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Literatura e Ensino I
Florianópolis - 2013
Tânia Regina Oliveira RamosGizelle Kaminski Corso9º
Período
Governo FederalPresidência da RepúblicaMinistério de EducaçãoSecretaria de Ensino a DistânciaCoordenação Nacional da Universidade Aberta do Brasil
Universidade Federal de Santa CatarinaReitora: Roselane NeckelVice-reitora: Lúcia Helena Martins PachecoSecretário de Educação a Distância: Cícero BarbosaPró-reitora de Ensino de Graduação: Roselane Fátima CamposPró-reitora de Pós-Graduação: Joana Maria PedroPró-reitor de Pesquisa: Jamil AssreuyPró-reitor de Extensão: Edison da RosaPró-reitora de Planejamento e Orçamento: Beatriz Augusto de Paiva Pró-reitor de Administração: Antônio Carlos Montezuma BritoPró-reitor de Assuntos Estudantis: Lauro Francisco Mattei Diretor do Centro de Comunicação e Expressão: Felício Wessling MargottiDiretor do Centro de Ciências da Educação: Wilson Schmidt
Curso de Licenciatura Letras-Português na Modalidade a DistânciaDiretor da Unidade de Ensino: Felício Wessling MarguttiChefe do Departamento: Rosana Cássia KamitaCoordenadora de Curso: Sandra QuarezeminCoordenador de Tutoria: Josias HackCoordenação Pedagógica: Cristiane Lazzarotto Volcão
Comissão EditorialTânia Regina Oliveira RamosSilvia Inês Coneglian Carrilho de VasconcelosCristiane Lazzarotto Volcão
Equipe de Desenvolvimento de Materiais
Coordenação: Ane GirondiDesign Instrucional: Daiana AcordiDiagramação: Tamira Silva SpanholCapa: Tamira Silva SpanholTratamento de Imagem: Tamira Silva Spanhol
Copyright © 2011, Universidade Federal de Santa Catarina/LLV/CCE/UFSCNenhuma parte deste material poderá ser reproduzida, transmitida e gravada, por qualquer meio eletrônico, por fotocópia e outros, sem a prévia autorização, por escrito, da Coordena-ção Acadêmica do Curso de Licenciatura em Letras-Português na Modalidade a Distância.
Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária da
Universidade Federal de Santa Catarina
Ficha Catalográfica
R175l Ramos, Tânia Regina Oliveira Literatura e ensino I : 9º período / Tânia Regina Oliveira Ramos, Gizelle Kaminski Corso. - Florianópolis : UFSC/CCE/LLV, 2013. 120 p. : il., grafs, tabs.
Inclui bibliografia. ISBN: 978-85-61482-64-0
1. Literatura – Estudo e ensino. I. Santos, Izabel Cristina da Rosa Gomes dos. II. Título. CDU: 82:37
Sumário
Unidade A ..........................................................................................111 A literatura em sina ......................................................................................13
2 As institucionalizações da literatura ......................................................19
Unidade B ...........................................................................................273 Relação literatura e ensino .......................................................................29
4 A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet) ...37
5 Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação
literária .............................................................................................................45
Unidade C ...........................................................................................556 A literatura infantojuvenil .........................................................................57
7 Ilustração: Palavras e imagens .................................................................67
8 As adaptações de textos clássicos .........................................................75
Unidade D .........................................................................................839 A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular .......85
10 O texto literário na escola: apontando caminhos .......................105
Referências ...................................................................................... 113
Apresentação
Nossa disciplina objetiva principalmente pensar a futura prá-
tica como professoras e professores de Literatura. Por essa
razão ela é apresentada a partir da voz de uma professora. Sua
inquietação e seu questionamento motivaram a trajetória das nossas esco-
lhas e dos tópicos a serem aqui apresentados. Eis o que nos escreveu em
2008 a professora Fabiana Cardoso Fidelis: “Como sabem, pela primeira
vez estou ministrando aulas para o ensino médio. Tenho a disciplina de lín-
gua portuguesa (três períodos), na qual se inclui os conteúdos de literatura.
O currículo estabelecido segue mais ou menos o que está nos livros didáticos,
conforme as séries, dividido em gramática e períodos literários. O professor
faz o plano e organiza sua metodologia em cima do currículo (na prática,
no ensino médio federal, conduz sua aula como acha melhor). Assim sendo,
no que se refere à literatura, tenho tentado trabalhar com a leitura de algu-
mas obras ou trechos delas – numa perspectiva da tradição – e delas tirar as
características estéticas do período – quero que pelo menos os alunos conhe-
çam trechos das obras, se não a obra inteira. Bom, estamos reformulando
o currículo dos cursos técnicos na escola e fiquei me perguntando sobre o
fato de a literatura estar incluída na aula de língua portuguesa e o quanto
a literatura fica em segundo plano por isso. Sei que o ideal seria integrar as
duas disciplinas, de forma que se trabalhasse com análise de textos literá-
rios como algo que fizesse parte da língua, com suas especificidades, mas na
prática sabemos que não é bem isso que ocorre. O professor que tem sua for-
mação voltada para a língua portuguesa acaba trabalhando muito pouco a
literatura ou nem trabalha. Vimos isso na pesquisa que fizemos em escolas.
Os alunos não conheciam nem tinham lido nenhuma obra literária. Então
fiquei me perguntando se não seria melhor dedicar um período ao ensino de
literatura. Acho que o ideal mesmo seriam dois e dois, ou seja, dois períodos
(duas aulas) para o ensino de literatura e dois para o ensino de língua por-
tuguesa – estrutura e funcionamento da língua, mas acho difícil que o acei-
Fabiana Cardoso Fidelis é professora de ensino mé-dio no IFRS e é doutorada pelo Programa de Pós--Graduação em Literatura na UFSC, desenvolveu uma pesquisa sobre leitu-ra e ensino.
tem, porque os pedagogos e professores de outras áreas têm a ideia de que
Português é importante, mas que a literatura tem muita “firula”. Parece-me
que seria positivo para a disciplina de literatura ser novamente reconhecida
como disciplina separada; por outro lado, acho que a integração dentro da
mesma disciplina, com o mesmo professor, também tem suas vantagens. Os
PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais, o Enem- Exame Nacional do
Ensino Médio, tudo se encaminha para colocar a literatura dentro da área
de códigos e linguagens, apenas como mais um gênero literário, no mesmo
status dos outros. Em um dos simulados do Enem em 2009, por exemplo, o
que há de literatura são apenas duas questões sobre Manoel de Barros, e são
questões interpretativas. O que vocês, que trabalham na sala de aula ou com
estágios, pensam a respeito? Como é nas escolas em que trabalham?”
O desabafo individual foi interpretado por nós como uma angústia coletiva.
Quem de nós já não vivenciou essas questões como professor ou como aluno?
É possível ensinar literatura? É possível aprender literatura? É possível con-
quistar um espaço disciplinar para a Literatura? Literatura se ensina?
Nossa disciplina procurará elaborar questões sobre a relação entre literatura
e ensino que distribuímos em quatro unidades, as quais perfazem o total
de dez tópicos. Selecionamos o que nos pareceu mais importante. Ao final
de cada um dos tópicos colocamos reflexões para serem feitas entre si ou
individualmente, paralelas às atividades do ambiente virtual. Alimentamos
também nossa webteca com excelentes textos sobre o tema da nossa disci-
plina. Cada tópico percorre um caminho de sugestões de leituras. Demos a
elas uma nomenclatura que metaforiza nossa trajetória cotidiana como es-
tudantes universitários e como futuros professores: preparatório, pré-requisi-
to..., troca de experiências, na margem, intervalo, passando a limpo, primeiras
leituras, pausa, depois da aula e lições, todos sugerindo uma fala. Giorgio
Agamben, fazendo uma leitura sobre o conceito de experiência, chama à
atenção ao dizer que hoje não basta só o homem que sabe (homo sapiens),
mas o homem que sabe e que pode falar (homo loquens). A fala de um pro-
Criado em 1998 e que tem por objetivo ava-liar o desempenho do
estudante ao fim da escolaridade básica. Po-
dem participar do exame alunos que estão con-
cluindo ou que já conclu-íram o ensino médio em anos anteriores. O Enem
também é utilizado como critério de seleção
para os estudantes que pretendem concorrer a
uma bolsa no Programa Universidade para Todos
(ProUni). Na prova do Enem 2013, mais de
60 instituições federais usarão o resultado do
exame como critério de seleção para o ingresso no ensino superior, seja
complementando ou substituindo o vestibular.
AGAMBEN, Giorgio. Infân-cia e história. Destruição da experiência e origem
da história. Belo Horizon-te: Editora da UFMG,
2005, p. 14.
fessor vai depender, segundo ele, do homo sapiens, mas também do homo
loquens. Assim, a nossa experiência, a nossa fala ou o nosso conhecimento
facilitarão nosso trabalho como professores de Literatura.
Tânia e Gizelle
Unidade AA literatura em questão
Capítulo 01A literatura em sina
13
1 A literatura em sina
Mas a nós, que não somos nem cavaleiros da fé nem super-homens, só
resta, por assim dizer, trapacear com a língua, trapacear a língua. Essa trapaça
salutar, essa esquiva, esse logro magnífico que permite ouvir a língua fora do
poder, no esplendor de uma revolução permanente da linguagem, eu a chamo,
quanto a mim: literatura.
(BARTHES, 1978, p. 16)
Por que a literatura em sina? A palavra “sina” pode tanto significar “sor-
te” quanto “destino” e a literatura pode passar a fazer parte da nossa história
de vida por acaso (sorte?), ou estar predestinada a ingressar nessa mesma
vida por uma via determinada pelo processo de escolarização ou por outra
via, que possivelmente passa pela inserção familiar, econômica, social (des-
tino?). A literatura destinada. A literatura na sorte. A literatura em questão.
A literatura em sina ou, de acordo com sua sonoridade, a literatura “ensina”.
A literatura em sina ensina, ou seja, a literatura, enquanto destino (ou
sorte?), projetada como leitura, ficção, ingressa formalmente na vida dos
estudantes desde as séries iniciais do ensino fundamental como mecanismo
de imaginação, viagem, deleite, prazer, aprendizagem, e atinge o ensino mé-
dio sustentada pela força disciplinar da leitura obrigatória para o vestibular.
Por que a relação da literatura e da leitura na escola sofre tal meta-
morfose? Por que passa de um estágio a outro sendo vista como apenas
um conteúdo a mais a ser digerido? Onde foi parar a leitura enquan-
to prazer e deleite? A leitura que possibilitaria a construção de sujeitos
mais críticos e criativos?
Em Epistula ad Pisones [Carta aos Pisões], conhecida como Arte
Poética, o poeta lírico, satírico e filósofo latino Horácio (65 a.C. - 8 a.C.)
Literatura e Ensino I
14
compreendia que um dos preceitos da arte era o de deleitar, mas o de,
também, ensinar (docere cum delectare – deleitar ensinando). Ao enfo-
car a assertiva de Horácio, deleitar e ensinar, deparamo-nos com outra
pergunta: é possível mesmo ensinar literatura?
Será o seu objetivo, como questionou a pesquisadora e professora
da Universidade Federal Fluminense, Cyana Leahy-Dios (2000, p. 15),
em Educação literária como metáfora social: desvios e rumos, o de “criar
consumidores, produtores de literatura, ou ambos?”. Complementa a
pesquisadora, ao detectar duas grandes contradições entre os progra-
mas de estudo de literatura:
A primeira é a discrepância entre os objetivos declarados para a educa-
ção literária, sempre situados ao redor do eixo de “satisfação pessoal,
social e cultural”, e os conteúdos, baseados na descrição cronológica e
acrítica de fatos sociais, econômicos, políticos e geográficos que de-
veriam justificar a produção literária de um dado período, em dada
região do país, por dadas razões – frequentemente apenas históricas.
(LEAHY-DIOS, 2000, p. 190).
Lançamos aqui algumas perguntas que ainda fazem parte de certas
práticas de avaliação do contexto cultural. Por que estudar literatura na
escola? Para ser uma pessoa melhor; para ter conhecimento de textos
consagrados; para obter domínio da linguagem escrita; para ter uma
outra visão de fatos históricos, políticos e sociais, locais e universais;
para se expressar melhor; para poder fazer comentários de livros; para
conhecer o cânone literário - as obras consagradas pela tradição?
Numa época em que os textos considerados clássicos são substitu-
ídos na maioria das vezes pelos produtos da indústria cultural, parece
fazer sentido a preocupação e a necessidade do professor norte-ameri-
cano Harold Bloom de resgatar escritores clássicos universais para leito-
res de todas as idades, corroborando a ideia de uma formação precoce
Cyana Leahy-Dios é es-critora, pesquisadora,
professora, tradutora e editora. Atua em várias
áreas de pesquisa, como literatura e en-sino, narrativas auto-
biográficas, semiótica e sociedade, literatura comparada e teoria da
tradução.
Cânone“O termo grego kanon (“espécie de vara de medir”) afirmou-se na cultura românica com sentido preciso de “nor-ma” ou “lei”. Porque é um processo de selec-ção e exclusão, a forma-ção de um cânone obe-dece inexoravelmente a uma afirmação de po-der.” (CEIA, 2004, p. 121)
Capítulo 01A literatura em sina
15
do leitor voltada para uma literatura com bons textos, sem adjetivação
excessiva, cortes e adaptações.
Harold Bloom é extremamente adepto ao incentivo da leitura dos
clássicos, e isso pode ser confirmado por intermédio de seus manifes-
tos, How to read and why (2000) e The Western Canon (1994), tradu-
zidos para a língua portuguesa respectivamente com os títulos Como
e por que ler e O cânone ocidental, nos quais apresenta uma espécie
de clamor à leitura dos autores e livros clássicos, oferecendo, no pri-
meiro, caminhos de leitura para determinadas obras, afirmando que
“Ler bem é um dos grandes prazeres da solidão [...]. Ler nos conduz à
alteridade, seja à nossa própria ou à de nossos amigos, presentes ou fu-
turos” (BLOOM, 2001a, p. 15). Já no segundo livro, estuda e interpreta
26 escritores, elegendo o escritor inglês William Shakespeare como
figura central do cânone universal e do cânone ocidental ao lado do
poeta italiano Dante Alighieri. Os autores que compõem a lista de câ-
nones foram escolhidos por Bloom tanto pela sublimidade da temática
quanto pela natureza representativa. Para ele, sem o processo da influ-
ência literária, não pode haver literatura forte, canônica, clássica. Um
antigo teste para o reconhecimento da literatura canônica, segundo
Harold Bloom, continua sendo a questão e a necessidade da releitura.
Salienta, porém, que ler o cânone não torna o ser humano melhor ou
pior, um cidadão mais útil ou nocivo à sociedade, a verdadeira utili-
dade de Shakespeare ou Cervantes, de Homero ou Dante, de Chaucer
ou Rabelais, “é aumentar nosso próprio eu crescente. [...] Tudo o que
o Cânone Ocidental pode nos trazer é o uso correto de nossa solidão,
essa solidão cuja forma final é nosso confronto com nossa mortalida-
de” (BLOOM, 2001a, p. 36-37).
Se o cânone, como afirma Bloom, não nos torna melhores nem pio-
res, mais úteis ou nocivos, por que (a boa) literatura? Literatura para
quê? Literatura para quem?
William Shakespeare(1564-1616) – poeta e dramaturgo inglês; au-tor das peças Romeu e Julieta, Hamlet, Rei Lear, entre inúmeras outras.
Miguel de Cervantes Saavedra (1547-1616) – romancista, drama-turgo e poeta espanhol; autor de Don Quijote de la Mancha.
Homero (séc. VIII a.C.) -poeta grego que se consagrou pelo gêne-ro épico; embora haja inúmeras contestações a respeito de sua exis-tência, é compreendido como autor das epo-peias Ilíada e Odisseia.
Chaucer (1343-1400) -filósofo, escritor e diplo-mata inglês; autor de Os Contos da Cantuária [The Canterbury Tales].
François Rabelais (1483-1553) - padre, médico e escritor do Renascimento; autor de Gargântua e Pantagruel.
Dante Alighieri (1265-1321) – poeta, escritor e político italiano; autor da Divina Commedia.
Literatura e Ensino I
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O professor da USP e importante crítico literário Antonio Candido,
em palestra proferida no curso organizado pela Comissão de Justiça e Paz
da Arquidiocese de São Paulo em 1988, intitulada “O direito à literatura”,
palestra posteriormente publicada em livro, elabora uma síntese didática a
respeito da função da literatura. Ele afirma estar a literatura “ligada à com-
plexidade de sua natureza” (CANDIDO, 1995, p. 244). Diante dessa com-
plexidade, aponta três faces: (1) construção de objetos autônomos como
estrutura e significado; (2) forma de expressão; manifesta emoções e a vi-
são de mundo dos indivíduos e dos grupos e (3) forma de conhecimento.
A terceira face, de fato, é a aparentemente mais difundida – ao re-
duzirmos o estudo da literatura a conhecimento –, no entanto, o efeito
das produções literárias, corrobora Antonio Candido (1995, p. 245),
é devido à atuação simultânea dos três aspectos, embora costume-
mos pensar menos no primeiro, que corresponde à maneira pela qual
a mensagem é construída; mas esta maneira é o aspecto, senão mais
importante, com certeza crucial, porque é o que decide se uma comu-
nicação é literária ou não.
Seguindo com as reflexões de Antonio Candido, tendo em mente o
título de seu texto, todo o ser humano tem direito à literatura; não há ser
humano que consiga viver sem ela [a literatura], “sem a possibilidade
de entrar em contato com alguma espécie de fabulação” (CANDIDO,
1995, p. 242). Essa satisfação, via literatura, constitui-se direito e fator
indispensável de humanização.
Entre os limites com a filosofia e as ciências humanas, a literatura
é concebida como “pensamento e conhecimento do mundo psíquico e
social em que vivemos” (TODOROV, 2009, p. 77); faz viver experiências
singulares, solitárias, únicas, de condição humana, podendo “transfor-
mar a cada um de nós a partir de dentro” (TODOROV, 2009, p. 76).
Quem está em contato com ela [a literatura] não se torna um especialis-
ta em análise literária, mas um conhecedor do ser humano. Seria, então:
Antonio Candido, crítico literário estudioso da literatura brasileira e estrangeira.
Capítulo 01A literatura em sina
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Reflita(m) e troque(m) ideias com seus
colegas, tutores e professores:
1. O que você(s) entende(m) por literatura canô-
nica? Que autores e obras seriam, por exemplo,
representativos da literatura brasileira canônica?
2. O professor português Carlos Ceia, em A litera-
tura ensina-se, lançou uma questão pertinente:
“será que o cânone português consegue dar aos Portugueses o sentido exac-
to da sua história nacional?” (CEIA, 2004, p. 32). E o cânone brasileiro, na sua
opinião, consegue dar aos Brasileiros o sentido exato de sua história nacional?
3. Até que ponto a literatura canônica responde as necessidades e os interes-
ses das novas gerações de leitores?
4. Você(s) acha(m) que na(s) sua(s) história(s) de vida você(s) teve(tiveram) di-
reito à literatura, como propôs Antonio Candido?
Leia mais!
Preparatório, pré-requisito...
Roland Barthes escreveu importantes textos sobre a questão do ensino e da leitura. Sugerimos que este tópico seja complementado com estas re-ferências:
A literatura como direito, não como dever.
A literatura que humaniza, verbaliza, realiza, dinamiza, pluraliza.
Sim, a literatura, seja ela em sina ou em cena, ensina.
Literatura e Ensino I
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BARTHES, Roland. “Escritores, intelectuais, professores”. In: O rumor
da língua. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988a,
p. 313-332.
______. “Da leitura”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário Laran-
jeira. São Paulo: Brasiliense, 1988b, p. 43-52.
______. “Reflexões a respeito de um manual”. In: O rumor da língua.
Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988c, p. 53-59.
______. “Au séminaire”. In: O rumor da língua. Tradução de Mário
Laranjeira. São Paulo: Brasiliense, 1988d. p. 333-342.O tradutor Mário Laran-
jeira manteve o título original (em francês)
deste texto, mas inseriu a tradução em nota de
rodapé, que significa: “No ou ao seminário”
(1988, p. 333).
Capítulo 02As institucionalizações da literatura
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2 As institucionalizações da literatura
A enciclopédia de arte que meu pai me deu. Estupenda, fica comigo,
transferida da categoria de livro/leitura para a de totem. Dela não há quem
me separe. Idem para os outros livros de arte, os catálogos dos museus e os
das grandes exposições.
(COLASANTI, 2007, p. 160)
“Será que a literatura pode ser para nós algo que não uma lembran-
ça de infância?” (BARTHES, 1988c, p. 57), questionou Roland Barthes, em
1969, em Conferência pronunciada no Colóquio O Ensino da Literatura,
intitulada “Reflexões a respeito de um manual”. Essa pergunta do ensaísta
francês vem em virtude de algumas observações que ele apresenta a res-
peito de um manual de história da literatura francesa. Embora definidas
pelo próprio autor como “improvisadas”, “simples” e até “simplistas”, suas
observações partem de um questionamento crucial: o que persiste depois
do colégio? Como sobrevive a literatura pós-ensino médio, pós-vestibular?
Roland Barthes enumera duas possíveis lembranças de infância
pelas quais a literatura supostamente sobreviveria pós-colégio.
A primeira seria a lembrança do que ele denomina monemas
da língua (lembranças de nomes esparsos de autores, escolas,
movimentos, gêneros e séculos); a segunda, a de que a História
da Literatura Francesa (e aqui não poderíamos excluir a(s) da Li-
teratura Brasileira – Sílvio Romero, José Veríssimo, Alfredo Bosi,
Afrânio Coutinho...), é feita de censuras que seriam: a ausência
de uma economia e de uma sociologia da literatura; sexualida-
de; literatura ( jamais definida enquanto conceito) e linguagem
(classicocentrismo). Para apenas não apontar problemas nesses
manuais, compêndios, florilégios, bosquejos, Roland Barthes
apresenta pontos de acertos provisórios, o que valeria dizer,
possíveis soluções para o que deveria, ou melhor, como deveria
ser feita a ideia de uma história da literatura: inverter o classi-
cocentrismo, ou seja, estudar a história da literatura de frente
Literatura e Ensino I
20
Pensando-se nessas questões e soluções, podemos perceber que, por
meio dessas reflexões, Roland Barthes coloca em xeque, de certa forma,
a institucionalização da literatura. O que seriam os manuais/histórias da
literatura se não imposições de determinadas escolhas? O que deveria ser
apre(e)ndido? Estudado? Que autores e obras deveriam ser lidos?
Sabemos que, grosso modo, as Histórias da Literatura, vistas e revis-
tas no Brasil desde o século XIX, aliadas ao conceito de nacionalismo,
no sentido de abarcar toda a produção literária da nação, e identidade
literária, surgiram como uma espécie de resgate para que não se perdes-
sem as produções literárias efetuadas até então. Assim, essas histórias
são elaboradas de acordo com determinados olhares, que incluem sele-
ção e exclusão de autores e obras.
