Post on 23-Dec-2018
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA
PR-REITORIA DE PESQUISA E PS-GRADUAO
MESTRADO EM CINCIAS SOCIAIS E APLICADAS
GISELE CRISTINA DE OLIVEIRA
O ACESSO JUSTIA POR MEIO DO NCLEO DE PRTICA JURDICA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA E A SOLUO DOS
CONFLITOS FAMILIARES
PONTA GROSSA 2011
GISELE CRISTINA DE OLIVEIRA
O ACESSO JUSTIA POR MEIO DO NCLEO DE PRTICA JURDICA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA E A SOLUO DOS
CONFLITOS FAMILIARES
Dissertao apresentada para obteno do ttulo de Mestre na Universidade Estadual de Ponta Grossa, Programa de Mestrado em Cincias Sociais Aplicadas. rea de Concentrao: Cidadania e Polticas Pblicas. Linha de Pesquisa: Estado, Direito e Polticas Pblicas. Orientadora:Prof Dr Renata Ovenhausen Albernaz Co-orientadora:Prof Dr Jussara Ayres Bourguignon
PONTA GROSSA
2011
Ficha Catalogrfica Elaborada pela Seo de Tratamento da Informao BICEN/UEPG
Oliveira, Gisele Cristina de
O48a O acesso justia por meio do Ncleo de Prtica Jurdica da
Universidade Estadual de Ponta Grossa e a soluo dos conflitos
familiares / Gisele Cristina de Oliveira. Ponta Grossa, 2011.
171f.
Dissertao ( Mestrado em Cincias Sociais Aplicadas . rea de
Concentrao : Cidadania e Polticas Pblicas. Linha de Pesquisa : Estado,
Direito e Polticas Pblicas ), Universidade Estadual de Ponta Grossa.
Orientadora: Prof. Dr. Renata Ovenhausen Albernaz Co-orientadora : Prof Dr Jussara Ayres Bourguignon
1. Vulnerveis economicamente. 2. Acesso justia. 3. Ncleos de Prtica
Jurdica. 4. Conflitos familiares. I. Albernaz, Renata Ovenhausen. II.
Bourguignon, Jussara Ayres. III.T.
CDD: 340.1
Aos meus pais: Edmundo (in memorian) e Sofia, exemplos de vida e de superao.
AGRADECIMENTOS
Agradeo a Deus, pela vida e pela minha famlia.
minha me Sofia e aos meus irmos: Eliane, Elicia, Mrcio e Sibele, pelo
apoio incondicional durante a realizao deste trabalho.
Prof Dr Renata Ovenhausen Albernaz, orientadora desta pesquisa, pelos
ensinamentos, pela amizade, confiana e compreenso demonstradas em cada
orientao, a qual, mesmo distante, sempre esteve presente nos momentos
necessrios.
Prof Dr Jussara Ayres Bourguignon, co-orientadora desta pesquisa, pela
amizade, ensinamentos e ateno dispensados no desenvolvimento desta
dissertao.
Aos coordenadores do Ncleo de Prtica Jurdica e do Departamento de Direito
Processual Civil da Universidade Estadual de Ponta Grossa: Prof Gracia Maria
Vasso Yezazk e Prof Ms. Jos Jairo Baluta, pela possibilidade de realizao da
presente pesquisa.
A Luana Mrcia de Oliveira Billerbeck e Maria Cristina Rauch Baranoski, pela
amizade, pelo apoio, pelas idias trocadas e pelos livros compartilhados.
Aos colegas/amigos professores, advogados e funcionrios do Ncleo de Prtica
Jurdica e do Curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, pelo
apoio e pela contribuio no desenvolvimento deste trabalho.
Aos demais amigos e amigas, sobrinhos e sobrinhas, cunhados e cunhadas, que
contriburam, direta e indiretamente, para a realizao desta dissertao.
Ns somos do tamanho dos nossos sonhos. (J.C.Bemvenutti)
RESUMO
A presente pesquisa tem como objetivo analisar a possibilidade de acesso justia pelos vulnerveis, economicamente, por meio do Ncleo de Prtica Jurdica da Universidade Estadual de Ponta Grossa (NPJ/UEPG) e a soluo dos conflitos familiares por esse rgo. O interesse pelo assunto foi despertado pela experincia prtica da autora como professora colaboradora de Prtica Forense Civil, atuante junto ao NPJ/UEPG, entre os anos de 2007 e 2010. A pesquisa tem carter quantitativo, sendo realizada por meio do seguinte procedimento metodolgico: sistematizao de referencial terico-metodolgico a partir das principais categorias analticas: vulnerabilidade econmica, acesso justia, assistncia jurdica integral e gratuita, ncleos de prtica jurdica e conflitos familiares. Por meio deste referencial, se pode visualizar o debate sobre o acesso justia no Brasil, em especial, pelos vulnerveis economicamente, identificando as possibilidades de acesso por esse grupo ao sistema de justia, em especial, por meio dos Ncleos de Prtica Jurdica dos cursos de Direito. Nesta sistematizao, foi de fundamental importncia a anlise da sobre a teoria do acesso justia, a partir das lies de Mauro Capelletti e Bryan Garth, como tambm, o estudo sobre as novas configuraes da famlia contempornea brasileira. Na sequncia deste processo, realizou-se a anlise da pesquisa documental efetivada com base nos Relatrios de Atividades Jurdicas do NPJ/UEPG e nas peties ajuizadas pelo NPJ/UEPG, no perodo compreendido entre os anos de 2007 e 2010. A sntese deste processo culminou na identificao de resultados positivos para a questo do acesso justia por meio do NPJ/UEPG pelos vulnerveis, economicamente, que buscam esse rgo para a resoluo dos seus conflitos familiares. Palavraschave: Vulnerveis economicamente. Acesso justia. Ncleos de Prtica Jurdica. Conflitos familiares.
ABSTRACT
The aim of this research is to analyse the possibility of access to justice by the economically vulnerable through the Public Defenders Office of State University Ponta Grossa and the its familiar conflicts solutions. The interest in this subject occured through the practice experience of the author as a collaborator professor of Civil Forensic Practice, acting in NPJ/UEPG between 2007 and 2010. The research has a quantitative characteristic, and it is performed through the following methodological procedure: referential systematization of methodological theoretical from the main analytics categories: economic vulnerability, access to justice, full legal assistance, Juridical Practice Center and familiar conflicts. Through this referential we can visualize the debate about the justice access in Brazil, in special for the economically vulnerable, identifying the access possibility for this group in relation to the Justice System, mainly by Juridical Practice Center of Law Courses. In this systematization was of fundamental importance the analyses about the access to Justice theory from Mauro Capelletti and Bryan Garth lessons and also the study about the new configurations of Brazilian contemporary family. In the sequence, it was made the documental research analyses based on Juridical Activities Report of NP/UEPG and in petitions under judgement by NPJ/UEPG between 2007 and 2010. The synthesis of this process resulted in positive results identification in relation to justice access through NPJ/UEPG for economically vulnerable who search this organ for familiar conflicts resolution.
Key-Words: Economically vulnerable. Justice Access. Juridical Practice Centers. Familiar Conflicts.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 Formulrio de Pesquisa ................................................................. 107
QUADRO 2 Relao das Aes Ajuizadas pelo NPJ/UEPG ........................... 123
LISTA DE GRFICOS
GRFICO 1 Nmero de atendimentos e aes ajuizadas pelo NPJ/UEPG .. 115
GRFICO 2 Aes cveis e aes de famlia ajuizadas pelo NPJ/UEPG ..... 116
GRFICO 3 Fonte de rendimento dos usurios do NPJ/UEPG ..................... 118
GRFICO 4 Relao das atividades informais mais recorrentes no
NPJ/UEPG .................................................................................
119
GRFICO 5 Relao das atividades formais mais recorrentes ..................... 119
GRFICO 6 Bairro em que residem os clientes do NPJ/UEPG .................... 121
GRFICO 7 Relao entre as aes ajuizadas, de forma consensual, e
litigiosas pelo NPJ/UEPG ..........................................................
126
GRFICO 8 Estado civil dos clientes atendidos pelo NPJ/UEPG ................. 128
GRFICO 9 Valores das penses alimentcias nas aes do NPJ/UEPG .... 129
GRFICO 10 Responsabilidade pelo pagamento dos alimentos nas aes
ajuizadas pelo NPJ/UEPG .........................................................
132
GRFICO 11 Forma de pagamento das penses alimentcias fixadas nas
aes ajuizadas pelo NPJ/UEPG ...............................................
133
GRFICO 12 Forma de fixao da guarda dos filhos nas aes ajuizadas
pelo NPJ/UEPG ..........................................................................
135
GRFICO 13 Forma de regulamentao do direito de visitas nas aes
ajuizadas pelo NPJ/UEPG .........................................................
135
GRFICO 14 Nmero de filhos beneficirios nas aes judiciais ajuizadas
pelo NPJ/UEPG..........................................................................
137
LISTA DE SIGLAS
CC Cdigo Civil CPC Cdigo de Processo Civil IES Instituio de Ensino Superior IPARDES Instituto Paranaense de Desenvolvimento Social NPJs Ncleos de Prtica Jurdica NPJ/UEPG Ncleo de Prtica Jurdica da Universidade Estadual de Ponta
Grossa PNUD Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento UEPG Universidade Estadual de Ponta Grossa
SUMRIO
INTRODUO .................................................................................................... 14
CAPTULO 1 A VULNERABILIDADE ECONMICA COMO OBSTCULO
AO ACESSO JUSTIA ..........................................................
18
1.1 CONCEITOS DE VULNERABILIDADE, POBREZA E
EXCLUSO SOCIAL PARA O ACESSO JUSTIA ............
18
1.2 ACESSO JUSTIA: CONCEITOS E FUNDAMENTOS .......... 24
1.2.1 Concepes sobre o acesso justia ........................................ 24
1.2.2 O direito fundamental de acesso justia .................................. 27
1.2.3 Obstculos ao acesso justia ................................................. 36
1.2.3.1 Obstculos econmicos ao acesso justia .............................. 41
1.2.4 Mecanismos de acesso justia aos vulnerveis,
economicamente.........................................................................
