, de forma que o texto serve apenas para confirmar
hipóteses (GOODMAN, 1987).
Há, ainda, a visão interacionista de leitura (KATO, 1985 apud CORACINI,
1995; KATO, 1987), que prevê a interação entre autor-texto-leitor. Nesta visão, o
leitor aciona seus conhecimentos prévios e os confronta com os dados do texto,
construindo o sentido. Seria considerado bom leitor aquele que conseguisse
percorrer as marcas deixadas pelo autor para chegar à formulação de suas ideias e
intenções (do autor). Sob este enfoque, muitas atividades são elaboradas com
enunciados como “o que o autor quis dizer...”.
Ao assumir a visão de leitura enquanto processo discursivo, não significa que
as outras devam ser desconsideradas. Há atividades desenvolvidas que têm como
princípio teórico aspectos da visão ascendente, descendente e interacionista de
leitura, mas há, também, aquelas em que se almeja atingir a primeira mencionada.
Dell’Isola (1996) concebe a leitura como lugar de produção de sentido, de
constituição do significado e, ao observar a relação estabelecida entre o leitor e um
texto verbal ou não-verbal, tenta analisar o ato de ler sob três enfoques que se
complementam: a) a leitura como habilidade fundante do ser humano; b) a leitura
como prática social; c) a leitura como ato de coprodução de textos.
Ao referir-se à leitura como habilidade fundante do ser humano, a autora
postula que a leitura é sobreponível à linguagem e que o vocábulo ‘sujeito’ evoca
duas significações: a de sujeito, sujeitado a algo; a de sujeito, agente sobre algo.
Em leitura como prática social, a autora diz que ao se expressar, o emissor do
texto deixa marcas de sua individualidade e, ao ler, o sujeito-leitor apropria-se da
linguagem e deixa o registro de seu lugar social no texto lido, ou seja, atribui
significado, que pode ou não ser equivalente ao do autor. Este tipo de leitura,
significativa e por tantos estudiosos almejada, não é, muitas vezes, buscada na
educação formal, que restringe o universo do sujeito-leitor à reprodução, valorizando
a leitura denotativa.
Conforme a autora, a leitura é um ato de coprodução do texto, pois este
nunca está acabado. Por meio da interação sujeito/linguagem gerado pela leitura, o
leitor será coprodutor, completando-o com sua bagagem histórico-social e cultural.
Para que isso se efetue, é necessário um trabalho que ative o processo cognitivo
iniciado na percepção do texto, passando pela decodificação, pela compreensão,
pelos processos inferenciais até que chegue à interpretação, sendo esta, um novo
texto. Por isso, não se pode descartar as concepções de leitura antes apresentadas.
O ideal, segundo Coracini (1995), seria conceber a leitura enquanto processo
discursivo, na qual autor e leitor são sujeitos produtores de sentido. Essa visão “se
encontra na interface entre a análise do discurso e a desconstrução que considera o
ato de ler como um processo discursivo” (CORACINI, 1995, p. 15). Neste espaço se
inserem os sujeitos responsáveis pela produção de sentidos: o autor e o leitor,
ambos sócio-historicamente determinados e ideologicamente constituídos.
Ainda para a autora, a linguagem é considerada uma série infinita de jogos
convencionais, cujas regras são partilhadas por uma comunidade cultural,
interpretativa, que determina a produção do sentido. Então, compreende-se que não
pode ser o texto o receptáculo fiel do sentido. A busca das ideias principais é vã,
pois o texto construído pelo leitor não corresponde ao texto produzido pelo autor. O
texto seria o produto discursivo, uma forma convencional e consensualmente
reconhecida de comunicação social. O sujeito, e não o texto, determina as leituras –
sujeito:
enquanto participante de uma determinada formação discursiva, sujeito clivado, heterogêneo, perpassado pelo inconsciente, no qual se inscreve o discurso [...] e só nesta visão de sujeito que se pode dizer que o leitor é o ponto de partida da produção de sentido (CORACINI, 1995, p.17-18).
Essa visão também é defendida por Orlandi (1993), pois ela diz:
queiramos ou não, quando fazemos parte do conjunto dos chamados sujeitos-leitores – além de construir um ‘público’ com suas implicações e consequências – estamos fazendo parte de um processo do qual resulta a institucionalização dos sentidos (ORLANDI, 1993, p. 102 – grifos da autora).
A produção de sentidos está na relação entre o dito e o compreendido. Ou
seja, tanto quem escreve quanto quem lê produzem sentidos e esse é o princípio da
dialogia como fundamento da linguagem, que faz com que sujeitos de esferas
sociais distintas confrontem forças políticas e ideológicas.
Para resumir o que foi dito até agora, conforme Coracini (1995), podemos
dizer que na leitura ascendente, o sujeito-leitor extrai significado do texto; na leitura
descendente, o sujeito-leitor coloca significado no texto; na concepção interacionista,
o sujeito-leitor interage com o autor via texto; na visão discursiva, o sujeito-leitor
produz significado que pode ou não corresponder àquele imprimido pelo autor.
