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O PLANEJAMENTO URBANO DE UMA CIDADE PROJETADA:
CONSIDERAÇÕES SOBRE A CONCEPÇÃO URBANÍSTICA DA VILA
OPERARIA DA USIMINAS EM IPATINGA – MG
MOIZÉS RODRIGUES DA SILVA1
GUILHERME ALVES VISO2
Resumo
Este trabalho apresenta considerações sobre o processo de planejamento urbano na cidade de
Ipatinga, em Minas Gerais (MG), localizada a leste da capital (Belo Horizonte) do estado e município
pertencente a Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA). A análise tem destaque para a concepção
e o ideário urbano estabelecido para a instalação da Vila Operária decorrente do processo de
implantação da Usina Siderúrgica de Minas Gerais (USIMINAS), que inicia o seu período de construção
em 1950 e tem a sua fundação no ano de 1958, ano em que também se dá o começo da elaboração
do plano urbanístico da vila operária. Esse modelo de organização do urbano por Vilas Operárias
aparece fortemente no Brasil no início do século XX e são modelos urbanísticos propostos para cidades
com grandes empreendimentos industriais, em destaque para o surgimento de indústrias de base
relacionadas a mineração e siderurgia nos estados da região sudeste. A USIMINAS, com incentivo de
capital estatal e japonês, surge com políticas focadas em modernizar e desenvolver uma identidade
industrial que é necessária para o avanço industrial e a produção de matérias-primas básicas. Os
arquitetos Raphael Hardy Filho e Marcelo Bhering, elaboram em conjunto o projeto urbanístico da Vila
Operária de Ipatinga; tendo como base a concepção urbanística idealizada pelo movimento moderno,
seguindo à risca princípios que constituem a Carta de Atenas elaborada por Le Corbusier durante o
Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM) realizado em 1933 na Grécia, que apresenta
uma análise e crítica da condição das cidades, propondo tópicos em que uma cidade precisa se atentar
para a promoção de uma boa estrutura urbana. As características físicas da localidade interferem na
hora de pensar o plano conforme os conceitos da carta: a declividade do relevo da região da Zona da
Mata; que determinou e inferiu na concepção projetual, de modo que foi proposto a construção de uma
vila operária separada por unidades habitacionais (chamadas de unidades de vizinhança ou UVs), que
consistem em localidades interligadas por vias de tráfego periféricas e que cada UV deve apresentar
equipamentos urbanos fornecedores de serviços básicos para os funcionários e outros conceitos
apresentados pela Carta de Atenas como: zoneamento, ocupação do solo, tipologias residenciais, etc.
A análise do planejamento e da constituição da Vila Operária permite compreender elementos que
definiram o surgimento do plano urbano de Ipatinga, seguindo funções chave do urbanismo e
possibilitando entender as mudanças que hoje ocorrem durante os processos contínuos de
transformação das cidades.
Palavras-chave: Planejamento urbano; Vilas operárias; Cidades industriais; Ipatinga.
Abstract
1 Mestrando do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (PPGAU/UFU) sob orientação da professora Dra. Beatriz Ribeiro Soares. E-mail para contato: moizes.rodrigues@hotmail.com. 2 Mestrando do programa de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Uberlândia (PPGAU/UFU) sob orientação da professora Dra. Beatriz Ribeiro Soares. E-mail para contato: visoguilherme@gmail.com.
