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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA
OS CONTRATOS SOB A NOVA PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí ACADÊMICA: KATIA REGINA SEHNEM
KURTZ
São José (SC), maio de 2005.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA OS CONTRATOS SOB A NOVA PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob orientação do Profº. MSc. Júlio Guilherme Müller. ACADÊMICA: KATIA REGINA SEHNEM KURTZ
São José (SC), maio de 2005.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA OS CONTRATOS SOB A NOVA PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL
KATIA REGINA SEHNEM KURTZ
A presente monografia foi aprovada como requisito para a obtenção do grau de bacharel em Direito no curso de Direito na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
São José, 13 de junho de 2005.
Banca Examinadora:
_______________________________________________________
Profº. MSc. Júlio Guilherme Müller - Orientador
_______________________________________________________ Prof. Dra. Claúdia Rosane Roesler
_______________________________________________________ Prof. Volney Campos dos Santos
DEDICATÓRIA
Dedido este texto:
Aos meus pais, Reni e Leonete, pelo incentivo e auxílio sempre presentes, a eles todo meu amor, carinho e agradecimento sincero pela vida acadêmica que me foi proporcionada. Aos meus avós, Fridolino e Regina, pelo amor, pela força e principalmente na demonstração da grandeza que é viver. E a todos os meus familiares que sempre acreditaram e torceram por mim.
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, que sempre estiveram comigo durante toda essa caminhada.
Ao meu irmão, Adolfo, que sempre com humor e muita alegria me deu força e acreditou na realização dos meus projetos.
Ao prof. Júlio Guilherme Muller, pelo incentivo e respeito com que me
ajudou na elaboração e desenvolvimento deste trabalho. A todos aqueles que, de uma maneira direta ou indireta, contribuíram
para a realização desta pesquisa.
“No caráter, na conduta, no estilo, em todas as coisas, a simplicidade é a suprema virtude.”
Henry Longfellon
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO..................................................................................................... 1
1 UNIVERSO DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS ............................................... 3
1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS ................................................................... 3
1.2 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL........................................... 12
2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS........................................ 19
2.1 AUTONOMIA DA VONTADE ......................................................................... 20
2.2 FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS................................................. 23
2.3 PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS .................................... 24
2.4 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS................................................. 26
2.4.1 Boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva ........................................................... 28
2.4.2 Boa-fé como Princípio Geral e Limitação ao Exercício de direitos e
criação de deveres no Direito Contratual......................................................... 31
3 OS CONTRATOS SOB A NOVA PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL....... 35
3.1 BASES CONCEITUAIS DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS.............. 35
3.1.1 Princípio da operatividade, da eticidade e da socialidade .................... 40
3.2 NATUREZA JURIDICA DO INSTITUTO DA FUNÇÃO SOCIAL
DO CONTRATO................................................................................................... 45
3.3 FUNÇÕES DOS CONTRATOS...................................................................... 52
3.3.1 Função econômica dos contratos ........................................................... 52
3.3.2 Função social do contrato........................................................................ 56
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 60
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 64
RESUMO
O presente estudo objetiva analisar as mudanças ocorridas nos contratos,
impulsionadas pelo fenômeno da constitucionalização, que, em conseqüência,
tornou necessária a releitura do direito contratual. Isso porque os contratos não mais
refletem o modelo que vigorava no Estado Liberal, cujo princípio central era a
autonomia da vontade. A partir das transformações políticas que culminaram no
nascimento do Estado Social, o contrato assume nova roupagem, preocupando-se
mais com os interesses sociais, deixando de apresentar-se como um mero
instrumento de realização individual dos contratantes. O contrato adota uma função
social, que privilegia a proteção dos valores existenciais da pessoa humana em
relação aos interesses meramente patrimoniais.
PALAVRAS – CHAVE: Constitucionalização, função econômica, função social.
INTRODUÇÃO
Diante da necessidade de encontrar novos princípios que expliquem o
contrato na sua realidade atual, surge a questão da função social do contrato. Foram
questões que a evolução do Estado do liberal para social, recolocou em discussão.
As doutrinas clássica e moderna defendem concepções diferentes sobre o
Direito dos Contratos, baseadas em valores diversos. A primeira, doutrina clássica,
deixa suas raízes sobre idéias liberais – iluministas da Revolução Francesa, e
sobretudo nos valores da liberdade e igualdade formal.
A doutrina moderna, por sua vez, estabeleceu-se frente a ineficácia da
doutrina clássica na solução justa de diversas controvérsias oriundas das relações
jurídicas contratuais, surgiu no início do século XX, e tem como fundamento os
valores da igualdade material, da justiça, boa-fé e da supremacia do interesse
público e social sobre o particular.
Assim, como vemos, a questão da função social do contrato desperta a
atenção para o fato de que a liberdade não se justifica, e deve cessar, quando
conduzir a iniqüidades, atentatórias de valores de justiça, que igualmente tem peso
social. Como assevera Fernando de Noronha1, problema é justamente na
determinação do equilíbrio entre justiça e liberdade.
Se por um lado, o respeito à autonomia privada, é uma tradição do sistema
político-econômico em que vivemos, de outro lado, tal estabilidade não pode
prevalecer quando haja grave desequilíbrio entre direitos e obrigações das partes.
Outro aspecto que devemos destacar é fato de que as Constituições
passaram a prever em seus textos matérias de Direito Privado, fazendo surgir o
novo “Direito Civil Constitucional”2, mudando, conseqüentemente, a concepção
sobre este ramo do Direito.
Percebe-se neste contexto, que onde se vislumbrava apenas o interesse
individual, passou a ser ver também um interesse sócio-econômico. Por isso que,
Fernando de Noronha destaca que:
1 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 82. 2 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direito dos contratos: seus princípios fundamentais sob ótica do código civil de 2002. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 60.
2
[...] o fundamento básico de sua vinculatividade não está na autonomia da vontade, mas no princípio da boa-fé – embora aqui estejam presentes considerações ligadas à autonomia privada e a justiça contratual.3
Para André Luiz Menezes Azevedo Sette,
O fundamento de vinculatividade dos contratos foi deslocado da vontade para termos econômico-sociais (porque interessa à sociedade a tutela da situação jurídica que ali nasceu), justificando, via de conseqüência, a intervenção do Estado nos contratos; o que se convencionou chamar de dirigismo contratual. Surge então, uma nova concepção sobre Direito dos Contratos4.
A abordagem temática se divide em três capítulos que procuram traçar,
sobre o universo das relações contratuais, discorrendo sobre os antecedentes
históricos e a constitucionalização dos direito civil no primeiro capítulo. O desgaste
verificado na Teoria Contratual, nos séculos XVIII e XIX e o surgimento da Teoria
Contratual contemporânea.
No segundo capítulo trataremos sobre os princípios fundamentais do
contrato, dentro os quais, o da autonomia da vontade, força obrigatória, instituindo
mecanismos de combate à desigualdade entre as partes, com participação mais
ativa do Estado, como também o da relatividade e o da boa-fé objetiva e subjetiva
dos contratos.
No terceiro capítulo, analisaremos os contratos sob a nova perspectiva da
função social, mostrando as bases conceituais da função social, através dos
princípios da operatividade, eticidade e socialidade. Assim como, estudar a natureza
jurídica do instituto e por fim suas funções, econômica e social.
As considerações finais encerram o conteúdo deste estudo, contendo, em
síntese, as conclusões resultantes da abordagem realizada.
3 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 82. 4 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direito dos contratos: seus princípios fundamentais sob ótica do código civil de 2002. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 61.
3
1 UNIVERSO DAS RELAÇÕES CONTRATUAIS
1.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS
O contrato é dos institutos mais antigos na história da humanidade e no
percurso da evolução das sociedades passou por grandes transformações,
apresentando desenvolvimento de formas das mais diversas, na medida em que
alvo de renovados valores que se sucederam.
No Direito Romano inicialmente o contractum era concebido como um
vínculo jurídico – vinculum juris – cuja obrigação dele decorrente – obligatio –
carecia, necessariamente, da prática de ato solene – nexum. A forma constituía
elemento essencial do contrato, fosse ele verbis, re ou litteris. Tal concepção evoluiu
na sociedade romana, abrandando-se gradativamente o rigor do formalismo, até que
se aproximou da sua clássica expressão, ou seja, a plena manifestação de livre
vontade que vincula os indivíduos, gerando, por conseqüência, direitos e deveres,
solo consensu 5.
Os primeiros contratos aos quais foi atribuída maior relevância da vontade
com relação ao ritual foram venda, locação, mandato e sociedade. Nas demais
hipótese não se dispensava a supremacia da forma: somente com o cumprimento de
todos os requisitos é que se estabelecia a obrigação com a vinculação das partes,
surgindo, então, o direito de ação. Pode-se afirmar, contudo, que no Direito Romano
ocorreu a estruturação do contrato, haja vista que desde então foram erigidas as
bases que ainda hoje subsistem, inobstante as enormes transformações ocorridas.
Na verdade, foi lá, na sociedade romana, antes mesmo do período clássico, que foi
superada a noção de apropriação violenta da res, fator de desencadeamento de
freqüentes conflitos, estabelecendo-se através dos contratos mecanismos de
pacificação social 6.
Após a queda do império romano do ocidente, a influência dos bárbaros
germânicos ensejou um retorno à exacerbação do simbolismo, para, somente mais
tarde, na Idade Média, o contrato sofrer modificações inspiradas nas práticas
religiosas, passando o juramento, com a evocação de divindades, a compor a forma, 5 VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. 3.ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 365. 6 VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Op.Cit., p. 365-366.
4
reforçando, por assim dizer, sua força obrigatória. No início da Idade Moderna teve-
se o retorno à concepção do solo consensu do Direito Romano.
No fim do século XVIII e início do séc. XIX há a primeira mudança efetiva
que aconteceu na França com o individualismo firmado pela teoria kantiana,
consagrando-se a liberdade e a igualdade política, o homem como centro do
universo. Desde então, as influências advindas das esferas econômicas, políticas e
sociais de um modo geral, foram impondo transformações ao ponto que,
gradativamente, adquirir o contrato a concepção de acordo de vontades que
estabelecem um vínculo jurídico capaz de produzir efeitos jurídicos, consagrando-se
o princípio do pacta sunt servanda, a força cogente da vontade dos contratantes 7.
Na Idade Média, com a transição entre o feudalismo e o capitalismo, a
relação entre o mestre artesão e o cliente caracteriza-se pela confiança. A função do
Estado, de acordo com o modelo é repartir custos, adjudicar ônus 8.
A produção manufatureira, ou também chamada artesanal, era até meados
do século XIX, o feito dominante, e apresentava as seguintes características,
conforme ensina Ronaldo P. Macedo Júnior “baixos índices de produção e
produtividade; grande inventividade; altos custos com o trabalho direito e a produção
de bens caros e de baixa qualidade”.9
Os códigos que surgiram a partir do século XIX não alteraram a concepção
clássica de contrato. Observa-se tal premissa desde o Código Civil francês de 1804,
sucedido pelo italiano de 1865, o português de 1867 e o espanhol de 1889 que
influenciaram decididamente o ocidente, com destaque para a legislação alemã, e
também o mesmo ocorrendo com o Código Civil Brasileiro de 1916 10.
Para Orlando Gomes, surge a partir do século XIX, um novo panorama
político:
Por efeito de um novo panorama político, econômico e social que se instaurou no séc. XIX, com a consolidação de Estados liberais fundados na ideologia individualista pregada pela Revolução francesa e o estabelecimento do regime capitalista de produção decorrente da
7 GOMES. Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 22-23. 8 LORENZETTI. Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 55. 9 MACEDO JÚNIOR, Ronaldo Porto. Contratos relacionais e defesa do consumidor. Max Limonad, 1998, p. 104. 10 GOMES. Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Op. Cit., p. 38-39.
5
Revolução Industrial, os contratos revelaram-se instrumento de grande valia no desenvolvimento da vida econômica da época: garantiam a regulação de interesses individuais com igualdade entre as partes contratantes, ao mesmo tempo que atendiam à necessidade premente de ampliação e difusão das relações de troca.11
O contrato, na verdade, sempre significou a base da sociedade, vez que ao
longo dos tempos regula as atividades humanas nas mais diversas dimensões,
ensejando a harmonização das relações, eis que obriga ao respeito devido ao
cidadão, estabelecendo limites entre direitos e deveres.
A Revolução Francesa, deu origem a teoria clássica e com ela, a política do
laissez-faire, cujo lema pode ser assim traduzido: liberdade, igualdade e
fraternidade. Tal movimento tornou-se conhecido como liberalismo e pregava
ausência do Estado, quer no plano jurídico, quer no político ou econômico, e
reconhecia como princípios básicos à liberdade, a segurança individual e o direito de
propriedade 12.
Esta autonomia privada é o poder jurídico dos particulares de regularem,
pelo exercício de sua própria vontade as relações de que participam, estabelecendo
o seu conteúdo e a respectiva disciplina jurídica.
Os principais princípios da doutrina clássica, podem ser resumidos em o da
autonomia da vontade ou liberdade contratual, o da obrigatoriedade ou
vinculatividade dos contratos e o do consensualismo.
O princípio da autonomia da vontade13 é aquele que faculta total liberdade14
na celebração de seus contratos, exercitável, segundo Cesar Fiúza,15 em quatro
planos: a) liberdade contratual ou não; b) com quem e como contratar; c)
11 GOMES, Orlando. Contratos. 16.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 6. 12 GOMES. Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Op. Cit., p. 21. 13 Nesse sentido: “A expressão autonomia da vontade buscou inspiração na filosofia oitocentista, com especial influencia de Kant (capacidade de autodeterminação do indivíduo) e Rousseau (Contrato Social – tendo a convenção como base de autoridade entre todos os homens). A base teórico-filosófica da formação dos dogmas da concepção clássica era a autonomia da vontade e a liberdade contratual”. (MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no código de defesa do consumidor. 3.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 1999, p. 41). 14 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais: autonomia privada, boa-fé, justiça contratual. São Paulo: Saraiva. 1994, p. 94. Para o autor, “a liberdade contratual seria uma somatória de várias ‘liberdades’: a liberdade de contratar ou deixar de contratar, a de eleger as pessoas com quem se contratar, a de determinar o contrato a ser celebrado, típico ou atípico, a de negociar o seu conteúdo, e, por último, a de adotar a forma, verbal ou escrita, tida por mais conveniente”. 15 FIUZA, César. Direito civil: curso completo. 3.ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2000, p. 214.
6
estabelecimento das cláusulas do contrato;16 e d) exercício, ou não, do direito de
ação para se fazer respeitar o contrato. Para Francisco Amaral, “o princípio de direito
privado pelo qual o agente tem a possibilidade de praticar um ato jurídico,
determinando-lhe o conteúdo, a forma e seus efeitos”.17
Já o princípio da obrigatoriedade dos contratos consistiria na vinculação das
partes ao acordado, ou seja, uma vez pactuado o contrato, suas condições não
podem ser modificadas, exceto se houver novo acordo entre os contratantes.18
No que concerne ao princípio do consensualismo, cabe destacar que os
contratos são oriundos da vontade, basta o consenso entre as partes para que
reputem formados. Assim, havendo manifestação de vontade das partes, o contrato
será celebrado, independentemente da observância de formas extras, exceto se de
sua essência ou por imposição legal.19
A Revolução Industrial é outro marco histórico que não pode ser relegado ao
esquecimento em uma análise tridimensional do Direito, como ensina Miguel
Reale20, tratando-se de contratos. A corrida dos camponeses e artesãos, até então
trabalhadores autônomos, para as cidades em busca do sustento, que passou a
significar um emprego na indústria, fez surgir uma mudança social acentuada.
Nas últimas décadas do século XIX, já se verificavam os efeitos da
Revolução Industrial, como a constatação do aumento gradual da riqueza gerada
pelo capitalismo, originados da reunião de empresas, causando sérias
desigualdades nas relações jurídicas, o que acarretou uma profunda alteração, no
início do século XX.21
Finda a primeira Guerra Mundial, os principais países da Europa
encontravam-se destruídos em função de batalhas e invasões dos exércitos
alemães. Trazendo inúmeros problemas, cujas soluções não foram apresentados
16 WALD, Arnoldo. Curso de direito civil brasileiro: obrigações e contratos. 7 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1987, v. 2, p. 121. O autor faz uma distinção entre liberdade de contratar, que seria a liberdade na celebração, ou não, de determinado contrato, e liberdade contratual, que se resumiria na liberdade de estabelecer as cláusulas do contrato. 17 AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 327. 18 GOMES. Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Op. Cit., p. 23. 19 GOMES. Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Op. Cit., p. 23. 20 REALE, Miguel. Teoria tridimensional do direito: preliminares históricas e sistemáticas. 3 ed. ver. e atualizada. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 54. 21 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direitos dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Belo Horizonte: Mandamentos. 2003, p. 23.
7
pela ordem constitucional então vigente. A crise pós-guerra não pode ser enfrentada
pelo liberalismo, o Estado liberal sucumbiu diante da convicção da necessidade de
intervenção do Estado na nova ordem econômica, como forma de propiciar
mudanças que fizeram necessárias.22 O Estado liberal se ocupava minimamente em
suas funções, as quais se resumiam à mera vigilância da ordem social e a proteção
contra ameaças externas.23 A mínima intervenção estatal nas relações entre
indivíduos significava a mínima intervenção também na vida dos contratos.24
Em 1917 surge a Constituição mexicana e, em 1919, a Constituição de
Weimar, as quais passam a ser o marco inicial do Estado Contemporâneo,25 cujo
principal diferencial é o caráter intervencionista, com claras preocupações de ordem
política, econômica e, principalmente, social. A partir de tal fenômeno, o Estado
passou a intervir na economia, não permitindo mais que a ordem natural dos fatos.
Sob essa nova ordem legal que o contrato vê seus principais fundamentos, a
autonomia da vontade e a liberdade contratual, atacados frontalmente, chegando até
proclamarem o declínio do contrato, ou ainda, a transformação do Direito Civil em
Direito Social.26.
Posteriormente, com o advento da Segunda Guerra Mundial, exigiu-se do
Estado a criação de instrumentos hábeis a solucionar problemas então emergentes.
Verificou-se uma sensação generalizada de que o Estado era imprescindível ao
crescimento econômico, assim como a garantir o bem estar social e a paz. O
liberalismo mostrava-se cada vez mais imperfeito, principalmente no que tange à
falta de capacidade de regulação de mercados, atribuindo-se essa nova função ao
Estado, aperfeiçoando desse modo o chamado Estado Social de Direito.27
Neste contexto de busca de pleno desenvolvimento e diminuição das
diferenças sociais, começam a surgir Constituições, as quais trouxeram normas,
versando sobre a forma de intervenção estatal no domínio econômico, e trazendo
22 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direitos dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003, p. 24. 23 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de teoria geral do estado. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 234. 24 NOVAIS, Alinne Arquette Leite. A teoria contratual e o código de defesa do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 129. 25 PASOLD, César Luiz. Função social do estado contemporâneo. 2.ed. Florianópolis: Estudantil, 1998, p. 43. 26 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. 10.ed. Rio de Janeiro: Forense, vol. 3, 2003, p. 376. 27 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e estado contemporâneo. Curitiba: Juruá, 2001, p. 231-232.