Não podemos dizer que uma visão exclui outra, pois ora uma ou mais são
utilizadas, ora se complementam. Mas a visão discursiva é aquela que privilegia o
sujeito-leitor enquanto indivíduo, enquanto ser pensante, por isso, é a mais
adequada, permitindo não só uma reprodução, mas também uma transformação de
sentidos e da realidade.
2.2 Gêneros discursivos e produções didáticas
Os gêneros discursivos ou textuais existem em grande número, sendo
praticamente impossível descrever cada um deles. Por isso, existem estudiosos que
tentam agrupá-los sob determinados aspectos. Dois desses estudiosos são
Schneuwly & Dolz (1997), que agruparam os gêneros em cinco ordens: a ordem do
narrar, a ordem do relatar, a ordem do argumentar, a ordem do expor e a ordem do
descrever ações.
A ordem do narrar pertence ao domínio social de comunicação da cultura
literária ficcional cuja capacidade de linguagem dominante é a mimesis de ação por
meio da criação da intriga no domínio verossímil. A ordem do relatar pertence ao
domínio social de comunicação da documentação e memorização das ações
humanas cuja capacidade de linguagem dominante é a representação pelo discurso
de experiências vividas, situadas no tempo. A ordem do argumentar pertence ao
domínio social de comunicação da discussão de problemas sociais controversos
cuja sustentação, refutação e negociação de tomadas de posição estão presentes. A
ordem do expor pertence ao domínio social de comunicação da transmissão e
construção de saberes cuja capacidade de linguagem dominante é a apresentação
textual de diferentes formas dos saberes. A ordem do descrever ações pertence ao
domínio social de comunicação das instruções e prescrições cuja capacidade de
linguagem dominante é a regulação mútua de comportamentos.
Atualmente, duas novas ordens estão sendo incorporadas a essas cinco: a
ordem do representar, associada à linguagem da representação no teatro, aos
gestos, à mímica, etc e a ordem do poetar, associada a letras de canções, a
poemas, a poesias, conforme Nascimento (2013). Essa divisão foi feita
considerando-se necessidades de linguagem na forma de expressão oral e escrita
em domínios essenciais da comunicação e que, mesmo dentro de tal classificação,
os agrupamentos não são estanques (um em relação ao outro) e cada gênero não é
protótipo absoluto dentro de seu agrupamento. É uma forma relativamente possível
de classificação.
Considerando-se a divisão acima, o gênero discursivo “conto”, selecionado
para o desenvolvimento pedagógico proposto por este projeto, enquadra-se na
ordem do narrar, juntamente com outros exemplos, como: conto maravilhoso, conto
de fadas, fábula, lenda, narrativa de aventura, narrativa de ficção científica, narrativa
de enigma, narrativa mítica, anedota, biografia romanceada, romance, romance
histórico, novela fantástica, paródia, adivinha, piada, etc.
Deste modo, ao estudá-lo, os alunos serão expostos a certas características
próprias do conto que estará em estudo e, ao mesmo tempo, estarão expostos a
características comuns a outros gêneros pertencentes à mesma ordem. Isso torna o
trabalho com gênero discursivo bastante produtivo, expandindo, por exemplo, o
conhecimento linguístico e textual do aluno, dentre outros aspectos.
Ao enfocar os gêneros discursivos, o trabalho em sala de aula deve atender a
algumas etapas, como, por exemplo, aquelas contidas na proposta de Schneuwly,
Noverraz e Dolz (2004) para sequência didática. Conforme esses autores:
uma “seqüência didática” é um conjunto de atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito [...] e “tem, precisamente, a finalidade de ajudar o aluno a dominar melhor um gênero de texto, permitindo-lhe, assim, escrever ou falar de uma maneira mais adequada numa dada situação de comunicação” (SCHNEUWLY; NOVERRAZ; DOLZ, 2004, p. 97 – grifos dos autores).
Segundo eles, a estrutura de base de uma sequência didática segue um
esquema: primeiramente, há apresentação da situação; em seguida, há uma
produção inicial; depois disso, há resolução de módulos (tantos quantos forem
necessários); e, por fim, chega-se à produção final.
A apresentação da situação consiste em descrever, “de maneira detalhada a
tarefa de expressão oral ou escrita que os alunos deverão realizar” (SCHNEUWLY;
NOVERRAZ; DOLZ, 2004, p. 98) para que, em seguida, eles elaborem o texto inicial,
a primeira produção. Isso serve para que o professor analise as capacidades que os
alunos já têm para que possa ajustar as atividades subsequentes previstas na
sequência às dificuldades da turma. Os módulos a serem desenvolvidos constituem-
se de várias atividades ou exercícios que instrumentalizam o aluno para o domínio
do gênero e são trabalhados de maneira sistemática e aprofundada. A produção
final, momento em que o aluno coloca em prática os conhecimentos adquiridos,
pode servir para medir os progressos alcançados. (SCHNEUWLY; NOVERRAZ;
DOLZ, 2004).
