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FACULDADE DE DIREITO MILTON CAMPOS
MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE
HAVERES NA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADE LIMITADA
Nova Lima
2008
HENRIQUE VILAÇA BELO
MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE
HAVERES NA DISSOLUÇÃO PARCIAL DE
SOCIEDADE LIMITADA
Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Área de concentração: Direito Empresarial. Orientador: Ricardo Adriano Massara Brasileiro.
Nova Lima
2008
VILAÇA BELO, Henrique
V695 m Momento contábil de apuração de haveres na dissolução parcial de sociedade limitada./ Henrique Vilaça Belo – Nova Lima: Faculdade de Direito Milton Campos / FDMC, 2008
114 f. enc. Orientador: Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro
Dissertação (Mestrado) – Dissertação para obtenção do título de Mestre, área de concentração Direito Empresarial junto a Faculdade de Direito Milton Campos
Referências: f. 107-113
1. Momento Contábil 2. Apuração de Haveres 3. Causa Dissolutória 4. Sociedade
Limitada. I. Brasileiro, Ricardo Adriano Massara. II. Faculdade de Direito Milton Campos III. Título
CDU 347. 72 347.725
Ficha catalográfica elaborada por Emilce Maria Diniz – CRB – 6 / 1206
Faculdade de Direito Milton Campos – Mestrado em Direito Empresarial
Momento contábil de apuração de haveres na dissolução parcial de
sociedade limitada
Henrique Vilaça Belo Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação Stricto Sensu da Faculdade de Direito Milton Campos como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito Empresarial. Área de concentração: Direito Empresarial.
Orientador: Ricardo Adriano Massara Brasileiro Banca constituída pelos seguintes professores: ______________________________________
Prof. Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro (Orientador)
________________________________ Prof. Dr. Vinícius José Marques Gontijo
(Examinador)
________________________________ Prof. Dr. Rodrigo Almeida Magalhães
(Examinador)
_____________________________ Prof. Dr. Alexandre Bueno Cateb
(Suplente)
Nova Lima, outubro de 2008 Alameda da Serra, 61 – Bairro Vila da Serra – Nova Lima – Cep 34000-000 – Minas Gerais – Brasil. Tel/fax (31) 3289-1900
AGRADECIMENTOS
Ao Criador, o qual me deu forças para superar os obstáculos que a vida nos apresenta. Sem
Ele, certamente este trabalho não teria sido concluído.
Ao Dr. Ricardo Adriano Massara Brasileiro, pela dedicação com que me orientou, não
medindo esforços para me auxiliar na confecção do presente trabalho. Atencioso e
disposto, foi de suma importância para que meu interesse pelo estudo do tema escolhido se
potencializasse com o passar do tempo.
Aos meus pais, Josué e Cecília, que me deram toda a estrutura para que eu pudesse edificar
meu futuro profissional.
Aos meus queridos irmãos, Adriano, exemplo de profissionalismo e dedicação, e
Andrezza, minha maior inspiração para iniciar os estudos de Direito Empresarial,
auxiliando e apoiando-me, com seu vasto conhecimento de Doutora, para que eu obtivesse
o título de mestre.
Ao escritório de advocacia “Oliveira, Marques e Benfica”, exemplo de profissionalismo e
competência no exercício da advocacia.
A toda a Faculdade de Direito Milton Campos, em especial Srta. Rosely, Sra. Cássia e Sra.
Miralda, as quais sempre demonstraram disposição auxiliando-me nas dúvidas porventura
surgidas.
RESUMO
Reconhecendo a ausência de norma legal acerca do instituto, aliado à enorme gama de entendimentos jurisprudenciais sobre o mais adequado momento de apuração dos haveres de um sócio que se desliga da sociedade limitada, por sinal, completamente divergentes, sistematizaram-se no presente estudo as várias épocas em que apuráveis os haveres, de acordo com a respectiva causa dissolutória, em cada uma delas apresentando-se os julgados dos vários Tribunais brasileiros a respeito. Como se constatará, a jurisprudência se apresentou neste trabalho como a mais importante fonte de consulta utilizada, já que poucos são os doutrinadores que se manifestam sobre o tema. E, quando o fazem, é de forma tímida, sem a ousadia necessária para se compreendê-lo em cada uma das hipóteses dissolutórias. Não se tratará na presente pesquisa das formas ou critérios contábeis de apuração dos haveres, mas sim e unicamente do aspecto temporal em que os mesmos são levantados quando há ruptura parcial do elo associativo da sociedade limitada. A definição de um marco inicial se mostra importante para preservar-se o justo e correto reembolso do valor pertencente ao sócio desligante. Para o desenvolvimento do tema, inicialmente, passou-se pelas abordagens introdutórias da dissolução parcial de sociedades, direito comparado e as hipóteses ocorrentes, adentrando-se no instituto da apuração de haveres e suas modalidades para, então, se chegar ao momento em que se levantam os valores. Após, situou-se o tema no Direito brasileiro, com as opiniões doutrinárias a respeito, logo em seguida considerando-se os vários julgados, fixando-se o dies a quo da contagem da época de apuração dos valores. Posteriormente, analisaram-se os aspectos processuais indispensáveis ao tema, entre eles as sentenças proferidas e suas naturezas jurídicas, bem como as medidas processualmente urgentes que se encontram à disposição dos interessados envolvidos no tema. Ao final, sugeriu-se o mais adequado critério para se adotar em cada uma das causas dissolutórias, como marco temporal inicial de levantamento de valores devidos ao sócio retirante, sendo justificados os motivos da escolha. Palavras chave: Momento Contábil. Apuração de Haveres. Dissolução. Sociedade Limitada.
ABSTRACT
Recognizing the absence of legal norm concerninig the present theme, combined with the huge range of totally divergent jurisprudential understandings regarding the most appropriate time to canvass the assets of a partner who detaches from the limited partnership, the several times in which the assets are canvassed were systematized in the present study, according to their cause for dissolution, in each one presenting the respective jurisprudence given by several Brazilian courts. As it will be demonstrated, in the present study jurisprudence turned out to be the most important source of reference used, since there are few authors who write on the subject. And when they do, such task is carried out in a timid way, lacking the necessary boldness to fully understand it in each of its hypotheses for dissolution. This research does not deal with the several criteria or accounting methods for investigation of assets, but solely with the temporal aspect in which they come up whenever there is partial rupture of the associative link in the limited partnership. The definition of an initial landmark is important so as to preserve the fair and correct repayment of the value belonging to the detaching partner. In order to develop the theme, the introductory approaches concerning the dissolution of companies were dealt with, as well with the comparative law , and then going into the institute of investigation of assets, thus finally reaching the point of assessing their values. Later on, the theme was focused on the Brazilian law, citing the doctrinal views on it, and then the various trials were considered, setting up the initial time for verification of the values. Later on, the indispensable procedural aspects regarding the theme were analyzed, among them the rulings and their legal nature, as well as the urgent procedural measures which are available to stakeholders involved in the matter. At the end, the most appropriate criterion to adopt in each one of the causes for dissolution was suggested, as the original time-frame for canvassing of values owed to the parting partner, thus justifying the reasons for such choice. Key words: Accounting Moment. Canvassing of assets. Dissolution. Limited company.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 10
2 ANÁLISE DO INSTITUTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL.............................. 14
2.1 Dissolução: classificação binária....................................................................... 14
2.2 Dissolução parcial e breve incursão no direito comparado................................ 17
2.2.1 Itália................................................................................................................ 18
2.2.2 França.............................................................................................................. 20
2.2.3 Portugal........................................................................................................... 21
2.2.4 Alemanha........................................................................................................ 22
2.2.5 Espanha........................................................................................................... 23
2.2.6 Inglaterra e Estados Unidos das América....................................................... 23
2.3 Abordagem da dissolução parcial das sociedades limitadas no Código Civil... 24
2.4 Dissolução parcial: espécies............................................................................... 25
2.4.1 Exercício do direito de retirada....................................................................... 25
2.4.2 Morte............................................................................................................... 26
2.4.3 Exclusão do sócio............................................................................................ 27
2.4.3.1 Exclusão extrajudicial.................................................................................. 28
2.4.3.2 Exclusão judicial.......................................................................................... 29
2.4.4 Pleno direito: sócio falido e liquidação de quotas........................................... 29
2.4.5 Por previsão contratual.................................................................................... 30
2.5 Apuração de haveres: fase seguinte ao desencadeado processo dissolutório.... 31
2.5.1 Conceituação................................................................................................... 31
2.5.2 Modalidades de apuração de haveres.............................................................. 32
2.5.2.1 Apuração de haveres estipulada no contrato social...................................... 33
2.5.2.2 Apuração de haveres convencionada pelas partes....................................... 34
2.5.2.3 Apuração de haveres definida em sentença................................................. 35
2.5.3 Crítica à omissão legislativa a respeito da ausência de normas quanto à
preservação dos direitos do sócio desligante durante o procedimento de apuração
de haveres.................................................................................................................
37
3 MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA
SOCIEDADE LIMITADA......................................................................................
40
3.1 Situação do tema no Direito brasileiro.............................................................. 40
3.2 Possibilidades fáticas e jurídicas de alargamento da expressão “afastamento
do sócio”..................................................................................................................
43
3.3 Fixação do momento de apuração de haveres de acordo com a causa
dissolutória: apresentação da jurisprudência brasileira............................................
45
3.3.1 Exercício do direito de retirada pelo sócio...................................................... 46
3.3.1.1 Extrajudicialmente....................................................................................... 46
3.3.1.2 Judicialmente: Ação de Dissolução Parcial................................................. 50
3.3.1.3 Notificação efetuada quando em trâmite ação dissolutória do vínculo
societário..................................................................................................................
55
3.3.2 Morte............................................................................................................... 56
3.3.3 Exclusão do sócio: termo inicial da apuração dos haveres............................. 60
3.3.3.1 Extrajudicialmente....................................................................................... 60
3.3.3.2 Judicialmente................................................................................................ 63
3.3.4 Aspecto temporal da apuração de haveres na dissolução parcial de pleno
direito.......................................................................................................................
68
3.3.4.1 Falência do sócio.......................................................................................... 68
3.3.4.2 Liquidação de quotas do artigo 1.026 do Código Civil............................... 70
3.3.5 Previsão contratual da época de apuração de haveres do sócio desligante..... 72
3.4 Sentença proferida envolvendo o momento de apuração de haveres: efeitos
produzidos................................................................................................................
75
3.4.1 Classificação das ações: modalidades de sentenças........................................ 75
3.4.2 Natureza jurídica da sentença fixando o marco inicial em que apuráveis os
haveres.....................................................................................................................
77
3.4.2.1 Sentença com caráter constitutivo-condenatório: exceção à regra geral em
se tratando da data inaugural para apuração de haveres..........................................
79
3.4.2.2 Sentença com caráter meramente homologatório: natureza declaratória..... 81
3.5 Necessidade de ponderação de interesses na definição da época dos haveres:
vedação do enriquecimento ilícito...........................................................................
85
3.6 A utilização das tutelas emergenciais no âmbito da fixação do momento da
apuração de haveres.................................................................................................
88
3.6.1 Introdução....................................................................................................... 88
3.6.2 Dia inicial para se apurarem haveres quando utilizada a tutela antecipada
ou procedimento cautelar.........................................................................................
90
3.6.2.1 Tutela antecipada......................................................................................... 90
3.6.2.2 Medidas cautelares....................................................................................... 93
3.7 A Arbitragem e sua utilização para definição do dies a quo para
levantamento dos haveres........................................................................................
95
3.8 Apontamento do critério mais adequado para se definir a época em que
apuráveis os haveres................................................................................................
98
3.8.1 “Antes” de ajuizada ação dissolutória............................................................. 98
3.8.2 “Após” ajuizada ação dissolutória.................................................................. 101
4 CONCLUSÃO...................................................................................................... 104
REFERÊNCIAS....................................................................................................... 107
APÊNDICE.............................................................................................................. 114
10
1 INTRODUÇÃO
Tendo em vista a natureza da dissolução parcial da sociedade limitada, a qual visa
a tutelar o sócio que deseja deixar a sociedade, bem como aqueles que com ela continuarão,
neste caso objetivando preservar o ente societário e sua atividade produtiva, tem-se na
apuração de haveres, inserida neste cenário, um dos pontos de maior antagonismo.
Tal fato se dá ao se objetivar a busca do equilíbrio entre a justa indenização
propiciada ao sócio que da sociedade se retira e o mínimo de comprometimento dos recursos
financeiros que compõem a sociedade, fato esse difícil de se conciliar, porém, necessário
diante dos interesses pessoais e financeiros envolvendo as partes interessadas, quais sejam:
sócio e sociedade.
Objetiva a apuração de haveres a levantar os valores a serem pagos ao sócio que se
desliga da sociedade limitada, pesquisando-se acerca da atual situação patrimonial da mesma.
Para tanto, se faz necessária a fixação de um marco inicial, um momento em que os haveres
serão pagos.
Neste ponto reside o palco das controvérsias.
Referida tarefa tem sido arduamente perseguida pelos Tribunais brasileiros, porém,
gerando decisões controversas. Vários têm sido os entendimentos a respeito do marco
inaugural em que se iniciará a apuração de haveres.
A doutrina1,2 conclui, timidamente, que o momento do afastamento do sócio, ou
seja, a data de sua saída, é aquele que deve ser considerado para a determinação das vantagens
que lhe possam caber.
A jurisprudência, em sua maioria, vem ratificando o entendimento doutrinário
esposado, afirmando que a apuração de haveres do sócio deve ser real e contemporânea à sua
retirada, ou seja, seu desligamento da sociedade.
Porém, entendimentos considerando o marco inicial desta apuração como sendo o
trânsito em julgado da sentença excluidora do sócio ou, ainda, a citação da sociedade e dos
demais sócios nos autos da dissolução societária também já foram proferidos.
A legislação não traz dispositivo expresso a respeito. O artigo 1.031 do Código
Civil3, muito embora afirme que o valor da quota do sócio nos casos em que a sociedade se
1 ESTRELLA, Hernani. Apuração de haveres de sócio. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.216, 1992a. 2 BULGARELLI, Waldírio. O novo Direito Empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, p.420, 1999. 3 BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 11 janeiro de 2002a.
11
resolveu em relação a ele seja liquidada com base na situação patrimonial da sociedade à data
da resolução, nada soluciona a respeito.
A generalidade do termo “data da resolução” inserta no dispositivo legal do artigo
1.031 do Código Civil4 nos faz retornar ao ponto de partida inicial, não se permitindo concluir
precisamente qual o momento em que apuráveis os haveres, dada a enorme gama de
possibilidades fáticas serem encaixadas no seu sentido.
Por outro lado, muito embora a época de afastamento dos sócios nos casos de
morte e falência da sociedade seja prefixada, em outros casos - como quando há perda da
affectio societatis - torna-se mais difícil precisar o instante em que o sócio efetivamente
afastou-se da vida societária para fins de se definir o momento em que seus haveres serão
pagos.
Como se percebe, tormentoso e questionável é o momento de apuração de haveres.
Denota-se evidente a discrepância acerca do tema proposto para estudo, o que
gerou interesse pelo seu aprofundamento, visando-se a, objetivamente, apresentar a doutrina e
os vastos entendimentos a seu respeito e, por outro lado, sistematizá-los.
E não há outra forma de concluir os estudos do tema sem antes se definir o que se
entende por afastamento do sócio. Seria aquele que corresponda à ocorrência de determinada
causa que o desligou da sociedade? Seria o do momento em que se propõe a ação dissolutória
parcial da sociedade, a posterior citação do sócio na ação proposta ou quando se profere a
sentença de efeitos constitutivos?
E a influência do trânsito em julgado, poderia ele ser o marco inicial para apuração
dos haveres? Ou será que se considera afastado o sócio quando efetivamente se arquiva a
alteração contratual no órgão regulador da atividade empresarial?
Poderia se cogitar, em acréscimo às controvérsias, que o momento da prática dos
últimos atos na condição de sócio, pagamento dos haveres ou até mesmo a sua cientificação
na reunião em que o exclui seriam os marcos iniciais para se levantarem os valores àquele
devidos?
Esses, como outros temas, serão abordados, em conjunto com a análise dos vários
julgamentos proferidos, interpretando-se o que se entende por afastamento do sócio.
Não se analisará o momento da perda da condição de sócio. O dies a quo da
apuração de haveres independe dele. Este pode se dar de variadas formas, de acordo com a
causa que ensejou a dissolução, sempre se tendo em relevância a preocupação com o
4 BRASIL, op cit, 2002a.
12
equilíbrio entre a justeza do valor pago e o menor comprometimento dos recursos sociais,
preservando-se a sociedade para continuar em pleno funcionamento.
Os efeitos produzidos pela sentença proferida em ações de dissolução parcial da
sociedade limitada, se ex tunc, ex nunc, bem como sua natureza jurídica, também serão
analisados, uma vez que podem influir negativa ou positivamente no momento da apuração de
haveres.
A fixação de critérios contratuais para levantamento do valor devido ao sócio e a
validade das convenções firmadas pelas partes para fixação do marco inaugural da apuração
de haveres também serão estudadas.
Da mesma forma, a utilização de tutelas emergenciais para se marcar o dia inicial
da referida apuração, dada a sua importância prática.
A necessidade de análise das formas de dissolução parcial da sociedade limitada,
seja judicial ou extrajudicial, também se faz presente, diante das novas previsões, compondo o
Código Civil5 e sua estreita ligação com o momento da apuração de haveres na sociedade
limitada.
Escassas são a doutrina e estudos específicos acerca do tema abordado, a ele se
dedicando poucos doutrinadores. A jurisprudência, por sua vez, acrescenta boa dose de
discussão ao estabelecer vários momentos para serem pagos os valores devidos ao sócio
desligante da sociedade.
Tais fatores, acrescidos a outros a serem abordados, conferem ao tema caráter
desafiador, justamente diante de sua importância em trazer aos operadores jurídicos um
estudo que lhes permita concluir pelo melhor posicionamento quanto à apuração de haveres e
o momento de sua ocorrência e, via de conseqüência, contribuir para amenizar as
controvérsias existentes.
Como se verá, fora adotada a análise da época da apuração de haveres de acordo
com cada uma das causas dissolutórias parciais da sociedade limitada, justamente para melhor
se visualizarem os vários entendimentos apresentados pela jurisprudência a respeito.
Incluíram-se, em cada uma das modalidades de ruptura, os respectivos acórdãos
que regulamentam o momento dos haveres.
Entre todas as modalidades de pesquisa efetuadas, a jurisprudência foi a mais rica
fonte, justamente por se tratar de tema pouco abordado pelos doutrinadores.
5 BRASIL, op cit, 2002a.
13
Ela possuirá posição de destaque ao longo do presente estudo, sendo a única
responsável, salvo entendimento isolado de Celso Barbi Filho6, em destrinchar o que se
entende pelo “afastamento do sócio” quando operada a dissolução parcial.
Após analisados os aspectos envolvendo o momento contábil de apuração de
haveres, se ousará a apontar, ao final, aquele que se afigura mais adequado para ser adotado
de acordo com a causa que deu origem à dissolução parcial.
6 BARBI FILHO, Celso. Dissolução Parcial de Sociedades Limitadas. Belo Horizonte: Mandamentos, p.504, 2004.
14
2 ANÁLISE DO INSTITUTO DA DISSOLUÇÃO PARCIAL
2.1 Dissolução: classificação binária
Nos dizeres de João Eunápio Borges7, “como as pessoas naturais, as sociedades
comerciais pessoas jurídicas nascem, desenvolvem-se, têm vida mais ou menos longa e
também morrem. Nem sempre da morte natural prevista nos seus contratos ou atos
constitutivos”.
Trata-se do instituto da dissolução de sociedades.
Ao se estudarem as formas de rompimento de vínculo societário, sem dúvida
alguma a dissolução ocupa papel de relevância máxima, seja em seu sentido amplo que
compreende o procedimento de extinção da sociedade empresária e o término da
personalidade jurídica da sociedade empresarial, seja para individualizar o ato específico que
dá origem a esse processo, quando determinado sócio de desvincula do quadro associativo.
Primando pelo princípio da conservação da empresa, as legislações atuais buscam
visar, ao máximo, à continuidade das atividades empresariais em determinadas situações que
poderiam ocasionar a extinção definitiva de determinada sociedade. O melhor exemplo são os
casos de conflitos entre sócios.
Da mesma forma, o Código Civil8 apresenta-se neste cenário objetivando a
continuidade da sociedade sem afetar a dissolução da personalidade jurídica, mas, sim,
dissolvendo os vínculos contratuais de determinados sócios que a originaram.
Analisando-se o termo dissolução, verifica-se que o mesmo origina-se do latim
dissolutio, que advém de dissolvere, concluindo a idéia de desatar, separar, romper9.
Mauro Rodrigues Penteado10 afirma que a palavra dissolução, em matéria
societária, não tem o mesmo significado que se lhe atribui a partir de sua expressão
gramatical. Segundo ele, no direito contratual, o termo “dissolução” vem a exprimir a
7 BORGES, João Eunápio. Curso de Direito Comercial Terrestre. Rio de Janeiro: Revista Forense, p.34, 1971. 8 BRASIL, op cit, 2002a. 9 PLÁCIDO E SILVA. Dicionário jurídico, p.103. In: PEREIRA, Marco Antônio Marcondes. Regime dissolutório do Código Comercial: dissolução total e dissolução parcial, dissolução judicial e extrajudicial. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.100, p.63, out/dez. 1995. 10 PENTEADO, Mauro Rodrigues. Dissolução e Liquidação de sociedades, 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2000. In: SILVA, Hamilton de Figueiredo Apuração de haveres em sede de dissolução judicial de empresa holding. Disponível em http://www.mcampos.br/POSGGRADUACAO/Mestrado/dissertações/ hamiltonfigueiredosilvaapuracaohaveressededissolucao.pdf.
15
extinção que ocorre de forma extraordinária, sendo que o contrato tenha alcançado o seu fim
por força de causa posterior ao momento de sua formação.
Há, ainda, doutrinadores que buscam diferenciar os termos dissolução - aqui se
subentendendo a parcial - e resilição unilateral do contrato, apontando as características de
cada um para justificar a distinção mencionada.
É o caso de Hernani Estrella11 em obra acerca do instituto da apuração dos haveres.
Ressalta que, muito embora haja o emprego freqüente de ambas as denominações como
sinônimas, há sensível diferença entre elas.
Para ele, o termo resilição unilateral do contrato, limitada ao sócio desligante, visa
à preservação do organismo societário que se apresenta apto a continuar operando, apesar de
faltar um de seus membros.
Por outro lado, a dissolução tende a extinguir o organismo societário, ou seja, a
própria sociedade. Esse seria o motivo, para o citado autor, da inaplicabilidade do uso desse
termo para designar o rompimento parcial do vínculo de determinado sócio em uma sociedade
qualquer, tendo em vista que a sociedade, não obstante a hipótese de retirada, seja por
exclusão, morte ou outra, continuará em pleno funcionamento.
Assim, questiona o doutrinador o motivo de se igualarem ambos os institutos,
diante do fato de que diversos são os pressupostos em que se baseiam, apesar de reconhecer-
se a íntima correlação entre os termos dissolução e resilição unilateral do contrato, pois, para
ele, o segundo se formou à ilharga do primeiro, como uma de suas formas ou subespécies.
Celso Barbi Filho12 acrescenta boa dose de discussão à diferenciação dos institutos
ao afirmar que a ruptura parcial se equivale à resolução parcial quando motivada por fato
superveniente à constituição da sociedade, como os casos de exclusão, falência, incapacidade.
Mas, para ele, o rompimento parcial, para se constituir na própria hipótese de resilição
unilateral do contrato, deverá decorrer do direito potestativo de denúncia, implícito nos
contratos por prazo indeterminado e na sociedade limitada, produzindo efeitos parciais ao
denunciante, caracterizando, assim, a típica e verdadeira figura da dissolução parcial.
Entretanto, acompanhando o uso freqüente nos Tribunais e na maioria da doutrina
da expressão dissolução parcial como gênero a englobar todas as hipóteses de efetivo
desligamento de determinado sócio da sociedade, vindo a manter a sociedade em vigor -
portanto, afastando-se as discussões acerca do emprego do termo dissolução para identificar a
11 ESTRELLA, Hernani. Apuração de Haveres de sócio. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, p.95-97, 1992b. 12 BARBI FILHO, op. cit, p.234-245.
16
ruptura parcial do quadro associativo da sociedade limitada -, ressalta-se que, em conjunto
com a dissolução total, ambas compõem o sentido amplo do termo dissolução.
Esta é gênero; aquelas, espécies.
Controvérsias à parte, certo é que a posição consagrada ao longo dos anos pela
jurisprudência e incluída no bojo do ordenamento jurídico brasileiro é dar valia à classificação
binária da dissolução, qual seja: total e parcial. Vários são os doutrinadores que adotam a
classificação em dissolução total e parcial13,14,15.
O professor Wille Duarte Costa16 assim se posiciona ao observar que:
A primeira leva a sociedade à liquidação total do patrimônio social, para atingir a extinção. A segunda, só importa na dissolução em relação a determinado sócio, demissionário ou excluído, sem prejuízo da continuação da sociedade, que permanece em relação aos demais sócios. Em resumo, a dissolução total corresponde à forma clássica prevista pelo legislador de 1850, sendo que a dissolução parcial decorre de construção pretoriana e doutrinária, visando a afastar aquela, de forma a dar uma solução prática a questões internas do corpo social, ou simplesmente para preservar a empresa e a sociedade16.
Celso Barbi Filho17, opinando acerca da classificação exposta, acrescenta que:
Parece incoerente à primeira vista. Entretanto, diversos fatores, inclusive socioeconômicos, de conciliação entre o interesse de preservação das empresas exploradas por sociedades e o direito de saída dos sócios insatisfeitos fizeram com que, pelas mãos da doutrina e da jurisprudência, a dissolução apenas parcial das sociedades por quotas de responsabilidade limitada se tornasse uma realidade no Direito brasileiro, embora não prevista de forma nominada na lei17.
Assim, ao se definir a dissolução como um ato a ser efetivado e conduzente à
desconstituição da sociedade, vindo a ocasionar a liquidação do seu patrimônio e a posterior
extinção da pessoa jurídica, estar-se-á diante da denominada dissolução total, conforme
previsões dos artigos 1.033, 1.034, 1.044, 1.051 e 1.087 do Código Civil18.
Por sua vez, a dissolução de parte desses vínculos com a permanência da
sociedade em plena atividade por força dos demais sócios não dissolvidos é a denominada
dissolução parcial, nos termos dos artigos 1.004, 1.028 a 1.032, 1.033, III, 1.058, 1.085 e
13 BARBI FILHO, op cit, p.113. 14 PEREIRA, Marco Antônio Marcondes. Regime dissolutório do Código Comercial: dissolução total e dissolução parcial, dissolução judicial e extrajudicial. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.100, p. 65, out/dez. 1995. 15 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 17.ed. São Paulo: Saraiva, v.2, p. 267, 1988a. 16 COSTA, Wille Duarte. A Dissolução de sociedade comercial composta de dois sócios. Atualidades Jurídicas. Belo Horizonte: Del Rey, v.3, p.357, 1993. 17 BARBI FILHO, op cit, p.114. 18 BRASIL, op cit. 2002a.
17
1.086, todos do Código Civil19, dissolução essa a seguir aprofundada, diante de sua íntima
relação com o instituto da apuração de haveres.
Mesmo que se pretenda, não há como fugir da classificação mencionada, dada a
sua consolidação no ordenamento jurídico brasileiro e a inerente característica plurilateral do
contrato de sociedades ao se permitir a livre entrada e saída dos participantes por meio da
convenção de vontade, dissolvendo-se parcialmente a sociedade para mantê-la existente e em
pleno funcionamento.
2.2 Dissolução parcial e breve incursão no direito comparado
Regulamentando diferentemente a dissolução parcial das sociedades limitadas,
encontra-se no direito estrangeiro rica fonte de consulta que fortemente influenciou o
ordenamento jurídico brasileiro.
Os ordenamentos da Itália, França e Portugal foram os que mais interferiram na
adoção do sistema e regras de dissolução parcial de sociedades limitadas presentes na
legislação brasileira.
Não obstante, outros serão também analisados.
Por outro lado, difere em grande parte o direito estrangeiro do ordenamento
brasileiro, quando se constata, naquele, forte dose de restrição à saída dos sócios da
sociedade, com o pagamento dos haveres devidos, submetendo-se, várias vezes, à constatação
de casos fixados rigidamente, apreciados judicialmente.
Em alguns casos em que se admite a dissolução parcial, a verificação dos haveres
não se faz como no Brasil, em que se segue a tendência da Corte Superior a proceder ao
levantamento como se dissolução total fosse, preservando-se justamente o valor a que tem
direito o retirante.
Em outros ordenamentos, como o Direito italiano, avançadamente, a apuração de
haveres vem sendo feita contemporaneamente ao balanço existente ao tempo do afastamento
do sócio, posição já consagrada no Brasil pela doutrina e jurisprudência, porém, sem qualquer
previsão legal expressa a respeito em nosso ordenamento jurídico.
