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5/27/2018 Livro Marise Ramos
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Curso:Formao Pedaggica
Livro:Histria e Poltica da Educao Profissional
Autora:Marise Ramos
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SUMRIO
Apresentao .............................................................................................................. 4
Captulo I - A educao profissional no Brasil: da fundao do estado capitalistadependente crise dos anos 80 ................................................................................ 7
O Estado capitalista brasileiro: a materialidade econmica e poltica da historicidade daeducao profissional no pas .................................................................................................. 7A educao profissional e a ideologia do desenvolvimento na consolidao do capitalismo noBrasil ....................................................................................................................................... 22A luta progressista dos anos 80 e a vitria conservadora dos anos 90: da nova LDB reforma curricular no ensino mdio e tcnico ......................................................................... 38As relaes entre o projeto de reforma da educao profissional e a proposta de governo deFHC ......................................................................................................................................... 46
Sntese ....................................................................................................................... 47Complemente seus estudos .................................................................................... 49Bibliografia Comentada ............................................................................................ 50Captulo II - A educao profissional no Brasil neoliberal ..................................... 52
As bases das reformas educacionais realizadas no Brasil nos anos de 1990: do governoCollor eleio de Fernando Henrique Cardoso ................................................................... 52A organizao curricular dos cursos tcnicos ........................................................................ 63Entre conquistas e omisses: a nova LDB e as bases jurdicas e polticas para a reforma daeducao profissional nos anos de 1990 e 2000 ................................................................... 67
Sntese ....................................................................................................................... 76Complemente seus estudos .................................................................................... 77Bibliografia Comentada ............................................................................................ 78Captulo III - A educao profissional no Brasil contemporneo .......................... 80
Mudanas e conservao no governo Lula: o processo contraditrio de redirecionamento dapoltica de educao profissional ............................................................................................ 81Novas perspectivas traadas para a educao profissional no Brasil: contradies e desafiosnum contexto de retomada do projeto de desenvolvimento ................................................... 94
Sntese ....................................................................................................................... 99
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Complemente seus estudos .................................................................................. 101Bibliografia Comentada .......................................................................................... 102Captulo IV - Conceitos para a construo de uma concepo de educao
profissional comprometida com a formao humana ......................................... 103Formao humana integral ................................................................................................... 103Trabalho, cincia, tecnologia e cultura: categorias indissociveis da formao humana .... 107O trabalho como princpio educativo .................................................................................... 110A produo do conhecimento: pensando a pesquisa como princpio pedaggico .............. 113
Sntese ..................................................................................................................... 115Complemente seus estudos .................................................................................. 115Bibliografia Comentada .......................................................................................... 116Captulo V - Diretrizes para a organizao e desenvolvimento curricular .......... 118
Fundamentos para um projeto poltico-pedaggico integrado ............................................. 118A lgica da organizao por eixo tecnolgico ...................................................................... 124A relao parte-totalidade na proposta curricular ................................................................. 129O estgio curricular ............................................................................................................... 132O reconhecimento de saberes e a certificao profissional ................................................. 134
Sntese ..................................................................................................................... 137Complemente seus estudos .................................................................................. 138Bibliografia Comentada .......................................................................................... 138Consideraes finais .............................................................................................. 139Referncias Bibliogrficas ..................................................................................... 143FRAN, VERIFIQUE SE TODAS AS REFERNCIAS ESTO DENTRO DAS REGRAS
...........................................................................................Erro! Indicador no definido.Currculo da autora ................................................................................................. 147
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APRESENTAO
Este livro aborda a histria e a poltica da educao profissional no
Brasile tem como objetivo possibilitar aos educadores e gestores da educao
a compreenso da sua dinmica luz de um modelo de Estado e da formao
social concreta brasileira.
Ao mesmo tempo, pretende-se instrumentalizar esses profissionais para
o uso da legislaoem termos dos seus fundamentos e princpios, a fim de
construir um plano consistente e coerente de formao dos trabalhadores no
mbito dos respectivos sistemas de ensino.
Nesse sentido, recomenda-se que a leitura desse material seja sempre
acompanhada de outros textos legais para que as anlises aqui apresentadas
possam adquirir maior objetividade e aplicabilidade, mediante a apropriao
especfica da legislao e de sua vinculao com diretrizes polticas na
perspectiva da historicidade.
Mais do que uma formao tcnica, este material pretende contribuir
para uma formao poltica. Por isto, o mtodo de exposio, ainda que tenhauma organizao cronolgica, se pauta principalmente por demonstrar que a
poltica de educao profissional resultado de disputas e tendncias
complexas ao longo da histria do pas, frente a uma correlao de foras
entre as classes que disputam o poder e a direo econmica e poltica da
sociedade.
Em razo do exposto, comeamos no captulo 1 com a discusso da
especificidade do Estado brasileiro, adotando como referncia o conceito de
Estado ampliado de Antonio Gramsci. O reconhecimento de que o Estado
brasileiro fundado na lgica do capitalismo dependente analisada tendo
como base o pensamento crtico de intelectuais como Ruy Mauro Marini,
Florestan Fernandes, Otvio Ianni e Carlos Nelson Coutinho. Sero discutidas
as principais mudanas pelas quais passaram a educao secundria e o
ensino mdio no sculo XX, com nfase na educao profissional
especialmente a partir da dcada de 1930, mediante uma aproximao com asleis da educao brasileira, finalizando na dcada de 80, com o processo de
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redemocratizao do Pas, com as disputas travadas em torno da nova
Constituio Federal e a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional.