Em consonância com essa suposta instituição da literatura, via
listagem de autores e obras que traduziriam (um)a identidade literária
brasileira – com caráter de legitimação -, há os movimentos academi-
cistas que aconteceram, no Brasil, no século XIX – agremiações que
passaram a ser vistas como oficialidades da intelectualidade. A Acade-
mia Imperial de Belas Artes (1816) foi uma das precursoras desse tipo
de agremiação, mas foi com a criação da Academia Brasileira de Letras
(ABL), em 1896, que se estabeleceu uma autêntica expressão literária
academicista. Surgida em um momento de indecisões estéticas, que
incluía as vozes roucas da estética naturalista disputando espaço com
as inovações do simbolismo e o aparecimento lateral dos chamados
pré-modernistas, no início do século XX, a Academia Brasileira de Le-
tras instaurou-se como representante de um ideário estético. Segundo
Mauricio Silva (2007, p. 71),
Além da ABL, é impres-cindível citar que outras
instituições, na passa-gem do século XIX para o XX, contribuíram para
a consolidação de um cenário literário no Bra-
sil: imprensa, livrarias, centros acadêmicos
e entidades culturais diversas.
Roland Barthes, escritor e crítico literário francês.
para trás; substituir pelo texto o autor, a escola, o movimento, e
desenvolver a leitura polissêmica.
Capítulo 02As institucionalizações da literatura
21
a Academia tornou-se, na época de sua fundação, uma referência artísti-
ca incontestável. Foi objeto de desejo, ainda que não declarado, da maior
parte de nossos escritores, mesmo daqueles cuja obra estava, reconhe-
cidamente, distante dos cânones acadêmicos; deu prestígio aos eleitos
e causou despeito em muito autor cujos méritos iam além do reconhe-
cimento oficial. Do ponto de vista da expressão artística, mais do que de
uma perspectiva social, o movimento academicista foi segregacionista:
cooptou exclusivamente os autores que, de certo modo, enquadravam-
-se em seus padrões de fruição estética, alijando de suas lides os demais.
Isso permite visualizar a Academia Brasileira de Letras, pelo menos du-
rante o que se pode considerar o período áureo – suas primeiras duas
décadas –, como uma agremiação esteticamente homogênea.
Esse movimento artístico foi, também, responsável por fortale-
cer determinadas tendências artísticas em detrimento de outras. Eri-
gindo-se como ponto de referência cultural, a Academia Brasileira de
Letras passou a ser, por duas décadas, um dos representantes oficiais
da literatura brasileira. De acordo com as eleições da Academia, e
das compilações das diversas histórias da literatura efetuadas durante
anos, foi se configurando o ensino da literatura, que passou a ser insti-
tucionalizado também pela Escola e pela Universidade.
A Universidade, conjunto de faculdades ou escolas para a espe-
cialização profissional e científica que tem por objetivo promover e
divulgar conhecimentos, institucionaliza, escolhe, exclui e, de certa
forma, impõe o que é importante ser estudado/apre(e)ndido em ma-
téria de literatura. Além disso, é considerada um dos recintos e abrigo
dos intelectuais-professores (ou professores-intelectuais), que fazem
suas escolhas (autores, obras, teorias) de acordo com seus anseios,
pesquisas, inquietações, os quais são tornados públicos por meio de
livros, artigos, periódicos, conferências, discussões públicas, ensino
universitário; obviamente sujeitas ao mercado e a questões políticas. A
Literatura e Ensino I
22
Universidade - mais especificamente os seus cursos de Letras - é uma
das instituições responsáveis pela institucionalização da literatura, es-
pecialmente a canônica, que existe e resiste devido à sua dependência
dos departamentos que o exigem. Cânones universitários, segundo
o professor e pesquisador português Carlos Ceia (2004, p. 118), “são
muito mais liberais e variáveis de disciplina para disciplina, de profes-
sor para professor, de instituição para instituição.” Por outro lado, o
processo de canonização é sempre uma revolução crítica,
o poder central deve acreditar que existe a possibilidade de constituir
um grupo de canonizadores com competência científica publicamen-
te reconhecida para levar a cabo a tarefa da constituição ou revisão
de um documento por existir ou já existente. Para além da questão da
competência jurídica e científica dos formadores de cânones, acres-
cem as questões (quase sobrepostas) dos critérios de selecção e de
abertura, da resistência ao cânone e da própria fundamentação filosó-
fica do cânone. (CEIA, 2004, p. 117).
A consolidação do cânone na Universidade, efetuada por profissio-
nais reconhecidamente críticos e competentes, não resolve completa-
mente a problemática de ensino. Pelo contrário, gera constantes desen-
contros entre o cânone dos cursos universitários e o cânone do ensino
fundamental e médio nas escolas.
A Escola, por outro lado, cujo nascimento foi tão precário quanto
o da imprensa, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (1996), foi
(e ainda é) uma das instituições responsáveis por fazer com que os
estudantes tenham acesso ao livro e, consequentemente, cheguem à
literatura. É nela que vão atuar os professores, formados/instruídos
pela Universidade, e que se deparam com uma realidade distinta do
ambiente acadêmico. Ali [na escola], são recebidos de braços aber-
tos pelo livro didático e o adotam como fiel companheiro de carreira.
Capítulo 02As institucionalizações da literatura
23
Diante dessa situação, indefesos, os não mais acadêmicos, mas agora
professores, entram em constantes choques de o que/como trazer para
a sala de aula o que aprenderam na universidade. Um desses embates
está justamente na proposição de Carlos Ceia:
Uns defendem que a universidade deve ensinar aquilo que depois os
futuros professores terão que ensinar; outros contra-argumentam que
a universidade não é uma fábrica de programação de professores, pelo
que tal comunidade é sustentável. (CEIA, 2004, p. 118)
Entre os moldes aprendidos nos Cursos de Letras e os conteúdos
programados pelo livro didático, o ensino da literatura na escola por
muito tempo tem sido enfatizado pela história da literatura e sua divi-
são em escolas literárias – modelo que pouco contribui para a forma-
ção dos leitores que acabam decorando características soltas (e muitas
vezes impróprias) de determinadas escolas, títulos de obras e autores,
datas, sem ter lido livro algum. Herdamos a historiografia e, durante
anos, fizemos dela nossa maior aliada para que o ensino da literatu-
ra fosse levado adiante. Segundo a professora Cyana Leahy-Dios, a
contribuição oficial da educação literária no Brasil foi a de fornecer
uma combinação de compreensão e produção textual e documentação
histórica, afirmando que “os programas de literatura propostos para o
ingresso na maioria das universidades públicas estão fundamentados
na história da literatura brasileira e, apenas em circunstâncias excep-
cionais inclui-se o estudo de textos escritos por mulheres, ou de litera-
tura local.” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 71-72).
Seguindo as reflexões efetuadas partindo de sua pesquisa, Cyana
Leahy-Dios afirma haver apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e
Sousa, e fortalece suas indignações dizendo que:
há apenas um autor negro a ser estudado: Cruz e Sousa. Nem há
tampouco, na seletividade do cânone de educação literária, autores
Currículos e progra-mas de literatura não fazem referência (até 1994/1995, período da pesquisa de Cyana Leahy-Dios) a ques-tões de gênero, raça ou classe social.
Literatura e Ensino I
24
não-brancos que tratem da questão racial. O número elevado de es-
critores contemporâneos de prosa e poesia não encontra espaço na
educação literária, que igualmente ignora textos literários que tratem
da ditadura militar dos anos 60 a 80, com os contrastes e característi-
cas multiculturais do país, entre gêneros, classes sociais, etnias e suas
culturas. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 194)
Apesar de essa afirmação ter sido feita há mais de 10 anos, o es-
tudo da literatura feita por mulheres, da literatura local e da literatura
africana, conclamada a fazer parte dos currículos obrigatórios, em 2008,
está ainda bastante incipiente no meio escolar. Durante anos o ensino
da literatura tem sido incluído na disciplina de língua portuguesa, que
deveria abarcar questões de “comunicação e expressão”, incluindo ensi-
no da gramática, produção de textos e literatura. Embora seja vista em
grande parte como pretexto para o ensino da gramática, a literatura, por
estar incluída no currículo escolar, transforma-se em disciplina e, com
sua inclusão no vestibular, garantindo-lhe nova institucionalização, pas-
sa a ser vista como um conteúdo a mais a ser absorvido pelos alunos.
Com o intuito de melhorar a qualidade da leitura e escrita dos
alunos que ingressavam no Ensino Superior, segundo Claudete Amália
Segalin de Andrade (2003), o professor de grego da Faculdade de Fi-
losofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Henrique Mu-
rachco, sugeriu que a Fundação Universitária para o Vestibular (FU-
VEST) lançasse, em 1989, a primeira lista de indicações de leitura para
ser aplicada em 1990. Na Universidade Federal de Santa Catarina, a
cobrança da leitura de literatura para as provas do vestibular entrou em
vigor em 1992 e, de lá para cá, pode-se dizer que a leitura de literatura
conquistou um lugar próprio nas provas dos vestibulares, deixando de
ficar obscurecida na disciplina de língua portuguesa. Essas listas, além
de garantirem uma institucionalização a mais para a literatura, tam-
bém reforçam sua sobrevivência entre os conteúdos do ensino médio.
Conforme Redação dada pela Lei nº 11.645, de
2008: “§ 2o Os conteú-dos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas brasileiros serão minis-
trados no âmbito de todo o currículo escolar,
em especial nas áreas de educação artística e
de literatura e história brasileiras.”. Disponível em: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/
Lei/L11645.htm#art1>. Acesso em: 12 jan. 2010.
Lei 5.692, de 1971, integração das esco-las primária e média,
consolidando a escolari-dade em 8 anos, ou seja, até os 14 anos de idade. Essa lei, também, agru-pou línguas e literatura
em um núcleo chamado “comunicação e expres-
são”. (LEAHY-DIOS, 2000)
Professora do Colégio de Aplicação da UFSC. De
sua tese de Doutoramen-to, defendida em 2001,
resultou o livro Dez livros e uma vaga: a leitura de literatura no vestibular,
publicado em 2003.
As listas do vestibular da UFSC passaram a ter
destaque não apenas por incluírem títulos
contemporâneos, mas também por inserirem
a literatura catarinense. Essa questão é apro-fundada no tópico “A
literatura no vestibular”.
Capítulo 02As institucionalizações da literatura
25
Nesse processo de institucionalização da literatura, não se pode
perder de vista a Imprensa, com publicações de resenhas críticas, co-
mentários de livros, entrevistas, em jornais e revistas, a crítica especia-
lizada, e os meios de comunicação digital e eletrônica (em suas mais
diversas formas) que consagram a experiência literária e possibilitam
sua chegada ao público.
Tantas questões que aqui estamos colocando procuram fazer enten-
der a afirmação do filósofo búlgaro, radicado em Paris, Tzvetan Todorov,
de que a literatura é uma disciplina sem disciplina que se encontra em
perigo. Em seu recente e instigante livro A literatura em perigo (2009), To-
dorov explicita o perigo que corre a literatura: nos confins entre o ensino,
a crítica e a sua concepção, a disciplina pauta-se muito mais por seu estu-
do do que propriamente pelo do objeto, o que vale dizer que “na escola,
não aprendemos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os
críticos” (TODOROV, 2009, p. 27). É esse o perigo que o texto de Todorov
aponta: o perigo de a literatura ficar alicerçada a teorias.
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. O Prêmio Nobel de Literatura é um prêmio concedido anualmente a
um autor, de qualquer nacionalidade, que tenha produzido uma obra uni-
versalmente magnífica ou representativa. O Best-Seller, por outro lado, é
um livro extremamente popular, incluído na listagem dos mais vendidos.
Você(s) acha(m) que essas são formas de promover/divulgar a literatura?
Justifique(m).
2. Tzvetan Todorov, em A literatura em perigo (2009), afirma que a literatura pode
ter uma concepção redutora não apenas em salas de aula e cursos universitá-
rios, mas quando é apresentada por jornalistas que resenham livros, e mesmo
entre escritores. O que você(s) pensa(m) disso? Você(s) concorda(m) com ele?
Literatura e Ensino I
26
Leia mais!
Troca de experiências
É importante complementarmos as reflexões anteriores com leituras críticas a respeito do ensino da literatura na Universidade, mais especificamente nos Cursos de Letras. Os textos a seguir apresentam algumas ideias sobre a Teoria, a Crítica e a Historiografia.
JOBIM, José Luís. “Os estudos literários e a identidade da literatura”.
In: JOBIM, José Luís (Org.). Literatura e identidades. Rio de Janeiro:
Editora da UERJ, 1999, p. 191-206.
______. “A Crítica da teoria: uma análise institucional”. In: A Poética do
Fundamento. Niterói, RJ: EDUFF, 1992a, p. 55-66.
______. “História da Literatura”. In: A Poética do Fundamento. Nite-
rói, RJ: EDUFF, 1992b. p. 67-100.
Unidade BProfessores, alunos e literatura
Capítulo 03Relação literatura e ensino
29
3 Relação literatura e ensino
Ensinar e aprender literatura é um processo permanentemente à beira de
mudanças radicais. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 283)
O filósofo grego Aristóteles afirmou que a condição do conhecimen-
to (em filosofia) é produzida pelos “assombros”. É no sobressalto ou no
assombro, não importa qual seja o termo, que o conhecimento é adquiri-
do. Embora haja constantes inovações na arte, na tecnologia, na ciência,
questionamos: o que poderia assombrar os nossos alunos em sala de aula?
Como ensinar literatura (a arte da palavra...?!) tendo em vista os avanços
tecnológicos? Como lidar com a produção de conhecimentos múltiplos?
Conhecimentos que são produzidos por todo o tipo de telas, a todo o mo-
mento e em todos os lugares (im)possíveis?
Antes mesmo de pensarmos propriamente na questão de ensino,
precisamos ter em mente que ensinar literatura neste século não se
resume a apenas trabalhar com livros, levando em conta sua materia-
lidade. Professor em sala de aula não pode ignorar que cada um dos
leitores é um pouco espectador e um pouco internauta. Como define
Néstor Canclini - importante crítico da cultura, residente no México
- no seu livro Leitores, espectadores e internautas (2008), a noção de
espectador é a de que possui definida sua relação com campos especí-
ficos: o de cinema, de recitais de música, de teatro. Cada um formado
em uma lógica diferente. A noção de internauta, por outro lado, alude
a um agente multimídia, que combina materiais diversos (da leitura
e dos espetáculos), lê e ouve. “Essa integração de ações e linguagens
redefiniu o lugar onde se aprendiam as principais habilidades – a esco-
la – e a autonomia do campo educacional.” (CANCLINI, 2008, p. 22).
Significa, então, que a construção de conhecimentos não se dá mais
entre quatro paredes, formatos originais da sala de aula, mas em um am-
Literatura e Ensino I
30
biente virtual; sem fronteiras, sem limites, sem (de)limitações. O saber
não se constrói mais apenas em um ambiente específico e físico – escola,
universidade, biblioteca -, mas em qualquer tipo de campo, seja ele físico
ou virtual. E um exemplo claro disso é a possibilidade/realidade do Ensi-
no a Distância; do apre(e)nder conhecimentos sem sair de casa.
Para quem está em sala de aula, não se pode negar: a condição do
ensino mudou. Não há palmatórias, muito menos a necessidade de colo-
car os alunos de joelhos sobre grãos, ou a de batidas com régua nas mãos,
puxões de orelha, beliscões, como formas de castigo e punição física (um
dos temas bastante discutidos no século XXI é a necessidade – ou não
– de uma maior hierarquização institucional, sem violência). Esses pro-
cedimentos inadequados fortaleciam a ideia da figura do professor como
um ditador em sala de aula e pouco contribuíam para que os alunos se
tornassem mais interessados nos conteúdos trabalhados. A maneira de
ler mudou e, consequentemente, a de pensar a literatura na escola tam-
bém. Textos, imagens e sua digitalização não são mais ilhas isoladas, pois
leitura e espetáculo combinam-se no internauta que, a qualquer dúvida,
sente-se apto para consultar o famoso oráculo do Google, ou como afirma
Néstor Canclini (2008, p. 52), para Googlear.
Com o turbilhão tecnológico, as telas passaram a combinar conhe-
cimento e entretenimento; o livro (em sua materialidade) não é
mais o único detentor e ordenador dos saberes e é nesse contexto
que surge o que se poderia chamar, segundo Néstor Canclini, de
“leitores-espectadores-internautas”. Essa nova configuração dos
leitores preocupa professores, pois, já que não podemos ignorar as
tecnologias (termo empregado em sentido amplo), como passar
das conectividades (informações) ao pensamento crítico? Como
discernir o joio do trigo no universo virtual? Como estabelecer cri-
térios de avaliação\julgamento?
Capítulo 03Relação literatura e ensino
31
Pelo meio – Escola – em que está inserida, a literatura passa a ter
caráter pedagógico, de ensino, disciplinar, mas que lugar ocupa nesse am-
biente? Componente curricular? Prática relaxante? Exercício para melho-
rar a escrita? Formação de leitores competentes?
No ensino fundamental, a literatura é trabalhada na língua portu-
guesa, sem restrições de normas, condutas, conteúdos, não sendo vista
ainda como disciplina à parte; por outro lado, sua presença é marcante
nas aulas de leitura, ponto em que a literatura entra em cena. Em con-
trapartida, no ensino médio, a literatura possui alguma autonomia de
disciplina. Neste momento de pensar o caráter da literatura (ou a lei-
tura) enquanto disciplina curricular é importante registrarmos a pro-
posta do Ministério da Educação (MEC) cuja discussão foi iniciada
em 2009, que pretende acabar com a divisão por disciplinas presente
no atual currículo do ensino médio, o antigo colegial – considerado
pelo governo como a etapa mais problemática do sistema educacional.
A intenção é criar quatro grupos mais amplos (línguas; matemática;
humanas; e exatas e biológicas). De acordo com a proposta, as esco-
las terão liberdade para organizar seus currículos e poderão decidir
a forma de distribuição dos conteúdos das disciplinas nos grupos e
também o foco do programa (trabalho, ciência, tecnologia ou cultura)
desde que sigam as diretrizes federais e uma base comum.
O Conselho Nacional de Educação (CNE) discutiu a proposta e
pretendia que em 2010 algumas redes adotassem o programa, de for-
ma experimental. No médio prazo, o Conselho espera que o programa
esteja implementado no país todo. A mudança ocorreria por meio de
incentivo financeiro e técnico do MEC aos Estados (responsáveis pela
etapa), pois a União não poderia impor o sistema. Segundo o MEC, o
currículo atual, fragmentado e sem aplicabilidade, reduz o interesse do
jovem pela escola e a qualidade do ensino. Está previsto também o au-
mento da carga horária (de 2.400 horas para 3.000 horas, acréscimo de
Nos Parâmetros Curricu-lares Nacionais (PCNs) a literatura é tratada como se fosse subárea da Lín-gua Portuguesa, ao dar seguimento no ensino sobre a linguagem.
Literatura e Ensino I
32
25%). A discussão dessa proposta, lançada em 2009, foi retomada recen-
temente e deve ser finalizada ainda neste ano para posterior discussão
no Conselho Nacional de Educação, mas optamos pelo seu registro, pois
para nós é importante a Literatura ter seu espaço institucional e não ser
diluída nos demais conteúdos programáticos. Acreditamos no processo
institucional como elemento de constituição do sujeito-leitor.
A formação do leitor no ensino fundamental (a partir de 2006
com duração de 9 anos), nas séries iniciais, fica a encargo de profis-
sionais graduados em Pedagogia. A partir do sexto ano, assumem esse
papel os profissionais de Letras, que acompanham os alunos até o en-
sino médio. Nos anos iniciais, do primeiro ao quinto (1ª a 4ª séries),
a literatura existe, porque é inerente ao processo de aprendizagem da
leitura, mas ainda não é conceituada na sua especificidade literária.
É apenas classificada: literatura infantil, literatura juvenil, literatura
infantojuvenil, literatura para crianças, literatura para jovens; é apre-
sentada enquanto leitura, deleite, prazer, imaginação, aventura, mis-
tério. Quando os alunos ingressam no sexto ano parece lugar comum
os professores declararem que o interesse pela leitura diminui, exa-
tamente porque aí ela começa a ser vista como cobrança, geralmente
acompanhada pelas ultrapassadas fichas (sim, elas ainda existem!) de
leitura e/ou solicitação de resumos - para que o professor tenha a com-
provação, confirmação de que o aluno leu. Nos dois anos seguintes, a
literatura ainda vem acoplada à ideia de leitura de livros, e o seu con-
ceito começa a fazer parte da vida dos estudantes. Conforme a forma-
ção escolar avança para o ingresso no ensino médio, a leitura vai sendo
vista como “tortura, chatice e aborrecimento” - como posteriormente
demonstraremos no tópico em que centraremos nossa abordagem na
literatura para o vestibular - e a literatura passa a ter caráter de mero
exercício escolar, portanto, uma matéria obrigatória para ser cobrada.
Segundo consta na Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, Lei nº 9.394, de 20 de dezem-bro de 1996, Artigo 32, o ensino fundamental
obrigatório, com duração de 9 (nove) anos, gratuito na escola pública, inician-do-se aos 6 (seis) anos de idade, terá por objetivo a formação básica do cida-
dão, mediante redação dada pela Lei nº 11.274, de 2006. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/
l9394.htm>. Acesso em: 20 jan. 2010.
Quando da duração do ensino fundamental
de 8 anos, equivalia à 5ª série.
Capítulo 03Relação literatura e ensino
33
Qual é a relação entre a literatura e o seu ensino? – continuamos
perguntando. Seria uma antinomia, como afirmou Barthes (1988c), a
literatura como ensino e a literatura como prática? O que se ensina, na
prática, são as formas de como o professor conseguiu elaborar determi-
nados conjuntos de significantes e significados no texto. Não se ensina
Machado de Assis, Camões, Cruz e Sousa, mas as condições pelas quais
nos é possível estudá-los, compreendê-los, lê-los. Como afirma Carlos
Ceia (2004, p. 54), “ensinamos literatura essencialmente porque inves-
timos o nosso olhar naquilo que faz essa literatura e não naquilo que a
define aprioristicamente”. Isso significa dizer que o ensino da literatura
é guiado pela visão do professor em sala de aula e de acordo com sua vi-
são a respeito dela [da literatura]. Para que o aprendizado das condições
de compreender, estudar, ler literatura ocorra de maneira proveitosa e
eficiente, é importante que o professor esteja aberto para ouvir seus alu-
nos; faça uma pesquisa sobre suas preferências, mas também leve textos
novos, não se colocando em uma torre de marfim e lá permanecendo
Mesmo acreditando na importância de a literatura ter seu espa-
ço disciplinar, esta não deve apenas cumprir o ensino de alguns
conteúdos, de acordo com determinada etapa da escolarização,
não importando a realidade sócio-econômico-cultural dos alunos.
Devido ao pouco tempo para as aulas, os professores acabam tra-
balhando apenas o que está pronto como necessário/importante
no livro didático – geralmente elaborado no eixo Rio-São Paulo.
Nesse caso, a cor local, as literaturas regionais – como a literatu-
ra catarinense, paranaense, mineira ou a literatura produzida, por
exemplo, em Santa Catarina, Paraná e Minas Gerais – desapare-
cem, por ser importante, no pouco espaço dado para o ensino da
literatura na escola, apenas o conhecimento de autores consagra-
dos ou canônicos como vimos no início de nosso livro-texto. Se os
autores contemporâneos aparecem, são mencionados, na maioria,
os que moram ou produzem no eixo referido.