43
1.2.4.1 Assistncia jurdica integral e gratuita ..................................... 44
1.2.4.1.1 Defensoria Pblica ...................................................................... 50
1.2.4.1.2 Ncleos de Prtica Jurdica dos cursos de Direito ..................... 53
1.2.4.2 Juizados Especiais .................................................................... 56
1.2.4.3 Justia comunitria .................................................................... 59
1.2.4.4 Justia itinerante ......................................................................... 63
1.3 POLTICAS PBLICAS DE ACESSO JUSTIA: UMA
ANLISE A PARTIR DA RESOLUO 125/10 DO
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIA .....................................
65
CAPTULO 2 CONFLITOS FAMILIARES: UMA ANLISE SOB A
PERSPECTIVA SCIO-JURDICA ............................................
71
2.1 CONCEITOS DE FAMLIA ....................................................... 71
2.1.1 Famlia matrimonial .................................................................... 76
2.1.2 Famlia informal ......................................................................... 77
2.1.3 Famlia homoafetiva ................................................................... 78
2.1.4 Famlia monoparental ................................................................ 79
2.1.5 Famlia parental e anaparental .................................................. 80
2.1.6 Famlia pluriparental .................................................................. 80
2.1.7 Famlia paralela ........................................................................ 81
2.1.8 Famlia eudomista ..................................................................... 81
2.2 EVOLUO DOS DIREITOS DA FAMLIA NO
ORDENAMENTO JURDICO BRASILEIRO ..............................
82
2.3 PRINCPIOS RELATIVOS AO DIREITO DE FAMLIA ............. 85
2.3.1 Princpio do respeito dignidade da pessoa humana ............... 86
2.3.2 Princpio da liberdade de constituir uma comunho de vida
familiar ........................................................................................
86
2.3.3 Princpio da igualdade jurdica dos cnjuges e dos
companheiros .............................................................................
87
2.3.4 Princpio da paternidade responsvel e planejamento familiar 88
2.3.5 Princpio da comunho plena de vida ......................................... 88
2.4 MEDIDAS JUDICIAIS DE RESOLUO DOS CONFLITOS
FAMILIARES MAIS RECORRENTES JUNTO AO NPJ/UEPG ..
89
2.4.1 Ao de Alimentos ...................................................................... 90
2.4.2 Ao de Alimentos Gravdicos .................................................... 93
2.4.3 Ao de Execuo de Alimentos ................................................ 94
2.4.4 Ao Revisional de Alimentos .................................................... 95
2.4.5 Ao de Exonerao de Alimentos ............................................. 95
2.4.6 Ao de Homologao de Acordo ............................................. 96
2.4.7 Ao de Separao Judicial Consensual e Litigiosa, Ao de
Converso da Separao Judicial em Divrcio e Ao de
Restabelecimento da Sociedade Conjugal ................................
96
2.4.8 Ao de Divrcio Consensual e Litigioso .................................... 98
2.4.9 Ao de Guarda e Responsabilidade e Ao de
Regulamentao do Direito de Visitas .......................................
99
2.4.10 Ao e Investigao e Ao de Averiguao de Paternidade ... 100
2.4.11 Ao Declaratria Negativa de Paternidade ............................... 101
2.4.12 Medida Cautelar de Busca e Apreenso de Menor .................... 102
2.4.13 Ao de Destituio do Poder Familiar ....................................... 103
2.4.14 Ao de Reconhecimento e Dissoluo de Unio Estvel ......... 104
CAPTULO 3 FUNO SOCIAL DO NCLEO DE PRTICA JURDICA DA
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE PONTA GROSSA ................
106
3.1 NCLEO DE PRTICA JURDICA DA UNIVERSIDADE
ESTADUAL DE PONTA GROSSA .............................................
108
3.1.1 Critrios e natureza dos atendimentos prestados no
NPJ/UEPG ..................................................................................
109
3.1.2 Etapas dos atendimentos prestados junto ao NPJ/UEPG ......... 111
3.2 ACESSO JUSTIA POR MEIO DO NPJ/UEPG ................. 113
3.3 A RESOLUO DOS CONFLITOS FAMILIARES POR MEIO
DO NPJ/UEPG .........................................................................
122
3.3.1 Perfil das aes de famlia ajuizadas pelo NPJ/UEPG .............. 126
CONSIDERAES FINAIS ............................................................................... 139
REFERNCIAS ................................................................................................. 142
APNDICE A Distribuio geogrfica dos usurios do NPJ/UEPG ....... 150
ANEXO A Resoluo n 09/2004 do Conselho Nacional de Educao .... 152
ANEXO B Resoluo n 032/2001 Conselho de Ensino, Pesquisa e
Extenso da Universidade Estadual de Ponta Grossa .........
156
14
INTRODUO
A promulgao da Constituio Federal em outubro de 1988,
marcou o incio de um novo panorama poltico e social brasileiro. Diante desta
realidade, direitos so reconhecidos, entre eles o direito de acesso justia, o qual
passou a figurar no ordenamento jurdico brasileiro na qualidade de direito
fundamental e humano. No entanto, aps 23 anos de sua promulgao, este direito
ainda est longe de ser efetivado, nos moldes propostos, constitucionalmente,
principalmente pela camada pobre da populao.
Assim, situado no contexto social em que se encerram grandes
discusses sobre a ineficincia e falncia do Poder Judicirio, o problema do acesso
justia aflora como questo social vinculada igualdade e efetivao da
cidadania dos indivduos, principalmente daqueles que se encontram em situao de
vulnerabilidade social.
Neste plano, situa-se a presente pesquisa, a qual tem por objetivo a
anlise das contribuies prticas do Ncleo de Prtica Jurdica da Universidade
Estadual de Ponta Grossa (NPJ/UEPG), como mecanismo de acesso justia
atuante junto soluo dos conflitos familiares dos vulnerveis, economicamente,
deste municpio.
, portanto, na perspectiva de um espao onde o cidado possa
efetivar o seu direito constitucional de acesso justia que interessa compreender o
Ncleo de Prtica Jurdica da Universidade Estadual de Ponta Grossa como
mecanismo capaz de favorecer a concretizao da dignidade de seus usurios.
Trata-se, aqui, de levantar elementos para a compreenso do
trabalho desenvolvido junto ao NPJ/UEPG, voltada ao esclarecimento de questes
como: os ncleos de prtica jurdica, entre eles o NPJ/UEPG, podem ser includos
como novos meios de acesso justia pelos grupos vulnerveis economicamente?
Como tais ncleos cumprem esta funo de acesso justia em se tratando de
conflitos familiares?
Para desenvolver esta anlise, apresentou-se o debate atual sobre
pobreza, vulnerabilidade e excluso social; o desenvolvimento das teorias de acesso
justia; o estudo dos mecanismos de acesso justia colocados disposio dos
15
cidados vulnerveis, economicamente, e a anlise sob o enfoque scio-jurdico dos
conflitos familiares mais recorrentes junto ao NPJ/UEPG.
A pesquisa possui natureza exploratria, pesquisa esta que nas
palavras de Gil (1996, p.45), [...] tem por objetivo proporcionar maior familiaridade
com o problema, com vistas a torn-lo mais explcito ou a construir hipteses, tendo
como objetivo principal [...] o aprimoramento de ideias ou a descoberta de
intuies.
O mtodo utilizado foi o quantitativo. Sobre a pesquisa quantitativa nas
cincias sociais, Crvi (2009, p. 135) a define como
[...] uma das formas de representao de fenmenos significativos da sociedade, a partir de um conjunto de tcnicas que permite medir e contar os padres e relaes entre as caractersticas do objeto de pesquisa [...].
Nesta perspectiva, observa-se que a importncia da pesquisa social
quantitativa para a presente investigao residiu no fato de que a sua utilizao
permitiu [...] reduzir uma grande massa de informaes a alguns indicadores que
so capazes de representar as principais caractersticas do objeto analisado [...]
(CERVI: 2009, p. 135).
Para o desenvolvimento da dissertao foram empregadas tcnicas
de pesquisa bibliogrfica e pesquisa documental. A pesquisa bibliogrfica teve por
base a sistematizao do referencial terico a partir de alguns autores de referncia
sobre o tema, com as seguintes categorias analticas: vulnerabilidade econmica:
Demo (2003) e Lavinas (2002); acesso justia: Capelletti e Garth (1988); conflitos
familiares: Dias (2010) e ncleos de prtica jurdica: Silva (2006), sem prejuzo de
outras consultas a outros autores igualmente referenciais sobre o assunto em
discusso.
Por meio do referencial, se pode visualizar o debate sobre o acesso
justia, no atual contexto brasileiro, identificando os principais obstculos ao
exerccio deste direito, bem como, os mecanismos judiciais colocados disposio
do cidado vulnervel economicamente para resoluo dos seus conflitos jurdicos,
em especial, dos conflitos familiares, com destaque, neste contexto, para os ncleos
de prtica jurdica dos cursos de Direito.
Sobre pesquisa documental, esta foi realizada a partir dos
Relatrios Anuais de Atividades Jurdicas do NPJ/UEPG e junto das 1.188 (um mil,
16
cento e oitenta e oito) peties iniciais ajuizadas perante as Varas de Famlia da
Comarca de Ponta Grossa no perodo compreendido entre os anos de 2007 a 2010.
Foram coletados, tambm, dados junto ao Ofcio Distribuidor e Contador Judicial da
Comarca de Ponta Grossa e ao Cadastro nico da Prefeitura Municipal de Ponta
Grossa.
Realizada a coleta de dados, a anlise de contedo foi guiada por
meio da re-contextualizao dos dados coletados luz da pesquisa bibliogrfica e
documental realizada, por meio da criao de categorias de anlise que envolveu a
diferenciao e combinao dos dados obtidos e as reflexes que foram feitas sobre
essas informaes. Referida anlise seguiu o mtodo proposto por Bardin (1977
apud Trivios 1987, p.161), conforme: a) pr-anlise para organizar o material
coletado, b) descrio analtica, com a codificao, classificao e reorganizao do
contedo, e interpretao inferencial, que, no obstante ocorrer, desde o incio da
anlise, ter maior intensidade, neste terceiro momento.