Dando continuidade, no segundo captulo, focalizamos os anos de 1990
e a hegemonia neoliberal, considerando o movimento contraditrio de, por um
lado, se buscar o fortalecimento da educao profissional e tecnolgica no
pas, mediante a instituio do Sistema Nacional de Educao Tecnolgica e a
transformao das Escolas Tcnicas Federais em Centros Federais de
Educao Tecnolgica; e, por outro lado, realizar-se uma reforma que a
descolou do sistema de educao escolar.
Em nosso terceiro captulo, analisamos o percurso histrico
controvertido das polticas de educao profissional no governo de Luiz
Incio Lula da Silva. Partindo das expectativas de mudanas estruturais na
sociedade e na educao, pautadas nos direitos inscritos na Constituio
Federal de 1988, que no se realizaram plenamente, analisando a inflexo no
sentido de se valorizar a educao profissional no Brasil que se destaca como
uma marca de ambos os mandatos dessa gesto.
Nesse perodo destacam-se medidas que contemplam a integraoentre a educao profissional e o ensino mdio, perspectiva essa que pode ser
coerente com a construo terico-prtica de uma educao tecnolgica que
corresponda preparao das pessoas para a compreenso dos fundamentos
cientfico-tecnolgicos, scio-histricos e culturais da produo moderna.
Como base para a construo de um projeto de educao profissional
integrado, elaboramos um quarto captuloque se dedica a apresentar alguns
conceitos importantes para a construo de uma concepo educao
profissional comprometida com a formao humana. O primeiro deles
refere-se formao humana integral, que sugere superar o ser humano
dividido historicamente pela diviso social do trabalho entre a ao de executar
e a ao de pensar, dirigir ou planejar. Para isto, apresentamos e
desenvolvemos alguns pressupostos de ordem filosfica que fundamenta o
conceito numa perspectiva histrica.
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Neste captulo ser evidenciada a relao entre os conceitos de
trabalho, cincia, tecnologia e cultura discutida como unidade, sendo
considerados, portanto, como conceitos indissociveis da formao
humana. Com esta compreenso, discutimos o trabalho nos seus sentidos
ontolgico e histrico, como processo de formao do ser humano e de
apreenso da realidade para si; discusso essa necessria abordagem do
trabalho como princpio educativo. A pesquisa como princpio pedaggico o
ltimo conceito analisado nesse captulo.
O quinto e ltimo captulo dedica-se propriamente a apresentar
diretrizes para a educao profissional, especialmente quanto organizao
e ao desenvolvimento curricular. Abordamos, de incio, os fundamentos para aconstruo do projeto poltico-pedaggico e, em seguida, a lgica da
organizao da formao por eixos tecnolgicos, baseando-nos na discusso
sobre o conceito de tecnologia. Por fim, detivemo-nos na proposta curricular,
orientados pelo princpio da relao entre parte e totalidade.
Em toda a nossa anlise insistimos na necessidade de se resgatar a
centralidade do ser humano no cumprimento das finalidades do ensino mdio e
da educao profissional. Afirmamos a educao como meio pelo qual as
pessoas se realizam como sujeitos histricos que produzem sua existncia
pelo enfrentamento consciente da realidade dada, produzindo valores de uso,
conhecimentos e cultura por sua ao criativa.
Finalizamos apontando contradies e desafios que precisam ser
enfrentados, considerando que as prprias diretrizes curriculares nacionais
que orientam a educao profissional tcnica de nvel mdio e ensino mdio noBrasil esto em debate no Conselho Nacional de Educao e na sociedade
civil. O desfecho desse processo nos indicar, em boa medida, as
perspectivas que a educao dos trabalhadores no Brasil tender a tomar, pelo
menos nos prximos oito anos.
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CAPTULO I-AEDUCAO PROFISSIONAL NO BRASIL:DA FUNDAO
DO ESTADO CAPITALISTA DEPENDENTE CRISE DOS ANOS 80
Este captulo apresenta uma fundamentao terica sobre o Estado
capitalista brasileiro, sob o referencial materialista histrico-dialtico.
Busca demonstrar que a modernizao tecnolgica no Brasil foi de origem
estrangeira, o que permite identificar a existncia de uma estratgia de
desenvolvimento nacionalista em alguns perodos da histria do pas.
Analisamos, ainda, a hegemonia neoliberalque se instaurou no Brasil a partir
dos anos de 1990 e as dificuldades de se super-la mesmo com a mudana da
composio do bloco no poder, configurada pela vitria da candidatura Luiz
Incio Lula da Silva, a partir de 2003.
Sero discutidos as principais mudanas pelas quais passaram a
educao secundria e o ensino mdio no sculo XX, especialmente a
partir da dcada de 1930, retomando a histria da educao no Brasil e a
respectiva legislao, expostas e discutidas sempre luz da dinmica do
desenvolvimento econmico brasileiro e frente s disputas travadas em torno
do projeto societrio e, assim, da prpria poltica educacional. Identificamos,portanto, as motivaes que levam organizao do ensino profissional no
pas.
Finalizamos este primeiro momento com a anlise do processo de
redemocratizao do pas, dedicado s reflexes da luta progressista dos
anos 80 e da vitria conservadora dos anos 90, processo esse que abrange a
disputa pelo projeto de nova LDB e a reforma da educao profissional e do
ensino mdio realizada pelo governo de Fernando Henrique Cardoso.
