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NEAM - Núcleo de Estudos e Aprofundamento Marxista – Programa de Pós Graduação de
Serviço Social – PUC SP
Data: 14.10.2012
Transcrição1 da participação do professor Celso Frederico no Debate e discussão no NEAM
sobre o livro: “O Jovem Marx – 1843 e 1844 – as origens da ontologia do Ser Social”
Beatriz Abramides – Já há algum tempo o Celso esteve aqui no NEAM, no qual ele disse –
numa tarde chuvosa eu vim aqui para debater “O jovem Marx – 843 e 844...” No mesmo ano
da publicação do livro em 1995. Então faz 17 anos que o Celso veio. Era uma tarde chuvosa e
agora uma noite quente... Ele vem fazer o debate do livro dele.
Quero agradecer muito o Celso, embora alguns de vocês já o conheçam das atividades
programadas, de alguma maneira já viveram a oportunidade de conversar com o Celso e ao
mesmo tempo ter contato com a sua bibliografia. Vasta bibliografia... O Celso é professor da
ECA na USP, tem participado de bancas. É sempre uma alegria e um prazer poder fazer essa
conversa com o Celso. Bem vindo ao NEAM, retomado a partir desse ano.
Celso Frederico – Eu é que agradeço pelo convite.
Para iniciar a nossa discussão entendo ser importante comentar duas coisinhas breves.
Primeiro, sobre os estudos da obra de Marx - É sempre aconselhável começar pela própria tese
que Marx desenvolveu sobre o estudo da história, a famosa frase dele que o “capitalismo
explica o pré-capitalismo... A anatomia do homem explica a anatomia do macaco... O mais
desenvolvido explica o menos desenvolvido.”.
Nós poderíamos aplicar essa ideia a própria obra de Marx. Marx não nasceu sabendo tudo,
chegou aos seus melhores resultados nas obras finais, e elas explicam de certa forma os
tropeços e avanços que ele deu durante a sua caminhada.
É sempre conveniente começar, iniciar os estudos de Marx pelo Capital e depois voltar a esses
textos juvenis, especialmente os textos de 1843 e 1844 – A crítica do Estado de Hegel e os
Manuscritos Filosóficos – que são textos extremamente difíceis.
E são textos difíceis não só para nós, pobres leitores, como também para o próprio Marx que
estava quebrando a cabeça para encontrar um caminho e aos poucos perseguindo,
encontrando pistas falsas e mudando de rota. Então é sempre o fim que ajuda entender o
começo e as dificuldades de Marx.
O segundo comentário que eu quero fazer é sobre a minha própria leitura de Marx. Nos anos
70 eu tinha um grande amigo que chamou um grupo de pessoas para estudar “O capital”,
ficamos vários anos nos reunindo duas vezes por semana para ler Marx. O método de leitura
era o mais simples possível – líamos o texto em voz alta e pausadamente e quando preciso
voltava para o início da leitura. Depois de certo tempo, como costuma acontecer, o grupo foi
1 Transcrição realizada por Eliana Pereira Silva – mestranda do Programa Serviço Social PUC/SP, 2012.
encolhendo e ficaram apenas os dois. Terminado a leitura do Capital, resolvemos ir à fonte de
Marx e iniciamos a leitura da “Lógica de Hegel”, depois passamos a Feurbach, Adorno,
Benjamim e vários outros autores que abordavam a problemática que estava nos
interessando.
Essas leituras não tinha nenhuma finalidade prática, nós fomos guiados por mera curiosidade
intelectual e que eram coisas que nos interrogavam, nos provocavam. Fomos levados à leitura
pelo simples interesse em conhecer.
Apenas muito tempo depois, meio que por acaso, resolvemos rabiscar um pequeno livrinho
chamado “Dialética e Materialismo”, mais voltado para 1843.
O objetivo nosso, nessa época, não perseguia nenhum fim utilitário, o prazer da leitura sem
pressa. Não tinha na época o produtivismo.
Outro aspecto interessante nessa trajetória era a coisa que muito tempo depois passou a ser
reivindicado por alguns autores - a leitura lenta, leitura em voz alta e devagar. No mundo da
pressa e da agitação é natural que a gente leia no ponto de ônibus, na sala de espera do
dentista. Porém, os textos mais importantes merecem aquilo da convivência.
Recentemente surgiu um movimento propondo um modo de leitura lenta, derivado do
movimento slow food. Os textos merecem esse tratamento, os grandes merecem ser lidos
devagar e sem uma finalidade imediata. Basicamente, essa foi a história das minhas incursões
na leitura de Marx.
O que estava balizando o livro (O Jovem Marx) e as preocupações era a formação do
pensamento de Marx, onde ele dialogava com duas tendências intelectuais fortes - de um lado
a dialética hegeliana e de outro o materialismo sensualista de Feurbach.
E desse embate dos anos de formação é que Marx vai chegar a uma síntese original e vai tirar
sua ontologia do ser social. Toda a discussão nessa época está centrada nas duas grandes
figuras da filosofia clássica alemã, dois grandes pensadores da época.
O tempo que Marx começa a pensar é o tempo posterior à morte de Hegel. Hegel morreu em
1831 e a partir daí se iniciou uma grande disputa pela interpretação da sua obra.
A Alemanha fazia com que todas as questões só ganhassem dignidade quando tratadas no
jargão filosófico.
Os alemães pensavam, enquanto os outros faziam a revolução. Os franceses faziam a
Revolução Francesa e os alemães faziam a Filosofia. Construíram sistemas filosóficos
poderosos e o maior deles foi o de Hegel.
Talvez a maior aventura filosófica da história da humanidade foi Hegel – o sistema filosófico
que tudo incluía. Qual o significado desse sistema ou pensamento?
Desde o começo os alemães se dividiam em dois grupos – a esquerda hegeliana e a direita
hegeliana. E essa disputa vai se concentrar no livro mais conservador de Hegel que é a
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“Filosofia do Direito”. Nele ele faz uma glorificação da monarquia e do Estado como momento
da racionalidade.
Então, a partir dessa discussão filosófica e também política, todo mundo vai se agarrar ao
texto de Hegel para glorificar a monarquia ou para criticar a monarquia prussiana.
Basicamente, havia três temas em disputa: o primeiro deles era a relação entre o sistema e o
método da filosofia; o segundo tema é a famosa frase de Hegel – O real é racional. O racional é
real; e finalmente, o tema da religião.
Existe um sistema filosófico em Hegel que comporta a filosofia da natureza, a filosofia do
Espírito e a Estética, e havia nesse sistema um método dialético.
É claro que em Hegel o sistema e o método estavam conciliados e integrados, entretanto, os
discípulos de Hegel, tanto a esquerda como a direita, vai travar uma disputa em que a direita
vai enfatizar o sistema e a esquerda o método dialético.
Isto é, na ênfase no sistema se evidencia uma visão conservadora, você tem um sistema
filosófico acabado e um desses momentos é a Filosofia do Direito, aquele que glorifica a
monarquia.
Já a esquerda hegeliana vai enfatizar e se apoiar no método da dialética - a dialética
revolucionária. Ela propõe sempre o movimento e a negação. Se ela propõe a negação, ela vai
além do presente, além da monarquia. A história não vai parar com a monarquia prussiana. A
dialética impulsiona as coisas para frente. Isso conforma um primeiro embate – Onde se
apoiar em Hegel?
O segundo tema é a frase que está no prefácio da Filosofia do Direito de Hegel - O racional é
real, o real é racional.
É claro que a direita hegeliana vai enfatizar o real - a monarquia existe logo ela é racional.
Ao passo que a esquerda, ao invés de enfatizar o real, vai enfatizar a racionalidade e ao
enfatizar a racionalidade eles estavam, indiretamente ou diretamente, constratando a
racionalidade com a irracionalidade da monarquia numa Europa que já foi varrida pela
revolução francesa. A Alemanha era um país ainda feudalizado e atrasado – uma situação
irracional.
O Hegel já em vida passou por esse problema e foi cobrado. Ele muito cauteloso, já fez da sua
filosofia uma diferenciação entre o que ele chamava do real, que no fundo é um processo.
Ele esta no processo, separava o real do existente em um momento dado, momento empírico.
(...).
E ao mesmo tempo, Hegel era bastante cauteloso, porque e quando ele escreveu a Filosofia do
Direito – o livro que era como a glorificação da monarquia - ele fazia um elogio do Estado
Moderno como conceito e não o Estado realmente existente – a monarquia prussiana. Todo
mundo achava que era a monarquia, mas será que era mesmo?
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Mas, a luta política falou mais alto e os discípulos de Hegel vão se engalfiar e o próprio Marx
vai fazer a “Crítica da Filosofia do Direito”.
O terceiro tema que dividia os corações e mentes era a religião. A religião aparece na Filosofia
de Hegel como um dos momentos da manifestação do Espírito.