Literatura e Ensino I
34
distante e alheio a tudo e a todos. É imprescindível que o professor não
pense que sua função seja apenas a de ensinar, mas compreenda a im-
portância de também aprender com os alunos em sala de aula.
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. Se há leitores de sermões, poesia, discursos políticos, periódicos lidos em voz
alta, livros, revistas, anedotas, histórias em quadrinhos, anúncios luminosos e
publicitários, bulas de remédios, cartas enviadas pelo correio, manuais, infor-
mações da Internet, blogs, e-mails, faxes, mensagens no celular, como você(s)
responderia(m) a esta pergunta de Néstor Canclini (2008, p. 56): “por que as
campanhas de incentivo à leitura são feitas só com livros e tantas bibliotecas
incluem somente impressos em papel?”
2. O ensaísta francês Roland Barthes, em sua aula inaugural no Collège de Fran-
ce, estabeleceu a seguinte definição para a literatura: “Entendo por literatura
não um corpo ou uma sequência de obras, nem mesmo um setor de comércio
ou de ensino, mas o grafo complexo das pegadas de uma prática: a prática de
escrever” (BARTHES, 1978, p. 16-7). Você(s) concorda(m)? Debata(m) essa afir-
mação tendo em mente relações entre literatura e ensino.
3. Ao dizer que incluiria em suas aulas de literatura o estudo da carta, nada
fictícia, que Germaine Tillion escreveu na prisão de Fresnes, endereçada ao Tri-
bunal Militar Alemão, em 3 de janeiro de 1943, Todorov (2009, p. 92) assevera:
“Não “assassinamos a literatura” (retomando o título de um panfleto recente)
quando também estudamos na escola textos “não-literários”, mas quando fa-
zemos das obras simples ilustrações de uma visão formalista, ou niilista, ou
solipsista da literatura”. Como distinguir um texto literário de um não-literá-
rio? Procure(m) responder, mas essa questão ficará ainda mais clara quando
estudar(em) o conceito de “literariedade” na disciplina de Teoria Literária.
Capítulo 03Relação literatura e ensino
35
4. Tendo por base a assertiva de Todorov (2009, p. 27), “na escola, não aprende-
mos acerca do que falam as obras, mas sim do que falam os críticos”, você(s)
acredita(m) que o ensino da literatura está apenas alicerçado a teorias?
Leia mais!
Na margem
Sobre a questão da inclusão de textos marginalizados por uma espécie de censura, alguns professores fazem propostas bastante corajosas sobre a lei-tura das diferenças e da alteridade. O texto a seguir faz esta proposta.
SANTOS, Rick. “Subvertendo o cânone: literatura gay e lésbica no currí-
culo”. Revista Gragoatá. Número monográfico sobre O ensino da língua e
da literatura. 1o semestre, n. 2, Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 181-189.
Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)
37
4 A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)
A linguagem na superfície estrelada de letras, sabe lá o que ela quer dizer?
(Carlos Drummond de Andrade. Aula de Português).
Chata, difícil, complicada, aborrecedora, detestável, são apenas al-
guns dos adjetivos que muitos dos jovens leitores atribuem à literatura
enquanto disciplina. Quem atura a literatura? Como fazer para que a
literatura deixe de ser uma tortura?
O que trazer para a sala de aula?
Os objetivos de se trabalhar literatura em sala, muitas vezes, aca-
bam se restringindo à leitura e posterior produção textual para que os
alunos melhorem a escrita e testem a capacidade de objetivamente in-
terpretarem textos. Qual seria o entendimento de literatura para o aluno
neste caso? O que compreenderia por literatura, quando esta fica subor-
dinada a resolver questões práticas da língua portuguesa?
Se somos herdeiros do ensino pautado pelas informações da histo-
riografia literária que, embora importante, não contribui por si para a for-
mação dos leitores, e se esse modelo continua em vigor na escola, pode-se
dizer que a educação literária em seu atual formato escolar se mostra mar-
cada mais profundamente por elementos didáticos do que propriamente
literários. Com o surgimento da Estética da Recepção, cujo fortalecimento
aconteceu por volta dos anos 70, um novo elemento passou a ter destaque
no cenário literário: o leitor. E, diante dessa assertiva, compreendemos
que o ensino da literatura atualmente (e já há algum tempo) vem sendo
feito por esse caminho. A leitura do leitor. O texto para o leitor. A leitura
efetuada tendo em vista o horizonte de expectativas. As lacunas, os vazios,
os espaços em branco preenchidos pelo leitor.
Os anos 60 foram assi-nalados pelo desenvol-vimento da Estética da Recepção, surgida num contexto marcado pelo questionamento do estruturalismo e pelo fim de uma hermenêutica in-gênua da análise literária; o interesse pela intenção impulsionou o interesse pela recepção. Por inter-médio de uma história das obras, intentava-se apresentar a ideia de individualidade nacional a caminho de si mesma. A diferença entre a Estética da Recepção, de Jauss, e a Teoria do Efeito, de Wolfgang Iser, dá-se em virtude de a primeira operar com métodos histórico-sociológicos, e a segunda, com métodos teorético-textuais.
Literatura e Ensino I
38
Pesquisador da ordem dos livros e da escrita, o historiador fran-
cês Roger Chartier não perdeu de vista a relação entre o texto e o leitor
na era da informática, especialmente em seu livro, Os desafios da escri-
ta (2002), traduzido para a língua portuguesa em 2002. Chartier, em
“Morte ou transfiguração do leitor?” atenta para a possível mutação que
pode ocorrer na substituição do códex impresso pelo livro eletrônico.
Nessa esteira, põe em questão a noção de livro e afirma que, “ao ler
na tela o leitor contemporâneo reencontra algo da postura do leitor da
Antiguidade, mas – e a diferença não é pequena – ele lê um rolo que em
geral se desenrola verticalmente e que é dotado de todos os pontos de re-
ferências próprios da forma do livro” (CHARTIER, 2002, p. 114). Esses
pontos de referência que o historiador
francês menciona seriam a paginação,
o índice, as tabelas. Os leitores pos-
suem novos anseios e não estão avessos
às evoluções; daí que vale à pena ter
em mente todas as formas e formatos
de produção de literatura atualmente.
Embora estudar literatura signifique
ler romances (o que seria voltar-se para
a narrativa, variada com leves toques
de novelas, contos), por que não trazer
para a sala de aula outras evidências
narrativas tais como crônicas, diários
(sem esquecer os blogs), memórias, car-
tas (romances epistolares), biografias
e fábulas – estas principalmente por
trazerem desdobramentos estruturais,
linguísticos e conteudísticos, na tríade
formada, por exemplo, por La Fontai-
ne-Monteiro Lobato-Millôr Fernan-
Roger Chartier.
Importante é mencionar o projeto de dissertação de Mes-
trado em Literatura, na UFSC, da Professora Bianca Cristina
Buse, intitulado A literatura no Ensino Médio: há lugar para a
crônica?, sob orientação da Professora Dra. Tânia Regina Oli-
veira Ramos. Procurando efetuar uma ponte entre o jovem
e a leitura da literatura, Bianca Buse sugere o trabalho com
o gênero textual crônica – como eixo de motivação para
inserção dos alunos no universo da literatura, e justifica:
A opção do gênero crônica, como sustentáculo de
desenvolvimento do processo de leitura, não foi por
mero acaso. Com o estudo do gênero é possível
averiguar que muitas de suas características atraem
o leitor (e também o jovem aluno) por apresenta-
rem brevidade, temas relacionados ao cotidiano,
efemeridade, simplicidade, despretensão entre ou-
tras. Entretanto, o que o leitor pode não perceber é
que, ao mesmo tempo em que a crônica se mostra
como um texto de leitura mais fácil, ela pressupõe
um leitor de competências de leitura mais apuradas,
detentor de um vasto conhecimento de mundo, tal
qual o autor, capaz de manusear, com propriedade,
temas diversos. (BUSE, 2009, p. 3).
Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)
39
des? Ou, ainda, se quisermos, por que não retornar às origens gregas
com Esopo? E por que não a poesia, tão pouco lida em sala de aula?
A ausência do poema em sala é tão evidente que o Professor Hél-
der Pinheiro, da Universidade Federal de Campina Grande, na Paraíba,
resolveu levar essa questão adiante, elaborando, de suas experiências de
poemas com alunos, o livro intitulado A poesia na sala de aula (2007).
Se, segundo o professor, existe receptividade dos alunos para o poema,
por que ele não está muito presente em sala de aula?
De todos os gêneros literários trabalhados na escola, a poesia é o
menos prestigiado. Some(m) às perguntas anteriores mais esta: quem
conclui o ensino médio levando na bagagem a leitura de livros de poesia?
Por que entre indicações de professores dificilmente entram no rol
os poemas? O problema é que muitas vezes professores das séries iniciais
dizem não ser capazes de trabalhar poesia e aí ficam presos às amarras
do livro didático, que traz em seu bojo as famosas interpretações de
texto. O que acontece, nesse caso, é um processo-dominó: o aluno não
lê poemas nas séries iniciais, nas séries seguintes menos ainda, e, muitas
vezes, lê o primeiro livro de poemas no ensino médio, isso se o livro
constar na lista do vestibular. Se o aluno não pretende prestar as provas
do vestibular, a leitura de poesia, quando houver, terá pouca apreciação
e esclarecimento. A respeito de trabalhar poesia na sala de aula, afirma
Hélder Pinheiro (2007, p. 20):
É evidente que vale a pena trabalhar a poesia na sala de aula. Mas não
qualquer poesia, nem de qualquer modo. Carecemos de critérios esté-
ticos na escolha das obras ou na confecção de antologias. Não pode-
mos cair no didatismo emburrecedor e no moralismo que sobrepõe à
qualidade estética, determinados valores. É necessário muito cuidado
com o material que chega ao aluno através do livro didático. Com rela-
ção a livros de primeiro grau menor, há uma tendência de privilegiar o
Literatura e Ensino I
40
jogo pelo jogo, deixando de lado o sentido. O jogo muitas vezes cai no
pueril, na pseudocriatividade. Cremos que o jogo sonoro deva ter um
suporte significativo – como vemos em excelentes poemas de Sidó-
nio Muralha, Cecília Meireles, entre outros. [...] Assonâncias, aliterações,
ecos, paranomásias, paralelismos são recursos sonoros/semânticos
que povoam muitos poemas infantis. Estar atento ao uso do recurso,
pois a simples recorrência não garante “literariedade”.
Hélder Pinheiro enumera algumas condições (in)dispensáveis para
o trabalho com poesia, que poderiam ser estendidas para o trabalho
com literatura em geral. Portanto, é (in)dispensável que:
Essas condições não se criam de um dia para outro. Precisam ser
elaboradas, renovadas, questionadas. Criar condições de leitura não de-
pende apenas da boa vontade dos professores. É preciso uma força-tare-
fa maior que envolva alunos, pais, bibliotecários, pedagogos, diretoria.
Uma sugestão para trabalhar a poesia em sala de aula é pensar na pro-
1ª) o professor seja realmente um leitor, que tenha experiência sig-
nificativa de leitura. Trata-se de leitura proveitosa;
2ª) haja sempre uma pesquisa sobre os interesses de nossos alunos,
que não dispensa levar textos novos; mas que não se fique apenas
preso às preferências dos alunos;
3ª) se crie o ambiente em que se vai trabalhar a poesia. “Ir ao pá-
tio da escola para ler uma pequena antologia, pôr uma música de
fundo enquanto se lê, são procedimentos que ajudam na conquista
do leitor.” (PINHEIRO, 2007, p. 28). Abrir espaço para a poesia com
painéis, murais dentro e fora da sala de aula;
4ª) se use a biblioteca. Escolha livre do livro que quiser ler, descobrir
autores... “Se faz indispensável que a biblioteca seja um lugar agra-
dável, ventilada, espaçosa.” (PINHEIRO, 2007, p. 29).
Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)
41
posta, sugerida por Hélder Pinheiro, de núcleos temáticos. Seleciona-
-se como eixo central um assunto (núcleo) que pode ser: solidão, amor,
guerra, violência, medo, amizade, corpo, velhice, juventude, infância,
morte..., e se traz para a sala poemas que tratem dessas temáticas. Em-
bora seja profícua e interessante, é importante que o professor não insis-
ta apenas nessa proposta. Toda a repetição, quando excessiva, torna-se
cansativa e nefasta. “Há um lugar na experiência literária mensurável.
Portanto, querer dirigir e amarrar demais as atividades pode ser fator
de distanciamento do texto literário. E é aqui que entra o procedimento
didático que deveria ser sempre privilegiado: o debate.” (PINHEIRO,
2007, p. 78). O debate é uma forma democrática e crucial que permite
discussões para levantar prós e contras, não apenas do texto literário,
mas de como este pode ser trabalhado, explorado, vivenciado.
Se a educação (literária) for vista de forma ampla, o professor reco-
nhecerá em outro gênero fonte importante a ser explorada: o dramático,
por meio do qual o aluno pode ter livre expressão, além de, possivel-
mente, desenvolver espírito de observação, de equipe, imaginação, equi-
líbrio, e serem trabalhados aspectos como desinibição e desembaraço.
Por outro lado, afirma Raul Henriques Maimoni, então professor de Te-
oria da Literatura da UNESP/Assis, em “O teatro e a escola”, publicado
no segundo número do tabloide Proleitura:
se a educação escolar for entendida como sendo unicamente um sis-
tema de transmissão de conhecimentos, o teatro com certeza terá um
espaço mínimo no contexto da escola: será somente um componente
conteudístico nas aulas de literatura do segundo grau [atualmente ensi-
no médio], ou atividade específica para algumas comemorações cívicas
e festas escolares. (MAIMONI, 1992, p. 6).
Para utilizar atividades teatrais no processo de aprendizagem, não
é necessário que o professor seja um especialista em dramaturgia e di-
reção teatral. Os conhecimentos sobre o gênero dramático – que todo
Jornal de publicação bimestral do Departa-mento de Literatura da Faculdade de Ciências e Letras de Assis/UNESP, Grupo Acadêmico “Leitura e Literatura na Escola”. Em circulação de junho de 1992 a fevereiro de 2000.
Literatura e Ensino I
42
licenciado em Letras possui – e experiências de vida são suficientes
para um bom começo de conversa e ação.
Cyana Leahy-Dios compreende que o estudo da literatura na es-
cola deveria ultrapassar a visão da disciplina como expressão de arte
contemplativa e distante, mas ser situada “em uma interseção inter-
disciplinar, se apoiar em um triângulo multidisciplinar, lidando com
formas, meios e objetos variados” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 41). Mas
é preciso ter cuidado com essa questão. A respeito da interdiscipli-
naridade, envolvendo a literatura na escola, alerta a professora Eliane
Andrea Bender (2007, p. 33-34):
Interdisciplinaridade e trabalhos com projetos são práticas pedagógi-
cas importantes nas escolas, desde que não privem nenhum compo-
nente de trabalhar com os alunos seus conteúdos específicos. Se em
uma determinada escola o tema gerador é algo relacionado com a
água, não há nada mais desanimador para um professor de Literatura
do que ouvir de um coordenador pedagógico: “Com que obra você vai
trabalhar que fale sobre a água?” ou, pior, “Li um poema que fala sobre
água, mas não tinha nexo, vamos procurar alguns que tragam uma
mensagem de conscientização”. É necessário cautela para não cair
nessas armadilhas, reduzindo as obras literárias a temas de projetos.
(BENDER, 2007, p. 33-34)
Talvez o desafio resida justamente neste ponto: como trabalhar a
literatura envolvendo interdisciplinaridade?
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. Você(s) acredita(m) que a crise dos estudos literários esteja pautada pela
ideia de utilitarismo e vínculo a conhecimentos que requerem resultados téc-
nicos e práticos?
Capítulo 04A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e a Internet)
43
2. Discuta(m) e troque(m) ideias a respeito da seguinte afirmação do profes-
sor português Carlos Ceia: “A rigor, não se ensina literatura enquanto arte, mas
antes os factos objetivos que instituem e disciplinam essa arte. Enquanto ex-
pressão artística, a literatura é uma abstracção conceptual, ao passo que os
factos que nos permitem identificar objectivamente tal expressão e indiciá-
-la como fenómeno artístico é que constituem o lado ensinável da literatura.”
(CEIA, 2004, p. 53-54).
3. Qual foi a sua experiência – ou suas experiências – de leitura de poesia na
escola?
Leia mais!
Intervalo
Neste tópico levantamos algumas questões bem contemporâneas. Estes dois textos são importantes como leituras complementares, seja para se pensar a literatura em si, seja para se pensar na atuação desta em sala de aula.
BARBOSA, João Alexandre. “Leituras: o intervalo da literatura”. Revista
Linha d´água, n. 5. Ensino de Língua e Literatura em Debate. São Pau-
lo: USP, Revista da APLL, julho de 1988, p. 22-32.
MELO, Cristina. “Ensino de Literatura: perspectivas atuais”. In: RÖ-
SING, Tânia Marisa (Org.). Formando uma sociedade leitora. Passo
Fundo: EDIUPF, 1999, p. 273-281.
Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária
45
5 Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de(in)formação literária
Só no quarto ano trocamos os livros ilustrados por um volume mais gros-
so, sem enfeites: era a antologia de Olavo Bilac e Manuel Bonfim.
(Paulo Mendes Campos. Primeiras Leituras).
O livro didático é, segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman
(1996), uma das modalidades mais antigas sobre expressão escrita para
o funcionamento da escola. Supostamente antecedido pela Poética, de
Aristóteles, e pela Institutio oratoria, de Marcus Fabius Quintiliano, o
livro didático fez história, sobrevivendo por muitos anos como parceiro
fiel de grande parte dos professores.
Desde 1930 o livro didático vem passando por decretos e medi-
das, com as primeiras iniciativas desenvolvidas pelo Estado Novo, em
1937, que consistiram em distribuição e divulgação de obras de inte-
resse educacional. Em 1968, foi criada a Fundação Nacional do Mate-
rial Escolar (FENAME), com o Programa Nacional do Livro Didático,
alterado em 1976 e, em 1985, a criação do Plano Nacional do Livro
Didático, regulamentado pelo decreto n° 91 54/85 que implementou o
Programa Nacional do Livro Didático, o qual, em seu artigo 2º, esta-
belece a avaliação rotineira dos materiais.
Antes de continuarmos nossas reflexões sobre o livro didático, gosta-
ríamos de trazer algumas questões pertinentes a respeito da realidade bra-
sileira com a qual professores se deparam: salas de aulas lotadas, falta de
recursos e (des)interesse dos alunos. Além disso, não podemos deixar de
mencionar que professores do ensino fundamental e médio, em sua signi-
ficativa maioria, não possuem estímulos salariais (baixa remuneração), e,
para sobreviver, têm cargas horárias que podem atingir os três turnos de
Ano de mudança política, que traz de volta a ideia de tratar da instrução através de uma agência espe-cífica, o Ministério da Educação, na ocasião acoplado ao da Saú-de, de onde vieram novas medidas. A vida escolar se organizou e o livro didático, precisando responder a novas questões, deu outra forma ao ensino, sobretudo da leitura e da literatura.
Literatura e Ensino I
46
trabalho, o que os impede de ter tempo livre para preparar aulas, adquirir
livros (especialmente exemplares de literatura contemporânea, textos crí-
ticos e teóricos) e de participar de eventos, seminários, congressos, onde
são discutidas questões teórico-práticas.
Diante dessas circunstâncias, os livros didáticos tornam-se fortes alia-
dos dos professores por serem facilitadores da rotina docente, cujos con-
teúdos, organizados em unidades menores, ajudam a controlar o horário
e evitar desperdício de conhecimento a ser dominado. Assim, professores
precisam aliar o tempo para o aprendizado na escola aos extensos progra-
mas de ensino. Além disso, os livros didáticos, em seu formato como os co-
nhecemos, permitem que os alunos tenham sempre todo o conteúdo orga-
nizado. Extremamente visuais, trazem seleção de textos, exercícios prontos,
que otimizam a vida dos professores, por disporem de pouco tempo para
preparar suas aulas, e a dos alunos, que não precisam copiar os conteúdos
do quadro. O livro didático mostra o caminho a ser percorrido. Com ele, os
professores (e alunos) sabem perfeitamente onde vão chegar.
É possível formar leitores com fragmentos literários? É mais profí-
cua a leitura de fragmentos de um número x de livros ou a leitura inte-
gral e contextualizada de menos da metade deles?
Propondo-se facilitar o trabalho do professor, o livro didático limita sua
criatividade e o domínio do conhecimento teórico, embora diminua a
A preocupação com a leitura na escola, não apenas a leitura literária,
é sempre primordial, mas os métodos/meios utilizados por profes-
sores estão longe de desenvolver a leitura propriamente dita quan-
do se detêm somente em fragmentos, trechos, pedaços de textos,
o que distancia a possibilidade de fazer com que os alunos leiam
textos integrais. O conhecimento de literatura constrói-se por meio
de fragmentos e retalhos de informação literária.
Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária
47
dependência discente da palavra do professor para obter sucesso aca-
dêmico. Entretanto, como fonte única de informação factual e de saber
literário, enfraquece os interesses e os limites investigativos, bloqueando
a curiosidade intelectual. Apesar de nem sempre os alunos observados
terem sido silenciados por estratégias autoritárias explícitas, foi possível
perceber a pressão apassivadora causada pelos limites de tempo, pelo
programa positivista, pela forte expectativa sociocultural de passar nos
exames. (LEAHY-DIOS, 2000, p. 106)
Bom ou ruim, adequado ou inade-
quado, o livro didático é ainda um dos
contribuintes e patrocinadores (ou um dos
responsáveis) pela formação do leitor bra-
sileiro no ensino fundamental e médio.
Em livro organizado e publicado
sob a responsabilidade da professora
Maria da Graça Costa Val, intitulado Al-
fabetização e Língua Portuguesa: Livros
didáticos e práticas pedagógicas (2009), os
professores Delaine Cafieiro e Hércules
Tolêdo Correa, em seu texto “Abordagem
de textos literários em livros didáticos de
língua portuguesa de 5ª a 8ª séries”, ela-
boram considerações importantes sobre
a presença da literatura nos livros didá-
ticos. A literatura, segundo consta nesse
texto, até meados dos anos 70, tinha sta-
tus privilegiado na escola porque os tex-
tos que circulavam nos livros didáticos,
bem como os selecionados por professo-
res, eram os de caráter literário. Todavia,
A título de curiosidade, citamos critérios da ficha de ava-
liação do Plano Nacional do Livro Didático (PNLD), de
2008, mencionados por Delaine Cafieiro e Hércules To-
lêdo Correa (2009, p. 159).
Inclui-se uma seção específica sobre a abordagem do
texto literário, com 7 questões:
a) Formação do leitor de literatura;
b) Observação das convenções e dos modos constituti-
vos do jogo literário na leitura desses textos;
c) Situação do texto em relação à obra da qual faz parte;
d) Estímulo à leitura da obra completa e/ou de outras
obras relacionadas ao texto;
e) Presença de atividades que possibilitem ao aluno
apreender a singularidade discursiva, linguística e cultu-
ral dos textos literários selecionados;
f) Presença de atividades que levem o aluno a observar
a organização particular do texto e a sua relevância para
a construção dos sentidos possíveis;
g) Presença de atividades que favoreçam a aproxima-
ção adequada do aluno ao padrão linguístico do texto
(quando necessário).