8
consigo a idéia de intervenção estatal também nas relações contratuais.28 O
legislador brasileiro, ao construir o Código, originário do Projeto do Código Civil de
1975, em seu art. 421, esculpiu a limitação de liberdade de contratar e a função
social do contrato. Isso representa clara preocupação com a “tutela dos interesses
sociais daqueles que se vêem cotidianamente contratando”.29
Este processo de interferência do Estado foi chamado de “Dirigismo
Contratual” 30 , que se dá de forma mais localizada, à medida que procura, pelo
poder do Estado, equilibrar as relações contratuais na busca da justiça social.
Assim, por conseqüência, a conclusão que podemos chegar é que a
autonomia da vontade teria limites de ordem pública, que foram abstraídos de um
outro princípio fundamental do Direito dos Contratos, o princípio da supremacia da
ordem pública.31
Cabe lembrar a lição de José Afonso da Silva, que fazendo a transposição
para o Estado Democrático de Direito, passando pelo Estado Social, comenta:
[...] ainda é insuficiente à concepção do Estado Social de Direito, ainda que, como ‘Estado Material de Direito’, revele um tipo de Estado que tende a criar uma situação de bem-estar geral garanta o desenvolvimento da pessoa humana. Sua ambigüidade, porém é manifesta. Primeiro, porque a palavra ‘social’ está sujeita a várias interpretações. Todas as ideologias, com a sua própria visão ‘social’ e do ‘Direito’, podem acolher uma concepção do Estado Social de Direito, menos a ideologia marxista que não confunde o social com o socialista. A Alemanha nazista, a Itália fascista, a Espanha franquista, Portugal salazarista, a Inglaterra de Churchill e Attlee, a França, com a Quarta República, especialmente o Brasil, desde a Revolução de 30 [...]. Em segundo lugar, o importante não é o ‘social’, qualificando o Estado, em lugar de qualificar o Direito. Talvez até por isso se pode dar razão a Forsthoff quando exprime a idéia de que o Estado de Direito e Estado Social não podem fundir-se no plano constitucional. O próprio Elias Díaz, que reconhece a importância histórica do Estado Social de Direito, não deixa de lembrar a suspeita quanto à ‘saber se e até que ponto o neocapitalismo do Estado Social de Direito não estaria em realidade encobrindo uma forma muito mais matizada e sutil de ditadura do grande capital, isto é, algo que no fundo poderia denominar-se, e se tem denominado, neofacismo’. [...] Por tudo isso, a expressão Estado Social de Direito manifesta-se carregada de suspeição, ainda que se torne mais precisa quando se lhe adjunta a palavra ‘democrático’ como fizeram as Constituições da República Federal da Alemanha e da República Espanhola para chamá-lo ‘Estado Social e
28 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direitos dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Op. Cit., p. 24. 29 VENOSA. Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Op. Cit., p. 368. 30 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direitos dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Op. Cit., p. 51. 31 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direitos dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Op. cit., p. 25.
9
Democrático de Direito’. Mas aí, mantendo o qualificativo ‘social’ ligado a Estado, engasta-se aquela tendência neocapitalista e a petrificação do ‘Wefare State’, com o conteúdo mencionado acima, delimitadora de qualquer passo a frente no sentido socialista. E continua, o autor a comentando sobre o Estado Democrático de Direito: “As considerações supra mostram que o direito, quer como Estado Liberal de Direito quer como Estado Social de Direito, nem sempre caracteriza ‘Estado Democrático’. Este se funda no princípio da soberania popular que ‘impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não exaure, [...], na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático como garantia real dos direitos fundamentais da pessoa humana. 32
Menciona Caio Mário da Silva Pereira, que várias são as facetas de
evolução social, podendo-se falar em evolução etimológica, em evolução biológica,
em evolução lingüística, em evolução antropológica e, claro, em evolução do
contrato, uma “transformação temporal ou espacial”, pela qual passa o instituto.33
Em sua obra traduzida para o português “Fundamentos do Direito Privado”,
o doutrinador Ricardo Luis Lorenzetti aponta todas as alterações pelas quais vêm
passando os principais institutos do Direito Civil e Direito Privado. Critica o mesmo o
chamado “big bang” legislativo demonstrando o surgimento de inúmeros
microssistemas jurídicos. Procura Lorenzetti também afastar o pessimismo
exagerado que circunda os institutos civis, principalmente o contrato: a concepção
da chamada “crise dos contratos”. 34
Colocando a pessoa no centro do ordenamento jurídico, o autor argentino
procura uma nova concepção de contrato, de acordo com as principais alterações
sociais sentidas nos últimos séculos. Lembra que “a ordem jurídica atual não deixa
em mãos dos particulares a faculdade de criar ordenamentos contratuais,
equiparáveis ao jurídico, sem um interventor”.35 Para tanto aponta a necessidade do
intervencionismo estatal, do dirigismo estatal, com a concepção do princípio da
autonomia privada. Chega a afirmar que:
O Estado requer um Direito Privado, não um direto dos particulares. Trata-se de evitar que a autonomia privada imponha sus valorações particulares à sociedade; impedir-lhe que invada territórios socialmente sensíveis.
32 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9.ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 105-107. 33 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Civil. Alguns Aspectos da sua Evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 226. 34 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 44 35 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 540.
10
Particularmente, trata-se de evitar a imposição a um grupo, de valores individuais que lhe são alheios. Aqui faz seu ingresso a ordem pública de coordenação, de direção.36
A necessidade da concepção de um direito social também em matéria
contratual tornou-se crescente após a emergência dos Direitos da Personalidade,
crescente principalmente após a Segunda Revolução Industrial e que trouxe uma
nova maneira de negociar, novos elementos subjetivos, em posições díspares no
momento contratual.37
Sob o enfoque social, tal realidade tem origem, segundo as palavras de
FERNANDO NORONHA, na relação entre direito e sociedade, que constitui:
[...] uma relação de interdependência, com dois atributos: é mútua e assimétrica. É interdependência, porque os acontecimentos registrados numa das esferas produzirão efeitos também na outra; é interdependência mútua, porque cada uma das esferas depende da outra, embora a dependência do direito em relação à sociedade seja bem maior do que a desta em relação ao primeiro; é uma relação de interdependência assimétrica, porque as partes não dependem uma da outra em medida igual “. 38
Instituto também presente no Direito Romano39, sendo tal evolução objeto de
um estudo clássico de San Thiago Dantas, para quem a doutrina contratual
representa o “termo de uma evolução, através da qual foram sendo eliminadas
normas e restrições sem fundamento racional, ao mesmo tempo e que se criavam
princípios flexíveis, capazes de veicular as imposições do interesse público, sem
quebra do sistema”40.
36 LORENZETTI, Ricardo Luiz. Fundamentos do direito privado. Op. cit., p. 540. 37 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direitos dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Op. cit., p. 61. 38 NORONHA, Fernando. O direito dos contratos e seus princípios fundamentais. São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 26. 39 “Sentiu-se, entretanto, na sociedade romana, cuja vida se tornou cada vez mais complexa com o surgimento de maior pluralidade de negócios, a necessidade de dar uma certa materialidade aos contratos. E surgiram, então, as quatro modalidades mencionadas por Gaius. Primeiro, os contratos, como uma espécie de contrato real, que se perfazia mediante a entrega de uma coisa; contrato litteris, que se completavam pela inscrição no codex do devedor; contrato verbis, que se realizavam mediante a troca de palavras sacramentais, dos quais o mais importante era a stipulatio. Somente mais tarde veio o contrato consensu, cujo nascimento foi lento e complexo, a que me referirei no segmento seguinte. Nem por isto perdeu sentido a afirmativa de Gaius: as obrigações ora nascem de um contrato ora do delito (vel ex contractu nascitur, vel ex delicto – Institutiones Commentarius, Vol. III, nº 88)” (SILVA Pereira, CAIO, Mario da. Direito Civil: Alguns aspectos de sua evolução. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 228). 40 Evolução contemporânea do Direito Contratual. São Paulo: Revista dos Tribunais. RT, vol 1990,
p. 144.
11
O Professor Titular de Direito Comercial da Universidade de São Paulo, Luiz
Gastão Paes de Barros Leães, em prefácio da primeira edição de “Contratos
Internacionais do Comércio”, de Irineu Strenger, comenta tal crise, ao elucidar que:
“há alguns anos, a decadência do Direito Contratual é apregoada num tom fúnebre,
que anuncia iminente desenlace. Há inclusive quem já tenha lavrado a sua certidão
de óbito. Grant Gilmore, em 1.974, publicou um livro com título provocador – The
Death of Contract (Columbus, Ohio) – onde assinalou a ação demolidora dos novos
tempos no edifício conceitual do contrato. O fenômeno da padronização das
transações, decorrente de uma economia de mass production, teria subvertido
inteiramente o princípio da liberdade contratual, transformando o ‘contrato’ numa
norma unilateral imposta pela empresa situada numa posição dominante. Teria
ocorrido assim um retorno ao status”.41
Na realidade, “crise” pode significar alteração na estrutura – e é realmente
isto que entendemos estar ocorrendo quanto ao tema –, uma convulsiva
transformação, uma renovação dos pressupostos e princípios da Teoria Geral dos
Contratos, que tem por função redimensionar seus limites, e não extingui-los.
Entendemos que o contrato não está em crise, mas sim em seu apogeu como
instituto emergente e central do Direito Privado. Isso justifica porque o contrato é um
dos primeiros temas a ser discutido na Parte Especial da Nova Codificação.
Não se pode mais aceitar o contrato com sua estrutura clássica, concebido
sob a égide do “pacta sunt servanda” puro e simples, com a impossibilidade da
revisão das cláusulas. O Direito do Consumidor trouxe inovações nesta matéria,
inovações que constam agora no Novo Código Civil, como a proteção do aderente
prevista nos artigos 423 e 434 da nova codificação, o que pode gerar a nulidade
absoluta de cláusulas abusivas, diminuindo a amplitude da força obrigatória das
convenções.
Nas palavras de Manuel Inácio Carvalho de Mendonça, “os contratos hão se
ser sempre a fonte mais fecunda, mais comum e mais natural dos direitos de
crédito”.42
41 LEÃES, Luiz Gastão Paes de Barros. Contratos Internacionais do Comércio. 3.ed. São Paulo:
LTR, p. 17. 42 MENDONÇA, Manuel Inácio Carvalho de. Contratos no direito brasileiro. Tomo I. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1957, p. 7.
12
Nesse diapasão, verifica-se a importância da reestruturação dos princípios
que regem o direito dos Contratos, tais quais foram concebidos pela doutrina
clássica, porquanto não se mostraram suficientes para dirimir com eqüidade todas
as situações que se originaram das relações contratuais. Assim, o Direito Privado,
esta na emergência de novos institutos, renovando todo o Direito, atingindo também
os direitos pessoais puros e as relações privadas, devendo tais institutos ser
interpretados de acordo com a sistemática lógica do meio social e tentar apontar
novos paradigmas para a solução dos problemas contratuais, sedimentados pela
concepção oitocentista.43
1.2 CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL
O Direito Civil, ao longo de sua história no mundo romano-germânico, foi
identificado como o locus normativo privilegiado do indivíduo, enquanto tal. Nenhum
ramo de direito era mais distante do direito constitucional do que ele. Em
contraposição à constituição política, era cogitado como constituição do homem
comum, máxime após o processo de codificação liberal.44
Com o enfraquecimento do perfil individualista, fundado nos princípios
orientadores do Estado Liberal, surge no início do século XX uma nova realidade,
onde a Constituição passa a incidir sobre o Direito Civil e, conseqüentemente, sobre
o Direito dos Contratos, o que se deu em virtude das transformações sociais e
políticas e econômicas.45
A constituição incorporou em seu texto princípios fundamentais como a
liberdade. A segurança jurídica, a igualdade, a dignidade da pessoa humana, a
supremacia do interesse público sobre o particular, a boa-fé e a justiça social,
43 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo de direito: técnica, decisão, dominação. 2 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 83, que sobre o tema assim se manifesta: “Neste quadro, a ciência dogmática do direito, na tradição que nos vem do séc. XIX, prevalecentemente liberal na sua ideologia, e encarando, por conseqüência, o direito como regras dadas (pelo Estado, protetor e repressor), tende a assumir o papel de ‘conservadora’ daquelas regras, que, então, são por ela ‘sistematizadas’ e ‘interpretadas’. Esta postura teórica é denominada por Noberto Bobbio de teoria estrutural do direito”. 44 GOMES. Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Op. Cit., p. 91. 45 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direitos dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Op. Cit., p. 42.
13
dotados, apesar de seu caráter programático, de plena eficácia e aplicabilidade,46
formando-se o novo Direito Civil Constitucional e provocando alteração dos institutos
tradicionais do Direito Civil.47
Paulo Luiz Netto Lôbo48 ressalta a razão de ser desta forma de pensar e
interpretar o Código Civil de forma apartada da Constituição.
A dicotomia Direito Público e Direito Privado é resultado de uma noção
historicamente condicionada, segundo os critérios que refletem a realidade da vida
sócio-político-econômica de cada época e lugar.
O sustentáculo fundamental do liberalismo que, pressuposta a separação
entre o Estado e a sociedade civil, relegava ao Estado a tarefa de manter a
coexistência pacífica entre as esferas individuais, para que atuassem livremente,
conforme suas próprias regras, entrou em crise desde que o Poder Público passou a 46 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 56: “Como assinalado acima, as Constituições modernas apresentaram-se com grande número de ‘normas programáticas’. O direcionamento de mudança de rumos entre o liberalismo e o socialismo vem passando por diversas etapas intermediárias, em que se acentua a profunda transformação do direto e dos papéis ou funções a serem desempenhadas pelo Estado. Ao lado das normas de organização ou estruturais, e que se caracterizam por serem predominantemente de fixação de direitos, surgem as normas que tem acentuado caráter dinâmico. Pode-se dizer que s primeiras são a cristalização do direito aperfeiçoado até aquele momento, são a consumação de um movimento de aquisição e fixação de um estatuto jurídico, e por isso mesmo salienta-se nelas o caráter estático de um conjunto normativo que confere ao Estado a sua estrutura definitiva e ao cidadão o ponto de apoio para a defesa de seus direitos. Já as segundas estão direcionadas para o futuro, são normas que pretendem criar um novo quadro jurídico para o cidadão, que já não é um simples ‘civis’ mas é sobretudo um ‘civis-laborator’. Esse tipo de norma entrou para o corpo constitucional como uma forma de ‘pacto’ ou de ‘compromisso’ entre as forças liberais e as imposições e reivindicações de origem social. Como se verá adiante, a partir da Constituição de 1934 as normas programáticas passaram a ter fundamental importância em todos os textos constitucionais. Através delas, o legislador maior traça rumos a serem seguidos e metas a serem alcançadas, fixando princípios básicos que nortearão a iniciativa do legislador ordinário e exigirão do administrador e do juiz o seu acatamento e aplicação nos atos de concretização das normas, lembrando-se sempre de que a finalidade intrínseca das normas programáticas é a de criar ‘uma realidade política, econômica e social’. É preciso lembrar que as ‘normas programáticas’ não se reduzem a traçar um programa de ação, mas tem força jurídica vinculante imediata. Não podem servir de desculpa para o administrador ou para o juiz\ para deixar de cumprir as imposições contidas na Constituição”. 47 SOUZA, Washington Peluso Albino de. Direito econômico e economia política. Belo Horizonte: Prisma Cultural, 1970, p. 33-34: “Acompanhando a linha do pensamento liberal, os Códigos Civis adotados nos diversos países e inspirados no Código de Napoleão, fruto da revolução liberal francesa, exaltam o direito à propriedade particular. Essa exaltação é tal que oferece a garantia para os princípios individualistas que retiravam do setor de preocupações do Estado os problemas econômicos. O próprio Direito Civil moderno, entretanto, em tudo o que se relaciona com a sua parte patrimonial, e, sobretudo no que tange ao ‘Direito das Obrigações’, não vem conseguindo resolver a contento a questões que lhe são propostas. Elaborados os princípios liberais do Direito Civil para o ideal de estruturas equilibradas e tranqüilas, falhas, quando se vê diante de mudanças estruturais do subdesenvolvimento para as formas desenvolvidas. Cede lugar a motivações profundas em face da realidade econômica. E recorre cada vez mais, aos princípios científicos da Economia para atender ao ideal de justiça que busca oferecer. Não é sem motivo que o próprio Direito Econômico encontra em grandes mestres da moderna ‘Teoria das Obrigações’ os seus defensores e fundadores”. 48 Neste sentido, LÔBO, Paulo Luiz Neto. Do contrato no Estado Social: crise e transformações. Maceió: Edufal, 1983.
14
intervir quotidianamente na economia. Diante de um Estado intervencionista e
regulamentador, que dita as regras do jogo, o direito civil viu modificadas as suas
funções e não pode mais ser estimado segundo os moldes do direito individualista
dos séculos anteriores.
Paulo Nalin esclarece:
Identifico, como um dos grandes problemas e ser superado pelo sistema judiciário brasileiro, a ruptura entre uma sociedade brasileira pós-industrial deste inicio de século XXI e um Código Civil que se vincula a uma família nucleada no casamento, ao direito proprietário absoluto do individuo e ao contrato, cuja descrição econômica não supera a da historia circulação de riqueza49
Conseqüentemente, a separação do direito em público e privado, nos termos
em que era posta pela doutrina tradicional, há de ser abandonada. A partição, que
sobrevive desde os romanos, não mais traduz a realidade econômico-social, nem
corresponde à lógica do sistema, tendo chegado o momento de empreender a sua
reavaliação.
Desta forma, ao contrário do que se acreditava classicamente, o Direito
Público e o Direito Privado não se apresentam como campos opostos dentro do
Direito.
A dicotomia público-privado ficou superada diante do surgimento de outras
categorias de interesses, decorrentes da multiplicidade e complexidade de relações
entre os indivíduos do grupo social com o Estado e com terceiros.
Neste sentido, Maria Celina B. M. Tepedino50 sustenta que o direito privado
e direito público tiveram modificados seus significados originários: o direito privado
de ser âmbito da vontade individual e o direito público não mais se inspira na
subordinação do cidadão. A divisão do direito, então, não pode permanecer
ancorada àqueles antigos conceitos e de substancial – isto é, expressão de duas
realidades herméticas e opostas traduzidas pelo binômio autoridade-liberdade – se
transforma em distinção meramente "quantitativa": há institutos onde é prevalente o
interesse dos indivíduos, estando presente, contudo, o interesse da coletividade; e
institutos em que prevalece, em termos de quantitativos, o interesse da sociedade,
49 NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno; em busca de sua formulação na perspectiva Civil-Constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 30. 50 TEPEDINO, M. Celina B. M. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, nº 65. São Paulo, 1992.