O trabalho foi estruturado da seguinte forma:
Captulo 1: contm a sistematizao do debate contemporneo
sobre a vulnerabilidade econmica e a efetivao do direito de acesso justia,
discorre sobre os mecanismos de acesso justia disponibilizados aos vulnerveis,
economicamente, no Brasil, bem como analisa a questo da cidadania na
perspectiva do acesso justia.
Captulo 2: o presente captulo apresenta uma contextualizao da
famlia na atualidade e suas novas formas de constituio, sendo traado um perfil
simplificado sobre as demandas mais recorrentes utilizadas junto ao NPJ/UEPG
para resoluo dos conflitos familiares de seus usurios.
Captulo 3: captulo em que consta a sistematizao da pesquisa
realizada, por meio da anlise das categorias: acesso justia por meio do
NPJ/UEPG e resoluo dos conflitos familiares atravs do NPJ/UEPG, buscando-se
por intermdio dos resultados obtidos uma reflexo sobre a real contribuio do
NPJ/UEPG como meio de acesso justia aos vulnerveis, economicamente, do
municpio de Ponta Grossa, que buscam a soluo dos seus conflitos familiares.
Pretende-se, com a presente pesquisa, contribuir para o debate
contemporneo sobre o acesso justia no Brasil, principalmente, no que se refere
ao seu inacesso pelos vulnerveis, economicamente, apontando, para tanto, os
mecanismos de acesso disponibilizados a esses indivduos, quer por parte do
17
Estado, quer por parte da sociedade civil ou oriundos de parcerias entre estes dois
entes, em especial, os ncleos de prtica jurdica, os quais, para alm de sua funo
pedaggica, acabam por fazer as vezes do Estado na efetivao da to aclamada
assistncia jurdica integral e gratuita, prevista, constitucionalmente.
18
CAPTULO 1
A VULNERABILIDADE ECONMICA COMO OBSTCULO AO DIREITO DE ACESSO JUSTIA
O acesso justia pode ser encarado como requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema jurdico moderno e igualitrio
que pretenda garantir, e no apenas proclamar direitos de todos.
(Capelletti e Garth)
Este captulo apresenta um debate contemporneo sobre a
vulnerabilidade econmica como fator de excluso social e a efetivao do direito de
acesso justia aos vulnerveis, economicamente. Por meio do dilogo entre estas
duas categorias, passar-se- anlise dos mecanismos de acesso justia
disponibilizados aos sujeitos vulnerveis, aportando consideraes sobre a
assistncia jurdica integral e gratuita, defensoria pblica, ncleos de prtica jurdica
dos cursos de direito, juizados especiais, justia comunitria e justia itinerante,
trazendo, ao final, uma discusso sobre polticas pblicas de acesso justia no
Brasil, a partir da Resoluo 125/10 do Conselho Nacional de Justia.
1.1 CONCEITOS DE VULNERABILIDADE, POBREZA E EXCLUSO SOCIAL PARA
O ACESSO JUSTIA
Quando falamos em pobreza, de imediato, associamos esta ao
conceito de vulnerabilidade e excluso social, como se fossem expresses
sinnimas. Ocorre que pobreza, excluso social e vulnerabilidade no possuem o
mesmo significado, muito embora sejam conceitos relacionais, consequentes e
recorrentes. Para entendermos melhor sobre esta diferenciao, passemos anlise
conceitual destes fenmenos.
Vrias so as concepes do fenmeno pobreza, as quais so
analisadas por diferentes perspectivas. A mais tradicional, segundo Ribeiro (2006,
p. 175), refere-se diferenciao entre pobreza absoluta e pobreza relativa, donde a
pobreza absoluta considerada pela autora como a que est vinculada [...] as
necessidades tidas como as mais fundamentais, relacionadas sobrevivncia
fsica, j a pobreza relativa [...] aborda aspectos fsicos e alimentares, passando a
19
incorporar outras necessidades humanas, tais como educao, condies sanitrias
e moradia.
No mesmo sentido, Lavinas (2002, p. 29), pondera que pobreza na
acepo mais imediata e generalizada, significa falta de renda ou pouca renda. Para
a autora, a pobreza, numa definio mais criteriosa, retrata
[...] um estado de carncia, de privao, que pode colocar em risco a prpria condio humana. Ser pobre ter, portanto, sua humanidade ameaada, seja pela no satisfao de necessidades bsicas (fisiolgicas e outras), seja pela incapacidade de mobilizar esforos e meios em prol da satisfao de tais necessidades.
Lavinas (2002, p. 52) entende que a pobreza, analisada sob a
perspectiva de ausncia de renda [...] est fortemente associada dinmica
macroeconmica e ao regime de proteo social existente, ele mesmo derivado dos
princpios de solidariedade e convenes eleitos por cada sociedade. Dentro desta
tica, a autora explica que o enfrentamento da pobreza deve ser prioridade nacional,
fortalecida pelas gestes locais. Defende que vencer a pobreza libertar cada
indivduo, independentemente do seu local de origem e do territrio que elegeu para
viver, de privaes que podem ameaar sua existncia ou comprometer sua
trajetria de vida. Aponta como soluo a redistribuio de meios, recursos e
renda a todos aqueles que se encontrarem abaixo de um patamar considerado
aqum do mnimo aceitvel, pontuando que a superao da pobreza no apenas
um compromisso do governo local, mas sim, um compromisso de toda a sociedade,
a partir da compreenso de que o enfrentamento da pobreza [...] ultrapassa a
competncia e possibilidades das instncias locais, os quais devem ser parceiros
do Estado nesta luta, uma vez que [...] no h como lutar contra a pobreza sem
uma estratgia nacional [...]. Dentro desta tica, a autora conclui que o
enfrentamento da pobreza deve ser prioridade nacional, fortalecida pelas gestes
locais.
Outrossim, Demo (2003, p. 199), ao tratar do fenmeno pobreza, o
faz aduzindo que este um conceito relativo no reduzido apenas a parmetros
fixos e lineares, em especial no que se refere a questes materiais.
Para o autor (2003, p. 37), o conceito de pobreza no deve ficar
restrito apenas privao material vinculada ao critrio da renda, entendida a partir
da como simples carncia material, uma vez que esta caracterstica apenas uma
20
face da pobreza, mas no a central. Para ele, [...] o que faz algum ser pobre no
propriamente a carncia material, mas, sobretudo, a injusta distribuio dela.
Dentro desta perspectiva, Demo (2003, p. 38) afirma que a pobreza,
[...] no se restringe carncia dada, natural, mas inclui aquela produzida, mantida, cultivada, por conta do confronto subjacente em torno do acesso a vantagens sociais, sempre escassas em sociedade. Ser pobre no apenas no ter, mas sobretudo ser impedido de ter e sobretudo de ser, o que desvela situao de excluso injusta.
Nesta ordem de ideias, Demo (2003, p.37-38) vincula o conceito de
pobreza a partir de uma anlise poltica, vinculada a questes intrnsecas do
capitalismo, criticando as polticas sociais compensatrias, as quais no resolvem o
problema, uma vez que apenas servem para amansar os pobres. Defende que a
funo do Estado atender ao bem comum, por intermdio de um controle
democrtico construdo a partir de polticas sociais emancipatrias, capazes de dar
ao pobre condies de resolver seus problemas e de escrever sua prpria histria.
Nestes termos, conclui que:
Enquanto o pobre no descobrir que pobreza uma injustia, no se faz sujeito de suas prprias oportunidades. Continua imaginando, na condio de objeto, que seus problemas so inerentes sua sorte e que, se soluo houver, h de vir dos outros (DEMO, 2003, p. 299).
Seguindo esta linha de raciocnio, o mesmo autor (2003, p. 36), ao
tratar da excluso social pontua que esta [...], sobretudo, no conseguir alar-se
condio de sujeito capaz de comandar seu destino. Nega-se no s o acesso
material, mas principalmente a autonomia emancipatria.
De fato, o conceito de excluso social mais amplo que o de
pobreza, pois a excluso social est relacionada ideia de inacesso e privao
social e de direitos. Segundo Martins (1997, p. 18), a ideia de excluso est
vinculada prpria ideia de privao de emprego, de meios de participao no
mercado de consumo, de bem-estar, de liberdade e de esperana; privaes estas
que so mais do que econmicas, pois h nelas certa dimenso social.
Nesta mesma perspectiva, Lavinas (2002, p. 37) esclarece que
enquanto a pobreza implica conceitos objetivos, como falta de renda, de moradia, de
capital humano, a excluso, implica considerar, tambm, os aspectos subjetivos,
caracterizados por [...] sentimentos de rejeio, perda de identidade, falncia dos
21
laos comunitrios e sociais, resultando numa retrao das redes de sociabilidade,
com a quebra dos mecanismos de solidariedade e reciprocidade. No entendimento
da autora, a excluso no se restringe ao estado de carncia, mas sim s
consequncias acarretadas por ele, quando
[...] insuficincia de renda e falta de recursos diversos somam-se desvantagens acumuladas de forma quase constante, processos de dessocializao ocasionados por rupturas, situaes de desvalorizao social advindas da perda do status social e da reduo drstica de oportunidades, e onde as chances de ressocializao tendem a ser decrescentes.
Percebe-se, ento, que na viso da autora (2010, p. 52) a excluso
significa a ruptura de vnculos sociais bsicos, no pelo empobrecimento do
indivduo, mas sim das relaes que o identificam na sociedade, caracterizado pela
perda de sua identidade e desenvolvimento de um sentimento de no-pertencimento
social, marcados pela percepo de segregao social, deteriorao urbana,
isolamento e reduo do espectro de oportunidades do indivduo.
No que se refere vulnerabilidade, Toms et al. (2007) esclarecem
que, de uma forma geral, h uma associao entre os conceitos de vulnerabilidade
pobreza e excluso social. Segundo os autores, [...] as vulnerabilidades sociais
so multidimensionais, multicausadas, processuais e reprodutivas no apenas na
vida dos indivduos e as famlias, mas tambm nos espaos em que elas vivem.
Para os autores, as vulnerabilidades so recorrentes em determinados grupos de
pessoas e de famlias, no apenas em virtude da falta de recursos e capacidades
individuais, [...] mas tambm porque elas se estendem a suas redes de amizade, de
vizinhana, s suas relaes profissionais e institucionais mais prximas
espacialmente.