O Estado capitalista brasileiro: a materialidade econmica e poltica da
historicidade da educao profissional no pas
Ruy Mauro Marini (2000), argumenta que a burguesia brasileira,
mesmo tendo protagonizado o trnsito de uma economia semicolonial para
uma economia diversificada nos anos de 1930, animada pela
industrializao, renunciou a uma iniciativa revolucionria, fazendo uma
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aliana com as velhas classes dominantes. Com isso, enquadrou o
desenvolvimento capitalista nacional em uma via traada pelos interesses
dessa coaliso, resultando num tipo de industrializao que se processou,
inicialmente, s custas de desemprego e de baixos salrios; e, posteriormente,
pela associao com o capital estrangeiro, especialmente o norte-americano.
Figura 1.1Equipamentos e tcnicas
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Esse capital estrangeiro ingressou no pas principalmente sob a forma de equipamentos etcnicas, associando-se a grandes unidades de produo que pudessem absorver umatecnologia que, pelo fato de ser obsoleta nos Estados Unidos, no deixava de ser avanada
para o Brasil.Fonte: Paiva apudSELEES (1944), disponvel em:http://www.fnm.ufrj.br/.Acesso em 15 de fev. de 2013.
http://www.fnm.ufrj.br/http://www.fnm.ufrj.br/http://www.fnm.ufrj.br/http://www.fnm.ufrj.br/5/27/2018 Livro Marise Ramos
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Florestan Fernandes (2006), por sua vez, identifica a universalizao
do trabalho assalariado e a expanso da ordem social competitiva no
Brasil1, como expresso de uma revoluo burguesa, ainda que no no
modelo clssico, o qual poderia ter conduzido ao capitalismo independente e democracia poltica.
Burguesia perifrica
Segundo Fernandes (2006), o Brasil teria vivido, na verdade, uma
revoluo burguesa perifrica, que resultou no capitalismo dependente, na
dominao externa e na autocracia burguesa. Explica ele que, em nenhuma
das fases do desenvolvimento capitalista no Brasil, as classes dominanteschegaram a impor a ruptura com a associao dependente em relao ao
exterior (ou aos centros hegemnicos da dominao capitalista); a
desagregao completa do antigo regime e de suas sequelas ou, falando-se
alternativamente, das formas pr-capitalistas de produo, troca ou circulao;
a superao de estados relativos de subdesenvolvimento, inerentes
satelitizao imperialista da economia interna e extrema concentrao social
e regional resultante da riqueza.
Valendo-se de categorias gramscianas hegemonia, intelectuais,
estado ampliado, sociedade civil e revoluo passiva algumas das quais
discutidas neste texto, Coutinho (2006) reitera que o movimento liderado por
Getlio Vargas na transio do Brasil para o capitalismo2, especialmente pela
expanso da indstria considerado por Marx como o modo de produo
especificamente capitalista (id., ibid., p. 176) , teria sido a forma mais
emblemtica de manifestao de revoluo passiva, de modernizao
conservadora em nossa histria.
1Florestan indica trs fases do desenvolvimento capitalista mencionado na histria da sociedade brasileira moderna: a) fase de ecloso de um mercado
capitalista especificamente moderno, que vai desde a abertura dos portos at a sexta dcada do sculo XIX; b) fase de formao e expanso do capitalismo
competitivo, que compreende o perodo da economia urbano-industrial e a primeira transio industrial, demarcados a partir da sesta dcada do sculo XIX at
os anos de 1950; c) fase de irrupo do capitalismo monopolista, que se acentua a partir dos 1950 e adquire carter estrutural a partir de 1964. (Fernandes,
2006) Coutinho (2006), por sua vez, demarca a Abolio e a Proclamao da Repblica para identificar o Brasil como sociedade capitalista, com um Estado
burgus. De todo modo, na dcada de 1930 que se d efetivamente a consolidao e a generalizao das relaes capitalistas em nosso pas.
2O autor salienta que o Brasil j era uma sociedade capitalista, com um Estado Burgus, mas depois da 1930 que se d efetivamente a consolidao e a
generalizao das relaes capitalistas em nosso pas (id., ibid., p. 176).
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Mais quem foi Gramsci?
[...] Antnio Gramsci nasceu em Ales, na Sardenha em 1891. Desde
cedo exerceu intensa atividade intelectual e poltica, tendo sido um dos
fundadores do Partido Comunista Italiano (PCI) em 1921.
Por sua militncia poltica e ferrenha oposio ao fascismo foi preso em
1926, aos 35 anos de idade, e condenado a 24 anos de priso. Nesta ocasio
era deputado do Parlamento Italiano e principal dirigente do PCI. Aps cumprir
11 anos de priso, devido ao seu precrio estado de sade, foi posto em
liberdade, em 20.04.1937, vindo a falecer, sete dias aps, numa clnica em
Roma.
Sua obra de maior relevo e repercusso est consubstanciada nos
denominados CADERNOS DO CRCERE, escritos na priso entre 1929 e
1935. So 33 cadernos manuscritos que perfazem um total de 2.500 pginas.
Segundo Giovani Reale destacado filsofo e historiador italiano ... a obra de
Gramsci constitui uma das mais notveis reelaboraes do marxismo, no
sculo vinte, tanto por suas referncias aos problemas sociais, culturais e
polticos, mas tambm por sua tentativa de integrar o marxismo na histria
italiana... .
Os escritos de Gramsci s vieram a ser conhecidos aps a Segunda
Guerra Mundial (1945). At ento eram totalmente ignorados uma vez que
foram, por inteiro, produzidos no interior da priso.