Literatura e Ensino I
48
a necessidade da presença de gêneros diversos na escola – e aqui nos
referimos aos gêneros do discurso –, aclamada pela chegada dos Parâ-
metros Curriculares Nacionais, tirou um pouco do espaço da literatu-
ra na sala de aula. Sérios problemas começaram a se instaurar: “livros
didáticos e professores, passando a se dedicar mais a outros gêneros,
acabaram por dar um tratamento uniforme aos textos provenientes de
diferentes esferas sociais, como a jornalística, a publicitária, a política
e, também, a literária.” (CAFIEIRO; TOLÊDO, 2009, p. 157). Daí que
a questão reside justamente em saber lidar com essas esferas diferen-
tes porque textos jornalísticos, publicitários, políticos e literários, por
exemplo, não podem ser lidos da mesma forma. É preciso conhecê-los
e aprender a lidar – ler – com cada um deles, respeitando as peculiari-
dades de cada um. A literatura tem um modo particular de produção e
leitura e, portanto, necessita de tratamento e envolvimento à parte.
Com relação à presença de textos integrais nas recentes publica-
ções de livros didáticos, afirmam os professores-autores que aqueles
ainda são raros, prejudicando o contato do aluno com o texto e sua
circulação na sociedade. Experiências de leitura limitadas à dinâmica
do fragmento podem acarretar “a falsa concepção de que texto de esco-
la, texto de aula de português, é sempre “pedaço” de texto” (CAFIEI-
RO; TOLÊDO, 2009, p. 164).
Encontrado em todas as etapas da escolarização de um indivíduo,
o livro didático “é cartilha, quando da alfabetização; seleta, quando da
aprendizagem da tradição literária; manual, quando do conhecimento
das ciências ou da profissionalização adulta, na universidade” (LAJO-
LO; ZILBERMAN, 1996, p. 121).
É imprescindível, também, citar que os livros didáticos são ainda os
mais vendidos e disseminados entre professores, que os utilizam, geral-
mente, como única referência de ensino.
Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária
49
Apesar do berço ilustre, contudo, o livro didático é o primo-pobre da
literatura, texto para ler e botar fora, descartável porque anacrônico: ou
ele fica superado dados os progressos da ciência a que se refere ou o
estudante o abandona, por avançar em sua educação. Sua história é das
mais esquecidas e minimizadas, talvez porque os livros didáticos não
são conservados, suplantado seu “prazo de validade”. (LAJOLO; ZILBER-
MAN, 1996, p. 120).
No entanto, o livro didático é o primo-rico das editoras porque sua
vendabilidade é certa; conta com o apoio do sistema de ensino e o abri-
go do Estado, e é aceito por pais e educadores. Apenas a literatura infan-
til oferece-lhe concorrência: mercado cativo e sempre crescente.
Por outro lado, professores geralmente alegam que alunos não gos-
tam de ler, mas, na maioria das vezes, aqueles acabam lendo menos do
que os próprios alunos. Como formar leitores sem ser um leitor? Muitas
vezes, os professores, por falta de tempo, detêm-se apenas nos resumos de
obras para terem uma ideia do seu “conteúdo”. Se a literatura depende do
modo como é ensinada/transmitida pelos professores, e a leitura literária
é geralmente trabalhada em fragmentos, trechos, pedaços de textos, como
formar leitores de literatura sem ser via dinâmica do fragmento?
Os fragmentos (ou retalhos) possuem sua carga de relevância textual,
mas não podem ser levados em conta como única saída de ensino. Disso
podem resultar atividades descontextualizadas, dispersas e fragmentadas
que dificilmente chamam a atenção ou despertam interesse dos alunos.
Assim, próprios para instruir, os livros didáticos deveriam ser vis-
tos como uma alternativa a mais na vida de qualquer professor de cada
disciplina, e não como única fonte de pesquisa e ensino. O professor
português Carlos Ceia, em A literatura ensina-se? (2004), expõe a situ-
ação em que se encontram os professores do ensino básico em Portugal
(correspondente ao ensino fundamental no Brasil):
Literatura e Ensino I
50
No ensino básico, os estudos literários estão nas mãos de professores
que não se sentiram preparados para essa função pelas instituições
que os formaram, pelo que gradualmente adoptam um modus facien-
di cada vez mais padronizado, consistindo na repetição de exercícios
de receituário publicados de forma a normalizar todas as leituras pos-
síveis de um texto literário constante do programa oficial; a rigor, não
há qualquer descoberta da escrita e da leitura criativas; neste nível, o
profissional de literatura é um profissional que não faz literatura, que
está convencido que é incapaz de fazer crítica literária pelas suas pró-
prias mãos e cabeça e, pior do que tudo isto, defende com fervor que
não tem a obrigação de ir mais além das sugestões de leitura dos ma-
nuais, ou seja, a função do profissional de literatura passa a ser unica-
mente a de assegurar que um dado manual e um dado conjunto de
leituras programadas não sejam desvirtuados. (CEIA, 2004, p. 27)
A afirmação de Carlos Ceia acima faz referência ao profissional das
Letras que sai da Universidade sentindo-se despreparado para atuar em
sala de aula e incapaz de produzir literatura e crítica literária. É claro que
isso não pode ser visto de maneira generalizada, mas é algo evidente. É
muito mais cômodo ler uma análise de outrem de alguma obra (ou mes-
mo a do livro didático), apropriar-se de determinados pontos, dissemi-
ná-los em sala de aula, do que produzir uma leitura crítica. Isso ocorre
especialmente com textos contemporâneos, cuja produção de leituras
críticas é bastante incipiente. Na dúvida de saber se sua leitura está corre-
ta (se é que isso realmente existe), muitos professores acabam deixando
de lado obras que ainda não possuem uma considerável fortuna crítica
por receio de caírem em armadilhas, por medo de desvendarem o novo
e por se sentirem inseguros para efetuar uma possível leitura.
Em entrevista concedida a Rony Farto Pereira no já mencionado
jornal Proleitura, Egon de Oliveira Rangel, professor e coordenador em
processos de Avaliação do Livro Didático por vários anos, fez a seguinte
Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária
51
afirmação a respeito do que seria a qualidade de um livro didático (LD):
“a qualidade de um LD é definida, sempre, por referência a um corpo
de princípios, valores e critérios, explícitos ou não, que sintetizam o que
uma determinada época pensa e espera do ensino de língua materna”
(RANGEL, 1998, p. 1). E aqui vale acrescentar: o livro didático é defini-
do de acordo com o que determinados elaboradores, dos quais boa par-
cela não atua na escola, concebem o como e o que deve ser apre(e)ndido
pelos estudantes. Por outro lado, o LD é utilizado pelos alunos, mas, de fato,
dirige-se ao professor, que nem sempre acaba sendo um bom mediador.
Se muitos livros didáticos nem sempre são completamente adequa-
dos para o ensino em sala de aula, por trazerem conceitos e informações
equivocadas, deficiência metodológica e insuficiência teórica, a melhor
saída seria, então, dispensá-los das aulas?
Para dispensar o LD é preciso ter coisa melhor a oferecer. Se o LD de
má qualidade for o parâmetro, é muito mais fácil, para um grupo de
educadores reunidos numa escola minimamente decente, selecionar
e mesmo elaborar, com vantagens, materiais alternativos. Mas acredi-
to que, mesmo no caso de boa parte dos livros que o Guia classifica
como recomendados com ressalvas, não é fácil dispor de coisa melhor.
Se a alternativa é selecionar outros materiais didáticos, o universo não
será muito diferente do que se apresenta no LD. (RANGEL, 1998, p. 4)
Em meio a constantes controvérsias, Ceia (2004, p. 52) arrisca uma
proposta do que seria o melhor manual aos alunos de literatura:
O melhor manual que se pode recomendar aos alunos de literatura é o
pior manual que se pode dar ao professor de hoje: um manual sem textos
de apoio, sem notas, sem linhas de leitura, sem propostas de actividades,
isto é, apenas com os textos literários em estado puro e sem a presença de
críticas ou propostas redutoras. (CEIA, 2004, p. 52, grifo nosso).
Literatura e Ensino I
52
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. “Não quero aqui culpar o livro didático pela dominação e dependência
cultural e intelectiva dos professores; na verdade, eles apenas representam
o estado de pobreza intelectual dos professores e, consequentemente, dos
alunos de literatura” (LEAHY-DIOS, 2000, p. 206). O que você(s) pensa(m) a
respeito dessa afirmação da professora Cyana Leahy-Dios? Seriam os livros
didáticos a representação do estado de pobreza intelectual dos professores
e dos alunos de literatura?
2. Separação de língua e literatura, uso exclusivo do livro didático, falta de pro-
fessores leitores e metodologia de ensino sistematizada, seriam esses fatores
pertinentes do fracasso do ensino de literatura na escola?
3. Alguns pesquisadores afirmam que muitos livros didáticos limitam-se a
cobrar o que não ensinam. Você(s) concorda(m)? Faça(m) uma pesquisa em
diferentes livros didáticos, converse(m) com professores, tutores, colegas, e
justifique(m) sua(s) resposta(s).
4. Traga(m) para seus pólos livros didáticos que usou(usaram) no seu ensino
fundamental ou ensino médio ou se professores estejam usando com seus
alunos. Procure(m) pensar sobre a seguinte questão: Embora haja preocupa-
ção de algumas editoras e coleções em explorar o texto literário no livro didá-
tico, em sua(s) pesquisa(s), você(s) encontrou(encontraram) maior tratamento
aos textos literários ou aos não literários?
Leia mais!
Passando a limpo
Dois livros são aqui sugeridos como boas reflexões sobre a leitura e a litera-tura e suas relações com a educação literária. Fica aqui a sugestão. Leia(m) os livros, mesmo que a leitura seja feita após a nossa disciplina, para ver(em)
Capítulo 05Os livros didáticos - fragmentos e retalhos de (in)formação literária
53
como eles se sustentam em uma consistente pesquisa de campo com pro-fessores e alunos.
LEHAY-DIOS, Cyana. Educação literária como metáfora social. Des-
vios e Rumos. Niterói: EDUFF, 2000.
MORAIS LEITE, Lígia Chiappini. Invasão da catedral. Literatura e en-
sino em debate. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1983.
Unidade CA leitura na escola
Capítulo 06A literatura infantojuvenil
57
6 A literatura infantojuvenilOs leitores-crianças não são assim tão diferentes dos adultos embora sua
sintonia seja outra, em função de uma emocionalidade mais intensa e espontâ-
nea; de um registro de vida, ao mesmo tempo, absoluto e fugaz.
(MARTINS, 1988, p. 87)
A literatura infantojuvenil, tal qual a literatura feita por mulheres,
a africana, a popular (oral e de cordel), foi por muito tempo compreen-
dida como um gênero literário marginal, menor, cujos produtos eram
de categoria inferior, desinteressantes, sendo a qualidade e a especifici-
dade postas em questão pela crítica. Em relação à literatura infantoju-
venil há quem compreenda não haver limitações, e muito menos obras
específicas para determinados leitores. É o caso do já citado professor
norte-americano Harold Bloom, em sua introdução ao volume 1 da
antologia Contos e poemas para crianças extremamente inteligentes de
todas as idades (2003), em que discorda do fato de a literatura infantil
ser vista como uma categoria isolada, de existir uma literatura própria
para crianças e uma para adultos, asseverando que,
Qualquer pessoa, de qualquer idade, ao ler esta seleção, perceberá
logo que não concordo com a categoria “literatura para criança”, ou
“literatura infantil”, que teve alguma utilidade e algum mérito no sécu-
lo passado, mas que agora é, muitas vezes, a máscara de um embur-
recimento que está destruindo nossa cultura literária. A maior parte
do que se oferece nas livrarias como literatura para criança seria um
cardápio inadequado para qualquer leitor de qualquer idade em qual-
quer época. (BLOOM, 2003, p. 12).
Para Bloom, o leitor é capaz de descobrir sozinho o que lhe é apro-
priado à leitura, não havendo um poema ou história especial para de-
Harold Bloom
Literatura e Ensino I
58
terminada idade. Isso significa dizer que textos infantis também podem
ser lidos por adultos, sem restrições, da mesma forma que textos exten-
sos, não propriamente voltados ao público juvenil, podem ser lidos por
crianças e adolescentes.
Embora na atualidade ainda se observem questionamentos e críticas
que consideram a literatura infantojuvenil um gênero “marginal”, houve
diversas transformações históricas para se chegar a uma literatura que se
voltasse para os leitores mais jovens. Na Idade Média, a criança era consi-
derada um adulto em escala reduzida, não se distinguia deste, participan-
do ativamente de sua vida social, e, consequentemente, da sua literatura.
O predomínio da burguesia, no século XVIII, alterou um pouco esse
quadro, transformando as relações sociais ao separar a infância da idade
adulta. A aprendizagem institucionalizou-se, emergindo, assim, um novo
mercado de consumo e uma literatura específica para a criança.
Segundo Marisa Lajolo e Regina Zilberman (2004), o francês Char-
les Perrault, no século XVII, compilou contos de fadas adaptando nar-
rativas populares, revestindo-as de valores da burguesia. Mais tarde, no
século XVIII, acentuou-se a função didática e moralizante dos contos
de fadas, e na Alemanha, no século XIX, os famosos irmãos Grimm (Ja-
cob e Wilhelm), com a finalidade de valorizar o folclore alemão, adap-
taram os contos populares alemães. No mesmo século, na Dinamarca,
Hans Christian Andersen surgiu com um diferencial, sendo o primeiro
a compor contos de fadas sem se basear diretamente na oralidade.
Esses contos apresentavam, em sua estrutura temática, narrativas em
sua maioria maniqueístas (bem e mal, belo e feio, verdade e mentira, certo
e errado), a fim de serem tomadas como exemplos para a moralidade, o
bom comportamento e a demonstração do castigo, da pena a ser cumpri-
da, quando da desobediência. Assim, as narrativas infantis (hoje clássicas)
tiveram a fonte popular e o folclore como elementos importantes para
sua constituição. No entanto, o mesmo não aconteceu no Brasil, por não
haver a tradição de um repertório popular.
Embora Charles Per-rault seja visto como
o grande iniciador da chamada “literatura
infantojuvenil” mundial, não se pode perder de
vista a existência prévia do italiano Giambattista Basile (1566-1632), cuja obra Lo cunto de li cunti
ou Il Pentamerone serviu de fonte para o escritor francês. Basile, natural-
mente, para compor a obra mencionada,
baseou-se em Giovanni Boccaccio (1313-1375), mais precisamente, em
Decamerone.
Capítulo 06A literatura infantojuvenil
59
O início da literatura infantojuvenil brasileira é
marcado por inúmeras traduções e adaptações dos con-
tos de Perrault, Grimm e Andersen. Figueiredo Pimentel
e Carlos Jansen são vistos como os primeiros tradutores/
adaptadores de obras clássicas europeias. São do primei-
ro os Contos da Carochinha (1886), os quais apontavam
para a moralidade e o sentido educativo, e do segundo
as adaptações de As viagens de Gulliver (1888), Robinson
Crusoe (1885), D. Quixote de la Mancha (1901), entre ou-
tras. Outros tradutores que se destacaram foram Caeta-
no Lopes de Moura, Justiniano José da Rocha, Francisco
de Paula Brito e, inclusive, o poeta parnasiano Olavo
Bilac, o qual traduziu para a Editora Laemmert inúme-
ras obras sob o pseudônimo de Fantásio. De um lado,
essas traduções-adaptações eram uma maneira de estar
em contato com o texto clássico, mesmo que traduzido;
por outro lado, por serem baseadas em obras europeias,
portanto, em culturas alheias, distavam grandemente da
realidade das crianças brasileiras.
Na primeira década do século XX, sucederam às traduções-adapta-
ções obras nacionais de Olavo Bilac, em parceria ora com Coelho Neto,
ora com Manoel Bonfim. Júlia Lopes de Almeida e Tales de Andrade
também compuseram obras ao leitor jovem, mas ainda inspiradas em
textos europeus. Havia preocupação moralista, exaltação do trabalho,
disciplina, obediência e a intencionalidade de cantar as belezas da nação.
Tratada apenas como literatura dos bancos escolares, intimamen-
te ligada à pedagogia, com o transcorrer do tempo, a literatura infantil
foi adquirindo outros afinamentos. Ao tentar se desligar da influência
do texto estrangeiro, principalmente do manancial europeu, as décadas
de 20 e 30 foram muito marcadas pelo Modernismo e sua preocupa-
ção com a nacionalidade. Os manifestos Pau-Brasil e Antropófago, de
Um dos primeiros livros a tratar de uma
História da Literatura Infantil é o escrito por
Nazira Salem, cuja primeira edição data a
publicação de 1959 sob o título Literatura
Infantil. É apenas na segunda edição da
obra, publicada 11 anos mais tarde (1970),
ampliada e reformulada, que o livro passa
a intitular-se História da Literatura Infantil.
O livro preencheu um vazio bibliográfico,
o que valeria dizer, abriu as portas para as
discussões acerca de tal temática. O com-
pêndio é dividido em 5 partes das quais
Nazira Salem dedica dois capítulos às adap-
tações literárias intitulados: “Livros Célebres
adaptados à infância” e “Clássicos Universais
adaptados à infância”, ou seja, a autora dá
considerável enfoque (40% da obra) à ex-
ploração das adaptações literárias.
Literatura e Ensino I
60
Oswald de Andrade, tentaram uma interpretação de um atraso cultural
do Brasil. A antropofagia foi utilizada como resposta à cultura europeia
dominante dos anos de 1920. Essa viravolta operada no Modernismo
foi profunda, Oswald propunha uma nova postura cultural, na qual não
havia sentimento de inferioridade, por meio do ato de deglutir o outro.
A cópia era aceita, mas deveria ser regeneradora.
Apesar de ser considerado antimodernista, por criticar Anita Mal-
fatti em “Paranóia ou Mistificação” (1917), o escritor e editor Monteiro
Lobato inseriu o pensamento modernista em textos para crianças. O
tom coloquial, o uso de onomatopeias e os neologismos ocuparam o
“espaço” do caráter didático e moralizante, instituindo-se, assim, uma
produção mais autêntica. Sua criação mais famosa é o Sítio do Pica-pau
Amarelo, que teve seu início com A Menina do Nariz Arrebitado (1921)
e só depois, com o acréscimo de outros episódios, denominou-se Reina-
ções de Narizinho (1931). As Caçadas de Pedrinho (1933) também não
nasceu com esse nome; foi primeiramente A Caçada da Onça, narrativa
publicada em 1924. Mais tarde é que Lobato acrescentou histórias e o
livro aumentou de tamanho e mudou de título. Seu último livro escrito
é Os Doze Trabalhos de Hércules (1944).
Monteiro Lobato também inovou ao mesclar realidade e ficção, in-
troduzindo questões de guerra, problemas ecológicos, sociais, mergu-
lhando no folclore e no imaginário, até então não mencionados na litera-
tura infantil. Deu atenção tanto ao regional quanto ao particular, fazendo
exercícios de intertextualidade com outros textos (contos de fadas, princi-
palmente) e personagens (Cinderela, Branca de Neve, O Pequeno Polegar,
O Gato de Botas, Chapeuzinho Vermelho e outros), misturados a per-
sonagens mitológicos, heróis maravilhosos, figuras extraídas do cinema,
que surgiam das histórias em quadrinhos, do cenário político.
Lobato criou em seus livros um universo para as crianças, sem a
dicotomia bem versus mal, bom versus mau, tão característica desse tipo
Monteiro Lobato (1882 – 1948), editor, tradutor e escritor brasileiro, um dos maiores nomes da literatura infantoju-venil nacional.
Oswald de Andrade (1890-1954), poeta, romancista e dramaturgo brasileiro, um dos principais no-mes do movimento modernista brasileiro e organizador da Sema-na de Arte Moderna de 1922.
Capítulo 06A literatura infantojuvenil
61
de literatura, substituindo e, ao mesmo tempo, desmistificando a moral
tradicional pela verdade individual.
A partir dele, no Brasil, a Literatura Infantil perde uma de suas principais
características, a de ser um instrumento de dominação do adulto e de
uma classe, modelo de estruturas que devem ser reproduzidas. Passa a
ser fonte de reflexão, questionamento e crítica. (SANDRONI, 1987, p. 60).
Para Lobato, as crianças, até um dado momento, haviam sido sub-
metidas a apenas “traduções galegais” de textos clássicos, e, na tentativa
de libertá-las de tal “mal”, adaptou obras clássicas como Dom Quixote
para crianças, Aventuras de Hans Staden, Peter Pan, Pinóquio, Robinson
Crusoe, Alice no País das Maravilhas, entre tantos outros títulos, na ten-
tativa de aproximar ainda mais o leitor infantojuvenil desses textos, por
meio de linguagem mais simples que a do original.
Monteiro Lobato foi o grande responsável no “empreendimento” da
literatura infantojuvenil e um dos seus maiores divulgadores, desenvol-
vendo a viabilização da circulação do livro no país e a expansão edito-
rial. Menotti del Picchia (João Peralta, 1933), José Lins do Rego (Histórias
da Velha Totônia, 1936), Érico Veríssimo (Aventuras de Tibicuera, 1937),
Viriato Correa (Cazuza, 1938), Graciliano Ramos (A terra dos meninos
pelados, 1939 e Histórias de Alexandre, 1944), entre outros, também se
dedicaram à produção infantil, mas não seguiram a linha de Lobato.
Já em fins dos anos 60, a literatura destinada a esse público começou
a desenvolver-se com mais afinco, surgindo, em 1966, a Fundação do Li-
vro Escolar e, em 1968, a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil
(FNLIJ). Mas foi apenas na década de 70 que se deu o chamado boom na
literatura infantil, quando a produção para esse público teve uma explo-
são de criatividade, enfatizada por criações originais (uma realidade em
processo até hoje). Em 1973, surgiu o centro de Estudo da Literatura In-
fantil e Juvenil e, em 1979, foi fundada a Academia Brasileira de Literatura
Embora as adapta-ções tenham caído em descrédito por volta dos anos 1970 em virtude de exigências de inovações na literatura infantoju-venil, as editoras não as perderam de vista. Um exemplo desse período é a publicação da “Coleção Calouro”, um projeto editorial da Ediouro (no momento assinando como Tecnoprint) que começa a circular na década de 1970, seguida pela “Coleção Elefan-te” e pela atualização gráfica das duas séries anteriores intitulada: “Clássicos para o jovem leitor”, realizada pela mesma editora, a partir da década de 1990. Em 1984, a Scipione ingres-saria na elaboração e venda de adaptações, mas até a década de 1990, a liderança nesse mercado, nos quesitos profissionalismo e quali-dade, pertenceria ainda à Tecnoprint/Ediouro.
Literatura e Ensino I
62
Infantil e Juvenil. Também, nessa década, o Instituto Nacional do Livro
(fundado em 1937) começou a coeditar várias obras infantis e juvenis.