This work shows considerations about the process of urban planning in the city of Ipatinga, Minas
Gerais, located in the East of the capital (Belo Horizonte) and belonging to the Metropolitan Region of
Vale do Aço (RMVA). The analysis consists in the conception and the urban ideology established for
the installation of the Company Town resulting from the process of construction of the steelworks of
Minas Gerais (USIMINAS), whose construction starts at 1950 and the founding at 1958, in the same
year it starts the elaboration of the workers town urbanistic plan. The model of urban organization by
Company Towns strongly arises in Brazil in the beginning of 20th century and these models was
proposed for cities with big industrial investments, emphasis in the creation of base industries related to
mining and the metallurgy of iron in the southeast region. The USIMINAS, with the support of state and
Japanese capital investments, emerges with politics focused in modernize and develop an industrial
identity, which is necessary for the industrial increase and the production of basic raw materials. The
architects Raphael Hardy Filho and Marcelo Bhering works together in the plan of the Workers Town of
Ipatinga, having the urbanistic conception created by the modern movement as the basis. Those
conceptions follows the values created by the Athens Charter, wrote by Le Corbusier during the
International Congress of Modern Architecture (CIAM), realized in Greece, 193. The Charter shows an
analysis and critics of the cities conditions, proposing topics, which a city needs to pay attention to
promote a better urban structure. The physic characteristics of Ipatinga interfere in the application of the
charter concepts for the creation of the plan: the declivity of the relief in the Zona da Mata region
determines and implicate that project conception. Because of that, what was proposed is a construction
of a company town separated by habitational unities (called Neighborhood Unities), who consists in
places interconnected by traffic peripheral roads and each Neighborhood Unity must have the urban
equipments providing basic services to the workers and others concepts present in the Athens Charter
like: zoning, soil occupation, residential typologies, etc. The planning and the company town analysis
allows to comprehend the elements that define the urban plan in Ipatinga, following the key function of
the urbanism and the possibility of understand the changes and continuous process of the cities
transformations.
Keywords: Urban Planning, Company Towns, Industrial Cities, Ipatinga.
1 – Introdução
As cidades configuram-se como lócus de diversidade cultural, social, política e
econômica, o que as torna cada vez mais complexas e com uma série de problemas
no âmbito institucional. A forma que a cidades se configuram na atualidade, tem
origem com a Revolução Industrial (século XVIII), período no qual o desenvolvimento
do capitalismo acentuou os diversos problemas urbanos como “subemprego, poluição,
escassez de equipamentos coletivos, de moradia e de transportes” (PIQUET, 1998).
A produção do espaço urbano, no contexto do desenvolvimento do capitalismo
industrial, redefiniu os moldes da urbanização. Para Lefebvre (1999), “a concentração
da população acompanha a do capital”, e “quanto maior é a cidade, maiores são as
vantagens da aglomeração”, pois é ali que se encontram todos os elementos da
indústria. Esta tendência acompanha o já mencionado período da Revolução Industrial
na Inglaterra, em que o rápido crescimento das cidades revela uma paisagem de total
desordem e altíssima densidade de ocupação (SILVA, 2014). Este quadro se
perpetuou em função da ausência do Estado em regulamentar o uso do solo ou na
elaboração de planos que conduzisse a construção das cidades.
As primeiras propostas de ordenamento urbano, estudadas por Choay (1997)
destaca a imagem de cidade futura proposta pelo pré-urbanismo progressista. As
ideias deste modelo baseavam-se no “espaço amplamente aberto, rompido por áreas
verdes”, em que o verde simboliza “progresso” e “higiene”.
A criação de modelos alternativos de cidades nos fins do século XIX e início do
século XX altera a própria organização da sociedade. Deste modo, propostas de
intervenções de reestruturação de cidades industriais foram criadas de modo a
equalizar os problemas urbanos, assim Ebenezer Howard (1850-1928) propõem o
modelo de “cidade-jardim”, cuja ideia se perpassava na “vida do campo na cidade”
(CHOAY, 1997, p. 219).
Outra tendência de controle e planificação do espaço urbano se apresentava e
foram chamadas de Vilas Operárias3, comumente conhecidas de Company Towns
(PIQUET, 1998). No Brasil, este modelo ganha força a partir do século XX, onde foram
construídas diversas Vilas Operárias geralmente ligadas a grandes empreendimentos
de extração mineral e indústrias de base, concentradas principalmente em São Paulo,
Minas Gerais e no Rio de Janeiro (MONTE-MÓR, 2007).
