O Essencial sobre Walt Whitman - incm.pt · mais relevantes dessa singularidade; de uma singu‑...

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O E S S E N C I A L S O B R E

Walt Whitman

O E S S E N C I A L S O B R E

Walt WhitmanMário Avelar

Índice

7 Prólogo

11 Capítulo 1 Os primeiros anos

27 Capítulo 2 Folhas de Erva, o início da viagem

55 Capítulo 3 Os anos de guerra

73 Capítulo 4 Reescrevendo o livro

99 Bibliografia

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Prólogo

Aquando da celebração dos cem anos da edi‑ção de 1881 de Folhas de Erva, Jim Pearlman,Ed Folsom e Dan Campion, três estudiosos daobra de Walt Whitman, compilaram um conjuntosignificativo de poemas e ensaios que evidenciama singularidade deste poeta, não só no âmbito daliteraturanorte‑americana,mastambémparaalémdas suas fronteiras. A essa compilação deram otítulodeWalt Whitman — A Medida do Seu Canto.

No ensaio que abre esta obra, Ed Folsomenunciaaquelesqueeleconsideraseremostraçosmaisrelevantesdessasingularidade;deumasingu‑laridade que fará dele um caso único a nível daliteratura mundial. Quando, com este Essencial sobre Walt Whitman, pretendo sistematizar, paraum público de língua portuguesa, a informaçãoque me parece ser, isso mesmo, essencial para oseu conhecimento, revisito a síntese de Folsom,atribuindo‑lhe, porém, a minha leitura, eventual‑mente idiossincrática.

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Emprimeirolugar,destacoofactodeestarmosperanteumpoetaquevivenumtempoemqueeraainda recente a memória dos tempos em que ajovem nação havia sido fundada. Por isso mesmo,erasentido—exigidomesmo,até—,porpartedoscírculosintelectuais,eporRalphWaldoEmerson,em particular, alguém que cantasse a novidadedaquelelugar;umanovidadeque,nãoraro,tocavaadimensãomítica.Ora,Whitmanrespondeaessaexigência, ao definir aquilo que a poesia, os seustópicos e o poeta deveriam ser.

Em segundo lugar, decorrente do primeiroaspeto, ele inaugura uma tradição épica, em tudodistinta das epopeias que o precederam, e queparticipadaessênciadaquelelugar.Umdostraçosdessa tradição será o facto de não se confinar àsuaobra,jáqueeleexigequeosquelhesucederãoprossigamumdiálogocomele,assimconstruindonovoscapítulosdaepopeia.Eospoetasamericanosresponderamaessaexigência,aesseapelo.Recor‑daFolsomqueopoetainglêsJohnKeatsescreviacom o retrato de Shakespeare sobre a secretaria,noentanto,nuncadialogariacomelenasuapoesia.Talvez o único caso em que um poeta inglês dia‑logadiretamentecomumantecessorseu,sejaodeWilliamWordsworthaoconvocarJohnMiltonnopoema«Londres,1802».Ora,aolongodedécadasos poetas americanos sentiram‑se constrangidospeloperfilpoéticodelineadoporWhitman,tendoassim prosseguido a sua epopeia através das suassensibilidades estéticas próprias.

Emterceirolugar,Whitmanolhouparaolivrodeumaformaemtudodiferentedoqueatéentãosucedera. Recorrendo à então emergente arte

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fotográfica, concebeu um diálogo intenso entre apalavra e a imagem, associando‑a ao crescimentodo objeto, que, desde logo, se confundiu com ocorpo.

Em quarto lugar... bom, creio que já indicieialgumas vertentes do génio deste homem que aposteridade associaria à imagem de um velho, delongasefartasbarbasbrancas,carinhosoeafável.Convido‑vos, por isso, à leitura deste pequenolivro,esperandoqueelevosmotiveairaoencon‑tro da sua obra, ou a olhá‑la de uma forma quiçádiferente.

Umesclarecimentoainda.AbiografiadeJeromeLoving foi um apoio constante ao longo destemeu trabalho, embora a minha experiência dealgumas décadas como professor de literaturanorte‑americana, e as muitas obras que li e que,porventura, esqueci, tenham marcado profunda‑mente o olhar que adotei. Relativamente à poe‑sia de Whitman, optei por recorrer à tradução,premiada, aliás, de Maria de Lourdes Guimarães.A tradução de todas as outras obras citadas é daminha responsabilidade.