No sistema hegeliano você tem a arte, depois tem a religião e depois tem a filosofia. Ora, a
direita hegeliana vai enfatizar o teológico. A própria filosofia de Hegel que é o processo pelo
desenvolvimento do espírito, depois tem a religião e depois tem a filosofia. O sistema da
própria manifestação do espírito.
Já a esquerda vai enfatizar a racionalidade, no sistema de Hegel a religião é um segundo
momento, ela é superada pela filosofia. A religião é um momento a ser superado.
O próprio Marx junto com Stirner fizeram um livreto e não assinaram - “As trombetas do Juízo
Final contra Hegel, herege e anticristo” que era uma grande gozação. Os dois se colocaram na
condição de religiosos pietistas – “Essa filosofia de Hegel é melhor tomar cuidado, esse Hegel é
um materialista, um ateu... Tanto que a religião esta aquém da filosofia e no fundo ele defende
a razão, o pensamento. Ele é um anticristo, materialista, um ateu inrrustido”.
Todo o debate vai girar em torno desses três temas. E todos esses temas estão situados no
interior da Filosofia de Hegel e estão colocados nos termos colocados pela Filosofia de Hegel.
E a Filosofia de Hegel é um sistema grandioso que tudo inclui, por isso que o Engels disse que
esse sistema foi o maior que a humanidade já conheceu. É impossível você fazer um sistema
maior e acabar com Hegel. Esse sistema só pode ser demolido por dentro. É preciso que
alguém faça esse serviço. E quem fez esse serviço foi Feurbach.
Aparece na Alemanha um jovem hegeliano que depois se afasta de Hegel totalmente. Então,
Feurbach até na forma de escrever ele contesta Hegel.
Hegel era um pensador sistemático, todo o texto de Hegel é um encadeamento lógico movido
pela necessidade. É um pensamento totalizante e histórico, onde as identidades se desdobram
e se tornam diferenças, oposições, contradições e a dialética segue seu curso no tempo.
Feurbach já faz uma filosofia totalmente ao contrário, em vez de ter um texto lógico
encandeado, ele trabalha com aforismos, frases fragmentadas belíssimas como um artista.
Em vez de enfatizar o tempo e seu movimento inexorável, Feurbach enfatiza o espaço. Então,
vejam bem, na filosofia e Hegel o tempo leva à luta dos contrários a superação. Em Feurbach,
quando ele enfatiza o espaço, as coisas convivem no espaço. O espaço é tolerante e
conciliador, onde os opostos podem conviver em paz.
Em função dessa visão o próprio Feurbach não era chegado às conclusões definitivas, pelo
contrário, uma das obras dele chama “Teses provisórias para reforma da Filosofia”.
Ele não tinha a preocupação em fazer afirmações taxativas, tudo nele é ambíguo, poético,
aberto a interpretações. Isto é, ele escreve como um artista cheio de enigmas e procurando
fixar o sentido de uma vez por todas.
As coisas estão abertas, então surge daí uma filosofia alternativa ao racionalismo hegeliano.
Em vez de falar em razão, processos e essas coisas todas; Feurbach toma como ponto de
partida a intuição, a sensibilidade e o olhar e a contemplação.
Então é uma filosofia centrada no sentimento e não mais na razão como Hegel. Feurbach vai
contestar Hegel tomando como alvo principal o tema da Alienação. Foi Feurbach o primeiro a
colocar essa palavra na agenda filosófica e daí vai para a psicanálise e para as várias ciências.
O que ele vai dizer? A primeira coisa - que a filosofia de Hegel é uma filosofia alienada, isto é,
uma filosofia que parte da ideia de ser. A natureza é como se fosse uma criação do
pensamento, ela vem em segundo lugar. E essa ideia, esse ser que tudo condiz é algo abstrato,
indefinido. Isso ai é Deus, uma visão teológica. E o que é isso?
Então, ao invés de partir pela ideia, pelo pensamento, Feurbach quer partir do imediato, pelo
dado visível, pelo dado sensível, não quer o ser pensado, não algo abstrato. Ele propõe de cara
uma inversão materialista.
Então essa ideia que está em Marx de colocar Hegel de cabeça para baixo, está já dada em
Feurbach. Só que evidentemente Marx vai seguir um caminho diferente. Ele não vai partir do
dado imediato visível. Ele vai dizer - se a Essência das coisas coincidisse com a aparência, não
haveria ciência. O concreto só é concreto, porque a ciência de múltiplas determinações. Ele
não parte do imediato, mas do processo.
Mas, a ideia de que as coisas estão de cabeça para baixo em Hegel foi pela primeira vez
colocada por Feurbach. Então ele vai criticar também, em segundo lugar, por ser uma teologia
que começa pelo obscuro. Ele vai dizer – Isso é pura religião. E o que é a Religião? É a famosa
tese de Feurbach. Religião é alienação.
E ao dizer que a religião é alienação, ele faz uma critica dupla a filosofia de Hegel e a
monarquia, porque depois da morte de Hegel houve um momento em que o rei coloca um
filósofo (esqueci o nome dele). E vai justificar em termos religiosos a existência da monarquia.
Então o tema que é posto na mesa por Feurbach é o tema da religião. Religião é alienação. O
que quer dizer isso?
Resumindo as coisas, alienação quer dizer separação no sentido básico da palavra. A religião é
processo onde o homem se separa dos seus atributos. O homem vai dizer que Deus é
poderoso e Deus é bondoso. Ora esses atributos, são atributos humanos. O homem retirou de
si essas qualidades e colocou num ser imaginário e se separou dessas qualidades. Ele perdeu,
ele se alienou.
Então o Homem se aliena dos seus predicados e transfere a Deus os seus predicados. E fica
vazio, pobre. Como todo – a religião revela alguma coisa, a religião revela é uma revelação da
preciosidade ocultas do homem, a manifestação pública dos seus segredos e amores.
Então, vejam bem, se diz na religião revelada pelo cristianismo que diz Cristo é Deus. Deus é o
Homem. O homem adorava Deus, mas, na verdade adorava os atributos humanos. O homem
adora na religião o próprio homem e não percebe isso.
Como bom iluminista, Feurbach queria que os homens corrigissem isso e passassem a amar o
próprio homem. Ela estava pregando uma filosofia amorosa de adoração à humanidade.
E o jovem Marx foi achar que isso ai era o fundamento filosófico do comunismo. E por algum
momento ele passou a pensar isso.
Feurbach não é propriamente um ateu como um Marques de Sade que renega Deus e seus
atributos. Na religião o homem adora o próprio homem. É preciso que o homem tome
consciência e adore o próprio homem – os valores humanos. (...)
A religião é uma ideologia. Ela tem uma dimensão ontológica, envolve homens e seus
sentimentos. Você não vai dizer para o crente – dois e dois são quatro e não cinco. Logo Deus
não existe. Esse tipo de coisa não funciona.
A religião é uma coisa que envolve e ajuda a pessoa se comportar no cotidiano. Ela não é uma
questão só de conhecimento como achava Feurbach.
Uma coisa interessante é que ele fala que a religião é um sonho, um sonho que se revela
verdade. E que o homem adora o próprio homem.
Teve um cidadão que leu isso e levou isso muito a sério, mas nunca citou Feurbach, foi Freud.
O sonho revela uma verdade. Só que não é um predicado humano o inconsciente. Feurbach
influenciou Marx e Freud. Ele tem certo peso...
Outro ponto ligado à religião é que o homem é o único animal que tem religião. Então religião
é uma coisa que une o indivíduo ao gênero humano.
E essa relação – indivíduo e gênero humano – vai aparecer em Marx dos Manuscritos. Também
será retomado e guarda certa semelhança com essa motivação de Feurbach.
O Marx ficou absolutamente encantado com a filosofia de Feurbach que era a única novidade
revolucionária na Alemanha.
Ele vai se apegar principalmente a essa ideia de crítica da alienação e num certo momento ele
tem uma correspondência com Feurbach e o chama para participar da luta política. Têm-se os
fundamentos da crítica e Marx pega esses fundamentos e procura aplicá-los primeiro ao
Estado e depois ao Trabalho.
Feurbach recusou o convite de militância política e passou a vida inteira fazendo crítica à
religião e não saiu desse registro.
Nessa investida de Feurbach contra Hegel, houve alguns ganhos para Marx, mas também
perdas. Isto é, a filosofia de Hegel é uma filosofia do encadeamento racional, aonde as coisas
vão se desenvolvendo dialeticamente, enquanto Feurbach ao contrário é aquela filosofia que
parte do dado imediato da natureza, ao que é captado pela intuição, portanto Feurbach
aspirava a uma verdade sem mediações e sem que seja resultado das contradições. Portanto,
Feurbach vai acabar colidindo com a própria dialética de Hegel; vai negar inteiramente à
dialética.