2.3 Conto
Definir conto é uma tarefa difícil. Há uma grande diversidade de gêneros
discursivos pertencentes à ordem do narrar, como romance, novela, piada, contos
(dos mais variados: policiais, de fada, de terror, etc). Em todos esses gêneros há
elementos comuns: os componentes da estrutura e os elementos da narrativa, que
passam a ser abordados.
Para Abdala Junior (1995), o conto é uma narrativa relativamente breve, cujas
divisões se apresentam resumidas, não significando que seja mais simples que o
romance. No entanto, a brevidade é a sua marca e isso “leva o escritor a
hierarquizar os fatos a serem narrados de forma a provocar no leitor um efeito
marcante” (ABDALA JUNIOR, 1985, p. 17). “O conto é uma forma breve. Esta
afirmação, que aparece toda vez que se tenta definir o conto, leva-nos a um
conhecido ditado: ‘No conto não deve sobrar nada, assim como no romance não
deve faltar nada’” (GOTLIB, 1985 apud ABDALA JUNIOR, 1995, p.17).
Segundo Abdala Junior (1995), não se pode atribuir brevidade a uma história
devido ao número de palavras ou porque enfatiza mais o clímax que o
desenvolvimento da ação, por exemplo. O como e o porquê determinados recursos
são mobilizados e suas combinações são determinantes para a categorização do
conto.
Depois de uma breve noção do que seja um conto, é necessário considerar
alguns aspectos que pertencem a esse gênero, como os elementos e a estrutura da
narrativa. Conforme Abdala Junior (1995) autor e narrador não podem ser
confundidos. O narrador é um elemento criado pelo autor e, sob determinado foco
narrativo, ele (o narrador) conduz o olhar, a percepção do leitor. O foco narrativo
pode ser em terceira pessoa, onisciente (intruso, neutro ou seletivo) ou observador
(testemunha o que “vê) ou pode ser em primeira pessoa, um narrador “testemunha”
ou protagonista. O foco narrativo ainda pode se apresentar no modo dramático em
que o narrador desaparece, pois há somente diálogos; e no modo câmara, em que
há maior exclusão do narrador, por exemplo, aquele dos textos em que há uma
narrativa composta por uma sequência de substantivos, sem artigos, conjunções,
etc.
Os personagens são elementos construídos por palavras e referem-se a
pessoas (ou animais, etc com atitudes de pessoas) no campo ficcional e recebem
predicações físicas e psicológicas. Há personagens simples (ou planas), cuja
construção é mais rápida e direta, ou complexas (redondas), imprevisíveis,
construídas de forma gradual, ambígua. De acordo com a função que desempenha,
o personagem pode ser: a) protagonista, que é o personagem central; se forem dois:
um será protagonista maior e o outro, protagonista menor; se tiver predicados éticos
positivos será herói, caso contrário, será anti-herói e se a predicação for ambígua,
será um protagonista problemático; b) oponente, um personagem secundário e
coloca obstáculos à ação do protagonista; graças a ele tem-se o conflito; se disputar
o mesmo objeto (um tesouro, a pessoa amada – personagem objeto -, uma ideia) do
protagonista, será antagonista e se todos os predicados do antagonista forem éticos
negativos, será chamada de vilão; c)adjuvante, que auxilia o protagonista na busca
do objeto, opondo-se ao personagem oponente, e pode mudar de função – para
oponente. O termo “co-adjuvante” é utilizado para a personagem adjuvante no
cinema, no teatro, na telenovela, mas na literatura o termo é “adjuvante” (ABDALA
JUNIOR, 1995).
Em relação ao espaço, existem o espaço físico (o local), o espaço social (a
ambiência social pela qual circulam os personagens), o espaço psicológico
(constituído por atmosferas interiores), o espaço referencial (aquele em que o leitor
busca correspondências com a realidade) e o espaço textual (composto por palavras
escritas que provocam o efeito do real). Sob o ponto de vista do espaço referencial,
apenas, não seria possível que um indivíduo se transformasse numa borboleta, mas
sob a ótica textual, isso pode acontecer graças às estratégias discursivas que
garantem a coerência interna (ABDALA JUNIOR, 1995).
Outro elemento das narrativas que merece atenção é o tempo, que pode ser
externo, o tempo do escritor, época de sua vivência, o tempo do leitor, época de sua
vivência e o tempo histórico retratado na narrativa, que pode ou não coincidir com a
época de vivência do escritor ou do leitor. Há, também, o tempo interno da narrativa,
que pode ser cronológico, aquele da sequência linear dos fatos, ou psicológico,
observado quando há distorção no tempo cronológico. Ex: uma personagem está
prestes a morrer e, em segundos, revive boa parte de acontecimentos essenciais de
sua vida, em forma de memória. Há, ainda, o tempo do discurso, que é a
representação narrativa do tempo da história, que pode ser diferente do tempo que o
leitor leva para ler o texto. Por exemplo, em um conto, vinte anos podem ter se
passado, mas o leitor levou alguns minutos para lê-lo.