Ainda de acordo com Monte-Mór (2007), cidades monoindustriais como Volta
Redonda no estado do Rio de Janeiro e Ipatinga em Minas Gerais espelharam em seu
planejamento esse modelo de urbanismo subordinado à lógica produtiva industrial,
hierarquizando rigidamente os espaços urbanos e os serviços ligados a reprodução
do capital segundo o papel funcional no processo de produção.
Com a deterioração das metrópoles industriais nos fins do século XIX, buscou-
se novos instrumentos técnicos capazes de promover a melhoria de vida nas cidades
além de valorizar a estética dos espaços construídos. Deste modo, surge o urbanismo
técnico-setorial.
3 O termo “Vila Operária” designa um local constituído de residências para moradia de operários de uma empresa fabril, podendo ser localizada em áreas urbanas ou rurais (GUERRA, 2008).
Conforme Campos Filho (2001), simultaneamente a este modelo, surgem na
Europa e nos Estados Unidos o urbanismo estético-viário, tendo seu maior expoente
o Barão de Haussmann, responsável por remodelar a capital francesa no século XIX.
Ainda conforme o autor, a proposta deste modelo se utiliza da monumentalidade como
expressão da burguesia dominante, retratada por meio de uma rede de grandes
avenidas entremeadas por grandes praças e, como pano de fundo, edificações
planejadas.
No Brasil, diversos planos de reforma urbana foram elaborados a partir de
adaptações das propostas de Haussmann. Menciona-se o plano de Aarão Reis, para
a construção da nova capital de Minas Gerais (Belo Horizonte), no Rio de Janeiro o
Plano Pereira Passos (1902-1906) e o “Estudo para um Plano de Avenidas para a
Cidade de São Paulo” (1938-1945), de Prestes Maia (MONTE-MÓR, 2007). Destarte,
esse planejamento são frutos de um projeto urbanístico minucioso, inspirado nos
preceitos urbanístico progressista.
Neste sentido, o propósito desse trabalho consiste em analisar as influências
do urbanismo na concepção da Vila Operária da Usiminas em Ipatinga com ênfase
nos quatro princípios chave da Carta de Atenas4: habitar, trabalhar, circular e recrear.
Diante da necessidade de compreender o processo de planejamento urbano
desde o surgimento da cidade Ipatinga que esse artigo propõe discutir e apresentar
os conceitos-chaves que, inicialmente, foram utilizados para pensar o desenho
urbano. Assim, a construção analítica baseia-se a partir de um levantamento
bibliográfico realizado sobre os conceitos pertinentes a serem discutidos e também na
análise de dois documentos que configuram o ideal urbano pensado para Ipatinga: o
Pré-plano de Urbanização da Vila Operária da USIMINAS (1958) e o Plano Diretor da
Vila Operária (1965).
2 – Caracterização da área de estudo
4 A Carta de Atenas é o manifesto urbanístico resultante do IV Congresso Internacional de Arquitetura Moderna (IV CIAM), realizado em Atenas (Grécia) em 1933 é reconhecida como um dos mais importantes documentos produzidos durante o movimento modernista internacional e enumera, em itens, as prioridades para o planejamento urbano.
Localizado no estado de Minas Gerais a leste da capital (Belo Horizonte),
Ipatinga é integrante da mesorregião geográfica do Vale do Rio Doce (mapa 1). O
município situa-se na área de abrangência dos Planaltos e Serras do Atlântico Leste
– Sudeste e apresenta um bioma típico da Mata Atlântica (Floresta Estacional
Semidecidual), cujo domínio natural é identificado, caracterizado e classificado como
“Mares de Morros” (AB’ SABER, 2003). Nesta região, predomina o clima tropical
úmido, com chuvas e temperaturas elevadas no verão e temperaturas amenas no
inverno.