E isso vai, de certa forma, contaminar o texto de Marx de 1843 – Crítica a filosofia do Direito. É
uma crítica que está muito presa a Feurbarch e, portanto não é uma crítica dialética. Já nesse
momento ele se afasta completamente de Hegel para criticá-lo.
Eis que o nosso amigo Marx casou e em plena Lua de Mel levou debaixo do braço “A Filosofia
do Direito” e um caderno de anotações. E nas horas vagas ele lia o texto de Hegel e fazia
anotações críticas. Muito tempo depois acharam isso e publicaram na década de 30 do nosso
século.
É um texto difícil e também apaixonante. Um jovem de 23 anos que reproduzia o texto de um
grande filósofo – Hegel.
É impressionante o tom de Marx desabrido e a coragem de enfrentar o texto sem se intimidar
com a estatura do seu adversário. Basicamente, o que ele vai desenvolver em 43 é a aplicação
da teoria da alienação de Feurbach à filosofia do direito.
E Marx tinha certa ilusão que ao criticar a Filosofia do Direito de Hegel, ele estaria criticando à
própria realidade. Ele quer fazer um dois em um.
Vocês passaram pela Filosofia do Direito... E resumindo um pouco, na “Filosofia do Direito”
Hegel estabelece que a vida social tem três momentos básicos:
1º. Momento – uma totalidade simples, uma unidade sem contradição que ele chama de
Família. Sempre dentro do esquema vernáculo da dialética hegeliana.
2º. Momento – parece que a família cresce e se desagrega e ai vamos ter um segundo
momento dado que dá lugar ao momento da alienação que é a própria sociedade civil. Se a
família era uma unidade de sangue, uma harmonia; a sociedade civil é cada um por si e Deus
contra.
É o momento dos interesses individuais. Então, rompeu-se a totalidade e estamos em plena
alienação. E Hegel vai dizer o seguinte - essa dispersão da totalidade que se fragmenta na
sociedade civil e nos interesses individuais, está em um primeiro momento. Passado esse
primeiro momento, os indivíduos passaram a perceber que entre eles a lei da concorrência
pode ter interesses comuns, então as pessoas começam a se agrupar em associações, em
clubes e em entidades que vão dar forma e agrupar o interesse comum. Então de repente, a
forma de grande dispersão, um princípio da universalidade começa a se colocar no interior da
sociedade civil.
É isso que vai permitir a passagem para o 3º momento, que é o Estado Político. Diz Hegel que o
Estado político é o momento em que se supera o atomismo da sociedade civil e o Estado vai
representar o interesse universal e não mais os interesses individuais ou os interesses
particulares das associações.
Claro que a sociedade civil já preparou o caminho com as suas associações para essa passagem
para o universal. E o próprio Estado se relaciona com a sociedade através dos parlamentos,
dos congressos, etc. Então ele mantém um intercâmbio, uma integração com a sociedade civil.
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Esse é o espírito da dialética, tem 03 momentos – uma totalidade simples que se aliena depois
ela se reencontra e se refaz; e o universal acaba triunfando.
E para o desespero do Marx esse universal se encarna no indivíduo que é o Rei. O Rei é o
representante da razão e do interesse universal. E o Estado pratica a racionalidade usando seu
corpo de funcionários, funcionários públicos. São os funcionários do universal, eles não têm
interesses particulares, eles trabalham em prol do interesse universal, do interesse racional.
E com isso Marx vai ter razões de sobra para babar de ódio – primeiro achar que o Rei
representa o interesse universal, segundo, o interesse universal é posto em prática pelos
funcionários públicos. O Marx tinha na cola dele os sensores – um Estado que fechava os
jornais e criava esse problema.
Então, basicamente, estamos vendo aí que Marx vai se debater com esse Estado visto como
um ente racional e como ente que superou os problemas da sociedade civil.
Hegel, supera uma integração harmoniosa das três esferas – O Estado se recompõem e impõe
o Universal a todos os particulares.
O que Marx vai dizer – Hegel fez um truque, um silogismo lógico dos três momentos para
partir daí e deduzir que o Estado é uma superação da sociedade civil, que é mais que uma
superação, que há uma superação. Que na verdade não há uma integração nenhuma - o
Estado esta separado da sociedade civil. Esse Estado, portanto, é um Estado alienado.
Então, vejam bem, da mesma forma que Feurbach dizia que Deus era a alienação da Essência
Humana, Marx vai dizer que o Estado é alienação da sociedade civil. Ele faz uma crítica
completa da própria Filosofia do Direito e acaba atingindo também a própria lógica dialética de
Hegel. (...).
Marx vai ficar numa visão dualista, separando a sociedade civil do Estado. Um ser
fantasmagórico, uma alienação. O que está por trás aí é uma coisa óbvia: Marx está propondo
uma Democracia radical. Em vez de a sociedade civil delegar poderes para prefeito,
governador, presidente, etc. Ela mesma deveria exercer o poder e não alienar o poder
decisório para outro.
A sociedade civil deve recuperar a sua essência extraviada, ele está quase propondo o fim do
Estado e o autogoverno.
O que ele quer é uma democracia radical, essa era a perspectiva de 43.
Acontece que essa democracia é obra do grande Demos, como ele diz. Só que os indivíduos na
sociedade civil para Marx são vistos ainda como indivíduos atomizados. Já que não há
mediações entre eles. Marx de 43 está numa posição filosófica e empirista, numa posição
política e democrática. Ela para mais ou menos por aí a sua reflexão.
Ai, o nosso amigo Marx por conta de suas atividades jornalísticas foi posto para fora da
Alemanha e em 44 ele está em Paris. E em Paris, ele está vivendo outra realidade – uma França
que foi sacudida pela revolução francesa e que já naquela época, tinha um aguerrido
movimento operário e ideias socialistas, movimentos, partidos.
De repente, Marx começa a se ver dentro de outra conjuntura. E começa frequentar a
assembleia de operários e começa ao mesmo tempo ler em francês os economistas ingleses.
Ela começa rapidamente a pensar – política, economia, arte e filosofia. E basicamente, vai
sentir a necessidade de fazer um ajuste de contas com Feurbach e com a dialética de Hegel.
Ele vai tanto elogiar Hegel como vai criticá-lo. E qual o elogio que ele faz?
Diz que pela primeira vez na história da filosofia, Hegel consegue a produção do homem por si
mesmo como processo. O homem como resultado do seu próprio trabalho. Pela primeira vez
na história da filosofia, alguém dá uma valorização nessa atividade chamada trabalho e diz que
ela é responsável pela formação do homem. Isso em geral já está em Hegel. Se pegarem a
história da filosofia, o trabalho sempre foi uma coisa ruim, trabalho é uma coisa escravista,
trabalho é para escravo.
O trabalho só começa ser valorizado quando o capitalismo vai se desenvolvendo e surge à
primeira figura inicial do capitalismo que é comerciante, que vem de negociante -
etimologicamente, negócio significa negar o ócio – negociante é o cara que nega o ócio e está
atento ao mundo real ao preço da mercadoria, como ela é feita, como pode comprar mais
barato.
Então, de repente, as pessoas ‘inteligentes’ resolvem pensar o mundo da produção. E
começam a dizer – De onde vem as riquezas das nações? A riqueza vem do trabalho. O
trabalho gera riqueza. E essa ideia está no ar.
Quem coloca isso na filosofia, o primeiro filósofo a tratar disso foi Hegel e Marx vai aprofundar
essa ideia e conferir ao trabalho um estatuto ontológico e uma base – como uma coisa que
estrutura a sociabilidade do homem.
O trabalho passou agora a ser atividade importante e uma atividade mediadora na relação
entre os homens e a natureza, portanto aquela visão dualista e contemplativa de Feurbach fica
pra trás. Isto é, o homem é um ser natural, mas é um ser natural humano que vai lentamente
se diferenciando da natureza através do trabalho. Então a essência do homem não é um dado
prévio como em Feurbach. Uma coisa dada de uma vez por todas. A essência do homem é o
resultado das atividades laborativas do homem. Claro, que essa visão aponta outro problema.
Agora a sociedade civil não é mais um conjunto desarticulado de indivíduos. A sociedade civil é
território articulado. A partir do trabalho, das relações sociais de produção, Marx começa
aquela caminhada em que as relações, a sociedade se articulam a partir do trabalho, vai falar
de relações sociais de produção e falará em modo de produção.
Além desse elogio a Hegel por colocar o trabalho como uma questão central da filosofia, ele
fará uma crítica a Hegel dizendo o seguinte – Hegel teve apenas o lado positivo do trabalho,
não viu o lado negativo que é o trabalho uma atividade alienada do mundo capitalista.
Isto porque, na complicadíssima filosofia de Hegel, objetivação e alienação eram vistas como
uma coisa única. Objetivar-se ou alienar-se era a mesma coisa.
A palavra alienação em Hegel não tem um sentido negativo. Alienação é o próprio movimento
das coisas e da separação que vai engendrando e torna possível a síntese. Uma coisa
necessária e benéfica.