Em alguns pontos, como na fixação do momento de apuração de haveres do
Direito italiano, se encontra o direito estrangeiro mais evoluído que o brasileiro. Em outros,
19 BRASIL, op cit, 2002a.
18
exige-se motivação contratual ou legal para se privar o sócio de continuar na sociedade, como
o faz o Direito português, menos desenvolvido que o nosso, como se verá.
2.2.1 Itália
O direito estrangeiro que mais influenciou o Direito brasileiro foi o italiano. Possui
vários dispositivos legais semelhantes àqueles contidos no Código Civil do Brasil20, conforme
será visto.
Abordando o direito comparado, Celso Barbi Filho21 demonstra que a
possibilidade de ruptura do vínculo societário na Itália remota ao ano de 1865. Porém, foi o
Código de Comércio de 1882 o responsável por criar o instituto do recesso.
O mesmo doutrinador observa que, aperfeiçoando-se as regras a esse respeito, em
1942 o Codice Civile garantiu expressamente, de forma mais detalhada, o direito de recesso
dos sócios das sociedades comerciais, como se conclui do artigo 2.437 - para os casos de
mudança do objeto ou do tipo da sociedade, transferência de sede para o exterior - e do artigo
2.285 nas sociedades com tempo indeterminado de duração.
Assevera-se que o diploma civil italiano, no livro V, Título V, Capítulo II, seção
V, possui regramento específico relacionado à dissolução do vínculo referentemente a um
sócio, como o faz o Código Civil Brasileiro22 no artigo 1.085.
Celso Barbi Filho23 narra que o diploma civil italiano também prevê as hipóteses
de liquidação da parte do falecido em favor dos seus herdeiros, salvo a previsão de cláusula
contratual em outro sentido.
Segundo ele, o Codice Civile é o diploma responsável por dispor sobre hipóteses
rígidas de exclusão de sócio, até mesmo para os casos de sócio falido ou que teve suas quotas
liquidadas, o que o ordenamento brasileiro também o fez sob a denominação de dissolução de
pleno direito.
20 BRASIL, op cit, 2002a. 21 BARBI FILHO, op cit, p.206. 22 BRASIL, op cit, 2002a. 23 BARBI FILHO, op cit, p.207.
19
Eduardo Goulart Pimenta24 afirma que os artigos 2.286 a 2.288 regulamentam a
exclusão no ordenamento italiano, porém, tanto ela quanto o recesso do sócio compõem uma
mesma categoria genérica.
Ressalta o referido doutrinador que a exclusão se realiza por deliberação da
maioria, se a sociedade tem mais de dois sócios, ou por sentença judicial, quando somente
dois membros existirem. Aduz que, ainda, há admissão de limitação contratual às causas de
exclusão legalmente elencadas.
Também menciona Celso Barbi Filho25 a previsão de hipóteses de
responsabilidade do sócio retirante e seus herdeiros, no artigo 2.290, também o prevendo o
diploma civil brasileiro quando trouxe o dispositivo do artigo 1.03226.
Como se vê, várias são as similitudes com o ordenamento jurídico nacional.
Difere do ordenamento brasileiro no que diz respeito à ausência de remissão das
sociedades limitadas às regras das sociedades simples27.
Também o faz quando, no diploma civil italiano, se constata que o direito de
recesso é previsto especificamente na lei ou no contrato e, distintamente do diploma civil
brasileiro, possui forma específica prevista em lei para a saída isolada do sócio.
Referentemente ao instituto da expropriação de quotas, mais uma vez
demonstrando a similitude com o ordenamento jurídico nacional - artigo 1.026 -, o diploma
italiano também permite a execução judicial da quota para pagamento de credores particulares
de um sócio28.
De outro norte, o diploma italiano, inteligentemente, estabelece a efetiva
ocorrência da dissociação como sendo o marco inicial para a avaliação dos bens componentes
do patrimônio social nos casos de dissolução parcial de sociedades, ou seja, apuração dos
haveres29.
Adiante se voltará ao assunto, mas registra-se que quanto ao momento em que
apuráveis os haveres, o diploma italiano se apresenta mais moderno que o brasileiro, trazendo
norma específica a respeito da marco inicial de levantamento dos haveres, mesmo que de
forma genérica.
No Brasil, ante a ausência de norma legal respectiva, a doutrina se ocupa do tema.
24 PIMENTA, Eduardo Goulart. exclusão e retirada de sócios: conflitos societários e apuração de haveres no Código Civil e na Lei de Sociedades Anônimas. Belo Horizonte: Mandamentos, p.51, 2004. 25 BARBI FILHO, op cit, p.209. 26 BRASIL, op cit, 2002a. 27 PIMENTA, op cit. p.52 28 PIMENTA, op cit, p.52. 29 FRANCO, Vera Helena de Melo. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.75, p. 26-27, jul/set. 1989.
20
2.2.2 França
Diante da enorme influência do Código Napoleônico sobre o antigo Código
Comercial Brasileiro30 de modo a servir de inspiração para estruturação, no Brasil, dos
revogados dispositivos dos artigos 335 e 336, faz-se necessário analisar a dissolução parcial
de sociedades no Direito francês, muito embora não tão próxima do Direito brasileiro como a
legislação italiana.
Passando pela vedação de ruptura parcial, foi em 1867, pela Lei 24 de julho, que
se permitiram o recesso e exclusão do sócio nas sociedades de capital variável, excetuando-se
o caso da existência de limites impostos pelas partes quanto às negociações sociais ou por
cláusula contrária no contrato social31.
O diploma civil francês permite que o sócio de sociedade constituída por tempo
indeterminado também possa dela se retirar, porém o fazendo de forma tempestiva e com boa-
fé.
Trazendo disposições gerais sobre as sociedades, Celso Barbi Filho32 anuncia que
o dispositivo do artigo 1.844-7 é o responsável por apresentar as normas gerais sobre
sociedades, estabelecendo as causas dissolutórias, incluindo-se a relacionada ao
desaparecimento do espírito de união que caracteriza a sociedade, o que nosso ordenamento
optou por conhecer como a quebra da affectio societatis. Nesse ponto, ambos os
ordenamentos jurídicos se assemelham.
Por sua vez, no Direito francês as normas gerais sobre sociedades tratam de causas
admitidas como alternativa à dissolução total requerida por justo motivo, apreciado
judicialmente, dependendo sempre do elemento intuitu personae da sociedade ou da
ocorrência de fatores contratuais específicos.
Cita-se como exemplo o direito de retirada do sócio por não concordar com a
prorrogação do prazo de duração da sociedade ou a admissão do resgate, esse segundo diante
do fato de que as normas relacionadas à sociedade limitada, no Direito francês, bastante se
aproximam daquelas relacionadas às sociedades anônimas.
O resgate é a solução para o reembolso da parte, quando há requerimento de
dissolução total prevista em cláusula estatutária, com direito de continuação da sociedade
pelos sócios remanescentes.
30 BRASIL. Lei 556 de 25 de junho de 1850. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 de junho de 1850. 31 BARBI FILHO, op cit. p. 201. 32 BARBI FILHO, op cit, p.203.
21
Como se vê, admite a lei francesa a dissolução parcial - dissolution partielle -,
abrangendo tanto a saída voluntária do sócio quanto os casos de exclusão33.
Referentemente à exclusão do sócio, afirma Eduardo Goulart Pimenta34 que sua
inclusão no ordenamento jurídico francês se deu de forma parcial e progressiva, sendo
decisiva a participação da doutrina e jurisprudência a esse respeito. Ambas, preocupadas com
a preservação da empresa, trouxeram do direito estrangeiro os ensinamentos para introduzir a
exclusão do sócio no ordenamento jurídico.
Vale apontar que a Lei 24 de julho de 1867, em seu artigo 52, §2º, similarmente ao
Direito brasileiro, já tinha previsão regulamentando a situação do sócio que é excluído ou se
retira da sociedade, vindo este a responder por cinco anos, perante os demais sócios e
terceiros, por todas as obrigações existentes no momento da retirada.
Por fim, há de se ressaltar o pontuado por Fran Martins35. Segundo ele,
similarmente ao Direito brasileiro, a lei francesa impede a dissolução da sociedade por
ocasião do evento morte, salvo estipulação em contrário contida no contrato social.
2.2.3 Portugal
Influenciando fortemente o revogado Decreto brasileiro nº 3.70836, o Direito
português prevê o denominado direito de exoneração do sócio, condicionando-o
expressamente às causas criadas pela lei ou contrato.
Trata-se de uma modalidade do direito de recesso, segundo Celso Barbi Filho37,
somente exercitável caso todas as quotas do sócio estejam integralmente liberadas.
Reproduzindo as matérias do Código italiano, ainda de acordo com Celso Barbi
Filho38, o Código Civil português possui previsão da exclusão, a qual é exercitável desde que
a duração da sociedade não esteja prevista no contrato.
A justa causa e a previsão contratual são limitadores do direito de exoneração
quando há fixação de prazo de duração da sociedade. Entretanto, cabível a mudança das
causas contratuais pelos sócios, desde que acordado a respeito por todos eles39. 33 PIMENTA, op cit, p.48. 34 PIMENTA, op cit, p.49. 35 MARTINS, Fran. Sociedades por quotas no direito estrangeiro e brasileiro. Rio de Janeiro: Editora Forense, v.II, p.792, 1960. 36 BRASIL. Decreto-lei no 3.708, de 10 de janeiro de 1919. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 15 de janeiro de 1919. 37 BARBI FILHO, op cit, p.212. 38 BARBI FILHO, op cit, p.213.
22
Eduardo Goulart Pimenta40 afirma que, entre os doutrinadores, não se admite a
possibilidade da sociedade excluir o sócio com fundamento num fato que a lei ou o contrato
não tenha previsto como motivo justificador da exclusão.
Por sua vez, o Código de Sociedades Comerciais, no artigo 241, regulamentando a
exclusão do sócio, também somente admite a exclusão do sócio baseado em causas
estabelecidas na lei ou mediante cláusula constante do ato constitutivo da sociedade.
Entre nós, a affectio societatis e sua larga utilização como fundamento para se
pleitear a dissolução parcial comprovam que não somente rígidas previsões contratuais ou
legais podem subsidiar o pedido dissoluório.
Difere, ainda, o ordenamento jurídico brasileiro, justamente pelo fato do Direito
português não prever, em caso de exercício de direito de saída, uma apuração de haveres
ampla, como se dissolução total o fosse, nos exatos termos do que entende a Corte Superior
brasileira.
2.2.4 Alemanha
De longa data já vem admitindo a Alemanha a possibilidade de ruptura parcial da
sociedade. Celso Barbi Filho41 cita previsões legais no Código prussiano de 1.794, bem como
nos Códigos do Comércio de 1861 e 1897.
Entretanto, lá a saída voluntária é prerrogativa da condição de sócio, direito este
que somente pode ser exercitado se ocorrida justa causa e, ainda, desde que haja
impossibilidade de cessão de sua participação.
Quanto à exclusão de determinado sócio, a sociedade pode ter a iniciativa de
excluir um sócio do quadro associativo quando haja causa justificadora42.
Eduardo Goulart Pimenta43, no mesmo sentido, ressalta que o BGB, atual Código
Civil Alemão, o qual disciplina o regime das sociedades civis, traz previsões legais a respeito
da exclusão e retirada do sócio. Segundo ele, prevalece a regra geral que permite a conversão,
diante de previsão legal, das hipóteses de dissolução total em saída voluntária ou compulsória
de determinado sócio, mantendo-se a sociedade. Expõe o referido doutrinador que o artigo
39 MARTINS, op cit, 1960, p.791. 40 PIMENTA, op cit, p.54. 41 BARBI FILHO, op cit, p.221. 42 BARBI FILHO, op cit, p.222. 43 PIMENTA, op cit, p.47.
23
737 do BGB prevê a possibilidade de um sócio ser excluído por decisão dos demais, desde
que haja cláusula contratual neste sentido.
Como se vê, duas formas são admitidas no Direito alemão para dissolução parcial
do sócio: a saída voluntária e a exclusão do sócio, sempre se exigindo causa que a justifique.
Semelhantemente ao Direito brasileiro, Fran Martins44 acredita que o Direito
societário alemão pode prever outras causas dissolutórias pactuadas em contrato social pelas
partes.
2.2.5 Espanha
Não há, no Direito espanhol, previsão específica para a dissolução de sociedades
limitadas, aplicando-se a ela as normas contidas no Código do Comércio relativas às
sociedades em geral e aquelas relacionadas às coletivas e comandita45.
Semelhantemente ao Direito brasileiro, a dissolução parcial, na Espanha, é vista
como alternativa à dissolução total, sendo às sociedades limitadas atribuído caráter
consideravelmente personalista.
2.2.6 Inglaterra e Estados Unidos da América
Ambos adotando o sistema da common law, possuem como causas de dissolução
parcial hipóteses bastante similares, citando-se os casos de sócio judicialmente declarado
incapacitado, culpado, que desobedeça o contrato social, que ocasione perdas para os sócios
ou que o Tribunal considere como justo motivo para a dissolução.
Entretanto, no Direito inglês, Celso Barbi Filho46 relata que há expressa previsão
legal na lei de 1.890 sobre o partnership acerca da exclusão de sócio e separação voluntária,
essa segunda permitindo que do empreendimento possa sair qualquer sócio que dê ciência à
sociedade, nos casos de não ter prazo determinado de duração.
Se a partnership for constituída mediante deed, documento provado com selo
oficial, basta a simples retirada declarada por escrito pelo sócio.
44 MARTINS, op cit, 1960, p.791. 45 BARBI FILHO, op cit, p.223. 46 BARBI FILHO, op cit, p.224.
24
Quanto à exclusão, somente em caso do contrato social prever é que se admite sua
possibilidade exercitável pela maioria.
Já no Direito norte-americano, também há a faculdade de retirada irrestrita do
sócio, sendo a partnership um modelo ainda adotado nos moldes do Direito inglês. E quanto
às denominadas limited partnership, a lei americana não é tão certeira quanto a inglesa no que
diz respeito à exclusão ou retirada de sócio. Ela é visualizada dentro do exercício exclusivo do
direito de retirada ou, melhor descrevendo a passagem de Celso Barbi Filho47, withdrawal
rights.
2.3 Abordagem da dissolução parcial das sociedades limitadas no Código Civil
A sociedade limitada, certamente diante da escassez de normas do Decreto-lei
3.708 de 191948, foi inteiramente sistematizada em capítulo próprio no Código Civil49,
especificamente no Livro II, Capítulo IV, artigos 1.052 a 1.087, ressaltando-se a possibilidade
de aplicação subsidiária da sociedade simples e anônima.
Referido diploma, ao estabelecer as normas envolvendo o direito de empresa,
trouxe várias inovações em relação à forma e requisitos para dissolução de sociedades, em
especial a sociedade limitada.
Apresentou-se mais completo no tocante ao rompimento do vínculo societário nas
sociedades limitadas, delineando várias hipóteses. Por um lado, sensível à freqüente
elaboração de estratégias pelos sócios majoritários na exclusão de minoritários, ousa prever,
mesmo que genericamente, algumas das formas de limites à exclusão forçada do sócio
minoritário, quando trouxe os dispositivos legais dos artigos 1.085 e 1.086.
É notória a intenção do diploma civil em preservar o sócio minoritário das
investidas excessivas de poder praticadas pelos sócios majoritários, afastando, ou pelo menos
pretendendo afastar, qualquer resquício de insegurança quanto à permanência no quadro
associativo.
A intenção protecionista do legislador vai além da exclusão do sócio, atingindo,
inclusive, a forma de liquidação de suas quotas, a qual se dará, com base no artigo 1.031, na
verificação da situação patrimonial da sociedade a partir de balanço especialmente levantado,
47 BARBI FILHO, op cit, p.227. 48 BRASIL, op cit, 1919. 49 BRASIL, op cit, 2002a.
25
evitando-se a adoção de balanços desatualizados causadores do empobrecimento indevido do
sócio excluído.
Portanto, diante das várias inovações em relação ao rompimento do vínculo
societário na sociedade limitada, analisar-se-ão as formas apresentadas pela nova legislação
que conduzem à extinção de parte do vínculo de determinado(s) sócio(s), permanecendo a
sociedade empresária em pleno vigor, bem como as causas, características e conseqüências
emanadas de tais atos.
Tal fato se faz imperioso diante de que as respectivas épocas de apuração dos
haveres são fixadas de acordo com a causa que dissolveu o vínculo subjetivo que unia os
sócios, o que se verificará em momento oportuno.
2.4 Dissolução parcial - espécies
Várias foram as modalidades e formas apresentadas pelo diploma civil quanto à
dissolução parcial das sociedades.
As hipóteses fáticas como morte, falência, acordo firmado pelas partes, bem como
outras, podem incidir na vida societária fazendo nascer o interesse na dissolução parcial das
sociedades.
Por outro lado, a rescisão do contrato social pactuado, no que diz respeito a uma de
suas partes, pode ser perfeitamente entabulada pelos sócios, eis que se trata de um negócio
jurídico como qualquer outro, portanto, passível de alteração.
As hipóteses dissolutórias são as que se seguem nos próximos subitens.
2.4.1 Exercício do direito de retirada
Configurando ato unilateral do sócio desinteressado de permanecer na sociedade, o
exercício do direito de retirada do sócio de sociedade de prazo indeterminado pode se dar
independentemente do motivo.
26
Como não havia se obrigado a manter o investimento por prazo fixo, o princípio da
autonomia da vontade faz com que ele se libere da condição de sócio no momento de seu
interesse50, porém, sob certas exigências.
No artigo 1.029 do Código Civil51 constata-se a obrigatoriedade de que os demais
sócios sejam notificados com antecedência mínima de 60 dias. Após, deve o interessado
aguardar a manifestação dos sócios no prazo de 30 dias seguintes à notificação, caso estes
queiram se manifestar.
Em caso de sociedade de prazo determinado, há de se destacar que a retirada do
sócio somente judicialmente se fará e, ainda, desde que comprovada justa causa. É o direito
de retirada motivada, eis que o direito do sócio, para ser exercido, de sua vontade não depende
somente.
Destaca-se que nas sociedades limitadas, várias podem ser as causas que
despertem no sócio a intenção de se retirar da sociedade, entre elas sua discordância da
alteração contratual proposta, ou da fusão, incorporação, cisão, conforme se constata do artigo
1.077, diploma civil52.
Logo, com o exercício do direito de saída por um dos sócios, serão apurados os
seus respectivos haveres com base na situação patrimonial da sociedade à data da resolução,
em balanço especialmente levantado.
2.4.2 Morte
Uma outra forma de se dissolver parcialmente a sociedade limitada seria a
ocorrência de morte do sócio, faculdade atribuída àqueles que sobreviverem, os quais, em vez
de dissolverem a sociedade, podem optar pelo ingresso dos herdeiros ou legatários na mesma,
dispondo o contrato social nesse sentido.
Tal possibilidade, há décadas, vem sendo admitida pela doutrina pátria53.
Nesse caso, estando todos de acordo na manutenção dos vínculos sociais, não
incide o instituto da apuração de haveres, mesmo havendo cláusula contratual dissolutória a
prevendo.
50 COELHO, Fábio Ulhôa. Curso de Direito Comercia. 8.ed., São Paulo: Saraiva, v.2, p.464, 2005. 51 BRASIL, op cit, 2002a. 52 BRASIL, op cit, 2002a. 53 ÁLVARES, Walter T. Direito Comercial. 4.ed. São Paulo: Sugestões Literárias S/A., p.312, 1976.
27
Tal modalidade de dissolução parcial tem como objetivo principal compatibilizar
os interesses dos sucessores do sócio morto e de sócio sobrevivente, numa sociedade “de
pessoa”. Pode ser formalizado extrajudicialmente.
Visa a, ainda, por seu turno, manter intocável o regular funcionamento das
atividades da sociedade diante da morte do sócio. É a expressão do “princípio da preservação
da empresa”, o qual já era aplicado doutrinariamente quando da vigência do revogado artigo
335, IV do Código Comercial de 185054.
José Waldecy Lucena55, discorrendo sobre o princípio, acrescenta que já não mais
se permite que males do mecanismo jurídico-societário possam vir a atingir a sociedade,
sendo formado um núcleo de interesses a serem preservados, os quais se encontram acima das
vicissitudes pessoais de cada sócio.
Essa é a razão da dissolução apenas parcial das sociedades em caso de morte dos
sócios, mantendo-se intangível o núcleo central de funcionamento da sociedade, entendimento
extensivo também a todas as hipóteses em que se dissolvem parcialmente as sociedades
limitadas.
2.4.3 Exclusão do sócio
O sócio, ao ingressar na sociedade, passa a se submeter a um regime jurídico
formado por obrigações definidas na legislação societária e/ou no contrato social da sociedade
limitada, as quais perduram até liquidação dessa e a extinção das responsabilidades sociais.
Desobedecendo a uma dessas obrigações, poderá se operar a exclusão
compulsória, justificando-se em virtude do princípio da preservação da atividade exercida
pela sociedade, seja por razões de ordem econômica ou outras quaisquer que visem a manter a
atividade produtora de riquezas.
Para tanto, a lei proporciona, pelo instituto da exclusão, a utilização de meios
capazes de extinguir as barreiras prejudicialmente impostas pelo sócio excluído, bem como
todos os elementos perturbadores da vida da sociedade.
54 BRASIL, op cit, 1850. 55 LUCENA, Waldecy. Das sociedades por quotas de responsabilidade limitada. 4.ed. Rio de Janeiro: Renovar, p.804, 2001.
28
A exclusão “forçada” do sócio indesejado é vista como um direito de defesa da
sociedade contra aqueles que coloquem em risco a sua regular atividade e, em alguns casos,
sua própria existência. Divide-se em judicial e extrajudicial.
2.4.3.1 Exclusão extrajudicial
A nova legislação, ao contrário do Decreto-lei 3.708/1956, atendendo aos reclamos
da doutrina e da jurisprudência, preencheu a lacuna da lei ao tratar da questão relacionada à
exclusão do sócio minoritário nesse tipo societário, exatamente naqueles casos em que houver
o cometimento de ato de inegável gravidade que coloque em risco a continuidade da
sociedade, o que os dispositivos dos artigos 1.085 e 1.086 regulamentam.
Nos referidos dispositivos legais, pode-se constatar que, quando a maioria dos
sócios, representativa de mais da metade do capital social, entender que um ou mais sócios
estão colocando em risco a continuidade do ente societário, por força de ato de inegável
gravidade e ressalvados os casos do artigo 1.030, bem como a hipótese do artigo 1.004 e,
ainda, prevista a justa causa, poderá excluir o sócio que incorrer em uma dessas condutas por
meio de simples alteração contratual - após realização de assembléia para este fim -
conferindo o direito de defesa ao excluído.
Não prevista a justa causa, a exclusão se dará somente por decisão judicial, da
mesma forma o sendo em caso de exclusão de sócio majoritário, não obstante se discuta a
constitucionalidade a esse respeito diante do dispositivo do artigo 5º, inciso XX da
Constituição Federal, aplicável também na seara empresarial. Segundo referido dispositivo
constitucional, ninguém pode sercompelido a associar-se ou manter-se associado.
A partir do instante em que se exige que a exclusão se opere judicialmente, mesmo
que de forma indireta, o sócio se vê compelido a permanecer na sociedade até que a decisão
que o exclua seja proferida.
Como se constata, viola-se o direito fundamental previsto na Carta Magna.
Destaca-se, também, que o Código Civil57 acrescenta requisitos à exclusão do
sócio remisso, seja ele majoritário ou minoritário, ao mencionar no artigo 1.004 - aplicado
subsidiariamente à sociedade limitada - a permissão da retirada forçada do sócio que não se
56 BRASIL, op cit, 1919. 57 BRASIL, op cit, 2002a.
29
obrigue, na forma e prazo previstos, às contribuições estabelecidas no contrato social, porém,
desde que devidamente notificado para que venha a fazê-lo.
Portanto, aquele sócio que não integralizar suas quotas, ficando a devê-las à
sociedade no todo ou em parte, torna-se remisso, podendo os demais sócios excluí-lo. Tal
peculiaridade já encontrava previsão na legislação da sociedade limitada ora revogada58.
As hipóteses citadas permitem que a exclusão se faça sem a necessidade da
instauração de um procedimento judicial, mas, sim, por mera deliberação dos demais sócios,
seguindo ao arquivamento da alteração contratual no registro público competente, respeitados
os requisitos legais exigidos. É a denominada exclusão extrajudicial.
2.4.3.2 Exclusão judicial
Por outro lado, não sendo o caso as hipóteses de sócio remisso ou exclusão de
sócio minoritário com previsão de justa causa no contrato social, obrigatoriamente recorrer-
se-á ao Poder Judiciário para que o conflito seja dirimido.
Neste ponto, o diploma civil limitou as possibilidades de exclusão judicial para as
hipóteses de ocorrência de falta grave no cumprimento das obrigações do sócio e
incapacidade superveniente59 - artigo 1.030 - ou, ainda, ocorrendo omissão contratual de
previsão da justa causa - artigo 1.085 -, esta sendo caracterizada pela violação ou falta de
cumprimento das obrigações sociais.
O sócio majoritário, assim, somente poderá ser excluído por meio do ajuizamento
da ação cabível, sob a hipótese de ter cometido ato de inegável gravidade que coloque em
risco a continuidade da sociedade.
Nesses casos, pleiteando em juízo a sociedade a exclusão pretendida, somente
mediante sentença judicial que venha a acolher o pedido é que se terá ocorrido a dissolução60.
2.4.4 Pleno direito: sócio falido e liquidação de quotas
58 REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. 23.ed. São Paulo: Saraiva, v.1, p.428-429, 1988b. 59 MACHADO, Elizabeth Guimarães. Direito de empresa aplicado: abordagem jurídica, administrativa e contábil. São Paulo: Atlas, p.159, 2004 conceitua: incapacidade superveniente de sócio é aquela caracterizada após um período de normalidade anterior, no qual o sócio gozava de plena capacidade. Superveniente no sentido se caracterizar depois do sócio já ser membro de quadro societário constituído em situação normal. 60 BERTOLDI, Marcelo M.; RIBEIRO, Márcia Carla Pereira. Curso avançado de Direito Comercial. 4.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.212, 2008.
30
De outro turno, a lei civil prevê, ainda, outra forma de dissolução parcial de
sociedade limitada, a denominada “exclusão de pleno direito”, aquela a qual se operará
naqueles casos em que o sócio for declarado falido, conforme artigo 1.030 e seu parágrafo
único, sendo apurados seus haveres nos moldes do artigo 1.031, bem como quando o sócio
tiver sua quota liquidada nos termos do parágrafo único do artigo 1.026.
Trata-se de nomenclatura mais acertada ao conter em seu bojo somente as
hipóteses de sócio declarado falido e aquele que tem sua quota liquidada61.
Constata-se, na primeira hipótese, a manutenção do antigo entendimento de que a
falência do sócio já não é mais causa de dissolução total da sociedade, o que já justificava, à
época do Código Comercial de 185062, a revogação do artigo 335, IV.
Trata-se, simplesmente, de mais uma hipótese de apuração de haveres na forma do
contrato, se prevista63,64.
Quanto à segunda modalidade, qual seja, liquidação das quotas do sócio, destaca-
se que ocorre a pedido do credor, após análise judicial acerca da procedência do pedido.
Acolhida a pretensão, a sociedade deve proceder à apuração dos haveres,
depositando o valor devido pelo sócio-devedor, no juízo da execução, em 90 dias após a
liquidação.
Ambas as formas, no entanto, permitem a exclusão de forma extrajudicial, como se
verá ao se analisar o momento em que apuráveis os haveres, abordando-se as suas
características principais.
2.4.5 Por previsão contratual
61 PIMENTA, op cit, p.97: no mesmo sentido, mas incluindo-se a “morte” como exclusão de pleno direito; TZIRULNIK, Luiz. Empresa e empresários no Novo Código Civil, 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, p.102-103, 2005: entendendo por dissolução de “pleno direito” aquela em que ocorrem hipóteses de dissolução total, como a declaração de falência da sociedade, vencimento do prazo de duração se sociedade por prazo determinado, consenso unânime dos sócios, deliberação da maioria absoluta dos sócios em sendo sociedade por tempo indeterminado, falta de reconstituição de ausência de pluralidade de sócios em 180 dias e extinção da autorização legal para funcionar; BERTOLDI, op cit, p.352: referindo-se às sociedades anônimas, em especial artigo 201, I da Lei 6.404 de 1976, afirma haver quem inclua na designação dissolução “de pleno direito” os casos de término do prazo de duração da sociedade se ela não for constituída por prazo determinado, expressa previsão contratual, deliberação da assembléia geral, redução do quadro social a um único acionista se o mínimo de dois não for recomposto até a realização da próxima assembléia, e, por fim, quando se tratar de companhia que necessite de autorização governamental para funcionar, pela extinção da referida autorização. 62 BRASIL, op cit, 1850. 63 BARBI FILHO, op cit, p.292. 64 FONSECA, Priscila M.P.C. Dissolução Parcial, retirada e exclusão de sócio. 4.ed. São Paulo: Atlas, p.208, 2007.
31
Diante do dispositivo do artigo 1.035 do Código Civil65, aplicável às sociedades
militadas por força do artigo 1.053, outras causas dissolutórias podem vir a ser previstas no
instrumento contratual da sociedade.
