Post on 23-Jul-2016
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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Biblioteca da Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil)
Memória do design no Paraná: ensino [online] / organizadoras: Ana Paula França e Thyenne Vilela. Curitiba: Universidade Positivo, 2015. 104p. Available from <http://http://www.up.edu.br/memoriadodesign>
Memória do Design no Paraná | Ensino
Projeto Gráfico-EditorialDesignUPdesignup@up.edu.br(41) 3317-3236
Bruno Akira SatoCamila Lass BotelhoRoberta A. Perozza
OrganizadorasAna Paula FrançaThyenne Veiga Vilela
TextosAna Paula França
EdiçãoAna Paula FrançaAna Paula Mira
RevisãoToda Letra
TranscriçãoKelly Roncato
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)(Biblioteca da Universidade Positivo, Curitiba, PR, Brasil)
Memória do design no Paraná: ensino / organizadoras: Ana Paula França e Thyenne Vilela. Curitiba: Universida-de Positivo, 2015. 104 p.
ISBN 978-85-8486-133-0
1. Design no Brasil. 3. Design no Paraná. 3. Ensino do Design. I. Ana Paula França. II. Thyenne Veiga Vilela. III. Virgínia Kistmann. IV. Ivens Fontoura. V. Airton Caminha. VI. Dorotéia Baduy Pires.
CDU 744
Impresso no Brasil - Printed in Brazil
ANA PAULA FRANÇATHYENNE VEIGA VILELA
ENTREVISTADOS
Virgínia KistmannIvens FontouraAirton Caminha
Dorotéia Baduy Pires
Curitiba, 2015
ReitorJosé Pio Martins
Pró-Reitor AdministrativoArno Antonio GnoattoPaulo Arns
Pró-Reitor AcadêmicoCarlos Longo
Diretor da Escola de Comunicação e NegóciosRogério Mainardes
Diretor do Núcleo de Ciências Biológicas e da SaúdeRonaldo Hofmeister
Diretor do Núcleo de Ciências Exatas e TecnológicasLuciano Carstens
Diretor do Núcleo de Ciências Humanas e Sociais AplicadasManoel Knopfholz
Coordenador-geral da Pós-GraduaçãoLeandro Henrique Souza
Coordenador de Design de Moda/Projeto de Produto/Projeto Visual Marcelo Catto Gallina
UNIVERSIDADE POSITIVORua Prof. Pedro Viriato Parigot de Souza, 5300Campo Comprido, Curitiba – PR • 81280-330Tel.: (41) 3317-3000www.up.edu.br
APRESENTAÇÃO
O projeto Memória do Design no Paraná nasceu em 2009, com
o objetivo de contemplar a trajetória profissional de designers con-
siderados pioneiros no Estado. Naquela ocasião, os resultados do
projeto foram concretizados devido à colaboração entre os cursos
de Design e Jornalismo da Universidade Positivo. Em 2010, foi pu-
blicado livro e aberta exposição vinculada à Bienal Brasileira de De-
sign, sediada em Curitiba. O sucesso desse empreendimento foi a
motivação para a continuidade das pesquisas e, desde meados de
2012, o projeto iniciou a sua segunda edição com o apoio dos Cur-
sos de Design e do Programa de Iniciação Científica da Universidade
Positivo. A proposta vigente buscou contemplar a experiência pro-
fissional dos docentes pioneiros dos primeiros cursos de Design no
Paraná, estruturando-se em torno da produção de fontes primárias
de qualidade. O projeto apoiou-se na história oral, método aplica-
do em pesquisas históricas de temas e objetos de estudo variados,
destacando-se as realizações vinculadas à Fundação Getúlio Vargas.
No caso específico do projeto Memória do Ensino do Design no Pa-
raná, a adoção do método foi importante para a definição do tipo
de entrevista mais adequado, assim como para o reconhecimento
de aspectos pertinentes a sua efetiva realização.
As entrevistas foram realizadas com os professores Virgínia
Kistmann, Ivens Fontoura, Airton Caminha e Dorotéia Baduy Pi-
res. Virgínia, Ivens e Airton estão entre os primeiros professores do
curso de Desenho Industrial da Universidade Federal do Paraná, em
meados da década de 1970. Dorotéia participou ativamente da fun-
dação do primeiro curso de Design de Moda no Paraná, na Univer-
sidade Estadual de Londrina, no fim da década de 1990. O material
apresentado nesta publicação é uma versão condensada e editada
dos ricos depoimentos recolhidos. Contudo, revela potencialidades
e estabelece diálogos com pesquisas acadêmicas acerca da história
do ensino do design no Brasil.
Agradecemos, especialmente, aos professores entrevistados, pela
confiança no projeto e pelo trato sempre gentil e prestativo. Demais
agradecimentos destinam-se à Universidade Positivo, especialmen-
te representada por Rogério Mainardes, diretor-geral da Escola de
Comunicação e Negócios da Universidade Positivo (ECN), Marcelo
Catto Gallina, coordenador dos Cursos de Design (Design-Projeto
Visual, Design-Projeto de Produto e Design de Moda), e pelo Progra-
ma de Iniciação Científica (PIC/UP). Agradecemos aos professores
Antonio Razera Neto e Re-nato Bertão, responsáveis pela primeira
edição do projeto e, portanto, importantes inspirações para a sua
continuidade. Por fim, devido à cessão de materiais iconográficos,
devemos agradecer a Paula Hattadani, Patricia de Mello Souza, Dul-
ce Albach, Adriana Duderstadt, Carolina Fujita.
Rubens Sanchotene em lançamento do livro Memória do Design no Paraná (2010). Acervo dos cursos de Design da Universidade Positivo (UP).
PREFÁCIO
O ensino do design no Paraná completa mais de trinta anos e mui-
tos dos professores dos cursos superiores iniciais ainda contribuem
para a formação de novos profissionais. Suas experiências e aborda-
gens didáticas atravessaram décadas e servem como testemunho
dos valores e significados relacionados à formação profissional, prin-
cipalmente em Curitiba. A atuação dos designers tem sido ampliada
sensivelmente nos últimos anos, sendo sua inicial vinculação com a
produção industrial significativamente relativizada. Atualmente, o de-
signer tem a possibilidade de atuar em sistemas de várias naturezas,
destacando-se a vinculação a áreas como gestão, marketing e servi-
ços. Além disso, a relação da profissão com novas tecnologias perma-
nece forte em um contexto de veloz transformação de ferramentas,
recursos, interfaces. Diante desse quadro, mostra-se profícuo investi-
gar como se situa o ensino diante de tantas mudanças.
Segundo Stuart Hall (1997), toda atividade social gera seu próprio
universo distinto de significados e práticas, ou seja, tem condições
culturais ou discursivas de existência. As instituições de ensino têm
um papel fundamental na geração desse acervo simbólico. Consi-
derando-se que a atividade profissional do designer não é devida-
mente regulamentada, o curso superior é um modo de legitimação
privilegiado. Segundo o professor e pesquisador na Universidade
Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Rafael Cardoso (2012), os debates
sobre design - o exercício do design ou a qualidade de sua produ-
ção no Brasil - são historicamente pautados pela questão do ensino.
A pesquisa histórica sobre o ensino do design no Brasil mostra-se
em exponencial crescimento. Os esforços de vários estudiosos em
busca do preenchimento dessa lacuna resultam em recentes publi-
cações, como os livros “IAC – Primeira Escola de Design no Brasil”, de
Ethel Leon (2014), e o livro “O ensino paulistano de Design”, de Ana
Paula Coelho de Carvalho (2015). Novas investigações acerca da for-
mação do ensino no país, portanto, postam-se ao lado da obra clássica
de Lucy Niemeyer (2000), “Design no Brasil: origens e instalação”.
Aspectos históricos das escolas de design no sul do Brasil são
contemplados pela pesquisa de João Carlos Vela (2010), dedicada ao
certame de Design de Produto e à perspectiva dos docentes. Mais
recentemente, o livro “Histórias do Design no Paraná”, organizado por
Marcos da Costa Braga e Ronaldo de Oliveira Corrêa (2014), é com-
posto por artigos dedicados a apresentar a história da criação e im-
plantação dos primeiros cursos de design em Curitiba. A empreitada
contou com o levantamento e estudo de documentos e a realização
de entrevistas com personagens que participaram desse processo. O
professor e pesquisador da UFPR, Ronaldo de Oliveira Corrêa (2014),
afirma que o projeto do livro margeou uma articulação entre as disci-
plinas da história e do design por meio da categoria memória.
O projeto Memória do Design no Paraná foi construído a partir de
semelhante premissa e adotou a história oral como método porque
o foco de interesse da pesquisa era a prática didática, o modo de
ensinar, os exercícios em sala de aula, elementos que, muitas vezes,
não são registrados em documentos escritos. Considerou-se que as
versões que os atores poderiam fornecer sobre o assunto seria uma
estratégia adequada para a explicitação de performances de ensino,
tendo em vista a narrativa de elementos tácitos do saber. Abordam-
-se aspectos que ultrapassam indicações oficiais como matrizes cur-
riculares e ementas de disciplinas. Além disso, considerou-se que,
assim como indica Thompson (2002), a evidência oral transforma os
objetos de estudo em sujeitos, contribuindo para uma história mais
rica, mais viva e comovente.
No caso específico da segunda edição do projeto Memória do
Design no Paraná, identificou-se que o tipo de entrevista adequado
era a temática, voltada prioritamente para a participação do entre-
vistado no tema escolhido. O roteiro geral para a entrevista temática
foi elaborado a partir do cruzamento entre os objetivos do projeto
e as questões estudadas por meio de revisão bibliográfica. O resul-
tado gerou um conjunto de perguntas abertas, simples e diretas,
visando certa homogeneidade entre as entrevistas para viabilizar
uma comparação entre elas. As perguntas buscaram contemplar
três dimensões: 1) a trajetória acadêmica e as primeiras incursões
profissionais, 2) o desenvolvimento da prática docente, 3) o ensino
do design e contexto contemporâneo.
O primeiro grupo de perguntas visa favorecer o reconhecimento
da relevância de aspectos da formação de cada indivíduo para a atu-
ação como docente. As perguntas relacionadas à segunda dimensão
visam à abordagem de aspectos diretamente relacionados às práticas
docentes adotadas pelo entrevistado. As questões buscam explorar
tanto as perspectivas sobre a adoção de métodos e referenciais teó-
ricos, quanto os conhecimentos implícitos. Além disso, pretendeu-se
investigar o ponto de vista do entrevistado quanto à matriz curricular
adotada nos cursos de design. O terceiro e último bloco de perguntas
busca obter reflexões mais abrangentes, explorando o ponto de vista
do entrevistado sobre a situação do design e do ensino do design
no Paraná nos dias atuais. A partir do roteiro geral definido, identi-
ficaram-se pontos pertinentes à construção de roteiros individuais,
voltados para a exploração da trajetória particular do entrevistado e
sua importância para a obtenção dos objetivos do projeto.
O projeto Memória do Design no Paraná vinculou-se ao Progra-
ma de Iniciação Científica da Universidade Positivo, contando com
a colaboração de alunos dos cursos de Design. As professoras dos
cursos Ana Paula França e Thyenne Veiga Vilela foram orientado-
ra e co-orientadora do projeto, respectivamente. Na primeira fase,
de identificação dos docentes e construção do roteiro geral, con-
tribuíram as alunas Allana Karolina da Silva e Juliana dos Santos
Fernandes. Em uma segunda fase, acompanharam as entrevistas,
propriamente, as alunas Luisy Guimarães, Barbara Mazur, Luise Gohl
e Suellen Matos. O aluno Rafael Schorr participou parcialmente do
processo, fazendo registros fotográficos de alguns dos encontros.
Virgínia Kistmann foi a primeira entrevistada. Designer, professo-
ra e pesquisadora nos cursos de Design da UFPR e PUCPR, cedeu
sua atenção em duas ocasiões, nos dias 17 e 24 de maio de 2013.
Os encontros ocorreram no oitavo andar do Prédio da Reitoria na
UFPR. O primeiro bloco durou 47 minutos, enquanto o segundo en-
contro perdurou por 1 hora e 17 minutos. As entrevistas com Ivens
Fontoura, professor, pesquisador e crítico de design, vinculado à
UTP e à PUCPR, foram realizadas nos dias 18 de setembro e 02 ou-
tubro de 2013. O primeiro bloco aconteceu na Casa Estrela, no cam-
pus da PUCPR, e durou 1 hora e 37 minutos; o segundo aconteceu
em sua residência e teve a duração de 1 hora e 42 minutos. Airton
Caminha, designer e professor aposentado da UFPR, foi entrevista-
do nos dias 31 de outubro e 06 de novembro de 2013, no Prédio da
Pós-graduação da Universidade Positivo. A primeira conversa durou
2 horas e 4 minutos, e a segunda 1 hora e 53 minutos. A última
entrevistada foi a professora e pesquisadora do curso de Design de
Moda da UEL (1999 a 2014), Dorotéia Baduy Pires. Sua entrevista
ocorreu em uma única ocasião, no dia 30 de outubro de 2013, na
residência de sua mãe, em Curitiba. A duração foi de 3 horas e 11
minutos. Infelizmente, Dorotéia faleceu um ano após o encontro,
em outubro de 2014.
A legitimação da entrevista como fonte documental e sua rele-
vância para futuras explorações acadêmicas foram preocupações
recorrentes durante todo o processo. Segundo Verena Alberti (2005),
coordenadora do Programa de História Oral do Centro de Pesquisa
e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação
Getúlio Vargas (Cpdoc/FGV), a história oral é caracterizada por de-
senvolver projetos de pesquisa fundamentados na produção de en-
trevistas e construção de acervo para consulta pública. Apesar de a
voz dos entrevistados ser o mote fundamental deste livro, o material
aqui publicado corresponde a uma versão condensada e editada dos
depoimentos. De qualquer forma, buscou-se manter a essência dos
conteúdos relatados, assim como certa oralidade dos entrevistados.
A aprovação da versão por eles (ou por seus colegas, amigos e fa-
miliares mais próximos, no caso da entrevista da Dorotéia) faz-nos
considerar que todo o processo valeu a pena.
INTRODUÇÃO
O desenvolvimento do design no Brasil teve relações estrei-
tas com a ideologia nacional-desenvolvimentista, vigente a partir
da década de 1950. Segundo Lucy Niemeyer (2000), o apogeu do
Design no Brasil foi a criação da Escola Superior de Desenho Indus-
trial (ESDI), fundada em 1962, no Rio de Janeiro. A seleção dos alu-
nos na recém-criada escola era criteriosa, visando evitar ingressos
equivocados. Virgínia Kistmann e Airton Caminha, dois dos pro-
fessores entrevistados pelo projeto Memória do Design no Paraná,
passaram por esse processo, encararam os quatro anos de estudo
e formaram-se designers industriais, no final dos anos 1960 e iní-
cio dos anos 1970. Em trechos de entrevista aqui publicada, os dois
professores contam sua experiência na escola carioca, assim como
o papel dela para a inserção de ambos na Universidade Federal do
Paraná (UFPR). Segundo João Carlos Vela (2010), o quadro de profes-
sores dos cursos brasileiros mais antigos de design, como o da UFPR
e o da PUCPR, contou com docentes e ex-alunos da ESDI.
Virgínia Kistmann (2013) ingressou na escola carioca em 1971 e
teve a oportunidade de estagiar na Consul, em Santa Catarina. Nes-
sa ocasião, pôde desenvolver seu trabalho de conclusão de curso
em parceria com a empresa, além de realizar contribuições com a
sinalização da nova fábrica. A decisão por morar em Curitiba favore-
ceu a indicação de seu nome a Adalice Araújo, que, em 1974, criava
o projeto do curso de Artes da UFPR, incluindo Desenho Industrial e
Comunicação Visual (BRAGA; FOLLMANN, 2014).
Airton Caminha (2013) é da turma de 1969. Enfrentou o curso ge-
neralista, mas, em declaração aqui publicada, conta como natural-
mente voltou-se para a Comunicação Visual. Narra a sua experiência
nas oficinas na escola, assim como a relação “de igual para igual” com
os professores. Destaca o clima revolucionário, afirmando que, como
cidadão, melhorou “bastante por causa desse ambiente mais politi-
zado.” Afirma que os fatores mais determinantes para o seu ingresso
como docente na UFPR foram o contato com a Virgínia e a relação
com o campo do design de embalagem. Destaca ainda a contribui-
ção do colega, também ex-aluno da ESDI, Osvaldo Nakazato, para o
alcance de alto nível dos trabalhos realizados pelos alunos das primei-
ras turmas dos cursos de Design da UFPR. Segundo Airton, Osvaldo
trouxe os trabalhos de graduação da ESDI. “Chegou para a primeira
turma, no segundo ano, colocou na mesa e disse: ‘É isso que vocês
têm que fazer. Não pior que isso’. (...) Ele sabia tudo o que se fazia na
ESDI e tinha a perspicácia de entender o que era bom e o que era
ruim, o que deveria ser copiado, o que deveria ser modelo”.