O espaço territorial do município abrange uma área total de 166,6 Km² sendo
que destes 74,4 Km² são de área urbana e 92,4 km², constituída por 35 bairros oficiais
(PMI, 2017).
Figura 1 – Localização do Município de Ipatinga.
De acordo com as estimativas populacionais do IBGE em 2018, Ipatinga
possuía em 2018 população de 261.344 habitantes, sendo este acompanhado pelo
desenvolvimento econômico, proporcionado a partir da construção da Usina
Siderúrgica de Minas Gerais (USIMINAS) em 1956, e pela inclusão do município na
Região Metropolitana do Vale do Aço (RMVA) em 1998, da qual Ipatinga é polo.
3 – A influência da Carta de Atenas na elaboração do projeto urbanístico da Vila
Operária da USIMINAS em Ipatinga (MG)
A construção de núcleos de moradia junto aos espaços produtivos é uma
prática empresarial historicamente observada tanto nos países de industrialização
pioneira quanto nos países de industrialização tardia como o Brasil (PIQUET, 1995).
A modernização e desenvolvimento do parque industrial siderúrgico brasileiro
foram frutos da vontade política de se construir uma identidade nacional e
proporcionar condições favoráveis ao progresso do país, no início do século XX
(MENDONÇA, 2006). Nos anos de 1950, Juscelino Kubitschek (JK) em seu plano de
desenvolver “50 anos em 5” precisava contar com mais aço, por isto, era necessário
ampliar as indústrias já existentes, isto é, indústrias de base.
No final dos anos 1950, surge a USIMINAS, empresa concebida como
empreendimento privado, mas viabilizada com recursos de capital misto: estatal e
japonês no projeto nacional-desenvolvimentismo de JK. Sua dimensão grandiosa
atraiu milhares de pessoas para a região.
Após sua fundação, a própria USIMINAS realiza a seleção de profissionais para
a elaboração do plano urbanístico da cidade, o qual torna-se suporte habitacional da
indústria para alocação de funcionários. Para elaboração do projeto da Vila operária,
a empresa realiza um processo seletivo e escolhe o arquiteto mineiro Raphael Hardy
Filho. O mesmo convida Marcelo Bhering para compartilhar a elaboração do plano.
A concepção da Vila Operária da USIMINAS em Ipatinga foi baseada nos
pontos-chaves do urbanismo moderno (habitar, trabalhar, recrear-se e circular),
preconizadas na Carta de Atenas, documento resultante do IV Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna (CIAM), na Grécia em 1933, no período que em
buscava analisar o estado atual e crítico das cidades, propondo aspectos que
deveriam ser respeitados para a melhoria da estrutura urbana.
De acordo com Mendonça (2006) às áreas a serem urbanizadas para a
construção da Vila, não ofereciam espaço suficiente para o planejamento adequado
ou que em um futuro poderia haver algum tipo de expansão, devido à declividade do
relevo. Neste sentido, Hardy Filho e Bhering relataram que havia “poucas áreas
suscetíveis de serem aproveitadas sem que a trama urbana acarretasse
inconveniências de ordem econômica, e isso levou-nos a adotar o partido de
pequenos núcleos interligados por vias de penetração e tráfego periférico”
(USIMINAS, 1958).
A falta de espaço, as condições naturais do relevo, dentre outras intempéries,
são justificativas para a criação da vila por unidades habitacionais autônomas também
conhecidas por UVs ou Unidades de Vizinhança (Figura 1), que consistiam em
localidades equipadas com os mais diversos serviços (educação, saúde, comércio,
esportes e diversão) para todos os funcionários da empresa.
De forma sintética Hardy Filho (1965) define as Unidade de Vizinhanças como:
Um grupo de residências abrangendo uma ou mais unidades residenciais, em torno de, no mínimo, um estabelecimento de ensino primário, além de outros equipamentos que polarizam a vida social de 1000 a 1200 famílias. Todo bairro deverá ser equipado com um centro de educação primária, recomendando-se a distância de máxima de 400 metros entre este centro e a habitação mais afastada (USIMINAS,1965).