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embora sempre funcionalizado, em sua essência, à realização dos interesses
individuais e existenciais dos cidadãos.
Paulo Nalin51 apresenta sete elementos metodológicos que devem ser
observados para se alcançar o entendimento acerca da metodologia da
constitucionalização do direito, que passarão a serem analisados.
O primeiro baseia-se na própria regra jurídica, em sentido amplo, passando a técnica legislativa, do tipo hermético (preceito e sanção), às cláusulas gerais, abrangentes e abertas. Isso se levando em conta que um sistema jurídico dito fechado não se compatibiliza com a necessária elasticidade das normas de tendências sociais. A Constituição Federal de 1988 é repleta de dispositivos "ávidos a serem concretizados com base na experiência hermenêutica".
O segundo seria a redução do contexto técnico da linguagem utilizada nos textos legais. O comprometimento legislativo com a linguagem vulgar, a qual se distancia do apuro técnico e específico do Código Civil, implica maior eficácia das regras constitucionais e infraconstitucionais, sobretudo, realizando o comando constitucional de se construir um Estado Social Democrático de Direito (CR, art. 1°), democratizando-se o Direito com a funcionalização da linguagem técnico-jurídica.
O terceiro diz com o caráter das normas jurídicas, que além da intervenção para o ‘desencorajamento’ de condutas indesejadas ("sanções negativas"), o Estado deve primar pelo ‘encorajamento’ de condutas desejadas, através de um "ordenamento promocional finalizado por sanções positivas ou premiais".
O quarto mostra-se através do condicionamento dos efeitos patrimoniais dos atos jurídicos (em sentido lato) à realização de valores superiores, como a dignidade da pessoa humana (CR, art. 3°, inc. III). O intérprete deve indagar-se, primeiramente, se um determinado contrato resguarda tais valores, para após decidir sobre a eficácia do mesmo. Isto implica o "distanciamento do individualismo e da patrimonialidade contratual, justificada no Código Civil e que avança, não em sentido de revogar’ tal opção ideológica do legislador da época, mas no do remoçá-lo e recondicioná-lo na moldura dos direitos fundamentais à pessoa humana". Ou seja, o Código Civil deve ser interpretado à luz da Constituição Federal.
O quinto consiste na necessidade de se requisitar as fontes do Direito e na reafirmação da prevalência da Constituição, em face do Código Civil, como forma de revitalizar a lei civil, atualizando-a, objetivando a conservação e renovação constante dos institutos civilísticos. A prevalência da regra constitucional sobre as demais regras se justifica tendo-se em vista a manutenção da unidade do sistema e, principalmente, em função do resgate ideológico, proporcionado pela Constituição Federal de 1988.
O sexto encontra-se no chamado "novo contratualismo", que revela a fórmula pela qual a sociedade exterioriza os seus interesses sócio-políticos por intermédio da negociação legislativa, através de leis setoriais (matéria em especial) e especiais (grupo ou pessoas em particular). Um exemplo seria a Convenção Coletiva de Trabalho, onde as forças do capital e do trabalho "legislam" em causa própria. Outro exemplo seria o da Convenção Coletiva de Consumo, prevista no art. 107 do CDC.
O último elemento versa sobre a possibilidade da aplicação plena, irrestrita, incondicionada e direta das normas constitucionais às relações
51 TEPEDINO, M. Celina B. M. A caminho de um direito civil constitucional. Op cit., p. 33 a 48.
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interprivadas, na medida em que se reconhece um ordenamento unitário com normas constitucionais como regras de conduta, postas no sentido de funcionalização dos institutos infraconstitucionais.
O respeito à Constituição não requer apenas a observância de
procedimentos para feitura da norma infraconstitucional, implica, também, na
imposição de que o seu conteúdo reflita os valores esculpidos na própria
Constituição. De qualquer sorte, mesmo que o legislador ordinário deixe de observar
estas premissas, caberá ao juiz e ao intérprete proceder à adequação da legislação,
através da interpretação sistemática, verificando sempre o espírito da Carta Maior.
A guiar a atividade do intérprete não deve ser a sua teimosa orientação
subjetiva, mas, antes, o cumprimento da sua tarefa de respeitar e, com a própria
ação, de realizar a legalidade constitucional.
Todo o sistema se constitucionaliza neste sentido, sucumbindo qualquer
argumento em sentido de hiperinterpretação uma vez que é inviável o raciocínio não
interpretativo, em qualquer seara do conhecimento, sem interpretação. A
compreensão de qualquer norma já implica em interpretá-la.
Maria C. B. M. Tepedino chama a atenção de que a transformação não é de
pequena monta. Ao invés da lógica proprietária, da lógica produtivista, empresarial
(em uma palavra, patrimonial), são os valores existenciais que, porque privilegiados
pela Constituição, se tornam prioritários no âmbito do direito civil.52
Ao se referir aos que por ventura não compactuem com o método de
interpretação calcado na leitura do direito civil à luz da Constituição, Maria C. B. M.
Tepedino adverte que a negação de tal atitude hermenêutica significa admitir um
ordenamento assistemático, inorgânico e fragmentado, no qual cada núcleo
legislativo responderia a tecido axiológico próprio, desprovido da unidade normativa,
traduzindo-se em manifesto desrespeito ao princípio da legalidade constitucional.53
Conclui-se que o direito civil do século XX passou por um processo de
publicização do "privado", antes construído basicamente e quase que com
exclusividade à luz da autonomia da vontade privada (que tinha a função garantir),
52 TEPEDINO, M. Celina B. M. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, nº 65. São Paulo, 1992. 53 TEPEDINO, M. Celina B. M. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, nº 65. São Paulo, 1992.
17
pelo intervencionismo estatal nesta área, fulminando com a "tradicional dicotomia
aferível pelo critério de interesses”.54
Através da constitucionalização do direito civil, busca-se não apenas
investigar a inserção do direito civil na Constituição, mas dela estabelecer os
fundamentos de sua validade jurídica. Tendo-se a Constituição Federal como o
vértice máximo e conformador de toda e qualquer criação, interpretação e aplicação
da legislação civil, necessário se faz o entendimento de que deve o jurista interpretar
o código segundo a Constituição e não a Constituição segundo o Código, como
ocorria com freqüência e ainda ocorre.
Pietro Perlingieri complementa este pensamento acerca deste papel da
Constituição, que deve ser atribuído e reconhecido, quando leciona que o respeito à
Constituição, fonte suprema, implica não somente a observância de certos
procedimentos para emanar a norma (infraconstitucional), mas, também, a
necessidade de que o seu conteúdo atenda aos valores presentes (e organizados)
na própria Constituição.
A leitura do Código Civil à luz da Constituição Federal implica no
distanciamento do individualismo e da patrimonialidade do direito contratual, mas
não no sentido de "revogar" tal posição, mas sim em recondicioná-la aos direitos e
garantias constitucionais que primam pela proteção à pessoa humana.
Sem pretender entrar na discussão dos aspectos negativos ou positivos da
atual codificação, é premente que se perceba que a essência do "novo" Código
preservou as mesmas bases do Código de 1916. A manutenção dos alicerces da
codificação anterior é reconhecida por Miguel Reale (Coordenador-Geral do Projeto),
ao afirmar que o Código Civil representa a "Constituição do homem comum".
O estatuto civil que ora nos rege não deve funcionar como um entrave à
efetivação da Constituição, devendo preocupar-se em um primeiro plano com a
dignidade da pessoa, sendo aplicado como um instrumento de emancipação do ser
humano.
Do anteriormente exposto, conclui-se que o Direito Civil contemporâneo
apresenta-se como um direito renovado, tendo por base o fenômeno chamado
"constitucionalização", que implica grosso modo no reconhecimento da incidência de
valores, princípios e normas constitucionais no direito civil.
54 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Trad. de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 33.
18
Tal premissa não configura apenas uma tendência metodológica e sim uma
preocupação constante e necessária com a construção de um ordenamento jurídico
apto a responder aos problemas e desafios da sociedade contemporânea. Entre
estes se encontra o direito contratual que, além de importar em operações de cunho
econômico, esteja atento e voltado à promoção do princípio da dignidade da pessoa
humana (art. 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988).
Neste sentido Juarez Freitas55, para quem uma correta interpretação, deve
ter presente uma perspectiva vitalizante e renovadora que considera o sistema
jurídico como sendo uma rede axiológica e hierarquizada de princípios gerais e
tópicos, de normas e de valores jurídicos cuja função é a de, evitando ou superando
antinomias, dar cumprimento aos princípios e objetivos fundamentais do Estado de
Direito, assim como se encontram consubstanciados, expressa ou implicitamente, na
Lei Maior.
Resta concluir que, o perfil individualista contido nos códigos oitocentistas
fundados nos princípios orientadores do Estado Liberal acabou enfraquecido ante a
nova realidade surgida no início de século XX. E a partir do século XX, em função da
diversidade de relações jurídicas surgida da concentração de pessoas nas cidades,
o contrato passa a perder uma de suas principais características, que consistia numa
relação entre dois indivíduos que estabeleciam as condições do seu cumprimento
para, ao final, consolida-las num documento cujo teor resultava do acordo. Com a
multiplicação das relações interpessoais as quais superam o conceito individualista e
assumem relevância coletiva, à medida que os métodos de produção, advindos do
processo de modernização. E através da Constituição Federal deve-se buscar a
renovação do direito privado, na medida em que as normas consideradas privadas
invadem a Carta, reforçando a invalidade da perspectiva dicotômica dos clássicos
ramos jurídicos, nos quais a modificação dos padrões constitucionais passa a
iluminar o direito privado.
55 FREITAS, Juarez. A interpretação sistemática do direito. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
19
2 PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DOS CONTRATOS
Como já foi tratado no capítulo anterior, o Código Civil de 2002 se anuncia
como arauto de novos rumos para o direito privado, assinados pela eticidade,
socialidade e economicidade.
Essas características se fazem notar com maior realce no campo do
contrato, onde o Código destaca normas explicitas para consagrar a boa-fé objetiva,
a função social e a submissão aos efeitos da revisão contratual para reequilíbrio de
sua equação econômica.
Mesmo vestido com as modernas indumentárias principiológicas, o contrato
não pode deixar de ser o fruto da força vinculativa e livre da vontade, nem tampouco
pode ser privado de sua natural e necessária força obrigatória entre os contratantes,
e muito menos pode transformar-se em fonte de obrigações para quem da
convenção não participou.
Pode-se dizer que hoje existem duas concepções a respeito do Direito dos
Contratos: uma, a que se poderia chamar de clássica, ou liberal, e outra, a que
poderia ser denominada de moderna, ou social.
A concepção tradicional, ou clássica, é aquela que herdamos do séc. XIX,
que foi o período das grandes codificações e, como características de algumas delas
a do direito subjetivo, de pessoa jurídica e de negocio jurídico.
Na visão do Estado liberal, o contrato é instrumento de intercambio
econômico entre indivíduos, onde a vontade reinava ampla e livremente. Todo o
sistema contratual se inspirava no individual e limitava, subjetiva e objetivamente à
esfera pessoal e patrimonial dos contratantes.
Tal concepção clássica dos contratos tem sua base em dois princípios
fundamentais, o da liberdade contratual e o da obrigatoriedade, ou da vinculatividade
do contrato. Esses dois princípios eram corolários do principio da autonomia da
vontade, que se reconhecia às partes a liberdade contratual e acrescentava-se como
conseqüência a obrigação dos contratantes de cumprir o estipulado.
Superado o Estado liberal puro, alheio por completo aos problemas
econômicos, surge uma nova postura institucional que não poderia deixar de refletir
sobre a teoria do contrato, mas não se abandonaram os princípios clássicos que até
então informavam a teoria do contrato sob o domínio das idéias liberais, mas se
20
acrescentam outros, que vieram a diminuir a rigidez dos antigos e a enriquecer o
direito contratual pelos fundamentos éticos e funcionais.
Essa realidade, levou o Estado a dotar uma postura mais participativa,
passando a intervir nas relações privadas em três aspectos do regime contratual,
como destaca Antônio Junqueira de Azevedo: a) o da boa-fé objetiva; b) o do
equilíbrio econômico, e c) o da função social do contrato.56
No mesmo sentido Mônica Yoshizato Bierwagen, ao citar o texto de Paulo
Luiz Netto Lobo:
Destarte, o período conhecido como Revolução Industrial não só representou o marco inicial de inédita forma de produção de bens, mas também funcionou como mola propulsora de uma verdadeira “revolução” na concepção do contrato, liberando-o do seu paradigma clássico, individualista, formalmente igualitário e predominantemente privado para incorporar uma interferência estatal minantemente até então desconhecida, mas necessária como instrumento de equilíbrio social, de forma a coibir possíveis abusos da parte social ou economicamente mais forte e a sobrepor o interesse coletivo ao privado.57
Assim, a leitura que se impõe, à luz de todo o processo histórico, político,
social e econômico vivido no curso do séc. XX, não poderá ser a mesma, exigindo
do intérprete, por essa razão, uma revisão principiológica.
Em seguida passaremos a analisar cada um dos princípios acima citados e
suas novas teorias e aplicações na moderna concepção contratual à luz do Código
Civil de 2002.
2.1 AUTONOMIA DA VONTADE
A base do contrato é a livre declaração da vontade.
Assim é que a autonomia da vontade constitui princípio consagrado no
ordenamento jurídico e revela-se tanto no arbítrio do indivíduo em firmar o negócio
jurídico, ou não firmá-lo, de acordo com seus interesses, como com quem contratar
e o que contratar.
Esse principio clássico, inspirado no Código Francês, de que o contrato faz
lei entre as partes é posto hoje em nova discussão. Desapareceu o liberalismo que
56 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. “Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer)”, RT, 750/115-116. 57 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interprestação dos contratos no novo código civil. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 25.
21
colocou a vontade como centro de todas as avenças. No entanto, a liberdade de
contratar nunca foi ilimitada, pois sempre esbarrou nos princípios da ordem
pública.58
E isso ocorre em qualquer modalidade de contrato: tanto naquele mais
simples, quanto no que exige complexidade, constituindo, de igual modo, fonte
formal de direito, haja vista que, findo o contrato ou na hipótese de inadimplemento,
surge o direito do contratante de fazê-lo cumprir através das vias judiciais. De ver
que, mesmo nos contratos de adesão, subsiste a liberdade de contratar, haja vista
que o interessado tem a faculdade de não se submeter ao padrão oferecido.
A lei, no entanto, de um modo geral, não invade a esfera individual de modo
a inibir a liberdade de contratar, apenas a regulamenta, e em alguns casos impõe
certas restrições, tal como ocorre no serviço público, assim algumas vezes
estabelece requisitos a serem atendidos.
De ressaltar, portanto, que inobstante a indiscutível autonomia da vontade
existente nos contratos, esta não é mais absoluta, eis que o sistema jurídico em
vigor interfere nas hipóteses que envolvem questões atinentes à ordem pública,
através da legislação específica ius cogens – nos casos, por exemplo, que dizem
respeito à organização familiar, vocação hereditária, organização política e
administrativa do Estado – e na circunstância do Estado excepcionalmente intervir
na parte econômica, o chamado dirigismo contratual. Os chamados bons costumes
também contribuem de alguma forma para a redução da liberdade de contratar, na
medida em que inibem práticas não condizentes com a moral social e que, por
conseqüência, afrontam a opinião pública.
Ensina Humberto Theodoro Júnior:
Por meio das leis de ordem pública, o legislador desvia o contrato de seu leito natural dentro das normas comuns dispositivas, para conduzi-lo ao comando daquilo que a moderna doutrina chama de ‘dirigismo contratual’, onde as imposições e vedações são categóricas, não admitindo possam as partes revogá-las ou modificá-las.59
O alcance da autonomia da vontade está atenuado pelos mandamentos
sociais, como os de boa-fé e da função social do contrato. O dirigismo estatal, que
58 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 26. 59 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e seus princípios. Rio de Janeiro: Aides, 2001, p. 17.
22
hoje abrange quase a totalidade do campo contratual, derroga em grande parte a
vontade individual, movida pelo sentimento egoístico necessário às relações
humanas, e o interesse meta-individual, a atual visão do indivíduo inserido num todo,
que é a sociedade.
O Estado, através dos legisladores e magistrados, intervém na relação
contratual quando nela houver evidente desrespeito à comutatividade, fator este que
pode levar uma das partes à ruína. Isso porque o mero entrelace das vontades dos
contratantes não é sinônimo de igualdade e paridade, como propagava a doutrina
dominante do século XIX.
O principio da autonomia da vontade se desdobra em dois outros, conforme
ensina Sílvio Rodrigues:
a) princípio da liberdade de contratar ou não contratar; b) principio da liberdade de contratar aquilo que entender. Por conseguinte, de acordo com principio da autonomia da vontade, ninguém é obrigado a se ligar contratualmente, só o fazendo se assim lhe aprouver. E ainda: toda pessoa capaz pode recorrer a qualquer procedimento lícito para alcançar um efeito jurídico almejado. Todavia essa liberdade concedida ao individuo, de contratar o que entender, encontrou sempre limitação na idéia de ordem pública, pois, cada vez o interesse individual colide com o da sociedade, é o desta última que deve prevalecer.60
Assim, o princípio da autonomia da vontade esbarra na limitação criada por
lei de ordem pública, na noção de bons costumes, ou seja, naquelas regras morais
não reduzidas a escrito, mas aceitas pelo grupo social e que constituem o substrato
ideológico do sistema jurídico.
Como destaca Mônica Yoshizato Bierwagen61, não se trata, pois de retirar a
liberdade contratual das partes, obrigando-as a subsumir sua vontade em modelos
previamente estatuídos em lei ou ainda contratar o que não queiram. O indivíduo
pode contratar com quem, como, quando ou aonde quiser e modelar as condições
do contrato como melhor se aprouver. No entanto, impõe-se aos contratantes que
essa liberdade seja exercida com responsabilidade, respeitando os princípios da
probidade e da boa-fé, as vedações de ordem pública, não bastando mais limitar-se
a agir conforme a moral e os bons costumes.
60 RODRIGUES, Sílvio. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade (de acordo com o novo código civil). Vol. 3. 30. ed. São Paulo. Saraiva, 2004, p. 16. 61BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais da vontade (de acordo com o novo código civil ) Op. Cit., p. 31 – 32.
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2.2 FORÇA OBRIGATÓRIA DOS CONTRATOS
O princípio da Força Obrigatória dos Contratos, forma a base do direito
contratual. Conhecida pela máxima romana pacta sunt servanda, ou seja, os
contratos existem para serem cumpridos, essa norma foi empregada expressamente
por alguns importantes Códigos Civis do mundo Ocidental, como o Francês de 1804
em seu artigo 1.934 e o Italiano em seu artigo 1.372.62
A obrigatoriedade, todavia não é absoluta. Há que se respeitar à lei e,
sobretudo, outros princípios com os quais o da força obrigatória coexiste, como o da
boa-fé, o da legalidade, o da igualdade, entre tantos outros, afinal, os princípios
gerais do Direito integram um sistema harmônico.