Oficialmente, a propagação do modelo da ESDI deveu-se ao fato
de o primeiro currículo mínimo de Desenho Industrial de 1969, im-
plantado pelo Conselho Federal de Educação, ter adotado a escola
carioca como referência. As raízes da ESDI encontraram-se na Alema-
nha e no design alemão (STOLARSKI, 2005). O currículo da Hochschule
für Gestaltung (Escola Superior da Forma), fundada na cidade de Ulm,
foi transposto para a escola brasileira. Essa postura fazia parte de uma
espécie de programa utópico universalista. Para o estudioso José de
Souza Leite (2008), professor da ESDI e da PUCRio, o modelo era pouco
afeito à realidade, ignorando as vicissitudes locais. Entretanto, em 1975,
já existiam 15 cursos de design no Brasil (seguindo o modelo esdiano).
Incialmente, os cursos de Desenho Industrial e Comunicação Vi-
sual da UFPR estavam atrelados ao curso de Artes. Em sua entrevista,
Ivens Fontoura (2013) comenta sobre esse momento. “Fiz concurso
e passei em primeiro, a Virgínia em segundo e aí fomos trabalhar
com a Adalice na Federal.” Contudo, grande parte das vagas para
professores foi preenchida por professores oriundos de áreas artís-
ticas. Ivens ressalta que, devido a essa inclinação artística, Adalice
Araújo “bateu de frente com o pessoal da ESDI”. Virgínia Kistmann
(2013) reforça o conflito entre a “vertente bauhauseana”, defendida
pela idealizadora do curso de Artes, e a “vertente ulmiana”, repre-
sentada pelos professores designers, formados pela ESDI.
Fundado em 1951, o Instituto de Arte Contemporânea (IAC), foi
a primeira instituição a buscar uma aproximação com a Bauhaus.
Ethel Leon (2014), jornalista e professora de História do Design, in-
dica, no entanto, que tal aproximação com a escola alemã e com o
Institute of Design de Chicago estaria mais de acordo com a vonta-
de de estabelecer uma ponte consistente com o mercado, ou seja,
com o pragmatismo e a racionalidade da indústria, do que com as
utopias oriundas do Arts and Crafts. Pietro Maria Bardi, diretor do
Museu de Arte de São Paulo (MASP), e também professor no IAC,
promovia uma aproximação com o design nos Estados Unidos, re-
dimensionando a importância do alto modernismo europeu na es-
cola. Também em São Paulo, o ensino de design dentro da FAU/
USP era balizado ora por propostas bauhausianas, ora por propostas
ulmianas. Segundo Ana Paula Coelho de Carvalho (2015), a presença
dessas referências era uma característica da faculdade em meados
das décadas de 1960 e 1970.
À revelia de questões teóricas e filosóficas, de maneira geral, o
perfil dos alunos das instituições pioneiras era semelhante. O aluna-
to era composto por semiprofissionais ou pessoas um pouco mais
velhas, em comparação com a média de idade dos ingressantes em
cursos de design, atualmente. Os entrevistados do projeto Memória
do Design no Paraná narram a diferença entre as primeiras turmas
da UFPR e as turmas atuais de graduação. Virgínia Kistmann (2013)
ressalta que no início “era como se estivesse trabalhando junto com
colegas”. Indica como os alunos eram mais maduros, “era uma outra
geração, com uma cabeça mais focada. Hoje é tudo muito aberto,
muitas opções e os alunos são mais infantis. Eles não têm preocupa-
ção em se aprofundar. É mais superficial.” Apesar desse fator, declara
gostar da graduação, sem esconder a troca maior com os alunos
que há na pós-graduação. Em trechos da entrevista, presentes nes-
ta publicação, Virgínia fala sobre algumas abordagens, métodos e
critérios de avaliação. Fala de sua experiência com a Metodologia
de Design, indicando o quanto abordagens consagradas ainda con-
tinuam em voga.
Ivens Fontoura (2013) também estabelece a importância de cer-
tas continuidades. Em partes de seu depoimento, também aqui pu-
blicado, ressalta a importância de técnicas experimentais e manuais.
Narra de modo envolvente o modo como os materiais devem ser
apresentados aos alunos, indicando não haver separação entre teo-
ria e prática: “Você pega um papel e corta, isso é fácil. Mas é preciso
fazer uma pergunta para o aluno. O que é papel? Você conhece a
fabricação? Ele dobra, corta e não sabe. É importantíssimo reconhe-
cer. Assim, entra na história do papel”. Relata também a retomada
do estudo da Teoria da Gestalt e como esse e outros elementos são
importantes para a apreensão da forma e da cor. Em suas palavras:
“Um designer tem que ser sensível. Como essa pessoa vai ser sen-
sível se não faz exercício de sensibilidade?” Atualmente, Ivens Fon-
toura atua nos cursos de graduação da Universidade Tuiuti do Pa-
raná (UTP), e na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Dorotéia Baduy Pires ingressou na PUCPR em 1979 e julgava que
sua maturidade contribuiu para que, logo após se formar, integrasse
o corpo docente do curso que enfrentou. Já tinha 21 anos e era for-
mada em pintura pela Escola de Música e Belas Artes do Paraná. O
curso de Desenho Industrial que enfrentou, nesse momento, era ge-
neralista. Segundo as pesquisas de Humberto Costa, Marcos da Cos-
ta Braga e Aguinaldo dos Santos (2014), as ementas das disciplinas
dessa época revelam que o curso de Desenho Industrial realmente
não tinha uma ênfase específica. Essa abrangência, talvez, tenha
motivado Dorotéia a investir na possibilidade de integrar Design e
Moda. Formada em fashion design na Itália, conta que, quando vol-
tou para o Brasil, “era uma alienígena (...), porque não tinha espaço
de trabalho” (2013). O depoimento para o projeto Memória do De-
sign no Paraná, favorece o dimensionamento de sua contribuição
para a construção do Design de Moda no Estado.
O ensino de Design de Moda no Brasil é mais recente, e estudos
sobre sua construção oferecem referências esparsas. Em “A história
dos cursos de design de moda no Brasil” (2002), Dorotéia Baduy Pires
destaca que alguns dos alunos da ESDI tiveram a oportunidade de
desenvolver projetos acadêmicos envolvendo a área têxtil e do ves-
tuário. Pierre Cardin, relevante criador de moda francês, atuou na
instituição como professor convidado. Contudo, até o ano de 1988,
não foi criado nenhum curso que graduasse o profissional para de-
senvolver os produtos da confecção nacional de roupas. Somen-
te nesse período, grandes mudanças econômicas impulsionaram
o setor têxtil e de confecção e motivaram a criação dos primeiros
cursos técnicos. Dez anos mais tarde, os primeiros cursos superiores
no país foram fundados: na Faculdade Santa Marcelina (FASM), em
1988, e na Universidade Anhembi Morumbi (UAM), em 1990. No Pa-
raná, constam os cursos de Design de Moda na Universidade Tuiuti
do Paraná (UTP), em 1997, e na Universidade Estadual de Londrina
(UEL), no Paraná, no mesmo ano.
Em trechos da entrevista aqui publicada, Dorotéia (2013) fala so-
bre o espírito do “primeiro curso do Paraná” em Londrina, defen-
dendo que o curso tem a “vantagem de ter sido fundado por uma
designer, que chamou designers para a composição do corpo do-
cente, (...) nosso DNA é design.” Conta como adaptava ferramentas
e métodos de design aos produtos de Moda, revelando apurado
senso crítico quanto ao estilismo. Como foi presidente da Comissão
Verificadora da Área de Design MEC/Setec de 2001 a 2006, acom-
panhou intimamente a geração de vários outros cursos no Brasil.
Segundo ela, a maioria dos cursos de graduação optou por um per-
fil que correspondesse às características culturais e econômicas de
suas regiões, favorecendo a inserção do aluno no mercado. Em seus
anos de MEC, afirma ter aprendido que “se alguém tem que ser de-
fendido nessa história, esse alguém é o aluno.”
A cruzada proposta por ela continua em pauta no Fórum das
Escolas de Moda, atrelado à 11ª edição do Colóquio de Moda, sedia-
do em Curitiba, na Universidade Positivo, em setembro de 2015. A
partir desta edição, o Fórum passa a atender pelo nome Dorotéia
Baduy Pires, em reconhecimento ao legado oferecido e em reve-
rência a tão brilhante trajetória, precocemente interrompida.
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Virgínia Souza de Carvalho Borges Kistmann graduou-se em De-
senho Industrial pela Escola Superior de Desenho Industrial do Rio
de Janeiro (ESDI). Tornou-se Mestre em Design pelo Royal College of
Art (RCA), na Inglaterra; e Doutora em Engenharia de Produção pela
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com a tese “A ca-
racterização do design nacional em um mercado globalizado: Uma
abordagem com base na decoração da porcelana de mesa”.
Atualmente, é docente nos cursos de graduação em Design da
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Na mesma ins-
tituição, integra o grupo de pesquisa Design e o Grupo de Estudos
Comunicacionais, onde atua na linha de Pesquisa Gestão e Tecnolo-
gias da Comunicação ou Cultura e Ambientes Midiáticos.
Entre 1975 e 2003, foi professora nos cursos de graduação em
Design de Produto e Design Gráfico da Universidade Federal do Pa-
raná (UFPR). Desde 2005, participa do Programa de Pós-graduação
da mesma instituição, liderando também o grupo de pesquisa em
Gestão de Design do CNPQ. Como professora convidada, ministra a
disciplina Design Management no Mestrado International Interacti-
ve Image da Universidade da Savóia, na França.
KISTMANNVirgínia
Virgínia
KISTMANN24
Uma eterna estudante
Qual foi seu primeiro contato com o design?
O meu primeiro contato com o design foi aos 17 anos. Já estava na
escola normal, me preparando para ser professora, mas eu não queria
ficar só com aquilo. Fiz um curso na Aliança Francesa de História da
Arte e o professor falou sobre o design, uma “nova arte para o povo”,
“arte social”. Eu me encantei por aquilo. Antes, pensava em fazer tal-
vez arquitetura. Mas decidi que não: “eu vou fazer design”. A ESDI era
uma escola nova e eu não passei no primeiro vestibular. Como eu
estava na escola normal, não tinha me preparado e não passei. No
ano seguinte, resolvi fazer um cursinho preparatório. Era um cursinho
específico porque o vestibular da ESDI não era igual aos outros ves-
tibulares, tinha prova de desenho, entrevista, prova de cultura geral,
tinha uma série de coisas que fugiam do vestibular comum. Fiz a pro-
va, passei e estudei lá quatro anos como todo mundo. A minha turma
era muito eclética. Foi um período muito bom.
Não tinha habilitação separada, somente na conclusão do TCC.
Nesse momento, de alguma maneira, você apontava a área que iria
seguir. Eu trabalhei na Consul, fiz o trabalho teórico sobre conforto
Virgínia
KISTMANN25
Anúncio de condicionar de ar Consul. Acervo de Carolina Fujita.
ambiental e já estava na área da ergonomia. Fui aluna de Itiro [Iida]
e gostei das questões ergonômicas. O meu parceiro de trabalho,
na época, foi o Osvaldo Nakasato. Desenvolvemos um aparelho de
condicionador de ar. Foi um produto experimental porque eles só
produziam geladeira no momento. Então, como estava sendo de-
senvolvida a parte de engenharia do novo aparelho, foi feito tam-
bém um design inicial. Esse projeto acabou não sendo utilizado.
Depois, desenvolveram outro produto que foi lançado mais tarde.
Mas foi uma experiência muito boa e o trabalho foi feito dentro da
empresa, todo ele, toda a parte de modelo, protótipo.
Como foi o contato com a empresa?
A ESDI já tinha um contato com a Consul porque o Freddy Van
Camp, como aluno da ESDI, estagiou na Consul. Eu não sei como foi
Virgínia
KISTMANN26
Memória do Design no Paraná | Ensino
o contato com ele, especificamente, mas ele já tinha passado um ano
lá. Não deu muito certo, ele só conseguiu mudar a cor das geladeiras,
fez geladeira vermelha, azul, amarela, e voltou para o Rio dizendo “não
dá, não dá, não tem jeito”. No ano seguinte, solicitaram novamente
outro estagiário, o pessoal da ESDI conversou e decidiu que não iriam
mandar um aluno novamente, mas sim um grupo de professores para
dar um curso sobre o que é design. Foram vários professores da ESDI
para Joinville. Ficaram uma semana. No outro ano, pediram de novo
por um estagiário e então a diretora da escola, Carmem [Portinho],
me chamou e disse: “Virgínia, tem um estágio em Joinville, você não
quer ir? Mas seria bom se fosse mais de um aluno porque a experiên-
cia que temos não é boa. Uma dupla talvez seja melhor.” Eu e meu co-
lega, o Osvaldo, aceitamos. Fomos para Joinville. Era para passarmos
as férias, chegamos em primeiro de janeiro e ficamos até março. Fize-
mos o redesign de uma geladeira que ficou bastante tempo em linha.
Quando o estágio acabou, nós propusemos a eles o nosso trabalho
de conclusão de curso. Eles aceitaram colaborar, então ficávamos um
tempo no sul e um tempo no Rio. Em paralelo ao TCC, fizemos a sina-
lização da fábrica nova, recém-inaugurada, e permanecemos por um
ano. Quando terminou o período, o Osvaldo entrou no mestrado no
Rio e não quis mais ficar em Joinville. Eu tinha um namorado na épo-
ca, que veio para Curitiba, então eu não tinha como ficar morando lá
e também me recusei a continuar. Nós indicamos dois colegas, o Sil-
vio Piropo Darín e a Gracia Melo. Foi ela quem realmente desenvolveu
o design na Consul, que fez a coisa crescer.
Então, no momento em que você se formou, a absorção dos
alunos da ESDI pelo mercado já era maior?
Virgínia
KISTMANN27
Uma eterna estudante
Sim. Mas era predominantemente na área gráfica. Eu acho que
tive muita sorte, comparando-me aos meus colegas. Nessas idas e
vindas, parávamos sempre em Curitiba, e então eu e o Osvaldo co-
nhecemos o Ivens Fontoura. Por intermédio do Ivens, nós conhece-
mos a Adalice Araújo, que foi quem montou o curso aqui na UFPR.
Ela já tinha ido ao Rio, e já haviam falado sobre minha experiência
em Joinville e que eu iria morar em Curitiba. Fizemos contato na
época em que ainda nem existia o curso. Por outro lado, também o
Otto Glaeser da Placas do Paraná falou com o Bergmiller, que falou
sobre mim e sobre o fato de eu ir para Curitiba. Houve o conta-
to com ele e então comecei a trabalhar na Placas e a dar aula na
UFPR. Trabalhei na Placas até 1977, e abri um escritório de design
de produto, aqui em Curitiba, com o meu chefe no momento, e
mais alguns arquitetos. O escritório ficava na Rua XV. Atuamos com
o escritório até 1979. Meu marido estava doente na época e então
entre 1979 e 1982 eu atuei em tempo integral na universidade. Meu
marido faleceu e resolvi fazer o mestrado. Voltei em 1984, retomei
as aulas, continuei com a Ergonomia aqui e, nesse período, come-
cei a pensar que seria bom voltar para a prática. Pedi novamente a
condição de tempo parcial e atuei profissionalmente com design
até 1993. Depois, tive minha filha e precisei de novo de algo mais
estável, voltei a ser tempo integral na universidade.
Como foi esse primeiro escritório em Curitiba? Como foi a in-
serção do design na cidade neste momento?
Eu tinha essa experiência da Consul, mas aqui não havia empresas
na área de eletrodomésticos. Na Placas, eu trabalhei dois anos na área
Virgínia
KISTMANN28
Memória do Design no Paraná | Ensino
Anúncio de refrigerador Consul. Acervo de Carolina Fujita.
de mobiliário, com projetos de cozinhas, desenvolvi um móvel para
dormitório infantil. A empresa era marcada pelo uso de aglomerado
e produção em série. Com o escritório, começamos a desenvolver um
trabalho que meu amigo suíço conseguiu, para a Barzenski, que tinha
uma fábrica no Rio Grande do Sul e estava abrindo uma filial em São
José dos Pinhais. Fizemos todo um trabalho de revisão de linha, de me-
lhorias de produtos do Rio Grande do Sul. Desenvolvemos também
uma linha para a fábrica paranaense. Fizemos projetos de 1977 a 1979.
Nesse período, eu acabei voltando para a universidade.
Virgínia
KISTMANN29
Uma eterna estudante
Virgínia, e essa relação entre teoria e prática? Você acha que
isso favoreceu sua escolha por ser professora? Pela carreira aca-
dêmica?
Eu me tornei professora primária por causa do meu pai. Ele disse
“eu não vou poder pagar sua universidade, você tem que ter uma
profissão, e vai fazer Escola Normal”. Naquela época era profissão de
mulher. “Você trabalha, se quiser fazer alguma coisa depois é por
tua conta.” Eu não queria ser professora, aquilo foi uma coisa meio a
contragosto. Mas o fato de eu ter feito a Escola Normal me deu uma
visão do que era o ensino, como dar aula. Eu tinha aquela formação,
bem ou mal. Quando eu vim para Curitiba, surgiu essa oportunida-
de de trabalhar na Universidade, viabilizada pela Adalice [Araújo]. Eu
era muito jovem, tinha 23 anos e havia alunos mais velhos que eu.
Então, dar aula naquela época era como se estivesse trabalhando
com colegas. Foi uma experiência muito boa.