Convém aqui mencionar que a prosa infantil dos anos 70 e 80,
no Brasil, foi marcada por narrativas de intriga fantástica e estilo oní-
rico, de reportagem e autobiográficas. Com o passar do tempo, temas
até então não tratados como morte, separação dos pais, adolescência e
sexualidade passaram a constar nos livros, descristalizando a suposta
“ingenuidade” da criança ao se voltarem para temas mais polêmicos
e relativos ao cotidiano. Desse período, merecem destaque: Ziraldo
(Flicts, 1969 e O Menino Maluquinho, 1980), Clarice Lispector (A vida
íntima de Laura, 1974), Lygia Bojunga Nunes (Angélica, 1975 e A bol-
sa amarela, 1976), Ana Maria Machado (História meio ao contrário,
1978), Ruth Rocha (O Reizinho Mandão, 1978), Werner Zotz (Apenas
um Curumim, 1979) e Pedro Bandeira (O fantástico mistério de feiu-
rinha, 1985). E na poesia, Henriqueta Lisboa (O menino poeta, 1929),
Cecília Meireles (Ou isto ou aquilo, 1964), Roseana Murray (Fardo de
carinho, 1986), José Paulo Paes (Poemas para brincar, 1990, Lê com crê,
1993), Sérgio Capparelli (Poesia Visual, 2000), e tantos outros.
Grandes resultados começaram a florescer na literatura infanto-
juvenil brasileira, e diversos escritores foram reconhecidos, tais como
Ruth Rocha e Ziraldo, premiados por seus talentos. Em 1981, Ana Ma-
ria Machado recebeu, por sua obra De olho nas penas (1981), o prêmio
“Casa de las Américas” (Cuba) e, em 1982, Lygia Bojunga Nunes, a “Me-
dalha Hans Christian Andersen”, concedida pelo International Board on
Books for Young People (IBBY), pela primeira vez, a um autor da Améri-
ca do Sul. Em 2000, o mesmo prêmio, ao “melhor” autor do mundo da
literatura infantil, foi concedido a outra brasileira, Ana Maria Machado.
A partir dos anos 90, e aí reside um dos desafios desse texto - o de
procurar definir alguns traços e características dessas duas décadas de
produção contemporânea para o público jovem, a literatura infantoju-
Ana Maria Machado, jornalista e escri-tora brasileira ganhadora do Prêmio Hans Christian Andersen, o mais importante da literatura infantil.
Capítulo 06A literatura infantojuvenil
63
venil continuou com seu enfoque dado à diversidade de temas, com re-
visitação de estilos anteriores (por meio da paródia e do pastiche), mas
com destaque para a homossexualidade, questões raciais, voz ao índio,
e boas evidências da cultura oriental. Diante disso, estabeleceram-se
novas relações sociais entre personagens, leitor e leitura. A poesia teve
considerável fortalecimento e a ilustração ganhou qualidade via múlti-
plas tendências, conferindo um novo status à literatura.
Autores como Ana Maria Machado, Roseana Murray, Ruth Ro-
cha, Ziraldo, Angela-Lago, entre outros, continuaram suas produções,
e aqui valeria um destaque para Ana Maria Machado que, recentemen-
te publicou um livro de poemas, o primeiro de sua carreira, intitulado
Sinais do Mar (2009). Mas por que não pensar nos novos autores, nas
novas roupagens, nas novas ideias de produzir literatura para leitores
jovens? Dentre inúmeros bons textos, autores e ilustradores (conside-
rando que há ilustradores-autores e vice-versa) nessa vasta produção
literária infantojuvenil brasileira contemporânea, precisamos lançar
alguns nomes: O menino que brincava de ser (1999) de Georgina Mar-
tins, ilustrações de Victor Tavares; Bichos que existem e bichos que não
existem (2002) de Arthur Nestrovski, ilustrações de Maria Eugênia;
Planeta Caiqueria (2003) de Hermes Bernardi Jr., ilustrações de An-
dré Neves; A Caligrafia da Dona Sofia (2006), de André Neves; Beatriz
em Trânsito (2005), de Eloí Elisabete Bocheco; Lampião e Lancelote
(2006), de Fernando Vilela; O guarda-chuva do vovô (2007), de Ca-
rolina Moreyra, ilustrações de Odilon Moraes; Cacoete (2005) e Felpo
Filva (2006), de Eva Furnari; Transpoemas (2008), de Ricardo Silves-
trin; ilustrações de Apo Fousek. Bili com limão verde na mão (2008),
de Décio Pignatari, ilustrações de Daniel Bueno; Galo Barnabé vai ao
balé (2009), de Jonas Ribeiro, ilustrações de Ana Terra; Histórias de
bobos, bocós, burraldos e paspalhões (2001) e O sábio ao contrário: a
história do homem que estudava puns (2009), de Ricardo Azevedo; A
primeira máscara (2009) de Maté, Carvoeirinhos (2009), livro-imagem
Ruth Rocha, escritora brasileira de livros infantis e membro da Academia
Brasileira de Letras.
Literatura e Ensino I
64
de Roger Mello; O lobo (2010) de Graziela Bozano Hetzel, ilustrações
de Elizabeth Teixeira; Selvagem, livro-imagem de Roger Mello (2010);
Mururu no Amazonas (2010), de Flávia Lins e Silva, ilustrações de Ma-
ria Inês Martins e Silvia Negreiros; A lua dentro do coco (2010), de
Sérgio Capparelli, ilustrações de Guazzelli; Palhaço, macaco, passari-
nho (2011), de Eucanaã Ferraz, ilustrações de Jaguar; O alvo (2011), de
Ilan Brenman, ilustrações de Renato Moriconi; A morena da estação
(2011), de Ignácio de Loyola Brandão; A bicicleta que tinha bigodes:
estórias sem luz elétrica (2012), de Ondjaki; Visita à baleia (2012), de
Paulo Venturelli, ilustrações de Nelson Cruz; Tom (2012), de André
Neves; O jornal (2013), de Patrícia Auerbach; e inúmeros outros.
Como é possível notar no parágrafo acima, citamos autores con-
temporâneos de livros infantojuvenis, tornando evidente quem são os
ilustradores dos livros para mostrar e demonstrar que a ilustração tam-
bém tem sua parcela (muito relevante, por sinal) tanto de contribuição
quanto de autonomia nos livros para esse público. Se, conforme men-
cionamos, a ilustração dos textos infantojuvenis ganhou força e vigor
nestas duas últimas décadas, no tópico seguinte serão discutidas e ex-
postas algumas considerações a respeito.
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. Escritora de livros infantis e juvenis há muitos anos, tradutora e ensaísta, Ana
Maria Machado, em palestra proferida no seminário “O Trânsito da Memória”,
na Universidade de Maryland, EUA, em 1998, posteriormente incluída no livro
Contracorrente (1999), dispensa o uso do adjetivo “infantojuvenil” para categori-
zar a literatura para leitores jovens e afirma o seguinte:
Começo então falando do que normalmente se chama de literatura
infantil e é, em geral, onde me situam, já que muitos dos meus livros
Capítulo 06A literatura infantojuvenil
65
podem ser lidos também por crianças. Para mim, não importa. O que
interessa é o substantivo, não o adjetivo. A literatura. E como os colegas
que escrevem para adultos e velhos exclusivamente (se é que isso exis-
te) não costumam se preocupar com a idade dos leitores nem rotulam o
que fazem de literatura madura ou senil, esta explicação, de tão eviden-
te, deveria ser desnecessária. (MACHADO, 1999, p. 12).
Você(s) concorda(m) com a escritora e ensaísta Ana Maria Machado? Você(s)
acredita(m) que se trata de uma Literatura sem a necessidade do adjetivo in-
fantojuvenil? O que isso implica?
2. Crítica literária, professora e ensaísta, Nelly Novaes Coelho, em Literatura
infantil: teoria, análise, didática (1993), elabora as seguintes classificações para
o leitor: o “pré-leitor” (15 meses aos 5 anos); o “leitor iniciante” (6/7 anos); o
“leitor em processo” (8/9 anos); o “leitor fluente” (10/11 anos); o “leitor crítico”
(12/13 anos) – divisões que são adotadas também por diversas editoras. Na
sua opinião, essas categorizações devem ser levadas à risca? Como lidar com
essas classificações na escola? Conteste(m).
3. Por que é importante, ao profissional de Letras, estudar, ler e conhecer a
literatura infantojuvenil?
4. Qual(is) o(s) livro(s) que marcou (marcaram) sua infância e juventude?
Comente(m) e justifique(m) o porquê.
5. Na sua opinião, como vai a literatura infantojuvenil brasileira? O que os lei-
tores e leitoras da sua comunidade estão lendo na escola? Quais são os livros
mais lidos, disputados e comentados por eles?
Literatura e Ensino I
66
Leia mais!
Primeiras leituras
Formulamos uma série de questões para serem debatidas, pensadas, co-mentadas. O maior número de questões se deve ao importante tema re-lacionado à literatura para o público leitor formado por crianças e jovens. Sugerimos para os futuros professores e professoras estes três ensaios que aprofundam as questões:
LAJOLO, Marisa. “Leitura-literatura: mais do que uma rima, menos do
que uma solução”. In: ZILBERMAN, Regina; SILVA, Ezequiel Teodoro.
Leitura. Perspectivas Interdisciplinares. São Paulo: Ática, 1999, p. 87-99.
LANNA FIGUEIREDO, Maria do Carmo. “Um percurso pedagógico no
espaço literário”. In: “O ensino da Língua e da Literatura”. Revista Grago-
atá, 1º semestre, n. 2. Niterói, RJ: UFF, 1997, p. 199-208.
SILVA, Ezequiel Teodoro da. “Uma leitura da leitura crítica”. In: Critici-
dade e leitura. Campinas: Mercado de Letras, 1998, p. 19-63.
Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens
67
7 Ilustração: Palavras e imagensPalavra e imagem ressoam entre si em uma trepidação: para cada leitor
essa fusão é particular, instante único, mas provocada, por exemplo, tanto
pela realização do escritor como do ilustrador, aqui devemos destacar que a
ilustração também fala, também agita.
(RIBEIRO, 2009, p. 126).
Considerando que os livros infantojuvenis são evidenciados tam-
bém pelo seu caráter de livros ilustrados – algo que não pode ser igno-
rado – e, elaborados, portanto, com ilustradores, trazemos aqui breves
apontamentos sobre a ilustração, técnicas e características, que venham
a contribuir para o trabalho com a leitura/literatura na escola, sem per-
der de vista que, nos livros para esse público – infantojuvenil –, imagem
e texto dialogam, completam-se, questionam-se constantemente. Ciça
Fittipaldi, em “O que é uma imagem narrativa?”, aborda essas relações
entre texto escrito e imagem, e afirma que:
Toda imagem tem alguma história para contar. Essa é a natureza narra-
tiva da imagem. Suas figurações e até mesmo formas abstratas abrem
espaço para o pensamento elaborar, fabular e fantasiar. A menor pre-
sença formal num determinado espaço já é capaz de produzir fabulação
e, portanto, narração. (FITTIPALDI, 2009, p. 103).
Segundo a ilustradora, as imagens visuais não impedem a fabrica-
ção de imagens mentais, muito menos restringem o imaginário do leitor,
mas “detêm uma enorme capacidade de abrir espaços no imaginário,
de criar experiências sensíveis, formais, afetivas e intelectuais que ali-
mentam o imaginário” (FITTIPALDI, 2009, p. 107). Apesar de também
ser compreendida como uma imagem que acompanha um texto escrito,
dando-lhe sustentação – muitas vezes maldosamente confundida com
Literatura e Ensino I
68
ornamento, adereço, enfeite às palavras, a ilustração é um tipo de texto
que pode atuar por si só, dispensando completamente o texto escrito,
construindo outro texto apenas por meio da visualização. A esse tipo de
texto dá-se o nome de livro-imagem. A ideia que se tem de ilustração é
muito variada. Segundo o ilustrador Luís Camargo (1998, p. 30),
Pensamos que um mapa explica, melhor do que um texto, o percurso
de um rio; pensamos que desenhos tornam um livro mais atraente, prin-
cipalmente aos olhos infantis. Daí a idéia de que o papel da ilustração
seja informar e enfeitar. Mas serão apenas essas as funções da ilustração?
Não. As funções da ilustração, segundo Camargo, não são apenas es-
sas, e ele corrobora sua negação apresentando oito funções para a ilustra-
ção: 1. [de] Pontuação (a ilustração pontua o texto, destacando aspectos
e demarcando início e término); 2. Descritiva (descreve objetos, animais,
personagens, cenários...); 3. Narrativa (mostra uma ação, conta uma his-
tória); 4. Simbólica (representa uma ideia, um símbolo); 5. Expressiva/
ética (expressa emoções através da postura, gestos dos personagens e dos
elementos plásticos, como cor, espaço, linha..., pode conter valores pesso-
ais e morais do ilustrador); 6. Estética (a linguagem visual chama à aten-
ção); 7. Lúdica (na imagem representada e na maneira de representá-la);
8. Metalinguística (linguagem que fala sobre a própria linguagem).
Além de possuírem essas funções, as ilustrações são elaboradas
por meio de diferentes técnicas, das quais é importante que o professor
tenha um prévio conhecimento, a citar algumas: aquarela, apropria-
ção, fotografia, colagem, montagem, lápis de cor, giz-de-cera, gravu-
ra, guache, xilogravura, iluminuras, pinturas a óleo, a carvão, e entre
tantas outras possíveis. Não se exige que o professor seja um perito na
análise de imagens, mas que tenha, pelo menos, uma ideia dos aspec-
tos utilizados nas imagens que dialogam (ou não) com o texto escrito.
Em texto publicado no livro organizado por Ieda Oliveira, intitulado
Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens
69
O que é qualidade em ilustração no livro infantil e juvenil: com a pala-
vra o ilustrador (2009), a ilustradora Cristina Biazetto apresenta tópi-
cos interessantes em “As cores na ilustração do livro infantil e juvenil”.
Segundo Biazetto (2009), perceber é sinônimo de compreender, mas,
para que isso aconteça, é imprescindível ter conhecimento de atribu-
tos intrínsecos e extrínsecos a uma imagem:
Atributos intrínsecos a uma imagem
Atributos extrínsecos a uma imagem Elementos visuais
- Intensidade;
- Tamanho;
- Contraste;
- Novidade;
- Repetição;
- Movimento.
- Atenção;
- Expectativa;
- Experiência;
- Memória.
- Linha – indicadora da direção que o nos-so olhar deve seguir. Pode ser um simples contorno, dar ideia de volume e representar sombra;
- Superfície – altura e largura;
- Volume – perspectiva, cores, luz e sombra;
- Luz – contraste claro-escuro;
- Cor – elemento visual com o maior grau de sensualidade e emoção do processo visual.
FONTE: adaptado de Biazetto (2009, p. 75-91)
Com relação às cores, a ilustradora Cristina Biazetto, com proprieda-
de e conhecimento de causa, faz os seguintes apontamentos (2009, p. 90):
Ӳ Cores quentes: vermelhos, amarelos, laranjas. (Ideia de fogo e
calor, densidade);
Ӳ Cores frias: azuis e verdes azulados; mais azul que amarelo na
composição. (Ideia de água, gelo, céu e vidros, sensação de le-
veza e distanciamento);
Ӳ Cores complementares: azul complementar é o laranja (amare-
lo + vermelho); vermelho complementar é o verde (azul + ama-
relo) e amarelo complementar é o violeta (azul + vermelho);
Literatura e Ensino I
70
Ӳ Cores dessaturadas: baixa a intensidade da cor, misturando
cinza, branco ou preto;
Ӳ Cores saturadas: cores puras, sem adição de cinza, branco ou
preto;
Ӳ Cores primárias: vermelho, azul e amarelo (artes plásticas);
magenta, ciano e amarelo (artes gráficas);
Ӳ Cores secundárias: mistura das primárias, verde, laranja e vio-
leta.
As crianças tendem a aprender com a cor, e é na cor que elas
contemplam a liberdade. Walter Benjamin, em seu ensaio “Livros in-
fantis antigos e esquecidos”, publicado no livro Magia e Técnica, Arte
e Política (1994), partindo suas reflexões da coleção de livros infantis
de Karl Hobrecker, divulgada ao público em 1924, faz considerações
importantes sobre as ilustrações nos livros infantis sem perder de vista
o seu caráter histórico. As imagens, segundo Benjamin, estimulam nas
crianças a palavra pelo ato de decifrar, de ler, de criar um sentido para
o que veem/decrifram/leem dentro de si. “A imagem colorida faz a
fantasia infantil mergulhar, sonhadoramente, em si mesma. A gravura
em branco e preto, a reprodução sóbria e prosaica, levam-na a sair de
si.” (BENJAMIN, 1994, p. 241).
A ausência do colorido nos livros, ou seja, uso exclusivo do preto e
branco nas ilustrações, pressupõe maturidade do leitor. Diante disso, dei-
xaria o leitor de sonhar, segundo afirma Walter Benjamin (1994, p. 242),
ao dizer que “no reino das imagens incolores, a criança acorda; no reino
das imagens coloridas, ela sonha seus sonhos até o fim”? A questão reside
no fato de fazer com que o leitor-criança aprenda a absorver as imagens,
seja por meio de cores, traços, contornos etc., para que se torne um adulto
sensível e sensato não apenas à dimensão das palavras, que projetam ima-
gens, mas à projeção das imagens, que dimensionam palavras.
Walter BenjaminWalter Benjamin (1892 - 1940) foi um ensaísta, crítico literário, tradu-tor, filósofo e sociólogo judeu alemão.
Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens
71
Os apontamentos citados em parágrafos acima, mas explicados com rigor
por quem faz ilustração, quis propor a seguinte reflexão: Agora que você(s)
viu(viram) alguns dos atributos das imagens, que tal retomar(em) alguns li-
vros infantojuvenis para ler e observar atentamente as ilustrações, as capas?
Procure(m), como futuro(s) professor(es), a partir de nossa disciplina, identifi-
car técnicas, cores e tons utilizados, bem como que tipo de relações estabe-
lecem as ilustrações com o texto escrito.
Convém, também, aqui registrar a importância de se pensar cada vez
mais – e sempre – a importância das histórias em quadrinhos e tirinhas,
tão marginalizados. O professor Rafael Soares Duarte, em sua dissertação
de mestrado Watchmen: vazios, tragédia e poesia visual moderna, expôs
com muita clareza a importância das Histórias em Quadrinhos (HQs):
A relação da história em quadrinhos (também chamadas de HQ) com
a sociedade é perpassada por polarizações antagônicas. É reconhe-
cida como diversão popular de alcance imenso e, ao mesmo tempo,
execrada como infantilidade. É vista como meio artístico válido e meio
de consumo descartável. Deixando-se de lado o campo do senso co-
mum, é possível verificar um posicionamento relativamente diferente
entre as instâncias que possibilitam a legitimação de uma forma artís-
tica. Se um certo reconhecimento intelectual já pode ser verificado há
algum tempo, com uma obra entrando para a lista de “Cem melhores
livros do século XX” da Time Magazine, através de prêmios como Hugo
e Pulitzer, ou de livros que analisam sua estrutura formal, um outro
lugar de legitimação, a produção acadêmica acerca das histórias em
quadrinhos, merece um olhar mais atento. (DUARTE, 2009, p. 14)
As palavras do professor e pesquisador de histórias em quadrinhos
tornam evidente que as HQs conquistaram seu espaço como arte, co-
municação e, principalmente, literatura, embora tenham ficado à mar-
DUARTE, Rafael Soares. Watchmen: quadri-nhos, vazios e poesia visual. Dissertação (Mestrado em Lite-ratura, Programa de Pós-Graduação em Literatura. Florianó-polis: UFSC, dez. 2009. Orientadora: Profa. Dra. Tânia Regina Oli-veira Ramos.
Os dois primeiros casos são relativos à obra Watchmen. O Pulitzer de 1992 foi vencido pela obra Maus de Art Spiegelman.
Literatura e Ensino I
72
gem por muitos anos, vistas como diversão popular e consumo descar-
tável. As produções em quadrinhos, sejam elas adaptações de clássicos,
sejam clássicos dos quadrinhos (Superman, Watchmen, Tarzan, Popeye,
X-men, Dick Tracy, Capitão Marvel, Capitão América etc.) ou mesmo os
mais contemporâneos (Mafalda, Charlie Brown, Pato Donald, Zé Cario-
ca, Turma da Mônica etc.), não podem ser excluídas do meio escolar,
pois [nelas] é onde, também, as imagens estabelecem relações com o
texto escrito. Embora a leitura dos quadrinhos seja limitada à ordem
dos balões, legendas e imagens, os significados, os sentidos que o leitor
pode extrair dessa leitura não o são.
Seja pelas ilustrações dos livros, pelas HQs, não podemos nos esque-
cer do poder sedutor das imagens. Muitas vezes são elas, as ilustrações, as
cores, as capas que conquistam leitores antes que eles passem a conviver,
como disse o pequeno leitor, apenas “com livros só de palavras”.
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus
colegas, tutores e professores:
1. Em “A linguagem visual no livro sem texto”, Ma-
rilda Castanha alegou que, corforme a criança é
alfabetizada, os livros de imagens vão ficando em
segundo plano. Diante de situações como esta,
elaborou a seguinte conclusão: “é como se, aos
poucos, durante a trajetória de uma pessoa na vida escolar, ela se “desalfabeti-
zasse” das imagens. Não é por acaso que muitos adultos não se sentem estimu-
lados a visitar museus, galerias de arte ou bienais” (CASTANHA, 2009, p. 145). O
que você(s) pensa(m) a respeito dessa afirmação?
2. A ilustradora Márcia Széliga, em depoimento, disse que “Ilustrar é despertar
um questionamento, é instigar a curiosidade para desvendar os mistérios in-
crustados nas entrelinhas das palavras, na ambientação das formas e cores que
acionam os sentidos do leitor, para que ele possa se sentir, em seu íntimo, um
Questão a ser tratada no tópico seguinte: As adaptações de textos
clássicos.
Capítulo 07Ilustração: Palavras e imagens
73
co-autor silencioso” (SZÉLIGA, 2009, p. 181). Na sua opinião, qual é o papel (ou
quais são os papéis) da ilustração no livro infantojuvenil?
Leia mais!
Pausa
Sugerimos agora, pensada a questão dos livros e suas ilustrações, a leitura de dois textos importantes para se aprofundar cada vez mais a leitura literá-ria e a história dos livros dedicados a jovens e crianças.
BENJAMIN, Walter. “Livros infantis antigos e esquecidos”. In: Magia
e Técnica. Arte e Política. Tradução Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 235-243.
ZILBERMAN, Regina. “Leitura literária e outras leituras”. Revista Gra-
goatá. Curso de Pós-Graduação em Letras. Número monográfico sobre
O ensino da Língua e da Literatura. 1º semestre, n. 2. Niterói: UFF,
1997, p. 143-157.
Capítulo 08As adaptações de textos clássicos
75
8 As adaptações de textos clássicos
Ainda acabo fazendo livros onde as nossas crianças possam morar. Não
ler e jogar fora, mas, sim, morar, assim como morei no Robinson [Crusoe]...
(Monteiro Lobato. Correspondência).