Livres, portanto, se encontram os sócios para regulamentarem os seus interesses no
contrato social.
Entretanto, para que a cláusula contratual estipulada possua validade, exige-se
concordância unânime dos sócios. Caso contrário, discordes esses quanto a ela, somente
judicialmente podem ser contestadas.
2.5 Apuração de haveres: fase seguinte ao desencadeado processo dissolutório
2.5.1 Conceituação
Incidindo o caso fático em qualquer uma das hipóteses mencionadas de dissolução
parcial de sociedade limitada e, posteriormente, sendo verificado o afastamento do sócio e,
como não poderia deixar de ser, sobrevivendo a sociedade, imperioso que seja fixado em
favor do sócio que dela se desliga o valor relacionado ao crédito que possui para com aquela.
Referido crédito - ora denominado reembolso, com exceção para a hipótese de
sócio remisso, o qual somente receberá as entradas que realizou decotada a indenização
devida à sociedade - corresponde exatamente ao valor patrimonial da participação societária.
Os objetivos da apuração de haveres se restringem à definição do quantum devido
ao sócio desvinculado pela sociedade. Portanto, esse sócio tem direito de crédito contra a
pessoa jurídica no mesmo valor que teria caso a hipótese fosse de dissolução total66.
Trata-se a apuração de haveres de um instrumento operador da saída do sócio da
sociedade. Ela simula a liquidação da sociedade objetivando definir o valor do reembolso
devido ao sócio que dela se desliga.
Deflagrado o fator dissolutório, iniciar-se-á o levantamento contábil para
reavaliação do valor de mercado da sociedade, dos bens componentes do patrimônio social,
65 BRASIL, op cit, 2002a. 66 GONÇALVES, Maria Gabriela Venturoti Perrota Rios; GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Comercial: direito de empresa a sociedades empresárias. São Paulo: Saraiva, p.135, 2005.
32
inclusive incorpóreos, passivo da pessoa jurídica, sendo projetado o valor do acervo
remanescente caso fosse a sociedade dissolvida naquele momento67.
Encontrado o patrimônio líquido da sociedade em processo de dissolução parcial,
sob parcela desse incidirá o reembolso do sócio desligante, proporcionalmente à sua quota68.
O que se constata do exposto é que a apuração de haveres se apresenta no cenário
dissolutório das sociedades limitadas como sendo o fenômeno deflagrador da retribuição
pecuniária do sócio que, por causas legais, pactuadas ou até mesmo inesperadas, se desliga do
contexto societário.
As distinções surgidas no âmbito da apuração dos haveres se concentram na
hipótese das peculiaridades do caso concreto, alterando, caso a caso, o contexto fático, os
motivos que ensejam a saída do sócio, a forma ou critérios de sua realização.
Não obstante tais distinções, para todas elas a apuração de haveres obedecerá ao
rito do artigo 1.031 do Código Civil69, em conjunto com as normas do Código de Processo
Civil de 193970, em vigor diante da disposição do artigo 1.218, inciso VII do atual Código
Processual71, em especial o artigo 638.
Destaca-se que, em determinados casos, sobrevindo divergência, seja por ausência
de entabulação entre as partes, justa causa, falta de previsão contratual, inaplicabilidade do
acordo pactuado ou em se tratando de exclusão de sócio majoritário, somente judicialmente
será a apuração realizada, sendo proferida sentença regulamentando a forma de sua
realização.
Por fim, salienta-se que a retirada, exclusão ou morte dos sócios não o exime, nem
os seus sucessores, da responsabilidade pelas obrigações anteriores, até dois anos após
averbada a resolução da sociedade, nem nos dois primeiros casos, por todas as posteriores e,
em igual prazo, enquanto a averbação não for requerida. É o que dispõe o artigo 1.032 do
Código Civil72.
2.5.2 Modalidades de apuração de haveres
67 COELHO, op cit, p.469. 68 MARTINS, Fran. Curso de Direito Comercial: empresa comercial, empresários individuais, microempresas, sociedades comerciais, fundo de comércio. 27.ed. Rio de Janeiro: Forense, p.226, 2002. 69 BRASIL, op cit, 2002a. 70 BRASIL, Lei 1.608 de 18 de setembro de 1939. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 18 de setembro de 1939. 71 BRASIL. Lei n° 5.869 de 11 jan. de 1973. Institui o Código de Processo Civil. Diário Oficial, Brasília, 11 de jan. 1973. 72 BRASIL, op cit, 2002a.
33
Inúmeras e extensivas são as formas em que a apuração dos haveres pode ocorrer,
tornando-se árduo para a doutrina tentar apontá-las. É que a legislação concedeu ampla
autonomia para que as partes possam regulamentar a vida societária.
Tal fato é facilmente constatado pelo dispositivo legal do artigo 668 do Código de
Processo Civil de 193973, o qual afirma que, em casos de morte ou retirada de sócios, os
haveres serão apurados e pagos pelo modo estabelecido no contrato social, pela convenção
firmada ou da forma estabelecida na sentença, não havendo, portanto, a dissolução total da
sociedade.
Embora o artigo em questão se reporte somente aos casos de morte e retirada, paira
na doutrina o entendimento que se estende também para todas as outras causas acarretadoras
da dissolução parcial da sociedade74.
Se, por um lado, a faculdade legal atribuída aos sócios de regularem seus próprios
interesses pode ser considerada vantajosa, por outro é bastante arriscada.
Freqüentemente, convenções e ajustes são preparados sem a devida clareza e
conhecimentos técnicos exigidos para o caso, rendendo frutos negativos no futuro, sendo
necessários vários litígios para esclarecer as divergências. Enriquecimento ilícito, lesão ou
abuso de direito são75 problemas outros relacionados a instituições eminentemente civilísticas.
Entrementes, mesmo que passíveis de falhas algumas delas, figuram na doutrina
três formas de apuração dos haveres76,77,78.
2.5.2.1 Apuração de haveres estipulada no contrato social
Denominado de ius dispositivum, o pagamento dos haveres pelo modo
estabelecido no contrato social permite aos sócios estipular a forma que será adotada no
futuro para que se apure o valor relativo aos haveres em caso de dissolução parcial da
sociedade.
73 BRASIL, op cit, 1939. 74 LUCENA, op cit, p.828-829. 75 ESTRELLA, op cit, 1992a., p. 139. 76 ESTRELLA, op cit, 1992a, p.138-140. 77 BARBI FILHO, op cit, p.432-448. 78 LUCENA, op cit, p.828-838.
34
Vige, mais uma vez, a autonomia da vontade aplicada aos contratos societários,
nos quais a vontade pactuada pelos sócios quanto à forma de apuração de haveres deve
prevalecer, para benefício da própria atividade empresarial.
Eis aí o fundamento desse tipo de cláusula, qual seja, a preservação da sociedade,
justificando, de forma bastante comum, a sua inclusão no contrato social para que o
pagamento de haveres seja efetuado de forma parcelada e, via de conseqüência, se preserve a
sociedade economicamente viável.
Somente em hipóteses ocasionadoras de enriquecimento ilícito, dissenso quanto à
aplicação da cláusula ou prejuízo ocasionado ao sócio, é que se viabiliza o pedido judicial de
dissolução parcial e, conseqüentemente, de seu afastamento, vindo a se manifestar o Poder
Judiciário a respeito da forma justa de apurar os haveres.
2.5.2.2 Apuração de haveres convencionada pelas partes
Antes ou posteriormente à causa determinativa da dissolução parcial, surge a
possibilidade dos sócios de convencionarem, para o caso específico de retirada do sócio, a
forma pela qual se dará a apuração dos haveres. Se posterior, basta mera alteração contratual
nesse sentido.
A antiga doutrina sobre o tema, citando-se opinião de Celso Barbi Filho, à época
do então vigente Código Comercial de 185079, manifestava-se aduzindo que a convenção
firmada pelas partes, em caso de dissolução parcial contenciosa, implicaria a extinção do
processo. Partia-se do pressuposto de que, extrajudicialmente, não se admitiria a dissolução
parcial, instituto que era de índole eminentemente contenciosa80.
Porém, as introduções do Código Civil81 permitindo a dissolução parcial de
sociedades efetuada extrajudicialmente abandonaram, de uma só vez, a única e exclusiva
possibilidade de fixação de convenção pelas partes somente em juízo.
Passou-se, nos artigos 1.085 e 1.086, a prever-se a possibilidade de exclusão
extrajudicial de sócio minoritário, desde que preenchidos os requisitos legais mencionados na
legislação e, por conseqüência, permitindo-se que a convenção das partes acerca da forma da
apuração de haveres seja também efetuada extrajudicialmente.
79 BRASIL, op cit, 1850. 80 BARBI FILHO, op cit, p.446. 81 BRASIL, op cit, 2002a.
35
José Waldecy Lucena82 já acompanhava esse entendimento.
E, em sendo realizada fora dos auspícios judiciários, incidirá a norma do artigo
1.031 e seus parágrafos83, levantando-se balanço especialmente para a pretendida dissolução
parcial, com a quota liquidada e paga em dinheiro no prazo de 90 dias, salvo, como faculta o
dispositivo legal, qualquer acordo ou estipulação contratual em sentido contrário.
Neste ponto, andou bem o Código Civil84.
2.5.2.3 Apuração de haveres definida em sentença
A última modalidade de apuração dos haveres, no entanto, a mais complexa delas,
estabelecida no artigo 668 do Código Processual de 193985, é a apuração dos haveres pelo
modo determinado na sentença.
Não concordes os sócios acerca da forma a apurar seus haveres, sendo processada
a ação de dissolução parcial, os haveres serão liquidados segundo a forma determinada no
provimento jurisdicional.
Aplicada de forma residual, para incidir faz-se necessário que o contrato social
seja omisso a respeito da forma a se apurarem haveres ou, mesmo que prevendo, proporcione
prejuízo ao sócio retirante, também sendo utilizada nos casos de não haver convenção firmada
pelas partes ou se recusarem os sócios a cumpri-la.
Em síntese, que não se aplique nenhuma das modalidades anteriores de apuração
de haveres.
A influência das modalidades anteriores de apuração de haveres nessa modalidade
é tamanha que, acaso constatadas no caso fático, haverá conseqüente óbice à manifestação
judicial a respeito da forma que deverão ser apurados os haveres. Neste sentido, manifestam-
se Lucena86 e Barbi Filho87.
Excetua-se - como não poderia deixar de ser - a hipótese em que determinada
cláusula preveja forma da apuração de haveres em manifesto prejuízo ao dissidente. Nesse
caso, será necessário que a sentença encontre a forma mais justa de apurar os valores devidos
àquele, substituindo eventual cláusula a respeito.
82 LUCENA, op cit, p.837. 83 BRASIL, op cit, 2002a. 84 BRASIL, op cit, 2002a. 85 BRASIL, op cit, 1939. 86 LUCENA, op cit, p.837. 87 BARBI FILHO, op cit.448.
36
Ponto importante merecedor de mais desdobramentos é o referente à aplicabilidade
do procedimento liquidatório do Código de Processo Civil de 193988 na apuração de haveres
judiciais, portanto, na dissolução parcial de sociedades.
Muito embora referido procedimento se destine a regular a dissolução total de
sociedades, Fábio Ulhôa Coelho89 justifica sua aplicabilidade às dissoluções parciais e, via de
conseqüência, à apuração de haveres. E o faz no seguinte sentido: “a ação de dissolução e
liquidação de sociedade, regulamentada pelo CPC de 1939, para a hipótese de desfazimento
de todos os vínculos societários, é, à falta de dispositivos legais mais apropriados, o meio
processual idôneo também para a dissolução parcial e apuração de haveres”.
Como se nota, a ausência de legislação específica para regular a apuração de
haveres - portanto, o procedimento dissolutório parcial de uma sociedade limitada - faz com
que a doutrina, corroborada pelo antigo entendimento dos Tribunais Superiores, venha a se
utilizar das regras do procedimento liquidatório do Código de Processo Civil de 193990, para
aplicá-las na parcial dissolução de sociedades, quando necessário. E o justificam diante da
amplitude e vastidão das regras que regulam a dissolução total e processo liquidatório do
antigo digesto processual.
Tem-se que a apuração dos haveres sociais, no caso de dissolução parcial, em
manifesto respeito à garantia constitucional do direito à propriedade, deverá seguir
exatamente as mesmas finalidades exigidas para a liquidação ocorrida nos casos de dissolução
total.
Para tanto, faz-se o levantamento contábil de todos os valores do ativo, como se
liquidação total fosse haver.
Visa-se a, pela adoção do procedimento da liquidação total, obter a forma mais
justa e correta da apuração dos haveres, com o pagamento atual e justo do valor devido ao
sócio que da sociedade se desliga.
Os Tribunais Superiores91, em especial o Superior Tribunal de Justiça92,93,94,95, já
firmaram posição a respeito, determinando que, nas dissoluções parciais, a apuração de
haveres seja efetuada de forma integral, a partir de verificação física e contábil, ou seja,
balanço geral. 88 BRASIL, op cit, 1939. 89 COELHO, op cit, p.470. 90 BRASIL, op cit, 1939. 91 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 89.464, 12 setembro 1978. 92 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 271930/SP, 25 março 2002b. 93 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº105667/SC, 26 setembro 2000b. 94 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 61321/SP, 13 fevereiro 2001b. 95 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 89519/ES, 03 junho 1997a.
37
Os demais Pretórios do país, bem como a doutrina96, acompanham o entendimento
mencionado97.
O que se conclui do exposto é a prevalência do entendimento acerca da
aplicabilidade indistinta do procedimento liquidatório da dissolução total à parcial em
qualquer causa que a enseje, seja pela exclusão de sócio, morte, falência ou até mesmo
quando inexistente regramento contratual válido sobre a forma de levantamento do quinhão
do dissidente.
Não obstante, Celso Barbi Filho98 ousa afirmar que a ampliação da quantificação
dos haveres se restringe somente a essa segunda hipótese, ou seja, ocorrendo a inexistência de
previsão contratual acerca do levantamento do quinhão do dissidente, sendo imprescindível,
nos seus dizeres, confrontar os efeitos patrimoniais do instituto da dissolução parcial com os
de cada uma das outras modalidades de saída do sócio da sociedade.
2.5.3 Crítica à omissão legislativa a respeito da ausência de normas quanto à
preservação dos direitos do sócio desligante durante o procedimento de apuração de
haveres
Não obstante a previsão legal do instituto da apuração de haveres e de algumas
características a respeito, assevera-se que a legislação societária não apresentou a necessária
proteção legal ao sócio desligante durante a apuração de seus haveres.
Muito embora o Código Civil99 tenha evoluído ao prever o direito de retirada do
sócio minoritário, bem como normas relacionadas à resolução da sociedade em relação a um
sócio, não trouxe dispositivos legais específicos regulando os direitos a que faz jus o sócio
retirante durante o trâmite do processo dissolutório.
Como se sabe, é público e notório que a avaliação do patrimônio líquido da
sociedade parcialmente dissolvida pode demandar longo período no seu andamento, mesmo
que os sócios já tenham acordado quanto à forma e momento em que os haveres serão
apurados.
96 FRANCO, op cit, p.25-26. 97 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0024.01.542506-9/001, 26 fevereiro 2008a. 98 BARBI FILHO, op cit, p.457. 99 BRASIL, op cit, 2002a.
38
Nos dizeres de João Luiz Coelho da Rocha100:
Vemos questões sobre retiradas litigiosas de sócios minoritários se estendendo por anos, em um quadro factual onde o(s) majoritário(s) permanece(m) no controle, no uso e no desfrute da empresa e de seu aparato patrimonial, enquanto o retirante espera pela final apreciação de valor e início de pagamento (muita vez em prestações alongadas em dezenas de meses) de seus haveres na sociedade100.
Então se questiona: nesse período, quais seriam os direitos cabíveis ao sócio ou a
seus eventuais sucessores para que possam fazer jus à correta remuneração a que têm direito?
Atender-se-ia somente às disposições do que fora acordado no contrato social, em
caso de previsão a respeito, ou seria possível, por exemplo, a intervenção do sócio desligante
nas decisões sociais? Faria jus ao recebimento de pró-labore acaso efetivamente pratique atos
de gerência? Ou poderia continuar recebendo sua parte nos lucros sociais?
Fábio Ulhôa Coelho101, abordando o tema, traz, do direito comparado, citação do
ordenamento jurídico inglês ao afirmar que, na Inglaterra, os membros desligados do
partnership podem optar, enquanto se processa a avaliação da sua participação societária,
entre continuar recebendo sua parte nos lucros sociais e juros à alíquota de 5% ao ano sobre a
parte do patrimônio correspondente à sua quota.
Mencionado doutrinador deixa bem claro que, não contando o Direito brasileiro
com nenhuma disposição legal semelhante, a situação do sócio, em muitas vezes se
posicionando como minoritário, passa a ser dotada de completa instabilidade.
Então, a previsão de cláusulas contratuais relacionadas aos direitos do sócio que se
desliga da sociedade assume relevante importância, não obstante se confirme na
jurisprudência nacional o deferimento de liminares no sentido de socorrer, financeiramente, o
sócio retirante durante o andamento da ação dissolutória que culminará na apuração dos seus
haveres102,103.
Referidas cláusulas passam a suprir a deficiência legislativa a respeito e podem
regular desde as causas que impliquem a dissolução parcial, até a forma e momento em que os
haveres serão apurados e, como não poderia deixar de ser, os direitos a que faz jus o retirante.
Por sua vez, não havendo consenso na estipulação contratual a respeito, podem as
partes se valer da arbitragem, esta uma ótima saída para que os direitos do sócio desligante,
100 ROCHA, João Luis Coelho da. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.124, p.40, out/dez. 2001. 101 COELHO, op cit, p.469. 102 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº70001668508, 09 novembro 2000. 103 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 165.290-4, 10 outubro. 2000.
39
entre eles o de obter o melhor momento para apurar seus haveres, sejam definitivamente
preservados.
Portanto, a omissão legislativa a respeito justifica a necessidade de fixação dos
direitos do sócio que se retira da sociedade, seja pela previsão no contrato social da sociedade
limitada, seja pela inclusão da cláusula compromissória ou, ainda, pela convenção arbitral.
As tutelas emergenciais, em sede de dissolução judicial societária, podem também
garantir a rentabilidade do capital explorado durante a litigiosidade, protegendo os haveres do
sócio que se desliga.
Trata-se, como visto, de alternativas cabíveis em substituição à ausência de normas
a respeito, fato criticável.
40
3 MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES NA SOCIED ADE
LIMITADA
3.1 Situação do tema no Direito brasileiro
Analisados sucintamente os institutos da dissolução parcial das sociedades e da
apuração de haveres, adentra-se na abordagem acerca do aspecto temporal em que os valores
devidos ao sócio que da sociedade se desliga devam ser apurados.
Em nota introdutória, destacou-se que o tema proposto para análise se encontra
pouco abordado no mundo científico, em especial na doutrina.
Tal fato levou Hernani Estrella104 a se manifestar quanto à inconveniência do
tratamento dado pelo mundo jurídico no que diz respeito ao problema relativo ao afastamento
do sócio e à conseqüente apuração de seus haveres.
Veja sua crítica a respeito:
Já dissemos, repetidas vezes, no decurso desse trabalho, que o problema relativo ao afastamento do sócio e conseqüente apuração de seus haveres não têm sido, com raríssimas exceções, tratados convenientemente, tanto pela doutrina como pela jurisprudência nacionais. Os autores pátrios, via de regra, se limitam ao exame de casos individualizados, expondo-os em linhas gerais ou encarando-os objetivamente, como resposta às consultas que lhes são submetidas. Os Tribunais, por seu turno, apreciam as espécies decidendas, resolvendo-as segundo as circunstâncias ocorrentes. Uns e outros, raramente, enunciam princípios capazes de possibilitar uma visão unitária do problema, de molde a permitir a sua estruturação como instituto autônomo, dentro do sistema disciplinar das sociedades. Não é, certamente, por carência de conhecimentos da ciência jurídica que nossos comercialistas e magistrados ainda não realizaram obra tão importante e necessária. Deve-se isto, talvez, ao fato de que, mesmo na literatura especializada, pouquíssimos são os expositores que têm examinado o assunto mais acuradamente104.
A omissão da ciência jurídica, por outro lado, tem causado, ao longo dos anos,
grandes entraves judiciais, nem um pouco uniformes, travados justamente para se definir o
exato momento em que apuráveis os haveres do sócio desligante.
A fixação de um termo inicial se faz necessária para que se tenha como base, ao se
levantarem os valores devidos ao sócio retirante, a verdadeira situação econômica da
sociedade naquele momento.
104 ESTRELLA, op cit, 1992b, p.233.
41
Diferentemente da dissolução total, a parcial possibilita a continuação da
sociedade em suas atividades, com a devida alteração na situação patrimonial.
Conseqüentemente, a variação de seu capital social será inevitável.
Daí a importância da fixação do momento em que serão apurados os haveres. É
que referida variação pode se apresentar desigual quando se colocam de frente o valor
patrimonial devido por ocasião da participação do sócio e o quinhão que lhe resta para
apuração.
O ordenamento jurídico brasileiro, muito embora tenha reformulado sua parte
societária devido à entrada do Código Civil105, trazendo vários dispositivos a respeito da
dissolução de sociedades, continuou omisso em relação aos direitos do sócio que dela se
retira, entre eles o de fixar um adequado momento para apurar os haveres que lhe são devidos.
Não obstante se encontre previsto no artigo 1.031 que a liquidação - melhor seria
se tivesse utilizado o termo apuração de haveres - se dará, salvo disposição legal em contrário,
com base na situação patrimonial da sociedade, à data da resolução, em balanço
especialmente levantado, doutrina e jurisprudência vêm despendendo esforços para melhor
esclarecer o mais justo momento em que a apuração ocorra.
É que a expressão legal “resolução da sociedade” a que se refere a lei pode dar
origem a múltiplas formas dela extraídas para fins de se concluir qual será o momento da
apuração dos haveres.
Como já antecipado, o ordenamento civil italiano, ao contrário do brasileiro,
estabelece, no seu artigo 2.289, o patamar inicial da efetiva ocorrência da dissociação como
sendo o marco inicial para a avaliação dos bens componentes do patrimônio social nos casos
de dissolução parcial de sociedades, ou seja, apuração dos haveres106.
Como se percebe, há dispositivo legal expresso na legislação civil italiana.
Na brasileira, não. Os poucos doutrinadores brasileiros que se aventuram a opinar
acerca do momento de apuração dos haveres vêm definindo que o marco inicial seria o do
afastamento do sócio.
Mas só quanto a isso se manifestam, sem se desmistificar o termo “afastamento”
em algo concreto, verificável na realidade fática quando se trata de dissolução parcial de
sociedade limitada. Exceto o saudoso Celso Barbi Filho107, como se verá.
105 BRASIL, op cit, 2002a. 106 FRANCO, op cit, p.26. 107 BARBI FILHO, op cit, p.504-507.
42
Vera Helena de Mello Franco108, discorrendo sobre o tema, após tecer
considerações a respeito da compatibilização da partilha do acervo empresarial e o resultado
da comunhão de esforço dos sócios, fixa como momento em que apuráveis os haveres aquele
em que, de fato, o sócio se afastou da sociedade:
[...] Por isto que, a rigor, na espécie, o momento da apuração de haveres deve ser aquele em que, de fato, o sócio se afastou da vida societária. Se desde aí não mais participou da condução dos negócios sociais, não contribuiu para a formação do patrimônio da sociedade, também não participou dos atos que determinaram, eventualmente, a sua posterior diminuição108.
Não é outro o ensinamento de Hernani Estrella109 ao concluir ser o momento do
afastamento do sócio aquele a ser considerado para que sejam determinadas as vantagens
pecuniárias que lhe são devidas. Apresenta suas justificativas diante do fato de que, com a
dissolução parcial, a sociedade continua a operar normalmente e, então, se faz imperioso que
sejam discriminadas as operações novas das preexistentes - somente quanto a essas o sócio
desligante participa - para uma justa divisão equânime do acervo patrimonial.
Marco Antônio Marcondes Pereira110 e Waldírio Bulgarelli111 mantêm a mesma
linha ao afirmarem que o valor apurado deve ser mesmo aquele correspondente ao momento
da saída, ou seja, quando de fato o sócio afastou-se da sociedade. Pereira112 sugere que o
momento da apuração de haveres á aquele que, de fato, o sócio se afastou da vida societária,
evitando-se, dessa forma, que padeça de diminuição de seu patrimônio por atos em que não
teve participação ou que seja beneficiado sem justa causa por lucro societário que não teve
contribuição. Bulgarelli113 justifica a irrazoabilidade de se entender o contrário, citando
entendimento jurisprudencial acerca do paralelo efetuado pela jurisprudência ao comparar a
data da saída do sócio ao evento de sua morte.
Concluindo sua abordagem sobre o tema, Celso Barbi Filho114 aduz: “creio ser
correta essa linha de entendimento, adotada em doutrina e jurisprudência, posto que o
momento de apuração dos haveres só poderia mesmo ser o do afastamento do sócio”.
108 FRANCO, op cit. p.27. 109 ESTRELLA, op cit, 1992a, p.216. 110 PEREIRA, op cit, 1995, p.80 111 BULGARELLI, op cit, p.420. 112 PEREIRA, op cit. 1995, p.80. 113 BULGARELLI, op cit, p.420. 114 BARBI FILHO, op cit, p.506.
43
A jurisprudência comunga do mesmo entendimento115,116,117.
Restaria questionar o que se entende pela expressão “afastamento” dos sócios.
Referido papel é incumbido quase que exclusivamente à jurisprudência, dado ao
fato de que os doutrinadores citados - com exceção de Celso Barbi Filho118 -, muito embora se
posicionem a respeito, não definem um momento exato em que apuráveis os haveres.
Somente afirmam que o simples afastamento do sócio é o momento ideal, o que dá margem a
uma ampla e variável gama de possibilidades fáticas para se definir o aspecto temporal e
levantar os valores devidos ao desligante.
Tais possibilidades fáticas, longe de se esgotarem todos os casos concretos, serão à
frente pormenorizadamente analisadas, como forma de demonstrar, mesmo que com certa
dose de divergência, os entendimentos firmados pelos Tribunais do país.
3.2 Possibilidades fáticas e jurídicas de alargamento da expressão “afastamento do
sócio”
Na obra já referenciada em nota anterior, o saudoso Celso Barbi Filho119 expõe,
com razão, a vasta amplitude da expressão “afastamento do sócio”, a qual comparta vários
entendimentos. Da mesma forma, a falta de clareza do dispositivo do artigo 1.031 do Código
Civil120, ao se referir à data da resolução para se apurarem haveres, como mencionado alhures.
Ambos são incertos, genéricos.
Segundo Celso Barbi Filho121, a adoção do critério que determina o marco inicial
para apuração dos haveres do sócio como sendo a sua saída é critério pouco solucionador,
uma vez que, apesar de aplicável àquelas hipóteses que tenham a ocorrência de evento com
termo certo - o caso da morte, exclusão, recesso ou falência do sócio -, seria inaplicável aos
casos de dissolução parcial imotivada, as quais decorrem da perda da affectio societatis, ou
seja, a harmonia reinante no convívio dos sócios.
115 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 250.790-8. 04 março 1999a. 116 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 500.458-6, 19 maio 2005a: “o momento do cômputo da participação societária deve ser o do afastamento efetivo do sócio da empresa, o qual passa a não mais ser influenciado pelos sucessores ou azares da sociedade”. 117 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 1997.001.4584. 16 setembro 1997. 118 BARBI FILHO, op cit, p.504-507. 119 BARBI FILHO, op cit, p.506. 120 BRASIL, op cit, 2002a. 121 BARBI FILHO, op cit, p.506-507.
44
Nesse segundo caso, não há um patamar inicial em que se apóia eventual decisão
judicial para definir o momento de levantamento patrimonial dos bens do sócio retirante. Ou
seja, a causa decorre de fato imotivado, aleatório, muitas vezes volitivo.
Muito embora inteligente a divisão operada por Celso Barbi Filho, há de se
destacar que sua adoção torna-se inviável diante do fato de que até mesmo nos casos em que
haja termo certo de ocorrência da causa dissolutória se pode constatar mais de uma solução
apresentada pela jurisprudência brasileira.
Como se vê, não se trata de regra absoluta.
Tal fato nos impede, em respeito à posição apresentada, de definir os marcos
temporais com base em causas definidas com termo certo e imotivadas, considerando-as como
regra uniforme a ser seguida, diante da variedade de julgamentos distintos envolvendo tais
hipóteses.
Não há uniformidade na fixação dos aspectos temporais em que apuráveis os
haveres.
Como já antecipado em sede introdutória, poder-se-ia considerar o mencionado
afastamento como sendo aquele correspondente à ocorrência de determinada causa que
desligou o sócio da sociedade, notificando-a a respeito, ou o momento em que se propõe a
ação dissolutória parcial?
Qual seria a interferência da citação processual na definição do momento de
apuração de haveres? Seriam marcos reguladores temporais da apuração dos haveres a
sentença proferida ou o trânsito em julgado da ação dissolutória?
Ou será que se considera afastado o sócio quando efetivamente se arquiva a
alteração contratual no órgão regulador da atividade empresarial?