Além disso, podem ser usados recursos temporais como o retrocesso
(flashback), que é a inserção de fatos ocorridos antes do tempo cronológico da
narrativa; a antecipação, que é a inclusão de fatos que ainda ocorrerão; o
encadeamento, que é a apresentação de cenas, sem a necessidade de ligá-las
detalhadamente. Por exemplo: alguém está saindo do escritório e, em seguida,
aparece em casa (e isso pode ter sido intencional, para revelar algo mais tarde); o
encaixe, que é a existência de uma sequência entrecortada, como é o caso de “As
mil e uma noites”; a alternância, em que se narra uma história e depois outra
(ABDALA JUNIOR, 1995).
De acordo com a proporção do tempo, há cinco classificações, como: o
escamoteamento, que é a supressão de informações não relevantes ou até mesmo
relevantes, mas mostradas mais tarde; o resumo, em que o tempo da história é
maior que o tempo do discurso; ex: cinco anos da vida de um personagem podem
ser resumidos em um parágrafo; o discurso direto, em que o tempo da história é
igual ao tempo do discurso, pois o tempo que as personagens levam para falar é o
mesmo que o leitor leva para ler; a análise, em que o tempo da história é menor que
o tempo do discurso, é mais lento, mais demorado; a digressão, que é o
distanciamento do narrador em relação ao que estava narrando, o que permite a
inserção de comentários. Uma narrativa pode apresentar sua estrutura, composta
por situação inicial, complicação, desenvolvimento, clímax e desfecho, nesta ordem,
ou pode apresentá-la começando-se, por exemplo, pelo clímax para, no decorrer da
história, chegar-se ao clímax novamente e prosseguir rumo ao desfecho. Pode,
ainda, começar pelo desfecho, etc. Isso pode variar, dependendo dos efeitos de
sentido pretendidos (ABDALA JUNIOR, 1995).
Os elementos e a estrutura da narrativa expostos acima são importantes
como categorias de análise a serem utilizadas durante estudos dos gêneros da
ordem do narrar e, em especial do conto, escolhido para a elaboração da sequência
didática a ser desenvolvida em sala de aula. Além do conhecimento acerca desses
conceitos, considera-se necessário, de igual modo, que se tenha noção sobre outros
aspectos relacionados ao conto, como seu surgimento no Brasil, sua consolidação,
seu grande representante e as características que suas obras apresentam.
2.4 O surgimento do conto no Brasil, seu maior representante e as
características de suas obras
Quanto ao surgimento, Parrine (2009, p.473) diz que “não é exata a fixação
do marco do início do conto no Brasil” e que esse gênero não teve muito prestígio
quando surgiu porque estava em evidência o romance. Segundo ela, suas origens
estão no século XIX, momento romântico em que os jornais iniciaram publicações de
textos ficcionais e que, mais tarde, se tornariam os contos modernos. Deste modo,
houve uma aproximação entre o jornalismo e a literatura, “não só em termos
estilísticos, mas no que diz respeito ao público, ao leitor implícito, à circulação e à
circunscrição social em que esse fenômeno se dará.” Os jornalistas leitores,
acostumados com modelos europeus, imprimiram essa marca (europeia) naquilo
que produziram (PARRINE, 2009, p. 473).
Em suas pesquisas, Parrine (2009) não encontra uma data consensualmente
específica para o surgimento do conto no Brasil. Ela diz que, para Edgar Carvalho, é
1841, com a publicação de “Duas órfãs”, de Norberto de Sousa e Silva. Tratava-se
de “um folheto de 30 páginas posteriormente recolhido num volume chamado
Romances e novelas (note-se bem, não “contos”)” (PARRINE, 2009, p. 474 - grifos
da autora). E, ainda conforme Parrine (2009), para Barbosa Lima Sobrinho, o
surgimento desse gênero no Brasil é 1836, com a publicação de uma espécie
intermediária entre crônica e conto, “A caixa e o tinteiro”, de Justiniano José da
Rocha. No entanto, esses marcos (discutíveis) não consideram a qualidade literária
dos textos mencionados. Se esta qualidade for exigida, o conto começa com a
publicação de “Três tesouros perdidos”, de Machado de Assis, em 5 de janeiro de
1858 (PARRINE, 2009).
Assim, o precursor desse gênero no Brasil é Machado de Assis (1839-1908) e
sua consolidação deve-se à maestria desse grande escritor brasileiro.