A universidade sempre meu deu a perspectiva de continuar estu-
dando. Eu acho que é isso que me atrai mais. É a perspectiva de não
parar, de ficar à frente do que o mercado faz. O mercado tem a tecno-
logia, tem os processos, mas em geral a empresa trabalha de modo
restrito. Eu costumo dizer que o professor é um eterno estudante. Hoje,
por exemplo, o fato de eu poder ter estudado me dá a possibilidade de
trabalhar no mestrado e agora no doutorado, com o contato mais pes-
soal do que coletivo. O mestrado e o doutorado dão essa perspectiva
de trabalhar junto com alguém e estabelecer um diálogo com o qual
você aprende muito. Você traz coisas, mas o aluno também traz coisas
para você! É certo que os alunos mudaram muito. Eram alunos mais
maduros, era uma outra geração, com uma cabeça mais focada. Hoje
é tudo muito aberto, muitas opções e os alunos são mais infantis. Eles
Virgínia
KISTMANN30
Memória do Design no Paraná | Ensino
não têm preocupação em se aprofundar. É mais superficial. O aluno de
antigamente era mais aberto para o outro. O aluno chegava, olhava o
professor e pensava que ele tinha algo e por isso estava naquela po-
sição. Ele se perguntava “o que eu posso aprender com esse sujeito?”,
“quais são os conhecimentos que ele tem e que pode me passar?”.
Havia um processo até de submissão do aluno com relação ao
professor. Ele tinha curiosidade de saber o que aquele professor po-
deria agregar, coisas que pudesse levar para o mercado, usar para
alguma coisa. Hoje em dia, na visão do aluno, o professor é como
um site da internet. Ele entra lá, olha, joga fora, vai para outro. Ele é
que tem que dizer se aquele professor tem valor ou não. Não adian-
ta a instituição avalizar. Eu gosto da graduação, neste ano até estou
atuando com turmas muito boas, mas, em geral, eu percebo que é
uma luta maior do que no mestrado ou no doutorado.
A universidade sempre meu deu a pers-pectiva de continuar estudando. Eu acho que é isso que me atrai mais. É a perspec-tiva de não parar, de ficar à frente do que o mercado faz. O mercado tem a tecnologia, tem os processos, mas, em geral, a empre-sa trabalha de modo restrito.
‘Considerando então o perfil dos alunos de hoje, como você
desenvolve as suas estratégias de ensino para a graduação?
Eu não tenho um padrão. Cada semestre eu faço algo diferente.
Eu gosto de experimentar. É uma tentativa de integração entre teoria
Virgínia
KISTMANN31
Uma eterna estudante
Havia um processo até de submissão do aluno com relação ao professor. Ele tinha curiosidade de saber o que aquele profes-sor poderia agregar, coisas que pudesse levar para o mercado, usar para alguma coisa. Hoje em dia, na visão do aluno, o professor é como um site da internet.
‘
e prática, entre o erudito e o popular. Eu tento trabalhar sempre as
duas coisas. Quando eu vim para Curitiba, quando eu comecei, por
causa de minha bagagem de Escola Normal, eu usava uma forma de
ensino apoiada na minha formação. E lógico, tinha minhas experi-
ências como aluna, mas, predominantemente, a da Escola Normal. A
questão da vivência profissional, com certeza, se não me trouxe um
método, me trouxe uma segurança, porque eu já tinha vivido aquele
processo e podia dizer “olha, isso aqui acontece assim”, “no meu caso
eu faria assim”. Então eu acho que esse intercalar da prática com a
teoria, do ensino com o trabalho profissional, sempre esteve presente
nas aulas. Não era uma aula só a partir do livro, de ler algumas coisas,
era uma aula que tinha também uma vivência. Então, eu procurava
trazer isso para a sala de aula. Eu penso que essas questões da curiosi-
dade, da inquietação com relação ao mundo, também são importan-
tes. Agora, por exemplo, ouvi uma música do Gilberto Gil, “A banda
larga do cordel”. Fiz fotocópias da letra e levei para os alunos: “Vamos
ler, é uma música que está no radio e que tem a ver com o conteúdo
da disciplina”. “Então como é que nós vamos entendê-la do ponto de
vista da cultura, da sociedade”?
Virgínia
KISTMANN32
Memória do Design no Paraná | Ensino
E há uma preocupação de que esse tipo de exercício gere al-
gum produto, seja aplicável? Há relação entre definição de tema
e necessidades do mercado?
Depende. Eu já não atuo na graduação da UFPR há algum tempo.
Na PUC, depende da disciplina. Por exemplo, eu já levei disciplina
de prática projetual, um pouco antes do TCC. Lá, o aluno tem que
demonstrar capacidade de se inserir no mercado. Então serão exi-
gidas dele muito mais práticas que demonstrem que é quase um
profissional. De qualquer maneira, eu trago temas como “o comér-
cio justo”, temáticas que não são bem do mercado, mas o aluno
tem que encarar sob esse ponto de vista. Ou, por exemplo, deve
identificar um nicho de mercado que não existe e trabalhar para
aquele nicho. Há essa procura por uma coisa que não está lá no
mercado, não é uma empresa “x” com esse trabalho. Temas partem
de questões “Como é a nossa realidade?”, “Que nichos ainda não
foram trabalhados?”, desenvolvendo esse pensamento estratégico
mais abrangente, diferente daquele focado no operacional.
Orientação de trabalho acadêmico de alunos de Design Gráfico (PUCPR). Acervo de Virgínia Kistmann.
Virgínia
KISTMANN33
Uma eterna estudante
Já a metodologia é uma disciplina de técnicas de projeto. Eu atuo
no Design de Moda; por exemplo, agora, estamos trabalhando com
toy art. No início do semestre, trabalhamos com o tema roupa para
mulher que exerce a função de mecânica de automóvel. Então varia
muito, mas é mais para aplicação da técnica do que para realmente
resolver o projeto. No caso da roupa, os próprios alunos identifica-
ram o tema. Pedimos para que fizessem uma pesquisa exploratória
e um grupo trouxe o tema da roupa, eu julguei que era o mais bem
estruturado e nós o elegemos. Já o toy art foi um trabalho que já
tinha sido feito por outro professor e os resultados foram bons, por
isso o usamos novamente neste semestre.
Quais exercícios você acha fundamentais para oferecer aos
alunos ingressantes? Como os articula em suas disciplinas?
Eu sou uma pessoa muito metódica. A metodologia, para mim,
é uma ajuda. Ajuda a organizar o tempo, o trabalho. Desde o início,
na ESDI mesmo, já havia um enfoque metodológico, mas não era
muito sistematizado. Quando eu vim para Curitiba, logo no primei-
ro ano aqui na Federal, saiu um livro sobre Metodologia. Eu e um
colega o traduzimos do alemão para o português. Se você olhar
aquele documento e comparar com o que existe hoje, não mudou
muito. Então a estrutura metodológica é a mesma. Hoje, existem al-
gumas técnicas novas de projeto, mas aquela estrutura básica con-
tinua. Acho que, como eu atuo hoje e como atuava antes, é mais ou
menos do mesmo jeito. Os alunos têm uma dificuldade no início
do curso, para entender o valor desse processo, mas talvez eles só
venham a reconhecer depois, na atividade profissional. De maneira
Virgínia
KISTMANN34
Memória do Design no Paraná | Ensino
geral, acho que cresceram muito as técnicas de representação. Hoje
a gente tem recursos, tecnologias que não tínhamos antigamente,
de desenhos, modelos. Por exemplo, em um trabalho, em 1974, fi-
zemos uma visita às casas das pessoas para identificar como era o
uso da geladeira. Essa questão do uso e de como as pessoas viam
o produto, isso já havia. Só que eram pesquisas mais diretas com as
pessoas. Descobri, por exemplo, que, em Joinville, as pessoas costu-
mavam deixar sal na geladeira, para tirar a umidade, para que ficas-
se seco; só indo a campo para perceber outros usos dos produtos.
Hoje existem novas técnicas, mas eu acho difícil, no dia a dia, criar
essas novas técnicas. A IDEO se especializou nisso, como uma em-
presa que criou várias técnicas de projeto. Mas acho que na sala de
aula é difícil, especialmente na disciplina de Metodologia.
Se você olhar aquele documento e com-parar com o que existe hoje, não mudou muito. Então a estrutura metodológica é a mesma. Hoje, existem algumas técnicas novas de projeto, mas aquela estrutura básica continua. Acho que, como eu atuo hoje e como atuava antes, é mais ou me-nos do mesmo jeito.
‘Então, quando você trabalha com o público, você apresenta di-
ferentes técnicas já preexistentes e as propõe para o aluno. Como
você espera que eles exercitem na prática aquele procedimento?
Virgínia
KISTMANN35
Uma eterna estudante
Agora, por exemplo, nós trabalhamos com persona. Eu tenho um
amigo que esteve na Alemanha fazendo uma pesquisa de doutorado.
Ele criou uma persona e nós a usamos. Tinha a persona e um software
de uma empresa americana para desenhar o sapato. Havia três situa-
ções de uso do sapato: para uma festa, para viajar, para trabalhar... Você
clicava e construía o sapato para aquela mulher. Eram probabilidades.
Não havia uma empresa de sapatos envolvida, uma empresa real, mas
o trabalho era para que tivessem contato com a técnica, como ela
acontece e como pode ser usada. Estou falando isso no caso da PUC,
porque os alunos enfrentam a disciplina de Metodologia antes da dis-
ciplina de Projeto. A Metodologia é no início do curso.
Eu queria que você falasse um pouco sobre como é transmitir o
conhecimento metodológico que não está disponível na literatu-
ra. Como o referencial teórico e a experiência do próprio professor
como profissional atuante podem ser trabalhados em sala de aula?
Sobre isso, acho que cada professor deve ter uma abordagem di-
ferente, porque isso depende da bagagem individual. Para a persona,
por exemplo, nós focamos o conceito estilo de vida. Como eu parti
da Sociologia para esse estudo de doutorado, eu trabalho com os alu-
nos todos os conceitos da sociologia, como habitus, campo etc. Tra-
balhamos todo o conceito de base sociológica para que entendam
como o comportamento social daquela pessoa pode ser classificado.
A partir daí, usamos técnicas que estão disponíveis na literatura, mas,
em parte, vinculadas à prática (hoje eu já não tenho mais experiência
de mercado, mas alguns dos meus colegas lá da PUC têm e acabam
trazendo esse conhecimento, são outras formas de abordar o pro-
Virgínia
KISTMANN36
Memória do Design no Paraná | Ensino
blema). O que está nos livros e na vivência são elaborados de modo
assistemático e transformado em material de aula.
E não é explícito para o aluno o que vem de cada referência,
da experiência de mercado, do professor, não é? Em um trabalho
de conclusão de curso por exemplo, ele tem que referenciar o
método e não sabe como.
Está havendo um processo grande de mudança, está sendo exi-
gido muito mais agora de um procedimento científico. Por exemplo,
na Metodologia, o aluno já tem que fazer relatório e tem que citar
uma bibliografia. Onde leram, por que usaram, com que objetivo.
Eu sou regrada, então eu acho que isso é importante, tem valor, faz
sentido. Acho que a metodologia é uma ferramenta que estabelece
um diálogo com o cliente para que ele possa acompanhar o proces-
so que está sendo desenvolvido e ter algumas garantias, além das
suas. Se você diz que no dia “tal” vai entregar uma etapa do traba-
lho, pressupõe-se que você fez uma série de atividades até lá, seu
cliente vai te pagar por aquilo, vai aceitar ou não, mas você sabe que
até chegar ali você fez o A, B e C, e ele vai pagar A, B e C. Dá garantia
em termos profissionais. Não que para o cliente seja um diferencial
saber que você usou tal estratégia. Para ele, não faz a menor dife-
rença. Vai importar o resultado dessa etapa em termos materiais,
porque você vai entregar desenhos, modelos. Isso para o cliente é
importante, pois, naquela data, ele vai ver a materialização daquilo
que pensou e não viu durante um tempo. Por outro lado, o aluno
tem dificuldade de entender por que está estudando aquilo e tem
dificuldade de saber como ele vai transferir depois aquele conheci-
mento para a prática de projeto. Isso existe. Houve uma época em
Virgínia
KISTMANN37
Uma eterna estudante
que a disciplina era teórica. O professor ensinava a técnica A, depois
ensinava a técnica B. Hoje temos o que chamo de um exercício, que
é como um miniprojeto em que ele vai aplicando todas as etapas.
Ele vivencia o método, as técnicas e as ferramentas dentro de um
processo de um exercício em que são estipuladas as etapas. Ele não
precisa concluir uma e perguntar o que vai fazer. Ele já sabe de an-
temão o que vem depois. Com a metodologia, os alunos têm uma
possibilidade de criação maior do que se fossem trabalhar sozinhos,
sem nenhum método. Por quê? Porque ele tem que desenvolver
pesquisas e o método tem sempre uma parte de ampliação e uma
parte de fechamento. Ele tem que ser capaz de ampliar o seu códi-
go, seu repertório, e tem que ser capaz de fazer escolhas. Quando se
está em um processo de cunho mais intuitivo, não precisa fazer isso.
Para ele é mais gostoso, porque está curtindo fazer o que acha legal,
mas pode ser que aquilo que ele acha legal não seja exatamente do
que o mercado precisa.
E de que o Design precisa? Você acredita nas duas vertentes?
Na intuitiva e na metodológica?
Eu acho que o Design é híbrido, por natureza. Deve haver algu-
mas práticas mais científicas e algumas práticas de caráter intuitivo.
O Design, por natureza, exige um pensamento mais aberto, por-
que é uma pessoa que vai intermediar processos produtivos com
o mercado, não pode ficar centralizada em algo muito restrito. O
engenheiro começa a pesquisar e cada vez vai descobrir formas me-
lhores e mais atuais de assentar tijolo, mas desenvolve a visão do
arquiteto, preocupado com a questão do belo, do atual, de outros
valores que não são controláveis.
Virgínia
KISTMANN38
Memória do Design no Paraná | Ensino
Ele já sabe de antemão o que vem de-pois. Com a metodologia, os alunos têm uma possibilidade de criação maior do que se fossem trabalhar sozinhos, sem nenhum método. Por quê? Porque ele tem que de-senvolver pesquisas e o método tem sem-pre uma parte de ampliação e uma parte de fechamento. Ele tem que ser capaz de ampliar o seu código, seu repertório, e tem que ser capaz de fazer escolhas.
‘
E como esses fatores relacionam-se com a questão da avalia-
ção. Quando você vai avaliar um projeto ou os trabalhos dos alu-
nos, de maneira geral, quais são os valores que norteiam o seu
julgamento?
Eu utilizo um critério que indique se o aluno cresceu, em que
medida se modificou, porque o ensino tem a função de modificar as
pessoas. Se sair do mesmo jeito, não houve aprendizado. A mudan-
ça de comportamento em relação àquela prática é um fator impor-
tante. Na disciplina de Metodologia, trabalhamos muito mais com o
cumprimento da técnica do que com o resultado final, porque são
alunos do início do curso. Não tem ainda o domínio das ferramentas
para a resolução do problema. É como uma receita de bolo. Você
sabe fazer o bolo? “Sei”. Aquele passou. O outro também sabe a re-
ceita, fez o bolo, mas esqueceu de pôr o ovo, não fez direito. Então
tem uma nota menor. A avaliação seria basicamente isso.
Virgínia
KISTMANN39
Uma eterna estudante
Na disciplina de Cultura e Sociedade, que é mais teórica, é exigi-
do um procedimento mais científico. O aluno tem que estabelecer
relações de raciocínio, tem que ler um texto e relacionar com uma
imagem ou com uma situação cotidiana, o que exige um trabalho
de maior esforço mental. Não é mais fazer o bolo, é pensar que
aquele bolo pode ser feito diferente, é se perguntar por que aquele
bolo foi feito daquele jeito – exige outra habilidade. Tem a prova,
também, como método de avaliação. Aplica-se prova para ver se o
aluno entendeu o conteúdo. Na prova eu quero saber mais se os
conceitos foram compreendidos. Existe também a questão da cria-
tividade demonstrada. Algumas pessoas são mais hábeis que outras
para criar novos padrões, novas metáforas. Isso também é avaliado
positivamente. Se o aluno é mais hábil em estabelecer um grande
número de conexões, recebe uma nota maior. Essa nota atribuída a
ele vai dizer ao mercado que essa pessoa tem um valor, algo que a
diferencia do restante.
Ser designer tem a ver com certas exigências. Existem parâ-
metros estéticos, de acabamento, que para o design são funda-
mentais. Como você apresenta esses critérios que fazem parte
da cultura do design?
Meses atrás, publicaram um livro sobre sustentabilidade e me
mandaram algumas perguntas para uma entrevista. E uma das per-
guntas era “por que você é sensível ao meio ambiente?”. Eu respondi
que isso veio de casa. Para a minha mãe, tudo o que tinha mais qua-
lidade tinha valor. Para o meu pai também. Meu pai trabalhava com
construção civil e não admitia que um cano ficasse torto. Quando
Virgínia
KISTMANN40
Memória do Design no Paraná | Ensino
questionado sobre o fato de os canos ficarem dentro da parede, ele
devolvia: “Você usa roupa de baixo suja? Não! Então por que não dá
para ver precisa ficar mal feito?” Isso veio da minha formação, e por
isso eu escolhi o Design, porque o Design valoriza a qualidade. Se um
aluno traz um trabalho sujo e amassado, ele não demonstra que va-
loriza a qualidade. Para melhorar, você tem que melhorar a qualidade.