Carneiro (2005 apud Tomas et al., 2007) leciona que o termo
vulnerabilidade pode ser analisado a partir de trs sentidos distintos, embora
complementares: no primeiro, a vulnerabilidade est relacionada ausncia de
renda ou escassez de renda das famlias ou indivduos, [...] dadas pela sua
insero precria ou no-insero no mercado de trabalho denotando neste sentido
a pobreza em termos monetrios; no segundo sentido, a vulnerabilidade passa a ser
entendida como escassez ou ausncia de renda, que redundaria na falta de acesso
ou o acesso precrio das famlias e/ou indivduos a servios e bens sociais bsicos
22
[...] em virtude da ausncia ou no efetividade das polticas pblicas em prover
esses bens e servios de forma equnime a todos os segmentos da populao, e
no terceiro sentido, a vulnerabilidade vem a ser analisada sob o ponto de vista da
pobreza como a falta de capacidade das famlias e dos indivduos. Dentro desta
perspectiva, a autora conceitua a pobreza como a privao de capacidades bsicas
para o indivduo operar no meio social, decorrente da falta de oportunidades deste
para alcanar nveis minimamente aceitveis de realizaes, o que, muitas vezes,
independe da renda que possui.
Frente a tais consideraes, analisando a vulnerabilidade quer
como pobreza, quer como fator de excluso social, tem-se que a mesma pode ser
considerada como o conjunto de situaes que podem levar diminuio do nvel de
bem-estar dos indivduos ou de uma comunidade, com consequente exposio
desses grupos a determinados fatores de riscos.
Neste contexto, necessria se mostra a existncia de polticas
pblicas sociais para o enfrentamento de tais vulnerabilidades, a fim de integrar o
indivduo sua comunidade e proteg-lo dos diferentes riscos a que est exposto
em uma dada sociedade.
Ante o exposto, operacionalizando os conceitos de pobreza,
excluso social e vulnerabilidade para o acesso justia, observa-se que a falta de
recursos materiais impede que os indivduos acessem justia, privando-os de
levarem ao Judicirio suas reivindicaes, excluindo-os do sistema legal de soluo
de controvrsias, fazendo nascer entre eles sentimento de no-pertencimento social
e isolamento, com consequente diminuio do nvel de bem-estar desses indivduos
e exposio a certos tipos de riscos ante a falta de possibilidades de enfrentamento
jurdico de seus problemas.
A propsito, em um pas como o Brasil, em que as desigualdades
econmicas so discrepantes e a pobreza assola parte expressiva da populao, o
acesso justia passa a ser um direito exercido por poucos.
Segundo dados obtidos junto ao Programa das Naes Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD) divulgados em 2010, 8,5% da populao brasileira,
correspondente a 16,2 milhes de brasileiros, esto enquadrados no ndice de
pobreza multidimensional1 e 13,1% esto em risco de entrar nessa condio. De
1O ndice de Pobreza Multidimensional tem como objetivo fornecer um retrato mais amplo sobre as
pessoas que vivem com dificuldades. O IPM aponta privaes em educao, sade e padro de vida
23
acordo com o PNUD, 20,2% dos habitantes possuem pelo menos uma grave
privao em educao, 5,2% em sade e 2,8% em padro de vida. Ainda, de acordo
com os critrios internacionais de pobreza, entre os que vivem com menos de U$
1,25 por dia, encontram-se 5,2% da populao brasileira. No que se refere ao ndice
de Desenvolvimento Humano, o Brasil de 2009-2010 passou para 73, no quadro
mundial2.
No plano municipal, segundo o Instituto Paranaense de
Desenvolvimento Econmico Social (IPARDES), o Municpio de Ponta Grossa tem
uma populao de 311.611 habitantes, numa rea de 2.025.697 quilmetros
quadrados3. Dentre esses habitantes, 118.719 correspondem populao
economicamente ativa e 100.862 correspondem populao ocupada. O ndice de
Desenvolvimento Humano Municipal, segundo o PNUD do ano de 2000, de 0,820,
e a taxa de pobreza do Municpio de 18,55%, onde 59.349 pessoas e 15.075
famlias se encontram em situao de pobreza, ou seja, vivem com renda familiar
per capita4 de at salrio mnimo5.
A populao usuria da Poltica de Assistncia Social no Municpio
de Ponta Grossa de aproximadamente 18.000 pessoas. Dentre os programas
sociais desenvolvidos no Municpio, destaca-se que 8.197 famlias so beneficirias
do Programa Bolsa Famlia e 4.278 so beneficirias do Benefcio de Prestao
Continuada6.
Desta forma, percebe-se que grande parte da populao brasileira,
inclusive a municipal, encontra-se em condies de pobreza ou extrema pobreza,
dependendo de programas sociais do governo para sobreviver.
Diante de tais consideraes, tem-se que para uma populao
pobre, o acesso justia deixa de ser necessidade e passa a ser privilgio de
as mesmas dimenses do ndice de Desenvolvimento Humano (IDH) e pode ajudar a canalizar os recursos para o desenvolvimento de forma mais eficaz. Reunidos, esses itens proporcionam um retrato mais completo de pobreza do que simples indicadores de renda. Disponvel em < http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3597&lay=pde>. Acesso em 22 julho de 2011. 2Disponvel em . Acesso em 22 de julho de 2011.
3Disponvel em http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?Municipio=84000>. Acesso
em 22 de julho de 2011. 4 A Renda familiar per capita calculada dividindo-se o total da renda de todos os moradores de um
mesmo domiclio pelo nmero de moradores. Renda individual per capita a renda individual de cada morador ( Autora). 5Disponvel em . Acesso em 22 de julho de 2011.
6 Prefeitura Municipal de Ponta Grossa. Secretaria Municipal de Assistncia Social. Cadastro nico
Municipal. Ponta Grossa, 2010.
http://www.pnud.org.br/pobreza_desigualdade/reportagens/index.php?id01=3597&lay=pdehttp://www.pnud.org.br/http://www.ipardes.gov.br/perfil_municipal/MontaPerfil.php?Municipio=84000http://www.pnud.org.br/
24
poucos, situao esta que leva os indivduos a permanecerem na informalidade
jurdica ou at mesmo a desistirem de reivindicar seus direitos, ante as dificuldades
materiais de efetivao deste direito fundamental.
Sadek (2006, p.147), ao tratar da excluso social, no vis do
acesso justia, pondera que o [...] o acesso justia se constitui na porta de
entrada para a participao de bens e servios de uma sociedade. Neste sentido,
explica que no h incluso, se no houver condies efetivas de acesso justia,
pois quaisquer iniciativas de combater a excluso so inviveis, se no se levarem
em considerao os direitos individuais e coletivos. Para a autora, sem direito de
recorrer justia, todos os demais direitos so letras mortas, garantias idealizadas e
sem possibilidade de concretizao. Dentro desta tica, conclui que
No se pretende aqui diminuir a importncia de polticas que visem melhorar a distribuio de renda e escolaridade, por exemplo. O que este argumento sublima que, caso no se considere como prioritrio o acesso justia, todos os demais esforos correm o risco de no perdurarem e se desfazerem (SADEK, 2006, p. 147).
Dessa forma, pondera Ribeiro (2009, 472), que a discusso do
acesso justia deve centrar seu foco na necessidade de aumentar a proximidade
do Judicirio com os setores de baixa renda, com as massas desprovidas de
direitos. Dentro desta lgica, a mesma autora, citando Vianna (1997 apud Ribeiro,
2009, p. 42), esclarece que tal aproximao importa em reordenar o sistema judicial
a partir da instituio [...] de uma pedagogia tico-moral que viabilize o exerccio da
cidadania para setores da populao que at o presente momento se encontram
excludos do espao pblico.
1.2. ACESSO JUSTIA: CONCEITOS E FUNDAMENTOS
1.2.1 Concepes sobre o acesso justia
O direito de acesso Justia conceito de difcil elaborao. Por
muito tempo, ele foi considerado apenas como o direito de acesso ao Judicirio, o
acesso tutela jurisdicional invocada por meio do rgo judicirio e exercida pelo
juiz competente. Ocorre que o [...] acesso justia, tambm isto, (...), porm, no
, de forma alguma, somente isto [...] (CSAR, 2002, p. 49).
25
Para Csar (2002, p. 49), o acesso justia tambm deve ser
tratado como o acesso a uma ordem jurdica justa, no podendo ficar [...] reduzido
ao sinnimo de acesso ao Judicirio e suas instituies, mas sim a uma ordem de
valores e direitos fundamentais para o ser humano, no restritos ao ordenamento
jurdico processual [...].
Capelletti e Garth (1988, p. 08), ao definirem o acesso Justia,
fazem-no considerando, tambm, estes dois aspectos. Para os autores, primeiro, o
sistema deve ser igualmente acessvel a todos; segundo, ele deve produzir
resultados que sejam individual e socialmente justos.
Com relao ao primeiro aspecto, Gonalves e Brega Filho (2010,
p. 66), consideram que o acesso Justia corresponde ao simples acesso ao
Judicirio, ou seja, [...] a mera possibilidade de apresentao do pedido no Poder
Judicirio.
Para os mesmos autores (2010, p. 66), por este prisma no se
adota uma viso teleolgica dos resultados obtidos com o processo judicial, uma vez
que para este enfoque, [...] basta a existncia de um rgo estatal responsvel pela
prestao jurisdicional, e ainda, que haja previso legal dos meios e das formas que
possam ser utilizados para tir-lo da inrcia. Da que referido conceito vem sendo
desconstrudo pela doutrina clssica, a qual defende que o acesso justia vai alm
do acesso aos tribunais.
Por outro lado, de acordo com a concepo moderna de acesso
Justia, este visto como o acesso efetivo a uma ordem jurdica justa (WATANABE,
1988, p. 128 apud CESAR, p. 49), qual seja, o direito tutela jurisdicional prestada
pelo rgo competente mediante procedimento adequado e com resultados
proferidos em tempo hbil a garantir a entrega do bem da vida envolvido no
processo.