Machado de Assis nasceu numa família desprovida de recursos financeiros,
sua mãe era mestiça e isso o coloca em desprestígio social, pois a escravidão ainda
acontecia oficialmente no Brasil. Na infância, perdeu sua mãe e foi criado por sua
madrasta, dividiu seu tempo de estudos com o trabalho de vender doces. Esses
fatos são indicadores de que Machado de Assis passou por muitas dificuldades e
não teve um direcionamento para o mundo das letras. Sua astúcia com as palavras
se desenvolveu por interesse próprio. Tornou-se leitor assíduo de grandes nomes da
literatura universal, aprendeu francês com a dona de uma padaria da região em que
morava e se transformou no grande nome da literatura brasileira (SOUZA, 2008).
De acordo com Parrine (2009, p. 479), Machado de Assis “deixa para a última
frase o desfecho da história, a inversão de expectativa em relação aos
acontecimentos [e] a sensação de que a verdade estava à mão todo o tempo.” Este
recurso, próprio de histórias policiais, criadas, inicialmente, por Edgar Allan Poe, é
amplamente utilizado por Machado de Assis.
Ao escrever um conto, a preocupação do autor reside no tamanho (na
extensão do texto final), no conteúdo (na história a ser contada) e na forma por meio
da qual a história será exposta. Essas são características fundamentais para a
construção de um conto. Associando tais elementos à ideia de unidade, “o contista
sabe que não pode proceder acumulativamente, que não tem o tempo por aliado;
seu único recurso é trabalhar em profundidade, verticalmente” [...] e “o tempo e o
espaço do conto têm de estar como que condensados, submetidos a uma alta
pressão espiritual e formal”, “um conto é ruim quando é escrito sem essa tensão que
se deve manifestar desde as primeiras palavras”. E acrescenta: “o romance ganha
sempre por pontos, enquanto que o conto deve ganhar por knock-out”
(CORTAZAR,1974 apud PARRINE, 2009, p. 479).
Ainda segundo Parrine (2009):
Primeira tese: um conto sempre conta duas histórias. (...) O conto clássico (Poe, Quiroga) narra em primeiro plano a história 1 (...) e constrói em segredo a história 2 (...). A arte do contista consiste em saber cifrar a história 2 nos interstícios da história 1. Um relato visível esconde um relato secreto, elíptico e fragmentário.//O efeito de surpresa se produz quando o final da história secreta aparece na superfície (PIGLIA, 2004 apud PARRINE, 2009, p.482).
Assim, depreende-se que um conto possui duas histórias: uma que aparece
num primeiro plano, e outra que é revelada aos poucos, cujo desfecho surpreende.
Não se trata de uma segunda história, que só se torna “visível” por intermédio de
interpretação. E, nesse aspecto, Machado de Assis se destaca. Suas histórias nos
surpreendem.
Por isso, a análise de um conto vai muito além da observação dos elementos
da narrativa: narrador, tempo, espaço, personagens e enredo e de sua estrutura:
situação inicial, complicação, desenvolvimento, clímax e desfecho. É muito
importante detectar estes aspectos, observá-los, refletir sobre eles, mas é ao
estabelecer outras relações que se percebem os efeitos de sentido do conto e a
maestria de seu autor. É preciso desvelar, por exemplo, a quebra da linearidade
temporal e sua retomada (quando houver), o foco narrativo, as evidências de que há
algo não revelado, a surpresa ao descobrir que houve um encaminhamento para se
pensar isso ou aquilo, mas, na verdade, os fatos eram outros, a escolha lexical, a
temática, etc. Ou seja, os contos possuem características comuns, como os
elementos e os componentes da estrutura da narrativa, mas cada um possui um
arranjo singular, que o torna único e valioso.
Definir conto não é tarefa fácil. Parrine (2009, p. 483) afirma que:
Machado não previu o que seria dito a respeito do conto, mas o determinou. O que pensamos a respeito do gênero, hoje, não só na teoria literária, como de uma forma ainda mais geral, nossa resposta à questão posta ainda no século XIX, “o que é o conto?” está moldada profundamente pelas noções de Machado. Se ele decidiu responder a essa pergunta, não de forma direta, mas demonstrando os limites do conto, trabalhando sua organicidade e atingindo o máximo efeito, nossas teorias do conto estão invariavelmente moldadas pelas suas realizações. O que significa criar o conto no Brasil é exatamente isso: que quando, um dia, se disser “conto”, ou se discorrer a respeito disso, se está pensando necessariamente em Machado (PARRINE, 2009, p. 483).
Assim, assumimos que não há uma definição clara de conto, mas há aspectos
que podem ser abordados em sua análise e o precursor desse gênero no Brasil é
Machado de Assis (1839-1908) e, por isso, os contos “A carteira” e “Um apólogo”
foram utilizados para a elaboração da sequência didática implementada na sala de
aula de alunos de 1º ano do Ensino Médio, conforme descrição e análise a seguir.