Admissível poderia ser o entendimento de se considerar o momento do pagamento
dos haveres ou a prática dos últimos atos na condição de sócio ou até mesmo a cientificação
na reunião em que o exclui como sendo os marcos iniciais para se levantarem os valores
àquele devidos?
Todos esses questionamentos, frutos da completa e lamentável inexistência de
regramento legal, levam a conduzir o estudo da fixação do marco inicial da apuração dos
haveres - até mesmo nos casos em que há evento certo e com termo preexistente - voltado
quase que exclusivamente para a jurisprudência firmada ao longo dos anos pelos Tribunais
Superiores e Estaduais.
45
A multiplicidade de eventos fáticos tem levado os julgadores a atuarem no caso
concreto, apresentando a solução que melhor se alinha aos interesses patrimoniais das partes
envolvidas na dissolução parcial societária, às vezes contraditórias.
Como se vê, trabalha-se em terreno pedregoso, de difícil acesso, dada a quantidade
de exceções trazidas pela jurisprudência a seu respeito.
Tendo, portanto, o gênero do momento da apuração dos haveres como sendo o
“afastamento do sócio”, imperioso que se definam as várias hipóteses ramificadas desse
patamar inicial.
3.3 Fixação do momento de apuração de haveres de acordo com a causa dissolutória:
apresentação da jurisprudência brasileira
O estudo jurisprudencial a seguir apresentado não se trata, por um momento
sequer, de regra geral acerca do assunto. Mesmo preenchendo o vazio legislativo com
soluções um tanto quanto díspares na tentativa de compatibilizá-las com as normas de direito
societário, define em cada caso concreto o momento em que apuráveis os haveres do sócio
desligante, já que a afirmativa do simples afastamento do sócio como marco temporal, ora
trazido pela doutrina, é um tanto quanto genérica.
Já se pode perceber ligeira semelhança de julgados de alguns Tribunais Estaduais,
o que nos permite verificar em alguns casos o entendimento prevalecente.
As Cortes Superioras, por sua vez, já se manifestaram a respeito, mesmo que de
forma tímida.
Adentrando-se nesse quadro, apresentam-se os respectivos momentos de apuração
dos haveres nas causas dissolutórias examinadas, bem como o que há de concreto na realidade
jurisdicional brasileira.
A época de apuração dos haveres varia em cada uma das causas de dissolução
parcial, o que faz necessário sejam examinados separadamente.
46
3.3.1 Exercício do Direito de Retirada pelo Sócio
3.3.1.1 Extrajudicialmente
Imbuído do princípio constitucional do dispositivo legal do artigo 5º, inciso XX da
Constituição Federal122, ou seja, ninguém é obrigado a associar-se ou a se manter associado;
aquele sócio que se interessar em se desligar da sociedade, seja por um acontecimento alheio
à sua vontade pessoal, por decisão unilateral ou até mesmo pelo uso da previsão contratual
específica, poderá exercer o direito de retirada.
Hipóteses comuns no exercício do direito em questão seriam os casos de
discordância da alteração contratual proposta ou da fusão, incorporação, cisão, todas elas
incluídas na abrangência do dispositivo legal do artigo 1.077 do Código Civil123.
Diante da não-obrigatoriedade de manutenção do investimento por um prazo fixo,
o princípio da autonomia da vontade faz com haja a liberação da condição de sócio quando
bem entender, ainda que extrajudicialmente, porém, sob certas exigências, como já
mencionado alhures.
Deverá o sócio, portanto, notificar os demais com antecedência mínima de 60 dias
- se o contrato social não previr prazo diverso, como se extrai do artigo 1.029 do Código
Civil124, em se tratando de sociedade com prazo indeterminado.
Em sendo sociedade de prazo determinado, somente via judicial poderá se retirar
e, ainda assim, desde que comprovada justa causa.
Incluído em uma das hipóteses de dissolução parcial, o exercício do direito de
retirada do sócio implica a apuração dos valores que lhe dizem respeito, rompendo-se
parcialmente o vínculo contratual e prosseguindo a sociedade em suas atividades. Para tanto,
serão apurados os seus respectivos haveres.
Trata-se da hipótese de retirada extrajudicial, tendo o retirante o direito potestativo
de agir. Em sentido contrário, Fonseca125.
Nos casos em que o sócio opta por retirar-se da sociedade, a data-base de apuração
dos haveres será exatamente a comunicação de tal vontade à sociedade, declaração de vontade
122 BRASIL. Constituição Federal de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988. 123 BRASIL, op cit, 2002a. 124 BRASIL, op cit, 2002a. 125 FONSECA, op cit, p.136.
47
receptícia, a qual produz efeitos tão logo seja inteirado o destinatário126. Esse é o momento em
que o sócio se afasta, de fato, da sociedade.
A jurisprudência nacional já teve a oportunidade de se manifestar a respeito, como
se pode constatar da decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais127:
EMENTA Ação ordinária - Assistência judiciária indeferida- Pessoa física - Deferimento na fase recursal - Pessoa jurídica - Deferimento do direito de demandar sem depósito prévio das despesas processuais - Dissolução parcial de sociedade comercial - Possibilidade. [...] Para que se proceda à dissolução parcial de sociedade, deve o sócio notificar os demais, valendo a data da ciência como início do afastamento e marco para a aferição dos haveres atinentes à participação societária. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 2.0000.00.449852-0/000, da Comarca de Patos de Minas, sendo Apelante (s): 1º) Amarildo Aluísio Pereira; 2ªS) Empresa Patense de Varejo Ltda. e Outra e Apelado (a) (os) (as): José Henrique Brandão de Moraes acorda, em Turma, a Décima Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, acolher parcialmente o primeiro apelo, para conceder os benefícios da assistência judiciária ao primeiro apelante e à empresa Patense de Varejo Ltda.; rejeitar preliminar e negar provimento ao segundo apelo, mantendo a sentença. Presidiu o julgamento o Desembargador Maurício Barros (Revisor) e dele participaram as Desembargadoras Teresa Cristina Da Cunha Peixoto (Relatora) e Selma Marques (Vogal). O voto proferido pela Desembargadora Relatora foi acompanhado na íntegra pelos demais componentes da Turma Julgadora. Assistiu ao julgamento pelo apelado o Dr. Gustavo Costa Lopes. Belo Horizonte, 14 de setembro de 2005. Desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto – Relatora127.
No caso em questão, verificada a vontade do autor de se afastar da sociedade
firmada com os réus, cientificou este na reunião realizada em 13 de outubro de 2003 a sua
intenção de desvincular-se da mesma, cedendo suas quotas sociais.
A cientificação mencionada seria, portanto, o marco inicial para que os haveres
fossem apurados, sendo obedecido o comando legal insculpido no artigo 1.029 do Código
Civil128 ao exigir-se a prévia notificação aos demais sócios da intenção de se despedir da
sociedade.
Numa outra oportunidade, manteve a mesma linha de entendimento o Tribunal
Mineiro129 ao considerar também a data-base para a apuração dos haveres como sendo a
manifestação do sócio da sua intenção de retirada, muito embora tenha continuado a se manter
126 FONSECA, op cit, p.211. 127 MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.449852-0/000(1), 14 setembro 2005b. No mesmo sentido: MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 231.554-0, 04 setembro 1997. 128 BRASIL, op cit, 2002a. 129 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.501668-6/000(1), 15 dezembro 2005c.
48
no quadro associativo, diante da resistência dos demais sócios de acatarem o pedido de
retirada.
Nesse caso, o autor da ação dissolutória manifestou sua intenção de se retirar da
sociedade por meio da expedição de telegrama enviado aos sócios da sociedade na data de
31.05.1999.
Entendeu o Tribunal Mineiro que o autor provou fato constitutivo do seu direito
nos moldes do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil130 ao comprovar a
manifestação da sua intenção de retirada da sociedade, marcando o início do prazo para
levantamento dos valores pecuniários.
Igual posicionamento se extrai do julgado do Tribunal de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul131:
EMENTA Comercial. Dissolução de sociedade. Momento da apuração dos haveres. Doutrina e jurisprudência conflitantes. Solução que prevê a apuração quando da notificação para a retirada de sócio. 1. Dissolução parcial que se mostra pertinente ao caso concreto, em que, notificada a sociedade da vontade de uma de suas sócias retirar-se, houve a negativa de tal retirada. Entendimento que, ume vez extinto o ânimo de permanecer como sócias, a via escolhida da dissolução parcial e a que menor prejuízo causa a empresa. 2. Momento da apuração dos haveres. Valorização da vontade dos sócios. A sociedade deve apurar os haveres do sócio desvinculado e pegar-lhe nos prazos previstos contratualmente ou a vista em caso de omissão do contrato. Por isso, o momento da apuração dos haveres deve ser aquele em que, de fato, o sócio se afastou da vida societária, se desde aí não mais participou da condução dos negócios sociais, não contribuiu para a formação do patrimônio da sociedade, também, não participou dos atos que determinaram a sua posterior diminuição. Doutrina de Fábio Ulhôa Coelho e Vera Helena de Mello Franco. 3. A notificação precedida pela sócia dissidente e o marco desejado por todos os demais sócios, para dar inicio ao procedimento tendente a retirada. 4. Perdas e danos consistentes na correção monetária e juros de 6% ao ano, a contar da notificação, nos limites do pedido inicial131.
Portanto, a notificação enviada pelo sócio retirante à sociedade seria a data em que
se opera a resolução, o que nos moldes do artigo 1.031 do Código Civil132 faria ensejar a
apuração dos haveres.
Não obstante os entendimentos demonstrados, não se poderia deixar de apresentar
acórdão também proferido pelo E. Tribunal de Minas Gerais em sentido diametralmente
oposto ao estabelecimento do dies a quo como sendo a notificação extrajudicial. Em caso
similar, em que também houve comunicação por escrito do sócio de se retirar da sociedade 130 BRASIL, op cit, 1973. 131 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 599127941, 23 setembro 1999a. No mesmo sentido: RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70005891353, 18 dezembro 2003; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 594049645, 21 junho 1994; SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível nº 10.578-4/0, 04 setembro de 1998. 132 BRASIL, op cit, 2002a.
49
limitada, a 15ª Câmara Cível da Corte Mineira133 decidiu que a notificação extrajudicial
mencionada foi a causa geradora da alteração contratual perante a Junta Comercial do Estado
de Minas Gerais.
Para tanto, o protocolo do pedido de alteração do contrato social da sociedade
dissolvenda na Junta Comercial em 20 de setembro de 2001 marcaria o início da contagem do
prazo para apuração dos haveres, sendo essa a data em que houve a exclusão da ora agravante
do quadro societário da primeira agravada.
Como se vê, a notificação não teria gerado o dies a quo da contagem do prazo,
mas, sim, a alteração contratual efetuada no órgão competente, excluindo-se o sócio que se
retirou.
Porém, não se pode perder de vista a independência havida entre a notificação
efetuada e o posterior registro da alteração contratual no órgão competente.
É que não se pode confundir os efeitos produzidos pela notificação extrajudicial -
que se dá somente entre os sócios ao quebrar o elo subjetivo que os liga e dissolvendo a
sociedade parcialmente- com o efeito produzido perante terceiros, o qual se dá a partir do
arquivamento procedido na Junta Comercial.
Os haveres são apurados quando, de fato, se retira o sócio da sociedade, o que se
deu com a notificação enviada. O registro da alteração posteriormente possuiria função
meramente comunicativa a terceiros da nova formação associativa da sociedade.
A finalidade da notificação é única e exclusivamente a prevenção de
responsabilidade e conservação de direitos. Não se presta a comunicar a terceiros que houve
mudança do quadro associativo da sociedade, o que se dá pelo registro da alteração contratual
no órgão respectivo.
Não se pode confundir a perda da condição de sócio - que se daria ao se exercer o
direito de retirada com o registro da alteração contratual mencionada e produziria efeitos em
relação a terceiros - com o momento em que apuráveis seus haveres - o qual ocorre desde que
haja o afastamento do sócio da sociedade o que, in casu, ocorreu com a notificação
extrajudicial. Este segundo independe do primeiro.
Há de se destacar, por outro lado, que pouco interfere na definição do aspecto
temporal dos haveres ser a sociedade por prazo indeterminado ou determinado já que, em
ambos, o marco inicial para verificação do levantamento será a efetiva comunicação aos
demais sócios do direito de retirada.
133 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.500458-6/000(1), 19 maio 2005d.
50
Logo, na sua grande maioria, a notificação vem sendo eleita como marco inicial
para se apurarem os haveres, sendo que a prévia comunicação pelos meios usuais - telegrama,
notificação extrajudicial, simples correspondência com a prova do recebimento - já é
suficiente para se demonstrar o interesse em se retirar da sociedade e, conseqüentemente, se
firmar o marco inicial do levantamento dos haveres.
Os Tribunais possuem entendimentos bastante próximos nesse sentido.
Ousa-se, portanto, afirmar se tratar de regra geral a ser usada para levantamento de
haveres quando ocorrer a hipótese de exclusão extrajudicial.
Entretanto, ajuizada a ação dissolutória de ruptura parcial do vínculo societário, a
situação é diferente, como se verá a seguir.
3.3.1.2 Judicialmente: Ação de Dissolução Parcial
Naqueles casos em que não se obedece ao comando legal que exige prévia
notificação aos demais sócios da intenção de se retirar da sociedade ou diante da recusa dos
demais sócios quando previamente notificados, bem como quando omisso o contrato social
acerca do aspecto temporal, faz-se necessário o ajuizamento da competente ação dissolutória
pelo retirante para se quebrar o vínculo societário.
A ação também será cabível quando o sócio discordar das razões invocadas para a
sua exclusão, postulando a dissolução parcial e sua retirada.
Aqui, é o sócio retirante quem promove a ação dissolutória, o que difere da
hipótese de exclusão, a qual é promovida pela sociedade. O direito de retirada exercido
judicialmente desta segunda também se difere por não exigir amplo contexto probatório, já
que não há cometimento de atos graves que justifiquem uma profunda análise dos fatos.
Dispensa-se, pois, ampla análise de provas.
Nos casos do exercício judicial do direito de retirada, o ajuizamento da ação é a
própria comunicação do interesse de se retirar da sociedade. Foi assim que decidiu o Tribunal
de Justiça do Distrito Federal134, ao afirmar que:
134DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20010110806859APCDF, 18 abril 2005a. No mesmo sentido: DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça do Estado do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20020110253352APCDF, 18 abril 2005b; RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 597129329, 27 maio 1998a -“haveres que serão apurados em balanço ou liquidação especial, observada a situação da sociedade, a data da propositura da ação, em ocorrendo controvérsia judicial”; RIO GRANDE DO SUL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70017624214, 16 agosto 2007.
51
A questão afeta ao termo inicial da dissolução da sociedade limitada é controvertida. A doutrina não trata com clareza do tema e a jurisprudência nacional, por sua vez, traz à baila posições diametralmente opostas. In casu, a dissolução parcial da sociedade ocorreu com o ajuizamento da ação de dissolução de sociedade comercial c/c apuração de haveres. A partir de então, restou claro que o apelante não tinha mais interesse em permanecer no quadro societário da empresa134.
Em consonância com esse entendimento, o Superior Tribunal de Justiça135 da
mesma forma decidiu. No paradigmático acórdão que se segue, por vários Tribunais
brasileiros referenciados, afirmou-se que a sentença proferida em ação dissolutória de
sociedades - em que se pretende o direito de retirada - retroagirá à data em que ajuizada a
ação, como se constata da seguinte ementa:
EMENTA Direito societário. Recurso especial. Dissolução parcial de sociedade limitada por tempo indeterminado. Retirada do sócio. Apuração de haveres. Momento. A data-base para apuração dos haveres coincide com o momento em que o sócio manifestar vontade de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo indeterminado. Quando o sócio exerce o direito de retirada de sociedade limitada por tempo indeterminado, a sentença apenas declara a dissolução parcial, gerando, portanto, efeitos ex tunc. Recurso especial conhecido e provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, prosseguindo o julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Nancy Andrighi, por maioria, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento. Votou vencido o Sr. Ministro Humberto Gomes de Barros.Votaram com a Sra. Ministra Nancy Andrighi os Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Lavrará o acórdão a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Brasília (DF), 19 de abril de 2005. Ministra Nancy Andrighi – Relatora Designada135.
Ao fundamentar as razões do voto, a i. Desembargadora Relatora Ministra Nancy
Andrighi, acompanhada pelos Srs. Ministros Carlos Alberto Menezes Direito e Castro Filho,
ressaltou que não há como manter o entendimento firmado pelo Tribunal de origem
considerando o trânsito em julgado como sendo o marco temporal para se apurarem os
haveres.
Em seu voto-vista, enfatizou que o sócio não poderia ser compelido a se manter
indeterminadamente na sociedade até o trânsito em julgado, sendo viável, então, que deixasse
espontaneamente a sociedade e se preservassem o ente social e a apuração dos seus haveres.
135 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 646221. 30 maio 2005a.
52
Para tanto, considerou que a data-base para a referida apuração seria justamente
quando manifestada sua vontade de abandonar o elo subjetivo na sociedade, o que se verificou
pelo ajuizamento da ação dissolutória.
Parcialmente, possui razão a Corte Superior.
Já examinado anteriormente que a manutenção do sócio na sociedade após
manifestado o seu interesse de se retirar da mesma viola o dispositivo constitucional do artigo
5º, inciso XX da Constituição Federal136.
Se, porventura, fosse o sócio mantido no quadro societário durante o longo período
de tramitação da ação dissolutória, inquestionavelmente a situação patrimonial da sociedade
quando do trânsito em julgado seria completamente diferente daquela ao tempo da
manifestação de vontade de se retirar.
Seria, como de fato o fez a Corte Superior, mais inteligente que fosse antecipado o
momento da apuração dos haveres e se protegesse o valor patrimonial a que faz jus o retirante,
dadas as manobras que constantemente adotam os sócios que se mantêm no quadro
associativo no sentido de alterar, para menor, a “fatia” cabível àquele que da sociedade se
desliga.
Tal entendimento se familiariza com a adoção de medidas processuais urgentes
para proteção dos direitos do sócio retirante o que, dada a importância do tema, será abordado
em tópico específico.
A eficácia retroativa da sentença proferida foi outro sábio entendimento do
Superior Tribunal de Justiça. De fato, foi quando do momento do ajuizamento da ação que o
sócio retirante demonstrou que pretende se retirar da sociedade.
Porém, considerá-lo como marco temporal para se apurarem os haveres é
tecnicamente incorreto. Deveria a Corte Superior ter decidido que a sentença proferida
retroagiria à data da citação dos demais sócios nos autos da ação dissolutória.
A citação é ato de comunicação processual do réu ou de quem seja interessado de
que há uma ação proposta em seu desfavor, vindo a convocá-lo para que se defenda,
apresentando sua resposta.
Trata-se de requisito de validade e eficácia do processo, eficácia esta que se traduz
na peculiaridade de se completar, pelo instituto da citação, a tríplice estrutura da relação
processual.
136 BRASIL, op cit, 1988.
53
Não é a citação o ato que vem a formar o processo. Esse já se encontra formado
quando ajuizada a ação, porém, os efeitos decorrentes da propositura da ação somente se
concretizam quando ocorre a citação.
Tais efeitos vêm delineados no artigo 219 do Código de Processo Civil137, quando
a legislação dispõe que a citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz
litigiosa a coisa, constituindo-se em mora ao devedor e interrompendo-se a prescrição.
Como descrito, é pela citação que se torna litigiosa a coisa, ou seja, é por ela que
se demonstra o interesse da parte autora em decidir trazer ao Poder Judiciário a solução do
conflito.
Se assim o é, somente se poderiam considerar comunicados os demais sócios da
intenção do sócio retirante de se retirar quando, de fato, fossem citados.
O simples ajuizamento da ação não pode ser considerado marco inicial para que os
haveres sejam apurados, eis que os demais sócios não têm, até então, ciência da motivação do
sócio retirante em se desligar da sociedade. Precisam tomar conhecimento pessoalmente.
O Tribunal de Justiça do Estado do Paraná138 confirmou esses dizeres ao
estabelecer a citação como o marco inicial:
EMENTA Ação de Dissolução de sociedade - Sociedade por cotas de responsabilidade limitada, formada por dois sócios - Tempestiva reconvenção, pedindo a dissolução parcial, com apuração de haveres - Procedência desta, com improcedência daquela - Caso em que a matéria não pode ser alegada, com efeito prático, na contestação, porque necessária a iniciativa da parte (art. 128, CPC) - Apuração de haveres que deve ser feita por liquidação, por arbitramento, tendo por base a citação, vez que nessa data houve inequívoca manifestação da retirada do sócio. Por unanimidade de votos, negaram provimento ao primeiro apelo e deram provimento ao segundo138.
Seguindo a mesma linha, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais139
proferiu decisão nesse mesmo sentido, afirmando o seguinte:
137 BRASIL, op cit, 1973. 138 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível nº 0070720-8, 08 maio 1996. 139 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.379895-2/000(1), 10 setembro 2003a. No mesmo sentido: MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, Apelação Cível nº 31.575, 15 junho 1970.
54
Ultrapassadas essas colocações, impende examinar o momento em que deverá se dar essa apuração de haveres, a qual foi remetida, pelo MM. juiz primevo, para a execução da sentença, com o que não concordou o 2º apelante, a quem assiste razão. Em primeiro lugar, porque esta apuração, que tem em mira a realidade objetiva dos acontecimentos, deverá ser, tanto quanto possível, concomitante à efetiva retirada do sócio da sociedade, o que, na hipótese vertente, ocorreu, de fato, muito antes da prolação da r. sentença vergastada, como se pode verificar pela leitura da inicial e da contestação. Aliás, inegável é que, com citação dos 1ºs apelantes, o sócio dissidente estava irremediavelmente afastado da sociedade, devendo, por conseguinte, ser a data daquela tomada como marco da debatida ocorrência139.
Idem em relação aos julgados a seguir, proferidos pelo E. Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo140,141:
Dissolução parcial de sociedade cumulada com apuração de haveres. Autores herdeiros do sócio falecido. Disposição contratual abrangeu a situação fática. Pagamento dos haveres conforme avençado deve sobressair. Data inicial para o que deve ser apurado é o momento em que os autores demonstraram não ter interesse em integrar a sociedade, ou seja, a citação. Pagamento de dívidas de responsabilidade dos autores deverá ser abatido por ocasião do pagamento dos haveres do pólo ativo, pois a liquidação deverá apresentar os valores correspondentes com os respectivos comprovantes. Sucumbência deve ser suportada pelos réus, haja vista que foram os vencidos na quase que totalidade. Apelo dos autores desprovido. Recurso dos réus provido em parte140. Sociedade Comercial - Legitimidade dos herdeiros de sócio - Falecido a figurar no pólo ativo da lide dlssolutórla, de vez que ó deles o interesse econômico resultante - Dissolução parcial determinada - Desafeição aferida, depois de quinze anos do óbito, para o momento da citação – Pagamento de uma só vez do valor apurável - Recurso dos autores provido em parte e improvido o adesivo141.
Em se tratando do dies a quo para se apurarem os haveres, não há mesmo
consenso na jurisprudência.
Embora se considere o critério adotado pelos Tribunais Estaduais mencionados ao
elegerem a citação como o marco para se apurarem os haveres o mais adequado de todos eles,
não se poderia deixar de informar um outro critério estabelecido pela jurisprudência.
É o da fixação do marco temporal como sendo o do trânsito em julgado142,143, nos
casos em que há ajuizamento de ação dissolutória e interesse do sócio de se retirar da
sociedade.
140 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n° 359.543-4/6-00, 14 junho 2007a. 141 SÃO PAULO, Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Cível n° 229.517-4/4-00, 22 junho 2004. 142 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0702.02.036439-5/001(1), 18 julho 2006. 143 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Apelação Cível nº 460523-4, 27 agosto 2004a.
55
Nesses, casos, a jurisprudência afirma que a sentença proferida, ao contrário do
entendimento do Superior Tribunal de Justiça, gera nova realidade jurídica e, então, produz
efeitos a partir de seu trânsito em julgado. Não serão, como visto, retroativos, mas produzidos
a partir do trânsito em julgado.
Trata-se de procedimento que pode, dadas às circunstâncias fáticas, prejudicar o
sócio retirante no momento em que permite, durante o andamento do processo judicial,
possam os demais sócios dilapidar o patrimônio social e prejudicar o montante a ser pago ao
retirante a título de haveres.
O trânsito em julgado seria, então, procedimento tardio e injusto.
Acertado, portanto, o critério adotado pelos Tribunais de Justiça Mineiro, dos
estados do Paraná e São Paulo, eis que condizentes com mais proteção ao sócio desligante ao
antecipar o momento de levantamento dos haveres para a época da citação, resguardando a
valorização pecuniária dos seus valores e evitando manobras dos demais sócios para distorcer
o capital social da sociedade.
Por outro lado, considerando-se a citação como o aspecto temporal aplicável,
atende-se à técnica processual e à própria legislação processual civil, se apresentando mais
correto que o entendimento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça ao considerar o
ajuizamento da ação a data-base para apuração de haveres.
3.3.1.3 Notificação efetuada quando em trâmite: ação dissolutória do vínculo societário
Intervindo de forma magistral acerca da notificação como marco inicial da
apuração dos haveres, traz Priscila M.P. Corrêa da Fonseca144 a possibilidade de que referida
comunicação seja efetuada quando já ajuizada a respectiva ação dissolutória.
Nesse caso, notificando os demais sócios a respeito, esse também será o termo
inicial para que seus haveres sejam levantados. Adota-se, como visto, o mesmo entendimento
da notificação efetuada extrajudicialmente.
São as palavras da doutrinadora mencionada:
No caso de ação de dissolução parcial, o mesmo critério deve ser observado. Sempre que o sócio se afaste da sociedade antes do término da ação ou mesmo da propositura desta, noticiando formalmente ou não à sociedade sua intenção de desligar-se do vínculo societário, o momento que deve ser levado em conta para fins de levantamento de haveres haverá de ser o do afastamento de fato do sócio144.
144 FONSECA, op cit, p.213-214.
56
A importância da utilização do instrumento notificatório é tamanha que pode ser
usado como forma de se marcar o início da apuração dos haveres não só em procedimento
extrajudicial de retirada.
Ajuizada a ação, também se presta ao seu uso, evitando prejuízos advindos da
quebra da affectio societatis tanto para o sócio retirante - protegendo o montante que lhe é
devido da dilapidação pelos demais sócios - quanto para a sociedade, mantendo-se esta em
pleno funcionamento sem as investidas prejudiciais de um sócio insatisfeito.
3.3.2 Morte
Como informado, nem todas as causas dissolutórias podem implicar o
conhecimento imediato do momento em que as contas devam ser pagas ao sócio retirante.
Até mesmo aquelas causas que, por decorrência de sua obviedade, possuam marco
temporal definido para que os haveres sejam levantados vêm recebendo da jurisprudência
decisões das mais diversas possíveis, não se podendo afirmar existirem causas em que há
marco objetivo consolidado, definido, uniforme para o levantamento das contas em caso de
dissolução parcial de sociedade limitada.
É o caso em que há a dissolução parcial da sociedade por ocasião do evento morte.
Via de regra, a maioria dos julgados brasileiros tem se curvado para definir o
momento para se apurarem os haveres como sendo a data do óbito do sócio145,146,147,148, da
mesma forma a doutrina quando se manifesta a respeito149,150.
Interessante julgado, de repercussão nacional, foi o proferido pelo Superior
Tribunal de Justiça151 quando decidiu disputa judicial da família fundadora das Casas
145 DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20030750095454APC DF, 02 março 2006: “em ação de apuração de haveres de sociedade, após o falecimento de um dos sócios, deve-se considerar como termo de encerramento da sociedade a data do óbito”. 146 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.380900-5/000(1), 20 março 2003b. 147 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 597199884, 30 outubro 1997a. 148 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 598004521, 24 fevereiro 1999b. 149 BULGARELLI, op cit, p.420. 150 FONSECA, op cit, p.216. 151 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Herdeiros de fundador das Casas Pernambucanas terão direito a fazer novo balanço da empresa referente ao ano de 1946 – STJ. Disponível em http://www.fiscosoft.com.br/indexsearch.php?PID=502774. Acesso 15 julho 2008; GAZETA MERCANTIL, São Paulo, p. 5, 15/5/2000.
57
Pernambucanas, comprovando a rigidez da contemporaneidade da apuração dos haveres e a
época do falecimento do sócio.
A demanda teve início há mais de 50 anos, quando faleceu Frederico Lundgren,
um dos quatro fundadores das Casas Pernambucanas, restando decidido que os herdeiros de
Frederico teriam direito a uma nova ação para apurarem seus haveres, levando-se em conta o
balanço da pessoa jurídica correspondente ao ano de 1946 - data do óbito, na qual poderá ser
confirmado se o valor pago aos herdeiros foi corretamente calculado ou não.
O óbito, assim, é regra geral.
Porém, se faz importante diferenciarem-se algumas hipóteses fáticas para melhor
esclarecimento das regras envolvendo o evento morte.