Conforme acentua Silvio de Salvo Venosa:
Decorre desse princípio a intangibilidade do contrato. Ninguém pode alterar unilateralmente o conteúdo do contrato, nem pode o juiz intervir nesse conteúdo. Essa é a regra geral. [...] A noção decorre do fato de terem as partes contratantes de livre e espontânea vontade e submetido sua vontade à restrição do cumprimento contratual porque tal situação foi desejada.63
A regra é a imutabilidade dos contratos, sem a qual não se poderia exigir o
seu cumprimento que é a sua finalidade precípua: o contrato nasce para um dia se
extinguir. Mas não se deve entender a sua imutabilidade de forma absoluta e sim de
maneira relativa, tornando-o mais flexível, com a admissão da interferência do
Estado para corrigir os rigores do contrato ante o desequilíbrio de prestações, fosse
pela alteração das condições de seu cumprimento, fosse pela manifestação de
vontade não completamente liberta.64
Abrandou-se, o rigor deste princípio, o que não significa, no entanto, o seu
desaparecimento. Continua sendo imprescindível que haja segurança nas relações
62 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interprestação dos contratos no novo código civil. Op. Cit., p. 29. 63 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Op. Cit., p. 376. 64 Sobre as causas da relativização do princípio da obrigatoriedade, “em um mundo em que nada mais é absoluto, o contrato, para substituir, aderiu ao relativismo, que se tornou condição sine qua non da sua sobrevivência no tempo, em virtude da incerteza generalizada, da globalização da economia e da imprevisão institucionalizada. A indeterminação das prestações contratuais, que era inconcebível no passado, também está vinculada à inflação, à oscilação do câmbio e às rápidas mudanças tecnológicas, fazendo com que as partes adotem determinados critérios para definir os seus direitos, aceitando prestações indeterminadas no momento da celebração do contrato, mas determináveis no momento da execução”. (WALD, Arnoldo. Um novo direito para a nova economia: a evolução dos contratos e o código civil. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 12, jul./ago., 2001, p. 49).
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jurídicas criadas pelo contrato. Podemos citar o previsto no (art. 389)65, do Código
Civil, ao afirmar que seu descumprimento acarretará ao inadimplente a
responsabilidade não só por perdas e danos, mas também por juros, atualização
monetária e honorários advocatícios, consagra tal princípio, ainda que
implicitamente.
Ensina Maria Helena Diniz:
A força vinculante dos contratos somente poderá ser contida pela autoridade judicial em certas circunstâncias excepcionais ou extraordinárias, que impossibilitem a previsão de excessiva onerosidade no cumprimento da prestação, requerendo a alteração do conteúdo da avenca, a fim de que se restaure o equilíbrio entre os contraentes.66
Assim, atualmente não se pode mais compreender que o contrato seja
absolutamente obrigatório, por conseqüência, faz-se imperioso que se admita a
intervenção do Estado sobre condições e até mesmo, quando imprescindível, a sua
resolução. O Código Civil, atento a essa amenização do rigor do princípio,
incorporou expressamente em seu texto a cláusula rebus sic standibus aos contratos
de execução continuada e diferida (arts. 478 a 480)67, assim como os institutos da
lesão (art. 157)68 e do estado de perigo (art. 156)69, que permitem a ingerência
estatal, seja para resolver, seja par revisar as condições a que se obrigam as partes.
2.3 PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS
A regra geral é que o contrato só ataca aqueles que dele participaram. Seus
efeitos não podem prejudicar, nem aproveitar a terceiros. Daí diz-se que, com 65 Art. 389. “Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária, segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado”. (Código Civil de 2002). 66 DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 38. 67 Art. 478. “Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”. Art. 479. “A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato”. Art. 480. “Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que sua prestação seja reduzida, ou alterado de modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva”. (Código Civil de 2002). 68 Art. 157. “Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta”. (Código Civil de 2002). 69 Art. 156. “Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assuma a obrigação excessivamente onerosa”. (Código Civil de 2002).
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relação a terceiros, o contrato é res inter aliios acta, aliis neque nocet neque potest,
ou seja, o contrato só obriga aqueles que tomaram parte em sua formação não
prejudicando e nem aproveitando a terceiros. Já que ninguém pode tornar-se
devedor ou credor sem sua plena aquiescência.70
Essa concepção, no entanto foi relativizada no Código Civil de 2002, que
inspirado no princípio da socialidade71, não concebe mais o contrato apenas como
instrumento da satisfação de finalidades egoísticas dos contratantes, mas lhe
reconhece um valor social, alinhado a um movimento da funcionalização dos direitos
subjetivos, ao qual se refere Judith Martins–Costa72. E nessa trilha ao fixar a função
social como limite da liberdade de contratual, não poderia deixar de admitir, por
conseguinte, a operatividade dos efeitos dos contratos sobre terceiros, no caso, a
“coletividade”73
Desse modo, não há como negar que o conceito da relatividade dos efeitos
dos contratos foi reestruturado pelo reconhecimento de seus efeitos a terceiros no
cumprimento da função social.
Assim como assevera Sílvio de Salvo Venosa:
Não deixamos de lado, contudo, a noção de que, sendo o contrato um bem tangível, tem ele repercussões reflexas, as quais, ainda que indiretamente, tocam terceiros, há outras vontades que podem ter participado da avença e não se isentam de determinados efeitos indiretos do contrato, como no caso do contrato firmado por representante. Também aquele que redige o
70 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direito dos contratos: seus princípios fundamentais sob a ótica do código civil de 2002. Op. Cit., p. 109. 71 REALE, Miguel. Visão geral do projeto de Código Civil, RT, 752:22 – 30, Jun. 1998. Ao tratar do princípio da socialidade no Novo Código Civil, enquanto ainda projeto, lembra que: “o sentido social” é uma das características mais marcantes do projeto, em contraste com o sentido individualista que condiciona o Código Civil de 1916 [...] fazendo prevalecer os valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor fundante da pessoa humana. Por outro lado, o projeto se distingue por maior aderência à realidade contemporânea, com a necessária revisão dos direitos e deveres dos cinco principais personagens do Direito Privado tradicional: o proprietário, o contratante, o pai de família e o testador”. 72 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 40-42. 73 Nesse sentido é o escólio de Roberto Senise Lisboa (Contratos difusos e coletivos, 2 ed. Ver. e ampl., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 99), in verbis: “O maior desenvolvimento, vislumbrando o contrato em sua função social, verificou-se com o princípio da relatividade dos efeitos, que ainda subsiste, porém de modo bem mais atenuado, ante o reconhecimento da oposição ao teor do liame jurídico firmado por terceiros interessados. As normas jurídicas de ordem pública passaram a ser interpretadas não apenas como protetoras de indivíduos isoladamente considerados, mas de categorias nas quais esses mesmos indivíduos poderiam vir a integrar: é o fenômeno da coletivização, com tutela do interesse geral de todos os contratantes”.
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contrato, ou aconselha a parte firmá-lo, pode vir a ser chamado por via reflexa para os efeitos do negócio”.74
Assim, nenhum direito é absoluto e o contrato pode excepcionalmente
produzir efeitos na esfera jurídica alheia, como é caso da estipulação em favor de
terceiro75. Desse modo, o conceito de relatividade dos efeitos dos contratos foi
reestruturado pelo reconhecimento de seus efeitos a terceiros no cumprimento da
função social. Não podemos deixar de lembrar que em relação ao aspecto interno do
contrato, ou seja em relação às partes, a assertiva do princípio continua em vigor.
2.4 PRINCÍPIO DA BOA-FÉ NOS CONTRATOS
A publicização76 do direito privado implicou, ademais, considerável
acentuação da importância do princípio da boa fé. Por essa via, pretende-se
emprestar conteúdo ético aos acordos de interesse privado, de tal modo que o
desenvolvimento das relações jurídicas, o exercício dos direitos e o cumprimento
das obrigações venham a se produzir conforme princípios de caráter geral.
A revalorização das relações humanas, com base no princípio constitucional
da dignidade pessoa humana, afastou o espírito individualista e pragmático que se
permitiu aflorar com o modelo clássico de contrato, e que encontrou terreno fértil no
sistema capitalista de produção, é que o Novo Código Civil se inspirou, propondo
essa renovação de princípios, mais especialmente, pela imposição de uma função
74 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Op. Cit., p. 378. 75 Art. 436. “O que estipula em favor de terceiro pode exigir o cumprimento da obrigação”. Parágrafo Único. “Ao terceiro, em favor de quem se estipulou a obrigação, também é permitido exigi-la, ficando, todavia, sujeito às condições e normas do contrato, se a ele anuir, e o estipulante não o inovar nos termos do art. 438”. (Código Civil de 2002). 76 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. Op. cit., p. 49. Para a autora, “A crise gerada pela conjugação do individualismo jurídico e o liberalismo econômico do século XIX e início do XX ensejou uma reformulação dos seus princípios basilares tendentes à maior “socialidade” e publicização do direito das obrigações: o princípio da autonomia da vontade, cedendo parte de seu espaço para o dirigismo contratual, buscava resgatar a igualdade das partes perdida com o fenômeno da massificação das relações contratuais; o princípio da obrigatoriedade foi amenizado para admitir a inexecução dos contratos pelo desequilíbrio contratual decorrente de acontecimento imprevisível e extraordinário; o princípio da relatividade dos efeitos foi remodelado por força do reconhecimento de uma função social dos contratos; e o princípio da intangibilidade foi relativizado para admitir a intervenção do Estado em certos casos de premente interesse social”.
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social aos contratos (art. 421)77 e a inclusão dos princípios da boa-fé e da probidade
na sua parte geral (art. 422)78.
Para Mônica Yoshizato Bierwagen:
De fato, é difícil, num só conceito, o que vem a ser o princípio da boa-fé, não só porque apresenta múltiplos sentidos, ora se relacionando à idéia de justiça que deve imperar sobre todo ordenamento jurídico ou sobre determinados ramos, auxiliando a interpretação de suas normas, ora como regra de conduta (boa-fé objetiva) ou como estado de espírito do sujeito (boa-fé subjetiva), mas principalmente porque cada um desses sentidos a sua noção deve ser construída a partir de critérios próprios, que não permitem a sua unificação num único conceito. Desse modo, desejável definir boa-fé, dada a sua amplitude e generalidade, certamente qualquer tentativa nesse sentido constituiria uma diminuição injustificável da riqueza de seu conteúdo.79
Já com relação à probidade, a mesma autora destaca:
[...] à probidade, quando entendida como ‘a honestidade de proceder ou a maneira criteriosa de cumprir todos os deveres, que são atribuídos ou cometidos à pessoa’, nada mais é senão um dos aspectos objetivos do principio da boa-fé. [...] Pode concluir, portanto, que, com relação à expressa menção do legislador ao principio da probidade, houve de sua parte mais uma intenção de reforçar a necessidade de atender ao aspecto objetivo da boa-fé do que o estabelecimento de um novo conceito.80
Podemos citar, que o Código Comercial de 1850, em seu art. 131 como
cânone hermenêutico da boa-fé contratual, mas esse texto jamais desempenhou
funções de cláusula geral, tendo pouca aplicação prática.
Podemos afirmar que esse princípio se estampa pelo dever das partes de
agir de forma correta antes, durante e depois do contrato. Isso porque, mesmo após
o cumprimento de um contrato, podem sobrar-lhes efeitos residuais.
Verifica-se que, desde o instante em que se iniciam as negociações para o
fechamento de um contrato, até o momento em que o mesmo é totalmente
concluído, exige-se das partes envolvidas que procedam com honradez, dignidade e
denodo. Não devem ser toleradas condutas eivadas de má-fé, que caracteriza o
ânimo doloso de quem age ilicitamente, sabendo que viola os direitos de terceiro e 77 Art. 421. “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. (Código Civil de 2002). 78 Art. 422. “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. (Código Civil de 2002). 79 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e Regras de Interpretação dos contratos no Novo Código Civil. Op. Cit., p. 50. 80 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e Regras de Interpretação dos contratos no Novo Código Civil. Op. Cit., p. 51.
28
transgride as disposições legais. Tampouco se admite a improbidade, que é o agir
com o espírito de emulação e a falta de ética no proceder.
Conforme Sílvio de Salvo Venosa,
Importa, pois, examinar o elemento subjetivo em cada contrato, ao lado da conduta objetiva das partes. A parte contratante pode estar já, de início, sem a intenção de cumprir o contrato, antes mesmo de sua elaboração. A vontade de descumprir pode ter surgido após o contrato. Pode ocorrer que a parte, posteriormente, veja-se em situação de impossibilidade de cumprimento. Cabe ao juiz examinar em cada caso, se o descumprimento decorre de boa ou má-fé. Ficam fora desse exame o caso fortuito e a força maior, que são examinados previamente, no raciocínio do julgador, e incidentalmente podem ter reflexos no descumprimento do contrato.81
Na análise do princípio da boa-fé e da probidade, dispostos na parte geral
dos contratos, afirmam sua importância e aplicabilidade sobre todo o sistema
contratual do Código Civil e justificam a necessidade de compreender o seu sentido
e alcance dogmático-formalista para um modelo ético-jurídico, ocasião em que faz
imperiosa mudança nos conceitos e fórmulas de longa data assentada.
Assim, de acordo com o princípio da boa-fé dos contratos, devem ser
examinadas as condições em que o contrato foi firmado, o nível sócio cultural dos
contratantes, seu momento histórico e econômico.
No próximo item vamos analisar a aplicação da boa-fé contratual objetiva e
subjetiva no Código Civil de 2002.
2.4.1 Boa-fé objetiva e boa-fé subjetiva
A boa-fé objetiva chegou tarde ao direito brasileiro. Só a partir de 1990, o
direito legislado passou a contemplá-lo como regra específica, e ainda assim no
domínio das relações de consumo.82
O principio da boa-fé objetiva possui tamanha amplitude que parte da
doutrina considera-o gênero, onde são espécies outros princípios como, por
exemplo, o do equilíbrio contratual e da função social do contrato. Não podemos
obliterar seu valor hoje preponderante em nosso ordenamento jurídico, vamos 81 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos. Op. Cit., p. 378. 82 O Código Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11- 9- 1990) a prevê no art. 4º, III, como um dos princípios da Política Nacional das Relações de Consumo, visando à “harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo” e no art. 51, IV, como critério de aferição de abusividade de cláusula contratual, cujo efeito é a nulidade.
29
analisá-lo separadamente. Em seu cerne estão valores éticos como lealdade,
correção e veracidade.
Leciona Miguel Reale:
Já a boa-fé objetiva se apresenta como uma experiência de lealdade, modelo objetivo de conduta, arquétipo social pelo qual impõe o poder-dever de que cada pessoa ajuste a própria conduta a esse arquétipo, obrando como obraria uma pessoa honesta, proba e leal.83
É um valor pertencente à solidariedade que deve existir entre os cidadãos,
ao respeito mútuo e cooperação. Deve ser observado desde a origem do contrato,
durante a sua execução e, inclusive, após seu término como limitação dos direitos.
Difere da boa-fé subjetiva, pois está é o estado da consciência do agente, a sua
intenção interna, que, desta maneira, está eivada de subjetivismo.
Estatui o artigo 42284 do Código Civil, como uma cláusula geral.
Há, portanto, ao lado dos vínculos criados pelo acordo de vontades, deveres
paralelos, que a moderna doutrina civilista chama de deveres acessórios aos que
foram expressamente pactuados.85
Percebe-se que o principio da boa-fé objetiva reflete uma verdadeira
socialização da teoria contratual, decorrente das mudanças sociais ocorridas,
buscando concretizar os deveres de igualdade e dignidade constitucionalmente
tutelados.
Neste contexto traçado pela Constituição de 1988, não restam dúvidas de
que estamos muito distantes daquele Estado abstencionista, fundado no
pressuposto ideológico de que a garantia do interesse individual pelo próprio
interessado através do exercício de sua autonomia privada é a força motriz do bem-
estar social. Ao contrário, no atual quadro constitucional, a atividade econômica
privada por excelência, está condicionada à realização de finalidades que importam
a coletividade, como seja a construção de uma sociedade livre, justa e solidária (art.
83 REALE, Miguel. A boa-fé objetiva. Est. de São Paulo, 16 de agosto. 2003, Espaço Aberto, p. A2. 84 Art. 422. “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé”. (Código Civil de 2002). 85 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado (parecer), RT 750/116.
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3º,I)86, que assegure “a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça
social” (art. 170, caput.)87.
A boa-fé subjetiva, presente no Código Civil de 1916 e também no Código
Civil de 2002, refere-se a aspectos internos dos sujeitos, ao estado de
desconhecimento ou compreensão equivocada acerca de determinado fato. Ao
contrário da boa-fé subjetiva (estado de espírito do agente frente à situação que
envolve fato ou o negócio jurídico), a boa-fé objetiva desliga-se completamente do
elemento vontade, para focalizar sua atenção na comparação entre a atitude tomada
e aquela que se poderia esperar de um homem médio, reticente do bom pai de
família e das pessoas jurídicas. O eixo de análise é deslocado. Enquanto na primeira
modalidade o reconhecimento do animus nocendi é vital, na segunda não importa.
Assim, Mônica Yoshizato Bierwagen, esclarece:
De fato, há certa imprecisão das regras de conduta enfaixadas pelo princípio, pois não é possível determinar, com absoluta exatidão, o que vem a ser um comportamento leal, honesto, sincero, reto. No entanto, essa imprecisão é necessária para que haja liberdade ao intérprete de estabelecer o seu sentido caso a caso, pois por este modelo objetivo de conduta levam-se em consideração os fatores concretos do caso, tais como o status pessoal e cultural dos envolvidos, não se admitindo uma aplicação mecânica, do tipo meramente subsuntivo, o que vem a significar que, na concreção da boa-fé objetiva, deve o intérprete desprender-se da pesquisa intencionada da parte, de nada importando, para a sua aplicação, a sua consciência individual no sentido de não estar lesionando direito de outrem ou violando regra jurídica. O que importa é a consideração de um padrão objetivo de conduta, verificável em certo tempo, em certo meio social ou profissional e em certo momento histórico. 88
Destarte, sobre a boa-fé objetiva não ser uma invenção na sistemática do
Código Civil de 2002, mas sim o seu reforço de cláusula geral, de forma a não
ensejar dúvidas de que os contratos hão ser negociados, concluídos e executados
com confiança, lealdade, honestidade e retidão e que tais comportamentos devem
ser interpretados caso a caso.