As palavras de Monteiro Lobato, que compõem a epígrafe deste ca-
pítulo, enfatizam o poder de sedução, envolvimento, experiência, vivên-
cia, quando da “boa” literatura – especialmente ao fazer referência a um
texto clássico da literatura universal, Robinson Crusoe, de Daniel Defoe.
Por meio da leitura de bons livros é que as crianças podem passar a mo-
rar neles, vivenciar experiências únicas, fazer uso correto de suas solidões,
como já demonstramos na afirmação do norte-americano Harold Bloom
no início de nosso livro.
Mas, como fazer com que os leitores tenham alguma forma de aces-
so à “boa” literatura enquanto jovens? Indicar sem pestanejar, para um
leitor mirim, um texto integral do acervo literário ou optar por outras
possibilidades quando o alvo de leitura é justamente um texto clássico?
Que possibilidades seriam essas?
Conforme exposto em tópico anterior, o início da literatura in-
fantojuvenil brasileira é marcado por traduções e adaptações de textos
clássicos. Desde o final do século XIX, no Brasil, havia preocupação
de se fazer com que os leitores tivessem acesso e, possivelmente, maior
entusiasmo com a leitura desses textos. Além disso, era possível per-
ceber que o Brasil carecia de uma literatura própria para leitores ainda
em fase de escolarização, pois até então circulavam aqui apenas tra-
duções de livros europeus. Era, então, necessário repensar essa ques-
tão e procurar alguma alternativa para fazer com que esses leitores
ingressassem na leitura de clássicos por outra via que não apenas a
O professor Diógenes Buenos Aires de Carvalho (2006) ressalta, em levan-tamento feito de obras adaptadas entre 1882 e 2004, que os títulos mais adaptados no Brasil são Robinson Crusoe, de Da-niel Defoe, com 39 (trinta e nove) publicações, e As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, com 36 (trinta e seis).
Sempre que men-cionado, o termo ‘adaptação’ refere-se às releituras de obras clássicas para o leitor infantojuvenil.
Daniel Defoe(1660-1731) – escritor e jornalista inglês.
Literatura e Ensino I
76
da tradução do texto integral; daí uma das razões para que se viabi-
lizasse o aparecimento das adaptações. Embora apelativas à morali-
dade, galegais, desliteraturizadas, como afirmava Lobato, as primeiras
adaptações-traduções de Carlos Jansen e Figueiredo Pimentel foram o
pontapé inicial para que os leitores jovens brasileiros do final do século
XIX começassem a desfrutar da leitura desse tipo de textos.
Monteiro Lobato foi um obstinado partidário das adaptações; pro-
curou recriar e reescrever uma série de textos que marcaram sua infância
– Dom Quixote, Peter Pan, Pinóquio, Robinson Crusoe, Alice no País das
Maravilhas, para citar alguns –, pois considerava o conhecimento deles
[dos textos] essencial para as novas gerações. Era preciso que a leitura flu-
ísse, que os códigos estéticos fossem renovados e que as narrativas fossem
desprovidas de enfeites literários. As adaptações, para Lobato, deveriam
ser diferentes, sem termos do “tempo da onça”, como demonstra em um
trecho do livro Reinações de Narizinho – Volume 2, relatando ao leitor a
maneira de Dona Benta ler (recontar) as histórias para os netos:
A moda de Dona Benta ler era boa. Lia “diferente” dos livros. Como quase
todos os livros para crianças que há no Brasil são muito sem graça, cheios
de termos do tempo da onça ou só usados em Portugal, a boa velha lia
traduzindo aquele português de defunto em língua do Brasil de hoje.
Onde estava, por exemplo, “lume”, lia “fogo”; onde estava “lareira” lia “va-
randa”. E sempre que dava com um “botou-o” ou “comeu-o”, lia “botou ele”,
“comeu ele” – e ficava o dobro mais interessante. (LOBATO, 2007, p.36)
Dona Benta, a avó do Sítio do Pica-Pau Amarelo, é uma exemplar
mediadora dos textos clássicos para os netos. Além de atuar como uma
assídua contadora de histórias, a avó de Pedrinho e Narizinho (Lúcia),
desempenha um papel de adaptador hic et nunc, que reescreve e recria
as histórias no momento em que são narradas à plateia do sítio, que é
geralmente composta pelos netos, boneca Emília, sabugo Visconde e
Capítulo 08As adaptações de textos clássicos
77
preta Nastácia. Segundo Regina Zilberman (2003, p. 86), “Dona Benta
é a narradora adulta que, após a leitura do livro, refaz à sua moda os
principais episódios do original”. E é refazendo à sua moda os epi-
sódios que dona Benta parece desafiar a gramática, ignorando, como
exemplifica o narrador, regra de uso dos pronomes. É claro que a boa
senhora conhece o uso e as devidas normas, mas os corrompe para
imprimir tom de oralidade quando de suas narrações, ou seja, para
que a narrativa fique “em língua do Brasil de hoje”.
Se, para Italo Calvino (2001), o primeiro encontro com os clás-
sicos durante a juventude, muitas vezes, não é tão prazeroso devido à
impaciência e distração de leitura, bem como inexperiência de vida,
as adaptações de textos clássicos podem ser uma maneira de apro-
ximar o leitor das obras consagradas e tentar uma democratização e
uma recepção mais adequada ao leitor infantojuvenil. Há excelentes
adaptações circulando no mercado; segundo Mário Feijó Borges Mon-
teiro, em dissertação de Mestrado intitulada Adaptações de clássicos
brasileiros: paráfrases para o jovem leitor (2002), a boa adaptação tenta
aumentar ao máximo o número de leitores de determinada obra e,
por tais funções, compreende-as como paráfrases ou metáfrases, por
serem narrativas que recontam textos clássicos por meio das próprias
palavras dos adaptadores. Monteiro assevera que essas paráfrases ou
metáfrases – as adaptações –, quando bem realizadas, apresentam
fidelidade ao enredo, possível encantamento ao leitor e emprego de
linguagem apropriada. A maioria das adaptações de textos clássicos
para a literatura infantojuvenil é transformada em narrativa, o que de
antemão já pressupõe, também, a alteração do gênero literário.
As adaptações de textos clássicos são boa opção para o leitor inte-
ressar-se pelo texto-fonte? Escritor e autor de diversas adaptações que
circulam no mercado, o experiente escritor Carlos Heitor Cony (2006),
em “As adaptações dos clássicos e a voz do Senhor”, é otimista em rela- Carlos Heitor Cony, escritor e jornalista brasileiro, membro da Academia Brasi-
leira de Letras.
Literatura e Ensino I
78
ção às adaptações, afirmando não ser uma prática condenável, e muito
menos plagiosa e/ou pasticheira, mas, muitas vezes, de caráter honesto,
funcionando como um caminho para que se conheça o original, espe-
cialmente para aqueles que não têm vontade e muito menos tempo de
se arriscar na leitura dos famosos “tijolões”. Cony, historiando o assunto,
menciona que os irmãos Lamb fizeram adaptações em prosa das peças
de William Shakespeare, que servem como primeiro contato para os
estudantes de fala inglesa com os textos do escritor inglês. Essas adap-
tações em prosa, como ressalta Cony, em nada prejudicaram os origi-
nais, mas sim, valorizaram-nos ainda mais, além de familiarizarem o
estudante desde cedo ao conhecimento de obras importantes. Também
aponta a importância de Monteiro Lobato, o precursor das adaptações
no Brasil, cujos textos são reeditados ainda hoje.
Adepta da recriação de textos clássicos (inclusive os de literatura
brasileira), é, também, a professora, escritora e ensaísta Nelly Novaes
Coelho, em texto publicado no Jornal do alfabetizador, em 1996, inti-
tulado “O processo de adaptação literária como forma de produção de
literatura infantil”. Segundo Coelho
(1996, p. 11), “a adaptação é ainda um
bom filão a ser redescoberto e explo-
rado pelos novos escritores” e acres-
centa que, além dos mitos gregos (e
latinos), indígenas, feitos históricos,
romances geniais, “por que não certos
textos ou livros de literatura brasilei-
ra contemporânea?” E como resposta
exemplifica com a obra de Guimarães
Rosa que, em discurso narrativo ino-
vador, apresenta situações, aventuras
ou experiências humanas que podem
ser de grande interesse para os leito-
Relevante mencionar aqui o projeto Latim na Escola, da
Universidade Federal de Santa Catarina, elaborado em co-
autoria da Profa. Dra. Zilma Gesser Nunes e do Prof. Dr. José
Ernesto de Vargas. Esse projeto, em andamento desde ja-
neiro de 2000, visa o resgate da Língua Latina, à recupera-
ção da sua história e cultura, ao desenvolvimento do racio-
cínio lógico, bem como contribuir para o processo ensino/
aprendizagem da língua portuguesa. Dentre seus objetivos
está, também, a elaboração de material didático e lúdico
e de adaptações de textos clássicos latinos de autores
como Virgílio, Ovídio, Fedro, Plauto, que são efetuadas
pelos alunos do curso de graduação em Letras-Portu-
guês. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.sepex.ufsc.
br/anais_6/trabalhos/1235.html>. Acesso em: 25 jan. 2010.
Capítulo 08As adaptações de textos clássicos
79
res. Apesar de entusiasmada com as adaptações, a professora ressalta
que esse processo deve ser desenvolvido com rigor, o que exige do
adaptador um trabalho vigoroso em três níveis, a citar: nível da com-
posição, da estrutura narrativa; nível da personagem e nível do discur-
so. Abarcando esses três níveis, o processo de adaptação atingirá uma
recriação simplificadora da linguagem narrativa, suscetível de agradar
ou estimular os jovens leitores.
Embora defendida pelo escritor Carlos Heitor Cony e pela profes-
sora e ensaísta Nelly Novaes Coelho, a adaptação de textos brasileiros
do século XIX e XX é uma prática ainda bastante questionável, pois os
leitores, na maioria das vezes, preferem o texto adaptado e dispensam o
original, escrito em sua língua materna, por ser uma leitura facilitada e
o texto ser reduzido. Nesse sentido, o texto original, aquele escrito por
Machado de Assis, José de Alencar, Manuel Antonio de Almeida, por
exemplo, é substituído pela adaptação do romance brasileiro. Não se
nega a eficiência dessas adaptações, mas os séculos XIX e XX não estão
muito distantes da realidade dos estudantes juvenis brasileiros para que
se viabilize sempre a preferência pela adaptação. Os leitores juvenis po-
dem ler as adaptações, mas sem deixar de lado o conhecimento e a leitu-
ra das obras originais. Além disso, há obras brasileiras que são acessíveis
à leitura e, portanto, “dispensam” o recurso da adaptação.
Por outro lado, já se tornaram corriqueiras, pode-se dizer há algum
tempo, adaptações de textos clássicos para os quadrinhos, aliando texto
e imagem de maneira bastante interessante. Tendo em vista que são re-
conhecidas como forma de arte e comunicação e, possivelmente, atraem
maior número de leitores jovens, as adaptações de clássicos em quadri-
nhos são uma boa alternativa para efetuar trabalhos em sala de aula,
mas sem perder de vista o texto original. As editoras acrescentaram um
item a mais no seu catálogo: os quadrinhos, e estão investindo cada vez
mais nesse “formato”. A título de ilustração, citamos quatro adaptações
(opções) do conto brasileiro O Alienista, de Machado de Assis:
A editora Scipione in-veste em adaptações de textos clássicos desde 1984, cujos títulos con-tinuam em circulação até hoje, e já possui em seu catálogo inúmeros títulos de clássicos das literaturas brasileira e portuguesa na Série Re-encontro. Mas não para por aí: de outra coleção, Série Reencontro Infan-til, indicada a partir dos 9 anos, que também consiste em adaptações de textos clássicos, localizamos dois títulos de textos nacionais adaptados para crian-ças: O Guarani, de José de Alencar, adaptação de Edy Lima, e Triste fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, adap-tação de José Louzeiro. Disponível em: <http://www.scipione.com.br/lista_paradida-tico.asp?pagina=5&inicial=5&nivel=&bt=2&id_olecao=12&avancada=1>. Acesso em: 20 jan. 2010.
Literatura e Ensino I
80
Ӳ O Alienista, adaptação, roteiro e desenho de Lailson de Holan-
da Cavalcanti (Companhia Editora Nacional, 2008);
Ӳ Alienista, adaptação de Luiz Antonio Aguiar e ilustrações de
Cesar Lobo (Ed. Ática, 2008);
Ӳ O Alienista, adaptação de Fábio Moon e Gabriel Bá (Ed. Agir,
2007);
Ӳ O Alienista, adaptação, roteiro e desenhos de Francisco S. Vi-
lachã; cores de Fernando A. A. Rodrigues (Ed. Escala Educa-
cional, 2006).
O que se pode perceber é que, em um intervalo de três anos, qua-
tro editoras diferentes abraçaram a ideia da adaptação em quadrinhos
do conto de Machado de Assis. Se fizermos um levantamento de todos
os títulos clássicos de romances, contos, biografias, peças, poemas etc.
(não necessariamente literatura brasileira, mas incluindo-se a literatura
estrangeira) adaptados para os quadrinhos, a lista será imensa.
Embora a noção de adaptação possa ter compreensões depreciati-
vas, sendo associada aos conceitos de condensação, facilitação, em-
pobrecimento e prejuízos em relação ao original, é preciso avaliar
seu alcance. Esse recurso não deve sofrer generalizações pejorativas,
pois não é o “adaptar” em si que pode comprometer a recepção de
uma obra, mas a “forma” pela qual esse processo é elaborado – e
aqui entraria novamente a questão do rigor quando da composi-
ção de uma adaptação nos três níveis elaborados por Nelly Novaes
Coelho. É nesse momento que o professor deve entrar em cena, o
que vale dizer, deve procurar ter conhecimento de algumas adap-
tações para fazer questionamentos críticos e contrapontos com os
originais. Há inúmeras adaptações de um mesmo texto, conforme
demonstramos acima através de O Alienista, de Machado de Assis, e
cabe aos professores auxiliarem seus alunos nas escolhas e orientá-
Capítulo 08As adaptações de textos clássicos
81
Com esse capítulo, pretendemos enfatizar que as adaptações, quan-
do elaboradas com rigor e seriedade, são importantes e necessárias no
processo de formação da leitura. Importantes por colocarem em circula-
ção obras clássicas distanciadas dos leitores tanto em matéria de tempo
quanto de convenções linguísticas e estéticas. Necessárias por contribuí-
rem na formação de leitores também de textos clássicos. Importantes por
defenderem/promoverem a circulação desses textos e, assim, manterem/
preservarem certas referências culturais. Necessárias por servirem como
um convite a uma leitura/mergulho do/no original – que muitas vezes
pode ser a tradução. Importantes, principalmente, por tornarem a leitura
diferente, menos densa, mais prazerosa, e, retomando as ideias de Lobato
expressadas no início desse texto, sem “termos do tempo da onça” e “por-
tuguês de defunto”, mas uma leitura o dobro mais interessante.
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. Ana Maria Machado, escritora e ensaísta já mencionada, em seu livro Como e
por que ler os clássicos universais desde cedo (2002), afirmou, “a tradição clássica
está desaparecendo a uma velocidade galopante — e todos nós vamos nos
empobrecendo com isso” (MACHADO, 2002, p. 142). Por que essa tradição clás-
sica está desaparecendo? De que forma empobreceremos – o que deixaremos
de conhecer, de ler, de apre(e)nder – se a tradição clássica desaparecer?
2. Em que medida as adaptações proporcionam o contato de leitores e leitoras
jovens com a literatura clássica? Responda(m) essa questão tendo em mente
essas palavras de Ana Maria Machado: “como o contato das crianças com os
-los para que percebam tratar-se de uma releitura da obra em ques-
tão, ou seja, há um mediador – o adaptador. (Sim, o professor deve
ser um constante e obstinado leitor...)
Literatura e Ensino I
82
contos populares hoje em dia se faz basicamente pelos desenhos animados e
toda a parafernália Disney deles derivadas, as histórias que não foram adapta-
das por esse canal ficam em segundo plano” (MACHADO, 2002, p. 143).
3. Qual a importância de ler textos clássicos desde cedo? Por quê?
Leia mais!
Depois da aula
Ao falar de adaptações estamos sempre pensando na adaptação dos clássi-cos. Como futuros professores de literatura, as indicações a seguir deverão fazer parte de seus repertórios de leituras. Estes três livros devem fazer parte da(s) sua(s) bibliotecas ou de sua(s) escola(s):
BLOOM, Harold. “Prólogo” e “Prefácio”. Como e Por Que Ler. Tradu-
ção José Roberto O´Shea. Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 15-25.
CALVINO, Ítalo. Por que ler os clássicos? Tradução de Nilson Moulin.
São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
MACHADO, Ana Maria. Como e por que ler os clássicos universais
desde cedo. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Unidade D A literatura na escola
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
85
9 A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
Se, por não sei que excesso do socialismo ou de barbárie, todas as nossas
disciplinas devessem ser expulsas do ensino, exceto uma, é a disciplina literária
que devia ser salva, pois todas as ciências estão presentes no monumento
literário. (Barthes, 1978, p. 18)
Ao enfatizarmos as questões anteriores para estabelecer a complexa
relação Literatura e Ensino, passamos agora a escutar a voz dos alunos
do ensino médio, através de uma pesquisa sobre a leitura obrigatória de
textos canônicos.
Este ensaio está inte-gralmente publicado no livro “Experiência e Prática de Reda-ção”, publicado pela EDUFSC em 2008, e teve a coautoria de Tânia Regina Oliveira Ramos e Cristina de Souza Prim. Optamos por incluí-lo no livro destinado à disciplina porque ele é resultado de uma pesquisa de campo e nos permite pensar na leitura dos cânones da literatura brasileira por alunos do ensino médio.
O professor da UNESP (Campus de Assis), Benedito Antunes, em
“Para ler os clássicos” (2004), levanta alguns títulos que são comu-
mente compreendidos como clássicos da literatura brasileira:
Hit parade nacional. Tomando-se de forma aleatória algumas das
enquetes que se fazem para eleger os livros fundamentais da litera-
tura brasileira, é possível imaginar uma lista de obras que são fre-
quentemente citadas. Inicialmente, se destacariam os romances de
Machado de Assis, especialmente Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas de Brás Cubas. É muito lembrado também o
romance Grande sertão: Veredas, de Guimarães Rosa, vindo em se-
guida Macunaíma, de Mário de Andrade, e Os sertões, de Euclides
da Cunha. Completariam a lista das mais lembradas, Vidas secas, de
Graciliano Ramos, Fogo morto, de José Lins do Rego, Iracema, de
José de Alencar e Memórias de um sargento de milícias, de Manuel
Antônio de Almeida. Da produção poética, costuma-se citar como
fundamentais Primeiros cantos, de Gonçalves Dias, Libertinagem,
de Manuel Bandeira, e A rosa do povo, de Carlos Drummond de An-
drade (ANTUNES, 2004, p. 79).
Literatura e ensino I
86
Como pensar a literatura com(o) disciplina? Alfredo Bosi, em “O
Tempo e os Tempos”, um dos ensaios da coletânea Tempo e História, afir-
ma que datas são pontas de icebergs, ou seja, funcionariam como piná-
culos flutuantes, como demarcações de massas congeladas em blocos de
formatos imprevisíveis e erráticos, passíveis de dissolução. Ao falar sobre
o ensino da literatura no século XXI, desejamos mostrar que, além da
superfície visível, há nas datas uma dimensão outra que as sustenta. As-
sim, obras e autores, discursos críticos, iniciativas contemporâneas, como
os periódicos especializados e as múltiplas antologias e coletâneas de en-
saios, que vêm sendo bastante publicadas, quando observados sob o ân-
gulo de sua inserção na vida literária de certo período ou instituição, tam-
bém podem ser vistos como pontas de icebergs, especialmente porque são
feitos de muitos nomes e outras falas, de figuras ainda não expressivas no
contexto de uma relação canônica de uma determinada literatura. Este
universo contemporâneo é mais errante, mais frágil, mais abstrato do que
certos caminhos já percorridos. Para compreender essa certa condição de
isolamento necessitamos de alguns mergulhos que nos mostrem a gran-
de massa sedimentar que pode sustentar estas leituras. Comecemos, por
exemplo, por ver o ensino de literatura como um instrumento de legiti-
mação, quer dizer, de afirmação do lugar a partir de onde o texto fala. E
“este entendimento se dá pela aceitação de que a professora ou o professor
de literatura é aquele capaz de organizar, classificar, delimitar e apontar
junto a seus alunos procedimentos de leitura.” (FOUCAULT, 1996).
Entramos no século XXI, com manifestações evidentes, até mesmo
claras, de uma necessidade de se retirar da História e da Literatura a
pecha de anacronismo. Mesmo não se podendo, em princípio, elaborar
sistematicamente uma outra história da literatura, estamos debruçados
sobre tantas textualidades contemporâneas, e convencidas da importân-
cia da reavaliação da tradição e da utilização de fontes bibliográficas
literárias, e os seus espaços nos cursos de graduação, de pós-graduação,
nas instituições de ensino superior do país, nas escolas de ensino mé-
BOSI, Alfredo. “O Tempo e os Tempos”. In: NO-VAES, Adauto (Org.).
Tempo e História. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993, p. 19.
Referimo-nos aqui ao ensaio de Tânia Regina
Oliveira Ramos, “Den-tro deste (a)pós: muito
abalo, novos nomes, outras falas. Cadernos do Centro de Pesquisas
Literárias da PUCRS. Porto Alegre, 2000. v. 6,
n. 1, p. 73-79.
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
87
dio. Há outros caminhos que possam ser traçados para além da relação
Literatura e História, Literatura e Memória Cultural, Literatura e Vida
Literária, Literatura e Contexto?
Reconhecida a importância das revisões e revitalizações de estudos
historiográficos para o ensino de literatura, a leitura de uma produção
crítica, mais ensaística, publicada nos últimos trinta anos, leva-nos a
adiantar que um número significativo destes textos críticos volta-se para
a contemporaneidade. Assim, ao lado dos estudos mais sistematizados e
localizados na historiografia literária, conforme um levantamento pre-
liminar de nossos programas de ensino, há por força das circunstân-
cias uma tentativa de pensar a literatura e sua relação com o ensino que
persiste ainda dentro de uma tradição. Qual seria a razão de se desejar
novos rumos para os estudos literários? A imagem que para nós melhor
explica esta imediaticidade é a crítica literária, que prolifera nas temáti-
cas dos eventos nacionais e internacionais e a leitura de textos teóricos,
poéticos e narrativos, dispersos em livros e antologias. A literatura pare-
ce sempre conclamar à atualização. Assim será antes preciso perguntar o
que é que significa e o que é que nos instiga a não abandonar os cânones
mesmo lançando um outro olhar sobre a criação literária contemporâ-
nea, sobre outras formas de manifestações culturais (cinema, perfor-
mance, telenovelas, revistas, sites, saraus...)?
Poderíamos dizer que a crítica literária ajuda a intervir entre a obra
e o leitor, para dar algumas informações sobre o livro na contempora-
neidade dele, compromissado com o acúmulo crítico que o antecede. O
professor precisaria sempre amparar suas leituras em uma fortuna crítica
institucionalizada. Quantos e quem, entre os pesquisadores da área, estão
dispostos e preparados para assumir a tarefa de se voltar mais e mais para
a releitura de obras ou textos do passado, que guardariam atualidade?