Primeiramente, há de se verificar se há ou não previsão contratual de ingresso dos
herdeiros na condição de sócio no lugar do falecido. É que, havendo e sendo exercida, não
ocorrerá dissolução parcial de sociedades, continuando a mesma as suas atividades, somente
havendo substituição do quadro associativo. Então, não se apurarão os haveres.
Mas, sob a hipótese de recusarem os herdeiros do falecido a assumir suas quotas
ou havendo previsão contratual negando o ingresso deles na condição de sócio - fato
permitido dada a característica das sociedades limitadas de serem sociedades de pessoas, não
admitindo que o falecimento de um deles enseje automaticamente a entrada dos herdeiros no
ente societário -, dissolver-se-á parcialmente a sociedade.
Logo, o momento para apuração de valores, regra geral, será a data do óbito.
Entretanto, pode ocorrer, como de fato ocorreu no caso trazido à análise do
Tribunal de Justiça de Minas Gerais152, que os sócios autorizem - diante da previsão
contratual - que os demais herdeiros ingressem na condição de substituidores do falecido e,
então, pratiquem atos de sócio.
Ora, nesse caso, somente quando da quebra da affectio societatis é que se poderá
falar em apuração de haveres, contando-se o prazo para levantamento de valores devido ao
sócio retirante quando de fato ele se afastou da sociedade, se omisso o contrato social a
respeito do marco temporal.
Foi o que afirmou o Tribunal Mineiro152:
152 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.436745-5/000(1), 16 junho 2004b.
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EMENTA Dissolução Parcial de Sociedade - Falecimento de Sócio - Affectio Societatis - Herdeiros - Apuração de Haveres. A dissolução parcial da sociedade requerida por herdeiros do sócio falecido com base no término da affectio societatis reclama apuração de haveres na data do pedido de extinção. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 436.745-5, da Comarca de Belo Horizonte, sendo Apelante (s): Ítalo Bernardi Filho e Outros e Apelado (a) (os) (as): Bernardo de Mello Paz e Marco Antônio Valadares Gontijo, acorda, em Turma, a Quarta Câmara Civil do Tribunal de Alçada do Estado de Minas Gerais, negar provimento. Presidiu o julgamento o Juiz Saldanha da Fonseca (Relator) e dele participaram os Juízes Domingos Coelho (Revisor) e Antônio Sérvulo (Vogal). Produziu sustentação oral, pelos apelantes, o Dr. José Anchieta da Silva. Belo Horizonte, 16 de junho de 2004. JUIZ SALDANHA DA FONSECA – Relator152.
No caso debatido, houve aceitação tácita, não expressa, do ingresso dos herdeiros
do sócio falecido na condução da vida societária da pessoa jurídica Bemai Participações e
Administração Ltda., muito embora houvesse cláusula contratual que vedasse o ingresso sem
a autorização dos demais.
Então, entendeu-se por considerar o momento para levantamento dos haveres
quando houve o término da vida harmônica entre os sócios, ou seja, a data da extinção do
vínculo, o que se deu com a propositura da ação de dissolução parcial de sociedades.
Da mesma forma entendeu o Tribunal de Justiça de São Paulo153 ao considerar que
o rompimento da affectio societatis não poderia mesmo ser outro que não a propositura da
ação dissolutória pelos herdeiros do falecido, que ingressaram na condução da vida societária.
Entretanto, nesse último caso, considerou-se a citação como o momento mais
adequado para apuração dos haveres, entendimento que se afigura mais correto diante da
previsão do artigo 219 do Código de Processo Civil154, sendo ratificado aqui tudo que se
expôs quando se analisou a data-base da apuração dos haveres no exercício judicial do direito
de retirada.
O que se pretende demonstrar é que há duas opções aos herdeiros do falecido
quando do óbito. A primeira, recusarem-se a ingressar na condição de sócio ou serem
recusados pelos demais. Nesse caso, os haveres ainda continuam a ser apurados tendo como
data-base o óbito. A segunda opção é ingressarem como verdadeiros sócios e, posteriormente,
interessarem-se em se retirar, o que leva à contagem do prazo para apurar haveres a partir do
seu efetivo afastamento.
Importante registro ainda há de ser feito.
153 SÃO PAULO, op cit, 2004. 154 BRASIL, op cit, 1973.
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Não obstante o estabelecimento de um termo certo no evento morte, o que vem se
percebendo na jurisprudência brasileira é uma flexibilização no que diz respeito à fixação
uniforme da data do óbito como data-base para levantamento dos haveres do sócio falecido.
Como informado tantas vezes neste estudo, repita-se: não há uniformidade no
momento em que apuráveis os haveres do sócio.
Outros entendimentos já foram afirmados desprezando a data do falecimento como
marco inicial para levantamento de haveres.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul155 entendeu que o termo será o do
dissenso, ou seja, a data em que os herdeiros se recusaram a ingressar na sociedade ou lhes foi
negada a condição de sócio, vindo a afastar a regra geral de que o falecimento é o marco
inicial:
EMENTA Direito Comercial. Dissolução Parcial de Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada. Morte do Sócio Retirante. Habilitação da Sucessão. Data-Base para Levantamento do Balanço Especial. Ônus da Sucumbência. Redistribuição. I – Com a ruptura da affectio societatis demonstrada, impõe-se a decretação da dissolução parcial da sociedade com a simples retirada do sócio dissidente e a devida apuração de haveres. Caso em que a morte do sócio retirante viabiliza, ainda mais, o pedido da inicial. Aplicação do art. 5º, XX, da Constituição Federal e do art. 335, nº 4 e 5, do Código Comercial. II – Conforme precedentes desta Corte, a data-base para levantamento do balanço especial deve coincidir com aquela em que se caracterizou o dissenso. III – Redistribuição do ônus da sucumbência em virtude da procedência total da demanda, devendo a ré arcar com custas e honorários observados os critérios do § 3º, do art. 20 do CPC. Apelo provido para decretar a dissolução parcial da sociedade. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Desembargadores integrantes da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, dar provimento à apelação, o que decidem de conformidade e pelos fundamentos constantes das inclusas notas taquigráficas que integram o presente acórdão. Custas, na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Desembargadores Cacildo de Andrade Xavier, Presidente, e Osvaldo Stefanello. Porto Alegre, 28 de fevereiro de 2001. Dr. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura – Relator155.
Por outro lado, a previsão contratual da data-base dos haveres do sócio retirante
também tem recebido dos Tribunais156, inclusive do Superior Tribunal de Justiça157, total
155 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70000276840, 28 fevereiro 2001a. No mesmo sentido: Rio Grande do Sul. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível 597264837, 07 maio 1998b. 156 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 2.0000.00.305439-7/000(1), 08 junho 2000. 157 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 282300, 04 setembro 2001b.
60
validade, sendo bastante comum o estabelecimento de prazo de 30 dias após ó óbito para se
levantar o valor pecuniário cabível aos herdeiros do sócio falecido.
Por ser tal ato dotado de proteção jurídica, um contrato como qualquer outro, é
incontestável sua validade.
Tais julgados justificam a inexistência de consenso na jurisprudência brasileira
acerca do evento morte, em se tratando da época de levantamento dos haveres.
No entanto, exceções à parte, a regra geral ainda é a consideração do óbito como
patamar inicial.
3.3.3 Exclusão do sócio: termo inicial da apuração dos haveres
3.3.3.1 Extrajudicialmente
A exclusão do sócio de uma sociedade limitada pode se dar de forma judicial ou
extrajudicial, como já exposto.
Se extrajudicialmente: por meio de simples alteração contratual se prevista a justa
causa, após realização de assembléia para este fim, diante do cometimento de ato de inegável
gravidade que coloque em risco a continuidade da sociedade, nos moldes dos artigos 1.085 do
Código Civil158 ou, ainda, diante do artigo 1.004 - sócio remisso - ou nos casos de se declarar
falido ou tiver quotas liquidadas determinado sócio.
Não prevista a justa causa, somente judicialmente se excluirá, da mesma forma
fazendo no caso de envolver sócio majoritário, bem como nos de ocorrência de falta grave no
cumprimento das obrigações do sócio ou incapacidade superveniente – artigo 1.030, caput,
Código Civil159.
Logo, de acordo com a modalidade de exclusão adotada, diferentes são as datas-
base para se apurarem os haveres do sócio excluído.
Se efetuada a exclusão extrajudicialmente, o dies a quo será aquele em que o
excluído for informado da deliberação social pelos demais sócios de excluí-lo160, efetuando-se
o balanço nos exatos termos do dispositivo legal do artigo 1.031 do Código Civil161.
158 BRASIL, op cit, 2002a. 159 BRASIL, op cit, 2002a. 160 FONSECA, op cit, p.215. 161 BRASIL, op cit, 2002a.
61
São exemplos: o sócio remisso ou os casos em que se opera a exclusão de pleno
direito, quais sejam, sócio declarado falido ou que teve suas quotas liquidadas, uma vez que,
em todos eles, todo o procedimento se dá extrajudicialmente. Nessas circunstâncias, basta a
mera ciência da exclusão - por notificação, por exemplo - para que se apurem, nessa mesma
data, os valores devido ao sócio excluído.
Foi o que afirmou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul162 em acórdão da
seguinte forma ementado:
EMENTA Apelação cível. Dissolução parcial de sociedade. Constando do contrato social a integralização do valor das quotas sociais em moeda corrente e no ato de registro da sociedade na Junta Comercial, afastada resta a alegação de não integralização de ditas quotas. A apuração de haveres deve ser feita com base na data do afastamento de fato do sócio que se retira, porque a partir de então cessa aquela relação de proporcionalidade entre a contribuição dos sócios e o montante do acervo empresarial a ser repartido. Realização de balanço especial que apurou os haveres da autora na data de sua exclusão. Exclusão prevista na hipótese de não integralização de valores. Recurso desprovido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos. Acordam os Magistrados integrantes da Sexta Câmara Cível - Regime de Exceção do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao apelo. Custas na forma da lei. Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores Des. Osvaldo Stefanello (Presidente e Revisor) e Des. Antônio Corrêa Palmeiro da Fontoura. Porto Alegre, 23 de novembro de 2006. Dr. Ney Wiedemann Neto – Relator162.
Já no caso da sociedade não providenciar a comunicação, somente a partir de
quando efetuado o respectivo registro da alteração contratual junto ao órgão competente se
contará o início do momento de levantamento dos haveres163.
O Supremo Tribunal Federal, ao julgar recurso extraordinário interposto164,
fazendo menção ao relatório apresentado pelo Juiz Singular em sua sentença, ratificou os
dizeres mencionados concluindo pela apuração dos haveres quando do “levantamento
referente ao dia da exclusão do autor como sócio na Junta Comercial”, o que, diga-se de
passagem, já havia sido mantido pelo Tribunal Estadual quando teve a oportunidade de julgar
o recurso de apelação nesses mesmos autos.
162 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70012071338, 23 novembro 2006. 163 FONSECA, op cit, p.215. 164 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 105.247/MS. Rel. Min. Rafael Mayer. 14 junho 1985a.
62
Em outra oportunidade165, a Corte Superior da mesma forma decidiu ao afirmar
que:
Como se vê, a decisão recorrida não mandou levar em consideração o artigo 15 do Decreto 3.708/1919, mas que se apurassem os haveres por meio de levantamento referente ao dia do registro da exclusão da Junta Comercial e com correção monetária até o efetivo pagamento, no que está rigorosamente conforme ao decidido por esta Corte no RE 89646165.
Todavia, ressalta-se que na hipótese em que seja deliberado pela sociedade excluir
o sócio em virtude de atos que estão pondo em risco a continuidade do ente societário - artigo
1.085, Código Civil166-, deverá ser convocada assembléia para esse fim, ciente o acusado em
tempo hábil para que exerça o direito de defesa, conforme parágrafo único.
Logo, como se vê, somente após o fim da reunião convocada é que se poderá
considerar o sócio excluído e, portanto, proceder à alteração contratual e registrá-la.
Ou seja, não se permite optar diretamente pelo registro da alteração contratual
excluidora - como ocorre nos casos de sócio remisso, falido ou com quotas liquidadas nos
casos de não efetivação de comunicação anterior - sem convocação prévia do sócio para se
defender.
Logo, não se aplica às hipóteses do artigo 1.085 do Código Civil167 o
entendimento esposado pela Corte Superior e citado pela doutrinadora mencionada, diante da
necessidade prévia de convocação para exercício do direito de defesa. Então, neste caso, o
momento em que apuráveis seus haveres será mesmo da reunião em que ocorre a exclusão do
sócio do quadro associativo, optando por ela a sociedade.
Trata-se de entendimento análogo ao proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas
Gerais168, no qual o sócio, pretendendo se retirar, comunicou o fato à sociedade em reunião
ocorrida, marcando como início do prazo para levantar seus haveres a respectiva data em que
foi realizada.
Judicialmente, no entanto, o marco inicial na exclusão vem sendo operado de
forma diferenciada.
165 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 101.952/MS. Rel. Min. Moreira Alves. 05 fevereiro 1985b. 166 BRASIL, op cit, 2002a. 167 BRASIL, op cit, 2002a. 168 MINAS GERAIS, op cit, 2005b.
63
3.3.3.2 Judicialmente
Ajuizada a ação dissolutória para que se providencie a exclusão do sócio em
virtude da ocorrência de falta grave no cumprimento das obrigações, incapacidade
superveniente, inabilidade, prevaricação, incapacidade moral ou civil ou, ainda, diante da
omissão contratual prevendo justa causa para se operar a exclusão, faz-se necessário
diferenciar algumas situações para se aferir o dies a quo da apuração de haveres.
A primeira delas será a propositura da ação que terá por finalidade a exclusão de
sócio que, de fato, não abandonou a sociedade, mas que deverá ser excluído por ter cometido
algumas das condutas descritas no parágrafo anterior.
Nesses casos, a jurisprudência, regra geral, diferentemente dos casos de retirada - o
qual não passa do exercício de um direito assegurado a todo aquele que é sócio, sem possuir
significativos contornos de litigiosidade - vem estabelecendo como marco inicial em que
apuráveis os haveres o trânsito em julgado da ação proposta.
Da mesma forma, a doutrina, como se depreende do posicionamento de Priscila M.
P. Corrêa da Fonseca169.
Veja-se a seguinte passagem de recente julgado170:
Orlando Mendes Filho ajuizou ação ordinária para exclusão de sócios, com pedido de tutela antecipada, em face de Luiz Vicente Mendes Ferreira e José Lúcio Mendes Ferreira. [...] Alegou que os réus, por meio da empresa Obra Prima Produções e Eventos, da qual, ele, autor, não participa, firmaram inúmeros contratos com o mesmo objeto ( cessão de espaços na feira), arrecadando o total de R$ 68.274,00, em flagrante concorrência direta e desleal , por meio da empresa da qual ele, autor, não é sócio. [...] Quanto ao momento do pagamento dos haveres sociais, por todo o exposto, reputo correta a douta sentença que determinou a sua apuração com base em balanço especial de determinação, considerando o patrimônio da empresa na data do afastamento definitivo do sócio, ou seja, após o trânsito em julgado da sentença, pois somente com este, com segurança jurídica, a tutela jurisdicional prestada ganha foros de imutabilidade, sendo definitiva a dissolução societária170.
169 FONSECA, op cit, p.215. 170 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 1.0024.06.199212-9/003(1), 31 fevereiro 2008b. No mesmo sentido: MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 211.099-8, 12 dezembro 1996: “a avaliação do valor da quota do sócio retirante deve ter como parâmetro o patrimônio social existente na data do trânsito em julgado da sentença que decretou a exclusão, momento a partir do qual produz eficácia a referida decisão, dada a sua natureza constitutiva”; RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 200700163564, 19 março 2008a. Em sentido contrário: RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 7026/96, 10 dezembro 1996: “não produzindo efeito a decisão social, o sócio se considera excluído a partir da sentença constitutiva, com o trânsito em julgado, motivo pelo qual os seus haveres serão pagos com os valores que a perícia apurar na data em que foi proferida a sentença”.
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Possui razão referido entendimento. Se ajuizada a ação para se obter a exclusão, é
porque os sócios ainda se encontram exercendo a gestão da sociedade, sendo necessário que o
provimento jurisdicional extirpe do quadro associativo o sócio indesejado.
Assim, a sentença que decreta a dissolução da sociedade extinguirá uma relação
jurídica.
A sentença dissolve, parcialmente, o elo subjetivo dos sócios, afastando o sócio
indesejado do exercício das atividades sociais. O trânsito em julgado, por sua vez, concretiza
a dissolução societária, fazendo com que a sentença produza seus efeitos.
Nada mais justo, pois a perda da condição de sócio e seu afastamento - de fato -
coincidem com o momento do trânsito em julgado o qual, vedando a interposição de qualquer
recurso, consolida definitivamente os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão proferida.
Como visto, permanecem os sócios contendendo e, então, se faz necessário que os
haveres só sejam apurados quando do fim da contenda, ou seja, trânsito em julgado.
Difere, nesse aspecto, do exercício do direito de retirada efetuado judicialmente
diante da necessidade de análise profunda das provas produzidas, já que há alegação de
incursão em atos graves por parte do sócio indesejado.
No entanto, em sentido contrário também foram proferidas decisões171,172
definindo a época de levantamento dos haveres como sendo a liquidação da sentença
condenatória, afigurando-se o primeiro mais correto.
Postergar o levantamento dos haveres para a fase liquidatória teria o inconveniente
de contribuir para a redução do montante a ser pago ao excluído, a partir da dilapidação dos
bens do ativo por parte dos sócios que permanecem no exercício da atividade social por mais
tempo.
Uma segunda situação a ser diferenciada para aferição do início do levantamento
dos haveres operado em ação dissolutória por exclusão seria aquela em que o sócio excluído
veio a abandonar o exercício fático da condição de sócio antes mesmo do ajuizamento da ação
dissolutória.
Nesse caso, a sentença determinando a sua exclusão do quadro societário somente
irá declarar uma situação que, muito antes, veio a ocorrer. É o que fez o Tribunal de Justiça de
171 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Apelação Cível nº 269487-5, 24 março 1999b. 172 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº 200700112324, 15 abril 2008b.
65
São Paulo173 em caso em que se pretendeu a exclusão de sócio, estando as partes concordes
com o pedido.
O Tribunal Paulista decidiu - com base em precedentes da jurisprudência no
sentido de que os haveres são apurados quando do efetivo afastamento do sócio - que o
momento correto para levantamento pecuniário seria aquele em que de fato houve o abandono
da gestão da pessoa jurídica, no qual o sócio se tornou alijado dos poderes de administração e
governança da administração, não mais retornando à sociedade.
Como se vê, não foi o trânsito em julgado ou a liquidação da sentença
condenatória o marco inicial para se apurarem haveres de sócio excluído. Elegeu-se o
afastamento “de fato” da sociedade, ou seja, o abandono das funções quando sócio.
Nesse caso, o afastamento, tão proclamado em seu sentido genérico pela doutrina,
já havia se operado muito antes da propositura da ação dissolutória, diante do abandono, pelo
sócio, das atividades sociais.
Trata-se de entendimento que melhor se ajusta aos ditames da justiça e, por que
não, ao que já esposou o próprio Superior Tribunal de Justiça174. Este afirma que a data-base
para apuração dos haveres coincide com o momento em que o sócio manifestar vontade de se
retirar da sociedade limitada, ou seja, coincide com o seu afastamento.
Também já foi mencionado que os doutrinadores afirmam ser o momento do
“afastamento do sócio” aquele mais adequado para se fixar a data-base dos haveres, posto de
forma genérica. Tal fato, então, vem exigindo que a cada hipótese concreta se verifique o que
se entende por afastamento do sócio para melhor se aplicar o direito.
Nos casos de ação dissolutória proposta para exclusão de sócio que já abandonou a
sociedade, não há dúvidas de que a data a ser considerada para fins de levantamento de
haveres deve mesmo ser aquela contemporânea ao abandono físico do sócio das atividades
sociais, nos exatos termos dos fundamentos da Corte Paulista e da Superiora.
É que nesse momento houve o afastamento físico do sócio, quando manifestou,
mesmo que tacitamente, sua vontade de se retirar da sociedade, abandonando-a. Há um fato
certo e determinado que marca sua retirada da sociedade.
173 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 4892094/6-00, 21 fevereiro 2008a. No mesmo sentido RIO GRANDE DO SUL, op cit, 1998b:“Data-base para levantamento de balanço especial de apuração dos haveres do sócio retirante deve coincidir com aquela em que se caracterizou o dissenso e, pois, o afastamento de fato dos atos da administração. Admitido que tal se efetivou na data em que alijadas das atividades sociais, aí se estabelece o marco para o balanço especial, não a do trânsito em julgado da sentença da dissolução parcial” 174 BRASIL, op cit, 2005a.
66
Deveria, demonstrando não mais se interessar pelas atividades sociais, ter
comunicado formalmente aos demais sócios sua intenção e exercido o seu direito de retirada
ou, por outro lado, incitado a sociedade, na figura dos demais sócios, a excluí-lo
extrajudicialmente. Esse seria o procedimento correto. Mas, não o fazendo, nem por isso se
pode afirmar que a época adequada para levantamento dos valores seja outra que não o dia
último em que praticou atos na condição de sócio. Foi mesmo nessa data que faz jus ao direito
de obter as vantagens que lhe possam caber, justamente para que seja viável - continuando a
sociedade - diferenciar as operações novas daquelas já existentes, somente estas dando àquele
o direito de participar tanto dos ganhos quanto das perdas.
Por outro lado, declarando o momento em que apuráveis os haveres como sendo o
abandono dos atos de gestão, estaria se evitando a sujeição do sócio excluído dos mandos e
desmandos dos demais sócios que continuam com a atividade empresarial durante o
andamento do processo judicial, mandos e desmandos esses que sempre se configuram em
atos como os de vedação de acesso do sócio excluído ao caixa da sociedade, ao destino dos
ativos, ao controle do passivo, sendo operado o completo esvaziamento patrimonial da
sociedade no intuito de transmitir a inexistência de haveres a serem apurados no futuro.
Trata-se de conclusão com amparo jurisprudencial175: “a vingar a tese da
recorrente, perpetrar-se-ia severa injustiça. Por isso, a apuração dos haveres na fase de
liquidação de sentença de dissolução parcial de sociedade deve iniciar-se quando extinta a
affectio societatis e não se estender no tempo, dando oportunidade ao esvaziamento da
sociedade”.
Se adotados os marcos iniciais do trânsito em julgado ou a futura liquidação da
sentença declaratória para levantamento dos haveres nos casos de abandono de fato da
sociedade antes do ajuizamento da ação, se constatará que, fisicamente, o sócio excluído já
não mais pertence à sociedade. Juridicamente, no entanto, se encontrará a ela vinculado até
que se opere o trânsito em julgado ou liquide seus haveres, o que lhe pode causar prejuízos
patrimoniais diante da postura dos demais sócios que continuam no empreendimento
societário.
Então, sem embargo de entendimento diverso, faz-se necessário distinguir duas
situações no tema exclusão de sócio e apuração de haveres.
A primeira delas, quando não há o abandono da sociedade pelo excluído, o que faz
com que a data-base dos haveres seja o trânsito em julgado. A segunda delas, quando ocorre o
175 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70002190395, 08 maio 2001b.
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abandono fático do sócio do quadro associativo, o que forçosamente levará os haveres a serem
apurados quando perpetrado o abandono dos atos de gestão.
Priscila M. P. Corrêa da Fonseca176 opina nesse sentido ao afirmar que: “pleiteada
a exclusão por via judicial, o marco será forçosamente o do trânsito em julgado, a não ser que,
de fato, o sócio sponte própria já tenha abandonado a sociedade”.
Referida doutrinadora enriquece o tema em estudo ao apresentar, ainda, outra
hipótese para a contagem do dies a quo em que apuráveis os haveres.
Seria o caso em que a decisão judicial venha a somente referendar uma exclusão
anteriormente deliberada pelos demais sócios. Nesse caso, o termo inicial seria o da ciência da
alteração contratual encaminhada ao excluído177. Retorna-se, como se observa, à regra geral
do momento de apuração de haveres como sendo a data do envio do instrumento notificatório.
Os fundamentos da sentença nessas hipóteses, geralmente, se reportam à exclusão
ocorrida por força de cláusula contratual permissiva.
Na verdade, a hipótese seria uma exclusão extrajudicial que fora ratificada
judicialmente, não obstante fosse completamente desnecessário o procedimento judicial
diante da previsão legal do instituto da exclusão efetuada extrajudicialmente.
Outro seria o caso em que há estipulação contratual posterior à deliberação a
respeito, somente se podendo cogitar da consideração do trânsito em julgado como marco
temporal para levantamento de haveres se, porventura, a validade da deliberação fosse posta
em jogo e, mediante provimento jurisdicional, declarada nula por falta de justificativa dos
motivos que ensejassem a exclusão178.
Aqui, da mesma forma que exposto linhas atrás, o trânsito em julgado se prestaria
a determinar o efetivo afastamento fático e jurídico dos sócios, possuindo a sentença eficácia
constitutiva ao criar uma nova relação jurídica, qual seja, a dissolução parcial de sociedade.
Antes do trânsito, não houve fato que pudesse romper o elo subjetivo de ambos os
sócios - excluído e demais, já que a deliberação excluidora não produziu seus efeitos diante de
sua nulidade.
Assim, continua o excluído a pertencer ao quadro associativo, até que o trânsito
em julgado venha a cessar essa condição.
Como visto mais uma vez, consenso jurisprudencial é o que não ocorre em se
tratando da contagem do dies a quo na apuração dos haveres de sócio excluído.
176 FONSECA, op cit, p.215. 177 No mesmo sentido: MINAS GERAIS, op cit, 2005a. 178 RIO DE JANEIRO, op cit, 1996.
68
3.3.4 Aspecto temporal da apuração de haveres na dissolução parcial de pleno direito
3.3.4.1 Falência do sócio
Prevista como formas de dissolução parcial de sociedade limitada, tem-se a
denominada “exclusão de pleno direito”, aquela que ocorre quando o sócio for declarado
falido, sendo apurados seus haveres nos moldes do artigo 1.031, bem como quando o sócio
tiver sua quota liquidada, nos termos do parágrafo único do artigo 1.026179.
A contagem do dies a quo para levantamento dos haveres do sócio falido, da
mesma forma se entendendo para a hipótese de ter suas quotas liquidadas, pouco tem sido
enriquecida pelo trabalho da jurisprudência e doutrina a respeito, dado o contexto de pequena
utilização dessas modalidades excluidoras na prática empresarial.
A primeira hipótese, qual seja, falência de sócio, ainda abarca a manutenção do
antigo entendimento de não mais ser causa de dissolução total da sociedade, justificando à
época do Código Comercial de 1850180 a revogação do artigo 335, II. Mas, ainda assim será
de dissolução parcial.
Importante que, antes de se definir o momento em que os haveres do sócio falido
serão levantados, melhor se esclareça a respeito de sua exclusão, mais ainda levando-se em
conta que a doutrina, quando se ocupa do tema, o faz em poucas linhas.
Ocorrendo a falência da sociedade com sócio ilimitadamente responsável - o
mesmo se entendendo para o caso de empresário individual - será o mesmo também
considerado falido. Trata-se de afirmativa positivada na lei de falência181, previsto no artigo
81.
A sua razão de ser se justifica diante do fato de que o retorno do sócio falido à
sociedade da qual ainda é sócio somente iria tumultuar as atividades da mesma, pois, nítido
que houve total quebra da confiança quando incorreu em total inadimplência em outro
empreendimento. Conclui-se, portanto, ter havido quebra da própria harmonia que deve reinar
em se tratando de atividade empresarial.
179 BRASIL, op cit, 2002a. 180 BRASIL, op cit, 1850. 181 BRASIL. Lei n° 11.101 de 09 fev. 2005. Diário Oficial, Brasília, 09 fev. 2005b.
69
Waldo Fazzio Júnior182 comunga do mesmo entendimento ao afirmar ser também
hipótese de exclusão, de pleno direito, a do sócio que em sua empresa particular for declarado
falido.
Veja a interessante passagem de recente julgado apresentado pelo Tribunal de
Justiça de São Paulo183, no qual claramente se demonstra a possibilidade de exclusão de sócio
declarado falido, embora no caso em apreço a exclusão não tenha sido ratificada em juízo
unicamente por falta de homologação, no Brasil, da sentença de falência proferida na
Argentina:
Cabe considerar, por oportuno, que a "affectio societatis" nada mais é do que a união de propósitos para a realização do objetivo social da empresa, e, uma vez perdida em decorrência de falta grave de um dos sócios, pode justificar a exclusão daquele que se desviou daqueles objetivos com a conduta inadequada de declarar-se falido na Argentina. Nesse caso, os demais sócios são obrigados a procederem à dissolução parcial da sociedade, o que lhes assegura a lei183.
Trata-se de norma imposta justamente pretendendo proteger os interesses futuros
da sociedade em extirpar de seu quadro associativo um sócio inadimplente e, por que não,
protegendo terceiros, quais sejam, a massa falida ou o credor específico do sócio falido, ao se
garantir que as quotas daquele sócio inadimplente possam servir para pagamento do débito
para com esses.
E tal dissolução, para os fins do artigo 1.031 do Código Civil184, se operará com a
exclusão do sócio do quadro associativo da sociedade limitada de forma extrajudicial, sem a
necessidade de um processo judicial.