E,parajá,deixo‑voscomestedísticodonossopoeta, apropriadamente intitulado «Tu leitor»:

Tu, leitor, tanto como eu, vibras de vida e orgulho,Por isso são para ti os cânticos que se seguem.

[Whitman, 26.]

Mário AvelarLisboa, fevereiro de 2014

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Capítulo 1Os primeiros anos

«Que diria, caro leitor, se eu reclamasse umarelação muito, muito próxima com GeorgeWashington, Thomas Jefferson e Andrew Jack‑son?… Muitas vezes tive o imortal Washington àscavalitas…OtroncodosagazJeffersonfoirodeadopor um dos meus braços enquanto os dedos dooutrolheindicavamletrasparasoletrar.EemboraJackson seja (estranho paradoxo!) consideravel‑mente mais velho do que os outros dois, muitasforam as corridas e as cambalhotas que demos osdois.» (Loving, 87.)

Os nomes dos irmãos de Walt evocam, afinal,heróis de um tempo ainda próximo e, todavia, jámítico, o da fundação da jovem nação. Toda essadimensãomítica,comoqueelaimplicaaníveldaorigem, do começo, percorrerá, a vida e a obra donosso poeta. Com efeito, quando preparou a suanarrativadememórias,Dias Exemplares,Whitmanintitulouumadassecçõesiniciais«Paumanok,eaminhavidaaíemcriançaenajuventude».Otítulo

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revela a relação simbólica entre as impressõesiniciaisdajuventudeeaspoéticasdamaturidade,a qual é evidente naquele que um dia seria dosseuspoemasmaisconhecidos,«Saídodeumberço,sempre embalado». Escreveu então:

Eu, aquele que canta as dores e as alegrias, que[une o presente e o futuro,

Aceitando todas as sugestões para se servir delas,[mas dando um rápido salto para além delas,

Canto uma recordação.

Outrora em Paumanok,Quando o perfume do lilás pairava no ar, e a erva

[de Maio crescia,Ao longo desta praia, nas roseiras bravas...

[Whitman, 237‑238.]

Também emDias Exemplareséexplícita a suafiliação radical naquele espaço:

«Aqui e em toda a ilha e nas suas mar‑gens,passeiperíodosdetempoaolongodosanos,todasasestações,porvezesandandoacavalo,porvezesnavegando,masgeralmen‑teapé,…absorvendooscampos,asmargens,episódios marinhos, personagens, homensda baía, agricultores, timoneiros—sempretive uma relação plena com estes últimose com pescadores—todos os verões saía àpesca com eles—sempre gostei da praiadespojadajuntoaomar,eaípasseialgumasdas minhas horas mais felizes.»

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Devemos,aliás,aoprópriopoetaaexplicitaçãoda relevância desses espaços na sua obra poética.Cito,denovo,Dias Exemplares:«Asmargensdestabaía, no Inverno e no Verão, e os meus tempos aípassados na juventude, são tecidos ao longo de F.deE.»(Whitman — Poetry and Prose,697).Aícome‑çavaadelinear‑seaidentidadedocriador,comoelepróprio evidencia nestas suas reminiscências:

«Ainda jovem, tive a fantasia, o desejo,de escrever algo, talvez um poema, sobre acosta—essa divisória, essa linha sugestiva,contacto, junção, onde o sólido desposa olíquido—essacoisacuriosa,essaemboscada(como sem dúvida toda a forma objectivafinalmente se torna subjectiva para o espí‑rito) que significa muito mais do que àprimeira vista, por muito significativa queseja—misturandoorealeoideal,ecadaumfazendopartedooutro.Horas,dias,naLongIslanddaminhajuventudeedosprimeirosanos como adulto, percorri as margens deRockawayoudeConeyIsland,oumaislonge,paraleste,nosHamptonsouMontauk.Certodia,nesteúltimolugar( juntoaovelhofarol,com apenas o movimento do mar diantemimatéondeavistapodiaalcançar),lembro‑‑me muito bem, senti que um dia deveriaescrever um livro expressando esse temalíquido, místico.»

[Idem, 796.]

Àsemelhançademuitosoutrosagregadosfami‑liaresquesefixaramnacostalesteaindaantesda