Nesta perspectiva, o acesso justia ultrapassa os limites do
acesso ao Judicirio e suas instituies e assume carga valorativa, no que se refere
ao andamento regular do processo e aos seus resultados na soluo dos conflitos
sociais, de forma justa. Trata-se, segundo Dinamarco (2003, p.115), [...] do processo
justo, ou processo quo, que composto pela efetividade de um mnimo de
garantias de meios e de resultados.
Segundo Csar (2005, 68-69), esta perspectiva est relacionada
doutrina instrumentalista do direito processual, segundo o qual
26
No Brasil, aspecto a ser considerado nas questes mais abrangentes de acesso justia, extrapolando os limites do mero acesso aos tribunais e atuando junto aos operadores e aplicadores jurdicos, diz respeito doutrina instrumentalista do direito processual, conceituada como a conscientizao de que a importncia do processo est em seus resultados, ou seja, a concepo de que os institutos devem estar voltados tutela jurisdicional do direito material em conflito, buscando mais justia e menos tecnicismo.
No mesmo sentido, para Dinamarco (1988 apud Csar, 2005, p.
69), [...] queles que litigam em juzo devem ser garantidos resultados justos e
efetivos, capazes de reverter situaes injustas e desfavorveis. Tal ideia a de
efetividade da tutela jurisdicional, coincidente com a de plenitude de justia.7
Neste prisma, o mesmo autor (2003, p.114) conclui que, s tem
acesso ordem jurdica justa quem recebe justia. Para tanto, o autor esclarece
que receber justia significa ser admitido em juzo, poder participar, contar com a
participao adequada do juiz e, ao fim, receber um provimento jurisdicional
consentneo com os valores da sociedade.
Por outro lado, Torres (2005, p. 39-40) pondera que necessrio
considerar, tambm, o conceito de acesso justia, dentro de uma perspectiva
menos formal, pela qual referido direito [...] visa atender o cidado em todas as
suas necessidades, com polticas pbicas voltadas para a comunidade onde vive e
possa beneficiar-se como pessoa, como gente integrada no organismo social,
considerando que nem todos os problemas do cidado e da sociedade so,
necessariamente, resolvidos pelo Judicirio, no cabendo mais a ideia de se ficar
[...] aguardando, simplesmente as pessoas chegaram s portas da Casa da Justia;
necessrio encontrar meios, com a prpria sociedade e seus cidados, para
soluo desses conflitos. Nesta perspectiva, entrariam os meios alternativos de
acesso justia como [...] centros de conciliao e mediao, numa continuidade
dos Juizados Informais de conciliao e arbitramento, com sustentao em
7 Para Dinamarco (2003, p.114), [...] a plenitude do acesso justia importa remover os males
resistentes universalizao da tutela jurisdicional e aperfeioar internamente o sistema, para que seja mais rpido e mais capaz de oferecer solues justas e efetivas. Neste vis, destacam-se as alteraes constitucionais trazidas pela a Emenda Constitucional n 45/04, a qual amplia as perspectivas do acesso justia como ordem jurdica justa, dentre elas: a) razovel durao do processo; b) proporcionalidade entre o nmero de juzes na unidade jurisdicional e a efetiva demanda judicial e a respectiva populao; c) funcionamento ininterrupto da atividade jurisdicional; d) distribuio imediata dos processos em todos os graus de jurisdio; e instituio do Conselho Nacional de Justia.
27
verdadeiras casas de cidadania, viabilizando o exerccio do direito por todos os
cidados.
Em outro plano, no se pode deixar de ressaltar, conforme o faz
Csar (2005, p. 21), o acesso justia, dentro de uma perspectiva mais ampla,
devendo ser visto, tambm, [...] como um instrumento poltico, como movimento
transformador; e mais, como uma nova forma de conceber o jurdico.
Neste contexto, o acesso justia passa a ser adotado como
mtodo de pensamento, ou conforme diz Watanabe (1988 apud Csar, 2005, p. 51)
como [...] pensar na ordem jurdica e nas respectivas instituies, pela perspectiva
do consumidor, ou seja, do destinatrio das normas jurdicas, que o povo [...].
Inobstante s conceituaes acima, novos aspectos esto sendo
considerados, ao se tratar do acesso efetivo justia, os quais vo alm do sistema
jurdico-processual, ante os novos problemas sociais enfrentados pelo cidado e a
luta pela efetivao dos direitos assegurados na Constituio Federal de 1988,
passando referido direito a adquirir novos contornos, sendo considerado, tambm,
como [...] um verdadeiro ideal de igualdade material na sociedade, bem como fator
de promoo da cidadania, aqui entendida como o direito a ter direitos [...]
(GONALVES e BREGA FILHO, 2010, p. 68).
1.2.2 O direito fundamental de acesso justia
Segundo Capelletti e Garth (1998, p. 09), nos estados liberais-
burgueses dos sculos dezoito e dezenove, o Estado no intervinha na soluo dos
conflitos individuais, pois, poca, o acesso justia era considerado um direito
natural, e como estes direitos eram anteriores ao Estado, os mesmos no
necessitavam de proteo estatal. Logo, o Estado, [...] permanecia passivo, com
relao a problemas tais como a aptido de uma pessoa para reconhecer seus
direitos e defend-los adequadamente, na prtica [...].
Continuam os autores, afirmando que a justia, nesse perodo, s
podia ser obtida por aqueles que tivessem condies econmicas de enfrentar seus
custos, sendo que aqueles que no pudessem faz-lo eram responsveis por sua
prpria sorte. Segundo os autores, o [...] acesso formal, mas no efetivo justia,
correspondia igualdade, apenas formal, mas no efetiva.
28
Gonalves e Brega Filho (2010, p. 66), neste sentido, esclarecem
que os problemas sociais gerados pelo socialismo e pela revoluo industrial
impulsionaram, nessa poca, modificaes dessa situao com o surgimento dos
direitos sociais oriundos da necessidade de reforma da sociedade, a fim de garantir
os direitos fundamentais para todos os cidados, passando o Estado [...] da
completa indiferena para uma posio de garantidor ativo de tais direitos. Dessa
maneira,
[...] a partir do instante em que as aes e relacionamentos assumiram carter coletivo, em detrimento do carter individual predominante, as sociedades modernas tiveram que deixar para trs a viso individualista dos direitos, e da prpria noo de acesso justia, para reconhecerem direitos e deveres sociais dos governos. Tornou-se imperativa, portanto, a viso de que a atuao positiva estatal necessria para assegurar a efetivao de todos os direitos sociais basilares. Passa-se a falar, nesse momento, num acesso efetivo justia.
No Brasil, foi na Constituio Federal de 1946, em seu artigo 141,
48, que surgiu, de forma expressa, a previso do acesso Justia como direito
fundamental, muito embora este j fosse previsto, de forma implcita, nas
constituies anteriores. Entretanto, referido direito ficou mitigado durante o regime
da ditadura militar, voltando a ser objeto de reivindicaes por meio das lutas sociais
embaladas pelas ideias democrticas que eclodiram no incio da dcada de oitenta,
aps o regime da ditadura militar.
Segundo Junqueira (1996, p. 01), diferentemente do que acontecia
nos demais pases, a questo do acesso justia emerge no momento em que a
preocupao social no era a expanso do welfare state e, tampouco, a
necessidade de se tornarem efetivos os novos direitos conquistados pelas minorias
na dcada de 60, mas sim a necessidade de [...] se expandirem para o conjunto da
populao direitos bsicos aos quais a maioria no tinha acesso em funo da
tradio liberal-individualista do ordenamento jurdico-brasileiro [...].
Continua referida autora asseverando que, diferentemente do que
ocorria em outros pases da Amrica do Sul, como Chile, Uruguai, Colmbia e
Mxico, no h registros de que o Brasil tenha participado do Florence Project9, no
8 Art. 141 CF de 1946. A Constituio assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes o pas
a inviolabilidade dos direitos concernentes vida, segurana, individual e propriedade, nos termos seguintes: (...)
4. A lei no poder excluir da apreciao do Poder Judicirio qualquer leso de direito individual. 9 O Projeto de Florena considerado o movimento introdutrio de acesso justia e que deu origem
29
tendo, desta forma, sequer acompanhado o processo proposto por Capelletti e
Garth, a partir das trs ondas de acesso justia.
Diferente do que vinha acontecendo nos pases centrais, no Brasil,
no se tratava de buscar novos procedimentos jurdicos e meios alternativos de
acesso justia ou de diminuir as presses resultantes de uma exploso de direitos
que ainda no havia acontecido, ao contrrio
[...] tratava-se fundamentalmente de analisar como os novos movimentos sociais e suas demandas por direitos coletivos e difusos, que ganham impulso com as primeiras greves do final dos anos 70, e com o incio da reorganizao da sociedade civil que acompanha o processo de abertura poltica, lidavam com um Poder Judicirio tradicionalmente estruturado para o processamento de direitos individuais (JUNQUEIRA, 1996, p. 03).
Conforme Junqueira (1996, p. 03), os trabalhos desenvolvidos na
poca tratavam muito mais da inacessibilidade justia para setores populares, do
que da abordagem explcita do tema de acesso justia, j que referida abordagem
se direcionava mais discusso de [...] procedimentos estatais e no estatais de
resoluo de conflitos. Mesmo assim, o termo acesso Justia emerge em toda esta
produo.
No entanto, afirma Csar (2005, p. 69) que foi a partir da
Constituio Federal de 1988, a qual proclamou direitos e garantias aos cidados,
[...] que a questo do acesso justia toma contornos transformadores [...], sendo
ela considerada como
[...] o retorno do Estado de Direito e sobretudo, com a Constituio de 5 de outubro de 1988, que se conferiu ao jurisdicionado as garantias de pleno acesso justia, como tambm outras garantias fundamentais devido processo legal, juiz natural, contraditrio e ampla defesa, publicidade dos atos judiciais, fundamentao obrigatria das decises que, apesar de previstas na Carta anterior, se caracterizam na vigente.
Neste contexto, o acesso justia passa a vigorar no plano
constitucional vigente na qualidade de direito humano e fundamental. Fundamental,
porque foi reconhecido e assegurado pela ordem constitucional interna e humano,
porque outorgado a todos os cidados por sua prpria condio humana (SARLET,
2005, p. 35-42). Segundo esta ltima premissa, importa ressaltar o reconhecimento
obra Acesso Justia de Mauro Capelletti e Bryant Garth. Referido projeto foi criado para estudar diversos assuntos, sob um enfoque multidisciplinar de acesso justia, tais como: repensar o conceito de acesso justia, analisar os obstculos que impedem materialmente o alcance do acesso justia, sugerir novas solues que importem a superao desses obstculos, dentre inmeras outras temticas (Gonalves e Brega Filho, 2010, p. 68).