Se existe uma nova porta, uma nova maçaneta, é porque alguém pro-
curou melhorar a qualidade, não só a aparência. A qualidade é ineren-
te ao Design. Às vezes eu pego aluno falando: “Ah, mas dá para tirar
da internet!”. Não, tem que recortar e colar à mão. Precisam treinar
a habilidade manual. Tem que saber como se faz para não colar de
qualquer maneira, até para controlar a própria aptidão. Não se pode
fazer o trabalho de qualquer jeito, precisa pensar, precisa olhar pri-
meiro, como você vai recortar, como vai colar, se ficou bom, como se
marca para depois ficar no mesmo lugar, como se aplica a cola para
deixar lisinho, isso tem tudo a ver com Design também.
Eu utilizo um critério que indique se o aluno cresceu, em que medida se modifi-cou, porque o ensino tem a função de mo-dificar as pessoas. Se sair do mesmo jeito, não houve aprendizado. A mudança de comportamento em relação àquela práti-ca é um fator importante.
‘Então, nessas avaliações, o importante seria o respeito ao mé-
todo, à qualidade?
Virgínia
KISTMANN41
Uma eterna estudante
Sim, nesse sentido, embora a questão simbólica seja também im-
portante. Imaginemos que alguém vai fazer um cartaz e quer pôr
uma maçã com cabelo. Tudo bem, acho que vai ficar legal a maçã
cabeluda, mas tem que expressar o cuidado na escolha “daquela”
maçã; ou então se faz a junção de uma série de fontes tipográficas,
e não se percebe uma razão para aquela escolha. Tenho dificulda-
de de aceitar como um trabalho bom. Não que ele não possa usar
várias fontes, a sujeira, o respingo, mas eu tenho que perceber que
houve uma intencionalidade naquilo. Nesse sentido, eu sou funcio-
nalista. A intencionalidade é um pressuposto da função. Eu tenho
dificuldade em aceitar trabalhos que não tenham uma estrutura ou
que tenham uma liberdade criativa incompetente. A gente até pode
se apropriar dessa questão mais livre e contestatória, no sentido de
quebrar paradigmas, mas acho que deve haver alguma referência
ou base que estruture essa linguagem.
Trabalho de conclusão de curso orientado por Virgínia Kistmann em 1987. Acervo de Dulce Albach.
Virgínia
KISTMANN42
Memória do Design no Paraná | Ensino
Sobre a o currículo dos cursos de Design. Fale sobre modelos
que você vivenciou, que julga terem a ver com qualidade. Pode-
ria comparar com o modelo que você enfrenta hoje? Do que você
sente falta? O que você acha que fez ou faria alguma diferença?
Eu acho que a atividade de Design tem que ser mais macro do que
micro, para permitir que se tenha avanços. A inovação não se dá em
planos que são iguais. Dá-se justamente em planos diferentes. Acho
que é muito importante no ensino do Design fazer com que o aluno
desenvolva a capacidade de ver o mundo de maneira mais abrangen-
te. Ele precisa perceber avanços, como as tecnologias estão avançan-
do, que comportamentos estão se modificando. O Designer tem que
ter um pouco esse caráter de antena, ser sensível ao diferente.
Você acompanhou a transição do Desenho Industrial para De-
sign aqui em Curitiba. No que essa transição favoreceu as áreas
de especialização dentro do Design?
Foi em 1987 que houve a primeira mudança. Éramos Desenho In-
dustrial e Comunicação Visual e naquela época passou para Design.
Essa abordagem inicial teve mais um cunho político do que didá-
Se um aluno traz um trabalho sujo e amas-sado, ele não demonstra que valoriza a quali-dade. Para melhorar, você tem que melhorar a qualidade. Se existe uma nova porta, uma nova maçaneta, é porque alguém procurou melhorar a qualidade, não só a aparência.
‘
Virgínia
KISTMANN43
Uma eterna estudante
tico-pedagógico. Era mais uma estratégia para aglutinar pessoas,
fortalecer grupos. Isso daria mais força política do que a existência
de vários grupos separados. Na Federal, houve muita resistência em
relação a esse tipo de abordagem, porque se imaginava que a for-
mação mais específica era mais profícua do que geral. Por exemplo,
para ser um bom designer gráfico, você tem que conhecer tudo de
design gráfico e não precisa conhecer nada de produto e vice-versa.
Para conhecer tudo de produto, métodos, processos, não precisa-
va conhecer nada de design gráfico. Esse sempre foi um problema,
porque, se você se distancia, você não consegue resolver o parti-
cular, porque o particular demanda conhecimento também. Então
eu acho que essa mudança, hoje, foi mais no sentido político. Não
houve realmente uma discussão etimológica sobre como isso iria
acontecer na prática, para resolver esses impasses. E, ao longo do
tempo, apesar de haver essa denominação única para a área, o que
existiu foram somente cursos específicos. Tem Moda, Produto, Mó-
veis, Interiores, várias especificidades, habilitações que fazem com
que o aluno aprofunde os conhecimentos nessas áreas. Eu acho que
tem espaço para os dois. Mas, considerando o desenvolvimento de
um processo mais criativo, mais inovador, o geral, do meu ponto de
vista, é mais pertinente. Hoje estamos em um mundo muito mais
de sistemas. Deve-se pensar na atuação para o futuro, mais a longo
prazo. Se é especialista, pode ser muito bom, excelente profissional,
atender o mercado de forma melhor do que aquele que tem uma
visão ampla, mas não é capaz de pensar o amplo da mesma maneira
que aquele outro que é formado para isso. Então eu acho que tem
espaço para as duas coisas. É um problema da profissão, que não é
alguma coisa bem definida e rígida que caiba numa caixa só.
Virgínia
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Memória do Design no Paraná | Ensino
Não se pode fazer o trabalho de qual-quer jeito, precisa pensar, precisa olhar primeiro, como você vai recortar, como vai colar, se ficou bom, como se marca para depois ficar no mesmo lugar, como se apli-ca a cola para deixar lisinho, isso tem tudo a ver com Design também.
‘Apesar disso, nós, como professores, favorecemos a construção
de um perfil para os futuros designers. Qual seria o perfil de pro-
fissional de Design que você gostaria de fomentar para o futuro?
Tem alunos que são mais metódicos, mais detalhistas. Há outros
mais personalistas. Temos que ter espaço para tudo. Eu acho que
tem a ver com cultura, realmente. Mas tem que ser uma pessoa
curiosa. Não pode ser uma pessoa que se contente com a superfi-
cialidade. Tem que ser alguém que valorize a qualidade, a coisa bem
feita. Penso que formar um designer é formar uma pessoa que tem
questões; que não tem muitas respostas, mas tem muitas questões,
que vão abrir espaço para propor coisas novas. Tem que ter sensi-
bilidade estética, e hoje em dia isso é uma dificuldade justamente
por conta desse universo de imagens que bombardeia todo mundo.
As pessoas estão um pouco massificadas e amassadas por esse ba-
nho de informação que não tem muito sentido. É isso: sensibilida-
de, espírito inquisidor, buscando uma forma de organizar o trabalho
também, e pensar no humano, porque, efetivamente, o Design visa
alguém, não visa uma máquina ou um material, ele visa uma pessoa.
Virgínia
KISTMANN45
Uma eterna estudante
Essa pessoa é o objetivo final. Mudar as pessoas, mudar a forma
como as pessoas vivem.
Não que ele não possa usar várias fon-tes, a sujeira, o respingo, mas eu tenho que perceber que houve uma intenciona-lidade naquilo. Nesse sentido, eu sou fun-cionalista. A intencionalidade é um pres-suposto da função.
‘
TRA
JETÓ
RIA
RES
UM
IDA
Ivens de Jesus da Fontoura formou-se pela Escola de Música
de Belas Artes (EMBAP) em 1965, tornado-se também professor da
instituição. Ingressa como docente no recém-inaugurado curso de
Design da Universidade Federal do Paraná (UFPR), dez anos depois.
Em 1985, torna-se Mestre pela mesma universidade com a disser-
tação intitulada “O ensino da Ergonomia em escolas de Desenho
Industrial na América Latina”; e Mestre pela Universidad Nacional
Autonoma de Mexico, com o trabalho “Diseño de aparatos para me-
diciones humanas en la posicion sentada”.
De 1988 a 2009, assinou a coluna “Designdesigner”, no jornal O Es-
tado do Paraná. Prefaciou obras de destaque e escreveu o livro “De-
composição da forma: manipulação da forma como instrumento de
criação”. Participa como jurado de concursos brasileiros e internacio-
nais de Design, assim como assina a curadoria de exposições da área.
Atualmente, é docente nos cursos de graduação da Universidade
Tuiuti do Paraná (UTP), na Pós-graduação em Design de Interiores na
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e no Centro
Riserche del Instituto Europeo di Design (CRIED).
FONTOURA Ivens
Ivens
FONTOURA
48Memória do Design no Paraná | Ensino
Em nome da sensibilidade
Qual foi seu primeiro contato com o design? Como o design
era visto pela sociedade na época em que você iniciou sua vida
acadêmica?
Comecei cedo com design, mas não sabia que era design. No
colégio, comecei a fazer logos; primeiro copiava, depois criava sím-
bolos, sem saber se aquela era mesmo a minha. Esse foi o meu pri-
meiro contato. O segundo foi quando estava estudando no Colégio
Estadual. Na aula de trabalhos manuais, bastante prática, de alguma
maneira, eu já fazia certas relações; eu e toda a minha geração, devi-
do a essa base escolar. Na época, eu tinha um amigo e nós saíamos
para fazer cartazes para lojas. Éramos letristas. Não tínhamos ver-
gonha nenhuma: entrávamos nas feiras, onde as pessoas queriam
vender batatas, cebolas e tinham que anunciar o preço. Fazíamos os
letreiros e ganhávamos o nosso dinheirinho. Durante um bom tem-
po, fizemos isso. Depois, fomos para o vitrinismo. Calças, sapatos,
vestidos. A rua XV era lotada de lojas. Mais tarde, veio a serigrafia,
o silk screen, mas nem usávamos esse nome ainda. Era trabalhoso:
tinha a máquina serigráfica, o estilete, a película para poder passar
na luz e fazer a gravação. A minha iniciação foi dessa forma.
Ivens
FONTOURA
49
Em nome da sensibilidade
Isso tudo foi antes de eu entrar na Escola de Música e Belas Artes.
Quando saí do colégio, conheci alguns técnicos, e aí as coisas mu-
daram. Na época do vestibular, só havia três opções: Medicina, En-
genharia e Direito. Escolhi Engenharia. E a família é culpada, porque
eu demonstrava certa habilidade. Mas eu gostava mesmo de ilustrar
os livros, fazia perspectiva e tudo. Não passei. No ano seguinte, tive
a ideia de fazer Educação Física: pau de novo. Entrei na Belas Artes
em 1959. Ainda não havia sido criada a primeira escola de design do
Brasil, a ESDI. Nas aulas de Composição do professor José Maria Felix
Bianco já se faziam alguns exercícios relacionados ao ramo. Porém,
sem referência ao termo, nem em inglês, nem em português. Ainda
não se falava em Desenho Industrial. Do curso de Artes Plásticas
passei para o de Arquitetura, onde tive os primeiros contatos com
os designers de objetos. Especialmente nas aulas de Teoria da Ar-
quitetura, com os professores Almir e Marlene Fernandes, que eram
um casal muito bacana, do Rio de Janeiro. Eles vieram para cá a fim
de montar o primeiro curso de Arquitetura do Paraná. O curso de
Arquitetura da Federal foi montado por professores de fora, porque
aqui não havia muito arquiteto.
O Bianco, meu professor de Composição, precisava de um assis-
tente. O trabalho era apagar quadro, corrigir trabalhos e provas. Eu
aceitei e, na semana seguinte, o homem baixou no hospital, com
infarto. As aulas tinham começado e ele já tinha indicado o meu
nome para o Fernando Correia. Toca o telefone lá em casa, era o Fer-
nando Correia, diretor da escola. Ele disse que, pelo quadro, o Bian-
co não ia voltar tão cedo. Ele nunca acertou tão bem, porque não só
demorou a sair do hospital, como morreu. Na semana seguinte, eu
era professor. Foi assim que me tornei professor.
Ivens
FONTOURA
50Memória do Design no Paraná | Ensino
Então, em 1968, eu era professor da Belas Artes, aluno de Arquite-
tura, já tinha sido presidente do Diretório Acadêmico e já tinha sido
fichado pelo DOPS (fator que não me impediu de estudar Econo-
mia, Política e Sociologia em um curso de verão na Harvard Univer-
sity, em Boston, nos Estados Unidos).
Em 1970, surgiu a viagem para a Europa e eu podia ser encontrado
em quatro lugares: na universidade, na livraria, na biblioteca e nos mu-
seus. Como resultado, comecei a escrever sobre design em 1972, aqui
mesmo em Curitiba, no Diário do Paraná, a convite do editor do cader-
no Aroldo Murá Haigert. A Adalice escrevia sobre artes plásticas e eu
sobre design. E já se usava o termo “design” muito antes da mudança.
A mudança de Desenho Industrial para Design se deu em 1988.
Como era o mercado para o design em Curitiba nessa época?
Fale um pouco sobre suas primeiras atuações profissionais.
Eu já tinha um escritório. Tínhamos um pequeno grupo de
pioneiros escritórios de design. O Manoel Coelho, o Ariel Stelle, o
Rubens Sanchotene, eu com o Renato Schmit. Correndo por fora,
sozinho, o Jorge Menezes. Tudo isso na área gráfica. Apareceu tam-
bém muita gente da arquitetura. Quando estávamos no escritório,
fizemos muito estande para feira. Era bacana, porque as feiras de
Curitiba bombavam, mais ainda que as de São Paulo. Havia feira de
móveis, automóveis, utilidades domésticas, decoração, o que fosse.
Enquanto isso, a Adalice Araújo estava formulando o projeto peda-
gógico do primeiro curso de Design de Curitiba. A PUC também
tinha um projeto. Assim, as duas primeiras escolas do sul do país
estavam aqui, na Federal e na PUC.
Ivens
FONTOURA
51
Em nome da sensibilidade
Quando e como se tornou professor da UFPR?
A Adalice estava cuidando da formação artística. E por isso bateu
de frente com o pessoal da ESDI. Trabalhei muito com ela, já tínhamos
vários projetos, desde a época da Belas Artes, com o Encontro de Arte
Moderna. Fizemos dez ou onze desses encontros na década de 60.
A Adalice perdeu muito por causa desse vínculo com a arte. Há uma
relação entre as áreas, mas opino que a relação da Engenharia com
o Design tem que ser muito estreita. Você não faz design sozinho,
isso está comprovado. Arte você faz sozinho. Bom, esse foi o nosso
começo. Fiz concurso e passei em primeiro, a Virgínia Kistmann em
segundo e aí fomos trabalhar com a Adalice na Federal.
Em quais instituições você teve a oportunidade de atuar além
da UFPR? Quais disciplinas já ministrou?
Fiz meu Mestrado no México. Minha formação pode ser classi-
ficada como antes do México e depois do México. Talvez hoje seja
professor de Teoria porque estudei muita teoria lá. Hoje em dia eu
trabalho muito com a teoria [do Design] fazendo a pergunta “de
onde você vem?”, “quem é você?”. Geralmente, os alunos não sa-
bem, porque geralmente não conhecemos a nossa origem. Come-
ço então pela pergunta “quem são seus avós, tataravós?”. Ninguém
sabe. Estou conhecendo gente que não sabe nada sobre os avós.
Sobre a origem familiar, origem do bairro, da esquina, do riozinho.
Recentemente, mês passado, na Tuiuti, trabalhamos com o vídeo
do Darcy Ribeiro sobre o povo brasileiro em uma gravação do ca-
nal GNT que é genial. O Darcy Ribeiro fala das matrizes tupi, lusa e
afro. Os índios que aqui estavam, os invasores que eram uma mistura
Ivens
FONTOURA
52Memória do Design no Paraná | Ensino
de portugueses com espanhóis, e que já contavam com 700 anos
de invasão árabe e judia, e os africanos, que deram o tempero da
cultura brasileira. São dez capítulos. No segundo capítulo, o Darcy
Riberio fala sobre as naves portuguesas, que na época eram muito
mais importantes do que uma nave espacial hoje. Fala da bússola dos
chineses, que aprenderam com os fenícios uma vela que era boa para
navegar. Resolvi fazer um comentário. Pensei: será que eles sabem
quem eram os fenícios? Perguntei: “Escuta, vocês sabem?” Eles ou-
viram a pergunta, mas o cérebro não registrou. Expliquei: “Fenícia!
Vocês se lembram da história?” Havia umas quinze pessoas na sala.
Não. Não lembraram. Resolvi ajudar. “A Fenícia de antigamente é o
Líbano de hoje”. “O Líbano vocês conhecem, né?” Aquele silêncio...
“Capital?” Nada. Eu digo: “Parece nome de sanduíche, é Beirute”. Não
sabem. “Qual a posição do Líbano no mapa?”. Nada. “Gente, é na pon-
ta do Mediterrâneo”. Não adianta dizer que em 1991 eu fui para a
Eslovênia e vi uma exposição do Antoni Gaudí e José Plecnik, para ex-
plicar as duas pontas do Mediterrâneo? Complicado. Tudo bem, isso
não representa a população. Mas eu fico preocupado que, entre 15
pessoas, nenhuma sabe. Vocês não sabem onde fica o Líbano? Não
sabem onde é o Mediterrâneo? Está bem, não vamos falar de coisas
tão longínquas. Digam-me apenas onde está o norte. Aí foi pior. Eles
não sabiam onde era o norte. Bom, espera um pouco. Vamos imagi-
nar que a gente está num avião que cai, mas a gente se salva; só que
estamos na floresta densa e você olha que tem limo do lado de cá.