3 DESCRIÇÃO E ANÁLISE DAS ATIVIDADES IMPLEMENTADAS EM SALA DE
AULA
Depois da fase de pesquisa teórica, da elaboração das atividades em forma
de uma sequência didática, ocorreu a implementação, em sala de aula, num total de
trinta e seis aulas. O material a ser utilizado, o manual didático, continha noventa
páginas, por isso, houve uma adaptação. As partes teóricas foram suprimidas,
ficando a cargo da professora a sua inserção em sala de aula e os espaços para a
resolução dos exercícios também foram retirados, o que permitiu que o manual
ficasse com o total de vinte e quatro páginas. Para seu uso, foram feitas quarenta
cópias de cada página, que eram distribuídas para os alunos e recolhidas ao final de
cada aula, de modo que o mesmo material pôde ser utilizado nos dois primeiros
anos de responsabilidade da autora. Além disso, o material está guardado e pode,
ainda, ser utilizado por outro professor ainda neste ano ou pela autora, ou outros
professores, em anos futuros. Os aspectos negativos relacionados a essa adaptação
estão associados ao fato de os alunos não terem tido acesso às cores utilizadas, às
ilustrações, de não poderem escrever nas folhas emprestadas e de não se
apropriarem, fisicamente, do material. Tiveram que fazer suas anotações em folhas
de caderno.
No início do PDE, a previsão era a de implementação do referido material em
sala de aula de primeiros anos do Ensino Médio noturno. No entanto, durante a
distribuição de aulas, no final de 2013, isso não pode se concretizar devido aos
critérios de escolha e, por isso, as atividades foram implementadas em dois
primeiros anos do Ensino Médio matutino.
A implementação ocorreu da seguinte forma: primeiramente, os alunos
deveriam ter ido à biblioteca, para que escolhessem um livro de contos para leitura,
que seria feita em sala de aula. Porém, como a biblioteca estava sendo organizada,
não sendo possível frequentá-la naquele momento, foram selecionados e colocados
em uma caixa, quarenta livros de contos de diversos autores, que foram levados
para a sala de aula. Eles foram retirados da caixa, lidos e devolvidos ao final de
cada uma das quatro aulas destinadas a isso.
A instrução aos alunos determinava que eles deveriam ler vários contos e
registrar, por escrito, o conteúdo de três deles e um deveria ser escolhido para ser
contado, oralmente, para a sala. Para esta etapa, foi necessária somente uma aula.
Vários alunos demonstraram-se tímidos, mas superaram suas dificuldades e alguns
se recusaram a participar. Alguns, no entanto, surpreenderam, se destacaram. O
envolvimento foi muito bom.
Na aula seguinte, os alunos foram solicitados a produzir um conto de sua
autoria. Trata-se da primeira etapa da sequência didática proposta por Schneuwly,
Noverraz e Dolz (2004). Após a leitura desses contos, foram identificadas
dificuldades de escrita, como letras ilegíveis, problemas de concordância, problemas
ortográficos, etc e problemas relacionados ao entendimento do gênero conto e sua
estrutura. Os elementos da narrativa estavam presentes, mas não havia um conflito
e um desfecho, por exemplo, tornando-os apenas “relatos”. Houve um texto,
inclusive, semelhante a um ensaio escolar muito conhecido como “dissertação”.
Nas quatro aulas seguintes de implementação, houve a exposição teórica
sobre conto: definição, elementos e estrutura da narrativa, sua origem e Machado de
Assis. Foram utilizados slides na TV pendrive e anotações no quadro para o devido
acompanhamento dos alunos e anotações em seus cadernos.
Após a fase teórica, os alunos leram, silenciosamente, o conto “A carteira”,
em uma aula destinada a isso. Houve aqueles que “enrolaram”, mas, no geral, a
maioria olhou para o papel, dando a impressão de que estavam lendo. Quando os
alunos terminaram de ler, era perguntado a eles, por exemplo, “o que descobrimos
no final?”. Apenas um aluno, de um dos primeiros anos, disse que “Honório era
corno”. E, após ser elogiado, foi solicitado a ele que, naquele momento, não
contasse aos demais. Ou seja, nesta primeira leitura, somente um aluno, de fato,
conseguiu perceber o tema. Os demais equivocaram-se, inclusive, sobre quem seria
o marido de Amélia, etc, comprovando as dificuldades de leitura que foram
identificadas. Muitos não conseguiram inferir o significado de muitas palavras e
alguns ficaram nervosos por isso.
As aulas seguintes, num total de cinco, foram destinadas à resolução de
várias questões referentes ao conto que envolveram compreensão/interpretação. As
exigências foram variadas e envolveram os princípios teóricos de leitura ascendente,
descendente, interacionista (KATO, 1987) e discursiva (CORACINI, 1995). A
intenção foi tentar “garantir” que o aluno, de fato, lesse o texto, que prestasse
atenção nas palavras utilizadas, na sequência apresentada dos fatos, nas relações
entre este e aquele personagem, etc, pois para se chegar a uma discussão mais
aprofundada relacionada ao texto, é necessário o envolvimento do aluno. É
necessário que ele perceba ser capaz de responder acertadamente, pois assim ele
se motiva para prosseguir. E isso aconteceu.