Embora o caráter provisório que possa ter tudo o que está sendo
dito, podemos assegurar que a maioria das leituras ensaísticas, sobre as
Literatura e ensino I
88
quais nos debruçamos cotidianamente para nos manter atualizadas, es-
tão agregadas a práticas teóricas contemporâneas. As discussões a pro-
pósito da contemporaneidade começaram com a questão da existência
ou não de uma ruptura com a historiografia e um repertório de textos
canônicos consagrados pela crítica.
Assim, motivadas agora, depois de várias reflexões relevantes nos
tópicos anteriores que acabamos de expor, lançamos agora nosso olhar
sobre a Literatura como “disciplina”, seja no sentido curricular, discipli-
nar mesmo, seja no sentido mais metafórico, no momento em que se
pensa a obrigatoriedade disciplinar da leitura.
Vamos dar a este capítulo uma sustentação de pesquisa de campo
feita com professores e alunos do ensino médio em cinco grandes co-
légios de Florianópolis, onde se situa a UFSC. Escolhemos os colégios
que revelavam uma demanda maior para o vestibular da UFSC. Foram
eles: Instituto Estadual de Educação, Escola Deyse Werner Sales, Escola
Getúlio Vargas, Colégio Catarinense e Colégio Energia. Talvez o avanço
maior tenha sido o de dar voz aos leitores, que se manifestaram durante
a pesquisa. Neste somatório de questões, veremos se a literatura é, como
diria Roland Barthes, tudo que se ensina, ou como estamos vendo: lite-
ratura com(o) disciplina.
Convém retomar nesta primeira parte da pesquisa a comparação
das respostas dadas pelos vestibulandos no que se refere ao seu uni-
verso de leituras, com as sugeridas pelos professores como lista ideal.
Os professores sugeriram à COPERVE, em 2004, depois de uma con-
sulta, 360 títulos. Este número é explicado porque alguns professores
sugeriram de 3 a 10 títulos. Só para ilustrar: enquanto os alunos diziam
que desejavam ler “livros atuais, livros interessantes, com enredos varia-
dos, que traziam curiosidades e novos autores”, “leituras menos difíceis
e complexas”, “autores do século XIX e XX que ainda não conheço”, os
professores sugerem, por questão de gosto ou de segurança, os mesmos
Atualmente, a UFSC possui campi nas cida-
des de Araranguá, Curi-tibanos e Joinville, além
de ter Polos em vários estados do Brasil na
modalidade a Distância
Este primeiro momento da pesquisa foi coorde-nado pelas Professoras
do Colégio de Aplica-ção da UFSC, Claudete
Segalin de Andrade e Ana Maria Sabino, com a importante participa-
ção da bolsista de Ini-ciação Científica Rosilei
Girardello.
Esta lista faz parte dos arquivos desta pesquisa
que podem ser solici-tados ao nuLIME, CCE,
UFSC.
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
89
livros já canonizados pela crítica e pela historiografia. A título de exem-
plificação, 18 professores sugeriram O Cortiço, e 10 O Guarani. Mesmo
reconhecendo o mérito dos textos canônicos, e a necessidade de sua
leitura, surpreende-nos que uma produção mais contemporânea, espe-
cialmente a da segunda metade do século XX, não seja contemplada na
lista dos professores. Seria o professor um (não) leitor? Fizemos uma
tabulação dessas leituras, apontamos equívocos nas próprias indicações,
no que se refere, por exemplo, ao nome do autor, títulos, autorias etc.
Para ilustrar, o desejo de incluir um livro que marcaria diferença levou
uma professora a sugerir O quarto de desejo, de Carolina Maria de Jesus,
quando o certo seria Quarto de despejo. Ou o professor que sugere Luiz
de Camões - Poesia Lírica, de autoria de Benjamin Abdala Júnior.
Preocupadas com o pequeno referencial de leitura dos universitá-
rios, as universidades brasileiras introduziram como condição de in-
gresso à Universidade a leitura de obras representativas da produção
literária brasileira (no caso da UFSC, que é o nosso alvo, de oito a dez
títulos anuais), numa tentativa de que as questões propostas sobre e/ou
a partir de textos literários pudessem contribuir para a superação de
dificuldades relativas à formação de leitores e ao consumo de leitura e,
principalmente, à produção escrita. No tópico As institucionalizações
Não se pode perder de vista que a leitura é uma parte da discipli-
na de Língua Portuguesa (mesmo que algumas escolas reservem
algumas aulas especificamente para conteúdos de Literatura, di-
versificando em alguns casos o próprio professor) que vive sempre
uma situação problemática particularmente no ensino médio. Se-
guindo uma orientação historicista, em que mais se lia sobre lite-
ratura que as próprias obras, a atuação da escola mais afastava que
aproximava o aluno da leitura. Em consequência, formava-se um
leitor de referencial de leitura limitado.
Literatura e ensino I
90
da literatura fizemos referência à pesquisa da professora do Colégio de
Aplicação da UFSC, Claudete Segalin de Andrade. E é sobre a relação
do aluno desse nível de ensino com a leitura que esta pesquisa se vol-
tou, ou seja, pretendemos verificar como as indicações de leituras para
o vestibular são recebidas e consumidas pelo aluno; se esse tipo de obri-
gatoriedade interveio (ou não) na promoção da leitura, na formação do
próprio leitor e na qualidade do próprio texto escrito.
Passada esta fase das sugestões dos professores, continuamos a pes-
quisa de opinião com os alunos, porém por um caminho que parecia atin-
gi-los mais de perto. Não mais os questionários e as entrevistas formais
do primeiro momento, mas através de espaços on-line destinados a trocas
de mensagens e formação de comunidades (Messenger, e-mail e Orkut).
Uma pesquisa informal levou-nos a uma comunidade chamada “eu odeio
os livros do vestibular”, a uma com poucos membros chamada “Eu ter-
minei Os Sertões” e a uma outra chamada “eu li os livros da UFSC”. Foi
uma etapa bastante interessante na pesquisa. Descobrimos outras comu-
nidades, inclusive onde alunos declaravam que não tinham lido os livros,
que não gostavam de ler etc. Encontramos, ainda, tópicos relacionados
ao vestibular. Na comunidade “Eu odeio os livros que caem no vestiba”,
os alunos discutiam sobre a “chatice” de ler dessa forma condicionada
e ainda procuravam conjuntamente uma solução para isso. A solução a
que chegavam é a de que tendo “um ótimo professor de literatura em sala
de aula, não se faz necessária a leitura dos livros” (as explicações deles nos
bastam...). De que forma então um ótimo professor de literatura ajudaria
os alunos a melhorarem suas redações se a leitura a partir da indicação de
livros do vestibular poderia ser um dos motivadores da prática da leitura?
Caberia ao professor alertar sobre essa importância aos alunos. Citamos
Marisa Lajolo, lida por Claudete Segalin de Andrade:
O ato de ler foi de tal forma se afastando da prática individual que a
tarefa que hoje se solicita de profissionais da leitura, como professores,
LAJOLO, Marisa [1993], apud ANDRADE,
Claudete Segalin de. Dez livros e uma vaga: a leitura da literatura no
vestibular. Florianópolis: Editora da UFSC, 2003.
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
91
bibliotecários e animadores culturais, é exorcizarem o risco da alienação,
muito embora eles possam acabar constituindo elo a mais na longa e
agora inevitável cadeia de mediadores que se interpõem entre o leitor e
o significado do texto.(LAJOLO, [1993], apud ANDRADE, 2003).
Alguns depoimentos encontrados nas comunidades virtuais mere-
cem aqui ser citados como formas de ilustração. Optamos por normati-
zar a forma, já que aqui nos interessa a ideia:
(Michel, 20 anos) 17/6/2005 19:04 (data de postagem).
Hehehe...Lhe garanto que com um ótimo professor de literatura, NÃO
precisa ler livro... porque sabendo a história... e todos os tópicos e tais...
é isso o que importa... olha só: sem ler nada disso mandei muito bee-
emmmm em literatura..... hehehe
ODEIO LIVRO QUE CAI EM VESTIBA (Comunidade)
Descrição da comunidade: Se você é uma pessoa normal que está pre-
tendendo prestar um vestibular para entrar em uma boa faculdade, po-
rém se sente rebaixado por ter de ler livros de décadas atrás quando
você ainda nem era um espermatozóide e nem teus avós eram ainda.....
Você odeia aquela linguagem épica, aquele assunto ultrapassado que
às vezes chega a ser fútil.... Você fica se perguntando o que levou uma
pessoa NORMAL a ler aquele livro sem necessidade nenhuma.... E se
você acha que já está mais que ultrapassado as universidades obriga-
rem que seus vestibulandos leiam essas obras insuportáveis da literatu-
ra , em vez de ler alguma coisa atual, pois nós vivemos o hoje não há 100
anos atrás..... Se você concorda com tudo isso essa comunidade foi feita
pra você....... Citem as obras mais torturantes da suas vidas.....
Já em outras comunidades, como uma em que homenageia a es-
critora “Clarice Lispector”, os alunos comentam a aparição de “Legião
Estrangeira” na lista dos livros do vestibular 2007 da UFSC: “Creio que
obrigar o aluno a enxergar em uma obra aquilo que o professor ou exa-
Comunidade: EU ODEIO OS LIVROS DO VESTIBA. Descrição da Comunidade: Comunidade para as pes-soas q odeiam ler akeles livros chatus q pedem no vestibular, principalmen-te akelas poesias q c lê mil vezes e não entende nada!!!Tudo bem q tem q ler, mas cada um inter-preta de uma forma neh não?! Rsrs
Literatura e ensino I
92
minador quer que ele enxergue faz muita gente detestar literatura. Au-
tores como a Clarice penetram em nossa alma com seus escritos e cada
alma recebe isso de forma distinta.”
Estes comentários são irreverentes, mas corajosos e demonstram
um significativo movimento de manifestações espontâneas relacionadas
à leitura obrigatória no espaço virtual. Existe ainda uma comunidade
virtual chamada “O Portal do Leitor”: O objetivo deste sítio é fornecer
informações sobre todos os livros catalogados no Brasil, além de permi-
tir a interação entre os próprios leitores através de outras comunidades
de leitura. Em 2006 havia 11 milhões de leitores no país com acesso à
internet e sete milhões de internautas que se diziam não leitores. De cer-
ta forma, a internet está fazendo com que as pessoas leiam e escrevam,
mesmo que algumas vezes usem uma escrita própria deste meio de co-
municação como ilustram algumas notas deste texto.
Nossa pesquisa, a partir das reflexões acima, passa a ser mais con-
clusiva, no momento em que a COPERVE dá voz a muitos vestibulan-
dos no Vestibular 2006, através desta proposta:
Disponível em: <www.portaldoleitor.com.br>.
Acesso em: 27 out. 2007.
Dados colhidos em 16 de agosto de 2006.
Estamos querendo demonstrar que a lista de autores e livros consa-
grados, sugerida para o processo de seleção nas universidades, têm
sido motivo de controvérsia. Não vamos entrar neste mérito, embo-
ra ele seja um motivador para uma ampla discussão, mas queremos
ressaltar é que o ideal é que se pudesse realizar nestas listas o desejo
de contemplar diferentes gêneros literários, de incluir textos e auto-
res representativos da diversidade de gênero, raça, etnia e regiões
da cultura de língua portuguesa e atender, dentro do possível, ao
horizonte de expectativa dos vestibulandos, o que significa permitir,
dentro do universo temático de interesse dos jovens, uma reflexão
diversificada sobre a experiência humana, visando pensar o ensino
de leitura, e não só o de literatura, como um exercício indissociável
do quadro de relações que constituem a realidade.
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
93
Considerando a lista das obras literárias indicadas para este ves-
tibular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para
leitura e qual ou quais você não aconselharia? Por quê?
Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-
colha.
As três propostas foram as descritas abaixo e a segunda delas tam-
bém levava à reflexão das leituras feitas, seja pelo livro de Franklin
Cascaes, seja pelo livro de Alcântara Machado, indicados na lista do
Vestibular 2006.
PROPOSTA 1
Considerando a lista das obras literárias indicadas para este vesti-
bular, qual ou quais dos livros desta relação você indicaria para leitura e
qual ou quais você não aconselharia? Por quê?
Escreva uma redação expondo argumentos que justifiquem sua es-
colha.
PROPOSTA 2
Em um percurso literário, sondando os quatro cantos da Ilha de
Santa Catarina, descobri algo mais que bruxas e andando pelos bairros
do Brás, Bexiga e Barra Funda, conheci a São Paulo que trocou a socie-
dade cafeeira pela industrial.
Escreva uma redação baseando-se nas ideias sugeridas pelo pará-
grafo acima.
PROPOSTA 3
A partir da leitura dos trechos de poemas transcritos abaixo, o que
você escreveria ao presidente da Organização das Nações Unidas (ONU)?
Literatura e ensino I
94
POEMA A:
“[...]
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroxima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada.”
(MORAES, Vinícius de. A Rosa de Hiroxima. In: Nova Antologia Poética.
São Paulo: Companhia das Letras, 2004).
POEMA B:
“Nós merecemos a morte,
porque somos humanos,
e a guerra é feita pelas nossas mãos,
pela nossa cabeça embrulhada em séculos de sombra,
por nosso sangue estranho e instável, pelas ordens
que trazemos por dentro, e ficam sem explicação.”
(MEIRELLES, Cecília. Lamento do Oficial por seu Cavalo Morto. In: Obra
Poética. 1 ed. Rio de Janeiro: Aguilar, 1958).
POEMA C:
“Este é tempo de partido,
tempo de homens partidos.
[...]
O poeta
declina de toda responsabilidade
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
95
na marcha do mundo capitalista
e com suas palavras, intuições, símbolos e outras armas
promete ajudar
a destruí-lo
como uma pedreira, uma floresta,
um verme.”
(DRUMMOND DE ANDRADE, C. Nosso Tempo. In: A Rosa do Povo. Rio
de Janeiro: Record, 2004).
Solicitamos à COPERVE e em agosto de 2006 o núcleo Literatura
e Memória (nuLIME) recebeu todas as redações do vestibular de 2006,
das quais selecionamos as que centravam a sua abordagem em torno da
proposta 1. Para nós foi fundamental sair do plano das entrevistas que
fizemos na primeira etapa da pesquisa para esta leitura de um texto mais
articulado em situação de “prova”. Os vestibulandos podiam se posicio-
nar, mas ao mesmo tempo estavam fazendo um texto para “agradar” aos
professores-avaliadores.
Que juízos os alunos emitiram nas redações do vestibular? Há
evidente apreensão da leitura nos textos? Como os alunos se posi-
cionaram diante de livros sugeridos como Os Sertões, de Euclides da
Cunha, Poemas Escolhidos, de Jorge de Lima, O Fantástico na Ilha de
Santa Catarina, de Franklin Cascaes, Apenas um Curumim, de Werner
Zotz, Amigo Velho, de Guido Wilmar Sassi, 200 crônicas escolhidas,
de Rubem Braga, Império Caboclo, de Donaldo Schüller, Brás, Bexi-
ga e Barra Funda de Alcântara Machado, A Rosa do povo, de Carlos
Drummmond de Andrade e Resumo de Ana, de Modesto Carone?
A leitura de alguns textos teóricos básicos para a pesquisa foi fun-
damental para o entendimento de vários dados que as redações nos ofe-
receram. Entre alguns desses suportes teóricos, contidos em nossa bi-
bliografia, está o livro Educação Literária como Metáfora Social. Desvios
O nuLIME é um núcleo de pesquisa do Depar-tamento de Língua e Literatura Vernáculas da UFSC e se localiza na Sala 505, do prédio B, no Centro de Comunicação e Expressão. Ele congre-ga professores-pesqui-sadores, mestrandos, doutorandos e alunos de Iniciação Científica em torno dos seguintes temas: a história da li-teratura e a construção de cânones, a preserva-ção de parte do acervo literário do intelectual catarinense Harry Laus, a intervenção das nar-rativas de si na (des)construção da história literária, a investigação em torno das teorias fe-ministas e dos estudos de gênero, a produção feminina do século XIX e do século XX e a rela-ção literatura e ensino, através de memórias e registros de leitura.
Literatura e ensino I
96
e Rumos, publicado pela Editora da Universidade Federal Fluminense
em 2000 e de autoria da professora Cyana Leahy-Dios. Este livro analisa
os dilemas e as perplexidades encontrados pela pesquisadora na relação
de alunos de ensino médio com a leitura. Interessante observar que a
professora entrevistou alunos e professores na Inglaterra e no Brasil e
encontrou aproximações e distanciamentos na proposta pedagógica dos
dois países. Considerou que no Brasil ainda há uma perspectiva positi-
vista e histórica na abordagem literária, enquanto que na Inglaterra há
uma ênfase na leitura de obras canônicas ou em determinados autores
consagrados. Um aluno do ensino médio pode passar um semestre len-
do os poemas de T. S. Elliot ou uma obra de Shakespeare. No Brasil há
sempre uma perspectiva mais panorâmica.
Depois da leitura desse livro de Cyana Leahy-Dios, concluímos que
a leitura de livros sugeridos pela COPERVE permite que haja hoje, por
parte das aulas de Literatura, uma mudança de uma perspectiva basea-
da na historiografia para um modelo de leitura mais criativa, que pode
ver as aulas de literatura como “educação literária”. O que queremos de-
monstrar é que o exercício de ler os livros sugeridos pode também criar
uma outra sensibilidade em relação à leitura. Um conceito que queremos
usar é o de valor conforme usado pelo teórico francês Antoine Com-
pagnon, em seu livro O Demônio da Teoria: Literatura e Senso Comum,
publicado pela Editora da UFMG, em 2001. Neste ensaio, o teórico diz
que os leitores sempre esperam que alguém autorizado lhes diga quais
são os bons e os maus livros, mas que justifiquem suas preferências. É
este o papel do professor, mas deve ser muito mais, no caso de nossa
pesquisa, este o papel daqueles que fazem as listas do vestibular. Ainda
que implicitamente, os vestibulandos e os futuros universitários devem
entender por que aquele livro entrou na lista de leitura obrigatória. No
ensaio O Prazer do Texto (1996), Barthes afirma que nenhuma leitura
poderia ser idêntica a outra nem para o mesmo leitor. O prazer do texto
não estaria em tentar reter o significante ou conter os signos no mo-
Antoine Compagnon
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
97
mento em que se faz a leitura, mas fazer com que os leitores se animem
através da fuga. Dessa forma, como entrariam as perguntas feitas nas
provas do vestibular? De que forma estaríamos incentivando a forma-
ção de novos leitores com perguntas que podem ser respondidas pelas
falas dos professores de literatura, como os próprios alunos concluíram?
A proposta da crítica, semelhante a do vestibular, não nos leva a habitar
no texto, mas a nos aprisionarmos aos signos. E Roland Barthes defende
a ideia de que habitar o texto é justamente perder o controle dos signos.
(BARTHES, 1988).
Apoiando-nos nestas leituras e no ensaio de Antonio Candido “O
Direito à Literatura”, fizemos pesquisa por amostragem de 500 redações.
Calculamos que a Proposta 1 de redação foi escolhida por cerca de 30%
dos alunos que prestaram vestibular em 2006.
Até que ponto os livros indicados para o vestibular da UFSC for-
mam um novo leitor ou solidificam uma outra prática de leitura? Algu-
mas redações mostraram que nem todos sabem (mas parecem querer
saber) do porquê de certas inserções ou indicações, como a de livros vo-
lumosos com linguagens complicadas ou mesmo questionando a inclusão
de livros ficcionais. Vamos a alguns exemplos:
Redação 33: “O mais chato – nome designado por alguns vestibu-
landos para definir Os Sertões – é o que eu não aconselho. São mais de
quinhentas páginas de puro sofrimento”, “no quesito veracidade históri-
ca, Império Caboclo deixa muito a desejar”.
Redação 48: “os livros de ficção não possuem informações úteis e
necessárias. Por ex: “O homem que sabia javanês” é interessante, porém
desnecessário”.
Redação 53: “não se tem muita idéia de como e porque de certos livros
serem escolhidos, mas tem a certeza que esses mesmos livros são ótimas
obras que foram muito discutidas já, e assim foram compor o vestibular”.
Optamos por numerar as redações e assim nos referimos a elas (todos os nomes ou qualquer referência de autoria foram retirados pela COPERVE).
Literatura e ensino I
98
Redação 117: “sempre tem um livro desconhecido que entra na
lista, como “Apenas um curumim”. Eu nunca tinha sequer ouvido esse
nome, mas tive que ler o livro, que por sinal gostei e me identifiquei com
alguns aspectos do livro”.
Redação 142: “São livros bem conceituados, de bons escritores,
mas que nem sempre agradam seus leitores. Às vezes pela dificuldade
da linguagem, do entendimento do livro, por razões de apresentar bas-
tantes palavras desconhecidas ou que foi escrito há tempos”.
Redação 200: “E Os Sertões? Não vai falar dos Sertões? Ah, Os Ser-
tões voltou para a estante que é de onde nunca deveria ter saído”.
Outros exemplos poderiam ser dados, mas o que pudemos perceber
foi que muitos alunos sabem o que querem ler e centram seu olhar so-
bre o prazer de ler textos mais contemporâneos. Muitos dizem que não
fazem questão da leitura dos clássicos, de livros do século XIX e enten-
dem que ler sem satisfação acarreta num desinteresse, numa leitura com
contagem regressiva e num possível abandono permanente dos livros.
Redação 52: “As leituras obrigatórias devem [...] ser cada vez mais
contemporâneas. O hábito de ler não realizado por prazer acarreta ao
desinteresse e ao possível abandono permanente dos livros.”
Redação 58: “Para mim os livros são bons quando prendem mi-
nha atenção, me secam a boca ou quando não consigo parar de lerlos
[sic] até o fim.
Redação 80: “Algumas vezes, o papel da escolha dos livros a serem
lidos primeiro fica a cargo da instituição de ensino e não do estudante, fa-
zendo-o perder a disposição ou o interesse para a leitura de algumas obras”.
Redação 139: “Falar de Os Sertões talvez já pareça chato, todos tem
horror ao livro, não querem saber de ler. [...] Talvez devêssemos deixar
de lado o fato de as leituras serem obrigatórias e pensar nas oportunida-
des de aprendizado que elas podem nos oferecer.”
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
99
É importante destacar na amostragem da pesquisa que, entre os
oito livros, houve mais recomendações do que críticas: 260 recomenda-
ções e 119 não-recomendações. Algumas outras colocações merecem
destaque, como a da redação 85, em que o vestibulando fala da forma-
ção de leitores por obrigação (e com contagem regressiva) nas escolas, o
que desestimula o leitor; ou a da redação 107, em que diz que tudo que
você lê, até mesmo o que geralmente é considerado inutilidade, contri-
bui no reconhecimento de suas preferências; ou a colocação da redação
69, em que fala do poder dos livros como produtor de ideias, ou ainda,
a 140, em que diz: “Resumo de Ana é um ótimo livro para os fãs de Ka-
fka”. Isso mostra um amadurecimento do leitor ou um palpite que deu
certo... Uma das redações termina com a seguinte frase: “E se lêssemos
tudo o que fosse de nosso agrado, qual seria nosso conhecimento hoje?”