Figura 2 – Zoneamento: Pré Plano de Urbanização da Vila Operária da Usiminas.
Fonte: USIMINAS, 1958.
No zoneamento do Pré-Plano de Urbanização da Vila Operária (1958), a
organização do território neste plano inicial, foi disposto da seguinte maneira: 1 -
Pessoal categorizado e gestores da USIMINAS - atual bairro Castelo; 2, 3 e 6, os
funcionários qualificados como engenheiros, especialistas e operários especializados,
sendo também proposto a implantação áreas reservadas a prática de esporte e centro
comunal – atualmente bairro Cariru; 8, 9 e 10 a implantação das demais unidades
residenciais (HARDY e BHERING, 1958). Outros bairros foram implantados
posteriormente obedecendo às normas de Hardy e Bhering, sendo estes os bairros
Vila Ipanema, Horto, Santa Mônica, Areal, Bom Retiro, Imbaúbas, Novo Cruzeiro e
Ideal, urbanizados mais tarde.
Conforme Mendonça (2006), a hierarquia funcional que se seguia dentro da
indústria, também seria a mesma utilizada para a construção e ocupação das
residências em cada Unidade de Vizinhança. Neste sentido, o zoneamento rígido, com
uma setorização social definiu o padrão de construção em cada bairro. No plano,
Hardy Filho (1958) tentou evitar o empilhamento de pessoas, criando residências
unifamiliares; no bairro Cariru, a falta de espaço e a disposição do relevo impediram
que a ocupação fosse somente horizontal e por residências individuais.
Figura 2 – Bairro Cariru. Em destaque: verde – residências unifamiliares; vermelho – cooperativas e comércio; amarelo – residências multifamiliares. Destaque nosso.
Fonte: Moradia Imobiliária Ipatinga5. No que se refere a geomorfologia da área, os núcleos foram projetados e
implantados de acordo com as condições topográficas que definiam as unidades
habitacionais, deste modo, as UVs foram implantadas em terrenos de planície
fundamental, preservando os morros e a cobertura vegetal representados na figura a
seguir (DIAS, 2011).
5 Disponível em: https://moradiaimobiliaria.com.br/aluguel/cariru-tradicional-familiar-e-muito-verde/. Acesso em: maio/2019.
Figura 5 – Cobertura vegetal lateral da via. Usina ao fundo.
Foto: Google Steet View, 2018.
Nota-se que a forma de criação de cada unidade sofre influência das ideias
urbanísticas modernistas, por meio da sistematização de preceitos normativos,
critérios de zoneamento, taxa de ocupação do solo e tipologias de residências para a
produção em série (MENDONÇA, 2006). Na Carta, Le Corbusier (1993) menciona
que ás ruas devem ser diferenciadas de acordo com as suas destinações:
As ruas, ao invés de serem entregues a tudo e a todos, deverão, conforme sua categoria, ter regimes diferentes. As ruas residenciais e as áreas destinadas aos usos coletivos exigem uma atmosfera particular. Para permitir às moradias e a seus "prolongamentos" usufruir da calma e da paz que lhes são necessárias, os veículos mecânicos serão canalizados para circuitos especiais. As avenidas de trânsito não terão nenhum contato com as ruas de circulação miúda, salvo nos pontos de interligação. As grandes vias principais, que estão relacionadas a todo o conjunto da região, afirmarão naturalmente sua prioridade. Mas serão também levadas em consideração as ruas de passeio, nas quais, sendo rigorosamente imposta uma velocidade reduzida a todos os tipos de veículos, a mistura deste s com o s pedestre s não oferecerá mais inconvenientes (LE CORBUSIER, 1993, p. XX).