Vale acrescentar que o pensamento de Gramsci no constituiu
unanimidade dentro da ortodoxia marxista-lenista, que sempre identificou nas
suas propostas um acentuado vis revolucionista. Da explicar-se a dificuldade
de aceitao e penetrao do gramscianismo nos centros irradiadores do
Movimento Comunista Internacional (MCI) e, tambm, da sua tardia difuso
fora da Itlia.
Entretanto a leitura atenta da sua obra demonstra, insofismavelmente,
que os seus estudos, reflexes e propostas tm como fundamento essencial eponto-de-partida os referenciais bsicos oferecidos pelo marxismo terico - a
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filosofia da praxis - isto : o materialismo dialtico, o materialismo histrico, a
luta de classes, o mito da revoluo, etc. etc. Isto significa dizer que o
comprometimento total da sua proposta inovadora est dirigido,
essencialmente, para consecuo da revoluo socialista, cujo propsito
maior a superao da sociedade burgueso-capitalista e a conseqente
edificao da sociedade proletria.
Percebe-se, porm, que certos gramscianos, propositadamente,
procuram omitir ou esmaecer o sectarismo e o revolucionarismo marxista
consubstanciados na proposta de Gramsci, apresentando-a, eufemisticamente,
como uma forma mitigada (de marxismo) de passagem do capitalismo ao
comunismo, atitude que representa um claro desvirtuamento dos propsitos daobra do pensador italiano. Gramsci, manteve-se sempre fiel essncia do
projeto comunista, embora, tenha proposto formas e caminhos mais
consentneos com o mundo do seu tempo, mas sem perder a referncia
essencial de teoria marxista.
Qual a essncia da proposta terica de Gramsci?
O desenvolvimento da teoria de Gramsci buscou motivao nanecessidade de encontrar respostas e alternativas ao inconteste fracasso em
que se transformara a aplicao do paradigma revolucionrio bolchevista
(Revoluo Russa/1917) nos pases capitalistas desenvolvidos da Europa.
Gramsci convenceu-se de que o mencionado fracasso resultara,
primordialmente, da inadequao da estratgia bolchevista (Guerra de
Movimento) s condies histrico-polticas e culturais daqueles pases, que,
evidentemente, se revelavam flagrantemente distintas das condies vigentes
na Rssia em 1917. Percebeu, tambm, que o ponto focal desta distino
residia, sobretudo, no grau de desenvolvimento e organizao da Sociedade
Civil, numa e noutra formao social, e, fundamentalmente na dinmica das
relaes entre Sociedade Civil e Estado (Sociedade Poltica). Isto
evidenciava nitidamente: a importncia do processo histrico-cultural dos
pases alvos, o elevado significado estratgico da Sociedade Civil e a
necessidade de formulao de uma nova estratgia, adequada ao universo
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scio-poltico de tipo europeu. A partir da, Gramsci construiu a sua teoria sobre
a estratgia da Guerra de Posio, destinada conquista do poder numa
Sociedade do tipo Ocidental. Este termo tem um sentido meramente
metafrico e no necessariamente geogrfico como pode parecer. Para
explicitar a sua teoria, o autor criou um corpo conceitual prprio, hoje
conhecido e designado como Categorias de Gramsci, cuja originalidade
terminolgica e de suporte analtico constituiu uma especificidade no seio do
marxismo.
Por exemplo: Sociedade Civil, Sociedade Poltica, Hegemonia,
Consenso, Senso Comum, Intelectual Orgnico, Domnio, Direo Cultural,
Bloco Histrico, Oriente e Ocidente, Crise Orgnica, etc. etc., so categorias deGramsci, frequentemente utilizadas no proselitismo ideolgico das esquerdas,
sem que a audincia leiga, muitas vezes perceba o vnculo categorial desses
termos.
Mas, vejamos como se referiu Gramsci sobre as estratgias da Guerra
de Movimento e da Guerra de Posio:
No Oriente o Estado era tudo e a Sociedade Civil era primria egelatinosa. Neste caso a Guerra de Movimento, isto , caracterizada pelo
ataque frontal e direto Cidadela do Poder.
No Ocidente entre Estado e Sociedade Civil havia uma adequada e
equilibrada relao e quem pretendesse flanquear o Estado encontraria, de
imediato a robusta estrutura da Sociedade Civil. O Estado no era mais que
uma trincheira avanada, atrs da qual havia uma slida cadeia de fortificaes
e casamatas... Em tais circunstncias, a revoluo no pode triunfar no
Ocidente atravs de um choque frontal contra as trincheiras do Estado,
porque estas se encontram bem consolidadas e protegidas. Neste caso, a
revoluo triunfar atravs da adoo da estratgia da Guerra de Posio,
mediante a qual se desgasta o inimigo penetrando nas fortificaes e
casamatas da Sociedade Civil. Este o nico caminho que pode levar o
Partido Comunista ao Poder nos pases de perfil Ocidental.
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A Guerra de Posio, concebida por Gramsci para a conquista do
Poder no Ocidente, tem como referncia e fundamento a dinmica das inter-
relaes dialticas (ao recproca) entre a Sociedade Civil e a Sociedade
Poltica (Estado no sentido estrito), caracterstica essencial das sociedadestipo Ocidental. Lenine, por exemplo, em 1917, empregou a Guerra de
Movimento, atacando, de modo frontal e direto, o Estado Russo, porque l o
Estado era tudo e no havia uma Sociedade Civil organizada, participativa e
dinmica, que fizesse o contrapondo relacional com a Sociedade Poltica
(Estado).