30
do acesso justia no artigo 8 da Declarao Universal dos Direitos do Homem de
1948, que prev que Todo homem tem direito a receber dos tribunais nacionais
competentes remdio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que
lhe sejam reconhecidos pela constituio e pela lei.
Sobre os direitos humanos e fundamentais e suas divergncias
conceituais na doutrina clssica, Sarlet (2007, p. 35) afirma que as expresses
direitos humanos e direitos fundamentais, embora com significados diferentes so
comumente tidas como sinnimos, o que se torna aceitvel, se o uso indistinto dos
termos designar o mesmo conceito e contedo, considerando que [...] no h
dvidas de que os direitos fundamentais, de certa forma, so tambm sempre direito
humanos, no sentido de que seu titular ser sempre o ser humano, ainda que
representado por entes coletivos [...].
O mesmo autor explica que [...] comumente utilizados como sinnimos, a explicao corriqueira e, diga-se de passagem, procedente para a distino de que o termo direitos fundamentais se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expresso direitos humanos guardaria relao com os documentos de direito internacional, por referir-se quelas posies jurdicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculao com determinada ordem constitucional [...](SARLET, 2007, p. 35, 36).
Capelletti e Garth (1988, p. 12), tambm, ao tratarem do acesso
justia no plano dos direitos fundamentais, o elevam a categoria dos direitos
humanos, quando aduzem que [...] o acesso justia pode, portanto, ser encarado
como requisito fundamental o mais bsico dos direitos humanos de um sistema
jurdico moderno e igualitrio que pretenda garantir, e no apenas proclamar os
direitos de todos.
Inerente ao direito fundamental do acesso justia, figura o
princpio constitucional da dignidade da pessoa humana, no havendo como
dissoci-los, vez que este princpio se trata de [...] uma norma legitimadora de toda
ordem estatal e comunitria, demonstrando, em ltima anlise, que nossa
Constituio , acima de tudo, a constituio da pessoa humana por excelncia
(SARLET, 2007, p. 125). Continua Sarlet, pontuando que o exerccio do poder e a
ordem estatal somente sero legtimos se pautarem pelo respeito e proteo deste
31
princpio. Assim, [...] a dignidade constitui verdadeira condio da democracia, que
dela no pode livremente dispor.
O texto constitucional, segundo Sarlet (2007, p. 24-125), ao instituir
a dignidade da pessoa humana como princpio fundamental da Repblica Federativa
do Brasil, dispe que cabe ao Estado e a todos os rgos pblicos, um dever de
respeito e proteo para com o jurisdicionado, no sentido no s de impor um dever
de respeito, mas, tambm, de adotar condutas positivas tendentes a efetivar e
proteger a dignidade do indivduo, no sentido, especialmente, de edificar uma ordem
jurdica que corresponda s exigncias deste princpio. Na avaliao de Silva (2006,
p. 142),
No mbito do Estado Social de Direito, os direitos fundamentais sociais constituem exigncia inarredvel do exerccio das liberdades e garantias da igualdade de oportunidades, inerentes noo de democracia e a um Estado de Direito de contedo e no meramente formal, mas sim, guiado pelo valor da justia social. As noes de Estado de Direito, Constituio e Direitos Fundamentais, este sob o aspecto da concretizao do princpio da dignidade da pessoa humana, bem como dos valores da igualdade, liberdade e justia, constituem condio de existncia e medida da legitimidade de um autntico Estado Democrtico e Social de Direito.
Nesta ordem de ideias, no h receio em dizer que o Estado, ao
legitimar o acesso justia como direito fundamental, o faz em observncia ao
princpio fundamental da dignidade da pessoa, sendo que qualquer violao ou
omisso do Estado no sentido de mitigar referido acesso caracterizar violao a
este princpio.
O direito fundamental de acesso Justia est previsto no artigo 5,
da Constituio Federal de 198810. O texto constitucional, ao dispor sobre o acesso
justia, o faz, segundo Bueno (2007, p. 101), assegurando que a lei no excluir
da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito, no sentido de que [...]
qualquer forma de pretenso, isto , afirmao de direito pode ser levada ao Poder
Judicirio para soluo [...], mesmo que a resposta seja negativa. Entretanto,
observa Greco Filho (2007, p. 45) que dito artigo comporta, tambm, em seu bojo
10
Art. 5. CF. Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: ( ) XXXV - a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito; ( ) XXXVII - no haver juzo ou tribunal de exceo; ( ) LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral so assegurados o contraditrio e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.
32
outras garantias constitucionais do processo, [...] que o torna instrumento de justia
e de efetivao de direitos [...], indispensveis obteno de uma ordem jurdica
justa.
Dentre tais garantias, consideradas pilares sustentadores do direito
fundamental de acesso justia, esto a proibio do tribunal ou juzo de exceo, o
contraditrio, a ampla defesa e a assistncia judiciria gratuita, alm da prpria
garantia ao acesso isonmico ao Judicirio.
A proibio do tribunal ou juzo de exceo est prevista no inciso
XXXVII e significa que os fatos devem ser julgados por rgos judicirios
constitudos, previamente, pelo Estado e investidos de jurisdio, ou seja, de
competncia para julgar. Referido princpio est vinculado ao princpio, tambm
constitucional, do juiz natural, que, segundo Greco Filho (2008, p. 47), por fora do
princpio da isonomia, consoante o qual todos so iguais perante a lei, no deve ser
destacado para atender casos determinados, mas ter competncia para todos os
casos que ocorrerem nas mesmas condies na circunscrio de sua atuao.
Nesta linha de raciocnio, a proibio do tribunal de exceo est relacionada ao fato
de que a instituio do rgo judicirio julgador deve ser anterior ocorrncia do
fato a ser julgado, para que, quando este ocorra, seja possvel indicar o tribunal j
competente e institucionalizado que decidir a questo, e no ao contrrio.
O contraditrio e a ampla defesa esto previstos no inciso LV, do
artigo 5, da CF/88. O contraditrio diz respeito igualdade de tratamento entre as
partes litigantes em julgamento (princpio da isonomia); a paridade de armas entre
autor e ru dentro de um processo. Pelo contraditrio, nas palavras de Bueno (2007,
p. 108), o Estado-juiz [...] no pode decidir, sem que garanta previamente amplas e
reais possibilidades de participao daqueles que sentiro, de alguma forma, os
efeitos de sua deciso. Por sua vez, a ampla defesa pode ser compreendida como
a materializao do contraditrio, ou seja, o direito do acusado de se defender,
amplamente, em um processo, desde que tais meios sejam morais e legtimos. Para
Bueno (2007, p. 112), a garantia ampla a todo e qualquer acusado em sentido
amplo e a qualquer ru de ter [...] condies efetivas, isto , concretas de se
responder s imputaes que lhe so dirigidas antes que seus efeitos decorrentes
possam ser atingidos, ou melhor, o direito de [...] algum que seja acusado de
violar ou, quando menos, de ameaar violar normas jurdicas tem direito de se
defender amplamente.
33
A assistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovarem
insuficincia de recursos est prevista no inciso LXXIV, do art. 5 da CF/8811. Sobre
este aspecto, tecendo apenas algumas consideraes preliminares, vez que ser
discutida, oportunamente, no transcorrer da presente dissertao, tem-se que, por
meio do referido dispositivo constitucional, percebe-se a preocupao do legislador
em propiciar garantias de acesso justia aos vulnerveis, economicamente, quais
sejam, aqueles que no tm condies de arcar quer com as despesas do processo,
quer com a contratao de advogado, proporcionando, assim, a esses
desfavorecidos condies concretas de acesso justia.
Gonalves e Brega Filho (2010, p. 68), ao tratarem do acesso
justia como direito fundamental, elevam-no categoria de direito fundamental
instrumental, pois este acesso [...] visa garantir a efetividade e fora normativa aos
demais direitos fundamentais e, de forma ampla, a todos os direitos substanciais.
Neste sentido, os mesmos autores (2010, p. 69) tratam do acesso
justia como direito fundamental concretizador da cidadania pelo qual o Estado atua
como instrumento da sociedade civil para a efetivao dos direitos fundamentais.
E o que seria cidadania, na perspectiva do acesso justia?
Ribeiro (2008, p. 470), ao tratar do acesso justia no contexto
democrtico, adverte que a questo do acesso justia tem como ponto de apoio
especialmente, o conceito de democracia e seus correlatos. Nesta esteira, esclarece
que a democracia no apenas forma de governo, mas, tambm, forma de
organizao da sociedade, com o objetivo de garantir e expandir direitos, que
envolve um conjunto de mudanas na sociedade e a adoo de valores e atitudes
em relao cidadania12. A mesma autora, afirma que o conceito de cidadania
correlato ao de democracia, e pressupe que os cidados possuem no apenas
direitos, mas, tambm, responsabilidades e deveres, para que a prpria democracia
possa se institucionalizar.
11
Art. 5 da C. F. (...) LXXIV O Estado prestar assistncia jurdica integral e gratuita aos que comprovem insuficincia de recursos. 12
Para Baranoski e Luiz (2008, p.25), [...] pela participao integral numa comunidade que a cidadania se estabelece como a relao entre seus pares, com efetiva e integral participao, que implica em direitos e deveres de uns para com outros, por isso, cidadania faz parte de um processo que envolve a participao de vrios segmentos sociais de uma sociedade como membros integrais desta. Marshall (1967, p.76), estabelece que [...] cidadania um status concedido queles membros integrais de uma comunidade. Para o autor (1967, p.62) a cidadania caracterizada pelo [...] modo de viver que brotasse de dentro para fora de cada indivduo e no como algo imposto a ele de fora [...], consistente numa [...] igualdade humana bsica de participao [...].