Então, o norte está do outro lado, qualquer escoteiro sabe disso. É
interessante que as crianças possam ser escoteiras, experimentar esse
tipo de coisa, porque aprendem muita coisa.
Ivens
FONTOURA
53
Em nome da sensibilidade
Então você escolhe exemplos simples, do cotidiano deles,
para ensinar?
Isso é Paulo Freire, gente! É bobagem querer saber os rios da Europa
antes de conhecer os afluentes do Barigui. Eu tenho que saber que rio
passa em frente à minha casa. Por aqui não passa nenhum rio, mas
mais para lá passa o rio Bacacheri. É preciso saber o nome do riozinho
que passa perto da sua casa. Mas só isso não basta. Não estou falando
de rio, não sou geógrafo, é só um exemplo. Os alunos têm que estar
debaixo da asa do professor. E começa assim, você vai mostrando. Ele
quer sair, você diz: “Não, aí não”. Ele volta. Ele tenta sair de novo, você
diz: “Aí sim, mas não está na hora”. Eles vão crescendo, você vai abrindo
a asa e, daqui a pouco, ele está grande e andando sozinho. Se você usar
o método de começar pelo nome do riozinho, daqui a pouco ele vai
saber o afluente do Barigui, que é afluente do Iguaçu, que é afluente
do Paraná, chega em Mar del Plata, que dá no Oceano Atlântico. Então
ele descobre o nome da corrente e vai entender o mundo. Primeiro
risquinho paralelo, de cima para baixo, da direita para a esquerda, cru-
za, quadrado, triangular, não demora muito, você conquista. Não tem
outra forma. É assim na saúde, na economia, onde for.
Sobre as suas práticas, sobre os exercícios que propõe. Quais
exercícios que você faz questão de propor? Fale um pouco da
importância de cada um deles, na disciplina de Composição, por
exemplo.
A proposta é experimentar. Técnica experimental. Papel: pode-se
dobrar, pode-se cortar. Com uma folha de papel, eu trabalho volume,
textura. Você pega um papel e corta, isso é fácil. Mas é preciso fazer
Ivens
FONTOURA
54Memória do Design no Paraná | Ensino
E como foi a adaptação desses exemplos que conheceu nos
livros?
Foi meio “no tranco”, porque, na verdade, as informações che-
garam depois. Sinto que eu já era um reformista. Já tinha alguma
coisa na cabeça, mas sozinho. Era um patinho feio, não sei. Sentia
necessidade de organizar, modificar. Cor é outra ferramenta. Como
você aprende cor? Em escala. Tem até uma fórmula: N=2x2n+1. O 1
é para dar o fator ímpar, porque você tem um intermediário. O pri-
meiro número 2 é para obter um mínimo, porque não se consegue
uma pergunta para o aluno. O que é papel? Você conhece a fabricação?
Ele dobra, corta e não sabe. É importantíssimo reconhecer. Assim, entra
na história do papel. Isso se faz com argila, com madeira, com qualquer
coisa. É claro que o acesso à bibliografia é fundamental. Tive acesso ao
que me pareceu uma acusação; disseram que eu tinha “livros mágicos”.
Na verdade, eu me encanto pela magia dos livros. Gosto muito de uma
coleção alemã: Madeira, Argila, Metal, Papel, Papelão, Vidro, Cerâmica.
Os europeus sempre tiveram mão para a formação.
É bobagem querer saber os rios da Eu-ropa antes de conhecer os afluentes do Barigui. Eu tenho que saber que rio passa em frente à minha casa. Por aqui não passa nenhum rio, mas mais para lá passa o rio Bacacheri. É preciso saber o nome do rio-zinho que passa perto da sua casa.
‘
Ivens
FONTOURA
55
Em nome da sensibilidade
fazer escala sem dois extremos. Tem que ter branco e preto. 2+1
representa o do meio, o cinza médio. A menor escala é três. E nem
é escala ainda, porque é um branco, um preto e um pobre cinza. 2
elevado a N é 2. Então 2 e 2, 4, e 1, cinco. A menor escala é cinco.
Depois nove. Depois 17. Então você tem 5, 9, 17, até chegar lá no 75.
É um desafio para os alunos porque é uma questão de sensibilidade.
É preciso fazer na mão e olhar. Claro que não precisa sofrer. Hoje
é possível utilizar os meios digitais, que são ótimos. Um designer
tem que ser sensível. Como essa pessoa vai ser sensível se não faz
exercício de sensibilidade? Impossível. Então, há sensibilidade na es-
cala cromática, na forma. Você começa a trabalhar com mancha,
com tinta, com efeitos, composição de superfícies. Então propõe
isso para o aluno como exercício de composição, não precisa dizer
que a disciplina se chama Metodologia Visual e Processo Disso e
Daquilo, Materiais Expressivos.
Eu agora estou insistindo na Gestalt, de novo. Estou estudando
para valer a ilusão, porque o mundo é ilusório. Por exemplo, tem um
exercício fantástico que é o T. Faça um T. Você tem dois segmentos,
um é horizontal e outro é vertical. Pode trocar, deixar embaixo, em
cima, como quiser. Você olha para o T e parece igual. Como assim?
Ilusão de ótica. É preciso conhecer essas ferramentas para poder pro-
duzir algo. Veja esse livro [Punto y Linea, de Ernst Röttger e Dieter
Klante]. É uma edição francesa de um original alemão, feita em Paris.
Vamos ver a data: 1969! O que isso quer dizer? Estou começando e
descubro livros colegiais alemães. Eu segui isso aqui tentando avan-
çar. Já vai começar a brincadeira. Vamos pegar aqui: é um jogo. É
lúdico o negócio. Por isso se chama O Jogo e o Elemento Criativo. É
a predominância da Gestalt. Ou você tem a presença do pontinho
Ivens
FONTOURA
56Memória do Design no Paraná | Ensino
ou a ausência do ponto. A presença de algo ou a ausência. Aqui já
se começa a ter uma estrutura. Repare que as linhas são horizontais.
Então o grid começou a entrar na cabecinha dos alunos. Quer dizer:
olhando bem, o mundo é ou não é uma ilusão? É preciso descobrir
que qualquer um tem capacidade de fazer essas coisas. Depois, vão
se criando algumas dificuldades. Cria-se uma barreira, esse aqui ainda
é livre, mas daqui a pouco começa a geometrizar. Na verdade, preci-
samos criar a lei para depois desrespeitá-la. Dou o exemplo do trân-
sito: verde para andar, vermelho para parar e amarelo para atenção. E
aí vem o assalto. De noite, o que acontece? Amarelo pulsante. Pronto,
mudaram a regra. Criou-se uma lei internacional e, lamentavelmente,
você precisa desrespeitá-la para se proteger. Quando quebramos o
paradigma? Quando desrespeitamos a lei? Quando sentimos a neces-
sidade de superar ou outro motivo. Olhe aqui. São brincadeirinhas de
manchas, do pingo de tinta no papel. Mas o que se cria são soluções
de pintura, correto? De tempo em tempo, você vê o grid, a escala, a
estrutura. Há uma liberdade. Eu diria que é uma liberdade vigiada.
Tem a estrutura triangular, a estrutura quadrada. Nesse livro aqui [De-
composição da forma: manipulação da forma como instrumento para
a criação], o autor consegue fazer uma esfera. Nenhum elemento en-
costa no outro. Não sei como começa, só sei como termina. É impres-
sionante. Este livro aqui talvez seja, para mim, o melhor. É lamentável
que o livro de composição tenha acabado. Alguém tem que reeditar.
Ivens
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Em nome da sensibilidade
Ivens na biblioteca de sua casa (out. 2013). Foto de Rafael Schorr.
Ivens
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58Memória do Design no Paraná | Ensino
Livro El Juego y o elemento creador - Punto y Linea, Ernst Röttger e Dieter Kante. Fotos de Rafael Schorr.
Ivens
FONTOURA
59
Em nome da sensibilidade
Você mencionou a necessidade de adaptação dos conteúdos
que te encantaram nesses livros. Quais ferramentas você articula
para atualizar as suas estratégias metodológicas? De certa for-
ma há fundamentos, mas você também dá importância a novas
ferramentas?
Eu estou retomando a Gestalt agora e tem o livro do Kurt Koffka.
Eu não tenho mais paciência para ler, mas tenho quase todos. Então,
uso a internet. Internet é mais gostoso e rápido. É mentira que a
internet não tem informação; tem, sim. Tem tese de mestrado, dou-
torado, artigo, mas tem que fuçar. Tem boa bibliografia também. Só
que está lá embaixo, você tem que cavar primeiro. E isso está me
dando um trabalho danado.
E com relação às disciplinas teóricas de História, de Teoria do
Design, como utiliza as suas proposições?
Acho que não há o teórico e o prático, eu não os separo. Cada ex-
periência tem um referencial teórico. É isso. O que é caixa? O que é
Você começa a trabalhar com mancha, com tinta, com efeitos, composição de su-perfícies, com grandes manchas. Então pro-põe isso para o aluno como exercício de composição, não precisa dizer que a disci-plina se chama Metodologia Visual e Proces-so Disso e Daquilo, Materiais Expressivos.
‘
Ivens
FONTOURA
60Memória do Design no Paraná | Ensino
fósforo? E daqui a pouco você está desenhando, constrói a caixa e sai
com ela prontinha.
É possível, obviamente, dividir a tarefa, desde que o grupo esteja
coeso. Por que isso dá certo no México? Porque o aluno entrega para
um mestre de madeira uma atividade de madeira. Depois você ensina
a lidar com laminados e metais e, depois de um ano de exercícios, ele
sabe lidar com os materiais. É uma coisa por vez. E tem aluno que che-
ga querendo fazer o alfabeto. Calma! Vamos aprender algumas coisas
primeiro. Engraçado, é uma pressa para chegar a lugar nenhum.
Fale um pouco do contexto no Paraná. Como você vê os cur-
sos daqui de Curitiba e de outras cidades do Paraná?
Vamos começar mais cedo. Antes da reforma, que nunca houve,
aconteceu uma adaptação depois de 1964, o currículo das escolas
era de poucas disciplinas. Eu não entendo por que esse festival de
matérias. Se você for contar nos dedos, quantas disciplinas há hoje
em cada semestre? Deve chegar próximo de dez, doze. Eu venho
de uma época em que havia quatro, cinco disciplinas. Cinco era um
ano pesado. O que significa isso? Menos disciplinas, menos profes-
Acho que não há o teórico e o prático, eu não os separo. Cada experiência tem um referencial teórico. É isso. O que é caixa? O que é fósforo? E daqui a pouco você está desenhando, constrói a caixa e sai com ela prontinha.
‘
Ivens
FONTOURA
61
Em nome da sensibilidade
sores, mais tempo com os alunos, melhor aprendizado. A palavra
composição, que antes era estrutura, no caso da arquitetura, com
essa famigerada modificação, foi trocada por “materiais expressi-
vos”. Começa-se a inventar disciplinas, vai-se proliferando os profes-
sores, atomizando o ensino e chega-se no quadro atual. Você quer
saber se eu estou satisfeito? Não! Não concordo com isso.
No México, quando cheguei, havia uma grade muito interessante.
Vou dar um exemplo: em uma sala havia 50 alunos. Vamos imaginar
que tenha cinco laboratórios; isso significa que tenho cinco grupos
com dez pessoas. Tenho uma oficina de madeira, uma de lamina-
dos, uma de mecânica, uma de plástico e uma de metal. Em um
ano, cada um deles passou por todos os laboratórios. Vão conhecer
matéria-prima, material de transformação, técnicas de transforma-
ção, normas de luz, normas de segurança, e vão fazer um exercício
prático. Eu me lembro que, no exercício de laminados, cada um fez
uma caixa de ferramentas. Cada aluno tinha uma caixa de ferramen-
tas feita por si mesmo. O aluno aprende a cortar a lâmina na chapa,
dobrar, soldar, pintar. No ano seguinte, quando começa a ter aula
de projeto, já tem uma formação prática e teórica sobre cinco ativi-
dades. Hoje estamos com outro pensamento, o aluno de primeiro
ano não pode projetar porque não tem a teoria, é complicado. No
entanto, eu “mexicanizaria”, colocaria primeiro a práxis. Depois se
vai horizontalizando. Essa horizontalização nada mais é do que a
construção de insumos para um objeto. Vai-se alimentando a iden-
tificação das necessidades e ao mesmo tempo dando feedback, re-
lacionando a utilidade do projeto com o cliente.
E quanto à avaliação. Como avaliar a experimentação?
Ivens
FONTOURA
62Memória do Design no Paraná | Ensino
O que vale é o conjunto. Olhe as mulheres bonitas. Uma tem
uma boca maravilhosa, outra tem belas pernas, outra tem os olhos
bonitos. Mas, se você juntar tudo, faz um monstro, o que importa é
o conjunto. Para avaliar um aluno, deve-se ter um repertório imen-
so. Nós somos um computador, o nosso HD é o mais importante.
Quem tiver um HD repleto de informação e um processo saudável
de bioquímica poderá dizer. É por comparação, não consigo avaliar
nada separadamente.
Para avaliar um aluno, deve-se ter um repertório imenso. Nós somos um com-putador, o nosso HD é o mais importante. Quem tiver um HD repleto de informação e um processo saudável de bioquímica poderá dizer.
‘Então você compara os trabalhos da turma?
Claro! Não tem nenhum grupo em que um não seja o melhor
e outro não seja o pior. Ninguém quer ser o pior. Hoje sou o pior,
amanhã sou o melhor, depois de amanhã estou no meio. O cam-
peonato brasileiro de futebol ensina isso. O time sobe, desce, re-
baixa, sobe. Somos todos comparados todo dia, mesmo sem saber.
O alimento, a bebida, a música, o teatro, é só ter a coragem de as-
sumir. Quando você assume uma coisa, você está sujeito à crítica.
Uma avaliação isolada é muito perigosa e é predominante na uni-
versidade. Principalmente quando se fazem essas bancas, chamam
Ivens
FONTOURA
63
Em nome da sensibilidade
os alunos, perguntam o que foi feito, olham o trabalho e dão uma
nota. Não estamos avaliando pessoas, estamos avaliando trabalhos.
É mais suscetível trabalhar dessa maneira, leva-se pancada, mas es-
tou conseguindo.
E sua atuação como crítico de design, a circulação por várias
regiões e eventos? Você sempre é convocado para participar de
avaliações de concursos, não?
O professor é um juiz natural. Entre o professorado, já existe uma
massa crítica. Quando montei uma equipe de vinte designers em São
Paulo, o problema era a existência de uma regra muito restrita: todos
tinham que ser de São Paulo, devido ao custo. Peguei a lista dos que já
tinham participado em anos anteriores, chamei gente que dava aula.
Havia jovens e mais velhos, tudo para ter um grupo heterogêneo, que
pudesse julgar os trabalhos. Lógico, quanto mais heterogêneo for o
grupo, maior a possibilidade de acertar na leitura.
Há alguns concursos abertos, esse é um bom indicativo. Se al-
guma escola não participa de nenhum concurso, tem alguma coisa
errada. Na área de objetos tridimensionais, é mais fácil. Você tem
Maciça, Móvel Sul, que é anual, Museu da Casa Brasileira, que é anu-
al, Prêmio Sebrae Minas, Design da Terra, de Mato Grosso, que está
meio parado agora; estou citando os mais significativos. Tem que
ter um incentivo do professor de Projeto. Em moda, você tem o João
Turin, que é local. Há concursos no Ceará, ou seja, há um movimento
brasileiro. Na área gráfica é mais difícil, é mais polarizado. Mas, por
exemplo, todo ano há o concurso de cartaz do Museu da Casa Bra-
sileira. Eu sempre digo para os alunos: ganhou concurso de cartaz,
é 10 no bimestre.
Ivens
FONTOURA
64Memória do Design no Paraná | Ensino
O prêmio Bom Design surgiu quando só tinha o curso na Federal
e na PUC, e tem o objetivo de estimular uma competição. A compe-
tição é saudável, lúdica. Jogo é muito importante. Então propuse-
ram um jogo para que as instituições pudessem mostrar o que esta-
vam fazendo. Quando a Tuiuti foi criada, foi a terceira, depois veio a
Unopar. Quando eram somente quatro, tinha-se um pouco mais de
proximidade. O inimigo não é a outra instituição, pensar isso é uma
grande bobagem. Claro que há uma concorrência, há briga pelo
espaço comercial. Mas é preciso estar junto. Não estou defendendo
o cartel, mas, por exemplo, há oito empresas de chapas, MDF, MDP,
OSB no Brasil. Elas são concorrentes e mesmo assim se reúnem para
estabelecer alguns padrões de mercado. Isso as ajuda a vencer a
concorrência internacional etc. Depois veio a Positivo, hoje somos
oito ou nove e não há conversa. Está havendo uma tentativa do
Bom Design, mas, quando propusemos um encontro de ensino da
região Sul, somente Curitiba e uma escola de Balneário Camboriú
destacaram-se. Seria muito importante que as instituições se reunis-
sem para pensar e discutir currículo.