J no Ocidente, essa inter-relao dialtica decorrncia de um
processo hegemnico continuado e desenvolvido ao longo da histria, que, porsua vez, gerou uma concepo de mundo prpria (ideologia), e
consubstanciada, hoje, no que a linguagem gramsciana chama de Senso
Comum da Sociedade burguesa. O Senso Comum representado pela
incorporao, comunho e prtica de valores, princpios, procedimentos,
tradies, costumes, histria, civismo, vultos, prceres, etc, enfim, a prpria
cultura. [...]
Fonte:http://cyborgueeuclides.tripod.com/id7.html.Acesso em 16 de mar. de 2013.
O carter intervencionista e corporativista do Estado brasileiro se
mantm ao longo da implementao da poltica econmica nacional-
desenvolvimentista iniciada durante o primeiro governo Vargas. Os interesses
considerados vlidos eram aqueles que se fizessem representar no interior do
prprio Estado.
Coutinho (2006) analisa a fora e o autoritarismo do Estado brasileiro,
em contraposio a uma sociedade civil dbil, primitiva e amorfacom as
categorias gramscianas de sociedade do tipo oriental e ocidental
subcategorias dentro da categoria de Hegemonia , identificando a formao
da nao brasileira a partir do Estado e no da ao das massas populares. A
classe dominante nada tinha a ver com o povo, no era expresso de
movimentos populares, mas foi imposta ao povo de cima para baixo ou mesmo
de fora para dentro e, portanto, no possua uma efetiva identificao com as
http://cyborgueeuclides.tripod.com/id7.htmlhttp://cyborgueeuclides.tripod.com/id7.html5/27/2018 Livro Marise Ramos
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questes nacionais. Diz ele: para usar a terminologia de Gramsci, isso impediu
que nossas elites alm de dominantes, fossem dirigentes. O Estado
moderno brasileiro foi quase sempre uma ditadura sem hegemonia, ou,
para usarmos a terminologia de Florestan Fernandes, uma autocracia
burguesa. (Coutinho, 2006, p. 176)
As trs refernciasMarini (2000), Fernandes (2006) e Coutinho (2006)
demonstram que a modernizao tecnolgica no Brasil foi de origem
estrangeira, definida por Florestan Fernandes como uma modernizao do
arcaico, marcada, inicialmente, pelo embate entre um projeto de
desenvolvimento autnomo e outro associado e subordinado ao grande capital.
Essa anlise identifica a existncia de uma estratgia de
desenvolvimento nacionalista em alguns perodos da histria do pas,
demarcados por Ianni (1991) em 1930-45; 1951-54; 1961-64, quando se tinha
como pressuposto implcito o projeto de um capitalismo nacional, como uma
nica alternativa para o progresso econmico e social.
Projeto de um capitalismo nacional
Esse projeto implicaria a crescente nacionalizao dos centros de
deciso sobre assuntos econmicos. Mas essa estratgia foi vencida por outra
com vis de desenvolvimento associado, predominante nos anos de 1946-
1950; 1955-60 e desde 1964, que considerava o projeto de um capitalismo
associado como nica alternativa para o progresso econmico e social. Tal
estratgia implicava no reconhecimento das convenincias e exigncias da
interdependncia das naes capitalistas, sob a hegemonia dos Estados
Unidos.
Esse tenso equilbrio foi rompido e deslocado em favor do capital
estrangeiro no governo de JK. Apesar de contratendncias no curto perodo do
governo Joo Goulart, a associao ao capital estrangeirose consolidou a
partir da ditadura civil-militar.
Ainda que no governo de Jango e mesmo, em menor medida, noperodo de JK, a sociedade civil tenha se tornado mais ativa, levando a um
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cenrio de crise do populismo, o Estado brasileiro no deixou de ser
centralizador e corporativo. Ao contrrio, o golpe civil-militar de 1964 reforou
e desenvolveu esses traos, implementando a modernizao
desenvolvimentista baseada na abertura da economia ao capital estrangeiro.
Se no lastro da herana de Vargas a interveno do Estado na
economia visava favorecer, sobretudo, o capital nacional, garantindo as
precondies para o seu desenvolvimentoe, ao mesmo tempo, buscando
controlar e at restringir o ingresso do capital estrangeiro, durante a ditadura
essa restrio desapareceu. Tal desaparecimento gerou como consequncia o
famoso trip: o Estado funcionava como instrumento de acumulao a
servio tanto do capital nacional quanto e sobretudo do capitalinternacional(Coutinho, 2006, p. 181).
Ainda, segundo Coutinho (2006), essa abertura ao capital estrangeiro
no significa uma atitude contrria aos interesses do capital nacional. Na
verdade, a burguesia brasileira rapidamente se deu conta de que tinha muito a
lucrar com a associao ao capital internacional, ainda que como scia menor.
Portanto, a ideia de que haveria no Brasil, como em outros pases do Terceiro
Mundo, uma burguesia nacional enquanto frao de classe contrria ao
imperialismo.