34
Seguindo esta linha de raciocnio, Ribeiro (2008, p. 470) pontua, de
forma precisa, que a cidadania pressupe que os indivduos sejam capazes,
[ ] (i) de conhecer os direitos de cidadania, inclusive, no que diz respeito s responsabilidades que eles implicam; (ii) identificar no aparelho estatal quais so as instituies responsveis pelo provimento de cada categoria de direitos; e (iii) exercer os seus deveres e direitos de forma legtima, de acordo com as regras postulada pela democracia.
Neste sentido, a autora (2008, p. 471) afirma que a questo do
acesso Justia liga-se prpria ideia de regras da cidadania civil, uma vez que,
para que os cidados possam exercer os seus direitos civis, torna-se indispensvel
a existncia de um rgo judicirio aberto s questes levadas ao seu
conhecimento.
Assim, na perspectiva do acesso justia, cidadania o acesso a
uma ordem jurdica justa, qual seja, o acesso efetivo ao rgo jurisdicional
competente com a obteno de uma tutela jurisdicional adequada, no que se refere
sua aplicabilidade, eficaz com relao efetividade dos seus resultados, e
tempestiva, no que se refere ao tempo em que foi deferida.
No entanto, em uma viso mais ampla, cidadania mais do que o
direito a ter direitos; , tambm, o direito ao exerccio dos direitos, o que se traduz
na obrigao do Estado de assegurar a todo cidado a realizao concreta dos
direitos assegurados em uma ordem constitucional, vez que no basta a positivao
de direitos pelo Estado, sendo necessrio que este proporcione meios efetivos ao
seu exerccio.
Nesses termos, Baranoski e Luiz (2008, p. 25) advertem que
O acesso aos direitos implica no reconhecimento do indivduo, em suas mltiplas facetas, sob a tica do princpio da igualdade, da justia social, da dignidade da pessoa humana, no como manifestao conceitual de um direito natural positivado, mas sim, como princpio fundamental inserido na vida e na praxis humana, ou seja, como materializao dos direitos conquistados.
Neste diapaso, importa destacar que, em nossa sociedade, as
desigualdades sociais so notrias, no somente as relacionadas questo financeira,
propriamente dita, oriunda, principalmente, da abertura poltica e minimizao do Estado
decorrentes do projeto neoliberal de governo adotado no final do sculo XX, mas, tambm,
as desigualdades afetas s questes gerais, como a falta de cultura e informao, fatores
estes que dificultam, quando no impedem, que os indivduos tenham acesso aos veculos
e/ou instrumentos capazes de dar efetividade aos seus direitos.
35
Diante de tal situao, o acesso aos direitos fundamentais bsicos
consagrados em nossa Constituio, em especial, o acesso justia, passa a ser
um direito exercido por poucos. Tal questo tem se destacado, como questo social,
caracterizando-se como um dos grandes problemas de nossa sociedade, qual seja,
a luta pela garantia dos mnimos sociais necessrios a todo cidado e efetivao
dos direitos assegurados na Constituio Federal de 1998.
Segundo Torres (2005, p. 30), [...] a Constituio Federal de 1988
afirmou uma gama de direitos, entretanto, h falta de mecanismos e de infra-
estrutura para o atendimento dos objetivos propostos no Estado Democrtico de
Direito existente.
Para Cruz (2008, p. 14), a minimizao do Estado Social em pases
subdesenvolvidos como o Brasil jamais se aproximou do modelo estadunidense ou
europeu, pois o Brasil [...] no conseguiu por fim violncia fsica, poltica e social
[...]. Segundo o autor, por aqui, os direitos sociais e coletivos nunca passaram de
promessas para uma parcela significativa da populao, cuja cidadania jamais se
concretizou.
Nesta lgica, assegura Torres (2005, p.32), necessrio que se
tenha conscincia de que ocorreu uma evoluo do modelo liberal para um Estado
Democrtico de Direito, em decorrncia da Constituio Federal de 1988, em que o
interesse individual substitudo pelo interesse coletivo, o que requer uma atuao
eficaz do governo para atender aos anseios dos cidados, estes que vo evoluindo,
normalmente, em uma democracia, pelo estmulo e pelas mais diversas formas de
participao no meio social.
Por certo, continua o mesmo autor (2005, p. 80-193), tendo a
democracia por base o respeito s leis, ao direito e ao poder constitudo, no h
como se falar em Estado Democrtico de Direito sem acesso a uma justia eficaz,
rpida e disponvel para todos, pois tal acesso um dos caminhos para a afirmao
da cidadania e para a busca da paz social.
Especificamente, no que se refere efetivao do direito de acesso
justia, Grinover (apud Torres, 1990, p.25) consigna que:
De nada adianta serem firmados direitos na Constituio Federal e na legislao infraconstitucional se, na prtica, o jurisdicionado precisa percorrer um calvrio de exigncias formais e aguardar por um tempo excessivo a deciso sobre o direito reclamado, que resultar em descrditos do Poder Judicirio. Esse poder age com a Constituio,
36
depende de seus juzes, tambm da classe jurdica, dos advogados e de todos os envolvidos na busca de Justia e na construo de uma sociedade melhor.
Marinoni (2007, p. 189) vai alm, na medida em que defende que a
falta de efetivao do direito de acesso justia corresponde prpria ausncia de
tal direito. Segundo o autor, para se [...] garantir a participao dos cidados na
sociedade, e desta forma a igualdade, imprescindvel que o exerccio da ao no
seja obstaculizado, at porque ter direitos e no poder tutel-los certamente o
mesmo do que no os ter.
1.2.3 Obstculos ao acesso Justia
na medida em que a questo do acesso justia deixa de ser
apenas um problema jurdico e passa a ser, tambm, um problema social, que muito
se discute, na doutrina, sobre sua efetivao.
Para Capelletti e Garth (1988, p. 15), embora o aceso efetivo
justia venha sendo reconhecido como direito fundamental bsico, [...] o conceito de
efetividade , por si s, algo vago, pois a efetividade perfeita poderia ser expressa
como a completa igualdade de armas, o que algo utpico, vez que as [...]
diferenas entre as partes no podem jamais ser erradicadas, concluindo que a
identificao dos obstculos ao acesso justia a primeira tarefa a ser cumprida
numa tentativa de erradicar tais diferenas.
Nesta perspectiva, Gonalves e Brega Filho (2010, p. 69), luz dos
ensinamentos de Capelletti e Garth, relacionam trs obstculos ao acesso Justia:
a) obstculos econmicos, b) obstculos relativos desigualdade material das
partes e, c) obstculos relativos aos entraves processuais.
Invertendo a ordem proposta pelos autores, faremos,
primeiramente, uma abordagem simplificada sobre os obstculos relativos
desigualdade material entre as partes e aqueles relativos aos entraves processuais,
os quais sero analisados a partir da teoria capellettiana, passando-se, na
sequncia, anlise do obstculo econmico, o qual ter abordagem mais
aprofundada, vez que o enfoque que mais interessa presente dissertao.
Feita tais consideraes, temos que, para Capelletti e Garth (1988,
p. 21), os obstculos relativos desigualdade material entre as partes, referem-se s
37
suas possibilidades: a vantagens e desvantagens estratgicas entre as partes
litigantes.
Gonalves e Brega Filho (2010, p. 70) acrescentam que referido
obstculo diz respeito desigualdade entre as partes envolvidas em um processo, o
que leva a um desequilbrio na relao jurdico-processual instaurada, repercutindo,
diretamente, no resultado do processo. Em outras palavras, [...] em razo deste
obstculo, quer-se dizer que nem sempre o melhor direito prevalece. Ele
analisado, pelos autores, sob trs aspectos: recursos financeiros, aptido para
reconhecer um direito e propor uma ao e sua defesa (capacidade jurdica pessoal)
e caractersticas entre litigantes eventuais e habituais.
No que se refere aos recursos financeiros, Capelletti e Garth (1988,
p. 21) observam que pessoas ou organizaes que possuam recursos financeiros
considerveis a serem utilizados tm vantagens bvias ao propor ou defender
demandas, pois elas podem pagar para litigar e tm condies de suportar as
delongas do litgio. Tambm, [...] uma das partes pode ser capaz de fazer gastos
maiores que as outras e, como resultado, apresentar argumentos de maneira mais
eficiente.
Sobre a capacidade jurdica pessoal, os autores (1998, p. 22)
consideram as [...] inmeras barreiras que precisam ser pessoalmente superadas,
antes que um direito possa ser efetivamente reivindicado atravs do aparelho
judicirio.
Dentre tais barreiras, est o desconhecimento por parte do cidado
dos seus direitos bsicos e dos instrumentos e caminhos a serem percorridos para a
reivindicao destes frente ao Judicirio, quando violados, isto em decorrncia,
segundo Capelleti e Garth (1998, p. 22) da desproporcionalidade [...] com recursos
financeiros e diferenas de educao, meio e status social [...] entre as partes em
litgio, o que causa um desequilbrio e dificulta o acesso justia pelos menos
privilegiados.
A causa do desconhecimento do Direito, segundo Mattos (2009, p.
192), decorre de inmeras situaes, entre elas [...] das deficincias do sistema
educacional ptrio, dos meios de comunicao e das instituies de assistncia
social, os quais deveriam ser mais atuantes no sentido de
disponibilizar/proporcionar populao noes de conhecimentos jurdicos bsicos,
visando a efetivao do acesso justia, de forma igualitria, a todos os
38
jurisdicionados.
Para Mattos (2009, p. 192)
[...] a falta de incentivos governamentais tem contribudo para o analfabetismo e para a baixa qualidade de ensino; os meios de comunicao tm reproduzido a supervalorizao da violncia e do jeitinho brasileiro como meio de resoluo dos conflitos, e as instituies de assistncia judicial so insuficientes e pouco atuantes.
Em outras palavras, segundo Sadek (2001 apud Mattos, 2009, p.
82), a populao brasileira ainda tem pouco conhecimento dos seus direitos e dos
mecanismos disponveis para reivindic-los. Neste contexto, destaca que, embora o
nvel educacional dos cidados brasileiros venha crescendo, com o passar dos
anos, ainda insuficiente para acabar com a impunidade, com violncia e, tambm,
com a falta de conhecimento e iniciativa de grande parcela da populao de
ingressar em juzo para resoluo dos seus conflitos.