Eu faria novamente o que fiz no México, em 1988, em um en-
contro de Ergonomia. Reunimos professores de Ergonomia do país
inteiro e foi um sucesso, porque nunca tinham feito isso. Podíamos
fazer isso no Brasil. Nada muito grande, uma reunião de professores
de uma disciplina. História, Composição, o que fosse. Instituir um
núcleo que converse em um fim de semana, em dois ou três dias.
Se for bem organizado, as pessoas vão. Existe um grupo no Brasil
chamado Materiais, eu fui a um encontro deles em Ouro Preto. É
um grupo formado só por professores de materiais, com palestras,
exposições. Há essa necessidade de troca de experiência, mesa re-
Ivens
FONTOURA
65
Em nome da sensibilidade
donda, palestra. Há sempre um lucro nisso, em ouvir o outro, em
saber quem ele é, o que está fazendo.
O inimigo não é a outra instituição, pen-sar isso é uma grande bobagem. Claro que há uma concorrência, há briga pelo espaço comercial. Mas é preciso estar junto.
‘
TRA
JETÓ
RIA
RES
UM
IDA
Em 1972, Airton Caminha Gonçalves Júnior graduou-se em Desenho
Industrial pela ESDI (Escola Superior de Desenho Industrial). Dez anos
depois, tornou-se pós-graduado em Design de Embalagens pelo Pratt
Institute, Nova Iorque. Nesse ínterim, atuou como designer de modo
autônomo ou em sociedade com colegas no Rio de Janeiro.
Inicia a carreira como docente em Curitiba, no ano de 1977, mi-
nistrando disciplinas como Tipologia e Design Tipográfico, Funda-
mentos da Análise da Imagem e Projeto de Comunicação Visual na
Universidade Federal do Paraná (UFPR). Atuou também como co-
ordenador dos cursos de Desenho Industrial e Design Gráfico, na
mesma instituição, e ocupou o cargo de Chefe do Departamento de
Design de 2000 a 2002. Em 2005, torna-se Mestre em Engenharia de
Produção pela UFPR. Aposentou-se em maio de 2008.
CAMINHA Airton
68Airton
CAM
INHA
Memória do Design no Paraná | Ensino
O valor da formação em design
Deixa eu apresentar os alunos que fazem parte do projeto de
iniciação científica Memória do Design no Paraná: Barbara Mazur,
do primeiro ano de Design Visual; Luise, de Design de Produto,
também do primeiro ano; e Rafael Schorr, de Design Visual.
Somos da mesma praia. Naquela época, eu era jovem como vocês.
É preciso considerar a dimensão do tempo. Nos anos 60, o design for-
malmente tinha nove anos de sua implantação, menos até. Eu sou da
turma de 69. Havia a questão da confusão com as artes, que carrega-
mos até hoje. Artes ou Engenharia? Nem eu mesmo sabia. Quando fui
fazer um teste de aptidão, surgiu para mim o Desenho Industrial. Achei
interessante, embora não soubesse bem os contornos disso; apenas
sabia que não era arquitetura. Eu vivia em uma família sem muita in-
formação de design. Meu pai era médico, minha mãe fazia cursos de
arte, pintura, no segundo grau não se falava disso.
E como foi a descoberta da ESDI?
Na verdade, eu fiquei surpreso, encantado. A ESDI era singular, por-
que era um conjunto de casas em um grande estacionamento. Você se
69Airton
CAM
INHA
O valor da formação em design
perguntava “que diabos estou fazendo nessa escola?”. Na minha sala,
no primeiro ano, havia prateleiras, e as galinhas do guardião, o Dorival,
viviam por lá empoleiradas. Sua casa ficava dentro da escola; como cria-
va patos e galinhas, elas andavam por lá. No prédio vizinho, o Conser-
vatório Nacional de Música tinha aula de música, de piano, e as galinhas
acompanhavam as melodias. Era um lugar muito singular.
Os alunos das primeiras turmas, os veteranos, eram vistos por
mim como pessoas mais velhas, maduras e extremamente politi-
zadas. Havia discussões políticas, aluno debatendo com professor,
quase saindo na porrada. Aquilo era absolutamente natural, porque
eram como revolucionários querendo fazer uma revolução. Era um
espaço aberto a discussões e aprendíamos muito. Como cidadão,
melhorei bastante por causa desse ambiente mais politizado.
De repente, você tem professores que não se apresentavam como
os professores tradicionais; aquela ideia de tablado para o professor
não existia nas salas de aula. O professor orientava, talvez porque
a filosofia envolvida era “vamos fazer”, “vamos discutir”. Evidente-
mente isso demonstra que o design e a sua perspectiva pedagógi-
ca eram inovadoras. Podia não ser novo em moldes internacionais,
mas, para um Brasil conservador, era.
Os professores nos tratavam de igual para igual, vestiam-se com co-
res muito discretas e portavam a indefectível caneta, que era a expres-
são máxima do profissionalismo projetual, símbolo de uma contempo-
raneidade de época. Qualquer coisa tinha que ser expressa sob a forma
de um desenho. Ao que tudo indica, nós estávamos diante de uma pe-
dagogia de ação, de aprender fazendo. Essa era uma grande diferença,
as aulas eram pouco convencionais; projetava-se e os professores nos
orientavam a produzir coisas. Não havia muito livro para ler, somente
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INHA
Memória do Design no Paraná | Ensino
apostilas. Os cadernos, como Produto e Linguagem, se tornaram mui-
to conhecidos, uma produção do pensamento da escola. Mesmo sem
grandes teorias, o design existia e funcionava na prática. Hoje os livros
já nos dizem muitas coisas, mostram que o que fizemos poderia ter
sido feito também em outro lugar, o design no Brasil era produto de
uma época. Hoje há muitos livros traduzidos, naquele tempo era tudo
praticamente em língua estrangeira.
Outra singularidade eram as oficinas. A ESDI oferecia a possibili-
dade de interagir em diferentes oficinas, de gesso, madeira e metal.
A informalidade da escola contrastava com o rigor das oficinas. Nas
oficinas, tinha que “fazer”, inventar soluções apropriadas e usar aque-
las máquinas todas, sem medo. Tudo isso era muito novo para mim e
gerava atitudes interessantes: amizades se formavam especialmente
com os técnicos das oficinas e os funcionários, éramos como uma
família. Enfim, nessa complexidade toda, existia também lugar de
improvisação. A ESDI tinha uma matriz, mas não a seguia de modo
estrito, era bastante informal. Uma aula começava e era interrompida.
Uma disciplina num ano se ofertava, noutro não. A diretora era uma
pessoa muito bem quista por todos; uma pessoa que se encontrava a
toda hora, bastante acessível, como a maioria dos professores.
De repente, você tem professores que não se apresentavam como os professores tradicionais; aquela ideia de tablado para o professor não existia nas salas de aula. O professor orientava, talvez porque a filosofia envolvida era “vamos fazer”, “vamos discutir”.
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O valor da formação em design
Você se lembra de alguns trabalhos que fez como estudante
na ESDI?
Lembro-me de dois trabalhos executados e feitos nas oficinas.
Um foi um exemplo de fracasso o outro de bem-sucedido, aprendí-
amos com os erros.
Tínhamos que estruturar um cubo empregando um chassi de lon-
garinas feitas em madeira. Eu e mais alguns colegas construímos uma
estrutura com conexão tipo “macho e fêmea”, mas muito grande e
instável. O outro foi um trabalho com placas de metal dobradas que,
por serem finas e leves, eram flexíveis e permitiam um ótimo encaixe.
Com sua flexibilidade, conseguimos montar uma estrutura modular,
que ficou muito boa. Tudo efetivamente construído e executado nas
oficina de metal, nós mesmos fazíamos. Partia-se de um problema que
devia ser resolvido e com a devida adequação a distintos materiais.
Havia uma relação com a matéria de Metodologia Visual também. Foi
uma pena não ter sido possível reproduzir isso na Federal, no começo
dos cursos, pois nós não tínhamos oficinas. Uma maquetaria foi im-
plantada somente após anos do início dos cursos. Na ESDI, as oficinas
funcionavam perfeitamente, era uma das marcas da escola.
Mas havia também algumas disciplinas teóricas, consideran-
do-se a flexibilidade que indicou?
Havia uma parte ligada à História do Design, do Design Industrial,
também à questão da comunicação, cultura, sociologia e econo-
mia, baseada em uma concepção de como a economia determinava
o design. Ficou clara para mim outra questão que até hoje discuto
com os meus colegas: de que o fenômeno da Comunicação Visual
enquanto curso, do meu ponto de vista, era mais uma matéria que
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Memória do Design no Paraná | Ensino
Trabalho acadêmico de aluno de Design Gráfico (UFPR). Acervo de Airton Caminha.
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O valor da formação em design
um curso, não era adequadamente abordado. Um grupo considerá-
vel entrava na ESDI querendo fazer alguma coisa que não fosse Belas
Artes, que estivesse mais sintonizado com as técnicas de reprodução
em escala industrial. Coisas que hoje a gente conceitua como sendo
Comunicação Visual. Essa turma ficava um pouco sem pai nem mãe.
A profundidade de abordagem era muito superficial: terceiro grau
para fazer cartão de visita? Chegava a hora de executar produtos em
comunicação visual e a exigência era muito pequena. Fazia-se uma
capa de disco, por exemplo, sem mais informações sobre o mercado.
Outro ponto é pensar por que se faziam as coisas a três cores somen-
te: laranja, preto e cinza. Vistas retrospectivamente, percebe-se que,
naquela época, também, as soluções em design gráfico eram extre-
mamente tipificadas. Havia todo um repertório que se assumia, como
a linguagem em caixa baixa, sem que se soubesse exatamente por
quê. Evidentemente, pode ser muito instigante trabalhar com esses
elementos, o manancial de informações de que nós dispomos agora
para avaliar esse tipo de coisa é muito maior do que naquela época.
Eram verdades absolutas e era conveniente seguir aqueles padrões.
Havia igualmente uma conformação também com os padrões ado-
tados pelos professores. Bom, depois de três anos, devia-se fazer um
trabalho de formatura, e isso era muito angustiante! Eu entrei que-
rendo fazer produto e saí fazendo Comunicação Visual. Não sei se fui
bem-sucedido nessa escolha, mas o design gráfico tem uma coisa de
sensível que me agrada muito. Hoje, falta uma sensibilidade maior na
comunicação visual, o maneirismo é excessivo. Vamos dizer que eu
fiquei um pouco nos anos 50, em certos aspectos, lá e cá.
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INHA
Memória do Design no Paraná | Ensino
Trabalhos acadêmicos de alunos de Design Gráfico (UFPR). Acervo de Airton Caminha.
Como foi o início de sua carreira? Conte-nos a respeito das
primeiras experiências profissionais, antes e depois de sua for-
mação acadêmica.
Eu e Nair de Paula Soares abrimos um escritório em Ipanema e fi-
zemos embalagens para a Kibon. Nós descobrimos que a Kibon tinha
uma linha totalmente inadequada segundo os padrões de identidade
visual. Pegamos a nossa fita métrica e da escola e mudamos tudo.
Foi nossa proposta de trabalho de formatura. Primeiro porque demos
destaque à identidade da Kibon e às linhas de sorvete. Criamos algu-
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O valor da formação em design
mas diferenciações entre produtos, demos uma forma coerente que
impressionou representantes da empresa. Ganhamos algum dinheiro,
ficamos felizes, mas nunca deu totalmente certo, faltava a visão mais
apurada das exigências do consumidor e do mercado.
Você estava no quarto ano?
No quarto ano, tínhamos que entregar somente o trabalho de
conclusão de curso, teórico e prático. Era assim naquela época.
O trabalho estava relacionado a esse, o que foi feito para a
Kibon?
Sim. Mas a Kibon acabou implementando somente algumas ca-
racterísticas formais porque era impraticável. A normatização pro-
posta por nós tinha critérios, mas resultava numa camisa de força,
a questão mercadológica era muito mais complexa. Passamos bem,
tivemos uma boa nota, mas alguém já disse que se sai da faculdade
ainda como aprendiz; creio que somos aprendizes a vida inteira.
Fotos de embalagens de produtos Kibon. Acervo de Airton Caminha.
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Memória do Design no Paraná | Ensino
E logo depois da formatura? Como foi a sua trajetória?
Houve a necessidade de implantar o sistema de identidade vi-
sual de Furnas Centrais Elétricas. Nessa época, o escritório central
ficava no Rio de Janeiro. O trabalho era muito extenso e complexo,
abrigava o Sudoeste inteiro, várias usinas e subestações, e o escri-
tório do Aloísio Magalhães precisava de gente que fizesse o elo do
design dentro da empresa. A proposta deles era aquela (que de fato
conceitualmente não mudou muito): colocar dentro da empresa di-
rigida por engenheiros um grupo que desse conta do trabalho, que,
sob muitos aspectos, continha muitas “inovações” na cultura da em-
presa. Certa vez, a ideia era convencê-los de que um pictograma de
extintor não podia representar o extintor A, B, C, D, mas a ideia de
utilização do extintor. Uma coisa dessas demandava muita discus-
são. O símbolo da empresa era uma estrela caracterizada com fios
acessórios, uma analogia com as torres de transmissão de energia
elétrica. Essa concepção era abstrata demais para essa gente acos-
tumada a torres como elas são. Então eu tive uma grande experiên-
cia de como a cultura das empresas evolui. Depois constituímos um
grupo maior que mantinha uma interlocução muito grande com o
escritório do Aloísio Magalhães, mas fazíamos sempre as mesmas
coisas, os mesmos formulários, as mesmas placas, o mesmo reper-
tório. A gramática da identidade estava estabelecida, os horizontes
começaram a fechar. Era hora de mudar.
Em 1974, creio, recebi o convite de uma então colega de trabalho
para constituirmos um escritório de design, inicialmente para aten-
der Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) na implantação
de um grande sistema de sinalização para o campus, também con-
cebido pelo escritório do Aloísio Magalhães. Era um projeto grande,
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INHA
O valor da formação em design
E foram seus colegas professores em Curitiba também. Fale
um pouco sobre o início do curso de Desenho Industrial na UFPR.
Há essa coincidência histórica de a PUC e a Federal estarem na
Capa de Manual de Identidade Visual. Acervo de Airton Caminha.
uma grande conta, até que implantamos tudo. Tivemos outros pro-
jetos de identidade para empresas, coisas que deram certo, coisas
que não deram certo. Fizemos até material de campanha política!
Depois de certo tempo, os clientes começaram a rarear.
Nessa época, eu estava fazendo um curso de embalagem no
MAM-Rj, eu estava no grupo que desenvolvia embalagens, acabei
apresentando a nossa. Creio que isso chamou a atenção do Osvaldo
Nakasato, que já se encontrava colaborando nos cursos de design
da Federal de Curitiba. Houve uma articulação e convidaram-me
para participar do processo.
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Memória do Design no Paraná | Ensino
linha daquele discurso, de “nós, no Brasil, estarmos crescendo, se in-
dustrializando”. A história do futuro, do discurso desenvolvimentista
no Brasil. Um grupo de designers acabou vindo para cá, assim como
outro para Joinville. Entre eles, a Virgínia Kistmann. Houve uma
possibilidade de contratação de professores. Ela prestou concurso
e passou, juntamente com outros profissionais locais de formação
artística e de arquitetura. Como a Virgínia tinha muita proximidade
com a ESDI, criou-se essa possibilidade de trazer novos professo-
res para cá, o que ajudou a construir a história da implantação dos
cursos de Design do Paraná. Havia pessoas aqui que também já se
identificavam com aquela racionalidade, com o movimento concre-
tista dos anos 50 e 60. Apesar disso, houve um processo que levou a
PUC e Universidade Federal a construírem seus currículos de design
em áreas distintas: Federal nas humanas e PUC na tecnológica.
Na Federal, por razões que são sempre intrincadas, complexas,
históricas, a professora Adalice Araújo encampava a ideia de que “o
futuro das Artes estaria no Design”. Ela desafiou toda a burocracia
interna, se aliou a Deus e ao diabo, para criar os cursos de Artes,
que eram de Desenho Industrial, Comunicação Visual e Educação
Artística. Note que Desenho Industrial e Comunicação Visual eram
cursos separados. Na ESDI havia um currículo comum contemplan-
do as duas habilitações, pois se entendia que a situação no Brasil era
particular e exigia adaptações para melhor atuar no mercado. Não
poderia haver um modelo de design importado, teria de ser adap-
tado às condições brasileiras. E uma dessas adaptações relacionava-
-se com a crença de que não haveria espaço para um profissional
especializado somente em produto ou em programação visual, teria
que ser algo híbrido. A dupla capacitação saiu disso.
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INHA
O valor da formação em design
No início, a Federal não tinha professores em número suficiente
para atender as disciplinas dos chamados cursos de arte. As vagas
originalmente designadas para professores foram absorvidas por
outros departamentos em um processo muito particular de cani-
balização. As que restaram foram preenchidas, fundamentalmente,
por um número pequeno de professores nas áreas de belas artes
nas suas manifestações de música, artes plásticas, escultura e dança.
As demais contratações que se seguiram foram para professores em
caráter temporário: colaboradores e visitantes. Estes, para as áreas
profissionalizantes do design, eram os “cariocas” da ESDI: Virgínia
Kistmann, Osvaldo Nakazato, Maria Gertudes Oswaldo Bernardes e
Gracia Melo. Eu vim a seguir para coordenar os cursos de Design, um
professor visitante e carioca também.