Isso nos leva à conclusão de que o contrato além de servir como meio de se
atingir o interesse pessoal de determinadas pessoas – com suas prerrogativas
86 Art. 3º. “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre e justa e solidária”. (Constituição Federal). 87 Art. 170. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios.”. (Constituição Federal). 88 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e Regras de Interpretação dos Contratos no Novo Código Civil. Op. Cit., 52 e 53.
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individuais, também está sujeito a uma intervenção tácita ou expressa do Estado na
tentativa de procurar atender as finalidades sociais, como também no cumprimento
do que estabelece o ordenamento jurídico.
No próximo item vamos analisar a boa-fé como principio geral do direito dos
contratos.
2.4.2 Boa-fé como Princípio Geral e Limitação ao Exercício de direitos e criação de deveres no Direito Contratual
No entender de Humberto Theodoro Júnior, não é apenas como fonte de
obrigação acessória que o direito contemporâneo introduz a boa-fé objetiva no
campo do direito dos contratos. O Código Civil de 2002, fiel ao projeto de seus
arquitetos de assentá-los sobre o princípio da eticidade, invoca a conduta ética dos
contratantes em três circunstâncias diferentes mais ideologicamente conexas.
Conforme o autor acima citado, o mesmo esclarece:
a) no art. 422, estabelece-se a obrigação acessória de agir segundo os princípios de probidade e boa-fé, independentemente da previsão dessa conduta nas cláusulas do contrato, das negociações preliminares, ou dos termos ajustados para s execução e para a responsabilidade pela prestação realizada (função integrativa da boa-fé objetiva)89;
b) no art. 113, estatui-se que “os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do costume de sua celebração” (função interpretativa da boa-fé objetiva); no sentido da referida norma,. Interpretar o contrato segundo a boa-fé quer dizer interpreta-lo “de forma leal e honesta, dirigindo a sua compreensão, também, pela idéia de conduta escorreita dos contratantes”90;
c) no art. 187, reprime-se, como ato ilícito, a conduta do titular de um direito, que, no exerce-lo, “excede manifestadamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (função
89 De outra parte, também entende Mônica Yoshizato Bierwagen que, “não é difícil conceber que a boa-fé igualmente pode funcionar como instrumento para suprimento de lacunas, desenvolvendo, assim, uma função integradora. Determina, nesse aspecto, obrigações que não foram explicitamente estabelecidas pelas partes, mas que decorrem daquelas dias legítimas expectativas que os contratantes nutrem em relação ao contrato. Assim, por exemplo, se um supermercado encomenda ovos de Páscoa mas deixa de fixar data para entrega, não poderá o fornecedor, sob alegação de que a não-designação de data permitia-lhe determinar a data de entrega, faze-lo após a festividade, tendo em vista que é de supor pelo dever de cooperação imposto pela boa-fé objetiva – que o comprador necessitaria dos ovos para vender em seu comércio naquela oportunidade” . (Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. Op. Cit., p. 55). 90 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. Op. Cit., p. 54.
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limitativa91 da boa-fé objetiva, como meio de controlar o exercício do direito em busca de impedir ou sancionar o abuso de direito)92. Sendo ato ilícito o abuso de direito, quando este se configurar, o princípio da boa-fé conduzirá à nulidade, total ou parcial do dano sofrido pela vítima.
Em todas essas diversas situações, contudo, a boa-fé objetiva cinge-se ao disciplinamento ético do comportamento dos contratantes, um em relação ao outro. Não se pode, a rigor, classificar o princípio sub examine como integrante da função social do contrato.93
Diante do exposto, podemos concluir que, aos contratantes cabe tanto nas
tratativas como na consumação e na execução, bem como na fase posterior do
contrato já cumprido, sujeitam-se aos ditames da boa-fé objetiva como pressuposto
da interpretação do negócio e da conduta negocial.
Não podemos nos esquecer da atividade do juiz na aplicação do direito ao
caso concreto, pois não encontrará apenas na norma legal o tipo normativo a
aplicar, mas terá que observar os usos e costumes locais para definir a licitude do
comportamento dos contratantes, e ainda definir o conteúdo da relação obrigacional.
Assim, podemos exemplificar que a boa-fé objetiva é propícia para aplicar-se
nos casos das declarações imprecisas ou nas lacunas. Nestes casos, o juiz terá de
interpretar a declaração de vontade das partes. Como o juiz não tem o poder de
substituir ou modificar o acordo de vontades formador de contrato, o que lhe cabe,
ao aplicar o princípio da boa-fé objetiva, é segundo Humberto Theodoro Júnior:
a) interpretar o contrato para preencher suas lacunas ou superar suas imprecisões, reconhecendo obrigações e direitos que seriam usuais nos negócios da espécie, segundo padrões observadas pelas pessoas corretas
91 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Chama a função limitativa da boa-fé de uma função controladora no exercício dos direitos dos contratantes, quando o seu ilimitado e irrestrito exercício possa negligenciar os deveres de lealdade e honestidade. Assim cita Judith Martins-Costa, onde exemplifica que há determinados comportamentos que, não obstante mostrarem lícitos, nem por isso se adaptam aos padrões éticos propostos pela boa-fé, como o adimplemento substancial do contrato, consistente no implemento de resolve-lo quando o seu cumprimento se encontra próximo do final, cabendo ao credor apenas pedir o adimplemento do faltante, além das perdas e danos. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. Op. Cit., p. 56). 92 A invocação da boa-fé objetiva serve para impedir o abuso de direito, isto é, serve para interditar o exercício do direito desviado de seu objetivo inicial, fixado pela lei ou pelo contrato. No direito alemão, “aquele que é vítima do exercício abusivo de um direito pode, em defesa, fazer valer o § 242 BGB, para evitar os inconvenientes e os efeitos nocivos desse exercício.”Humberto Theodoro Júnior. O contrato e a sua função social. Op. Cit., p. 23 (transcreve FERRAND, Fréderique. Droit prive allemand, Paris, Dalloz, 1997, nº 291, p. 306). 93 O Contrato e sua Função Social. Op. Cit., p. 21 a 23.
33
no meio social em que o negócio jurídico se aperfeiçoou;94 ou
b) negar efeito, no todo ou em parte, ao contrato, quando a boa-fé tiver sido evidentemente superada pela má-fé, pois a conduta imoral quando traduzida em convenção expressa é causa de nulidade do negócio jurídico, ou da cláusula negocial, quando esta puder ser destacada, sem prejuízo do restante da convenção95 (Código Civil, art. 166,II, 883 e 184)96.
Cabe observar que, quando o Código Civil, reprime o abuso de direito (art.
187)97, o qualifica como ato ilícito, e quando regula a lesão, a trata como vício de
invalidante do negócio jurídico (art. 171, II)98. Por isso, o abuso de direito é causa de
responsabilidade civil (art. 927)99 e motivo de nulidade do contrato ou de cláusula
contratual, por ilicitude de objeto (art. 166, II)100; e o efeito da lesão para a parte
prejudicada é o direito potestativo de promover a anulação do negócio jurídico
bilateral, cabendo o contratante que dela se beneficiou a faculdade de promover a
revisão da equação contratual, se tiver à intenção de manter o contrato (art. 158,
§2º)101.
Neste contexto percebe-se que a boa-fé objetiva inclui nas cláusulas gerais
dos contratos conceitos revolucionários e inimagináveis nas antigas teorias
94 Com a interpretação segundo a boa-fé procura-se definir justamente o conteúdo do acordo formado entre as partes, à luz de dados objetivos de valor ético: pesquisa-se a razoável expectativa ou confiança de uma parte sobre o acordado com a outra. Coisa diversa é a operação integrativa segundo a boa-fé. Então já se conhece o conteúdo do acordo, e o que se faz é agregar a esse conteúdo determinações de fonte legal, que possam completar ou superar o auto-regulamento contratual. O contrato e sua função social. Op. Cit., p. 28” (transcreve Cf. BIANCA, C. Massimo. Diritto civile. 2 ed. Ristampa, Milanom, Giuffrè, 2000, vol. III, nº 213, p. 425). 95 O contrato e sua função social. Op. Cit., p. 28. 96 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; Art. 833. O fiador tem direito aos juros do desembolso pela taxa estipulada na obrigação principal, e, não havendo taxa convencionada, aos juros legais da mora. Art. 184. Respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não o prejudicará na parte válida, se esta for separável; a invalidade da obrigação principal implica a das obrigações acessórias, mas a destas não induz a da obrigação principal. (Código Civil, Lei n. 10.406, de 10- 1- 2002). 97 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exerce-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. (Código Civil Lei n. 10.406/2002). 98 Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: [...] II – por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. (Código Civil Lei n. 10.406/2002). 99 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo. (Código Civil Lei n. 10.406/2002). 100 Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: [...] II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto. (Código Civil Lei n. 10.406/2002). 101 Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários como lesivos dos seus direitos. § 2º. Só os credores que já o eram ao tempo daqueles atos podem pleitear a anulação deles. (Código Civil Lei n. 10.406/2002).
34
contratuais, realçando a necessidade das partes envolvidas interagirem na busca da
finalidade do contrato com lealdade, probidade e honestidade. Abre, pois, um
enorme campo para a revisão judicial dos contratos, relegendo a segundo plano a
autonomia da vontade, pois, como cláusula geral do contrato, a boa-fé objetiva
busca alcançar o fim do contrato.
Contudo, não devemos negar de que a boa-fé negocial baliza a conduta que
deve ser seguida, de modo que um dos participantes do negócio jurídico, não deve
afastar-se da busca constante da realização contratual e da cooperação da outra
parte.
35
3 OS CONTRATOS SOB A NOVA PERSPECTIVA DA FUNÇÃO SOCIAL
3.1 BASES CONCEITUAIS DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
A novidade do tema trazido a debate pelo art. 421102 do atual Código Civil
brasileiro, busca definir as bases conceituais da função social do contrato, traçada,
normativamente, pela lei como limite da liberdade de contratar.
Durante séculos, muito se discutiu sobre a autonomia da vontade. A maioria
dos autores clássicos viam na consagração da vontade das partes e no
direcionamento de seus efeitos, a essência do negócio jurídico como gênero, e
especialmente, dos contratos, como espécie.
A partir da experiência das duas Grandes Guerras Mundiais, que se obteve
um importante golpe contra o individualismo exacerbado. Os juristas perceberam
que os problemas, provenientes das relações econômicas, não importavam apenas
às pessoas individualmente, mas também e fundamentalmente ao Estado e às
comunidades.
Percebeu-se que o princípio da igualdade de todos perante a lei restava
vazio, por apresentar-se apenas como uma igualdade formal, igualdade "no papel".
No campo material, as desigualdades sociais se mostravam cada vez mais gritantes
e profundas. A liberdade descomedida levou segmentos sociais mais carentes de
recursos, sem poder de barganha, a acentuados desníveis econômicos, por vezes
chegando à miséria.
Desta forma, começou-se a discutir um direito de cunho mais social, visando
à criação de regras que efetivamente protegessem a parte mais fraca da relação
contratual. Para que isso ocorresse era fundamental a existência de uma força
superior a de todos os indivíduos isoladamente, que veio a ser a força do Estado,
que passou a interferir nas relações privadas, com o intuito de proteger a parte mais
fraca, à parte hipossuficiente.
Seria a idéia de igualdade na dignidade social ou na liberdade para todos,
que faria com que o contrato, outrora concebido de maneira individualista, possa
passar a exercer na sociedade, uma função social.
102 “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato” dispõe o art. 421 do Código civil de 2002.
36
Ainda nessa linha, é a lição recente de Paulo Nalin, para quem “a
solidariedade (valor) e a boa-fé objetiva (princípio), o segundo fundado no primeiro,
se apresentam como âncora teórica segura para se descrever a função social do
contrato”103.
Para Paulo Nalin, na verdade, a função social manifestar-se-ia em dois
níveis: no intrínseco e no extrínseco. Ou seja: no seu perfil extrínseco (o contrato em
face da coletividade) rompe com o princípio clássico a relatividade dos efeitos.
Passa a teoria contratual a preocupar-se, também, com as repercussões do negócio
jurídico bilateral no largo campo das relações sociais104.
Já no seu aspecto intrínseco (o contrato visto como relação entre as partes
negociais), a função social estaria ligada à observância dos princípios da igualdade
material, eqüidade e boa-fé objetiva, por parte dos contratantes, todos decorrentes
da grande cláusula constitucional de solidariedade, sem que haja um imediato
questionamento acerca do princípio da relatividade dos contratos105.
Se por um lado à função social do contrato se cumpre quando garantida, no
aspecto individual dos contratantes, a preservação de seus direitos fundamentais de
liberdade e igualdade, o que não deixa de ser uma forma de prevalência do
interesse público sobre o privado, de outro, tal função social também depende do
atendimento a certos interesses que estão além das partes e que podem ser
afetados pelo contrato, os chamados “interesses sociais” 106.
Diante dessa realidade, todavia não podemos deixar de reconhecer o
fundamental papel do Sociologismo Jurídico na construção da Teoria da Função
Social do Direito, que procurava, basicamente, explicar e justificar o Direito a partir
do fato social, e não a partir do ordenamento jurídico vigente, entre as principais
poderia ser apontada corrente do Sociologismo Jurídico de Emile Durkhein, Leon
103 NALIN, Paulo. “A função social do contrato no futuro Código Civil Brasileiro”. Revista de Direito Privado. São Paulo. RT, Vol. 12, out/dez. p. 56. 104 NALIN, Paulo. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 226. 105 NALIN, Paulo. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Op. Cit., p. 226. 106 BIERWAGEN, Mônica Yoshizato. Princípios e regras de interpretação dos contratos no novo código civil. Op. Cit., p. 45.
37
Duguit107.
O Direito Contratual, neste sentir, tem seus fundamentos questionados sob
ângulo coletivo, não mais como algo cuja relevância diz respeito somente às partes,
pois assim, passa a desempenhar sua função social, também na esfera coletiva.
Na categoria de Direitos Sociais, assinala Celso Ribeiro Bastos108, “os
interesses dizem respeito ao homem socialmente vinculado e não ao homem
isoladamente considerado. Colhem, pois, o homem não como simples pessoa física
tomada à parte, mas sim como membro de grupos autônomos e juridicamente
definidos, tais como o associado de um sindicato, o membro da família, o
profissional vinculado a uma corporação. Interesses coletivos seriam, pois, os
interesses afectos a vários sujeitos não considerados individualmente, mas sim por
sua qualidade de membro de comunidade ou grupos intercalares, situados entre o
indivíduo e o Estado”.
No entanto, Paulo Nalin, entende que:
Para o contrato, no entanto, parece não se ajustar muito bem a concepção coletiva, especialmente se encarada do ponto de vista da relação jurídica de um direito subjetivo obrigacional do credor frente a um dever jurídico do devedor. Os atores da relação jurídica obrigacional são conhecidos, remontando esta ciência subjetiva ao princípio da relatividade dos efeitos do contrato.109
107 GOMES, Rogério Zuel. Teoria contratual contemporânea: função social do contrato e boa-fé. Rio de Janeiro. Forense, 2004, p. 77 a 82. “Tendo como ponto de partida a moderna teoria sociológica de Emile Durkheim, Leon Duguit tratou de fundamentar uma norma para que o Direito pudesse alcançar a sua finalidade. Esta norma tinha por base a solidariedade social, como valor supremo, de forma que não se poderia, sob qualquer justificativa, afrontá-la. O agir do ser humano, ao revés, deveria inclinar-se precipuamente à realização e ao desenvolvimento da solidariedade social. [...] Para Duguit, o direito subjetivo tinha concepção metafísica porque partia da captação da vontade humana e, sendo assim, carecia de parâmetro objetivo de analise. Ademais, restava manifesta a concepção individualista do instituto jurídico, o que não mais seria possível àquele tempo porque havia a necessidade de manutenção da estrutura social necessária, fulcrada na função social do Direito. È assim que surge a defesa da substituição do direito subjetivo por uma função, a social. [...] È inegável a contribuição da corrente do pensamento jurídico denominada Sociologismo Jurídico e, principalmente, ao trabalho de Duguit, para uma nova perspectiva do Direito e que, posteriormente, veio a se tornar útil, especialmente a partir da metade do século XX, quando passa a pesquisas as bases e os reflexos sociais da lei e da jurisprudência. Com base na Teoria da Divisão do Trabalho, de Durkheim, Duguit reconhece duas espécies de solidariedade: a mecânica, que se estabelece quando duas ou mais pessoas tendentes a um mesmo fim praticam os mesmos atos; e a orgânica, que se verifica quando indivíduos visam realizar determinados fins, para alcançar determinada meta, não praticam os mesmos atos, e sim atos distintos e complementares”. 108 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 18.ed. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 251 e 252. 109 NALIN, Paulo. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba. Juruá, 2001, p. 221.
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São amplas e, logo, imprecisas as bases conceituais da função social do
contrato, ora amarradas à cláusula geral de solidariedade, ora à quebra do
individualismo, tendo em vista a igualdade substancial, ora a tutela da confiança dos
interesses envolvidos e do equilíbrio das parcelas do contrato. Paulo Nalin, traz
algumas considerações sobre o tema onde:
A primeira consideração trazida por TEPEDINO, com base nas lições de PERLINGIERI, é a das mais relevantes. O contrato, como visto, também merece um novo desenho esquemático, gerando, aliás, um novo conceito, pois assim como a propriedade, o contrato (a atuação dos contratantes e os efeitos jurídicos pretendidos) somente pode ser merecedor de tutela se for cumpridor de uma função social.
Segundo aspecto a merecer destaque é o da ambigüidade entre o princípio proprietário, poder da empresa e do mercado, necessariamente revisto sob a ótica da funcionalização da propriedade. A ambigüidade fica por conta da aparente incompatibilidade entre os citados fluxos de interesses, originalmente inseridos num contexto de mercado individual que reclama, na atualidade, uma vocação menos egoística.
Em segunda consideração (“ambigüidade”), apresenta-se na medida em que a empresa e o mercado não são enfocados numa ótica também funcionalizada, e em contexto instrumental de conexão, entre eles o próprio contrato. Todos na realidade, fazem parte de um projeto constitucional, sendo inconcebível abordar assunto da funcionalização da propriedade sem indagar dos propósitos da empresa e do mercado, na planificação econômica e social imposta pela Constituição. Na atual visão da Carta de 1988, as riquezas individuais e a respectiva circulação encontram-se funcionalizadas como um todo, submetidas ao princípio solidarístico das relações jurídicas.110
Conclui dessa forma, o autor acima citado, que a solidariedade nas relações
jurídicas é o grande projeto e razão de ser que justifica a atribuição do status
contratante e propriedade a um determinado sujeito, onde, “O pensamento
sistemático predomina em todos os lances do envolvimento interpretativo: liberdade
contratual e propriedade não podem ser apreciadas sob distintas perspectivas, até
porque a titularidade jurídica é alcançada pelo transito dos interesses, do que se
reforça a idéia da ampla funcionalização social dos institutos a que compõem o
Direito Privado” 111.