O caráter topográfico do dispositivo legal do parágrafo único do artigo 1.030 do
diploma civil nos leva à conclusão certeira de que se trata de exceção ao seu caput, em que se
opera judicialmente a exclusão.
Só pode mesmo se tratar de exclusão extrajudicial.
A doutrina de Fábio Ulhôa Coelho185 é incisiva ao afirmar a natureza extrajudicial
do procedimento excludente: “a expulsão de pleno direito opera-se extrajudicialmente. Uma
vez entregue ao juízo da falência ou da execução contra o sócio o valor correspondente às
suas quotas, os sócios remanescentes devem firmar a alteração contratual que retrate a nova
composição societária e levá-la a registro na Junta Comercial”.
182 FAZZIO JÚNIOR, Waldo. Manual de Direito Comercial. 3.ed. São Paulo: Atlas, p.203, 2003. 183 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Apelação Cível nº 4502674000, 11 outubro 2007b. 184 BRASIL, op cit, 2002a. 185 COELHO, op cit, p.417.
70
Muito embora se exija alteração contratual e posterior registro para selar o novo
quadro associativo nos casos em que haja exclusão de pleno direito de sócio falido, o
momento em que apuráveis os haveres, por se tratar de exclusão extrajudicial, retroagirá à
data em que notificado o excluído a respeito, de fato, como ocorre na modalidade de retirada,
já analisada e por tantas vezes referenciada.
A alteração no registro e o pagamento ao credor é que se passarão posteriormente,
produzindo efeitos perante terceiros. Mas a comunicação anterior sela o momento da
apuração.
É que se trata de exclusão extrajudicial, o que faz adotar a exegese do comando
legal do artigo 1.029 do diploma civil186 para exigir que a sociedade encaminhe ao sócio
falido notificação, pelos meios usuais - telegrama, notificação extrajudicial, simples
correspondência - com a prova do recebimento.
A partir da ciência do falido, opera-se a sua exclusão da sociedade e,
conseqüentemente, firma-se o marco inicial do levantamento dos haveres.
Reporta-se aqui a todo o exposto quando analisada a retirada de sócio
extrajudicialmente e o dies a quo para se apurarem os seus haveres sendo ao sócio falido
plenamente aplicável.
3.3.4.2 Liquidação de quotas do artigo 1.026 do Código Civil
A segunda modalidade de exclusão de pleno direito prevê a possibilidade do
credor particular de sócio de limitada, na insuficiência de outros bens, fazer recair a execução
na parte que tocar a esse na liquidação de suas cotas.
Trata-se de novidade trazida pela nova legislação civil, no parágrafo único do
artigo 1.026187, a qual dispõe que se a sociedade não estiver dissolvida, pode o credor requerer
a liquidação da quota do devedor, cujo valor, apurado na forma do artigo 1.031, será
depositado em dinheiro, no juízo da execução, até 90 dias após a liquidação.
Na verdade, é um incidente de uma execução promovida contra o sócio da
sociedade limitada por seu credor, diante da existência de uma dívida particular. É
procedimento que exige, no entanto, que não haja outros bens penhoráveis nem parcela de
lucros a serem distribuídos ao devedor, ou seja, tem natureza subsidiária.
186BRASIL, op cit, 2002a. 187 BRASIL, op cit, 2002a.
71
Vem sendo utilizada na prática pelos credores do falido, já tendo a jurisprudência
oportunidade de se manifestar a respeito de sua validade188,189,190,191.
Por se tratar também da possibilidade de exclusão de pleno direito, não se faz
necessário, justamente por ser “de pleno direito” dos demais sócios, que seja promovida ação
judicial para se dissolver parcialmente a sociedade. Pode ocorrer extrajudicialmente.
Sendo deferido o pedido aduzido pelo seu credor na seara executória, recebendo a
sociedade a determinação judicial para liquidar as quotas do sócio para satisfazer os interesses
do credor, procederá na forma do artigo 1.031 do diploma civil192, depositando o valor
liquidado em dinheiro, no juízo da execução, até 90 dias após a liquidação.
Como visto, o prazo de 90 dias é o de pagamento do valor que couber ao credor do
sócio falido, o qual não se confunde com a data inicial que se terá como base para apuração
dos haveres. Esta se dará com a simples adoção da notificação como instrumento para excluir
o sócio da sociedade, revelando-se a sua ciência o marco inicial para o levantamento dos seus
haveres.
Mais uma vez se elege a regra geral para fixação do dia inicial de apuração dos
haveres em exclusão extrajudicial, qual seja, o instrumento notificatório.
Não se poderia mesmo cogitar da escolha da data em que pedida a liquidação193 ou
da data em que deferido o pedido judicial de liquidação de quotas, pois ambos se afiguram
anteriores à exclusão do sócio, sequer tendo início, por parte da sociedade, qualquer
procedimento tendente a excluí-lo.
Continua a ser sócio até que a deliberação social excluidora lhe seja comunicada.
Aí, perde a condição de sócio e esse momento coincide com o que será utilizado para se
verificarem os valores que lhe pertencem por ter participado do quadro social.
Como se conclui, em ambas as hipóteses da exclusão de pleno direito, que se opera
extrajudicialmente, a data-base da apuração dos haveres será o recebimento, pelo sócio falido
ou que teve quotas liquidadas, da notificação lhe excluindo do quadro associativo.
188 MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Agravo de Instrumento nº 1.0433.06.179856-0/001(1), 10 julho 2007. 189 PARANÁ. Tribunal de Justiça do Paraná. Agravo de Instrumento nº 0.436.460-7, 18 junho 2008. 190 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 147.546/RS, 06 abril 2000b. 191 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental nº 347.829/SP, 27 agosto 2001c. 192 BRASIL, op cit, 2002a. 193 CALÇAS, Manoel Pereira. Sociedade Limitada no Novo Código Civil. São Paulo: Atlas, pp. 110/111, 2003: “o credor, em não havendo outros bens penhoráveis, nem parcela de lucros a serem distribuídos ao devedor, nem parte de acervo final da sociedade por não estar esta dissolvida, poderá requerer a liquidação da quota do devedor. O valor será apurado com base na situação patrimonial da sociedade, na data em que for pedida a liquidação, que será verificado em balanço especialmente levantado”.
72
Se não fosse assim, não haveria motivo para que o legislador tenha se valido da
expressão “pleno direito”, o que significa que é um direito cabível aos demais sócios de forma
incondicionada, a não ser pela necessidade de mera comunicação formal.
Embora com pouca probabilidade de ocorrência, finaliza-se afirmando que, acaso
os demais sócios - em ambas as hipóteses de exclusão de pleno direito - não atuarem
excluindo o sócio de forma extrajudicial, seja por notificação enviada, seja por outra forma de
ciência, vindo a ajuizar ação dissolutória para se operar a exclusão, considerar-se-á como data
em que excluído o sócio quando for regularmente citado na ação em comento.
A sentença proferida, nos mesmos moldes daquela proferida na retirada de sócio
processada judicialmente - anteriormente abordada e que aqui se aplica em sua inteireza –
retroagirá à data em que citado o sócio falido ou que teve suas quotas liquidadas.
Por fim, se não obstante houver notificação prévia e ainda assim venha uma das
partes a propor ação dissolutória - apesar de desnecessária por se tratar de exclusão de pleno
direito - a sentença proferida irá ter eficácia meramente declaratória, retroagindo à data da
notificação, como de fato também ocorre nos casos de retirada e exclusão extrajudiciais.
3.3.5 Previsão contratual da época de apuração de haveres do sócio desligante
Resultando de livre exercício da vontade dos sócios, a previsão contratual
regulamentando os haveres encontra proteção no ordenamento jurídico diante da força
obrigatória que o cerca, sendo perfeitamente válida e respeitada, embora haja peculiaridades a
serem ressaltadas.
O pacto firmado não difere da transação, a qual o diploma civil valida como sendo
uma forma das partes prevenirem ou terminarem litígios, mediante concessões mútuas.
Somente no caso de prejuízo a uma das partes signatárias da estipulação contratual
é que a sua validade será contestada, podendo vir a ser declarada nula judicialmente.
A limitação da liberdade de contratar, então, assume especial relevância em se
tratando de regulamentação de norma societária, como já se manifestou a Corte Superior194 ao
demonstrar que:
194 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 33458/SP, 13 junho 1994.
73
Não se pode colocar seriamente em dúvida que, em nosso Direito, subsiste a força obrigatória dos contratos, fundado na autonomia da vontade. Claro que a liberdade de contratar não é sem limites, que estes podem ser encontrados nas leis de ordem pública, em certos princípios gerais, e nas naturais vedações decorrentes do que se aceita como correspondendo aos bons costumes. A regra, entretanto, é a liberdade. Não se chocando o pactuado com algum preceito que se possa extrair daquelas diretivas, o ordenamento reconhece a valia e eficácia das normas criadas pelas partes194.
A força da validade da estipulação contratual possui respaldo também na
legislação civil, na qual se permite, por previsão contratual, que se exclua o sócio que esteja
colocando em risco a continuidade da sociedade em virtude de ato de inegável gravidade ou,
por outro lado, que suas regras se sobreponham à forma de liquidação estabelecida com base
na situação patrimonial da sociedade à data da resolução, conforme dispositivos legais dos
artigos 1.085 e 1.031do diploma civil195, respectivamente.
Da mesma forma se conclui do artigo 668 do Código de Processo Civil de 1939196.
Se possível modificar o quadro associativo das sociedades limitadas operando-se a
exclusão do sócio por conseqüência de norma estabelecida no contrato, não há motivos para
que se vede a escolha do melhor momento em que se levantem os haveres do sócio que da
sociedade se desliga por instrumento também contratual. Prevalece a velha máxima: quem
pode mais, pode menos.
No entanto, os contratos sociais das sociedades limitadas, de forma geral, pouco
adentram na contagem do dies a quo para apuração dos haveres. Limitam-se a definir os
critérios como balanço de determinação, exercício, cessão, liquidação, a forma de pagamento
- se parcelado ou à vista -, bem como as causas que ensejarão a dissolução parcial.
Na maioria das vezes, quando prevista na norma contratual a época de apuração
dos valores - fato ocorrido raramente -, a jurisprudência a acolhe, como se pode citar nos
casos de morte em que é bastante usual a fixação do prazo de 30 dias após o óbito para se
apurar o valor.
Acolhe também o entendimento firmado nas hipóteses de previsão contratual em
que o sócio desligante notifica a sociedade de seu intento de retirada, considerando-se a
notificação o marco tanto para se afastar como para apurar os haveres.
Por óbvio, havendo ofensa aos direitos dos sócios envolvidos, limites serão
impostos pelo Poder Judiciário.
195 BRASIL, op cit, 2002a. 196 BRASIL, op cit, 1939.
74
Será plenamente adequado, e até recomendável, que seja declarada nula a
deliberação social que postergue o levantamento dos valores de um sócio, após excluído
extrajudicialmente, para um ano após tal data, justamente por ser grande a probabilidade do
completo esvaziamento patrimonial dos sócios que na sociedade permanecem no intuito de
provar nada existir que seja partilhado, prejudicando o valor a ser pago àquele que dela se
afastou.
Para isso, o dirigismo contratual leva os juízes a atuar nos casos em que o contrato
social se afigura leonino, corrigindo distorções.
Hernani Estrella197 bem sintetizou o fato:
Assim, e segundo o critério preconizado por Luiz Josserand, no apreciar o alcance do contrato, ter-se-ia de considerá-lo levando-se em conta aquilo que escapou à previsão das partes, isto é, às eventualidades possíveis, já que o acordo delas se teria limitado ao essencial. No mais, seria obra da lei interpretar-lhes a vontade ou supri-la, em caso de dissídio, devendo uma e outro procederem, porém, não arbitrariamente, mas conforme o espírito do contrato e com um sentimento de equilíbrio e eqüidade197.
Assevera-se que os momentos fixados pelos Tribunais Brasileiros nas causas
dissolutórias citadas podem se sobrepor à norma contratual firmada em contrato social, já que
em alguns casos o Magistrado irá intervir para adequar a decisão ao interesse das partes e este,
na maioria das vezes, não é perseguido pela norma contratual fixada.
Nesse cenário, o Superior Tribunal de Justiça198 dá plena validade à criação de
normas relacionadas à apuração de haveres, bem como à fixação da época em que serão
levantados, da mesma forma os demais Tribunais Estaduais199.
Registra-se, entretanto, que também pode, em constatados injustiça e desequilíbrio
em sua fixação, ajustá-la para se manter o equilíbrio no recebimento do valor devido ao sócio
retirante.
197 ESTRELLA, op cit, 1992b, p.115. 198 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 450129, 08 outubro 2002c. 199 MINAS GERAIS, op cit, 2005c; DISTRITO FEDERAL, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Agravo de Instrumento nº20060020091804AGI/DF, 07 março 2007.
75
3.4 Sentença proferida envolvendo o momento de apuração de haveres: efeitos
produzidos
3.4.1 Classificação das ações: modalidades de sentenças
Há, no Direito Processual Civil, duas modalidades de classificação das ações que,
futuramente, culminarão nos seus respectivos provimentos jurisdicionais. A primeira delas, a
ternália, a qual classifica as ações em condenatórias, declaratórias e constitutivas.
Já a segunda, denominada quinária e criada por Pontes de Miranda200, inclui mais
duas modalidades, as mandamentais e executivas em sentido amplo.
A ação mandamental é aquela que tem por fito preponderante que alguma pessoa
atenda, imediatamente, ao que o juízo manda201. Ou seja, as mandamentais visam a obter uma
ordem judicial para que venha a ser feito algo ou deixe de ser feito, possibilidade existente no
mandado de segurança.
Já as executivas lato sensu imprimem capacidade executória ao provimento
jurisdicional, permitindo que seja entregue imediatamente o bem pretendido,
independentemente de qualquer outra providência.
Entretanto, a classificação de Pontes de Miranda perdeu sentido diante das
reformas processuais ocorridas nos últimos anos, as quais, diga-se de passagem, não foram
poucas.
As ações mandamentais e executivas em sentido amplo passaram, pelo
procedimento sincrético, a ser certificadas e efetivadas nos mesmos autos, ou seja, não se
exige mais outro processo para serem executadas.
Entra em relevo o sincretismo vindo a abarcar as tutelas mandamentais e
executivas lato sensu, permitindo que os atos de cognição e execução sejam realizados num
único processo, contribuindo para a agilidade e efetividade nas decisões.
200 SÁ, Fernando. As diversas eficácias e seu convívio no conteúdo da sentença: a tese de Pontes de Miranda. Revista da Faculdade de Direito da UFRGS, v.18, p.97, 2000: “Segundo Pontes de Miranda, toda ação ou sentença carrega em si mesma, no bojo do projeto de provimento jurisdicional esperado, por quem pede ao Estado, a satisfação de seu interesse ofendido, existe uma carga maior, uma eficácia maior, preponderante, sobre as demais provisões satisfativas de direito material contidas na sentença. Desta forma, em toda ação declaratória a eficácia maior é a de declarar; na constitutiva, é a de constituir; na condenatória, a de condenar; na mandamental a de mandar e, na executiva, a de executar. Eis os cinco verbos que emprestam a cada ação ou sentença sua força ou eficácia preponderante”. 201 MIRANDA, Pontes de. Tratado das ações. São Paulo: Revista dos Tribunais, v.VI, tomo VI, p.3, 1976.
76
Fredie Didier Júnior202, analisando o procedimento sincrético, afirma que a própria
distinção entre processo de conhecimento, execução e cautelar vem perdendo prestígio, pois
as demandas têm assumido natureza sincrética, indo-se a juízo em busca de providência
jurisdicional que implemente mais de uma função, satisfazendo/ assegurando, certificando/
efetivando, certificando/ assegurando/ efetivando, nos seus dizeres.
Tanto as ações mandamentais como as executivas em sentido amplo passaram a
ser, na verdade, espécies de ações condenatórias, pois todo o procedimento é, atualmente,
sincrético e ocorre num único processo. Sentença e o seu cumprimento se dão em seqüência,
nos mesmos autos, sem a necessidade de um outro para efetivar o direito.
A classificação ternália, logo, se afigura mais condizente com o atual cenário
processual.
A primeira delas - sentenças constitutivas - criam, extinguem ou alteram uma
situação jurídica, ou seja, o direito potestativo, aquele direito de interferir na esfera de outrem
sem que este nada possa fazer. São seus exemplos a que culmina na extinção do condomínio,
aquelas proferidas nas ações de falência, alteração de nome, divórcio e separação judicial.
As declaratórias, pelo próprio nome, declaram, reconhecem a existência ou a
inexistência de uma relação jurídica, certificando o direito. São exemplos a ação de
usucapião, desapropriação, nulidade de casamento e investigação de paternidade.
Todas essas, na verdade, somente declaram um fato.
A terceira e última modalidade das ações são as condenatórias. Visam a exigir o
cumprimento de uma prestação, ou seja, é o direito a uma prestação de fazer, não-fazer, dar. A
sentença proferida condena o vencido ao cumprimento da prestação pretendida.
Cada tipo de provimento jurisdicional possui o efeito que lhe é peculiar.
Abordando as modalidades de sentenças existentes e seus efeitos, Humberto Theodoro
Júnior203 se limita a analisar essas três modalidades, sintetizando o seguinte:
202 DIDIER JR., Fredie. Direito Processual Civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. 6.ed. Salvador: Juspodivm, v.I, p.187, 2006. 203 THEODORO JR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 41.ed. Rio de Janeiro: Forense, v.I, p.476, 2004.
77
Sem se limitar à mera declaração do direito da parte e sem estatuir a condenação do vencido ao cumprimento de qualquer prestação, a sentença constitutiva cria, modifica ou extingue um estado ou relação jurídica. O seu efeito opera instantaneamente, dentro do próprio processo de cognição, de modo a não comportar ulterior execução da sentença. A simples existência da sentença constitutiva gera a modificação do estado jurídico existente. [...]. As sentenças declaratórias e as condenatórias produzem efeito ex tunc. Nas primeiras o efeito declaratório retroage à época em que se formou a relação jurídica ou em que se verificou a situação jurídica declarada. Exemplo: declarado nulo o casamento, o efeito da sentença retroage à data da celebração. Nas sentenças condenatórias, também o efeito é ex tunc, mas a retroação se faz apenas até a data em que o devedor foi constituído em mora; via de rega, à data da citação, conforme o art. 219 do Código de Processo Civil. Já o efeito das sentenças constitutivas é normalmente ex nunc. Produz-se para o futuro, a partir do trânsito em julgado203.
Portanto, partindo-se do pressuposto de que somente há sentenças constitutivas,
declaratórias e condenatórias, serão analisados os efeitos dessas sentenças em sede societária,
em especial quando levantados os haveres do sócio desligante.
3.4.2 Natureza jurídica da sentença fixando o marco inicial em que apuráveis os haveres
Já tendo sido adiantado no decorrer do presente estudo dados relacionados à
natureza das sentenças nos casos em que se define o momento em que os haveres são
levantados, faz-se importante tecer ainda mais alguns comentários.
Em se tratando de levantamento dos haveres e sua época, o que interessa saber
para se definir a natureza jurídica da sentença é se a relação havida entre o sócio desligante e
a sociedade já fora rompida antes do provimento jurisdicional ou se a sentença foi a
responsável por extinguir o vínculo firmado entre eles.
Se o rompimento - causa dissolutória - é anterior ao ajuizamento da ação, mesmo
que ajuizada esta, a natureza será uma. Se posterior, no seu decorrer ou até mesmo quando da
prestação jurisdicional, a sua natureza jurídica será outra, da mesma forma os efeitos.
Foi o que nos esclareceu o Superior Tribunal de Justiça204 que, citando Pontes de
Miranda, afirmou que as ações de dissolução de sociedade podem ter eficácia constitutiva ou
declaratória, dependendo da causa dissolutória:
204 BRASIL, op cit, 2005a.
78
Nas chamadas ações de dissolução, ou é a sentença que dissolve ou não é ela, porém outro fato. Se é a sentença que dissolve a sociedade, não há qualquer dúvida possível: a sentença favorável é constitutiva. Se a sentença não dissolve, apenas proclama que a sociedade estava dissolvida ou, ocorrendo algum fato, se dissolverá, a sentença é declarativa. O direito material, onde essas ações nascem, é que as caracteriza. [...] O que mais interessa ao jurista e ao juiz é saber se a dissolução se operou ou se ainda se vai operar, por eficácia sentencial204.
É esse o ponto central que define quando devem ser apurados os haveres do
retirante.
A bem da verdade, o que vem fazendo a jurisprudência é adaptar o provimento
jurisdicional à época em que houve o afastamento de fato do sócio, ou seja, a época em que se
retirou da sociedade.
Esse afastamento pode se dar por força do comando sentencial ou, por outro lado,
até mesmo antes do ajuizamento da ação, como ocorre nos casos em que o sócio abandona os
atos de gestão e a sociedade propõe ação dissolutória para excluí-lo dela.
Tais peculiaridades podem conceder eficácia constitutiva ou declaratória à
sentença, efeitos retroativos ou não, conforme o caso.
Isso acontece porque a dissolução parcial das sociedades não implica presunção
absoluta de que ocorrerá concomitantemente com o momento da apuração dos haveres.
Há independência entre ambas, já que o que se busca é definir o real momento em
que o sócio se afastou da sociedade e esse, na grande maioria das vezes, se dá antes que
dissolvida a sociedade judicialmente pela sentença.
Como se vê, em se tratando do momento inicial de levantamento de haveres, as
sentenças possuem as mais variadas formas, ao contrário dos provimentos jurisdicionais nas
ações dissolutórias em geral, os quais, na grande maioria - para não se afirmar que em quase
todas elas -, se apresentam dotados de forte carga constitutivo-condenatória.
Logo, conclui-se que somente estabelecer uma regra geral a respeito da natureza
do provimento jurisdicional no tema em questão torna confuso o estudo da matéria, eis que
várias podem ser as épocas em que se apuram os haveres e, logo, várias serão as naturezas
jurídicas da sentença a esse respeito, principalmente levando-se em conta a interferência
principiológica no tema, como se constata da preocupação da jurisprudência com a
preservação da empresa e enriquecimento ilícito ao se definir a data em que apuráveis os
haveres.
Referidos princípios fazem com que se alterne a natureza jurídica do provimento
jurisdicional para serem preservados. Porém, mesmo que sem uma regra geral, para melhor se
compreender o instituto e enxergar, com mais clareza, a verdadeira natureza da decisão
79
proferida para se aferirem os haveres em cada causa dissolutória, seguem-se algumas regras
para se definir a natureza jurídica da sentença proferida ao se analisar a época de apuração dos
haveres na dissolução de sociedades limitadas.
3.4.2.1 Sentença com caráter constitutivo-condenatório: exceção à regra geral em se
tratando da data inaugural para apuração de haveres
De forma geral, as ações dissolutórias parciais de sociedades limitadas possuem
natureza mista, ou seja, constitutiva negativa e condenatória.
Constitutiva negativa o é porque o Juiz vem a extinguir o vínculo que mantinha os
sócios ligados até então. Condenatória porque condena a sociedade ao pagamento dos haveres
devidos ao sócio retirante, somente essa suportando o respectivo pagamento.
Conforme Pontes de Miranda205 “a ação é constitutiva negativa com elemento
condenatório assaz forte. A eficácia, ex nunc”.
Celso Barbi Filho206 e Priscila Corrêa da Fonseca207 também imprimem a ela o
caráter constitutivo-condenatório
Entretanto, ao se apurarem haveres, o que se tem visto é a inversão do
entendimento de que as sentenças possuem eficácia constitutiva com forte carga condenatória.
A bem da verdade, o que era regra geral passa a ser exceção quando se trata de fixação da
data para iniciar a apuração dos valores devidos ao sócio retirante.
Na grande maioria das vezes, a época de retirada do sócio do quadro associativo é
a data inicial para se calcular o montante devido ao sócio que da sociedade se retira. E quase
sempre ela é anterior à sentença proferida.
As sentenças, então, em vários casos, passaram a serem dotadas de eficácia
declaratória justamente para que fosse declarada uma situação fática já ocorrida
anteriormente. Insere efeitos retroativos à referida época de afastamento para se firmar a data
inaugural para apuração. Esse é o motivo da eficácia declaratória ser, no tema em estudo,
regra.
Em contrapartida, a eficácia constitutivo-condenatória passou a ser exceção,
ocorrendo em poucos casos, como naquelas hipóteses em que a sentença atua como
205 MIRANDA, op cit , tomo VII, p.304, 1978. 206 BARBI FILHO, op cit, p.390-393. 207 FONSECA, op cit, p.146-147.
80
verdadeira solucionadora do impasse, resolvendo em definitivo a lide e criando uma nova
relação jurídica entre as partes ao dissolver a sociedade e, ainda, determinar que o sócio seja
afastado das atividades sociais.
Como se vê, nesse caso não foi uma causa anterior que fixou a data de afastamento
do sócio, como se teria no caso de abandono da condição de sócio e dos exercícios das
atividades sociais, mas, sim, o próprio provimento jurisdicional. Ele foi o responsável por
solucionar a lide, dissolvendo a sociedade e condenando-a ao pagamento dos haveres a partir
do seu trânsito em julgado.
São os casos em que, forçadamente, a dissolução parcial tem que se operar
judicialmente, ou seja, em que não há previsão de justa causa no contrato social e nos casos de
exclusão de sócio majoritário. Neles, não há abandono da condição de sócio em momento
anterior que justifique firmar o dies a quo da contagem do prazo de levantamento contábil dos
haveres em data precedente à sentença.
São hipóteses em que se visa a, principalmente, excluir o sócio que cometeu falta
grave no cumprimento das obrigações, incapacidade superveniente, inabilidade, prevaricação,
incapacidade moral ou civil, conforme artigo 1.030, caput, do diploma civil208. Da mesma
forma quando as partes não convencionam a justa causa em contrato social, fazendo-se
necessário que o Magistrado verifique, após instrução processual, se há motivos para excluir o
sócio indesejado do quadro social.
Em todas essas situações, o provimento jurisdicional, além de dissolver a
sociedade, também rompe o elo subjetivo que ligava os sócios e fixa a data em que o mesmo
se afasta da vida societária.
A sentença interfere na composição física da sociedade e decide, ao final, por
alterá-la por meio da exclusão do sócio, vindo a operar efeitos quando dotada de definitude,
ou seja, com o trânsito em julgado.
Como visto, a perda da condição de sócio e seu afastamento - de fato - coincidem
com o momento do trânsito em julgado, o qual, vedando a interposição de qualquer recurso,
consolida definitivamente os fundamentos fáticos e jurídicos da decisão proferida. Então, os
efeitos são produzidos dali em diante, ou seja, são constitutivos porque criam, modificam e
extinguem a relação jurídica havida entre os sócios. São ex nunc, jamais retroativos.
A sentença marcará o momento de apuração de haveres, pois não houve abandono
anterior dos atos de gestão, pelo sócio, que fosse suficiente para fixar outra época.
208 BRASIL, op cit, 2002a.
81
Por outro lado, são condenatórios porque forçam a sociedade ao pagamento dos
haveres ao sócio excluído.
É o que se depreende dos estudos de Priscila M. P. Corrêa da Fonseca209 ao
afirmar que:
Na ação que visa unicamente à exclusão de sócio, a sentença apresenta natureza constitutiva, dado que promove efeito modificativo na estrutura da sociedade. Se o mesmo ato jurisdicional determina à sociedade que efetue o pagamento dos haveres devidos ao excluído, terá aquele, por igual, caráter condenatório, pelas mesmas razões apontadas209.
Registra-se que, se, por acaso, for proposta ação visando à anulação da deliberação
social que excluiu o sócio indesejado, muito embora a sentença proferida ainda seja
constitutivo-condenatória, o efeito será outro.
Será retroativo - ex tunc - justamente diante da necessidade de se voltar ao passado
e reintegrar o excluído na condição de sócio.
A força do provimento jurisdicional, nesse caso, retroagirá à data em que
deliberada a exclusão, anulando-a e gerando para o sócio excluído - como se ela não houvesse
ocorrido - todos os direitos e vantagens que seriam cabíveis se, de fato, não tivesse sido
expulso da sociedade, entre eles o de receber os lucros partilhados.
3.4.2.2 Sentença com caráter meramente homologatório: natureza declaratória
Como descrito, em se tratando de momento em que se fará o levantamento dos
haveres do sócio desligante, a jurisprudência vem apresentando exceções à hipótese de
natureza constitutiva negativa, com forte carga condenatória das ações dissolutórias.
As exceções são tantas, que é seguro afirmar que a natureza declaratória das
sentenças, em se tratando de data-base de apuração de haveres, já é regra geral.
Conforme visto alhures, a Corte Superiora210 e o Tribunal Paulista211 dão exemplos
do afirmado quando decidiram pela natureza declaratória com eficácia retroativa nas hipóteses
de retirada de sócio exercida judicialmente, seja porque recusou a acatá-la a sociedade, seja
porque houve ausência de notificação a respeito.