E Marx vai separar a objetivação, existem formas pela qual o homem se exterioriza o seu fazer
– o homem vai trabalhar, vai fazer a arte, vai fazer a ciência – e essas são formas de
objetivação, mas junto com isso tem também a alienação que é uma forma particular e
socialmente determinada.
Chega um momento do processo histórico que o homem se objetiva, mas não se reconhece
mais nas suas objetivações. Mas, isso aí é uma característica que vai se agudizar no mundo
capitalista. É algo dado historicamente e ponto.
A alienação pode ser superada pela prática dos homens, ao contrário do que diz a filosofia
existencialista que vê a alienação como um dado básico. O próprio ser lançado no mundo. Em
Marx uma coisa que precisa ser revertida.
Então a partir daí, Marx vai enfocar o trabalho humano alienado. O trabalho tem duas
dimensões: ele cria o homem historicamente, mas no mundo capitalista ele é um processo
capturado pela lógica da alienação. E contra isso Marx vai lutar pela desalienação do trabalho,
propor o comunismo de uma forma ainda imprecisa.
Muito bem. Então já em 44 e fechando essa breve exposição já encontramos os elementos
básicos da ontologia marxiana em estado nascente. Ele chega a partir de uma síntese do
materialismo feurbachiano e o idealismo hegeliano.
Ele critica Hegel porque ele vê o trabalho de uma maneira abstrata, o trabalho no conceito. Ele
está pensando no trabalho dos operários. E também critica Feurbach, que em vários
momentos começou a ver as coisas de maneira subjetiva, através da intuição e não como
resultado da atividade humana, da prática humana.
Feurbach contempla a natureza como se fosse um dado, uma realidade imediata. Ele olha para
uma cerejeira e diz – Eis a natureza! Estou vendo uma coisa imediata. Mas, não é. A cerejeira
que você está vendo não nasceu na Europa. Ela veio do oriente. A cerejeira é resultado do
comércio entre os homens da prática humana. Ela não é um dado imediato.
Tudo é mediado. As coisas que nós vemos a nossa frente são todas mediadas. Mediadas como
resultado das práticas humanas.
Essa síntese entre o materialismo e o idealismo começa através do emprego de termos
ambíguos em 1844. Marx vai falar de paixão, na paixão de Cristo, a entrega a um objeto
exterior. Paixão é passividade, é sofrimento. Quem está apaixonado sofre porque não pode
agir. Fica preso a uma coisa de fora que lhe prende, amarrado, sem poder ficar entregue a
paixão.
Porém, paixão também no romantismo em Hegel é uma força criadora, paixão também é
atividade são duas coisas contraditórias. Marx começa a falar em Paixão que não é só como
em Feurbach aquela coisa dada.
E depois Marx vai falar em atividade humana sensível – atividade é Hegel, sensível é Feurbach.
Não é só atividade espiritual como em Hegel, mas é atividade humana sensível.
Logo depois, Marx vai tentar achar uma palavra para juntar materialismo e idealismo – ele vai
falar a partir do trabalho em práxis.
O que é o trabalho? O trabalho é uma atividade material, porém, eu vou pegar o exemplo da
abelha e do arquiteto – a diferença entre os dois é que o arquiteto antes de fazer a sua casa,
ele faz o projeto. A consciência se antecipa e no final a casa está pronta. E aquela casa pronta,
o que é? É uma síntese, o resultado do tijolo, ferro, vidro e uma ideia. O arquiteto fez um
desenho. A consciência se antecipa. Então o que é uma casa? Uma casa é matéria e uma ideia.
O que é essa mesa? É matéria e uma ideia.
Estamos no campo da dialética. Depois Marx falara em práxis, na concepção do trabalho e
também em uma ideia movida por uma ideia material. E Marx sempre retoma isso. A coisa
mais abstrata que tem é uma ideia.
Mas, quando uma ideia é incorporada pelas massas. Ela se torna uma força material, ela
modifica a realidade. É um instrumento de luta. Então é o contrário de uma coisa abstrata. É
uma coisa que tem instrumento e combate.
Marx na sua maturidade, em vez de falar em práxis, vai falar na produção da vida social – das
relações do homem com o homem, do homem com a natureza. Até chegar finalmente ao
conceito de modo de produção. Uma visão da sociedade formada pela formação das forças
produtivas.
Então Marx vai trilhar um longo caminho, aonde ele vai o tempo todo dialogando com Hegel e
Feurbach. Eu acho que ele nunca abandonou esses dois autores, mesmo nos Grundisse;
embora ele não fale em Feurbach, essa relação do indivíduo com o gênero humano, da
sensibilidade e do sensível reaparecem aqui e ali.
E Hegel perseguiu Marx a vida inteira. Ele nunca conseguiu pensar sem passar por Hegel nos
Grundrisse. Isso fica mais claro no “Capital”. A presença de Hegel é muito forte. Ele está se
debatendo...
O percurso nesses dois anos – 43 e 44 – Marx viveu muito. Foram anos de grandes impasses
sementes que foram frutificando em sua obra futura.
Isso é basicamente uma exposição sobre o livro que eu escrevi há muito tempo atrás.
Eu gostaria agora de estender um pouco essa discussão para ver que os temas de 43 e 44 vão
reaparecer nos debates contemporâneos em outros registros.
Elaborei um pequeno roteiro para conversar com vocês.
Em 43 o que está em primeiro plano é a relação do Estado com a sociedade civil.
Claro que Hegel é um autor que vai privilegiar sempre o Estado que é o momento do universal
e da harmonia social, espaço que garante a harmonia social.
Hegel não tinha muita confiança na tal sociedade civil. Ela sozinha caminha para a
irracionalidade. Se não tiver um Estado ai presente vai se degenerar uma guerra de todos
contra todos ou as corporações contra as corporações. Os interesses particulares que não se
entendem.
A sociedade civil vai ser sempre essa esfera do público e do privado, do universal e do
particular. Ela não é mais a família. Não é mais o Estado. É um intermediário que fica ai entre
os dois.
O Marx como nós vimos, retoma essa oposição – essa relação entre sociedade civil, num
primeiro momento ele vai dizer que Hegel está totalmente enganado, está disfarçando com
artifícios lógicos, mas o que ele mostra com o livro dele e que ele não quer admitir é a
profunda separação entre sociedade civil e o Estado.
Ele não viu que o Estado não é universal. O Estado é uma alienação. E Marx, como nós vimos,
ao mesmo tempo olhava a sociedade civil como composta por indivíduos desarticulados,
atomizados, soltos, não havia uma articulação. Não havia classes sociais ainda presente.
Porém, Marx logo vai abandonar essa ideia e ver que o Estado não é o ethos da sociedade civil.
Não é um ser alienado separado da sociedade. Mas, pelo contrário, o Estado foi ocupado pelos
interesses particulares da sociedade civil. Os interesses particulares mais poderosos tomam de
assalto o Estado.
Então o Estado é o comitê executivo da burguesia, de uma forma bastante direta. Então o
Estado passa a ter um conteúdo de classe, não é aquele universal alienado.
E quanto à sociedade civil, Marx vai começar a “escafruchar” e vai dizer – O Estado se explica
pela sociedade civil e a sociedade civil tem uma anatomia, temos a economia política. Marx vai
se dedicar a economia política e não falará mais em sociedade civil. Nas suas obras maduras
ele já não está mais preocupado com o termo sociedade civil. Quem vai falar em sociedade
civil, vai repor o tema na mesa é o Gramsci, mas isso já é outro contexto.
O que Gramsci vai dizer – ele vai pensar a especificidade da situação italiana e vai dizer –
podemos repetir a revolução russa e tomar de assalto o Palácio de Inverno.
Isso tinha sentido e a numa sociedade em que o Estado era muito forte e a sociedade civil
muito fraca como a Rússia. Então você toma o poder onde ele está e você a partir daí muda a
sociedade.
Na Itália que ele chama de ocidente, a sociedade civil é muito forte e o Estado não precisa ser
forte. Ele é fraco. Então o poder não está todo concentrado. Ele está plasmado e realizado nos
institutos, associações da sociedade civil. Então ele passaria a sociedade civil como um sistema
de trincheiras onde se luta pela hegemonia para se chegar ao socialismo. Então a luta não é
apenas tomar de assalto o Estado, mas você obter hegemonia no interior da sociedade civil. O
poder já está espalhado aí uma concepção ampliada de Estado. Até ai tudo bem.
3
As coisas começam há complicar muito tempo depois, quando a sociedade civil fará a sua volta
triunfal política outsiders num novo contexto. O contexto da desagregação da União Soviética
e a ofensiva do neoliberalismo.
Nesse momento, os setores ponderáveis da esquerda passa a incorporar um discurso liberal e
passam a ver o Estado como o espaço do autoritarismo e a sociedade civil como espaço da
liberdade.