No que diz respeito disposio psicolgica das pessoas para
recorrer aos processos judiciais, diz Csar (2002, p. 99) que esta disposio est
relacionada aos receios que o cidado tem de procurar a justia, seja por decepo
com relao a um processo anterior em que teve suas expectativas frustradas, seja
por medo de represlias, ou at mesmo por se sentir intimidado mediante alguma
manifestao de poder, expressada pelas estruturas do Judicirio e pelo status que
estas representam.
Sobre os litigantes eventuais e habituais, Capelletti e Garth (2010,
p. 70) fazem a distino entre aqueles baseados na frequncia de encontros com o
sistema judicial. Esta distino corresponde [...] em larga escala, que se verifica
entre indivduos que costumam ter contatos isolados e pouco frequentes com o
sistema judicial e entidades desenvolvidas, com experincia judicial mais extensa. A
este respeito, aqueles que possuem menos experincia em demandar em juzo
ficam em situao de desigualdade, quando litigam com os mais experientes, os
quais, pela vivncia prtica, conhecem todos os caminhos, percalos e artimanhas
de um processo.
Os mesmos autores (1988, p. 25) apontam que o litigante habitual
possui mais vantagens sobre os demais, em relao a aspectos como:
[...] a) maior experincia com o Direito; b) economia em escala, porque tem
39
mais casos; c) tem oportunidade de desenvolver relaes informais com os membros da instncia decisora; d) pode diluir riscos da demanda por maior nmero de casos; e) pode testar estratgias com determinados casos, de modo a garantir expectativa mais favorvel em relao a casos futuros.
Por outro lado, com relao aos entraves processuais, tem-se que
referidos obstculos esto relacionados s imperfeies do sistema processual que
obstam o pleno acesso justia, imperfeies estas caracterizadas por um processo
marcado com excesso de formalismo, o qual, por meio de procedimentos
demorados, grande nmero de recursos e meios abusivos utilizados pelas partes em
litgio, contribui para a prpria morosidade e faz com que o cidado fique descrente
na Justia, afastando-se do Judicirio.
Capelletti e Garth, ao discorrerem sobre este obstculo, fazem-no
trazendo baila os problemas especiais dos direitos difusos e as barreiras
especiais de acesso a estes direitos, na dcada de 1970, pois, neste perodo, [...]
era extremamente difcil o ajuizamento de uma ao que versasse sobre direitos
coletivos, principalmente em virtude de pontos nebulosos sobre vrios institutos que,
at ento, eram vistos somente sob o enfoque dos direitos individuais [...]
(GONALVES e BREGA FILHO, 2010, p. 70).
Como instrumentos para superao dos obstculos de acesso
justia, Capelletti e Garth (1988, p. 31) propem as denominadas ondas de acesso
justia. Nestes termos, esclarecem que o despertar do interesse sobre o acesso
efetivo justia, apontou para trs posies bsicas (ondas), as quais [...]
emergiram mais ou menos em sequncia cronolgica.
Nesta lgica, os autores apresentam como primeira onda, a
assistncia judiciria para os pobres, a qual ser tratada, especificamente, no item
1.2.4.1. Como segunda onda, propem a representao dos interesses difusos e
como terceira, o novo enfoque de acesso justia.
Com relao segunda onda, os autores (1988, p. 49) apontam
que ela busca a representao dos direitos difusos, coletivos e individuais
homogneos e direitos emergentes, os quais restavam desprotegidos ante a
inexistncia de procedimentos legais necessrios sua atuao, forando referida
onda uma reflexo [...] sobre noes tradicionais muito bsicas do processo civil e
sobre o papel dos tribunais.
Referida onda implica a ampliao da legitimao para agir,
40
havendo um nico representante para agir em benefcio e em nome da coletividade
que representa, com o objetivo de alcanar resultados iguais para ampla gama de
sujeitos lesados por intermdio de um nico procedimento judicial.
Em razo das ideias inovadoras desta onda, no contexto brasileiro,
instaura-se um novo sistema jurdico-processual para tratamento das aes
coletivas, com o objetivo de adaptar o ordenamento jurdico existente para a
proteo dos direitos difusos, coletivos e individuais homogneos que, at ento,
eram desprotegidos. Alm disso, segundo Gonalves e Brega Filho (2010, p. 72)
[...] tais reformas otimizaram a proteo jurisdicional ao menos favorecidos por meio de uma coletivizao de demandas (direitos individuais homogneos) que, sozinhas, jamais seriam levadas ao crivo do Poder Judicirio, notadamente em virtude das barreiras intrnsecas ao processo civil individual.
A terceira onda refere-se a uma concepo mais ampla de acesso
justia, denominada enfoque do acesso justia, enfoque este que se d no sentido
de buscar novas alternativas de resoluo de conflitos no restritas ao ordenamento
jurdico processual. Tal abertura para outras vias, no jurisdicionais de soluo de
conflitos, implica em uma reforma na advocacia, judicial e extrajudicial e ateno a
um [...] conjunto de instituies e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados
para processar e mesmo prevenir disputas nas sociedades modernas
(CAPELLETTI e GARTH, 1988, p. 67-68). Nestes novos instrumentos, Csar (2002,
p. 65), destaca a [...] influncia da natureza do litgio na determinao dos
instrumentos que tornem efetiva a proteo aos direitos emergentes, adaptando o
processo ao litgio que se busca resolver.
Fruto desta nova concepo de soluo de litgios, construram-se
mecanismos destinados a facilitar a soluo dos conflitos como a arbitragem, a
mediao, conciliao, medidas estas que, segundo Csar (2002, p. 65), [...]
ultrapassam em muito a esfera de representao e interveno judicial na soluo
das disputas.
Conforme Torres (2005, p. 158), a conciliao e a mediao, so
meios eficazes e objetivam a transao entre as partes, porque a mediao
possibilita a aproximao entre estas e propicia que cheguem a um consenso, e a
conciliao conduz a uma conversao. Destaca, neste contexto, o cuidado com a
imparcialidade, tanto do conciliador como do mediador, no sentido de eliminar as
41
dificuldades, apresentando sadas e buscando um denominador comum, com
resultados satisfatrios e felizes para as partes envolvidas.
1.2.3.1 Obstculos econmicos ao acesso justia
Dentre os obstculos ao acesso justia, o mais expressivo e o
que mais afasta o jurisdicionado dos tribunais o econmico. O inacesso justia,
aqui, conforme j abordado, preliminarmente, est caracterizado pela insuficincia
de recursos financeiros pela parte interessada de arcar com os custos de um
processo, custos estes representados pelas despesas com honorrios advocatcios
em virtude da contratao de advogado, pelas custas judiciais necessrias ao
ajuizamento da ao, bem como pelas despesas devidas em virtude de gastos
eventuais surgidos no transcorrer de um processo e a possvel condenao em
honorrios da sucumbncia. Estas insuficincias fazem com que o cidado fique
privado de procurar os rgos judicirios para a soluo dos seus conflitos,
permanecendo, assim, na informalidade de suas relaes, ou, at mesmo, venha a
buscar outros meios de soluo de conflitos sem a participao do Estado.
Neste aspecto, o obstculo econmico ao acesso Justia tido
por Marshall (1967 apud Csar, 2002, p. 93), tambm, como elemento limitador da
cidadania, pelo qual os altos custos das aes judiciais eram tidos pelo autor como
um entrave consolidao dos direitos civis, direitos estes que se encontravam,
nesta circunstncia, em situao de inferioridade aos direitos polticos, pois [...] a
ao processual, ao contrrio do voto, muito cara. As custas do processo no so
altas, mas os honorrios de advogado e as taxas cobradas pelo escrivo podem
representar quantias significantes.
Nesta esteira, Capelletti e Garth (1988, p. 18), igualmente, apontam
o alto custo dos honorrios advocatcios como barreira ao acesso justia, quando
pontuam que [...] a mais importante despesa individual para os litigantes consiste,
naturalmente, nos honorrios advocatcios. Os mesmos autores continuam,
afirmando que qualquer tentativa realstica de enfrentar os problemas de acesso
deve comear por reconhecer esta situao: os advogados e seus servios so
muito caros.
A propsito, continuam os autores (1988, p. 17) alm dos
honorrios devidos com a contratao, outra circunstncia que limita,
42
semelhantemente, o acesso justia em seu aspecto econmico, refere-se
eventual condenao em honorrios da sucumbncia13, vez que, nestas situaes, o
jurisdicionado corre o risco de ter de arcar com os honorrios sucumbenciais, em
caso de insucesso na demanda. Em outras palavras, a penalidade para o vencido
aproximadamente duas vezes maior: ele pagar os custos de ambas as partes,
situao esta que contribui para que o jurisdicionado se afaste dos rgos judicirios
para resoluo de seus conflitos ou pode ter outras consequncias, como lev-lo a
aceitar um acordo judicial no satisfatrio para no ter de arcar com referida
despesa, a qual, nestes casos, dispensada.
A intempestividade das decises judiciais pode ser considerada,
similarmente, como outro aspecto econmico limitador do acesso justia, na
medida em que, segundo Csar (2002, p. 95), a eternizao das demandas acaba
por elevar, consideravelmente, as custas do processo, alm de desvalorizar o valor
a ser recebido. Alm do que, segundo Rodrigues e Brega Filho (2010, p. 69), a
demora no processo pode levar a parte a desistir da ao, ou, ainda, a aceitar
acordos com valores muito inferiores ao que teria direito de receber com o trmite
regular do processo. Na avaliao de Marinoni (2007, p. 191),
[...] a morosidade do processo atinge de modo muito mais acentuado os que tm menos recursos. A demora, tratando-se de litgios envolvendo patrimnio, certamente pode ser comprometida como um custo, e esse tanto mais rduo quanto mais dependente o autor e do valor patrimonial buscado em juzo. Quando o autor no depende economicamente do valor do litgio, ele obviamente no afetado como aquele que tem o seu projeto de vida, ou o seu desenvolvimento empresarial, vinculado obteno do bem ou do capital objeto do processo.
Ao discorrer sobre o assunto, Marinoni (2007, p. 193-194),
complementa que o autor da demanda, ante a demora do processo, pode se ver
obrigado a ceder, o que confere ao ru condies para a estruturao de estratgias
de protelao do processo, abusando do exerccio do seu