A associao da burguesia brasileira com o capital nacional
Essa ideia teve papel destacado na estratgia poltica do Partido
Comunista Brasileiro (PCB)entre 1954 e 1964, que se centrava na luta por
um governo nacionalista e democrtico, revelou-se ainda, ser sem
correspondncia com a realidade: no havia nenhum segmento significativo da
burguesia brasileira realmente interessada em impedir o ingresso do capital
estrangeiro em nosso pas. Assim, a virada entreguista representada pelo
governo Juscelino no pode ser considerada uma ruptura com o modelo
nacional-desenvolvimentista implementado a partir de 1930, mas, ao contrrio,
uma maior adequao sua aos efetivos interesses das classes
dominantes brasileiras. (id., ibid., pp. 181-182)
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A construo analtica de Coutinho convergente com a teorizao de
Florestan Fernandes sobre o capitalismo dependente, como uma forma tpica
do capitalismo na sua fase monopolista, que o prprio v se consolidar a partir
de 1964, em pases de desenvolvimento desigual e combinado, caracterizado
por ele como um capitalismo tpico, extremamente moderno (pois ele extrai
sua modernidade do capitalismo industrial avanado) e por vezes
extremamente dinmico e flexvel (j que ele reflete as estruturas e os
dinamismos internacionais do capitalismo monopolista), que um capitalismo
difcil (escravo de uma acumulao espoliativa, que constitui um processo sem
fim e sem compensaes) e, por isso mesmo, um capitalismo selvagem.
(FERNANDES, 1995, apud CARDOSO, 2005, p. 21)
Com base na teoria do desenvolvimento desigual e combinado,
Florestan supe que as relaes de dependncia sejam formadas como parte
constitutiva da expanso do capitalismo num momento determinado. Assim, a
chave da diferenciao internade um pas em relao ao sistema econmico
mundial no estaria na forma como se propaga o progresso tcnico na relao
centro-periferia do capitalismo, tal como pensado por tericos da
dependncia3, mas na condio de heteronomia assumida pelo pasdependente, isto , na baixa capacidade de deciso, direo e gesto do
processo de produo e de reproduo do capital.
O capitalismo dependente, em Florestan, uma economia de mercado
capitalista constituda para operar, estrutural e dinamicamente, como uma
entidade especializada, ao nvel da integrao do mercado capitalista mundial,
como uma entidade subsidiria e dependente, ao nvel das aplicaes
reprodutivas do excedente econmico das sociedades desenvolvidas, e como
uma entidade tributria, ao nvel do ciclo de apropriao internacional, no qual
ela aparece como uma fonte de incrementao ou de multiplicao do
excedente econmico das economias capitalistas hegemnicas (FERNANDES,
1968, apud CARDOSO, 2005)
3Este o caso de Raul Prebisch e do pensamento que predominou na Cepal (Comisso Econmica para a Amrica Latina e Caribe). Essas so refernciasrelevantes para Florestan, ainda que superadas por ele na sua formulao sobre o capitalismo dependente.
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Capitalismo dependente
Em outras palavras, esse modelo tanto estrutural expanso do
capital quanto histrico, pois criado como necessidade de expanso do
capital, especialmente na sua fase monopolista, instaurando-se nas diferentes
economias (dependentes) conforme a prpria histrica do desenvolvimento
(desigual e combinado) capitalista.
Isto se faz pela necessidade de aplicao do excedente extrado nas
economias hegemnicas em outros mercados, como contramedida queda
tendencial da taxa de lucro; ou seja, a acumulao de capital nos pases de
capitalismo avanado precisa que o excedente seja aplicado em pasesdependentes, com custos muito menores para o capital e segundo a lgica
daquelas economias. Para isto, entretanto, preciso que a burguesia dos
pases dependentes se associe de forma subordinada burguesia
internacional. Como o excedente extrado internamente precisa ser
compartilhado com ela por isto o capitalismo dependente tributrio ao
capital internacionalo pressuposto e resultado dessa forma de capitalismo
so a superexplorao e a superexpropriao do trabalho. Nesse sentido, arelao de classes no pode ser vista exclusivamente ao nvel local, mas sim
internacionalmente.
Desse modo, ento, sob o capitalismo dependente tanto no se
configura uma burguesia nacional posto que ela se forma, desde a sua
origem, como uma classe associada e subordinada internacionalmente
quanto o desenvolvimento no nacional, mas sim dependente, de forma
estrutural e dinmica, sendo subsidirio e tributrio das economiashegemnicas.
Vimos que:
O Estado, na fase do capitalismo monopolista, no s
exerce funes econmicas, mas a essas subordina suas
funes coercitivas e ideolgicas, de tal modo que a poltica se
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subsume a burocracia estatal, especialmente na forma do
planejamento.
No capitalismo dependente, o planejamento torna-se um
dispositivo de relao com o capital internacional, em um
processo em que seus representantes figuram como apoio,
mas se constituem, mediante uma aliana com a burguesia
local, em efetivos dirigentes da economia e da poltica do pas.
Isto ainda mais importante se considerado que as crises
momentos em que o Estado mais chamado a atuar
economicamente normalmente irrompem a partir do setor
externo da economia, exacerbando, nos pases dependentes,as funes econmicas do Estado.
A evoluo do sistema poltico-econmico brasileiro
No Brasil, como assinala Ianni (1991), essa evoluo a partir de 1930,
revela uma atuao do Estado cada vez mais complexa na economia.
Conforme vimos analisando, tambm Ianni reconhece que, sob o populismo e o
militarismo, predominou a estratgia de desenvolvimento dependente,
disfarada de associada. A transio para uma economia em que o setor
industrial passou a predominar correspondeu a importantes mudanas no
subsistema econmico brasileiro, implicando uma srie de ajustes econmicos,
sociais, polticos e culturais. O Estado brasileiro foi levado a desempenhar
funes novas e decisivas na reorientao, no funcionamento, na diversificao
e na expanso da economia do pas. Adotaram-se, assim, progressivamente,
tcnicas de planejamento como instrumentos da poltica econmicagovernamental.