Então a sociedade civil é onde existe autonomia, associação voluntária e pluralismo. Começa
um novo movimento onde a solidariedade representava a sociedade civil contra o Estado
autoritário. Logo a sociedade civil é o lugar bacana, gostos, simpático, vamos fazer o curso da
sociedade civil!
Marx vai dizer que tudo bem, tem a sociedade civil e tem a sua anatomia, tem a economia
política, mas não se fala mais em economia política. Desaparece o modo de produção
capitalista que impõe a sua lógica a toda a sociedade. A sociedade agora é vista como uma
coisa que se desagregou em fragmentos, em instituições. Todas têm o mesmo peso e a
economia é apenas uma das dimensões da sociedade civil. E o resto seria cair em um
determinismo econômico.
E, portanto, na sociedade civil vai reinar a atomização. Não há mais classes estruturadas a
partir da economia da luta sobrevivência e da reciprocidade dos meios de produção. No lugar
das classes vamos ter grupos de interesses.
Voltamos à política outsiders liberal - você tem grupos de interesse, ou na visão mais pós-
moderna, a sociedade civil é o lugar onde as identidades afirmam suas diferenças e os
indivíduos só se reconhecem a partir dos seus estilos de vida e de padrões de consumo.
Então chegamos num ponto de padrão ideológico e rosa da sociedade civil. Onde a sociedade
civil é onde está o mercado, portanto é uma estrutura de poder.
Há um belo livro de Ellen Wood “Democracia e Estado” em que ela estuda essas mutações da
sociedade civil e num certo momento ela vai dizer o seguinte – Os antigos déspotas exerciam o
seu poder sobre a sociedade. A partir do exercício de força do poder, do terror. Mas,
coitadinhos, eles nunca imaginaram uma estrutura de poder em que o poder invade a casa das
pessoas através da televisão, dos meios de comunicação. O poder invade a intimidade das
pessoas, através da propaganda, da ideologia. Nenhum déspota imaginou uma maneira tão
completa de poder como esta que está dada nos tempos modernos através não do Estado,
coitado, mas do mercado.
Então estamos vivendo ai uma grande apologia da sociedade civil e do neoliberal, e um horror
do Estado. Eu leio o Estadão e vire e mexe aparece expressão do tipo: “aparar as garras do
Estado”.
Evidentemente, nem toda esquerda foi adotar esse discurso liberal. Mas, a crítica do Estado
vai ganhar uma versão que atinge a própria concepção de política.
4
Na década de 70, István Mészáros escreveu um artigo na revista italiana ‘crítica marxista’,
onde ele vai dar uma grande ênfase ao texto de Marx de 43. O Rei da Prússia (As Glosas críticas
marginais).
A partir daí o professor Chasin vai retomar essa ideia de Mészáros e vai fazer a critica da
política, como atividade negativa. A onto-negatividade da política. E a partir do Chasin, os seus
discípulos no Brasil inteiro e se renovam. Que coisa fantástica isso! Um cara que já morreu há
tantos anos, tem discípulos que nunca o conheceram.
Eu tenho lá certa implicância com essa tese pelo seguinte: primeiro uma implicância política –
a política é uma atividade negativa. Não é uma atividade que emancipa homem. Logo,
conclusão possível – porque Chasin não pensava assim, mas fica aberta a porta. Eleição para
prefeito não vai emancipar, não vou sujar as minhas mãos com isso. Eleição para reitor não vai
emancipar... A atividade política mantém uma posição aristocrática de recusa - quando for
fazer a revolução vocês me avisem que eu quero sair para as ruas, mas antes disso eu não vou
sujar as minhas mãos. É um convite ao absenteísmo, essa é uma consequência pratica da crise
da política.
Enquanto que o velho Lênin tem a política revolucionária, tem também aquela política
cotidiana e cinzenta, as pequenas lutas dia a dia. Portanto, não são revolucionárias, mas criam
condições para a Revolução. Porque nenhuma revolução nasce do nada.
Mas, o eixo da questão é o seguinte, essas “Glosas do Rei da Prússia” é um texto em que Marx
está muito Feurbachiano. Ele está contrapondo razão política e razão social, mas no fundo fica
a ideia de fazer política é relacionar-se com o Estado.
E o que é o Estado? É uma esfera alienada. Logo a ação política está envolta da alienação. Está
se emaranhando com o Estado na lógica da disputa dos cargos do Estado. E não sai disso.
Então cuidado com esse negócio. O Estado foi ocupado por interesses particularistas nos
tempos modernos pelos monopólios, mas o Estado também é um campo de batalha, através
da política, da eleição você pode modificar o Estado, compor posição social do Estado,
afastando os setores monopolistas mais nocivos. E cobrando os setores.
Não é nenhuma maravilha do mundo, mas é um salto no processo histórico e num patamar
para outras coisas que poderão vir daí para frente.
Ainda sobre a relação do Estado e a sociedade civil - dá pra pensar toda a história moderna do
Brasil a partir dessa tensão entre Estado e Sociedade Civil. Lembrando que todo o período pré
30 era um momento marcado pelo liberalismo no Brasil. Principalmente, o que diz respeito às
relações de trabalho – os conflitos trabalhistas eram resolvidos com o código penal. O
capitalista ligava para a polícia – tem uns bagunceiros na minha fábrica que pararam o serviço.
Então a questão social era um caso de polícia. E as coisas sofrem uma mudança radical com a
revolução de 30. Que também é objeto de uma grande disputa ideológica no Brasil.
Acontece que em 30 o Estado foi tomado por um grupo no Rio Grande do Sul, formado pela
filosofia positivista e resolveram moldar o Brasil a partir do ideário positivista que dizia que a
sociedade é um organismo de partes solidárias, esse organismo tem uma cabeça que é o
Estado, cabe o Estado fazer o que – o planejamento da economia. Criar empresas estatais,
depois o Estado vai manter o equilíbrio social combater os egoísmos – como ele faz isso? Se
intrometendo nas relações entre capital e trabalho, CLT é isso, são os fiscais do Ministério do
Trabalho que vão às fábricas verificar se as pessoas tem banheiro, se tem contrato de trabalho.
Então Vargas cometeu a indelicadeza de colocar na relação entre o capital e o trabalho, o
Estado para o desespero da burguesia vai fixar o salário mínimo e vai criar o sindicato no Brasil.
Sindicato de grandes massas. Não mais sindicatos de minorias ativistas. Então vamos ter uma
rede sindical, pela primeira vez vamos ter um sindicato burocrático.
Como é que ele concebia o sindicato? Ele concebia o sindicato como órgão de colaboração
com o poder público. O sindicato era uma mediação entre os operários e o Estado. Ele era
importante para os operários porque superava o egoísmo dos operários. Em vez, de o cara
resolver sozinho o problema com o chefe de seção, ele vai se reunir no sindicato e dá uma
expressão mais coletiva para a sua reivindicação. Um princípio de universalidade.
E vai levar essa proposta para o Estado e levar a proposta do Estado para a classe operária.
Então o sindicato é um órgão de colaboração com o poder público. Claro que a burguesia
nunca mais perdoou Vargas.
Quando chega a ditadura militar, essa estrutura toda foi mantida e começa a luta contra a
ditadura. E aí a esquerda volta a ter um discurso liberal. O que se dizia na época – O Estado
está divorciado da sociedade civil. O Estado está agindo sozinho.
O Estado estava sendo financiado por grandes grupos econômicos. Delfim Neto recebia o
presidente de grandes corporações sem marcar audiência. Então não havia nenhum divórcio.
O governo militar trabalhava de acordo com o grande capital internacional e o grande capital
nacional. Precisava organizar a sociedade civil para se contrapor a esse Estado. A sociedade
civil só estava desorganizada para nós (os outros), porque para a FIESP e para os banqueiros,
sempre estiveram bem organizados.
E mais que isso, a constituição vai transferir para a esfera pública essa visão organicista de
Vargas que estava dentro da esfera estatal.
Então vejam bem. O que estava na esfera estatal vai para a esfera pública. Então por exemplo,
os sindicatos agora estão desatrelados do Estado, eles não são mais órgãos de colaboração de
poder. Então o Ministério do Trabalho não tem mais aquele poder de intervenção nos
sindicatos.
E mais que isso; a constituição criou um Ministério Público, um órgão que age independente
do Estado em defesa da cidadania. Então para quem gosta de Gramsci e da noção do Estado
ampliado, nós chegamos a outro patamar na nossa república.
É claro que boa parte a da nossa constituição ficou aberta ainda para regulamentação
posterior, dispositivos e a luta continua feia ainda... E logo esse caráter republicano vai levar a
uma férrea oposição.
Os neoliberais agora não gostaram muito dessa inclusão na ordem pública, eles querem jogar
as coisas para a ordem privada e para o código civil. Como eles não podem mexer na
constituição onde as leis estão codificadas, congeladas e enrijecidas. Eles começam a valorizar
a sociedade civil como a esfera da liberdade, isto é você tem o que está legislado e o que uma
camisa de forças para as classes sociais. Mas, você pode também ter o que o que é negociado.