Durante esta etapa, os alunos (salvo algumas exceções), de fato, leram as
perguntas, responderam, fizeram perguntas uns para os outros e também para a
professora. Por intermédio dessa interação, foi possível perceber que estavam
tentando acertar e, por outro lado, perceber, igualmente, as dificuldades que têm, e
que são muitas. Alguns alunos liam uma palavra e entendiam outra, não
compreendiam simples enunciados. Houve alunos muito dependentes de um “certo”
da professora para poder prosseguir. Houve alunos que, no decorrer das questões,
disseram “Ah! Agora eu entendi o texto!”. E houve aqueles que responderam
adequadamente, com bastante precisão. Em cada aula, era destinado determinado
tempo para a resolução de determinadas questões que eram corrigidas
coletivamente.
Após esta etapa de “reconhecimento”, de entendimento e de interpretação do
texto, os estudos voltaram-se aos elementos da narrativa, cada um, separadamente,
no intuito da observação do foco narrativo, da construção dos personagens, da
questão temporal, do espaço e do enredo, a fim de que os alunos se apropriassem
deles e observassem o uso desses recursos na geração de sentidos do texto. É
necessário levar os alunos a refletirem sobre o porquê da escolha de determinado
foco narrativo, etc. No decorrer das quatro aulas destinadas a isso, foi possível
perceber que os alunos expandiram seus conhecimentos acerca dos elementos da
narrativa e de sua importância na construção de um conto. As atividades foram
feitas, praticamente, juntamente com a professora, de modo que todos fossem
acompanhando e sanando as dúvidas.
Em seguida, os alunos foram expostos às atividades que exploraram a
estrutura da narrativa. Da mesma forma, as atividades foram feitas, praticamente,
juntamente com a professora, num total de duas aulas. Os resultados puderam ser
observados durante sua execução, pois o envolvimento foi grande. Os alunos
fizeram perguntas, apagaram o que tinham errado, escreveram novamente, enfim,
participaram devidamente das atividades propostas.
A aula seguinte foi destinada à temática do conto “A carteira”, com a
resolução de exercícios extraídos do manual didático. Houve um tempo destinado
para que os resolvessem para, em seguida, corrigi-los durante a análise advinda a
partir dos exercícios propostos. Novamente, a participação foi grande e o
aprofundamento de leitura avançou. Foi possível perceber que estabeleceram
relações entre os personagens, entre suas atitudes, entre os valores colocados em
questão.
Em seguida, em outra aula, os alunos compararam os valores daquela época
com os da época atual. Foi uma atividade bastante envolvente, bastante produtiva,
já que os alunos passaram por várias etapas de abordagem do mesmo texto e
conheciam, com bastante propriedade, o que ele dizia, e os compararam com os
valores de hoje.
Nas próximas onze aulas, o mesmo procedimento apresentado até aqui se
repetiu. Foi lido o conto “Um apólogo”, resolvidas várias questões que envolviam
compreensão/interpretação, explorados os elementos e a estrutura da narrativa e,
por fim, o tema. Da mesma forma, o envolvimento dos alunos foi bastante grande.
Eles interagiram para esclarecer suas dúvidas durante a correção coletiva, etc.
Na última aula destinada à implementação da proposta didática, foi solicitado
aos alunos que produzissem um novo conto, de própria autoria, na intenção de
verificar se, realmente, houve a apropriação dos elementos e da estrutura da
narrativa estudados.
Ao ler as referidas produções, observou-se que, em alguns casos, houve, sim,
avanços significativos relacionados, principalmente, à estrutura da narrativa, que
estava ausente em muitos textos produzidos no início da implementação. No
entanto, ainda há problemas relacionados a isso. Seria necessário insistir em
atividades que explorassem esses itens. Além disso, vários problemas relacionados
à escrita ainda permanecem, como letra ilegível, problemas de concordância,
ortográficos, etc.
Durante a implementação da proposta didática na sala de aula, estava,
também, em andamento o GTR. As discussões com os participantes foram bastante
proveitosas, pois eles foram solicitados a ler o projeto inicial, em que está o
resultado de toda a pesquisa teórica que respaldou a elaboração das atividades
inseridas em sala de aula, foram solicitados a analisar as referidas atividades e, a
partir disso, muita discussão construtiva se desenvolveu. Elas giraram em torno,
especialmente, das concepções de leitura assumidas e das atividades elaboradas. O
nível de envolvimento foi bastante elevado e aqueles que continuaram até o final,
demonstraram satisfação com o curso e com o trabalho. O fato de poder
compartilhar as atividades que estavam em andamento com outros professores foi
bastante importante.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A docência é uma profissão que solicita, constantemente, a reciclagem, o
aperfeiçoamento e o aprofundamento teórico relacionado a vários temas, sejam eles
associados à metodologia, a conceitos teóricos próprios da disciplina, à psicologia
para lidar com questões relativas à interação em sala de aula, à gestão escolar, para
aqueles que se dedicam a gerir esse importante segmento social, que é a escola,
dentre tantos outros.