A poltica de educao tecnolgicano pas foi objeto dessas tcnicas
de planejamento e sempre figurou como uma preocupao dos planos
nacionais de desenvolvimento (PND). Mas como o desenvolvimento brasileiro
marcado pelo capitalismo dependente, tambm o a poltica de educao
tecnolgica. As mudanas histricas que se processaram at os dias de hoje
so significativas em termos de ampliao e expanso desse tipo de educao,
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mas do provas de estarem a servio de um desenvolvimento capitalista
dependente.
Nos anos de 1990, o neoliberalismo torna-se hegemnicotambm no
Brasil. Como demonstra Paulani (2006, p. 76), este constitui o discurso mais
congruente com a etapa capitalista que se inicia a partir dos anos de 1970, de
financeirizao do capital. Nas palavras da autora:
O modo de regulao do capitalismo, que funcionava no perodo anterior, dos
anos dourados, no se adequava mais a um regime de acumulao que
funcionava agora sob o imprio da valorizao financeira. Voltil por
natureza, logicamente desconectado da produo efetiva de riqueza material
da sociedade, curto-prazista e rentista, o capital financeiro s funciona
adequadamente se tiver liberdade de ir e vir, se no tiver de enfrentar, a cada
passo de sua peregrinao em busca de valorizao, regulamentos, normas
e regras que limitem seus movimentos. (id., ibid., p. 75).
Aqui esto os fundamentos que sustentaram o pacote inicial de
medidas desenhado pelo movimento neoliberal reduo do Estado ao
mnimo, inexistncia de proteo ao trabalho, abertura da economia, liberdade
para o funcionamento do mercado. Ainda, nas palavras da autora citada,
contrariamente ao que ocorria na fase anterior, a atuao do Estado se dagora visando preservar no os interesses da sociedade como um todo
(emprego, renda, proteo social etc.), mas os interesses de uma parcela
especfica de agentes, cujos negcios dependem fundamentalmente dessa
atuao. o fato de o neoliberalismo ter se tornado prtica de governo,
justamente nessa fase de exacerbao da valorizao financeiraque explica
porque esse elemento foi adicionado ao pacote neoliberal.
Ao analisar a fase anterior, vemos que na regulao fordista as formas
institucionais que vinculavam capital monetrio e trabalho, capital produtivo e
meios de produo, capital mercadoria e produtos acabados, eram frmulas
rgidas, incompatveis com um ambiente de acumulao em permanente
ebulio. esse conjunto de transformaes sobre o processo de acumulao
que visa conferir ao capital a flexibilidade necessria para que se aproveitem
as oportunidades de acumulao,onde quer que elas se encontrem (no setor
produtivo, no setor financeiro, nos negcios do Estado).
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esta a razo que leva alguns autores, como Harvey (2000), a
afirmarem que essa fase da histria capitalista caracterizada por um regime
de acumulao flexvel, que outra forma de falar do regime de acumulao
sob dominncia financeira, j que flexibilidade uma das caractersticas
constitutivas do capital financeiro.
Uma condio fundamentaldessa dinmica foi o abandono do pleno
empregocomo meta primeira da poltica econmica, j que nveis de atividade
inferiores a esse fragilizam os trabalhadores, obrigando-os a aceitar qualquer
coisa, desde que se preserve o espao para a venda de sua fora de trabalho.
Assim, no s circunstancialmente que o pleno emprego deixa de ser
atingido. A despeito das oscilaes cclicas naturais que a acumulaocapitalista experimente, e que podem eventualmente fazer com que o produto
se aproxime desse nvel, sua busca deliberada como poltica de Estado
incompatvel com a atual fase do capitalismo.
Nessa fase, as funes econmicas do Estado no desaparecem, mas
se exacerbam em relao aos interesses do mercado e sua plena liberdade.
A educao tecnolgica tambm objeto dessa inflexo, conformando-se,
inclusive, como mercadoria. As reformas educacionais levadas cabo nos
anos de 1990 pelo governo de Fernando Henrique Cardoso do prova disto. O
neoliberalismo no est superado, mas entra em uma nova fase em que se
retoma a necessidade de dinamizao da economia produtiva, no governo de
Luiz Incio Lula da Silva, e da ao do Estado no asseguramento de condies
sociais necessrias produo e ao controle das crises. O cenrio de um novo
desenvolvimentismo4 ainda incerto, mas neste que se encontram
atualmente as polticas de expanso da educao tecnolgica sustentada pelo
Estado.
4 Uma obra recente sobre esse tema a de Castelo (2010).
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A educao profissional e a ideologia do desenvolvimento na
consolidao do capitalismo no Brasil
A relao entre educao bsica e profissional no Brasil est marcada
historicamente pela dualidade. Nesse sentido, at o sculo XIX no hregistros de iniciativas sistemticas que hoje possam ser caracterizadas como
pertencentes ao campo da educao profissional. O que existia at ento era a
educao propedutica5para as elites, voltada para a formao de futuros
dirigentes.