As partes podem negociar livremente vários acordos trabalhistas ao arrepio da constituição.
Tudo pode ser negociado entre as partes – redução de carga horária, salários e a flexibilização
das leis. De novo a sociedade civil passa a ser vista como essa maravilhosa esfera da liberdade.
Finalmente, voltando agora para 1844 – Em 1844, Marx firma o esboço da sua concepção
ontológica. O que serviu, lembrando que esse texto foi publicado tardiamente, portanto ele
veio a publico em 1932 e o Marxismo já estava consolidado como doutrina.
E havia duas correntes básicas, concepções canonizadas – um que foi sistematizada por Stalin
que retomou algumas ideias que estava em Engels e que basicamente via o marxismo como
um sistema fechado, completo e fechado. E tinha duas disciplinas, o materialismo histórico e o
materialismo dialético.
E o tal materialismo dialético, a parte filosófica do conhecimento, tinha por base o reflexo. O
que era o conhecimento? Era o reflexo da realidade consciente. Reflexo da matéria. Então o
conhecimento é o reflexo da matéria na consciência.
Ora, entre a consciência e a matéria, você não tem mediações. Você não tem o trabalho como
elemento mediador estruturador das coisas. Uma visão bastante dualista e problemática do
que vem a ser o processo do conhecimento. É o reflexo de uma realidade. As coisas não são
criadas pelas praticas dos homens. O conhecimento é só um espelho e ele interfere. Ele
espelha a realidade. Não é conhecimento ativo e transformador.
A outra coisa é o materialismo histórico. Engels cometeu um equívoco ao querer pensar
dialéticas que se desenvolvem. Então a matéria se desenvolve pelas leis da dialética, leva a
consciência social e a vida social via produzir esse movimento que é a dialética. Então a
dialética existe em primeiro lugar na natureza e depois se prolonga para a história dos
homens.
Ora, a história dos homens passa a ser determinada de uma forma mecânica pelas leis naturais
e tem a mesma força que operam as leis da natureza. Então o que sobra para prática humana?
O homem não faz o conhecimento, ele reconhece o movimento das coisas até as etapas
necessárias e no máximo apressa as coisas que são inexoráveis. Isto é, a prática humana fica
prisioneira da necessidade férrea das leis naturais. Não há mais invenção do futuro. Não há
mais liberdade de você escolher entre possíveis. Você segue um caminho pré-determinado
para o mundo mágico do socialismo, tem vários modos de produção que se encaixam e
pronto. Está tudo certinho e pronto. Não se tem invenção.
Então esse foi o pensamento mais ou menos hegemônico. E contra esse pensamento que vai
se voltar na década de 20, o que eu chamaria das “filosofias da consciência” - Lukács “História
e consciência de classe”.
(...)
A prática é uma atividade da consciência. Ela não tem mais como modelo o trabalho que
impõem certos limites à liberdade do homem. O homem para derrubar uma árvore não vai dar
asas à imaginação livremente e fazer com que a arvore caia da cabeça dele. A árvore tem certa
legalidade. Tem que conhecer a estrutura da árvore, como cortá-la...
Então vejam bem, agora tudo é uma questão de consciência. De prática e consciência.
É um ativismo muito forte dos anos 20. E Lukács também vai falar da unidade do sujeito e
objeto com a visão ultra-hegeliana das relações entre o sujeito e objeto.
Onde também não há trabalho, não há ações – tudo uma questão de tomada de consciência
revolucionária.
Então, eram essas as duas fortes correntes, sendo que essas “filosofias da consciência” vão
abrir o caminho para uma terceira corrente, dando continuidade a elas, porém sem o seu
caráter revolucionário e ativista que é o chamado marxismo ocidental - A Escola de Frankfurt,
que vai construir toda uma teoria crítica onde o trabalho não comparece, e não comparece
também essa separação entre objetivação e alienação.
Se a gente pegar um livro do Adorno “Dialética e o Esclarecimento” como é que ele vê o
processo histórico? O processo histórico em Marx é o recuo das barreiras naturais – o homem
lutando pela sobrevivência, as forças produtivas. Adorno vê todo o processo histórico como
um caminhar no processo de alienação que começou com a viagem de Ulisses...
Enfim, a história é o caminhar progressivo da razão instrumental, portanto um caminhar da
razão, da ideia. Estamos diante de uma concepção idealista do processo histórico, isto porque
suprimiu com a natureza, o trabalho. Aquelas coisas palpáveis.
Parece que é bom a gente voltar para essa questão da alienação e da objetivação para ver que
o homem é um ser que se objetiva, tem a prática social. E isso pode trazer modificações para o
mundo alienado.
O Adorno chegou ao limite de falar em reificação absoluta. Se há uma reificação nesses
termos. Acabou, viramos coisa. Não há um espaço para a invenção, para a prática humana e
daí pra frente...
É bom se voltar para esse tema que Lukács vai desenvolver na sua ontologia – as
consequências da separação entre objetivação e alienação, porque me parece que na
universidade que estamos vivendo esse marxismo ocidental, sem classes, sem classe
operária... E isso se tornou o máximo do marxismo possível.
O que se estuda na História e consciência de classe é o problema da reificação. Enquanto
reificação você tem a arte vanguardista e a teoria crítica.
E mesmo a arte o Adorno vai dizer que a vanguarda envelheceu. Então é que fica uma
ambiguidade. Acabamos ficando prisioneiros do processo de reificação. E o homem perdeu a
capacidade... Porque na realidade não é mais contraditório. A realidade é essa. Deixou de ser
contraditória e foi colonizada totalmente pelo processo de reificação. E os homens ficarão
contentes com essa condição de serem coisas. Não é bem assim!
8
O trabalho e a classe operária, às vezes, faz greves porque quer se diferenciar das coisas, quer
ganhar um pouco mais e viver melhor.
Pequenos detalhes que faz com que a história, apesar de tudo, caminhe. Apesar de tudo, as
objetivações – a arte, a ciência – continuam interferindo e modificando o curso da realidade
onde os homens lutam.
Então, resumo da ópera - nós temos aqui em 43 uma reflexão sobre o Estado e a sociedade
civil, a questão da dialética e seus desdobramentos e tem uma visão ontológica em 44 que
permite sair da “enclaracada” em que o marxismo se meteu no século 20, em que ele ficou
bastante prisioneiro de três correntes fortes.
É claro que tudo isso bastante fraco para enfrentar os novos desafios da realidade – o
capitalismo na sua fase moderna, a globalização, novos conflitos sociais... Então nós estamos
precisando de uma teoria, precisamos voltar ao núcleo duro do marxismo que tem ainda o que
dizer e necessita de desenvolvimento.
Então, basicamente era isso que eu tinha que dizer. Levantar questões para vocês. Agora vocês
levantem as questões...
Professora Beatriz Abramides – Então vamos abrir para as questões, problematizações,
dúvidas. Vamos nos aquecer.
Então enquanto as pessoas se aquecem, eu quero trazer algumas questões, não para discutir
agora, mas para continuar discutindo.
A primeira delas é que você diz o seguinte: com certa implicância, mas não é o que o Chasin
falou. Você tem razão é que os marxistas contemporâneos utilizam da onto-negatividade da
política como uma perspectiva imobilista em relação à possibilidade da própria política. Então
só ai já é um tema.
Por que no Chasin não há elementos para isso. Por que na realidade quando ele traz essa
discussão ou mesmo os seus discípulos, e você tem razão quando diz que ele tem discípulos
que se quer o conheceram. Quando ele morreu, há mais ou menos 10 anos. E há discípulos
recentes, temos 02 aqui na sala que não vieram hoje...
E esse é um tema que sempre vem no NEAM, à questão da onto-negatividade da política. Acho
que esse é um ponto do aprofundamento, porque na realidade a discussão que é feita no
âmbito da própria questão do Chasin – é a questão da onto-negatividade pensando a
perspectiva da emancipação humana.
Ou seja, do fim do Estado e a auto-organização dos indivíduos. Ou seja, numa outra sociedade.
Acho que isso é importante, porque se não a gente cai exatamente nessa emboscada que você
esta trazendo. Acredito que esse é o aspecto que a gente tem que aprofundar. Porque o
próprio Marx vai colocar e depois o Lênin. Quando o Celso traz que as lutas imediatas são lutas
históricas. Tanto que toda a discussão que Lênin vai fazer no “O que fazer?” é a crítica ao
economicismo, mas não a perspectiva da luta econômica, expressão da luta imediata e da luta
histórica. Então são elementos que se combinam.
Celso Frederico – Lembrando também que Lênin criticava o critinismo parlamentar. Achar que
através do parlamento você chegaria ao socialismo. O Engels tem um texto sobre o socialismo
jurídico, através das leis você não chega ao socialismo. Não é por aí. Mas, ninguém vai deixar
de participar... É importante participar, precisa estar lá dentro.