Neste sentido, sistema de circulação no interior das Unidades de Vizinhança
(Uv) da Vila Operária, foram classificados em diversos níveis de tráfego, separando-o
em vias de tráfego intenso, médio e local. Para Hardy Filho & Marcelo Bhering (1965)
as vias de circulação são aquelas que facultam a interligação das funções da cidade:
habitação, trabalho, cultivo ao corpo e ao espírito e saúde. No Plano Diretor de 1965,
as via foram classificadas na seguinte ordem:
a) Via principal é a destinada à circulação geral. b) Via secundária é a destinada á circulação local. c) Rua de distribuição ou de coleta é a via secundária urbana que canaliza o tráfego local para as vias principais. d) Rua de acesso é a via secundária urbana destinada ao simples acesso dos lotes. No caso particular em que terminam em uma praça de retorno são denominadas “cul de sac”.
e) Avenida-parque é a via principal traçada também com finalidade paisagística e de recreação (USIMINAS, 1965).
O Pré Plano de Urbanização (1958) destaca que no interior das UVs são
preservadas do trafego intenso. As vias de tráfego intenso são as vias destinadas a
conectar um bairro a outro sendo também a via que contornam toda a Usina. As vias
periféricas são de tráfego médio, pois é onde o transporte coletivo circula, de modo a
facilitar que a pessoa de qualquer ponto da UV possa acessar o ponto de ônibus,
percorrendo pequenas distâncias, com certo conforto e, por fim, as vias de trânsito
locais sendo as ruas de acesso às habitações, conforme as figuras a seguir.
Figura 6 e 7 – Via de trânsito intenso (Avenida Japão) e Via de ligação de UVs e trânsito intenso
(Avenida Engenheiro Kiyoshi Tsunawaki). Fonte: Google Steet View, 2018.
Figura 8 e 9 – Via de trânsito médio (Avenida Itália) e via de trânsito local (Rua Inglaterra).
Fonte: Google Steet View, 2018. No ponto que se refere ao recreio, Le Corbusier (1993) destaca que “de agora
em diante, todo bairro residencial deve compreender a superfície verde necessária à
organização racional dos jogos e esportes das crianças, dos adolescentes e dos
adultos”.
Neste sentido, na Carta exige-se que:
Deve ser estabelecido um programa de entretenimento comportando atividades de todo tipo: o passeio, solitário ou coletivo, em meio à beleza dos lugares; os esportes de toda natureza: tênis, basquete, futebol, natação, atletismo; os espetáculos, concertos, teatros ao ar livre, jogos de quadra e torneios diversos. Enfim, serão previstos equipamentos precisos: meios de transporte que demandam uma organização racional; locais para alojamento, hotéis, albergues ou acampamentos e, enfim, não menos importante, um abastecimento de água potável e víveres que deverá ser cuidadosamente assegurado em toda parte (CARTA DE ATENAS, 1993).
No Pré-Plano de Urbanização, Hardy Filho e Marcelo Bhering (1958) destaca
que “no centro de cada setor habitacional e, o mais possível, junto às unidades
habitacionais, são previstas playgrounds e áreas de recreação”. Na periferia da Vila e
o mais próximo possível da via de acesso principal, previstas os campos de futebol,
basebol, tênis, etc. No plano, foram construídos clube sócios esportivos (tênis,
voleibol, basquetebol, piscinas e playgrounds), destinado aos operários e funcionários
“subalternos”, e os funcionários “categorizados” tiveram a sua disposição clubes
específicos como equitação, tiro e danças. (Hardy Filho e Bhering, 1958). Entretanto,
os clubes esportivos criados em cada bairro eram destinados apenas aos funcionários
da USIMINAS e não ao público local (MENDONÇA, 2006, p.89).
Figura 10 e 11 – Cariru Tênis Clube (bairro Cariru) e Clube Morro do Pilar (bairro Castelo). Foto: Google Steet View, 2018.