Poderíamos arriscar a dizer que se começassem a ler o que lhes fosse do
agrado, nunca parariam de ler.
Embora não tenha sido o nosso objetivo quantificar a análise op-
tamos por mostrar aos nossos leitores para pesquisas futuras o quadro
estatístico em relação às citações e indicações dos vestibulandos dos
livros indicados. Os números inferiores se referem àqueles livros que
foram indicados com exclusividade na redação (podendo haver não-
-recomendações). Os superiores, àqueles indicados juntamente a um ou
mais livros. A soma indica o total de recomendações.
Os motivos pelas indicações dos dois livros mais recorrentes são os
seguintes:
Literatura e ensino I
100
Apenas umCurumim
ImpérioCaboclo
AmigoVelho
Os Sertões 200Crônicas
Resumode Ana
Brás, Bexigae BarraFunda
NovosPoemas
A Rosa doPovo
OFantásticona Ilha de
SC
30
14
29
1 2 2 204
457
1511
15
21
10
2928
23
em meio a outras indicaçõesúnico
Recomendados
454035302520151050
a) Os Sertões: sobre importante fato histórico, traz cultura e infor-
mações sobre história e geografia para os amantes da guerra e
da complexidade; para quem tem mais conhecimento da Lín-
gua Portuguesa, é uma leitura inteligente; indica, apesar da lin-
guagem, aprendizado gramatical; é um livro canônico; permite
adquirir vocabulário e leva à reflexão.
b) Apenas um curumim: pela mensagem ecológica que nos traz;
pela linguagem; pela cultura indígena; pela natureza descri-
ta; pelo ensinamento de respeitar a terra; pela descontração,
por ser dinâmico e reflexivo; pelo autor ser catarinense; por
ser emocionante e levar à conscientização; por fazer o leitor se
prender à história.
Em relação aos não-recomendados, a disparidade foi muito mais
acentuada, como podemos ver no gráfico a seguir.
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
101
0 0
5 33 5
27
17
110
10 10
4
33
3
2 2 5
5
205
15
20
25
30
35
40
45
em meio a outras indicaçõesúnico
Não-recomendados
Apenas umCurumim
ImpérioCaboclo
AmigoVelho
Os Sertões 200Crônicas
Resumode Ana
Brás, Bexigae BarraFunda
NovosPoemas
A Rosa doPovo
OFantásticona Ilha de
SC
Os motivos para essa acentuada não-recomendação são os seguin-
tes: Os Sertões possui linguagem complicada,tem excesso de detalhes,
exige conhecimento prévio sobre o assunto, é denso, longo, violento,
cansativo... Convém dar destaque de que Os Sertões de Euclides da
Cunha foi paradoxalmente dos mais indicados e dos menos indicados...
O certo é que os vestibulandos que escolheram falar de livros foram
vestibulandos leitores. Não sabemos quantos destes entraram na UFSC.
Desejamos que muitos o tenham conseguido. Como profissionais da área
de Letras acreditamos que ao escutar a voz deles, que ao assumi-los como
críticos literários, estejamos conseguindo atingir os objetivos da pesquisa
e que estamos conseguindo, de certa forma, responder à pergunta de Ro-
land Barthes, em seu ensaio Reflexões a respeito de um manual:
Será que a literatura pode ser para nós algo que não seja uma lembrança
de infância? Quero dizer: o que é que continua, o que persiste, o que é que
fala da literatura depois do colégio? (BARTHES, 1988c, p. 53, grifo nosso).
Motivo mais recorrente dentre as redações que fazem parte da amostra-gem.
Literatura e ensino I
102
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus
colegas, tutores e professores:
1. Conforme mencionado no tópico “As instituciona-
lizações da literatura”, a leitura da literatura foi inseri-
da nas provas dos vestibulares, em 1989, com o in-
tuito de melhorar a qualidade da leitura e da escrita
dos alunos. Considerando que nem todos os alunos
e alunas, que concluem o ensino médio, leem as indicações, você(s) acredita(m)
que a leitura da literatura no vestibular conquistou um lugar próprio? Por quê?
2. Maria Alice Faria, livre docente e titular em Literatura Brasileira pela UNESP,
em entrevista concedida a Benedito Antunes no jornal Proleitura, em abril de
1997, lançou uma provocação em uma de suas respostas a respeito de clássi-
cos literários. Afirmou a professora: “Depois que a Linguística excluiu a literatura
como modelo de língua padrão, considerar exclusivamente a literatura como
patrimônio é uma coisa que precisaria ser revista. No vestibular, por exemplo,
por que só há questões de literatura? Há perguntas de História, Geografia, mas
nunca sobre música, artes plásticas, arquitetura, cultura popular. Todo mundo
vive a cultura popular, que chega inclusive à classe média, à elite. Há uma mu-
mificação do conceito de clássico no vestibular.” (FARIA, 1997, p. 1). Tendo em
vista a proposta do MEC de 2009, que pretende acabar com a divisão por dis-
ciplinas, criando quatro grupos mais amplos (línguas; matemática; humanas; e
exatas e biológicas), conteste(m) a afirmação da professora Maria Alice Faria, em
consonância com a proposta do MEC, e exponha(m) seu(s) ponto(s) de vista.
3. Segundo a Professora Claudete Amália Segalin de Andrade (2003, p. 88), “a
presença de leitura no vestibular abre um hiato significativo entre o ensino
de literatura previsto nos programas de língua portuguesa do ensino médio
e aquele que se apresenta como necessário, em função das indicações”. Per-
cebendo atualmente que literatura no ensino médio é praticamente sinôni-
mo de literatura para o vestibular (ou vice-versa); como pensar a literatura
Capítulo 09A literatura no ensino médio ou A literatura para vestibular
103
nessa etapa da escolarização para alunos e alunas que não pretendem pres-
tar vestibular? Como pensar a literatura no ensino médio fora do vestibular?
Que propostas podem ser feitas para promover a leitura?
4. Que livro você(s) indicaria(m) para compor a lista do vestibular da UFSC?
Por quê?
Leia mais!
Lições
Na contemporaneidade muito se tem falado de crise da leitura e crise da li-teratura. Por esse lado tem se falado na necessidade de se pensar a literatura e suas crises. Sugerimos estas leituras como complemento da reflexão sobre o ensino da literatura no ensino médio:
BASTOS, Hermenegildo. “Permanência da literatura. Direção da prá-
tica literária na era do multiculturalismo e da indústria cultural”. In:
LOBO, Luiza (Org.). Fronteiras da Literatura. Rio de Janeiro: Relume
Dumará, 1999, p. 45-50.
OLINTO, Heidrun Krieger. “Disciplina sem disciplina. Observações so-
bre estudos literários e culturais”. In: LOBO, Luiza (Org.). Globalização
e Literatura. Discursos Transculturais. Rio de Janeiro: Relume Dumará,
1999, p. 45-53.
PEREIRA, Helena B. C. “Literatura e Cultura hoje”. Educação e Lin-
guagem. Revista da Faculdade de Educação e Letras da Universidade
Metodista de São Paulo, 2000, p. 179-193.
RAMOS, Tânia Regina Oliveira Ramos. “Dentro deste (a)pós: muito
abalo, novos nomes, outras falas”. Cadernos do Centro de Pesquisas
Literárias da PUCRS, Porto Alegre, v. 6, n. 1, ago. 2000, p. 73-79.
SANTIAGO, Silviano.“A literatura e suas crises”. In: Vale quanto pesa.
Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982, p. 127-133.
Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos
105
10 O texto literário na escola: apontando caminhos
Os que somos dominados pela paixão da leitura e nos esforçamos para
incutir essa paixão em outros – crianças, jovens, adultos – andamos sempre
à procura de meios de “contaminação”: como transmitir o gosto e o prazer da
leitura.
(SOARES, 2007, p. 127)
Como profissionais da linguagem, alocados na área de Letras, sabe-
mos que o que se espera de nossos alunos, futuros professores do sexto
ano do ensino fundamental ao terceiro ano do ensino médio, é uma prá-
tica de escrita e de leitura. O fracasso do sistema educacional, cuja causa
não é aqui objeto maior de nossa reflexão, resultou na chamada “crise
do ensino da língua portuguesa”, fazendo com que os professores não
encontrem condições necessárias para atualizar o seu saber, o que lhes
possibilitaria criar novos procedimentos metodológicos para o processo
ensino-aprendizagem. Assim, a cada concurso para o magistério, a cada
vestibular para o ingresso na universidade, a imprensa não poupa esfor-
ços em mostrar que os alunos, embora tenham frequentado uma escola
durante, no mínimo, onze anos, parecem saber, mas não sabem; pois o
professor parecia ter ensinado, mas não ensinou... E a crítica recai muito
mais sobre a formação profissional dos professores.
Particularmente, para nós, nesse livro e em nossa prática, inte-
ressa o papel da literatura na escola e como isto pode se processar.
Falamos aqui da literatura canônica, aquela que inevitavelmente será
cobrada nos exames vestibulares, em concursos públicos, mas muito
mais aquela que permite ao estudante um contato direto com a lingua-
gem escrita transformada em texto comprometido com a literarieda-
de, e não apenas com a literalidade. Para isso temos que considerar o
objetivo de nossas disciplinas de literatura nas faculdades de Letras e
A partir do ensaio: RAMOS, Tânia Regina Oliveira. “O texto literário
e a escola”. In: Palavra amordaçada. Passo Fundo, RS: Universidade de
Passo Fundo, 2001, p. 326-335.
Literatura e ensino I
106
sempre fornecer pistas para que os futuros professores tenham a com-
petência pedagógica (o fazer) a partir e além da própria metodologia
e do próprio conteúdo de ensino presente nos livros didáticos, susten-
táculo do ensino em nosso país.
Para ensinar literatura, o professor precisa saber o que é literatura,
quais são os textos que representam a literatura brasileira em seus mo(vi)
mentos mais importantes, como ela pode ser introduzida paulatinamente
na sala de aula e como os alunos vão se familiarizando com textos, nomes
e autores. A literatura, mais do que instruir ou dar respostas exatas, busca
mostrar que é um campo privilegiado de aprendizagem expressiva, pelo
que ela pode mostrar de significados, de possibilidades interpretativas, a
partir de infinitas combinações das poucas letras de nosso alfabeto.
Neste texto e, particularmente, neste reencontro com o ensino
fundamental e médio, através daqueles que se preparam para serem
seus futuros professores, é possível mostrar a todos que, quando uma
garota de 13 anos escreve em sua agenda, com cores e odores, meu
desaniversário está mostrando que é uma leitora em potencial de Gui-
marães Rosa... Que é possível construir caminhos para a formação do
leitor desde o primeiro livro de leitura; que escrever se aprende lendo
de forma sistematizada e disciplinada; que as melhores possibilidades
de leitura se dão na escola, desde que a escola defina o lugar que ocu-
pa a literatura no seu projeto pedagógico. Em uma crônica publicada
em 1999, na Folha de São Paulo, a jornalista Marilene Felinto chama-
-nos à atenção para os apelos, em períodos de novas matrículas, das
escolas particulares através de outdoors ou pela mídia: na escola X seu
filho aprenderá informática, caratê, inglês, balé... Ela pergunta: E os
livros? Quantos livros têm a biblioteca da escola de seu filho? Como
se processará o incentivo ao exercício da leitura? Os pais hoje levam
em consideração esta oferta para a escolha da escola de seus filhos?
(FELINTO, 1999).
Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos
107
Perguntamos como ponto de reflexão: pode-se impor a leitura de de-
terminados livros? Toda escola é escol(h)a, queiramos ou não... Mas per-
guntamos também: impõe-se preferência por determinado esporte, por
um tipo específico de música, por um tipo de filme, por um determinado
pintor? A imposição deve se dar a partir de um exercício de aprendiza-
gem, criado e desenvolvido paulatinamente, por isto o nosso papel nor-
teador capaz de indicar maneiras e momentos para mostrar alguns textos
como fonte de prazer, manancial de respostas, repertório de perguntas,
potencial de encontros consigo mesmo. O ato da leitura é solitário e soli-
dário. Para se efetuar, precisa de reciprocidade, de cumplicidade.
Cabe a nós orientar nossos alunos, dar pistas, depois libertá-los.
Não há por que todos lerem o mesmo livro, mas também não há por que
orientar sem impor algumas direções. O primeiro passo é deixar que
tragam livros mesmo sem os ter lido. Comentar as capas, os autores, os
títulos, o número de páginas, o enredo e os personagens daqueles que
se conhece... Depois cada um poderia ler uma página, trocar, comen-
tar. Deve-se até, num primeiro momento, respeitar a indiferença ou o
alheamento da atividade por alguns deles. A partir deste contato, dar
algumas atividades sistematizadas ainda que sejam com alguns clássicos
da literatura infantil e juvenil. É importante não perdermos de vista que
Diante dessas circunstâncias, poderíamos contentar-nos com a sempre
existente boa vontade dos professores de Português, mesmo diante
da falta de apoio da escola, e não deixar que a literatura desapareça.
Um dado importante nesta prática é sempre permitir que a literatura
ensinada possa muitas vezes ser avaliada sem nota, mas com elogios,
com incentivo, com debates, com trocas, com prêmios e recompensas
simbólicas. Não acreditamos na desescolarização da leitura (sobretu-
do da literatura, que é o nosso objeto específico). A escola é uma das
últimas oportunidades que tem a criança ou o jovem de entrar em
contato com a leitura e, mais especialmente, com a literatura.
Literatura e ensino I
108
contar histórias é uma história muito antiga, e a prosa se aprende aí.
Alguns romances devem, mesmo no ensino médio, ser contados pelos
professores antes de serem analisados.
Posteriormente, é possível se começar a pensar que todo texto não
é só construído pelo escritor, mas muito mais pelo leitor. É isto que per-
mite múltiplas leituras de uma mesma obra, condicionada à vivência,
à cultura e à história de cada personagem. A obra não é aquilo que foi
escrito e colocado na estante. Todo texto, todo livro pode ser singular-
mente interpretado. Deles provém o saber literário, que deve ir muito
além das cronologias, das biografias, dos estilos de época. Deve dialogar
com as outras disciplinas e outras áreas do conhecimento.
Cientes dessas questões, é possível, por exemplo, a partir da crôni-
ca “Antigamente”, de Carlos Drummond de Andrade, apresentarmos
já nas primeiras séries do ensino fundamental uma leitura do final do
século XIX, lermos e reescrevermos o célebre “Apólogo” de Machado de
Assis, conhecermos a vida e a obra de Machado de Assis através de ví-
deo e de atividades complementares; representarmos algumas passagens
para, quando chegarmos ao ensino médio, termos a (a)ventura de fazer
uma leitura filosófica e cultural, enriquecida pelo lúdico de O Alienista,
complementada no ensino médio por alguns contos e pelos romances
mais significativos de nosso autor (por que não?) maior, Machado de
Assis. Estaremos a um passo dos próprios alunos sentirem a necessida-
de de ler com atenção os romances para analisá-los sem se satisfazerem
mais apenas com os resumos dos livros dados em fichas de leituras, em
páginas da Web, em cursos pré-vestibulares. Aliás, a cobrança da lite-
ratura no vestibular, como mostramos, pode ser bastante proveitosa e
deve estimular a ideia de que o texto literário é, antes de tudo, um per-
gaminho e deve ser tratado com o devido respeito e distanciamento.
Este exemplo da literatura no vestibular não é fortuito nem aleatório.
A inserção de questões relacionadas aos livros propostos em listas pelas
Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos
109
comissões de vestibular deve ser considerada na exata dimensão de suas
consequências para o conceito de literatura e para o tratamento que as
universidades, em última instância, conferem ao saber.
Estaremos, assim, apresentando despretensiosamente os cânones
de nossa literatura e para que, aventura maior ainda, no oitavo, nono
ano, possamos começar já lendo os prefácios de Tutaméia (Nós, os Te-
mulentos, por exemplo) e um conto como “Esses Lopes”, de Guimarães
Rosa e obras como Infância e Vidas secas, de Graciliano Ramos. Lendo
livros, vendo filmes, estabelecendo o diálogo entre as duas linguagens.
Uma prática como esta é que nos permite ler a textura do mundo e en-
tender como o simples pode se tornar complexo em textos como os de
Graciliano Ramos e de Clarice Lispector e como podemos ir adiante
das edições didáticas. Tão espinhosa quanto a produção de um discur-
so próprio, a aprendizagem do trabalho com o texto literário é como o
desafio de qualquer experiência. Os contos, por exemplo, têm formas
simples, mas exigem que sejam dados nos primeiros anos do ensino
fundamental até a universidade, para que os alunos reconheçam as suas
estruturas de significação. Por exemplo, no segundo ano do ensino mé-
dio é possível analisar a estrutura de um conto e reescrever um outro a
partir do primeiro; no ensino médio, a partir de um corpus ampliado,
podem-se fazer análises comparadas.
Esse texto abre brechas para a perspectiva dos estudos culturais,
centra-se naquilo que tem sido a tônica de muitas das nossas atividades,
a exclusão e a censura, e procura ter três momentos. No primeiro deles,
deseja-se apontar para algumas reflexões críticas e teóricas sobre o en-
sino da leitura e da literatura; em um segundo momento, demonstrar
como, através da inserção indireta de um autor como Machado de Assis
desde o sexto ano, será mais fácil o estudo de textos literários no ensino
médio, quando a literatura passa a ser disciplina. O mesmo pode se fa-
zer com alguns textos de Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Graciliano
Literatura e ensino I
110
Ramos, para nos determos nos autores mais clássicos e, posteriormen-
te, ir nos aproximando de tudo que se pode chamar de contemporâneo.
Assim, poderemos abrir espaço para as nossas inquietações e nossos
comentários do papel do ensino da literatura hoje e do que podemos
fazer para nos atualizar e inserir novos textos e novas ideias na nossa
prática pedagógica. Abrirmos, igualmente, um espaço para podermos
perguntar, por exemplo, qual o nosso papel quando temos que interferir
no desejo daquele aluno que deseja ler espontaneamente os livros de
Paulo Coelho e chamar Machado de Assis de Machato de Assis.
É preciso também não esquecer que a literatura faz parte de uma
outra etapa da escola: não mais da informação (que secciona o saber),
Embora tenhamos procurado dar algumas diretrizes, o que é impor-
tante é muitas vezes resistir à tentação de escolher e obrigar certas
leituras ou optarmos por tudo aquilo que é mais fácil ensinar, ou
apenas o que é de nosso gosto. Mas, sem obrigar, podemos conta-
giar pelo nosso entusiasmo. Mostrar que igualmente somos leitores
dos clássicos de nossa literatura e que eles podem nos ensinar mui-
to, não no sentido instrucional, pois a literatura não é instrumento
informativo. Por outro lado, nós não podemos parar de ler exata-
mente no ponto em que estamos ou estávamos quando termina-
mos nosso curso de graduação. É preciso que sejamos leitores e que
nos mantenhamos atualizados, frequentando livrarias, adquirindo
livros, lendo suplementos literários, consultando o ambiente virtu-
al e mantendo contato com os professores da universidade, que no
Curso de Letras buscam transformar o conhecimento literário. Eles
precisam ser reencontrados (e cobrados também) para que perce-
bam que (n)a prá tica é sempre outra coisa... Ler o contemporâneo é
uma boa forma de se entender como se processa a estética da recep-
ção e a própria dinâmica da história da literatura sem nos escravizar-
mos a ela, como o fazem os manuais e a maioria dos livros didáticos.
Capítulo 10O texto literário na escola: apontando caminhos
111
mas da formação e da transformação. O bom leitor de literatura é aquele
que faz da leitura uma ação vertical capaz de ampliar as relações do tex-
to com a sociedade e com a cultura.
Interessa aqui mencionar as questões relacionadas com aquilo que
virá com o Enem e a preparação para o Enem. Do ponto de vista da
tradição escolar brasileira a leitura de romances, de crônicas, de contos
e de poesias foi fundamental nos currículos escolares no século XIX e
durante o século XX. As tentativas recentes de democratização do ensi-
no foram acompanhadas de novas propostas para o ensino médio. Mu-
daram os tempos como se reconhece até mesmo nos PCNs. A proposta
do Enem – correta, poderíamos dizer, em seu princípio – consiste em
apagar os limites estabelecidos entre as disciplinas. Textos literários po-
dem ser utilizados para testar conhecimentos de Geografia e História.
Embora exista uma preocupação em divisão por disciplinas nas provas
vestibulares, a proposta de não haver limites entre elas não está restrita
ao Enem. Nas provas do Vestibular 2010, da Universidade Federal de
Santa Catarina, é possível perceber certo apagamento das fronteiras es-
tabelecidas entre as disciplinas. Textos literários e conhecimentos que,
em uma primeira impressão, seriam dignos da Literatura são testados
em História e Geografia, por exemplo. Isso significa dizer que a univer-
sidade está em busca de um leitor plural, que consiga perceber as cone-
xões entre os diferentes tipos de textos e estabelecer inúmeras relações
desvinculando-os de disciplinas específicas.
Ao se pensar também a questão da leitura da literatura, no ensino
médio, ao se pensar os gêneros literários enquanto a concretude da obra
acessível aos alunos, ou em outras palavras, a literatura como compo-
nente curricular no ensino médio, constituindo ainda um conteúdo ca-
paz de conseguir o interesse pela leitura, não podemos perder de vista
a necessidade de levar os alunos, ou uma parcela deles, a experimentar
a experiência estética e a refletir criticamente sobre o real. Isso justifica-
Literatura e ensino I
112
ria a necessidade da continuidade da leitura de literatura e da literatura
com(o) disciplina no ensino médio, como um dos caminhos possíveis
para o não empobrecimento do espírito crítico e da criatividade.
E pode existir maior privilégio do que sermos responsáveis por
instrumentalizarmos nossos alunos para analisar textos literários na
escola? Instrumentalizá-los para este exercício significa proporcionar
que eles enxerguem o que os outros apenas vislumbram e que sejam
capazes de exercer sua capacidade de leitura em um nível no qual sai-
bam trabalhar com a história, com a geografia, com a ciência, com a
cultura, com a sociedade, com o novo, com o diferente, na expressão
mais democrática e mais subversiva: a literatura enquanto prosa do
mundo. Essa talvez seja a resposta que se pode dar às inquietações da
professora que deu início ao nosso livro.
Reflita(m) e troque(m) ideias com seus colegas, tutores e
professores:
1. Após percorrermos uma trajetória de dez tópicos, que discutiram ques-
tões relacionadas à literatura e ao seu ensino, qual(quais) é(são) o(s) seu(s)
entendimento(s) da literatura com(o) disciplina na escola? Qual é a vantagem de
se estudar a literatura no século XXI? Há lugar e espaço para ela neste século?
2. Além dos gêneros literários levantados nos capítulos “O texto literário na es-
cola: apontando caminhos” e “A literatura na sala de aula (o poema, a narrativa e
a Internet)”, que outros gêneros literários poderiam ser usados em sala de aula?
Que proposta de trabalho de literatura você(s) desenvolveria(m) na escola?
3. Qual é a sua experiência – ou as suas experiências – de apre(e)nder e/ou
ensinar literatura?
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