E o direito não é uma coisa fechada. O direito é um campo de batalhas. Não vai participar dos
Direitos, das lutas?! O direito é uma coisa apaixonante nesse sentido. Na formatação da vida
social, logo as coisas, os conflitos humanos passam pelo Direito.
Se as leis fossem tão “bonitinhas” não precisaria de advogado, nem promotor. O cara pegava
as leis e enquadrava e tal... Mas, ao contrário, cada lei e cada problema são uma interrogação
e embate. Vejam o exemplo do mensalão.
Evandro – O mensalão é luta política a todo o momento. Apesar de ser mediático.
Beatriz Abramides – Estou trazendo para vocês e lembrando porque acho que são coisas
importantes de serem aprofundadas e que já estiveram aqui.
Outro tema ainda é em relação às “Glosas do Rei da Prússia”, ainda que se pese que cada obra
precisa ser analisada se discutida em seu período e o seu tempo, a discussão que a gente faz
das Glosas e a relação com a profissão, à discussão com a assistência e de como isso vem na
história... A crítica de Marx a essa questão... E sobre isso seria importante vocês lerem agora o
artigo da última revista serviço social e sociedade, o primeiro artigo que é do Zé Paulo vai fazer
uma discussão exatamente nessa direção, uma discussão que ele já vem fazendo desde o CBAS
de Foz do Iguaçu. E eu coloquei no Facebook para vocês um vídeo que ele vai fazer essa
discussão num curso de formação da ABEPSS.
No fundo é aquilo que você trazendo, o que significa o retorno do pensamento neoliberal na
crise estrutural do capital e do capitalismo e o desmonte das políticas. Aonde a política de
assistência que historicamente vem e para conter e hoje ela passa a ter uma centralidade. Isso
tudo conversa com o momento contemporâneo. Então são esses dois pontos que eu gostaria
de lembrar que apareceram aqui no debate.
Marisa – Você está trazendo o lugar que a sociedade civil passa a ocupar como resposta... Por
exemplo, a gente vê alguns autores discutindo a lógica de punição como impossibilidade do
Estado de Direito. A gente tem como resposta o Estado Penal.
Eu fico me perguntando, hoje quem está no movimento social está tentando resgatar para que
o menino não morra mais. E eu tenho me perguntado, mas aonde a gente vai gastar energia,
por a gente está vivendo um movimento de genocídio da juventude negra, de um
aprisionamento em massa, de incêndios criminosos.
Então pensar simplesmente, eu sei que você não quis dizer simplesmente, mas pensar que
vamos entrar na luta política na perspectiva de vamos ver quem é o melhor...
Hoje a barbárie do capital se apresenta de uma forma ferrenha e respostas poucas. Eu vejo
que a gente está cada vez mais enxugando gelo e cada vez mais se afogando nesse gelo...
Estou cada vez mais com dificuldade de entender. Eu não tenho nada a ver com Chasin, mas eu
tenho dificuldade de entender. Eu tenho me perguntado quanta energia a esquerda tem
utilizado mesmo para reforçar a disputa política, para entrar nesse “parlamento”.
Eu entendo a importância, mas vejo cada vez menos essa importância considerando que nos
temos por um lado o capital acirrado impossibilitando os movimentos.
Celso Frederico - É que vocês do Serviço Social estão no olho do furação. Esse é que é o
problema. Vocês estão numa divisa tremenda. Eu devolvo a pergunta para você nos seguintes
termos. Tudo bem, o capital tem uma lógica destrutiva e incontrolável. Mas, tanto faz Serra ou
Haddad?
Marisa - Sinceramente. Não sei. Quando eu vejo a política de Belmonte... Os desmontes das
políticas públicas... Os índios morrendo e a rede de proteção desesperada... Eu sou funcionária
do Estado e tenho claro que essa aliança não é comigo, trabalhadora. A aliança é com o outro
grupo... Eu sinceramente tenho dúvidas. Acho que os profissionais da saúde vão ganhar mais,
os professores... Mas, a lógica é que vamos apenas remediar.
Celso Frederico - Só para assustar um pouco, vocês não acham que as coisas podem ser muito
pior? Vocês viram o debate nos EUA? O sistema de saúde nos EUA que maravilha que é? O
Obama quer fazer o nosso SUS lá. E isso é visto como comunismo. Então chegaram a tal ponto
que a interferência do Estado no rentável ramo da saúde é comunismo. O Obama quer fazer
um Sistema Universal de Saúde.
Marisa - Acontece hoje o que com o SUS? Professor eu acho que a gente tem que ter um
pouco de cuidado, de chegar ao ponto de entregar o bastão - é melhor você! Melhor você
como?
Celso Frederico – Não é uma questão de entregar o bastão porque em política a gente tem
que ter poder, tem que ter autonomia e pressionar, porque sem se pressionar, não se
consegue nada.
Marisa - Então vou dar um exemplo, Comitê da Juventude se reuniu. Esse comitê é formado
por 10 organizações, entidades fortes. Sabe do que acontece a partir de uma política
cooptadora do governo federal? As ONGs que nunca trabalharam com isso, agora vão ter
dinheiro. Estão cooptando os movimentos. Agora são eles que estão trabalhando é lógico que
não vão enfrentar o problema... Eu acho criminosa a cooptação das lideranças e dos
movimentos sociais. Justamente, no sentido que o senhor falou – tem que ter luta, mas o que
está acontecendo nessa política do PT?!
Celso Frederico – O que está acontecendo guarda semelhança com o que aconteceu com ação
de Vargas. De repente chega ao poder um grupo que não é de esquerda ou que deixou de ser
esquerda como o PT. Faz uma aliança política assistencialista que beneficia setores
consideráveis da população pobre. O que esquerda faz? Perde o referencial. Ela fica perdida.
Você vai ser contra o Lula junto com os miseráveis? Não dá! Complicado esse negócio. Vai dar
carta branca? Também não. É uma questão...
Beatriz Abramides - Posso falar um pouquinho? Acho que são duas coisas distintas. Acho que
tem o campo da luta social que é retomada da autonomia e independência de classe. Todos
nós sabemos do desastre, por exemplo, de você ter uma CUT governista. De fechar com uma
Força sindical que não precisa nem o governo falar porque eles estão regulamentando a
questão da terceirização.
Guardada as devidas proporções, acabo de voltar de Néuquen. Muito diferente do que
encontrei naquele Congresso de trabalhadores onde tudo era Kirchner. Eu fui a Néuquen na
Patagônia, acabei de voltar onde tem um Estado de muita luta em uma região petroleira onde
apesar da Kirchner o peronismo e toda a situação da Argentina... Você tem um processo de
luta e muita mobilização.
Então na terça-feira tinha greve de trabalhadores em serviço público e universitários que
juntaram nas duas pontes de Néuquen - uma cidade com 300 mil habitantes – você tem seis
mil pessoas! E não é pouca coisa!
E a gente, não consegue no 1º de maio na Pça da Sé, porque a CUT e a força sindical... Bom,
todo mundo sabe disso... Essa é uma questão...
A outra é que também foi morto, nesta semana, um militante campesino. Tal qual os nossos
que estão aqui e diferentemente de parte da cooptação no Brasil que tem no movimento
social. Saiu todo mundo para a rua.
Eu gostaria de dar esses exemplos, porque tem mobilização, tem movimento social. É
importante a gente ver do ponto de vista da nossa América Latina. Como é que estão? Porque
isso dá elementos...
Depois eu fui para um debate, quando há dois anos o Mariano Ferreira que era um ferroviário
terceirizado de 23 anos de idade, eu estava em La Plata fazendo um debate sobre a
precarização do trabalho no dia que chegou a notícia que Mariano tinha sido assassinado. E ele
foi assassinado pela “patota” da burocracia sindical. E com a conivência da própria Cristina
Kirchner. Todo mundo pressionando.
Um pouco do que a gente faz com o governo federal dizendo – Olha guarda nacional, tem que
ir por lá, por que os índios estão morrendo e vai ninguém! Então acontece na Argentina. Você
tem o setor da burocracia que vai desde o período do peronismo...
Tanto que o setor combativo está começando a discutir... E eu fiz reunião com vários deles.
Vários grupos, discutindo a autodefesa. Porque os caras estão matando! E a burocracia está
viva. Bom e agora faz dois anos e saiu um livro - “Quem matou Mariano Ferreira?” Um
jornalista escreveu. Quero ler com calma.
E por último, fui visitar a fábrica ocupada, a Zanon, ocupada há 11 anos. Primeiro eles tem uma
formação política permanente. Segundo, ele tem clareza que não é socialismo num só país,
nem o socialismo no mundo da fábrica. Mas, a formação política da escola política dos
trabalhadores e trabalhadoras... A ideia é que você tenha proporcionalidade política na
direção, ou seja, as frações. Mas, só que na CUT isso acabou há muito tempo... E o
pensamento majoritário, quem leva mais... Vocês sabem o que é a luta pela democracia
sindical operária que foi um legado revolucionário do século XX da luta da classe operária. Que
é o que o Celso está trazendo aqui.