Le Corbusier salienta que às distâncias entre os locais de trabalho e os locais
de habitação devem ser reduzidas ao mínimo. Neste sentido, a Carta supõe uma nova
distribuição, um plano cuidadosamente elaborado, de todos os lugares destinados ao
trabalho (Carta de Atenas, 1993). Neste sentido Mendonça (2006, p. 91), destaca que
para a Vila Operária da Usiminas, o plano baseou-se na dinâmica moradia-trabalho,
de forma a favorecer o acesso dos operários à indústria.
Figura 12 e 13 – Portaria 1 da Usiminas (bairro Cariru) e portaria 2 (bairro Centro).
Foto: Google Steet View, 2018. 4 – Considerações finais
A análise do planejamento urbano aplicado à formação da Vila Operária da
Usiminas em Ipatinga requer maior atenção, principalmente no que diz respeito à
formação de núcleos urbanos mono-industriais. A projeção da Vila operária seguiu
todas as normativas, no que se refere ao um planejamento eficiente em que as quatro
funções chaves do urbanismo: “Circular, trabalhar, recrear e habitar” foi implantado.
No entanto, o crescimento populacional e consequentemente a expansão da área
territorial com o passar dos anos fez com que o planejamento preconizado pela Carta
de Atenas não acompanhasse tal expansão.
Nota-se que na maioria das cidades, os locais de trabalho não estão mais
dispostos racionalmente no complexo urbano e a ligação entre a habitação e os locais
de trabalho impõem percursos desmensurados. Embora a cidades estejam em estado
de permanente transformação, seu desenvolvimento é conduzido sem precisão nem
controle, e sem que sejam levados em consideração os princípios do urbanismo
contemporâneo atualizados nos meios técnicos qualificados.
5 – Referências
AB' SABER, A. N. Os Domínios da natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê editorial, 2003.
CAMPOS FILHO, C. M. Cidades brasileiras: seu controle ou caos. 4 ed. São Paulo: Studio Nobel, 2001.
CHOAY, F. O Urbanismo. São Paulo: Perspectiva, 1997.
DIAS, F. C. O tratamento dos espaços livres em uma cidade média planejada: o caso de Ipatinga/MG. 2011. 190 f. Dissertação (Mestrado em Ambiente Construído e Patrimônio Sustentável) – Escola de Arquitetura. Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2011.
GUERRA, M. E. A. Vilas operadoras de Furnas nas bacias dos rios Grande e Paranaíba – da concepção à atualidade. 2008. 534 f. Tese (Doutorado de Geografia) – Instituto de Geografia. Universidade federal de Uberlândia, Uberlândia, 2008.
IBGE. Censos Demográficos. Disponível em: <www.ibge.gov.br>. Acesso em: 26. Janeiro de 2019.
LE COURBUSIER. A Carta de Atenas. Trad. Rebeca Scherer. São Paulo: Houcitec/Edusp, 1993.
LEFÉBVRE, H. A cidade do capital. 2 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.
MENDONÇA, R. S. R. Vila operária Usiminas: a influência da Urbanística modernista na cidade de Ipatinga. 2006. 237 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Escola de Arquitetura. Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2006.
MONTE-MÓR, R. L. M. As Teorias urbanas e o planejamento urbano no Brasil. s.d. Disponível em: <http://www.ufpa.br/epdir/images/docs/paper35.pdf>. Acesso em: 30 de janeiro de 2019
PIQUET, R. Cidade-empresa: presença na paisagem urbana brasileira. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.
SILVA, J. P. G. As políticas públicas de planejamento e o desenvolvimento urbano de Uberlândia (MG). 2014. 161 p. Dissertação (Mestrado em Geografia) – Instituto de Geografia. Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia, 2014.
USIMINAS. Vila Operária da Usiminas em Ipatinga. Belo Horizonte: USIMINAS, 1958. Não publicado.