Nessa linha de funcionalização social dos institutos jurídicos, observa-se
uma nova atribuição que não mais esta adstrita à questão da solução de conflitos, 110 NALIN, Paulo. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Curitiba: Juruá, 2001, p. 224 e 225. 111 NALIN, Paulo. Do contrato conceito pós-moderno: em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. Op. Cit., p. 229.
39
mas antes, voltada à organização da sociedade, de que é pressuposto uma
atividade afirmativa, promocional e distributiva, entre o direito e todos os demais
subsistemas sociais que, forçosamente, devem orientá-lo.
Para Paulo Nalin, funcionalizar, na perspectiva instituída pela Constituição
Federal de 1988, importa em
[...] oxigenar as bases (estruturas) fundamentais do Direito com elementos externos à sua própria ciência. Sociologia, Filosofia, Economia, Antropologia, Biologia, Psicanálise, História e especialmente a ética, acabam, neste prisma interdisciplinar, se revelando como instrumentos de análise do Direito em face de sua função, com o objetivo de atender às respostas da sociedade, em favor de uma ordem jurídica e social mais justa. É romper com a auto-suficiência do Direito, hermético em sua estrutura e tecnicismo, outrora mais preocupado com os aspectos formais das regras, do princípio e do instituto, que com sua eficácia social. Por isso, a função perseguida é social.112
Desta forma, a noção de função social do contrato convida o intérprete a
deixar de lado a leitura do Direito Civil sob a ótica clássica, e a buscar valores
sociais existenciais do homem, sempre tendo em vista a realização da dignidade da
pessoa humana. Neste contexto, a função social do contrato que torna o contrato um
fenômeno transcendente dos interesses dos contratantes individualmente
considerados.
De outra sorte, não podemos negar que a noção de função social do
contrato condiz com a de um preceito que se destina a integrar os contratos em uma
ordem social, visando impedir tanto aqueles que causam prejuízo à coletividade
quanto os que lesam pessoas determinadas.
Em busca dessa funcionalização em reconhecer e voltar-se à promoção dos
valores básicos do ordenamento, podemos destacar o dispositivo do art. 170113, logo
no caput, da Constituição Federal, que estabelece, como princípios fundamentais da
ordem econômica, o contrato como fundamental instrumento, a dignidade da pessoa
humana e a justiça social, presentes nos arts.1º, III e IV, bem assim no art. 3º, I,
consagrados como princípios e objetivos fundamentais da República (princípios da
dignidade e do solidarismo).
Nesse diapasão, Cláudio Luiz Bueno de Godoy, esclarece: 112 Do contrato conceito pós-moderno (em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional). Op. Cit., p. 217. 113 Art. 170. “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios”. (Constituição Federal).
40
Eis aí o contorno primeiro, genérico e básico da função social do contrato. Sua relevância está, antes de tudo, na promoção daqueles objetivos do Estado Social, na eficácia dos valores básicos do ordenamento, repita-se, o que em nossa Constituição, constitui preceito Express, a colocar a discussão Dora de qualquer contexto que não seja jurídico, que seja puramente ideológico e, por isso, necessariamente parcial114.
Assim, a admissão de uma função social significa que a confirmação
clássica do contrato, individualista e voluntarista, cede lugar a um novo modelo deste
instituto jurídico, voltado aos valores e princípios constitucionais de dignidade e livre
desenvolvimento da personalidade humana. Ainda segundo Antônio Junqueira de
Azevedo115, a função social integra o contrato numa ordem social harmônica,
solidarista, mercê do comando do art. 1º, IV116, da Constituição Federal, princípio do
solidarismo, como antes já citado.
E foi nesse contexto que se editou a Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002,
que consagra o novo Código Civil. Miguel Reale, que presidiu a comissão
elaboradora, em diversas ocasiões teve oportunidade de deixar claros os três
princípios cardeais sobre os quais se assentam as novas disposições, os princípios
da operatividade, da eticidade e da socialidade.
Assim, em seguida analisaremos os três princípios ora citados dando maior
ênfase ao princípio da socialidade.
3.1.1 Princípio da operatividade, da eticidade e da socialidade
No direito brasileiro, como já se advertiu acima, a função social significa que
a conformação clássica do contrato, individualista, cede lugar a um novo modelo,
voltado a realizar os princípios e valores constitucionais da dignidade da pessoa
humana.
114 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: de acordo com o novo código civil. São Paulo: Saraiva, 2004. (Coleção professor Agostinho Alvim/coordenação Renan Lotufo), p. 116. 115 Princípios do novo direito contratual e desregulamentação do mercado – Direito de exclusividade nas relações contratuais de fornecimento – Função social do contrato e responsabilidade aquiliana do terceiro que contribui para o inadimplemento contratual. São Paulo: RT, v. 750, abr.1998, p. 116. 116 Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (Constituição Federal).
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Através do princípio da operatividade procura-se a superação de
divergências teoréticas e formais, acerca dos institutos de direito, pela capacidade
de ser executado. Por outra, prefere-se, à vinculação da norma a um conceito por
vezes tecnicamente discutível, o seu tratamento de modo a, fugindo desse liame
teórico, permitir a sua mais fácil realização, no sentido de proporcionar sua
operalidade117.
Assim para Judith Martins-Costa:
Integrando o próprio conceito de contrato, a função social tem um peso específico, que é o de entender a eventual restrição à liberdade de contratual não mais como uma ‘exceção’ a um direito absoluto, mas como expressão da função metaindividual que integra aquele direito. Há, portanto, um valor operativo, regulador da disciplina contratual, que deve ser utilizado não apenas na interpretação dos contratos, mas, por igual, na integração e na concretização das normas contratuais particularmente consideradas. Em outras palavras, a da preposta pelo legislador, há de ser construída pelo julgador, a cada novo julgamento, cabendo relevantíssimo papel aos casos precedentes, que auxiliam a fixação da hipótese, e a doutrina, no apontamento de exemplos.118
Pode-se dizer que o Código Civil de 2002 se caracteriza “pela aderência aos
problemas concretos da sociedade brasileira”, “pela unidade sistemática”119
determinada pela parte geral, unificação lingüística e unidade valorativa, pelo sentido
da operatividade de que as normas se revestem, atendendo e buscando “aliar os
ensinamentos da doutrina e da jurisprudência ao direito vivido pelas diversas
categorias profissionais”120
Já pelo princípio da eticidade, a legislação busca constatar que nem tudo se
pode resolver por meio de preceitos normativos expressos, e tentar dessa forma
superar o dogmatismo latente e abrir o sistema para interferência de critérios éticos,
tais como: “eqüidade, justa causa e a boa-fé objetiva”121.
No art. 113122 a boa-fé é tratada como norma de interpretação dos negócios
jurídicos, que cria condições e legitimidade para que o Juiz em algumas situações,
117 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato (de acordo com o novo código civil). Op.Cit., p. 118. 118 MARTINS-COSTA, Judith, BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas do novo código civil brasileiro. Op. cit. p. 160. 119 REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 53. 120 REALE, Miguel. O projeto do novo Código Civil. Op. Cit., p. 53. 121 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato: de acordo com o novo Código Civil. Op. Cit. p., 118. 122 “Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração”. (Código Civil de 2002, art. 113).
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exercite uma interpretação integradora e preencha o vazio deixado pelas partes na
elaboração do contrato. Referente ao art. 187123 a boa-fé é utilizada como limite
interno do direito subjetivo, pois o direito que for exercido contra a boa-fé é
considerado abusivo e o ato é classificado como ilícito.
No que tange ao art. 422124, o dispositivo institui a função de ser uma norma
de conduta para os contratantes no processo obrigacional, também presentes nos
artigos (13, 122 e 187)125, que tratam dos bons costumes, onde conferem maior
poder ao Juiz para encontrar-se a solução mais justa ou eqüitativa.
Nesse sentido, o princípio da eticidade servirá para aumentar o poder do juiz
no suprimento de lacunas, nos casos de deficiências ou falta de ajusta da norma à
especificidade do caso concreto, conforme já verificado.
Para Gerson Luiz Carlos Branco:
A base ética do direito obrigacional é o princípio do equilíbrio econômico dos contratos, razão pela qual além das disposições expressas a respeito da boa-fé e dos bons costumes, há disposições que tratam do estado de perigo, lesão, resolução em razão de fatos imprevisíveis, necessidade de preservação do equilíbrio econômico etc.126
Quanto ao princípio da socialidade, importa destaca-lo, visto que é o que
aborda, justamente sobre a função social do contrato.
No entanto pela socialidade, procurou-se inserir a normatização civil um
novo paradigma de valores sociais, sem perder, no entanto, o valor fundante da
pessoa humana, que é afinal a origem e a finalidade da ordenação.
O instituto da função social do contrato, disposto no art. 421 do Código civil
de 2002. Por meio dela, retira-se o contrato da perspectiva individualista que lhe
reservava o Código Civil de 1916, de sorte a garantir que o ato de iniciativa das
partes contratantes seja recebido pelo ordenamento, que lhe dá eficácia, desde que, 123 “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (Código Civil de 2002, art. 187). 124 “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e boa-fé”. (Código Civil 2002, art. 422). 125 “Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes; Art. 122. São licitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico,ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes; Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. (Código Civil de 2002). 126 MARTINS-COSTA, Judith. BRANCO, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo. Saraiva, 2002, p. 64.
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tal qual venha a cumprir seu novo papel, e satisfaça também os propósitos e valores
que o sistema escolheu e protege, no interesse de todos, ou seja, no interesse
comum.
Tal dispositivo modifica substancialmente o próprio conceito de contrato e de
função social, pois de um mero limite da autonomia da vontade a função social é
recebida como razão determinante.
Podemos apontar que um dos motivos do sentido social do contrato resulta
do próprio art. 5º127 da Lei de Introdução ao Código Civil e também “constitui a
projeção, no específico domínio contratual, do valor constitucional expresso como
garantia fundamental dos indivíduos e da coletividade, que está no art. 5º, XXIII128,
da Constituição Federal, uma vez que o contrato tem outras funções, a de
instrumentalizar a aquisição da propriedade”.129
Cabe, no entanto, destacar que não faltam críticas a essa nova disposição
do Código Civil, onde para Cláudio Luiz Bueno de Godoy, especialmente quando
estabelece que a liberdade contratual será exercida em razão da função social do
contrato, expressiva, segundo se defende, da desconsideração de que, em rigor,
está-se ainda diante de um direito de liberdade, constitucionalmente garantido. O
mesmo autor cita que:
[...] a Jornada de Direito Civil, promovida, de 11 a 13 de setembro de 2002, no Superior Tribunal de Justiça, enunciado segundo o qual “a função social do contrato prevista no art. 421 do novo Código Civil não elimina o princípio da autonomia contratual, mas atenua ou reduz o alcance desse princípio, quando presentes estejam interesses metaindividuais ou interesse individual relativo à dignidade da pessoa humana”. E mais, no mesmo sentido inseriu-se, na proposta legislativa já de alteração do novo Código Civil, formulada pelo relator do projeto na Câmara, Deputado Ricardo Fiúza, sugestão de modificação na redação do art. 421, para, suprimir a expressão “[...] em razão da...”, persistindo apenas a dicção de que “a liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato” (Projeto n. 6.960, de 12-6-2002).130
127 “Na aplicação da lei, o juiz atentará aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. (Lei de Introdução do Código Civil Brasileiro, Decreto – Lei n. 4.657, de 4 de setembro de 1942, art. 5º). 128 “– a propriedade atenderá a sua função social”. (Constituição Federal de 1988, inciso XXIII, art. 5º). 129 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. Sistemas e tópicos no processo obrigacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 351. 130 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato: de acordo com o novo Código Civil. Op. Cit., p. 120.
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Outra questão, é que a função social do contrato não é simplesmente um
limite negativo à liberdade contratual, mas vem asseverar um papel afirmativo,
positivo, de fomento de escolhas valorativas do sistema. Isto quer dizer, conforme
Cláudio Luiz Bueno de Godoy131, que quando o art. 421 estabelece que a liberdade
de contratar será exercida em razão da função social do contrato, isto reflete a
admissão de que a fonte normativa do ajuste, não mais ou tão somente esta na
força do princípio da autonomia da vontade. Surge, portanto, a promoção de valores
básicos da ordem jurídica do direito objetivo, em limitar a liberdade natural, em uma
efetiva liberdade social.
Em outras palavras, não adianta garantir a liberdade contratual, se não
estiver garantida no ordenamento jurídico, onde será o sistema que reconhecerá o
mérito social àquele contrato.
Lembra, mais, Judith Martins-Costa132, com base na observação que, nesse
sentido, a função social do contrato representa, verdadeiramente, uma projeção da
própria função social da propriedade. O próprio conceito de autonomia privada se
desenvolveu em estreita ligação com a afirmação da propriedade privada e do poder
de disposição que ela encerra, operada pela faculdade que ao titular se reconhece,
então, de produzir efeitos jurídicos transmissivos do domínio. Para a autora, falar em
autonomia privada, hoje, só se faz em um sistema mediante o qual se garanta a
aquisição privada de bens e serviços.
Portanto, de forma resumida, o princípio do solidarismo ostenta um primeiro
contorno que vale para quaisquer das relações jurídicas, paritárias ou não, de,
justamente, preservar uma substancial igualdade entre as partes, garantindo que
suas contratações sejam justas e, mais, marcadas pelo padrão e exigência de
colaboração entre os contratantes, assim socialmente úteis, enquanto base de
escolhas valorativas do sistema. De outra parte, significa também a promoção da
justiça distributiva, quando fomenta o acesso a bens e serviços, intrinsecamente
desiguais, ou ainda, promover a dignidade humana e o solidarismo nas relações
contratuais.
131 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função Social do Contrato: de acordo com o novo Código Civil. Op. Cit., p.120. 132 MARTINS-COSTA, Judith. Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2002, p.157.
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Antes de analisar as funções do contrato, sob análise de sua função social,
cremos ser interessante um breve estudo para verificar se a função social trata-se de
uma cláusula geral ou um princípio.
3.2 NATUREZA JURIDICA DO INSTITUTO DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO
Os contratos estão presentes em quase todas as relações humanas. É um
fenômeno inerente à vida em sociedade, pois o homem celebra contratos a todo o
momento, desde quando acorda até a hora de dormir. Por isso, não mais se
concebe uma sociedade, nas bases em que foi estabelecida, sem a existência dos
contratos.
Cumpre, no entanto, analisar qual a natureza jurídica do instituto da função
social do contrato. Assim, vamos delimitar o uso do sentido da expressão “princípio”
para designar ou caracterizar a função social do contrato, até em face da enorme
discussão do termo. Incumbe, também, diferenciar o princípio da chamada cláusula
geral, para, depois, concluir se a função social no caso, é de fato um princípio, uma
cláusula geral, ou se ambos os conceitos se equivalem.
Conforme acentua Luís Roberto Barroso133, os princípios, ao contrário das
regras, tidas como “comandos de definição”, são sempre “comandos de otimização”
do sistema, que lhe dão unidade e coerência, tendendo a realizar-se sempre de
forma mais ampla possível.
Antes de continuarmos a exposição, é oportuno o conceito de princípio
delineado por Celso Antônio Bandeira em função de sua magnitude de seu
conteúdo, o qual revela de forma bastante precisa esse instituto jurídico, importante
para a consolidação dos valores constitucionais, segundo o qual:
Princípio é, por definição, mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo Violar um princípio é mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório mas a todo o sistema
133 BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2001, p. 358.
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de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de estrutura mestra.134
E, por isso, para o mesmo autor, “violar um princípio é muito mais grave que
transgredir uma norma qualquer”.
Outra importante classificação de princípios é a de Ronald Dworkin135. Alude
aos princípios como standards ou pautas que não se confundem com as regras
propriamente ditas, em si de menor peso e com mais específica hipótese de
incidência.
O primeiro ponto a ser realçado sobre princípio, diz respeito à diferença do
termo princípio jurídico e princípio geral do direito. A propósito, segundo Eros
Roberto Grau, a asserção de que os princípios gerais são “proposições descritivas (e
não normativas), através das quais os juristas referem, de maneira sintética, o
conteúdo e as grandes tendências do direito positivo”136, muito embora, possam eles
positivar-se, quando formulados pela jurisprudência para solução de casos
concretos, mercê do comando do art. 4º da Lei da Introdução ao Código Civil, e a
tais princípios gerais se refere o dispositivo, segundo o mesmo autor, mas sempre
com recurso ao direito posto, em que eles, os princípios gerais, se encontram em
estado de latência.
Para Judith Martins-Costa137, os princípios expressos, ou seja,
explicitamente consignados em formulação constitucional ou legal, deferem
daqueles princípios inexpressos ou implícitos, que são, “a vista da racionalidade de
um sistema, da natureza de certa instituição, ou do conjunto normativo aplicável a
certo campo, elaborados, construídos ou formulados pelo intérprete”. Ressalta ainda,
à autora que, atualmente, admite-se tranqüilo o entendimento de que os princípios
inexpressos não são mais só aqueles retirados, abstratamente, de regras
particulares expressas, mas também os que, por dicção judicial, são diretamente
formulados no caso concreto, recolhido do ordenamento, sem que, num ou noutro
134 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo, 8.ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 545-546. 135 DWORKIN, Ronald. Los derechos em serio, tradução de Marta Guastavino. Barcelona: Ariel, 1990, p. 72-73. 136 GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1998. 6.ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 79. 137 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. Sistemas e tópicos no processo obrigacional. Op.Cit., p. 319-320.
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caso, se lhes reconheça diversa essência, sempre de fundamento justificativo no e
do sistema.
Diante do exposto, podemos dizer que os princípios, em rigor, podem vir
explícitos ou implícitos no ordenamento, sem que, necessariamente por isso,
induzam diversa conceituação ou natureza e sem que, pelo fato da implicitude, a
estes últimos se reconheça mancar efetividade de norma, quando levados, pela
jurisprudência, à solução do caso, afora sua inspiração à edição de outros princípios
ou regras.
Cabe, no entanto, ressaltar que a função social do contrato acaba
consubstanciada, em rigor, tanto num princípio expresso, pela nova redação do
Código Civil, extraído do texto inequívoco da Constituição Federal, como num
princípio implícito, inferindo um sentido solidarista que marca a Carta Maior,
presentes nos artigos (1º, 3º e 170)138 da Constituição.
Podemos dizer, então que a função social do contrato, hoje, e desde a
passagem do Estado Liberal para o Estado Social, que se valoriza o interesse social,
ao lado do interesse de cada qual dos indivíduos, seja um princípio jurídico,
daqueles que dão fundamento não só à ordem econômica, no Brasil (art. 170 da
CF), como ainda a própria estruturação da República, assentada sobre o valor social
da livre iniciativa (art. 1º, IV, da CF); mas também, e antes, integra os próprios
objetivos constitucionais (arts. 1º, III, e 3º, I da CF) de estabelecimento de relações
solidárias e de valorização da pessoa humana no trato entre os indivíduos.