209 FONSECA, op cit, p.149. 210 BRASIL, op cit, 2005a. 211 SÃO PAULO, op cit, 2007a; SÃO PAULO, op cit, 2004.
82
Muito embora divirjam acerca da retroatividade - se até o ajuizamento da ação ou
citação - o fato é que ambos conferem à sentença caráter meramente declaratório,
homologatório.
Outros exemplos existem da natureza declaratória. Seriam os casos de retirada
extrajudicial, em que a jurisprudência, em corrente majoritária, já determinou que a época de
apuração de haveres deverá retroagir à data da simples notificação enviada pelo retirante à
sociedade.
A força da notificação como marco inicial em que apuráveis os haveres é tamanha,
que prevalece, inclusive, naqueles casos em que há ação dissolutória em curso e, não obstante,
o retirante resolve abandonar as atividades sociais notificando a sociedade a respeito.
A sentença, também nesse caso, somente declarará uma situação anteriormente
ocorrida, nada mais.
Da mesma forma o fará nos casos de morte do sócio, retroagindo a sentença
proferida para a data do óbito, não obstante haja entendimento existente em sentido diverso ao
estabelecer o dissenso como o marco inicial para se levantarem os haveres, ou seja, a recusa
dos sócios em ingressarem na sociedade.
Uma vez ingressando, se os herdeiros posteriormente optarem por sair do quadro
associativo diante da quebra da affectio societatis, a natureza também será declaratória,
porém, com efeitos também retroativos até a data da citação na ação dissolutória proposta.
Acaso exercido o direito extrajudicialmente, retroagirá à data da notificação
efetuada - efeito ex tunc.
Prevendo o contrato social norma fixando data inicial para apuração, esta será
considerada para levantamento contábil do valor devido ao herdeiro do falecido. Nesse caso, a
sentença retroagirá à data firmada no contrato.
Nos casos de exclusão de sócio que abandonou as atividades sociais antes de
proferida a sentença, da mesma forma que nas demais hipóteses abordadas, haverá
retroatividade.
Os efeitos regressarão até a data em que ciente o excluído da deliberação da
sociedade, seja ocorrendo por notificação, referendo da deliberação em reunião ou registro da
alteração do contrato social no órgão respectivo.
Por fim, a mesma natureza declaratória da sentença ocorrerá se forem
judicialmente discutidas as modalidades extrajudiciais de dissolução de pleno direito, quais
seja, falência de sócio e liquidação de suas quotas.
83
Em todas essas hipóteses, como se vê, maioria, não há dúvidas de que o sócio já se
desligou da sociedade, havendo uma causa anterior ao ajuizamento da ação, um marco inicial
bastante claro que serve de rumo à fixação da data para iniciar o cálculo contábil devido ao
sócio desligante.
De forma conclusiva, mesmo que com divergências, na retirada é o dia da
notificação enviada à sociedade; na exclusão, o dia em que o sócio é informado da
deliberação da assembléia nesse sentido. Por fim, se for o caso de falecimento, a data do óbito
fixa o marco inicial do levantamento do valor a ser pago.
Todas essas hipóteses já foram estudadas e todas elas possuem um traço em
comum que permite afirmar que terão provimento jurisdicional da mesma natureza:
declaratório. Podem divergir quanto ao marco inicial em que afastado o sócio da sociedade.
Alguns, pela notificação de retirada de exclusão pelo óbito, pelo próprio ajuizamento da ação
dissolutória ou sua citação.
Mas que todas elas retroagem para declarar referidas datas como a data do início
do levantamento de haveres, não resta a menor dúvida.
A sentença atua como nítido caráter homologatório, produzindo efeitos retroativos
à época de afastamento dos sócios, para fins de pagar ao sócio retirante a parcela que lhe cabe
no acervo patrimonial.
O que nos permite afirmar que a natureza declaratória da sentença é aquela que
deve prevalecer nos casos examinados é o entendimento esposado pelo Superior Tribunal de
Justiça212 no sentido de que a data-base para apuração dos haveres coincide com a
manifestação da vontade do sócio de se retirar da sociedade limitada estabelecida por
tempo indeterminado, o que se dá com o ajuizamento da ação de dissolução parcial.
Foi o que entendeu o Ministro Humberto Gomes de Barros, em acórdão no qual foi
relator, ao citar o entendimento anterior firmado no recurso especial nº 646.221 oriundo do
estado do Paraná, por vezes citado neste trabalho.
Lá, esclareceu a natureza declaratória ao afirmar que:
212 BRASIL, op cit, 2005a.
84
A doutrina classifica as causas dissolutórias de sociedade em causas de pleno direito, que atuam ipso jure, operando automaticamente a dissolução, e em causa dependentes de decisão judicial. Segundo esclarece José Waldecy Lucena, em sua obra Das Sociedades Limitadas, a possibilidade de o sócio exercer o direito de retirada de sociedade estabelecida por tempo indeterminado, como se afigura no processo em exame, está entre as causas de dissolução de pleno direito. Assim, nesta hipótese, o vínculo singular que prendia o sócio à sociedade é rompido independentemente da prolação da sentença, que irá somente declarar a dissolução parcial já ocorrida, produzindo seus efeitos ex tunc, com retroação à data da efetiva retirada. Não há como compelir o sócio a manter-se indefinidamente na sociedade estabelecida por tempo indeterminado, principalmente quando há ruptura da affectio societatis, como ocorreu na hipótese sob julgamento. Neste caso, permite-se que o sócio deixe espontaneamente a sociedade, com a preservação do ente social e apuração de seus haveres, levando em conta a situação patrimonial da sociedade verificada na data da retirada. Com estes fundamentos, conclui-se que a data-base para apuração dos haveres coincide com a manifestação da vontade do sócio de se retirar da sociedade limitada estabelecida por tempo indeterminado, o que, na hipótese, se deu com o ajuizamento da ação de dissolução parcial. Ressalte-se que, mesmo com a retirada do sócio, a sociedade continua a existir, prosseguindo com suas atividades, sendo previsível a alteração de seu patrimônio, que poderá ser valorizado ou esvaziado pelo comportamento exclusivo dos sócios remanescentes, não sendo possível, portanto, admitir que o sócio retirante, que não mais participa ativamente da sociedade, seja beneficiado ou prejudicado no recebimento de seus haveres. Por fim, para corroborar os argumentos apresentados, aponta-se dispositivo do Novo Código Civil (art. 1.029) que estabelece o direito do sócio de se retirar de sociedade por tempo indeterminado mediante notificação aos demais sócios, o que deixa clara a possibilidade de retirada extrajudicial e o caráter meramente declaratório da sentença que reconhece, neste caso, a dissolução parcial da sociedade212.
Como se vê, a natureza declaratória se justifica ainda mais diante da preocupação
da Corte Superior na real e concreta possibilidade de alteração do patrimônio da sociedade
pelos sócios, o qual poderá ser completamente esvaziado pelo comportamento exclusivo dos
sócios remanescentes.
A jurisprudência vem preenchendo os vazios legislativos adaptando suas decisões,
em cada caso concreto, com a verdadeira data em que o sócio fora afastado do convívio
social.
Essa data, regra geral, vem sendo definida como contemporânea ao levantamento
dos haveres. Tal contemporaneidade é garantida pela eficácia retroativa da sentença
declaratória, a qual ocupa papel relevante, devendo mesmo prevalecer.
85
3.5 Necessidade de ponderação de interesses na definição da época dos haveres: vedação
do enriquecimento ilícito
Exposta a natureza jurídica do provimento jurisdicional, importante se ressaltar a
necessidade de conjugação dos interesses de ambas as partes envolvidas no ato dissolutório no
momento em que se profere sentença fixadora da época de apuração de haveres.
Deve o Magistrado ponderar os interesses patrimoniais das partes para evitar
injustiça.
Nas dissoluções parciais de sociedade, o que se verifica é a presença, de um lado,
de um sócio - muitas vezes fragilizado pelo desgaste com os demais - que abandona a
sociedade e se submete, desde então, às condutas praticadas pelos sócios remanescentes, entre
elas o esvaziamento patrimonial; de outro, uma sociedade detentora de todas as informações
que permitam apurar o verdadeiro valor patrimonial devido ao sócio desligante e que,
optando, pode ocultá-los quando bem entender. E, no centro, o dies a quo para se apurarem
haveres.
Percebe-se quão tormentoso é o problema.
As palavras de João Luiz Coelho da Rocha213 esclarecem a questão:
A complicação surge, pois que sempre se exige, no evento, ponderarem-se dois valores em confronto, duas ordens de padronagem axiológica um tanto excludentes, que se oferecem ao legislador e ao julgador: de um lado, as defesas dos interesses econômico-jurídicos do minoritário afrontado e, de outra parte, a pretendida preservação da empresa como célula produtora de riqueza e serviços213.
A justeza do valor apurável, então, depende da fixação de um equilíbrio ao
interesse de ambos, tentando ao máximo aproximá-los. Preserva-se a sociedade do pagamento
de haveres excessivos ou inviabilizadores da continuidade de suas funções como fonte
produtora de riquezas. Em contrapartida, reembolsa-se o retirante contemporaneamente ao seu
afastamento.
Dessa forma deve ser tratado o instituto.
Porém, o que se deve ressaltar é o fato de que, na grande maioria das vezes, os
julgados proferidos não obtêm esse intento, qual seja: a ponderação de valores. Algumas
vezes, dão especial proteção ao sócio retirante quando o assunto debatido é apuração dos
haveres. Contribui para isso os constantes desfalques do valor a ser reembolsado pelos sócios
que continuam na atividade empresarial em prejuízo do sócio que dela sai.
213 ROCHA, op cit, p.37-41.
86
Disso já se preocupou a jurisprudência214, fato bastante exaltado.
Entretanto, o que merece registro é a inadmissibilidade de se elevar tal
preocupação ao topo da importância e relegar a segundo plano os interesses da própria
sociedade que continuará em pleno vigor após o ato dissolutório.
Como descrito, o que se deve ter como ponto de partida em se tratando de
apuração de haveres é a busca da compatibilização dos interesses das partes envolvidas na
dissolução, quais sejam, sócio e sociedade, ambos sendo agradados com a imposição do
melhor momento para se efetivar o reembolso.
A época de apuração dos haveres assume, assim, especial relevância quanto a essa
finalidade. Se pactuada pelas partes, a proteção jurídica é imediata, desde que não ofenda o
conteúdo legal. Se omissa a inclusão no contrato social de norma a respeito, deve o Poder
Judiciário atuar definindo o melhor critério adotado, entre os vários apresentados.
O que não se permite é que se opte por critérios como o dissenso - a recusa ou
negativa de ingresso dos herdeiros na condição de sócio - como o marco inicial para levantar
haveres quando, de fato, foi do óbito que o falecido se afastou da sociedade e, então, ele é o
marco temporal para reembolso.
Tal fato pode nitidamente favorecer financeiramente o sócio que se afasta, pois,
ocorrendo o dissenso após meses do falecimento, pode a sociedade ter gerado lucros
estrondosos no intervalo que vai do óbito até a recusa de ingresso na condição de sócios pelos
herdeiros - dissenso - e, então, ser forçada a pagá-los a quem em nenhum momento integrou o
quadro associativo, quais sejam: os próprios herdeiros. Haverá enriquecimento indevido.
Da mesma forma ocorrerá se houver opção por apurar haveres quando do trânsito
em julgado após o exercício do direito de retirada judicial. Durante o andamento da ação
promovida, estará fazendo jus o retirante ao recebimento de todos os lucros desse período
advindos da sociedade até que se opere o trânsito, quando o correto seria que a citação fosse o
momento correto para levantar seus haveres, já que daí se afastou da vida empresarial e deu
ciência, tecnicamente, à sociedade a respeito.
Esses são somente alguns dos exemplos tendenciosamente prejudiciais ao
patrimônio social, muito embora o oposto, ou seja, prejuízo indevido do sócio retirante,
também seja constante, fato repetidamente abordado.
A jurisprudência215,216, denegando pedido de antecipação de tutela, vem abarcando
o exposto e, conseqüentemente, protegendo a sociedade ao denegar pedidos que possam
214 RIO GRANDE DO SUL, op cit, 2001b.
87
causar mazelas conseqüentes de precipitada apuração de haveres, determinado que esses
devam ser pagos da forma menos gravosa à sociedade justamente para não colocar em risco
suas atividades.
Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça217 já ressaltou sua preocupação com a
proteção jurídica não só do sócio desligante, mas também da própria sociedade, como se
extrai da seguinte passagem:
O pagamento em parcelas, e não só de uma vez, justifica-se. Pretende-se a continuação da empresa. Se houver de saldar-se o devido ao sócio que se retira em um só pagamento, a ser feito de imediato, envolvendo tudo aquilo que constitui o patrimônio líquido da empresa, poderá ver-se essa na contingência de desfazer-se de parte significativa de seus bens de capital, eventualmente inviabilizando-a. Não se pode ter como leonina, ou propiciadora de enriquecimento sem causa, a disposição convencionada. Há que se prestar eficácia ao livremente estabelecido pelas partes e que atenda à conveniência de manter-se a empresa217.
Então, apresenta-se de crucial importância, após análise particular de cada causa
dissolutória, que se defina, entre os critérios apresentados, o mais adequado a se evitar não só
o enriquecimento ilícito da sociedade que continua atuando na seara empresarial, mas também
do sócio retirante.
Tal peculiaridade merece registro quando se pretende adotar um dos vários
momentos de apuração de haveres.
Por outro lado, o apontamento que aqui se faz redundando na excessiva
preocupação da proteção jurídica do ente societário interfere diretamente quando o assunto
debatido é a antecipação de tutela, já que nesta, não obstante previsão legal, se exige do
Magistrado boa dose de prudência justamente para se vedar que se inviabilizem as atividades
empresariais da sociedade com o deferimento do pedido.
É o que se passará a abordar.
215 SÃO PAULO. Tribunal de Justiça de São Paulo. Agravo de Instrumento nº 430.709.4/1, 25 abril 2006. É o que se extrai ao se verificar que a antecipação de tutela vem sendo denegada quando o seu cumprimento causar prejuízo à “estabilidade financeira das empresas. Ainda que devida em dinheiro, o pagamento dos seus haveres deve ser efetuado de forma menos gravosa para as sociedades de maneira a não colocar em risco a sobrevivência destas”. Nesse caso, o Tribunal Paulista veio a deferir “a substituição de depósito em dinheiro pela caução de bens imóveis livres, como forma de garantir o final pagamento da participação dos agravados”. 216 RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de Instrumento nº 597170232, 19 outubro 1997b. 217 BRASIL, op cit, 1994.
88
3.6 A utilização das tutelas emergenciais no âmbito da fixação do momento da apuração
de haveres
3.6.1 Introdução
Visando a operacionalizar os efeitos futuros do provimento jurisdicional, dispõe o
artigo 273 do Código de Processo Civil218 que o Juiz poderá, a requerimento da parte,
antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que,
existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação.
Acrescenta requisitos para o exercício do direito requerido ao exigir a ocorrência
de fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, abuso de direito de defesa ou
manifesto propósito protelatório do réu.
Trata-se de medida processual confortadora daquele que possui alegação
verossímil a seu favor, podendo, durante o curso litigioso, obter provimento antecipatório que
lhe seja favorável, sem ser compelido a aguardar o momento da sentença judicial para que seu
pedido seja analisado.
Antecipam-se, pois, os efeitos do provimento jurisdicional.
A antecipação da tutela adveio da reforma processual de 2002, sendo uma nova
manifestação do sincretismo, ou seja, a utilização de um único processo para se efetivar o
direito.
Em se tratando de apuração de haveres, ela possui espaço reservado, em especial
no que diz respeito ao reembolso do sócio retirante da sociedade. Trata-se de instituto bastante
utilizado para evitar que o mesmo fique privado de seu capital social após retirar-se dela219.
Como mencionado por Luiz Fernando Pereira220, Cândido Rangel Dinamarco
entende tratar-se de “uma arma poderosíssima contra os males corrosivos do tempo no
processo”.
Sob todas as formas é explorado, seja para receber parcialmente os haveres
enquanto se encontram as partes no período de litigiosidade - a título de adiantamento da
218 BRASIL, op cit, 1973. 219 RIO GRANDE DO SUL, op cit, 2000; SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2005030.715-0, 15 dezembro 2005; SANTA CATARINA, Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Apelação Cível nº 2002.017907-3, 13 fevereiro 2003; SÃO PAULO, Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento nº 576.005.4/4-00, 24 junho 2008b; MINAS GERAIS, Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Apelação Cível nº 2.0000.00.365887-1/000(1), 11 junho 2002. 220 PEREIRA, Luiz Fernando C. Medidas urgentes no Direito Societário. São Paulo: RT, p.189, 2002.
89
participação nos lucros acumulados, por valor mensal fixado - seja para que, de uma só vez,
receba a totalidade que lhe é de direito221.
Então, faz uso da tutela antecipatória para receber, de antemão, os valores a que
terá direito quando de futura decisão dissolutória. Por óbvio, não se dá de ofício, já que não
existe antecipação de tutela sem requerimento do interessado.
Por sua vez, em relação ao tema em estudo, o transporte dos provimentos
emergenciais para fixação da data inaugural de levantamento dos haveres é fato apoiado por
Luiz Fernando C. Pereira222. Segundo ele, as tutelas de socorro - em sentido genérico -
possuem aplicação ampla, utilizadas para outros casos que não somente aqueles em que se
antecipam valores.
São suas palavras: “nada obsta, portanto, a concessão de provimento cautelar no
âmbito da apuração de haveres, não obstante com objetivo diverso da antecipação do
pagamento da soma em dinheiro, o que determina diversidade de provimentos abordados”.
Como se vê, nada impede a sua aplicação no estabelecimento do dies a quo da
contagem dos valores devidos ao sócio retirante.
Importante registrar que, diante da reforma processual de 2002 introduzindo o
instituto da antecipação de tutela, há quem entenda que as medidas cautelares vêm perdendo
espaço na prática, já que, em um único processo, pode-se obter o provimento emergencial
adequado para satisfazer o direito e garantir a efetividade do futuro provimento jurisdicional.
Como mencionado, trata-se de manifestação do procedimento sincrético.
A esse respeito, Luiz Fernando C. Pereira217 preconiza que “com a codificação da
antecipação da tutela, não há mais espaço para esse tipo de cautelar. É possível, agora,
preenchidos os requisitos do artigo 273 do Código de Processo Civil, a antecipação do
pagamento da soma em dinheiro em ação de dissolução parcial, antecipando o pagamento dos
haveres que só seriam objeto de posterior ação de execução”.
Não obstante respeitável opinião doutrinária, assevera-se que não há vedação
alguma ao uso das cautelares como forma de se antecipar o provimento jurisdicional e seus
efeitos. Deve-se enxergá-la, sim, em conjunto com a tutela antecipatória, como duas
possibilidades de exercício do direito. 221 Em sentido contrário COELHO, op cit, 2005, p.470, afirmando ser cabível a apuração somente após o trânsito em julgado:“atentar para os dois lados da questão possibilita, assim, perceber a impropriedade de certas decisões interlocutórias que insistem na realização da prova pericial para avaliação do patrimônio da sociedade, durante a instrução do pedido de dissolução parcial. À semelhança do que a lei fixa para a dissolução parcial total – CPC/39, art. 656, primeiro deve o Juiz proferir sentença que desconstitua o vínculo societário ou dê pela improcedência do pedido. Após, o trânsito em julgado da decisão dissolutória, e apenas nesse caso, se ainda permanecerem os sócios contendendo, realiza-se a apuração judicial de haveres”. 222 PEREIRA, op cit, 2002, p. 189.
90
As cautelares vêm sendo utilizadas naqueles casos em que, antes de ser proposta a
ação dissolutória parcial, o sócio retirante também constata a rápida ação dos remanescentes
no sentido de alterar o capital social da sociedade para prejudicá-lo financeiramente.
Basta que se comprovem os seus requisitos, os pressupostos indeclináveis para a
concessão de medidas cautelares, quais sejam: a ameaça do direito da parte e o fundado receio
de lesão grave e de difícil reparação.
É o que expõem os artigos 798 e seguintes do Código de Processo Civil223.
As cautelares vêm sendo utilizadas nas mais variadas formas. Podem ser
nominadas, citando-se como exemplos as cautelares de arrolamento de bens, produção
antecipada de prova, busca e apreensão, exibição de documentos e outras ou, por outro lado,
inominadas, aquelas que estarão inseridas no âmbito do poder geral de cautela conferido ao
julgador, citando-se como exemplos o pedido de pagamento de pró-labore e lucros.
Logo, ambos os institutos, seja a tutela antecipada, seja a cautelar, podem ser
utilizados para a proteção do sócio retirante, um não excluindo o outro, ambos também
encontrando previsão na lei adjetiva.
3.6.2 Dia inicial para se apurarem haveres quando utilizada a tutela antecipada ou
procedimento cautelar
No que diz respeito à utilização dos institutos para se fixar antecipadamente o
momento em que apuráveis os haveres, muito embora os objetivos de proteção do valor
patrimonial devido ao sócio retirante sejam os mesmos tanto na tutela antecipatória quanto na
cautelar, há diferenças a serem ressaltadas.
3.6.2.1 Tutela antecipada
Em se tratando da utilização da tutela antecipada para estabelecimento da época de
levantamento de valores, a discussão ganha relevância exclusiva nos casos em que há, de fato,
instauração de litígio para se verificar a ocorrência ou não da causa que justifique o
afastamento do sócio do quadro associativo. São os casos de dissolução parcial por exclusão
223 BRASIL, op cit, 1973.
91
judicial proposta pela sociedade, em que há amplo contexto probatório para se confirmar a
presença da justa causa para justificar a exclusão.
Logo, em outros casos, como o exercício extrajudicial do direito à dissolução -
tanto na retirada quanto na exclusão -, dissolução de pleno direito ou no caso do evento morte,
não se aplicaria a tutela antecipada.
Explica-se.
Nessas hipóteses, já se pincelou que o momento de fixação dos haveres deve,
prioritariamente, ser antecipado para a época da notificação ou ciência - nos três primeiros
casos - e para o momento do óbito no último. Todos eles se encontram excluídos do instituto
da antecipação de tutela porque, em nenhum, há procedimento judicial promovido.
O período de fixação do afastamento na ciência deliberada ao interessado, por si
só, é suficiente para gerar o início da contagem do prazo para apurar haveres. Nas exclusões
extrajudiciais, quando da ciência pela notificação; na morte, quando do óbito.
A inviabilização da tutela cautelar se dá porque a comunicação da intenção de
retirada ou exclusão, bem como a data de apuração de haveres, se dão no mesmo momento,
sendo concomitantes. A antecipação de tutela, se requerida, seria posterior e inoperante,
dispensável. Não há, portanto, espaço para a antecipação de tutela.
O mesmo ocorre quanto ao exercício do direito de retirada. Já se analisou
anteriormente que o momento em que o sócio se afasta da sociedade é o que deve ser levado
em conta para apurar haveres. Esse momento se dá, então, quando da citação, se sobrepondo
ao ajuizamento da ação, por ser o critério mais técnico.
Todas essas ponderações elegendo os respectivos momentos de apuração dos
haveres como sendo nos casos de exclusão extrajudiciais, morte e direito de retirada,
respectivamente, a notificação, óbito e citação serão, em momento oportuno, devidamente
justificadas quando forem apontadas como os melhores critérios para serem adotadas. Porém,
devem aqui ser antecipadamente demonstradas para se justificar a dispensabilidade que fazem
da utilização do instituto da antecipação de tutela.
Então, a viabilidade da aplicação da tutela antecipada para fins de se fixar o
momento em que se apurarão os haveres se verifica mesmo naqueles casos em que se exige
longo e moroso processo judicial para se firmar a dissolução parcial, ou seja, nos casos de
exclusões judiciais, como já adiantado. São os casos de cometimento de falta grave,
incapacidade superveniente, ausência de previsão de justa causa ou exclusão de sócio
majoritário.
92
Aqui, mais que em qualquer outro caso, a antecipação da tutela é imprescindível.
Nesses casos, o trânsito em julgado marcando o início do dies a quo de apuração de haveres
perderá espaço, em especial quando se constata a inexistência do perigo de irreversibilidade
do provimento a ser antecipado.
A tutela antecipada poderá atuar positivamente para amenizar, antecipadamente, os
prejuízos financeiros causados com o moroso andamento do processo judicial que culminará
na ocorrência do trânsito em julgado.
Ora, no caso de exclusão judicial, a relação envolvendo os sócios encontra-se
desgastada, sensível às discussões, brigas, ofensas.
Diante de tais fatos, antecipando-se o momento dos haveres para data anterior ao
trânsito em julgado, estará se evitando que, no decorrer do andamento processual, possam os
demais sócios se valerem de expedientes maculadores da real situação financeira do ente
societário para levar a crer o Magistrado que nada resta a pagar ao desligante.
Assim, desde que comprovada a verossimilhança da alegação de fundado dano
irreparável ou probabilidade de sua ocorrência, pode o sócio que está sendo excluído se valer,
antecipadamente, da tutela emergencial e proteger a “fatia” a que fará jus quando se operar o
trânsito em julgado, antecipando o momento de apuração dos seus haveres.
Mesmo que pago posteriormente, em fase liquidatória, fixa-se o momento de
apuração quando proferido o despacho saneador, por exemplo, antecipando a tutela para tal
data e se evitando o inconveniente de encontrar resultado negativo quando do futuro
reembolso ao sócio submetido ao processo excludente.
Tais fatos exigem que, ao ser proposta a ação dissolutória pelo ente societário, o
sócio já comprove, na contestação, a necessidade de antecipação da tutela, comprovando a
ocorrência dos requisitos que são exigidos pela lei adjetiva.
A partir de então, no mais tardar em sede de despacho saneador, poderá o
Magistrado antecipar o momento de apuração dos haveres devidos ao sócio e evitar, com isso,
prejuízos ao montante que lhe é de direito.
Antecipada a tutela, sendo preenchidos os requisitos, em especial a inexistência de
perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, a data do deferimento do pedido será
aquela tomada como base para se apurarem os haveres, como se vê do seguinte julgado224:
“Sendo indiscutível que o segundo apelante só foi afastado da sociedade pela decisão
224 RIO DE JANEIRO, op cit, 1997.
93
antecipatória da tutela, datada de 15.08.96 (fls. 250), bem andou também a douta sentenciante
ao estabelecê-la como termo inicial da apuração dos haveres”224.
Referido entendimento é, no presente estudo, adotado para
fins conclusivos, eis que se apresenta como o mais condizente com o entendimento
doutrinário de que a época de apuração dos haveres deverá ser contemporânea à saída do
sócio.
Trata-se de entendimento que, repita-se: aplica-se somente nos casos de exclusões
operadas judicialmente e que exijam litígio para dissolver a sociedade limitada.
3.6.2.2 Medidas cautelares
Cabível em qualquer hipótese em que se pretenda proteger direitos, tem-se nas
medidas cautelares - como na tutela antecipada - a possibilidade de garantir a efetivação
futura do provimento jurisdicional.
Ao se analisar o exercício do direito de retirada judicial, adotou-se a citação como
o melhor a ser utilizado. Reporta-se aqui a tudo que lá se expôs a esse respeito. A citação
seria, então, o critério a ser adotado para se afastar o sócio e, também, para se apurarem os
seus haveres.
O mesmo ocorrerá se proposta medida cautelar em procedimento preparatório para
prevenir os haveres de sócio que pretende se desligar da sociedade.
Será a citação, na cautelar, aquela que marcará o afastamento do sócio da
sociedade, bem como o início da contagem do prazo para se levantar o valor que seria cabível
ao retirante.
Através da citação se opera a certificação do destinatário quanto ao interesse do
sócio em se retirar da sociedade.
Trata-se de afirmação que acompanha o entendimento doutrinário, embora
genérico, de que os haveres devem ser apurados quando o sócio se afasta da sociedade.
Se se propôs ação cautelar, é porque em 30 dias deverá propor a ação principal,
qual seja, dissolutória. Porém, quando ajuizada esta segunda, o sócio já estará afastado
fisicamente do quadro associativo da sociedade por ocasião do ajuizamento da cautelar
visando à antecipação do momento de apuração dos seus valores.
Mesmo porque, se teve a iniciativa de ajuizar procedimento preparatório, é porque,
de fato, objetivava abandonar a sociedade futuramente, perdendo a condição de sócio. Logo, a
94
comunicação desse fato já basta para se fixar o momento do afastamento e, então, dos seus
haveres.
Por outro lado, se proposta ação excludente de sócio pelo ente societário, reitera-se
o que se expôs quando da análise da antecipação de tutela. O trânsito em julgado, considerado
como sendo o marco para se contar haveres, pode se afigurar tardio.
Não restam dúvidas de que, então, no procedimento cautelar, a citação também
seria o mais adequado critério, prevenindo e conservando direitos.
Poderia se cogitar de que o trânsito em julgado é o único capaz de dar caráter
definitivo ao provimento jurisdicional que dissolveu parcialmente a sociedade, sendo assim, a
melhor época de apurar haveres.
Isso é fato.
Porém, cederá espaço à citação se comprovados a real ameaça aos haveres do
sócio indesejado e o perigo da demora do provimento jurisdicional, como se entendeu para o
caso da tutela antecipada.
Logo, ocupará a citação na medida cautelar a função de suavizar os prejuízos
financeiros causados ao sócio excludente com o longo período em que as partes litigarão,
sendo ela o dies a quo para se apurarem os haveres.