Osvaldo Nakazato trouxe os trabalhos de graduação da ESDI, che-
gou para a primeira turma, no segundo ano, colocou na mesa e disse:
“É isso que vocês têm que fazer. Não pior que isso”. A turma via aqueles
trabalhos de formatura, havia metodologia, desenvolvimento e docu-
mentação, tudo muito bem feito, e os alunos tinham que se virar. Os
trabalhos ficavam muito bons devido ao nível de exigência e ao esfor-
ço dos alunos. Virgínia e Maria Gertrudes não ficavam atrás, exigiam
tudo com muita competência. Gracia deixou o curso prematuramente.
Nós nos reuníamos no hotel onde estavam hospedados e decidíamos
o que fazer com relação aos projetos e à melhor conduta a tomar.
Como tudo muda, as pessoas vão mudando, vão-se conquistan-
do outras coisas, e um dia “os cariocas” nos deixaram. Os outros
“cariocas”, Virgínia e eu, ficamos. Virgínia tem muitas das virtudes
do Nakazato, é uma pessoa rigorosa nos métodos, análises, além
da vocação para a academia, para a docência, uma ótima amiga
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Memória do Design no Paraná | Ensino
também. Eu sempre tive um gosto para o gerencial, ia tomando as
providências e dando aulas também. Gradativamente, a gente foi
conquistando o espaço com ajuda de todo um grupo de professo-
res já mais articulado e com uma identidade.
Até hoje a questão do espaço é extremamente difícil na Federal.
Saímos de uma salinha com pranchetas e chegamos ao oitavo an-
dar e adjacências que ocupamos, Fizemos todas as reformas que de-
sejamos fazer, criamos o departamento de Design desvinculado das
Artes, e também a parte de pós-graduação, que já é outro capítulo.
Como você desenvolvia as estratégias metodológicas para as
disciplinas em que atuou como professor? Exemplifique.
Creio que as estratégias metodológicas evoluem com o tempo por-
que o conhecimento a que se almeja não é algo estático. Prefiro pensá-
-las não como certezas para atingir um objetivo, mas como verdades
provisórias. Há um tempo, a elaboração de painéis semânticos era em-
pregada à exaustão nas escolas de design como forma de se adquirir
algum conhecimento sobre um determinado produto de design. Evi-
dentemente, essa opção advém do emprego de matrizes linguísticas e
imagéticas para revelar aspectos conceituais variados de um fenômeno
que se desejasse conhecer. Hoje, dispõe-se de mais técnicas de gestão
informacional aplicável ao produto em design, capazes de capturar in-
formações com maior acuidade. Por outro lado, certas particularidades
de disciplinas exigem formulações estratégicas quando se almejam
determinados resultados. A disciplina de tipografia, por exemplo, en-
quanto expressão gráfica do tipo, foi ofertada a partir de 1992, uma
única oferta na grade curricular. Envolvia um número expressivo de
alunos em sala de aula e uma carga horária limitada, somente 2 horas
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O valor da formação em design
por semana. A disciplina tinha como objetivo primeiro desenvolver no
aluno a expressão do signo tipográfico com alguma originalidade, algo
bastante presente no design gráfico e ainda não contemplado no en-
sino de design da UFPR daquela época. Um exame particularizado do
desenvolvimento de cada aluno seria impraticável, nesse sentido. Optei
por um procedimento metodológico que transferisse para o aluno e
para o coletivo de alunos o máximo de informação no menor espa-
ço de tempo, gerando a oportunidade de avaliar seu progresso tendo
como base a comparação dos trabalhos individualmente concebidos e
a crítica enquanto processo de análise. Cada aula expositiva correspon-
deria a um tópico e este corresponderia a um trabalho prático de curta
duração. Quando apresentado, abordaria os objetivos a atingir e os cri-
térios de avaliação em estrita relação com o respectivo conteúdo teó-
rico fornecido. As soluções seriam apresentadas na aula subsequente e
submetidas à avaliação conjunta, do professor e dos alunos. A proposta
era proporcionar a todos a assimilação dos acertos e erros cometidos.
Os alunos poderiam reapresentar o trabalho em uma semana, poden-
do melhorar sua nota e seu desempenho. A nota final do trabalho, por-
tanto, corresponderia à média aritmética das notas obtidas em primeira
e segunda apresentação.
Creio que as estratégias metodológicas evoluem com o tempo porque o conheci-mento a que se almeja não é algo estático. Prefiro pensá-las não como certezas para atingir um objetivo, mas como verdades provisórias.
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Memória do Design no Paraná | Ensino
Como você avaliava os conhecimentos adquiridos por seus
alunos ao enfrentar os exercícios propostos?
Os alunos da graduação são mais receptivos às formulações que
Trabalhos acadêmicos de alunos de Design Gráfico (UFPR). Acervo de Airton Caminha.
Quais eram os exercícios que fazia questão de propor aos seus
alunos? Dê alguns exemplos.
Talvez não seja o caso de abordar exercícios propriamente, mas
conhecimentos fundamentais envolvidos. Nas disciplinas em que tive
oportunidade de atuar, uma questão importante era o entendimento
das dimensões da linguagem do design. A Teoria dos Signos, de Char-
les Sanders Peirce, muito em voga por aqui nos anos 80, não se relacio-
na necessariamente com a criação, mas possibilita ao aluno ser capaz
de ler os signos e particularmente os signos do design, sejam eles de
produto industrial, gráfico, informacional, de moda, de ambientes etc.
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O valor da formação em design
facilitem o processo de criação, ou seja, dar solução aos problemas
enunciados. Mas é importante assinalar como é mais difícil criar sem
o domínio da leitura dos fenômenos de linguagem. Ser um leitor
atento é condição necessária para se projetar bem, é indispensável
apreender o mundo que escapa à nossa compreensão. Desse im-
passe nasce uma dificuldade, à resistência para se adotarem teorias
que não dão frutos imediatos.
Quanto ao tipo de avaliação, desejo abordar algo que é inerente
às escolas brasileiras cuja cultura de avaliação se expressa em nú-
meros. Com a exceção das notas 10, 5 ou zero, as demais revelam
pouco sobre a eficácia de um objeto de design e de sua recepção.
Preferiria adotar formulações que guardam maior realidade com os
objetos de design criados, tais como: insuficiente, quando o produ-
to não atende ao solicitado; suficiente, quando o produto atende
minimamente ao solicitado; suficiente +, se o produto atende ao
enunciado com alguma particularidade positiva; bom, quando aten-
de bem ao enunciado contendo particularidades positivas; bom +,
se atende bem ao enunciado e tem originalidade; A, quando revelar
algum grau de inovação. Ainda assim, a proposição é provisória. É
preciso incorporar a conduta do aluno no processo.
Os alunos da graduação são mais recepti-vos às formulações que facilitem o processo de criação, ou seja, dar solução aos proble-mas enunciados. Mas é importante assinalar como é mais difícil criar sem o domínio da lei-tura dos fenômenos de linguagem.
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TRA
JETÓ
RIA
RES
UM
IDA
Dorotéia Baduy Pires formou-se em Pintura pela Escola de Mú-
sica e Belas Artes do Paraná, e em Desenho Industrial pela PUCPR.
Tornou-se Mestre em Educação pela mesma instituição. Atou como
docente no Departamento de Design da Universidade Estadual de
Londrina, participando também de cursos lato sensu na área da
moda em diversas instituições de ensino.
A partir de 2000, coordenou o Projeto Milano: cultura, design e cria-
ção de moda na Itália e França. Atuou como Avaliadora do MEC e como
Presidente da Comissão Verificadora da Área de Design MEC/Setec de
2001 a 2006, ano em que assumiu a coordenação do Fórum das Es-
colas de Moda do Colóquio de Moda. Além disso, foi vice-presidente
da Associação Brasileira de Estudos e Pesquisa em Moda (ABEPEM), e
componente do Colegiado Setorial de Moda do MINC.
Realizou pesquisas e publicações na área de design de moda,
destacando-se a autoria e organização da obra “Design de moda:
olhares diversos”, da Editora Estação das Letras e Cores, 2008. Com-
pôs o Conselho Editorial da revista Dobras, sendo editora de seção
e conselheira editorial da revista Projética.
Em 2012, ingressou no Doutorado em Design e Arquitetura da
FAU/USP, tendo como objeto de estudo as realizações de Nanni
Strada. Infelizmente, seu trabalho foi prematuramente interrompi-
do. Dorotéia faleceu em outubro de 2014.
BADUY PIRES Dorotéia
Dorotéia
BADUY PIRES
86
Integrando Design e Moda
Ao todo serão três blocos. No primeiro bloco, a ideia é que
você conte um pouco sobre a sua história, sobre como decidiu
pelo design e como foi a sua formação. Em um segundo momen-
to, as perguntas serão direcionadas às suas primeiras experiên-
cias profissionais. Por fim, a intenção é investigar sua trajetória
como docente de Design de Moda.
Eu entrei muito cedo na Faculdade de Belas Artes, um pouco per-
dida, mas com muita vocação para essa área de desenho. Fiz muitos
cursos livres e então decidi pelas Belas Artes. Fiz os quatro anos e,
já formada em pintura, pensei: E agora? O que eu faço? Não queria
ser pintora, era pouco. Pensei em fazer Arquitetura, mas não deu
certo, não consegui entrar. Eu era professora de crianças, professora
de Artes durante o dia e à noite fazia Desenho Industrial na PUC.
Acabei me destacando porque, quando se faz um segundo curso,
você faz porque quer, e os meus colegas tinham 17, 18 anos. Eu já
tinha 21. Eu não estava ali para passar o meu fim de adolescência,
queria realmente aprender. Fiz o curso com um empenho incomum
de quando se é jovem. Tinha uma bagagem artística muito forte. O
Dorotéia
BADUY PIRES
87
Calderari teceu inúmeros elogios ao meu trabalho. Ele tem uma im-
portância muito grande na PUC e foi meu professor. Por admirarem
minha performance como aluna, fui chamada para dar aula. No fim
do último ano, no primeiro semestre, eu já tinha uma pequena em-
presa. Um escritório de design, na Marechal Floriano, que abri com
uma amiga, que hoje é minha colega no Projeto Milano.
Estava rolando uma bolsa de estudos no Consulado. Hoje em dia
nem a oferecem mais. Chamava-se bolsa de cooperação técnica en-
tre países. E essa minha amiga se interessou, foi atrás, e nós duas
concorremos. Ela tinha quatro anos a menos que eu, como todos
os outros, e fui contemplada com a bolsa. Qual é sempre o primeiro
país que um estudante de arte pensa? A Itália! Afinal, 50% do patri-
mônio artístico do mundo está lá, além de eu ser descendente de
italianos. No fim do segundo semestre, em setembro, fui estudar
fashion design na Itália. Quando voltei, era uma alienígena no Brasil,
porque não tinha espaço de trabalho.
Nesse momento ainda era algo bem pouco reconhecido, você
afirmou que não tinha muito mercado.
Curitiba é um mercado muito ruim. Eu fui para Londrina e é lá que
as coisas acontecem. Foi lá que nasceu o primeiro curso do Paraná.
A indústria não está em Curitiba. Em Londrina, não temos a menor
dificuldade de colocação dos alunos, os quais, inclusive, atuam muito
em São Paulo, nas grandes marcas. Não sei se aconteceria isso aqui.
Você mencionou essa empresa que abriu com sua amiga.
Que tipo de projetos vocês realizaram?
Dorotéia
BADUY PIRES
88Memória do Design no Paraná | Ensino
Eram de Moda e Têxtil. Como Curitiba não tinha tradição, ten-
dia-se mais para pesquisa de materiais apropriados, estampas. Por
exemplo, tínhamos que projetar os uniformes de uma empresa aé-
rea, com uma série de questões muito específicas de manutenção,
ergonomia, movimento. Fizemos todos os uniformes do Boticário
nacional. Um outro exemplo foi feito para o Bamerindus, que queria
oferecer um presente a todas as secretárias executivas. Nós fizemos
uma coisa muito bacana, que hoje é comum. Um tecido todo pin-
tado à mão. Ficou muito simpático, muito bacana. Também éramos
parceiras do suplemento Viver Bem, da Gazeta do Povo. Trabalháva-
mos bastante com eles. Enfim, fazíamos um pouco de tudo.
Você está falando da relação do Design com a moda, fale um
pouco sobre essa proximidade.
Esses preconceitos todos foram superados. Eu vejo que o De-
sign está se apropriando de valores da moda. Certa vez fui a uma
apresentação de P&D e em algumas salas havia pessoas falando de
questões que a moda sempre tratou como se fossem uma grande
descoberta, como trabalhar com painéis semânticos. O painel se-
mântico é uma escolha que na Metodologia do Design você pode
usar ou não. Na moda, ele é crucial. Vejo isso com muita clareza por
ser designer e somente depois de ter entrado nesse universo da
moda. Moda e Design são palavras que não andaram juntas, duran-
te muitos anos. Um dia, estou em Milão, e eu sempre separo pelo
menos duas tardes para ir às bibliotecas, às livrarias. Nesse dia, vejo
um livro pequenininho: “Moda Design”. As duas palavras juntas na
capa do livro. Levei um susto, perdi o fôlego. Entrei em contato com
Dorotéia
BADUY PIRES
89
Integrando design e moda
a autora e passei a investigar o seu trabalho e admirá-la profunda-
mente, porque, mesmo hoje, ela é uma das raras pessoas no mundo
que faz essa conexão de modo brilhante, com uma clareza que não
provém da academia. Isso me interessa muito. É a Nanni Strada, uma
docente convidada do Politécnico, considerada a melhor professora
e por isso ela é o meu objeto de estudo no Doutorado. Ela é o meu
ídolo. Acho que a gente sempre tem um ídolo. Enfim, fiz muitas en-
trevistas também. Já terminei minhas entrevistas sobre ela em Milão
no ano passado.
O que você acha que foi mais decisivo para que começasse a
se interessar efetivamente pela área do ensino? Como você con-
sidera a sua linha de trabalho como professora? Como os alunos
te veem, como você se vê?
Ano passado eu fiquei de licença para o doutorado, por motivo de
saúde. Mas dou muita aula em pós-graduação no Brasil todo. Tam-
bém fui, durante seis anos, a presidente da área de Design no MEC.
Fiquei de 2000 a 2006 presidindo. Depois mudaram, não existe mais
esse cargo. Eram várias áreas e cada área tinha um presidente. Os pro-
jetos dos processos eram físicos. Hoje é tudo digital. Eu tinha que ir a
Brasília, tinha sala, armário, era físico. Formei uma equipe que era de
Design geral, com joias, moda etc. Procurava ir a todos os eventos de
moda. Isso me permitiu ter uma ampla visão, de Belém até o Rio Gran-
de do Sul. Esses anos foram muito importantes, deram-me uma nova
percepção. De 2000 até 2006, eu fui vendo esses cursos serem trans-
formados. Havia muitos nomes, hoje isso não é mais permitido, ainda
bem, porque tinha umas coisas como estilo, criação, moda e design.
Dorotéia
BADUY PIRES
90Memória do Design no Paraná | Ensino
Era o nome do curso; o aluno saía formado em estilo, criação, moda
e design. Ele era o quê? O MEC cortou essas coisas e, desse processo
de corte, eu participei ativamente. Outras áreas não passaram por
isso. Design de Moda passou.
A sua atuação como docente em Design de Moda envolve
exatamente quais disciplinas?
O meu foco: Metodologia de Projeto. Quando eu comecei, dei
História da Moda, que sempre gostei muito. A disciplina Técnicas de
Apresentação, ministrei sempre. Composição é a minha paixão, por-
que é a disciplina com a qual eu sempre tive muita facilidade e mui-
ta paixão. O curso [da UEL] abriu em 1997 e eu cheguei lá em 1999.
Comecei como professora de pós-graduação. Surgiu um concurso e
eu fui. E era um pouco de tudo, porque não tinha quase ninguém,
eu era a única com um quase mestrado, e todos os meus colegas
tinham sido meus alunos na pós-graduação. Hoje não é mais assim,
no início era. Temos hoje a sorte de contar com muitos professores
que são designers. Fizeram a graduação. Isso é algo que me atraiu
muito para a UEL. Eu percebia que era um espaço.
Havia muitos nomes, hoje isso não é mais permitido, ainda bem, porque tinha umas coisas como estilo, criação, moda e design. Era o nome do curso; o aluno saía formado em estilo, criação, moda e design. Ele era o quê?
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Dorotéia
BADUY PIRES
91
Integrando design e moda
E considerando essas disciplinas, de Metodologia Projetual,
por exemplo, como você vê a sua marca nelas? Como docente,
de que forma encarava o dia a dia com os alunos? Que estraté-
gias metodológicas mais exercitava?