Outro elemento é que substituível a qualquer tempo, os trabalhadores hoje estão na rádio,
amanhã na comunicação do jornal e depois no chão de fábrica.
Então, por que eu estou trazendo? Porque isso é uma escola do ponto de vista daquilo que
agente pensa e também um pouco para balizar isso do ponto de vista da organização dos
trabalhadores.
Outra questão, que o Lowy falava um pouco lá e eu acompanhava o debate – a decepção que é
o desastre que o governo Lula e o governo Dilma hoje em função do grande capital.
E hoje de manhã, um aluno que veio falar na disciplina, o Vinicius, fazendo essa discussão que
estamos no processo de luta na mesma base, e ele dizia – Entre o mal e o desastre, ele vai
Haddad e que eu disse como “Bia” eu anularia o meu voto. Agora é um voto nulo
programático? Não.
Agora se você pegar o horror é o Serra e o desastre que é o Haddad... Em relação à política vou
pegar o exemplo da cracolândia que foi citada aqui, que a política de governo é a mesma coisa.
Não estou fantasiando, estou falando com base no programa de governo. A política nacional é
essa. Então, tudo isso para dizer o seguinte - é claro que muitos vão votar pensando entre a
barbárie e a barbárie e meia. Muitos vão pensar - vou votar na barbárie.
Eu só quero concluir... Independentemente de qualquer coisa, quem está aqui - ou vai votar no
Haddad ou vai anular, porque não tem outra saída.
Agora o que eu acho que unifica a gente é a possibilidade de continuar na luta independente.
Essa é a minha posição. Não vou supervalorizar a questão eleitoral.
Celso Frederico – Uma pergunta. Qual a postura dos candidatos para a cracolândia e qual a
postura do serviço social?
Beatriz Abramides - a postura do serviço social, primeiro a questão do direito desses
trabalhadores e desses usuários as políticas públicas; segundo contra uma política higienista
criminalizadora, terceiro contra a internação compulsória e a favor de uma política de saúde e
não uma política de segurança pública.
Isso está deliberado programaticamente nas nossas discussões, nos encontros CFESS/CRESS,
nos encontros de formação do exercício profissional, etc.
...
Evandro - Penso que toda essa questão é importante e que nos faz pensar sobre uma coisa
importante do pensamento de Marx. O Estado é só autoritarismo? E a sociedade civil é o reino
da liberdade?
É uma questão de contradição. A contradição se coloca, reflete no formato de uma posição
que uma hora a gente tem que tomar.
3
O jovem Marx se debateu o tempo todo com as contradições.
Toda a posição que a gente toma... E eu acho que é isso que o pensamento de Marx traz. No
entanto, na esquerda não é fácil tomar posicionamento. E não se consegue ver o contraditório
e o que vai além do contraditório...
Beatriz Abramides – Quero fazer um à parte de uma questão teórica no seguinte sentido - do
ponto de vista da esquerda, nós temos que ter um processo constante de formação política e
teórica. Segundo, hoje há também uma situação como eu vejo da esquerda no Brasil, que não
está conseguindo trabalhar com unidade de ação na luta (...). Isso é um equívoco, um erro.
Porque cada central sindical é uma unidade na luta, independente de ser evangélico, católico,
ateu do partido x ou y.
O problema é que a gente está vivendo essa questão de aprofundamento nessa direção. Outra
questão de tática e estratégia é a que gente tem que ter clareza de todos aqueles que lutam
conosco, independente da questão partidária, se estão ou não estão na luta.
Senão a gente vai ter uma visão dogmática que é diferente da ortodoxia. Ainda, por exemplo,
se tem companheiros que estão lá... Lutam, e é lógico que estamos apoiando. Assim como a
gente tem hoje gente dentro do PT setores da esquerda que se reivindicam revolucionários,
trotskistas. Como há setores que se dizem revolucionários que estão no PSOL.
... Mas eu gostaria que o Celso trouxesse um pouquinho, o que não está ligado à política
eleitoral e tem a ver com essa divisão. É em relação ao que você tocou um pouco da Escola de
Frankfurt. E que também retomasse um pouco de Lukács quando ele vai falar lá na estética, a
questão da suspensão... Ou seja, nem tudo é alienação na vida cotidiana. Porque eu estou
dizendo isso? Porque eu acho que tem a ver com essa discussão que a gente está trazendo das
contradições, dos contrários. Senão teríamos uma visão determinista não dialética da própria
história. Se você puder falar um pouquinho...
Celso Frederico – O problema da Escola de Frankfurt que você colocou aí, talvez uma das
origens do problema seja um texto de um cidadão chamado Pollock, que era um economista
da Escola de Frankfurt. Ele fez um texto na década de 30 em que ele defendia a tese do
Capitalismo Estado e dizia o seguinte: o capitalismo chegou a um estado brutal que não há
mais crises. Há um controle cada vez maior estatal da economia. Portanto, se é assim, todas as
decisões agora saem do campo da economia e são decisões políticas e técnicas. Então se
desenvolve toda uma teoria do controle social.
E para economia política perdeu o seu objeto. Agora é tudo política, não há mais economia.
Essa ideia de estabilidade do capitalismo vai de certa forma estar presente no pensamento dos
frankfurtianos. Se assim, está mais para ensaio da economia. Vamos pensar a superestrutura.
Eles fizeram isso. Mas, tem uma base por trás. Tem um pensamento econômico já pronto que
era a tese que não tinha conflito social – os sindicatos burocratizados. Então a tendência do
capitalismo é o controle social.
E depois a indústria cultura vai trabalhar na esfera da consciência, o lazer vai ser alienado.
Então, um pensamento que caminhou no sentido de colocar um fim as contradições sociais.
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Elas deixaram de existir. No Adorno você não vai encontrar a ideia de crise da economia
também. Está tudo dominado.
É claro que os sindicatos se burocratizaram lá e depois aqui e demorou um pouco mais veio
com força total. O pessoal aqui andou confundindo você ocupar posição na sociedade civil com
ocupar cargos públicos no Estado. Mais ou menos a confusão foi essa. Todo mundo viveu de
certa forma empregado Estado. Onde é está o Jair Mengueli e outras figuras como Vicentinho
e outros mais? Basicamente, os frankfurtianos levam essa ideia.
E tem algo curioso no meio intelectual que é o fascínio pelas ideias. Que no fundo é um grande
idealismo. Acabam automatizando as ideias.
Esses dias na ECA encontrarei com um rapaz que trabalha na revista da EDUSP. Ele me
convidou para um debate do pessoal pela liberdade de expressão e acabar com os monopólios
da comunicação. Eles querem democratizar a comunicação e fizeram um evento com muitas
dificuldades dentro da ECA.
Falei aqui, na ECA, estudar comunicação é estudar a recepção das novelas da rede globo. “O
pau está comendo” e as pessoas estão se distraindo com outras coisas. Eles não estão vivendo
em um país real, então acho que as ideias que aparecem podem ser despregadas da realidade.
E Frankfurt e seu fascínio - é um pouco por aí... Essa visão, bonita – um pensamento brilhante
– só que tem a realidade é marcada pelas crises. O capitalismo não tem mais crise? O Estado
não tem nenhum papel em lugar nenhum?
Então a reivindicação da ontologia é importante porque vai ao campo do objeto. Vamos sair do
campo do objeto. Vamos sair do campo da teoria e vamos ver como as coisas são na realidade.
Então se meus colegas estão vivendo num país imaginário, há um país real que está gritando
aí...
O problema da comunicação é terrível uma coisa que me chateia muito nesse processo
eleitoral. Por mais que o Lula tenha feito concessões e a Dilma. Você não tem um único órgão
de imprensa que seja minimamente simpático ou neutro com relação. É impressionante ver
um massacre desse tipo. Agora é engraçado que quando a imprensa vai de um lado à opinião
pública vai para outro. Eles falam para quem? Os comentaristas econômicos do Estadão, eu
fico pasmo com eles. Eles não dão o braço a torcer – a situação está boa para eles, está boa
para burguesia, está boa para o povo e eles não admitem isso. O salário acima da inflação. A
timidez do governo em adotar medidas econômicas, austeridade. Vejam em Portugal,
Espanha, Irlanda... Maravilha! No Brasil está tudo parado... É uma coisa assustadora e as coisas
podem piorar muito...
Mas, enfim acho que a prova nos “nove” é objeto é a realidade. A ontologia é esse convite.
Vamos ler as teorias e vamos ver se eles têm algo a dizer sobre a realidade. A realidade pede
outra teoria. E o que eu vejo é um descompasso.
...
Beatriz Abramides – Vamos agradecer a vinda do Celso.