Desse diapasão, podemos dizer que a Constituição deixou há muito de
representar mero programa político, que envolve apenas questões de natureza
política, para, mercê do reconhecimento de um valor próprio e intrínseco, uma força
motivadora e ordenadora da vida do Estado e das pessoas, ostentar uma incidência
normativa, visto nela envolvidas questões realmente jurídicas.139
138 “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o pluralismo político”. (art. 1º da CF). “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;” (art. 3º da CF). “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios [...]”. (art. 170 da CF). 139 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: de acordo com o novo Código Civil. Op. Cit., p. 103.
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Assim, Pietro Perlingieri140, em especial a propósito dos princípios
constitucionais, a sua incidência às relações privadas, com eficácia normativa direta,
obedece a uma razão de verdadeira lógica substancial, se afinal se constata que na
Constituição está a tábua axiológica que garante unidade ao sistema e, mais, a fonte
jurídica hierarquicamente suprema. Para o autor, “a normativa constitucional não
deve ser considerada sempre e somente como uma regra hermenêutica, mas
também como norma de comportamento, idônea a incidir sobre conteúdo das
relações entre situações subjetivas, funcionalizando-as aos novos valores”141.
Ana Paula de Barcello142, examinando com profundidade a questão da
normatividade e a eficácia dos princípios constitucionais, esclarece que serviriam a
determinar que regras ou atos normativos fossem interpretados de acordo com o
sentido (eficácia interpretativa), a impedir que regras ou atos em geral fossem
praticados em afronta aos propósitos por eles perseguidos (eficácia negativa) e a
obstar, por inconstitucionalidade, que normas infraconstitucionais, que tornam
efetivos direitos fundamentais expressos em princípios, fossem revogadas legando-
se um vazio em seu lugar.
Na observação de Pietro Perlingieri, a aplicação dos preceitos
constitucionais de forma indireta “sempre acontecerá quando existir na legislação
ordinária uma normativa legislativa específica, ou cláusulas gerais ou princípios
expressos”143. Com efeito, é o que ocorre com a redação do art. 421 do Código Civil,
que, destarte, consagrando, de maneira explícita, a função social do contrato, serve
a tornar normativo e efetivo, no nível da legislação ordinária, o que, em rigor, já era
um princípio constitucional.144
Após todos essas considerações, cabe agora analisar se a consagração
expressa da função social do contrato145, remanesce sendo um princípio, ou se, ao
contrário uma cláusula geral, ou se em última análise, pode ser identificado como um
princípio e uma cláusula geral simultaneamente.
140 Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 9-12. 141 Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Tradução de Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 12. 142 A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar. 2002, p. 80-83. 143 Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional. Op. Cit., p. 11-12. 144 AMARAL, Francisco. Direito Civil: introdução. 3.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 93. 145 Art. 421. “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. (Código Civil de 2002).
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Cumpre antes de alguma distinção, que se identifique um e outro conceito.
Explica Gustavo Tepedino, que as cláusulas gerais são:
[...] normas que não prescrevem uma certa conduta, mas, simplesmente, definem valores e parâmetros hermenêuticos. Servem assim como ponto de referência interpretativo e oferecem ao intérprete os critérios axiológicos e os limites para a aplicação das demais disposições normativas.146
Para Tepedino, é com remissão aos valores constitucionais que se pode dar
um sentido uniforme às cláusulas gerais, já que, pela principiologia constitucional
assumiu, em nosso tempo, “o papel de reunificação do direito privado, diante da
pluralidade de fontes normativas e da progressiva perda de centralidade
interpretativa do Código Civil de 1916”147
Para Karl Engish148, a característica central da chamada cláusula geral está
no domínio da técnica legislativa, oposta àquela casuística, de antevisão e
descrição, pelo legislador, da hipótese fática, muito embora reconheça que ambas
não se excluem, como nos casos de modelos legislativos em que se usa a técnica
da descrição exemplificativa, agregada a um conceito genérico (o autor se refere, a
propósito, texto penal tedesco projetado, a respeito da lesão corporal, em que a uma
cláusula geral – “se a vítima é gravemente lesada no seu corpo ou na sua saúde” –
se acrescenta uma enumeração casuística – “especialmente se ela fica
consideravelmente mutilada, ou fica para sempre consideravelmente desfigurada, ou
gravemente prejudicada no uso de seu corpo, dos seus sentidos, das suas
faculdades mentais ou de sua capacidade de trabalho [...]”; seria a hipótese,
igualmente, no direito penal brasileiro, de disposição como a do art. 147, que tipifica
a ameaça como sendo aquela feita a alguém por palavra, escrito ou gesto –
espécies descritivas – ou por qualquer outro meio simbólico). Mas, de qualquer
forma, é essa generalidade, ainda segundo Engish149, que dá modalidade ao
sistema e permite que à cláusula geral se amolde a um vasto grupo de situações,
mercê da atuação judicial integradora150.
146 TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e direitos da personalidade. Revista Jurídica, vol. 309, p. 12, julho de 2003. 147 TEPEDINO, Gustavo. Cidadania e direitos da personalidade. Revista Jurídica, vol. 309, p. 13, julho de 2003. 148 ENGISH, Karl. Introdução ao pensamento jurídico. Tradução de J. Baptista Machado. 7.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 231-233. 149 Introdução ao pensamento jurídico. Op. Cit. p. 231-233. 150 Vale, a respeito, observar que nem sempre se admite sinonímia entre o que se chama de cláusula geral e sistema móvel. Por exemplo, para Claus-Wilhelm Canaris, o sistema móvel representa um
50
Em síntese, observa Judith Martins-Costa que a cláusula geral:
[...] constitui uma disposição normativa que utiliza, no seu enunciado, uma linguagem de tessitura intencionalmente aberta, fluida ou vaga, caracterizando-se pela ampla extensão do seu campo semântico. Essa disposição é dirigida ao juiz de modo a conferir-lhe um mandamento (ou competência) para que, à vista dos casos concretos, crie, complemente ou desenvolva normas jurídicas151.
Vale acrescentar, ainda que na mesma lição, significa a imposição de um
reenvio do operador, determinado pela norma, e para a complementação de seu
significado, a critério não definidos no enunciado da cláusula geral, como estaria
descrito em regra do tipo casuístico. Judith Martins-Costa, por exemplo considera
que as cláusulas gerais são
[...] completadas mediante referência a regras extrajurídicas. A sua concretização exige que o juiz seja reenviado a modelos de comportamento e pautas de valoração que não estão descritos nem na própria cláusula geral, por vezes, no próprio ordenamento jurídico, podendo ainda o juiz ser direcionado pela cláusula geral a formar normas de decisão, vinculados à concretização de um valor, de uma diretiva ou de um padrão social, assim reconhecido como arquétipo exemplar da experiência social concreta152.
Em idêntico sentido, Clóvis do Couto e Silva, que “as máximas, que
penetram pela cláusula geral no corpo do direito público e privado encontram-se em
certos princípios constitucionais, nas concepções culturais claramente definidas e
susceptíveis de serem objetivadas, na natureza das coisas e na doutrina e julgados
acolhidos”153. Assim diante de uma cláusula geral, não se permite ao julgador
apenas justificar a criação da regra do caso concreto pelo o que ele considera justo,
a pretexto de que a tanto autorizado pelo reenvio de critérios extrajurídicos,
puramente éticos ou morais, como se eles se desenvolvessem à margem do direito.
passo intermediário entre normas rígidas e a cláusula geral, essa a pressupor um preenchimento valorativo sem prévio estabelecimento de por quais critérios, o que ocorria no sistema móvel (Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do direito. Tradução de A. Menezes Cordeiro. 2.ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1996, p. 141-148). 151 O direito privado como sistema em construção: as cláusulas gerais no projeto de Código Civil brasileiro. São Paulo. RT. nº 753, p. 25-48, jul. 1988, p. 28. 152 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado. Sistemas e tópicos no processo obrigacional. Op.Cit. p. 329. 153 SILVA E SILVA, Clóvis V. do. A obrigação como processo. São Paulo: Bushatsky. 1976, p. 28.
51
Acentua Menezes Cordeiro, que as cláusulas gerais constituem uma
categoria formal a que inerente “a inviabilidade de surpreendê-las com recurso a
factores materiais, descobrindo, nelas, remissões extrajurídicas” 154.
No entendimento de Judith Martins-Costa155, a cláusula geral, e aí o ponto a
ser realçado, pode (ou não, como exemplo, citado pela mesma autora, do art. 7º 156
do Código de Defesa do Consumidor) conter um princípio; pode em outras palavras,
promover o reenvio a um princípio ou ao valor que ele contempla, como, em outro
exemplo da jurista, ocorre com a cláusula geral da boa-fé e, acrescenta-se, com a
função social do contrato.
Neste sentido, pode-se dizer que a função social do contrato seja, ao mesmo
tempo, tal como redigida no Código Civil, uma cláusula geral, do tipo restritivo (no
caso da liberdade contratual) e regulativo (integrado o próprio conceito de
contrato)157, assim como observa Judith Martins-Costa158, e a respeito da função
social, valendo-se, a propósito, da tipologia das cláusulas gerais elaborada por
Menezes Cordeiro159 é também um princípio. Isso porque, “enquanto forma
legislativa impregnada de deliberada fluidez, a presente cláusula geral reenvia ao
juiz a um princípio haurindo do próprio ordenamento” 160.
De acordo com Pietro Perlingieri, mesmo na atividade de interpretação da
lei, que se reconhece não fazer de forma mecânica e literal, a criatividade
desempenhada pelo juiz para atualizar e compatibilizar a norma com o caso
concreto e o momento de sua aplicação não lhe dá uma liberdade que possa
154 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manoel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984. v. 2, p. 1183. Cabe lembrar que o autor quando trata especificamente da boa-fé, no sentido de que mesmo no nível pré-decisório, portanto não só no momento da decisão, quando as referências são sempre controláveis em termos de direito, a remissão que a cláusula geral induz não o é à moral ou a ordenamento similares, malgrado não lhes negue influência nos espaços jurídicos e mesmo na argumentação jurisdicional, ainda que também aí, a seu viso, predominem, na sua denominação, lugares jurídicos (p. 1169-1175). 155 A boa-fé no direito privado. Op. Cit. , p. 323-324. 156 “Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade.” (Lei nº 8.078, de 11 se setembro de 1990, art. 7º, CDC). 157 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva. 2004. p. 108. 158 A boa-fé no direito privado. Op. Cit., p. 353. 159 MENEZES CORDEIRO, Antônio Manoel da Rocha e. Da boa-fé no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984. v. 2, p. 1184. 160 GODOY, Cláudio Luiz Bueno de. Função social do contrato: de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 109.
52
significar a abertura para o arbítrio e a aventura, pois, a interpretação é também uma
atividade vinculada, controlada e responsável.161
3.3 FUNÇÕES DOS CONTRATOS
3.3.1 Função econômica dos contratos
No que tange as funções do contrato, três são as principais: uma econômica,
na medida em que se representa um instrumento de circulação de riquezas e difusão
de bens; outra regulatória, enquanto enfaixa direitos e obrigações voluntariamente
assumidas pelas partes; e, por fim, social, considerando que seu exercício dirigiu-se
para a satisfação de interesses sociais162.
O contrato é imprescindível instrumento para a realização dos negócios, pois
sem ele a sociedade não existiria163. Afinal o modelo de produção capitalista, o
contrato é o instrumento de circulação de riquezas, altamente privilegiado nesta
ordem econômica.
No mesmo sentido, Paulo Nalin entende que o contrato é instrumento que
movimenta a economia de mercado, e tem efetivamente uma função econômica
circulatória. As riquezas, privadas ou não, são movimentadas por relações jurídicas
subjetivas de crédito, havendo por parte de seus titulares interesses econômicos não
excluídos pelo ordenamento jurídico. O lucro, de modo geral, não é vedado em
nosso sistema, sendo até regulamentado,164 nas relações interprivadas.165
Dependo o homem da cooperação recíproca de seus semelhantes para
sobreviver, e sendo tal cooperação instrumentalizada basicamente pelo contrato, é
161 PERLINGIERI, Pietro. Perfis do direito Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, nº 58, p. 81. 162 BIERWAGIEN, Mônica Yoshizato. Principios e regras de interpretação dos contratos no novo Código Civil. Op. Cit. p. 41. 163 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições do direito civil. 8ª ed., Rio de Janeiro: Forense. 1990, v. III, p. 9. Para o autor: “O mundo moderno é o mundo contrato. E a vida moderna o é também, e em tão alta escala que, se fizesse abstração por um momento do fenômeno contratual na civilização de nosso tempo, a conseqüência seria a estagnação da vida social. O homo aeconomicus estancaria as suas atividades. É o contrato que proporciona a subsistência de toda gente. Sem ele, a vida individual regrediria, a atividade do homem limitar-se-ia aos momentos primários”. 164 “Art. 406. Quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.” (Código Civil de 2002). 165 Do Contrato: Conceito Pós – Moderno... . op. Cit. p. 223-224.
53
de notar sobre a imprescindibilidade desse instituto econômico para a organização
da sociedade, no que diz respeito ao acesso dos bens da vida.166
A função econômica se insere no âmbito da livre iniciativa, esta surge
legalizada, se cumprida a explícita função social da dignificação dos sujeitos
contratantes. Dentro dos limites da ordem pública, a autonomia da vontade reinaria
absoluta. Depois viram os anseios socais e éticos, a exigir dos contratantes um
comportamento que levasse em conta não apenas a liberdade de contratar, mas que
sujeitasse também a valores outros como os preconizados pelo princípio da boa-fé e
probidade. Desse modo, atribuindo ao contrato por último uma função social.
Nessa nova contextualização, todavia, não se pode esquecer a
imperiosidade de se examinar o direito contratual à vista dos dados econômicos, já
que o contrato é também um instrumento de jurisdicização dos comportamentos e
das relações humanas no campo das atividades econômicas, isto é, das atividades
de riqueza.
Devemos nos lembrar que a função social que se atribui ao contrato não
pode ignorar sua função primária e natural, que é a econômica. Como bem lembra
Humberto Theodoro Júnior, “ao contrato cabe uma função social, mas não uma
função de assistência social”167.
No mesmo sentido, entende Arnoldo Wald e Arruda Alvim:
É preciso que a função social do contrato não deve ser interpretada como proteção especial do legislador em relação à parte economicamente mais fraca. Significa a manutenção do equilíbrio contratual e atendimento dos interesses superiores da sociedade, que, em, determinados casos, podem não coincidir com os do contratante que aderiu ao contrato e que, assim, não exerceu plenamente a sua liberdade contratual 168.
Assim, o instituto é econômico e tem fins econômicos a realizar, que não
166 “O contrato, veste jurídica das operações de circulação de riquezas, tem, inegavelmente, função social, assim como a disciplina das obrigações, pois não devemos esquecer, no exame das projeções da diretriz da socialidade, a estrutura sistemática do Código” (MARTINS-COSTA, Judith, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas. Op. Cit. p. 158). 167 O Contrato e sua Função Social. Op. Cit. p. 100. 168 WALD, Arnoldo. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil. ALVIM, Arruda, et. Al. Aspectos controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: RT. 2003, p. 72.
54
podem ser ignorados pela lei e muito menos pelo aplicador da lei, 169 mas, não
podemos olvidar, que a liberdade de contratar deve-se comportar dentro da função
social do contrato.
Nessa perspectiva, a função social é um “plus que se acrescenta à função
econômica” 170. Não poderá ocupar o lugar da função econômica no domínio do
contrato. O contrato pode ser invalidado por ofensa aos limites da função social. Não
pode, entretanto, ser transformado pela sentença, contra os termos da avença e ao
arrepio da vontade negocial, em instrumento de assistência social, como antes já
citado.
Para Cesar Luiz Pasold citado por Eduardo Sens dos Santos, onde “à
função social compete servir como grande estímulo ao progresso material, mas,
sobretudo à valorização crescente do ser humano, num quadro em que o Homem
exercita sua criatividade para crescer como indivíduo e com a sociedade”.171 Em
suma para o autor, a função social e função econômica do contrato são coisas
distintas. Uma não substitui nem anula a outra. Devem coexistir harmonicamente.
Por outro lado, a função social não pode ser interpretada como meio de
destruir a função natural do contrato. Como observa Arruda Alvim, onde a função
social contrato vem a ser “um valor justificativo da existência do contrato, tal como a
sociedade enxerga no contrato um instituto bom para a sociedade; mas é preciso
atentar e não vislumbrar nessa função social, lendo-a de tal forma que viesse a
destruir a própria razão de ser do contrato, em si mesma”.
Quer isto dizer, ainda na visão de Arruda Alvim que:
Um contrato, no fundo apesar das exceções ao princípio do pacta sunt servanda, é uma manifestação de vontade que deve levar a determinados resultados práticos, resultados práticos esses que são representativos da vontade de ambos os contratantes, tais como declaradas e que se
169 Por isso adverte, com propriedade, JUDITH MARTINS-COSTA que, na transposição da idéia de solidariedade e cooperação entre os contratantes, do campo da sociologia para o da dogmática, do direito das obrigações, é preciso cuidado “pois o correto tratamento da dogmática obrigacional exige o domínio da terminologia técnica”. Segundo sua lição, “a expressão dever de cooperação nem de longe está relacionada a um vago sentimento de eqüidade nem a um imaginário dever de ser altruísta”. Socorrendo-se do ensinamento de MARCOS DE CAMPOS LUDWIG, conclui: “A teoria germânica dos deveres acessórios ou laterais, conforme trabalhada por COUTO E SILVA, realmente não prevê um dever de ser altruísta [...], mas isto sim, amplos efeitos de um dever geral de não lesar a outrem, com arrimo no princípio da boa-fé objetiva” (MARTINS-COSTA, Judith. Comentários ao Novo Código Civil. Rio de Janeiro. Forense. 2003, vol. V, t. II, p. 25, nota 73) 170 JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Contrato e sua Função Social. Op. Cit. p. 101. 171 PASOLD, César Luiz. Função social do Estado contemporâneo. Florianópolis: 1984, p. 58, apud SANTOS, Eduardo Sens dos. A função social do contrato – Elementos para uma conceituação. Revista de Direito Privado. São Paulo. RT, vol. 13, jan./mar., 2003, p. 10.
55
conjugam e se expressam na parte dispositiva do contrato. Nunca se poderia interpretar o valor da função social como valor destrutivo do instituto do contrato.172
Embora seja inegável a submissão do contrato a uma nova roupagem
principiológica, para adapta-la às exigências da visão social contemporânea, dando
realce à ética e à justiça e conforme destaca Arnoldo Wald, “uma evolução
necessária e justa, ela deve ser temperada pelo atendimento dos direitos dos
contratantes e da segurança jurídica”.173 Diante desse quadro, devemos conciliar os
interesses das partes com os da sociedade, mas, a par do resguardo da função
social, é necessário lembrar que os direitos individuais e garantias inseridos no
contrato se beneficiam das garantias expressas na Constituição ao ato jurídico
perfeito e ao direito adquirido (art. 5º, XXXVI)174 e contam com a proteção do devido
processo legal substantivo (art. 5º, LIV)175. Ou seja, em virtude disso, ninguém será
privado de seus bens e dos seus direitos adquiridos, sem o devido processo legal
em nome da função social.