Neste artigo, houve o aprofundamento teórico relacionado à disciplina de
Língua Portuguesa, mais especificamente a conceitos de leitura, produções
didáticas, gêneros discursivos e conto, no intuito de aprimorar o nível de leitura de
alunos de Ensino Médio e desenvolver o gosto por essa tão importante habilidade
fundante do ser humano.
Depois da execução de todo o processo de pesquisa e de implementação das
atividades elaboradas, foi possível perceber o quão gratificante foi ter despendido
horas a fio para a pesquisa e para a elaboração das tarefas. Os alunos, de modo
geral, se envolveram, participaram da maneira esperada, aprofundaram na
discussão da maioria dos itens relacionados aos textos postos em estudo. Além
disso, o gosto pela leitura, já presente na primeira etapa, em que os livros de contos
foram lidos, individualmente, em sala de aula, foi mantido, uma vez que há alunos
que, quinzenalmente, dirigem-se à biblioteca para a retirada e leitura de livros, sem
que sejam solicitados a isso.
Se o trabalho durante as aulas não tivesse passado pela gradação de
questões mais fáceis para as mais complexas, talvez, os alunos não tivessem tido o
mesmo êxito. É necessário que os professores, em geral, saibam construir um
caminho para que o aluno consiga, de fato, ler um texto e construir sentidos, como
se espera. As atividades não podem estagnar no nível superficial, em que os
sentidos soltos, sem relações, sejam privilegiados. É importante destacar as
relações entre tudo o que está presente no texto. É necessário observar o que foi
dito pelo que não foi dito, somente assim o professor poderá colaborar para a
formação de leitores competentes.
Para tal, é necessário que continuem os investimentos em programas de
formação continuada como é o caso do PDE promovido pela SEED do Paraná, que
possibilitou a execução deste gratificante trabalho.
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CORACINI, Maria José Rodrigues Faria. Leitura: decodificação, processo discursivo...? In: ______ (org.). O jogo discursivo na aula de leitura: língua materna e língua estrangeira. Campinas: Pontes, 1995, p.13-20. DELL’ISOLA, Regina Lúcia Péret. A interação sujeito-linguagem em leitura. In: MAGALHÃES, I (org.). As múltiplas faces da linguagem. Brasília: Editora da UNB, 1996, p.69-75. GOODMAN, Kenneth S. O processo de leitura: considerações a respeito das línguas e do desenvolvimento. In: FERREIRO E. & PALACIO, M. G. (orgs.). Os processos da leitura e escrita. Trad. de M. L. Silveira. 3ª ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1987, p. 11-22. KATO, Mary. Processos de decodificação: a integração do velho com o novo em leitura. In: ______. Aprendizado da leitura. 2ª ed., São Paulo: Martins Fontes, 1987, p. 39-50. NASCIMENTO, Elvira Lopes. Gêneros do discurso como eixo organizador das aulas de LP (Anotações durante o curso do Programa de Desenvolvimento Educacional – PDE - 2013). 20 e 21 de maio de 2013. ORLANDI, E. Pulcinelli. Discurso e leitura. São Paulo: Cortez. Campinas: Ed. da Unicamp, 1993. PARRINE, Raquel. Aspectos de teoria do conto em Machado de Assis. In: Revista Eutomia (Revista Online de Literatura e Linguística). Ano II, n° 01, ISSN 1982-6850, jul. 2009, p. 472-484. Disponível em: < http://www.revistaeutomia.com.br/volumes/Ano2-Volume1/literatura-artigos/Aspectos-de-Teoria-do-Conto-em-Machado-de-Assis_Raquel-Parrini.pdf > Acesso em: 21 mai. 2013. SCHNEUWLY, Bernard. ; DOLZ, Joaquim. (1997) Os gêneros escolares – Das práticas aos objetos escolares. Tradução de Glaís Sales Cordeiro, 1997, p. 01-15. SCHNEUWLY, Bernard. ; NOVERRAZ, Michele; DOLZ, Joaquim. Seqüências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In: SCHNEUWLY, Bernard; DOLZ, Joaquim. Gêneros orais e escritos na escola. Campinas: Mercado de Letras, 2004, p. 95-128 (cap.4). SOUZA, Rainer. Machado de Assis. In: Brasil Escola (site institucional). Publicado em 2008. Disponível em: < http://www.brasilescola.com/literatura/biografia-machado-assis.htm > Acesso em: 05 jun. 2013.