Nas ações de arrolamento de bens, produção antecipada de provas, exibição de
documentos, seqüestro, busca e apreensão, a citação é a mais técnica e adequada data em que
se deverão apurar os haveres do sócio.
Semelhantemente entendeu o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro225 ao
mencionar que “o termo a quo dessa exclusão, pois, é a data do aforamento da cautelar prévia
de busca e apreensão, quando patenteada restou a falta da affectio societatis”.
Entretanto, o julgado em questão diferenciou-se do que se afirmou anteriormente
porque optou por adotar o momento de apuração como sendo o ajuizamento da ação, não se
afigurando correto diante da escolha da citação como o mais técnico, o que deveria ocorrer até
mesmo em sede de ações cautelares preparatórias.
Por fim, sob a hipótese da cautelar ser promovida incidentalmente, a data do
deferimento do pedido - como na antecipação da tutela - será a que se tomará como base para
apurar os haveres do sócio desligante.
225 RIO DE JANEIRO. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apelação Cível nº13382/200, 07 novembro 2000.
95
3.7 A Arbitragem e sua utilização para definição do dies a quo para levantamento dos
haveres
Regulamentando o permissivo constitucional bem como o Código de Processo
Civil de 1973226, surgiu a lei nº 9.307 de 23 de setembro de 1996227 apresentando o instituto
da arbitragem como sendo uma manifestação da vontade das partes, objetivando compor
determinado litígio por meio da escolha de um árbitro, terceiro estranho ao conflito e sem a
mínima relação com os interesses conflitantes, que julgará a qual das partes o direito assiste,
por meio de uma sentença com força de coisa julgada e título executivo.
Exige-se, portanto, se trate de direito patrimonial disponível, atuando a arbitragem
como um substituto da jurisdição ou um “equivalente do processo civil”, nos dizeres de
Carnelutti228.
Duas são as possibilidades de utilização da via arbitral. A primeira delas, a
denominada cláusula compromissória, é aquela em que as partes, de comum acordo, se
comprometem a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativamente a tal
contrato. Outra forma de instauração do procedimento arbitral é o denominado compromisso
arbitral, tendo por peculiaridade o fato de ser instaurado após o surgimento de uma
controvérsia pelas partes, ao contrário da cláusula compromissória, celebrada antes do
surgimento da lide.
Porém, a discussão que nesse contexto se apresenta importante é a utilização do
instituto na seara societária, em especial para especificar o momento de apuração de haveres
do sócio desligante.
Como informado alhures, a omissão legislativa acerca da previsão dos direitos do
sócio desligante durante o processo de apuração de haveres vem sendo motivo de incentivo à
doutrina e jurisprudência no intuito de se buscarem outras alternativas que possam manter
intacta a fatia societária cabível àquele sócio retirante.
Para tanto, na defesa dos interesses econômico-jurídicos do retirante bem como na
definição do momento em que apuráveis os haveres, a arbitragem pode ocupar papel
sobremaneira importante para se atingir tal objetivo.
Muito embora pouco adotada na seara judicial liquidatória, diante do fato de que
nele o laudo pericial assume relevante importância nas discussões judiciais, sendo, assim,
226 BRASIL, op cit, 1973. 227 BRASIL. Lei n° 9.307, de 23 set. 1996. Dispõe sobre a arbitragem. Diário Oficial, Brasília, 05 fev. 1997b. 228 CARNELUTTI, Francesco. Instituciones del processo civil. Trad. esp. de Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires: El Foro, v.I, p.115, 1997.
96
prova decisiva na solução de questões envolvendo a apuração de haveres, destaca-se que a
arbitragem poderia, por outro lado, contribuir para a mais rápida solução dos conflitos
societários e, via de conseqüência, para a redução do número de feitos judiciais em trâmite.
Isso porque deliberação social nesse sentido pressupõe, nos dizeres de Pedro A.
Batista Martins229, o atendimento à finalidade da própria pessoa jurídica, qual seja, a
conveniência de uma deliberação que espelhe o escopo comum.
São as palavras do autor mencionado:
Destarte, não vejo, a priori, violação ao princípio do interesse comum a deliberação que importe em fixação, por maioria, de cláusula compromissória para afastar o Poder Judiciário das controvérsias que surjam entre os sócios e a limitada. Não há, nessa alteração societária, ato que comporte dano patrimonial ou político aos envolvidos. Ao contrário, o que se quer é dar velocidade e segurança à solução das questões controversas, para o próprio bem da organização social229.
De acordo com o doutrinador em questão, a deliberação arbitral se alinha
perfeitamente aos elementos do ato jurídico, quais sejam: possibilidade concreta de realização
da prestação, licitude, determinação, inocorrência de violação aos bons costumes, forma
contratual e escrita, agentes capazes.
Ora, se de fato a nova legislação civil demonstrou claramente a proteção do
legislador ao sócio que se retira da sociedade, a ele conferindo balanço especialmente
levantado à época da saída, permitindo, ainda, o seu amplo direito de defesa, não se pode
permitir a vedação de se estabelecer, pela arbitragem, o momento em que os seus haveres
serão apurados, eis que, de fato, a utilização do instituto na seara societária possibilita a
manutenção do mesmo objetivo do legislador civil, qual seja: o incentivo à criação das
normas protetivas do sócio desligante.
Por quais motivos estaria vedada cláusula compromissória que fixasse a data
inicial em que os haveres do sócio seriam apurados quando verificada a dissolução parcial
societária e, assim, se protegesse o retirante da adoção de um outro momento - a ser fixado até
mesmo por uma sentença judicial - que lhe seja prejudicial?
A arbitragem é instituto plenamente cabível no mundo globalizado em que se vive
nos dias atuais. Já não se permitem mais discussões judiciais que podem ser facilmente
solucionadas pelas próprias partes, reduzindo os custos estatais e o elevado número de feitos
judiciais em trâmite.
Buscam-se soluções rápidas, técnicas, sigilosas, informais, menos onerosas,
especializadas tecnicamente, o que o procedimento arbitral pode facilmente oferecer. 229 MARTINS, Pedro A. Revista de Direito Mercantil. São Paulo, v.126, p. 64, abr/jun. 1995.
97
Como já mencionado, as várias decisões proferidas acerca do momento de
apuração dos haveres dificultam ainda mais a fixação de uma época justa, adequada,
reclamando as partes a utilização de um procedimento em que ambos, não só um dos
interessados, se vejam satisfeitos com a decisão proferida.
Não é o que ocorre na grande maioria das vezes nos conflitos judiciais societários.
Longe de se abordarem as opiniões desfavoráveis acerca do procedimento arbitral
nas hipóteses dissolutórias, a claúsula compromissória ou o futuro compromisso arbitral,
acaso interessados os sócios, se prestariam somente para fixar o momento em que apuráveis
os haveres do sócio em caso de futura dissolução.
Não irá se adentrar nas discussões que poderiam levantar polêmicas, como as
causas que impliquem o rompimento do elo subjetivo dos sócios, mas, sim, quando os seus
valores serão apurados, hipótese bem menos tormentosa de se solucionar.
Nada, absolutamente nada estaria a prejudicar qualquer um dos sócios ao se
estabelecer o procedimento arbitral nesse caso.
Ao contrário, ponderar-se-iam dois valores em confronto: a defesa dos interesses
do sócio retirante e, de outro lado, a manutenção da sociedade como produtora de riqueza,
compatibilizando-os.
Bastaria que se perseguissem os interesses dos pactuantes e os requisitos formais
que validam a arbitragem, entre eles a indicação do momento em que apuráveis os haveres em
caso de dissolução parcial, a boa-fé de todos, o árbitro a julgar o feito, entre outros.
A fixação do marco inicial da apuração dos haveres, como qualquer outro negócio
jurídico, baseia-se em um acordo de vontades decorrente do princípio de contratar e da livre
iniciativa da atividade econômica, ambos consagrados na Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988230.
Os únicos limites aplicados ao instituto arbitral seriam a ofensa à ordem pública e
aos bons costumes, devendo se curvar a esfera empresarial à legislação societária em vigor.
Por sua vez, o juízo arbitral não exclui os meios, processos ou ações conferidos
aos sócios, muito menos prejudica a busca do Poder Judiciário para verificação das decisões
lá proferidas.
Não há, portanto, como afastar o instituto da esfera societária.
230 BRASIL, op cit, 1988.
98
A resistência à utilização do procedimento arbitral no Brasil, atualmente, ainda se
faz bastante presente quando se comparam com países como os Estados Unidos da América,
em que, em 1920, já havia sido superada231.
Tal fato poderia ser compreendido diante da cultura conflitante já enraizada no
brasileiro.
Porém, permitir que o Poder Judiciário se mantenha assoberbado de processos
judiciais envolvendo as mais variadas discussões, entre elas a apuração de haveres e o
momento em que são levantados, quando há, em pleno vigor, um procedimento legalmente
admitido que poderia contribuir para a celeridade dos feitos, é fato, no mínimo,
incompreensível.
3.8 Apontamento do critério mais adequado para se definir a época em que apuráveis os
haveres
Longe de se pretender afirmar qual seria o único critério aplicável quando se
define a data em que apuráveis os haveres do sócio desligante, mesmo porque a jurisprudência
demonstrou não haver nenhuma uniformidade, o que se ousará enfatizar neste tópico é a
eleição do momento mais adequado para que os valores em questão sejam levantados.
Para tanto, levar-se-ão em conta tanto os interesses do sócio retirante como os da
sociedade, de acordo com cada causa dissolutória que dera origem à saída, dividindo-se a
análise em momento anterior e posterior ao ajuizamento da ação de dissolução parcial.
3.8.1 “Antes” de ajuizada ação dissolutória
Se anterior ao processo judicial, a ciência da intenção de ruptura do vínculo
associativo pela notificação - seja por iniciativa do sócio em se retirar, seja por iniciativa da
sociedade em excluí-lo - é a que mais vem sendo adotada na prática, dando-se a ela plena
validade o ordenamento jurídico, até mesmo quando é utilizada já estando em curso ação
dissolutória.
231 MARTINS, Pedro, op cit, 1995, p.74.
99
O mesmo procedimento notificatório se aplica para excluir sócio declarado falido
ou com suas quotas liquidadas, por se tratar de espécies de exclusão extrajudicial.
A notificação tem a nítida finalidade de prevenir responsabilidade, prover
conservação de direitos e, ainda, manifestar a intenção de um ato de modo absolutamente
formal, ato este que culmina no abandono da vida societária.
Ela é o modo pelo qual alguém vem a cientificar outrem de um fato que a este
segundo venha a interessar. É a provocação para que faça ou deixe de fazer alguma coisa.
Portanto, uma vez recebida, produz efeitos imediatos
Muito embora os Cartórios de Títulos e Documentos disponibilizem serviço de
notificação, não se afigurará ilícita a notificação enviada via correspondência, telegrama ou
por outro meio hodiernamente utilizado, desde que comprovado o recebimento do
destinatário.
Porém, em um único caso a notificação perde espaço. Seria a hipótese em que,
mesmo cientificado o sócio ou a sociedade, há posterior deliberação assemblear para firmar o
afastamento do sócio.
Como se vê, o ato de afastamento não ocorreria quando da notificação, mas, sim,
da data da reunião realizada. As vantagens da adoção do procedimento assemblear são
significativas.
É que, convocadas as partes, podem elas livremente pactuar a saída do retirante,
alterando o contrato social a esse respeito e encaminhando-o a registro no órgão competente.
Em um único ato, várias decisões são tomadas: primeiramente, o afastamento
físico do sócio, seja por exclusão, seja pelo exercício do direito de retirada; secundariamente,
a imediata fixação do momento em que seus haveres serão levantados.
As vantagens desse procedimento são ainda mais nítidas quando contribui para o
afunilamento das possibilidades concretas de manobras dos sócios remanescentes,
tendenciosas ao esvaziamento patrimonial da sociedade.
É que, pela deliberação assemblear, já se permite deixar registrada pelo sócio
desligante a real, atual e verdadeira situação patrimonial da pessoa jurídica, a partir da análise
dos seus livros e registros contábeis, os quais ainda se encontram à sua disposição.
O que ocorre na maioria das vezes é que, após externada a intenção de se desligar,
passa a ser vedado o ingresso do sócio nas dependências físicas da sociedade, não diferente
dos documentos contábeis, que exprimem a sua situação patrimonial.
Logo, deliberando a saída em assembléia especial designada, tolhe-se a intenção
inescrupulosa dos sócios que remanescem no ente societário - por sinal, fato comumente
100
verificado na prática - de prejudicar o valor a ser reembolsado ao sócio desligante por meio da
ocultação da situação patrimonial da sociedade.
Tal fato poderia ocorrer se fosse enviada notificação comunicando o desligamento,
o que justificaria a atitude dos sócios remanescentes de vedar, a partir de então, o acesso do
retirante aos dados e documentos que lhe permitam apurar o justo valor do seu reembolso.
De outro norte, a designação de assembléia seria uma ótima oportunidade para que
a sociedade, que continuará atuando, possa se ver beneficiada ao obter agradável fixação do
dia inicial para levantamento dos haveres, condizente com sua situação financeira, em nome
do princípio da sua preservação. Se em crise, pode-se desde já entabular uma data mais
próxima dos seus interesses, se concordes as partes.
Os interessados fixariam, assim, a época que atendesse às necessidades de ambos.
O modo, forma de pagamento, seria outra alternativa viável de ser concretizada na deliberação
designada.
Prestaria também para regulamentar o dispositivo legal do artigo 1.085 do diploma
civil, o qual exige convocação de assembléia e ciência do acusado em tempo hábil para que
exerça o direito de defesa em todas aquelas hipóteses em que seja deliberado pela sociedade
excluir o sócio em virtude de atos que estão pondo em risco a continuidade da sociedade.
Logo, como se vê, somente após o fim da reunião convocada é que se poderá
considerar o sócio excluído e, portanto, proceder-se à alteração contratual e registrá-la.
O encaminhamento posterior ao registro faz operar efeitos perante terceiros e,
então, perda pelo sócio desligante, em definitivo, da condição de integrante do quadro
associativo.
A alternativa de deliberação assemblear, assim, seria a melhor e mais justa
alternativa que se ajustaria às hipóteses de dissolução parcial ocorrida em virtude do exercício
do direito de retirada, exclusão, dissolução de pleno direito, todas elas na modalidade
extrajudicial.
Deveriam as sociedades adotar referida prática. Se adotada, deve prevalecer como
a data inicial para fins de apuração de haveres sobre qualquer outro momento, inclusive a
notificação.
Já quanto ao evento morte, muito embora a regra geral elegendo a data do óbito
venha sendo acolhida, é perfeitamente admissível que o contrato social possa se sobrepor a
ela, desde que nele seja pactuada a eleição de uma data não muito distante do dia do
falecimento.
101
Como exposto, quanto mais tempo se passar, mais oportunidade tem o sócio, e por
que não, a própria sociedade, de se enriquecer ilicitamente. Aquele, por meio dos benefícios
de lucros inesperados surgidos para o ente societário nesse interregno; esta, pela possibilidade
que terá de esvaziar o patrimônio da sociedade para evitar pagamento de haveres aos
herdeiros.
O mesmo fato ocorreria se eleita a data da recusa dos sócios em ingressar na
sociedade, ou seja, dissenso.
É mesmo do óbito que, fisicamente, houve o afastamento do sócio.
3.8.2 “Após” ajuizada ação dissolutória
Em se tratando de dissolução parcial em que ocorre o afastamento do sócio em
virtude de ação judicial, a situação é diferente.
No curso do presente estudo já se pincelou a respeito do tema, deixando-se antever
em algumas oportunidades a eleição do critério mais adequado para a justa preservação dos
direitos do sócio e da sociedade.
A citação foi eleita naqueles casos em que há o exercício do direito de retirada
como o meio processual técnico mais correto e que deve, então, prevalecer sobre a data do
ajuizamento da ação.
Evitando redundâncias, aqui se reporta a todo o exposto quando se analisou o
momento dos haveres ao ter o direito de retirada sido exercido por propositura de ação
dissolutória.
Quanto ao pedido de exclusão oferecido pelo ente societário, elegeu-se o trânsito
em julgado como o mais adequado momento para se levantarem haveres nos casos em que o
sócio indesejado ainda exerça suas funções na sociedade.
Somente no caso em que de fato houve o abandono dos atos de gestão pelo sócio
indesejado é que o trânsito em julgado seria descartado. Aí, o marco inicial seria mesmo a
data do abandono.
Logo, poderia ser alegada a ocorrência de contradição na abordagem do tema, já
que o critério do trânsito em julgado fora, em um momento - exercício do direito de retirada -
abandonado. Em outro - na exclusão de sócio que não abandonou suas funções - eleito.
Mas, contradição não há, e sim visão sob um ângulo diverso.
102
É que, na retirada de sócio e no seu exercício por intermédio de uma ação judicial,
não há pedido efetuado pela sociedade em seu desfavor no sentido de se firmar o momento
inicial do seu afastamento da vida social.
O que há é o interesse do sócio de se desvincular do ente societário, interesse este
que pode ser exercido por simples notificação, ou seja, mera ciência do fato.
Se não efetuado dessa forma, ao ser ajuizada a ação dissolutória a citação marcará
o ato de comunicação da sociedade de seu interesse de desvencilhar-se, sem se discutir se tal
ato deve ou não ocorrer, já que se trata de faculdade do retirante.
Tanto é que a sentença possui efeitos meramente declaratórios. Ela não atua como
solucionadora da lide. Só declara fato já ocorrido. Por isso retroage até a citação justamente
porque não constitui nova relação jurídica, ao contrário da exclusão judicial.
Nesses casos, não há como acolher o trânsito em julgado como momento para
apuração de haveres, já que entendimentos e doutrina prevalecentes adotam o afastamento de
fato do sócio como o marco inaugural. E o afastamento ocorreu antes do trânsito. Deu-se
quando da citação.
Já no pedido de exclusão, o que fazem as partes é discutir a ocorrência de falta
grave no cumprimento das obrigações e, em conjunto, mesmo que com animosidade,
exercerem as atividades societárias.
Como dito, o sócio indesejado não abandonou suas funções, aliás, é isso o que
pretende a sociedade ao fundamentar o pedido dissolutório com base no cometimento de atos
graves.
Assim, há contenda, litígio. Então, exige-se toda uma instrução processual para se
certificar de que, de fato, é justa e necessária a exclusão.
A sentença atua solucionado o caso que lhe é trazido, com efeitos constitutivos.
Não há verificação de momento anterior em que ocorre o afastamento do sócio,
como há na retirada.
Somente o trânsito em julgado é que conferirá caráter de imutabilidade aos
fundamentos definidos no provimento jurisdicional e marcará, de vez, o início do afastamento
de fato do sócio indesejado, criando nova relação jurídica.
Naquela - retirada - a sentença só declara válido o exercício de um direito já
efetivado, qual seja: a citação. Nessa - exclusão - segrega-se o quadro associativo ao se
confirmar que o sócio indesejado deve mesmo ser excluído por ter incorrido em algumas das
condutas vedadas pelo direito societário.
103
Tais fatos justificam a adoção do trânsito em julgado como o melhor critério para
se utilizar na exclusão operada judicialmente. Não no exercício do direito de retirada judicial.
Para este, a citação é o momento mais correto para se apurarem haveres.
A liquidação da sentença nem de longe poderia ser eleita, motivo pelo qual é
absolutamente dispensada como critério para se estipular o momento de apuração de haveres.
Ela se trata apenas de uma simples fase intermediária entre o processo de
conhecimento e o de execução, na qual torna líquido o valor devido ao sócio que se
desvincula da sociedade. Não se presta a determinar o afastamento do sócio. Isso se deu muito
antes.
Além do mais, a liquidação posterga ainda mais o reembolso do retirante e
aumenta as chances de dilapidação do seu montante pelos demais sócios.
Se há critério mais benéfico antes que se liquide o julgado, o que é o caso do
trânsito, não há por que ser desprezado.
Quanto às hipóteses de exclusão de pleno direito, não obstante se encontre o
procedimento extrajudicial à disposição da sociedade, acaso ajuizada ação dissolutória, a
citação voltará a ser o mais técnico critério, como já exposto para os casos de retirada
exercida judicialmente.
Por fim, quanto ao evento morte, somente se descarta a data do óbito como o
marco inicial de apuração dos haveres quando os herdeiros ingressam na condição de sócio e,
diante da quebra da affectio societatis, postulam em juízo para dissolver-se a sociedade
parcialmente.
Então, a citação voltará a atuar novamente como o mais correto critério.
104
4 CONCLUSÃO
A escassez de opiniões doutrinárias sobre o tema, aliada aos vários entendimentos
envolvendo o momento em que se pode considerar como marco inicial para que os haveres do
sócio que se desliga da sociedade sejam apurados, servem de impulso à apresentação do tema
proposto para estudo.
Conforme alhures exposto, em sua grande maioria a doutrina tem considerado o
seu momento aquele em que efetivamente o sócio se afasta da sociedade.
Em contrapartida, não estabelece as hipóteses em que pode ocorrer o afastamento,
deixando a cabo da jurisprudência a árdua tarefa de analisar o caso concreto e criar, para o
litígio que lhe foi trazido à análise, o mais adequado momento em que se fixam os haveres do
sócio que da sociedade se afasta.
Apresenta várias decisões interpretando a expressão “afastamento do sócio”,
considerando-o, como visto, ora o trânsito em julgado, o momento de afastamento dos atos de
gestão, ora a época em que ajuizada a ação ou, ainda, em que citado o réu na ação
dissolutória.
Fez-se necessário, portanto, estabelecer, em cada causa dissolutória, entre os
vários critérios sugeridos pela jurisprudência, aquele que melhor condiz com a justeza do
pagamento devido ao sócio desligante e o menor comprometimento dos recursos sociais da
pessoa jurídica que continuará atuando, num âmbito ponderador.
Essa, inquestionavelmente, foi a mais perseguida intenção do presente trabalho.
Para tanto, não se objetivou somente trazer os entendimentos acerca do estudo,
mas, sim e, principalmente, justificá-los e situá-los diante do cenário empresarial, amoldando-
se também a princípios e valores normativos.
A importância do tema se apresenta como estudo dirigido a um assunto que, além
de pouco abordado pelos operadores jurídicos, se destaca contraditório por conseqüência da
boa dose de decisões distintas proferidas pelos Tribunais brasileiros.
A falta de uma legislação pormenorizada acerca da apuração dos haveres contribui
ainda mais para as divergências a respeito.
Nem por isso se impede que seja analisado para fins conclusivos.
O que se pode concluir, após análise de cada um dos critérios apresentados pelos
Tribunais Brasileiros, incluindo-se as Cortes Superiores, é que nas hipóteses de dissoluções
105
parciais extrajudiciais se afigura mais correto e justo firmar o momento de apuração dos
haveres quando da ciência encaminhada ao sócio - acaso seja procedimento excludente - ou à
sociedade - se no exercício do direito de retirada do sócio.
No procedimento extrajudicial se incluem as exclusões provocadas por sócio
declaradamente falido ou que teve suas quotas liquidadas. Ainda aqui, por se tratar de
exclusões operadas de pleno direito, a simples ciência ao sócio já basta para fixar a época de
levantamento de haveres.
Se adotado o procedimento judicial ao se exercer o direito de retirada, o efetivo
recebimento do ato citatório é o que se apresenta mais técnico e encontra, nos Tribunais
Brasileiros, bastante aceitação.
Se postulada em juízo a exclusão de sócio tido pela sociedade como indesejado, o
trânsito em julgado marcará o dia da apuração de haveres, como visto, diante da boa dose
constitutiva do provimento jurisdicional.
Por fim, em caso de óbito, não há como se afastar a data do falecimento como
aquela em que se revelará a mais adequada para apuração de valores devidos aos herdeiros.
Por certo, pode-se afirmar que os Tribunais buscam compatibilizar suas decisões
com a ampla aceitação doutrinária de se considerar a época da apuração dos haveres quando
ocorrido o afastamento do sócio da sociedade.
Mesmo que o apontando como o correto, ao se fixar a época em que os haveres
devem ser apurados, a jurisprudência encontra dificuldades diante da amplitude do critério
doutrinário eleito, bem como pela ausência de regramento legal sobre o tema.
Faltando norma legal direcionadora, não poderia mesmo atuar uniformemente, o
que justifica a variedade das decisões proferidas.
Melhor seria se o instituto fosse devidamente normatizado, mesmo que com
normas gerais relacionadas à apuração de haveres, mas que o fosse.
Facilitaria, sobremaneira, os trabalhos judiciais.
Assim, longe de pretender assumir o papel que incumbiria à lei, o presente estudo
buscou contribuir para uma melhor visão do momento contábil em que se apurarão os haveres
quando se depara com a dissolução parcial na sociedade limitada.
Não se pretendeu afirmar, uniformemente, qual será o critério mais justo a ser
aplicado, eis que as várias causas dissolutórias não permitem fazê-lo. O caso concreto, por
outro lado, poderá ser decisivo na eleição do critério mais correto para se estabelecer a data de
apuração dos haveres.
106
Objetivou-se, sim, sistematizar a jurisprudência e doutrina acerca da época em que
apuráveis os haveres do sócio em um único estudo, que se prestará como fonte de consulta na
seara empresarial.
107
REFERÊNCIAS
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APÊNDICE A: QUADRO SINÓPTICO
MODALIDADE DE
DISSOLUÇÃO PARCIAL
MOMENTO CONTÁBIL DE APURAÇÃO DE HAVERES SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA **Regra geral, de acordo com a doutrina, será o momento do “afastamento do sócio da sociedade”
CRITÉRIO MAIS
ADEQUADO A SER ADOTADO
NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA DE ACORDO
COM O CRITÉRIO ESCOLHIDO
Direito de Retirada
- Extrajudicial : notificação enviada à sociedade; registro da alteração contratual no órgão competente
- Judicial: ajuizamento da ação dissolutória (STJ); citação; trânsito em julgado; notiificação: se encaminhada quando em curso a ação dissolutória.
- Extrajudicial: notificação - Judicial: citação
- Declaratória com efeitos ex tunc retroagindo à época da notificação – até mesmo nos casos em que há envio de notificação quando em curso ação dissolutória (para ambos os casos de retirada, seja judicial, seja extrajudicial).
Morte
- Data do óbito; - no momento em que ocorrida a citação da sociedade na ação de dissolução parcial proposta pelos herdeiros alegando quebra da affectio societatis após ingresso destes na sociedade; - dissenso (recusa de ingresso na sociedade pelos herdeiros ou negativa da condição de sócio); - aquele determinado no contrato social, em geral 30 dias após o óbito.
- Data do óbito, salvo opção de eleição da data em contrato social, desde que não distante da época do falecimento (justamente para se evitar o esvaziamento patrimonial).
- Declaratória com efeitos ex tunc, retroagindo à data do óbito. Se há ingresso dos herdeiros no quadro associativo, será também declaratória, mas retroativa à data da citação na ação dissolutória proposta.
Exclusão
- Extrajudicial: será a notificação enviada ao sócio que está sendo excluído. No caso da sociedade não providenciar a comunicação, somente a partir de quando efetuado o respectivo registro da alteração contratual junto ao órgão competente, salvo o caso do artigo 1.085 do Código Civil, em que o momento será o da deliberação excluidora do sócio. - Judicial: não havendo o abandono da sociedade pelo excluído, será o trânsito em julgado. Já no caso de haver o abandono fático do sócio do quadro associativo, será quando perpetrado o abandono dos atos de gestão. Um outro entendimento é o que diz ser a liquidação da sentença. *Acaso a decisão judicial venha a somente referendar uma exclusão anteriormente deliberada pelos demais sócios, o termo inicial de apuração de haveres será o da ciência da alteração contratual encaminhada ao sócio excluído.
- Extrajudicial: notificação - Judicial: trânsito em julgado se não houve o abandono do sócio. Se ocorrente, será o momento fático do abandono dos atos de gestão.
- Constitutivo-condenatória com efeitos ex nunc: nos casos de exclusão judicial (na qual não há o abandono do sócio das atividades sociais). -Constitutivo-condenatória com efeitos ex tunc: se proposta ação visando à anulação da deliberação social que excluiu o sócio indesejado. -Declaratória: se houver abandono do sócio das atividades sociais antes de proferida a sentença, serão retroativos os efeitos à data em que ciente o excluído da deliberação da sociedade, por notificação, referendo da deliberação em reunião ou registro da alteração do contrato social no órgão respectivo.
Pleno direito
- Notificação enviada ao sócio declarado falido ou que teve suas quotas liquidadas por credor.
- Notificação enviada ao sócio declarado falido ou que teve suas quotas liquidadas por credor.
- Declaratória: se discutida judicialmente, será declaratória com efeitos retroativos à ciência ao sócio falido ou que teve quotas liquidadas.
Previsão Contratual
Aquele previsto em cláusula contratual. O Superior Tribunal de Justiça dá plena validade à criação de normas relacionadas à apuração de haveres, da mesma forma que os demais Tribunais Estaduais.
Aquele previsto em cláusula contratual, desde que não haja violação da lei ou ordem pública.
- Declaratória: retroagindo à data firmada no contrato.