Então, para o controle de aplicação e adequação do contrato na sistemática
atual do Código Civil devemos nos ater:
[...] aos parâmetros da eticidade (boa-fé objetiva) e socialidade (função social do contrato), fora da disciplina especial das relações de consumo, não devem ser arbitrariamente aplicados para revisão e invalidação dos negócios jurídicos, sem se ater aos mecanismos que a lei institui para regular as nulidades, os vícios de consentimento e os casos específicos de ineficácia e rescisão, assim como os de revisão contratual, dentro da disciplina traçada pelo Código Civil. Os novos princípios éticos e sociais deverão influir sobretudo, no reconhecimento leal e transparente exigível na formação, interpretação e execução dos contratos, que se impõem independentemente de previsão em cláusula negocial, como exigência ex lege. Nesse sentido, sua infringência não acarreta nulidade ou anulabilidade, mas sim responsabilidade civil.176
Podemos concluir que, o contrato é instrumento importante na sociedade
para promover a circulação de bens e serviços, fruto do liberalismo e do
172 ALVIM, arruda. A função social dos contratos no Novo Código Civil. in PASINI, Nelson. LAMERA, Antônio Valdir Úbeda. TALAVERA, Glauber Moreno (coord.). Simpósio sobre o Novo Código Civil brasileiro. São Paulo: Método, 2003, p. 100. 173 WALD, Arnoldo. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil. ALVIM, Arruda, et. al. Aspectos controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: RT. 2003, p. 72. 174 “A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. (CF. art 5º, XXXVI). 175 “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” . (CF. art. 5º, LIV). 176 JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Contrato e sua Função Social. Op. Cit. p. 111-112.
56
individualismo, enquanto expressões ideológicas do sistema capitalista, que está a
função econômica do contrato.
3.3.2 Função social do contrato
A função social do contrato deve ser entendida como uma relação existente
não apenas para satisfazer o interesse relativo às partes, mas sim inserida num
contexto social que influencia e mesmo altera este pacto.
O contrato é também, portanto, mecanismo de consecução do bem comum,
de busca do interesse social. Não há mais espaço para a antiga concepção
individualista, pois o Direito segue uma esteira da ótica de valores sociais, de um
novo horizonte para a aplicação dos modernos princípios contratuais.
Esse caráter apregoado por Miguel Reale, o da eticidade, operabilidade e
sociabilidade do direito civil. Informa que na promulgação do Código Civil de 1916, a
maioria da população vivia no campo; hoje ocorre o inverso, a maioria vive nas
cidades, sendo nítida a diferença da mentalidade daquela época e a hodierna , da
evolução do individual para o social.
Há uma harmonização entre o princípio da função social com o da
relatividade, segundo Teresa Negreiros:
Assim, na outra ponta do arco histórico traçado partir do modelo de contrato fundado na vontade individual, tem-se hoje um modelo normativo no qual a força obrigatória do contrato repousa, não na vontade, mas na própria lei, submetendo-se a vontade à satisfação de finalidades que não se reduzem exclusivamente ao interesse particular de quem a emite, mas igualmente à satisfação da função social do contrato.177
A disciplina contratual, formando “quase que um preâmbulo de todo o direito
contratual”178, onde desempenha um duplo papel. A função social do contrato, é, e
na literal dicção do art. 421179, uma condicionante posta ao princípio da liberdade
contratual, o qual reafirmado, está na base da disciplina contratual e constitui o
pressuposto mesmo da função social que é cometida ao contrato. Assim, entende
177 NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato – novos paradigmas. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 224. 178 REALE, Miguel. O Projeto de Código Civil: situação atual e seus problemas fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 10. 179 “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. (Código Civil de 2002).
57
Judith Martins-Costa que o termo “(condição) pode corresponder uma conotação
adjetiva, de limitação da liberdade de contratual, podendo e devendo a consideração
da função social restringir o exercício da autonomia privada quando esta se mostrar
incompatível com as exigências da socialidade”.180
Contudo, a autora acima citada considera que a norma do art. 421 não
constitui um princípio absoluto. Lembra à autora que esta norma também estabelece
uma conotação substantiva, ou seja, “elemento integrante do conceito de
contrato”181. Explica que por ser dotado de função social que a liberdade de
contratual encontra limites.
Continuando, sendo a função social integrante do próprio conceito de
contrato, é de entender que a eventual restrição à liberdade contratual não mais
como uma exceção a um direito absoluto, mas como expressão da função
metaindividual que integra aquele direito. Desse modo, a autora ora citada esclarece
que há um “valor operativo”182 que regula a disciplina contratual, deve ser utilizado
tanto na interpretação dos contratos como na integração e concretização das
normas contratuais.
Neste cenário, pode-se afirmar, pois, que o direito ou o instituto jurídico do
contrato deve exercer a sua função social, o que vem sendo chamado por parte da
doutrina de “funcionalização dos direitos”.183 A função social do contrato representa,
assim, a livre promoção da circulação de bens e serviços, de forma a implementar
efetivamente o bem comum, a igualdade material, a justiça social, e, principalmente,
a dignidade da pessoa humana.
Devemos entender que todo direito deve ser exercido de acordo e em
harmonia com as finalidades para o qual foi instituído, sendo o social, e desde que
sejam observados os valores que foram prestigiados pelas Constituições atuais.
Arnaldo Süssekind, citando Léon Duguit, lembra:
[...] que a concepção moderna da liberdade não mais corresponde ao direito de fazer tudo o que cause dano a outrem, e, portanto, a fortiori, ao direito de não fazer nada. Todo homem tem uma função social a cumprir e, por conseqüência, tem o dever social de desempenhá-la. O proprietário, ou melhor, o possuidor de uma riqueza, tem, pelo fato de possuir essa riqueza, uma função social a cumprir; enquanto cumpri esta missão, seus atos de
180 MARTINS-COSTA, Judith, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas. Op. Cit. p. 159. 181 MARTINS-COSTA, Judith, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas. Op. Cit. p. 159. 182 MARTINS-COSTA, Judith, Gerson Luiz Carlos. Diretrizes teóricas. Op. Cit. p. 160. 183 SETTE, André Luiz Menezes Azevedo. Direito dos Contratos: seus princípios fundamentais sob ótica do Código Civil de 2002. Belo Horizonte: Mandamentos. 2003, p. 67.
58
proprietário são protegidos. E conclui: ‘A intervenção dos governantes é legítima para obrigá-lo a cumprir sua função social de proprietário, que consiste em assegurar o emprego das riquezas que possui conforme seu destino’. A nova ordem jurídica atingia, como se infere, os postulados básicos do sistema civil - liberdade individual, inviolabilidade do direito de propriedade, invulnerabilidade do contrato e responsabilidade subjetiva.184
Cabe lembrar a lição de Humberto Theodoro Júnior onde:
Há um grande equívoco na afirmação dos que atribuem a função social o reconhecimento da supremacia dos interesses públicos sobre os individuais, de maneira que a interferência da lei no âmbito das relações negociais privadas se daria para submete a liberdade contratual aos interesses prevalentes da sociedade185.
Então, podemos justificar um direito público impor restrição a um direito
individual é a realização pelo primeiro de algum direito fundamental, que, em última
análise, tutela também direito ou direitos individuais. A supremacia, então, é do
direito fundamental e não apenas da natureza da norma de interesse público.
Devemos notar que a função social exige determinados comportamentos
dos contratantes e dos terceiros que com eles se relacionam apenas nos limites em
que os princípios e garantias fundamentais atuam, pouco importando que, na sua
aplicação, estejam em jogo direitos individuais, direitos coletivos ou direitos públicos.
O fato é que nos direitos contratuais estão presentes os direitos individuais,
singulares, e não os de interesses públicos ou coletivos. Nesse aspecto, a função
social visa evitar que a atuação dos efeitos do contrato fique adstrita somente às
partes contratantes. Convém lembrar que embora o negócio privado tem como
objeto precípuo o interesse dos que o pactuam, não se pode negar que esse
negócio privado acarreta para outros sujeitos, ainda que não tenham participado da
negociação jurídica.
Quando o Código Civil adota a linha da socialidade, princípio constitucional e
insere a função social do contrato, não está colocando a sociedade em patamar
superior ao indivíduo. O que se busca é a regulação do exercício desses direitos
fundamentais, de modo que seja interpretado segundo o solidarismo e que deixem
184 SÜSSEKIND, Arnaldo; VIANA, Segadas; TEIXEIRA, João de Lima; MARANHÃO, Délio. Instituições de direito do trabalho. 19. ed. São Paulo: LTr, 2000, p. 133-134. 185 JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Contrato e sua Função Social. Op. Cit. p. 118.
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de se inspirar somente no individualismo. Assim, “o contrataste se estabelece não
entre o indivíduo e coletividade, mas entre individualismo e solidarismo”.186
Esse tema sem dúvidas é de tamanha relevância, pois o contrato gera
repercussões jurídicas e sociais. Enfim, de se atentar para as oportunas
ponderações de Arnoldo Wald:
Se o direito tem dupla finalidade de garantir tanto a justiça quanto à segurança, é preciso encontrar o justo equilíbrio entre as duas aspirações, sob pena de criar uma sociedade eficiente, mas injusta, quando é preciso conciliar a justiça e a eficiência. Não devem prevalecer nem excesso de conservadorismo, que impede o desenvolvimento da sociedade, nem o radicalismo destruidor, que não assegura a continuidade das instituições. O momento é de reflexão e construção para o jurista, que, abandonando o absolutismo passado, deve revitalizar as soluções, tanto em conta tanto valores éticos, quanto as realidades econômicas e sociais.187
Para Antônio Jeová Santos, a norma tem caráter preventivo, como
demonstra:
O caráter preventivo da norma é um permanente aviso às partes contratantes. É como se alertasse de que o direito não vai tolerar nenhum ato que venha a conspurcar o interesse social, que vulnere a função social, concebida, principalmente, para tutelar a parte menos favorecida.188
Podemos concluir que, o sistema do Código Civil, para valorizar os princípios
da eticidade e socialidade, procurou enxergar não mais a pessoa isoladamente, mas
como integrante de um todo que é a sociedade, ou seja, um agrupamento de
pessoas, cada qual manifestando sua vontade, realizando negócios adquirindo bens.
Neste contexto, a função social exerce um sistema de proteção e garantia das
partes.
186 Nesse sentido, JÚNIOR, Humberto Theodoro. O Contrato e sua Função Social. Op. Cit. p. 121. 187 WALD, Arnoldo. A evolução do contrato no terceiro milênio e o novo Código Civil. ALVIM, Arruda, et. al. Aspectos controvertidos do novo Código Civil. São Paulo: RT. 2003, p. 75-76. 188 SANTOS, Antônio Jeová. Função Social: lesão e onerosidade excessiva nos contratos. São Paulo: Método. 2002, p. 105.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
No decorrer deste estudo, traçamos a evolução do Direito Contratual do
Estado Liberal ao Estado Democrático, com as mudanças econômicas, sociais e
políticas havidas no período e as conseqüentes alterações jurídicas como reflexo
das mudanças sociais.
A transformação do pensamento individualista advindo da Revolução
Francesa em uma visão intervencionista do Estado Social, franquia a tutela dos
interesses e anseios da população como um todo e não apenas da classe
dominante.
Na esteira dos movimentos constitucionais pós-modernos, o Brasil
promulgou a Constituição Federal de 1988, de caráter nitidamente intervencionista,
colocando a dignidade da pessoa humana como fundamento da República.
Em decorrência, a alteração do paradigma de caráter patrimonialista ao da
pessoa humana, rompe a divisão radical que existia entre o Direito Público e o
Privado, ademais, pelo fato do Direito ter que situar o ser humano em relação a
todos os demais socialmente considerados.
Através da hierarquização valorativa e principiológica do sistema como um
todo, indispensável se faz uma releitura do ordenamento à luz da Constituição
Federal, derrogando ou revogando as regras contrárias aos seus preceitos, que são
hierarquicamente superiores a todos os demais.
Na concepção tradicional de contrato, havia a exacerbada preocupação com
a segurança jurídica, sendo protegida pela crença de que aquele que é livre não
pode, ao submeter-se a um contrato, deixar de honrá-lo, face o princípio da pacta
sunt servanda.
Percebemos que na visão contemporânea, produto das inúmeras alterações
sociais e da massificação das relações contratuais, ao contrário, o princípio da
autonomia da vontade não configura algo absoluto, convivendo com outros
princípios igualmente importantes para a melhor interpretação e solução dos
conflitos resultantes de relações contratuais.
Segundo a perspectiva civil-constitucional, a aplicação ao contrato dos novos
princípios contratuais levou à quebra da hegemonia que era atribuída à autonomia
da vontade. Tais princípios encontram fundamento na Constituição Federal de 1988,
61
seja como desdobramento do princípio da dignidade da pessoa humana, seja como
princípios instrumentais da ótica solidarista, seja como corolários do valor social da
livre iniciativa, seja, por fim, na condição de princípios componentes da ordem
econômica constitucional da qual o contrato é parte integrante.
Diante das transformações valorativas da sociedade, o contrato atingiu um
ponto que necessita rever seus conceitos e institutos, a fim de não relegar as novas
figuras do direito privado à ineficácia. Há, portanto, uma releitura dos institutos do
Direito Civil em sua própria dogmática.
Entre os princípios individuais, marcados pela concepção iluminista da
autonomia da vontade, encontramos: o princípio da autonomia privada, ou da
liberdade contratual; o princípio da obrigatoriedade, consubstanciado no brocardo
pacta sunt servanda; e o princípio da relatividade subjetiva, também denominado
princípio da eficácia relativa às partes contratantes.
Como se observou com a evolução econômica e social, o Estado passou de
Liberal para o Estado provedor, chamado também de Estado Social, o qual intervem
legislativa, administrativa e judicialmente para limitar e controlar os poderes
econômicos e sociais privados.
Devemos lembrar que os princípios introduzidos na teoria dos contratos não
anularam os tradicionais princípios que sempre governaram o importante segmento
do direito das obrigações. Foram a eles acrescidos para enriquecê-los e aprimorá-
los, diante da moderna visão do fenômeno econômico pelo Estado Democrático de
direito, preocupado com os valores éticos e sociais.189
O sistema do Código Civil, para valorizar e concretizar os princípios da
operatividade, eticidade e socialidade, adotou o critério normativo das cláusulas
gerais, como os da boa-fé objetiva e da função social do contrato.
As cláusulas gerais são dispositivos legais que, devido a sua generalidade,
abarcam uma gama de situações, o que não seria possível através da técnica
casuística, que descreve tipos a serem tutelados. Então, o direito civil constitucional
busca, através de cláusulas gerais, tutelar a personalidade da pessoa humana em
qualquer posição que esta se encontre na relação contratual.
O princípio da boa-fé objetiva, compreendido como dever das partes
contratantes de se portar de maneira tal que atenda a economia e a própria
189 THEODORO JÚNIOR, Humberto. O contrato e sua função social. Op. cit. p. 139.
62
finalidade do contrato, conservando o equilíbrio material e formal entre as obrigações
estabelecidas no contrato.
Assim, boa-fé objetiva está situada nos comportamentos preconizados pelo
consenso social, de maneira a determinar o comportamento ético acatado
socialmente. No âmbito da interpretação do negócio jurídico, a boa-fé objetiva tem
importante papel, como contornar cláusulas que incompatíveis com os bons
costumes, ou mesmo anular cláusulas criadas pelas partes, dando a seu lugar
sempre que possível algum preceito do direito pertinente ao tipo de contrato que as
partes pretender criar.
Não se pretende neste trabalho definir o conceito da cláusula geral “função
social do contrato”, até em razão do seu importante papel na adaptação do Direito
aos fenômenos sociais e políticos em constante mutação. A função social do
contrato como cláusula geral traz uma generalidade e indeterminação de conteúdo,
conferindo assim, ao magistrado maior liberdade ao solucionar os conflitos em cada
caso concreto. Neste ponto o legislador preferiu, que o Código Civil não define o
conceito, o que fica a cargo da doutrina, como afirma Washington de Barros
Monteiro, “não é função do legislador ministrar definições; definir é tarefa que
compete à doutrina e não a um Código, ou a um corpo de leis”190.
Várias são as possibilidades encontradas para o contratante prejudicado
buscar a proteção de seus direitos enquanto pessoa, não apenas nos casos de vício
de vontade e consentimento. Para que um contrato faça jus à tutela do Direito é
necessário que observe a sua destinação social. Desta forma, o contrato, além de
desempenhar a função de propiciar a circulação de riquezas (função econômica),
possui uma função social.
Neste sentido a flexibilização e a Constitucionalização do contrato
configuram imperativos, no sentido de sintonizarem a lei ao fato social, na busca da
justiça e da realização da dignidade da pessoa humana, cerne de todo o
ordenamento jurídico.
De tudo que foi acima exposto, não temos a pretensão de definir em caráter
absoluto a função social do contrato, nos prestamos a ressaltar a sua importância na
vida do indivíduo (sujeito de direitos). Diante de uma sociedade em constante
mutação, as relações intersubjetivas cada vez mais se operam através de contratos,
190 MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. V. 5. Direito das obrigações – 2ª parte. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 4.
63
e neles que concentramos nossa atenção para elaboração deste trabalho
monográfico.
Podemos apontar os seguintes aspectos relevantes a respeito dos contratos
na perspectiva do novo Código Civil: a função social do contrato se funda
principalmente na preservação da dignidade da pessoa humana, objetivo principal
do nosso texto constitucional. O individualismo do código Civil de 1916 dá espaço
para a sociabilidade do direito.
Agora, busca-se tutelar o objeto da contratação em seu aspecto individual e
social, prevalecendo este último no caso de divergência. A autonomia privada se
relativizou, subordinando-se a valores maiores, os sociais. Vinculou-se o princípio da
autonomia da vontade à exigência teleológica do cumprimento da função social pelo
contrato, sem desprezar a sua instrumentalidade de regulação privada do
comportamento dos contratantes.
Os contratos assumem cada vez mais sua feição social, com o escopo de
diminuir as desigualdades das partes contratantes e o desequilíbrio excessivo da
prestação de uma das partes.
Destes pontos traçados durante este trabalho monográfico, concluímos que a
função social do contrato, trazida expressamente pelo novo Código Civil brasileiro,
tem a finalidade precípua mediante a humanização das relações econômicas e
sociais, criar o alicerce de uma solidariedade mais ostensiva nas relações
intersubjetivas.
64
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