Essa é uma pergunta tão difícil, porque eu nunca fiquei presa a
nenhuma literatura. Quando entrei na PUC, fiquei muitos anos no pri-
meiro ano. Buscávamos trabalhar o demiurgo, isto é: projeta para si,
como um artesão, depois projeta para o outro. Se ele consegue pro-
jetar para si, depois conseguirá projetar para o outro. Tantas coisas di-
vertidas eram desenvolvidas! Eles criavam umas coisas na piscina que
tinham que atravessar, bem parecido com gincana. Exemplo: jogar
um ovo a certa altura e ele não pode quebrar. Havia uns trabalhos de
papelão. Muita experimentação. Alguns projetos, a gente chegava a
documentar, produzir algum texto com uma reflexão. Mas sempre as-
sim, sem literatura. Um deles foi tão longo que, em determinado mo-
mento, os alunos estavam querendo nos matar. Foi o projeto da ilha,
baseada na ideia de Robinson Crusoé. Eles tinham que produzir tudo:
utensílios, roupas etc. Depois, quando eu entrei na UEL, comecei a
trabalhar com uma metodologia adaptada à moda. Adaptei usando
literatura de Design, mas considerando, sobretudo, essa questão do
tempo. É uma correria. O designer tem a ideia, mas a realidade da in-
dústria é outra, é trabalhar em minutos e horas. E surge uma questão
muito importante: a indústria começou, em geral, com um casal. O
homem saiu da agricultura, comprou uma maquininha, pelo menos
ali em Cianorte, e o negócio começou a crescer. Na agricultura tem
geada, na moda não tem, e eles trabalharam muito. Depois envolve a
esposa, porque a esposa tem bom gosto. Fica restrita a essa cultura
familiar. Eles copiam. Tanto é que até o projeto Milano nasceu para
Dorotéia
BADUY PIRES
92Memória do Design no Paraná | Ensino
mostrar que pesquisar moda não é fazer cópia, não é tirar foto de
vitrine, nem fazer desmanche de produto. Hoje há grandes empresas
lá que são coordenadas pelas mulheres.
Projeto Milano. Acervo do curso de Design de Moda (UEL).
E essa adaptação vem ao encontro daqueles aspectos que
você ressaltou, a necessidade da experiência concreta, a proxi-
midade com a realidade, com quem está fora da academia?
Exatamente. O aluno se forma e entra em uma empresa onde
poderá praticar uma metodologia, em outra não. Em uma tercei-
ra vai achar espaço para o estilismo, deixando o design um pouco
de lado. Essa é uma grande preocupação, preparar alunos para o
mundo do trabalho e não do mercado, porque o mercado flutua, o
mercado muda. Você tem que estar pronta para qualquer situação.
Eu os preparo para o mundo, e não para Londrina. Diante disso, eu
acho que se deve criar uma mentalidade capaz de construir uma
metodologia. É claro que você apresenta literatura, aponta cami-
Dorotéia
BADUY PIRES
93
Integrando design e moda
nhos, lê os clássicos, ainda mais hoje. Quando eu me formei, só tinha
livro de moda em espanhol. Em português não tinha nada. Hoje
existe uma literatura vasta, mas você não pode seguir linearmen-
te e racionalmente uma metodologia. A minha escolha foi essa, de
apontar caminhos. Gosto muito de estudar casos, desde os muito
simples até os muito complexos. Gosto de levar pessoas que narram
suas escolhas e suas metodologias, de outras áreas.
Bom, acabei falando só de metodologia, não falei de composição.
Como trabalho composição? O tempo todo aplicada, com exercícios.
Um deles eu adorava, em que eu usava um livro bem pequenininho,
tem uma laranja na capa. Eu passava no mercado e comprava 15 la-
ranjas. Dava uma laranja para cada um, uma faca e já oferecia uma
faca super conceituada no design, que todo mundo elogia. Nas mi-
nhas aulas, isso é habitual. Eu sou apaixonada por cultura de um modo
geral, e cultura do design. Eu trabalho muito com produto de design
e procuro, em todas as minhas aulas, de Composição e de Técnicas
de Representação, trazer conhecimento, porque os alunos são muito
carentes disso. No fim, é claro, comíamos a laranja, jogávamos a laran-
ja uns nos outros, brincávamos bastante. Lia o texto, que é curtinho,
traduzindo-o para o português, e fazia-os refletir. Com isso, começa-
vam a explorar. Levávamos três semanas, três aulas trabalhando isso.
Não mais do que isso. Depois, eles escolhiam um aspecto daquele ob-
jeto e começavam a construir coisas que passavam para a professora
de moulage [Patrícia de Mello Souza], que é genial. Mas ficava o ano
todo fazendo o que eu queria com os alunos em sala de aula. Em um
dado momento, interrompia-se aquilo porque tem um projeto maior
caminhando. Naquele momento oportuno eu tinha que interferir com
a minha disciplina. Teoricamente isso é lindo, mas na prática... Tem
Dorotéia
BADUY PIRES
94Memória do Design no Paraná | Ensino
que haver reuniões. Temos que entrar na sala do colega porque é o
momento de estarem todos ali. Mas os resultados são brilhantes. Nós
o chamamos de “novo curso”. Convidamos o MEC e tivemos a oportu-
nidade de trazer também quem recebia os nossos estagiários, a indús-
tria. Trouxemos todos. Recebemos muitos elogios com essa mudança,
refletida na atuação dos alunos no mercado de trabalho.
Trabalho acadêmico de aluna de Design de Moda. Acervo do curso de Design de Moda (UEL).
Dorotéia
BADUY PIRES
95
Integrando design e moda
Trabalho acadêmico de aluna de Design de Moda. Acervo do curso de Design de Moda (UEL).
Dorotéia
BADUY PIRES
96Memória do Design no Paraná | Ensino
O bacana do curso é também que no último ano o aluno não vai
para a aula. Isso foi uma vitória muito difícil de conseguir. Ele enfrenta
uma semana de preparação e depois vai para o estágio, que pode ser
feito em qualquer lugar do mundo. Já tivemos alunos que estagiaram
no exterior, na Paraíba, outros vão para casa. Até porque 80% dos alu-
nos são de fora. A competitividade do curso é de 30 alunos por vaga.
O aluno tem outra postura. Você é professor, você é uma referência.
É tudo muito diferente. Sobretudo na questão da pesquisa. Tem-se
uma vida dentro da academia. Ultimamente, eu tinha duas disciplinas.
É dobrado, porque a turma é dividida. Mas tinha o resto da semana
para reunião, para projeto, para pesquisa, para estudo, para tocar o
barco. Foi essa liberdade que a UEL me permitiu para desenvolver coi-
sas novas, como o Projeto Milano. Recebi apoio de todo o setor para
poder viajar, estar em outros lugares. Houve épocas em que peguei
dez aviões por semana. Com isso, eu trouxe muita experiência, muita
coisa boa, tanto da Europa quanto do Brasil.
Nas minhas aulas, isso é habitual. Eu sou apaixonada por cultura de um modo ge-ral, e cultura do Design. Eu trabalho mui-to com produto de Design e procuro, em todas as minhas aulas, de Composição e de Técnicas de Representação, trazer co-nhecimento, porque os alunos são muito carentes disso
‘
Dorotéia
BADUY PIRES
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Integrando design e moda
Você falou de envolver ou renovar o repertório do aluno ou ge-
rar uma situação lúdica ou um pouco mais solta. De certa maneira,
tem a ver com gerar um sentido para ele, de contextualizar?
Acho que fazer sentido é uma preocupação minha, tem que ser
prazeroso, buscar o aluno sempre que possível. Uma pessoa sensí-
vel não percebe quando alguém está interessado na sua conversa?
Quando dou uma palestra para grandes públicos, especialmente no
setor calçadista, faço muito isso. No cinema, se tiver muita gente
mexendo a cabeça, pode saber que o filme é ruim. Você percebe
se o público está com você ou não, você tem que ter flexibilidade,
experiência, traquejo, para lidar com isso. Por isso, nas minhas pa-
lestras, eu sempre procuro refletir para saber o que pode ser inte-
ressante para aquele público. Percebo que assim dá resultado. Apre-
sentei um projeto muito complexo na PUC uma vez e parti da minha
horta. Falei da semente, de cultivar, de plantar, de esperar germinar,
para falar de cultura.
Você já atuou em outro curso de Design que não de Moda.
Você já falou um pouquinho disso, não?
Já. Mas só para complementar, o Design tinha mais dificuldade
de trabalhar com os valores intangíveis e a tendência. Existe uma
maldição nessa palavra. Nas minhas aulas, eu procuro não trabalhar,
sempre substituo a palavra por informação e depois recupero a pa-
lavra tendência. Ela traz muitos equívocos em si, por isso procuro
usar outra palavra. Depois eu a resgato, porque está no mercado.
Mas se deve entender realmente o que ela quer dizer, é importante.
Eu gosto de uma marca aqui de Curitiba, de roupa de skate, que
criou uma linha para mulheres, simplesmente aproximando-se do
Dorotéia
BADUY PIRES
98Memória do Design no Paraná | Ensino
público. A palavra tendência parece estar em algum lugar que você
tem que buscar. Quando está na Europa, na revista, não é mais ten-
dência, está velho, está feito.
Na sua opinião, como seria a grade curricular ideal para um
curso de Design?
Posso fazer uma correção? Organização. Não se usa mais grade.
Quando você fala em grade, você fala em cadeia. Isso não se usa.
Isso é uma orientação do MEC. Você organiza um currículo.
Você reforçou bastante essa integração maior entre as disci-
plinas, os professores.
Sim. E trazer muito o mundo do trabalho para o aluno. De cer-
ta forma, procuramos trazer, nas apresentações, em situações mais
comuns, parceiros de projetos. Por exemplo, no terceiro ano, propo-
mos um projeto integrador que abrange todas as disciplinas. Uma
das coisas positivas pelas quais a gente lutou é o estágio no último
ano, sendo que o aluno pode cumprir oito horas, porque não tem
mais aulas. Ele também vai escrever um artigo nos modelos da re-
vista Estudos em Design, acompanhado pelo professor que vai ser o
orientador de TCC. Nesse processo, busca-se relacionar a problemá-
tica do projeto com uma parceira, com uma empresa. Enfim, tem sa-
ído muita coisa interessante, e as empresas encampam, colaboram,
produzem. Não se aceita produto com aparência de costureira, isso
não é possível, é rejeitado. Buscam-se parcerias com as indústrias. E
essa foi uma das coisas mais elogiadas pela indústria local.
O aluno que está fazendo TCC também não fica o tempo todo na
UEL, mas tem encontros com os professores. Ele tem interlocuções.
Dorotéia
BADUY PIRES
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Integrando design e moda
Num dado momento, que consta no cronograma, o professor fica
disponível. Os alunos agendam encontros e são obrigados a cum-
prir algumas horas. Por exemplo, se precisam de ajuda em Compo-
sição, eu sou a professora e estou lá. Eles vivenciam uma trajetória
profissional com suporte da academia. Então, normalmente, já estão
empregados. Muitos iniciam o estágio e já ficam na empresa, efeti-
vados, sem o trauma da formatura. De algum modo, já se encami-
nharam. Isso foi algo que tanto o setor quanto os alunos, como a
academia, consideram como um grande ganho.
O que eu recomendo é a ideia de procurar integrar, apesar de ser
tão difícil. Uma coisa muito grave: vários professores pedirem vários
trabalhos sem saber o que o outro professor está propondo. Dessa for-
ma, o aluno, que é um, tem trinta trabalhos. Vejo isso como uma ano-
malia, uma imbecilidade, uma falta de planejamento, de sentar, con-
versar; e isso se reflete na avaliação. O aluno acaba fazendo ou aquilo
que ele tem mais medo, ou aquilo que ele mais gosta, e isso não está
certo. Tentamos contemplar tudo em um único trabalho. Não precisa
ser necessariamente um projeto grande, mas único, envolvendo duas,
três, quatro disciplinas. Avalia-se tudo junto, sob vários aspectos.
Agora eu peço que você fale sobre sua atuação como orienta-
dora de TCC. Como você lida com orientando? O que você con-
sidera mais importante para alguém que está saindo da facul-
dade? Ou que logo depois vai segurar um papel que o legitima
como Designer de Moda?
Como orientadora, a primeira coisa é conversar. Neste ano, eu es-
tava no exterior ainda, e comecei a orientar. Fiquei mais de seis sema-
nas na Europa e conversava com os alunos pelo Skype. Nas conversas
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Memória do Design no Paraná | Ensino
Nas conversas iniciais, testo à exaustão o desejo, a veracidade daquilo que o aluno quer trabalhar. Essa, para mim, é a primeira empreitada. Acho que o principal papel do orientador é em relação à definição do tema.
‘
iniciais, testo à exaustão o desejo, a veracidade daquilo que o aluno
quer trabalhar. Essa, para mim, é a primeira empreitada. Acho que o
principal papel do orientador é em relação à definição do tema. Os
últimos trabalhos que eu tenho acompanhado são os que apresen-
tam pensamento de gestão, mas não no sentido restrito. A gestão da
questão de moda em âmbito ampliado. Isto é, o produto e toda a sua
trajetória. Por exemplo, desenvolve-se um produto que vai ocupar
um espaço. Que espaço é esse? Onde o usuário deposita esse objeto?
Quanto de água utiliza? Sabão? Quem passa? Qual a durabilidade?
Qual é a matéria-prima? Como isso depois se dá no espaço de co-
municação? É bom quando os alunos pensam de modo ampliado.
Esses são trabalhos que me interessam e dos quais acho que dou
conta muito bem. Em relação aos projetos, se tiver que escolher uma
resposta, é essa: a integração me fascina. Eu gosto de pensar assim,
de modo integrado, ampliado, contextualizado. Mesmo que às ve-
zes o aluno não venha com essa proposta, eu procuro motivá-lo a
comprá-la, porque o Design está todo aí, não tem mais sentido criar
uma marca, um produto. Você tem que ter novas propostas, novos
produtos, resolvendo questões fundamentais.
Dorotéia
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Integrando design e moda
Compare os cursos que você conhece fora do Brasil com os
brasileiros; o perfil dos alunos, a abordagem. Você já falou um
pouco disso, mas eu queria que você emitisse a sua opinião, já
que você circula em vários ambientes acadêmicos.
Coordeno oito alunos que fazem intercâmbio na Itália, então ao
todo temos cinco alunos em Veneza e dois em Milão, no Politécnico.
Eu os acompanho. E alguns [pelo Ciência sem Fronteiras] foram para
Portugal, para outros lugares. Tenho ex-alunos nos EUA, já dando aula
em Savanna. Bem, é difícil formatar uma ideia.
Vamos ficar com 1990. Um pouquinho antes, um pouquinho de-
pois, mas 1990 foi um marco. Paris tinha uma escola secular, técnica.
O Brasil também começou com cursos técnicos. Começou sempre
com pessoas do mercado, o que foi muito bom. No mundo inteiro
aconteceu esse “boom”, a abertura das grandes escolas. Em Lon-
dres, a San Martin, por exemplo, tem uma característica mais artís-
tica como a Santa Marcelina aqui, e se percebe que Cambridge tem
outra proposta. O design é muito versátil, muito amplo, não tem
limites, é uma rede. Isso me fascina. Estamos falando de algo que
no Brasil é muito novo ainda. Com relação ao ensino do Design de
Moda no Paraná, acompanhei o nascimento de cada um. A UEL tem
essa grande vantagem de ter sido fundada por uma designer, que
chamou designers para a composição do corpo docente, então o
nosso DNA é Design. No Paraná, temos alguma coisa no oeste. Eu
fui professora de alguns cursos por lá, ajudei no treinamento de ou-
tros. Há um polo masculino no oeste. No sul, naquela região de Pato
Branco, Francisco Beltrão, também existe curso. Contamos com um
polo infantil no noroeste. Curitiba não é identificada ainda como um
polo claro. Eu gosto do que acontece em São Paulo: esse aluno tem
Dorotéia
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Memória do Design no Paraná | Ensino
“esse” perfil, vai para “essa” escola; aquele aluno tem “aquele” perfil,
vai para “aquela” escola. Dependendo do perfil do aluno, escolhe-
-se a faculdade que ele vai cursar. Isso também é mais ou menos o
que o MEC está propondo agora com a questão da ênfase. Por isso
gosto da ideia da escola de Pernambuco. É bárbaro aquele curso!
Foi formatado por uma designer, a Solange Coutinho. É completa-
mente diferente de tudo e já privilegia essa nova ênfase indicada
pelo MEC. Eles sabem que é meu sonho atuar lá. Nas minhas aulas,
isso é habitual. Eu sou apaixonada por cultura de um modo geral,
e cultura do design. Eu trabalho muito com produto de design e
procuro, em todas as minhas aulas, de Composição e de Técnicas de
Representação, trazer conhecimento, porque os alunos são muito
carentes disso. Aqui não temos indústria para estágio, ou só tem
feminina. E o aluno tem que passar por pelo menos três segmentos.
Caso contrário vai ficar a vida inteira na moda praia. Ele tem que,
pelo menos durante duas semanas, passar por outra. Temos uma
semana em nosso programa em que apresentamos o curso exausti-
vamente para os alunos. Assim, ele sabe o que comprou, onde está
se metendo. Também procuramos apresentar qual a nossa intenção
dentro daquela perspectiva. É como com a Medicina. É diferente
aprender medicina aqui e em uma cidadezinha do interior do Nor-
deste. Lá não poderão fazer cirurgia plástica. É bom senso, critério
e respeito pelo aluno. Se tem uma coisa que eu aprendi nos meus
anos de MEC é que se alguém tem que ser defendido nessa histó-
ria, esse alguém é o aluno. Hoje é tudo tão complexo no mercado.
A palavra do momento é complexidade. Acho que não temos que
complicar a vida do aluno. Temos que oferecer menos disciplinas,
dar muita voz, muito espaço, explorar mais o aluno. O perfil não é
traçado pelo Estado, é traçado pelo projeto do curso. E isso está
determinado no Ministério. A primeira coisa que se deve fazer é es-
tudar a realidade e depois desenhar o curso, e não o contrário.
Este livro foi composto na tipologia Myriad Web Pro Light 11,impresso em papel couche 90g/m.
–Curitiba - PR