Os primeiros indcios do que hoje se pode caracterizar como as origens
da educao profissional surgem a partir de 1809, com a criao do Colgio
das Fbricas, pelo Prncipe Regente, futuro D. Joo VI (Brasil, 1999 - Parecer
n 16/99-CEB/CNE). Nessa direo, ao longo do sculo XIX foram criadas
vrias instituies, predominantemente no mbito da sociedade civil, voltadas
para o ensino das primeiras letras e a iniciao em ofcios, cujos destinatrios
eram as crianas pobres, os rfos e os abandonados, dentre essas, os Asilos
da Infncia dos Meninos Desvalidos.
A perspectiva da educao profissional no Brasil
Essa educao tem a sua origem dentro de uma perspectiva
assistencialista com o objetivo de amparar os rfos e os demais desvalidos
da sorte, ou seja, de atender queles que no tinham condies sociais
satisfatrias, para que no continuassem a praticar aes que estavam na
contra-ordem dos bons costumes.
O incio do sculo XX trouxe uma novidade para a educao profissionaldo pas quando houve um esforo pblico de sua organizao, modificando a
preocupao mais nitidamente assistencialista de atendimento a menores
abandonados e rfos, para a da preparao de operrios para o exerccio
profissional. Assim, em 1909, o Presidente Nilo Peanha criou as Escolas de
5 Educao Propedutica: Tem como objetivo apenas, levar o aluno a um prximo nvel de ensino mais avanado. Por exemplo: aprender todos os contedos
do segundo ano para ter a progresso para o terceiro. Enfim, consiste em uma viso de educao dissociada da viso defendida e discutida pela autora desselivro, que concebe a educao vinculada a prtica social tendo o trabalho como princpio educativo.
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Aprendizes Artfices, destinadas aos pobres e humildes, e instalou dezenove
delas, em 1910, nas vrias unidades da Federao.
A criao das Escolas de Aprendizes Artfices e do ensino agrcola
evidenciou um grande passo ao redirecionamento da educao profissional,
pois ampliou o seu horizonte de atuao para atender necessidades
emergentes dos empreendimentos nos campos da agricultura e da indstria.
Nesse contexto, chega-se s dcadas de 30 e 40, marcadas por grandes
transformaes polticas, econmicas e educacionais na sociedade brasileira.
A partir de ento, a histria do desenvolvimento industrial e tecnolgico
brasileiro foi marcado pelo embate entre um projeto de desenvolvimento
autnomo e outro associado e subordinado ao grande capital. Esse tenso
equilbrio foi rompido e deslocado em favor do capital estrangeiro no governo
de JK.
Figura 1.2Cartaz do governo do Estado Novo (1935): "() O Brasil est de p, vigilantee disposto a tudo empenhado na conquista de seu destino imortal!".
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Nesse perodo, a formao dos trabalhadores tratada como uma necessidade da expansoindustrial, porm, parte da poltica educacional.
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Estado_Novo2_-_1935.jpg
Na reforma educacional implementada por Francisco Campos em
1931, cuja normatividade consagrada pela Constituio de 1934, o governo
federal compromete-se com o ensino secundrio, dando-lhe contedo e
seriao prpria. Porm, o carter enciclopdico dos currculosmanteve a
caracterstica elitistadesse ensino, enquanto os ramos profissionais foram
ignorados, criando-se dois sistemas independentes. Ainda que se tenha
regulamentado o ensino profissional comercial, nenhuma relao entre eles foi
estabelecida.
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O dualismo do ensino tcnico
No momento em que a ideologia do desenvolvimento comeava a
ocupar espao na vida econmica e poltica do pas, sequer houve qualquer
preocupao consistente com o ensino tcnico, cientfico e profissional,
oficializando-se o dualismo configurado por um segmento enciclopdico e
preparatrio para o ensino superior e outro profissional independente e restrito
em termos da configurao produtiva e ocupacional.
Somente a Constituio de 1937 apresenta os indicativos de uma
organizao sistematizada do ensino industrial. o que se v a seguir.
O ensino pr-vocacional destinado s classes menos favorecidas , em
matria de educao, o primeiro dever do Estado. Cumpre-lhes dar execuo
a esse dever, fundando institutos de ensino profissional e subsidiando os de
iniciativa dos Estados, dos Municpios e dos indivduos ou associaes
particulares e profissionais. dever das indstrias e dos sindicatos
econmicos criar, na esfera de sua especificidade, escolas de aprendizes,
destinadas aos filhos de seus operrios ou de seus associados. A lei regular
o cumprimento desse dever e os poderes que cabero ao Estado sobre
essas escolas, bem como os auxlios, facilidades e subsdios a lhes serem
concedidos pelo poder pblico (Constituio de 10 de novembro de 1937, art.129).
A Lei Orgnica do Ensino Secundrio (1942), promulgada durante o
Estado Novo, na gesto do Ministro Gustavo Capanema, acentuava a velha
tradio do ensino secundrio acadmico, propedutico e aristocrtico.
Predominava a funo propedutica voltada para o ensino superior, sob a
gide de uma Constituio (1937) que fortaleceu o ensino privado. Juntamente
com esta, o conjunto de leis orgnicas que regulamentou o ensino profissionalnos diversos ramos da economia, bem como o ensino normal, significou um
importante marco na poltica educacional do Estado Novo. Entretanto, se havia
organicidade no mbito de cada um desses segmentos, a relao entre eles
ainda no existia, mantendo-se duas estruturas educacionais paralelas e
independentes.
Esse quadro de industrializao exigiu uma qualificao maior de
mo de obra, de modo que o ensino tcnico industrialvai ganhando maior
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dimenso ao ponto de, em 1959, a Lei n 3552 de 16 de fevereiro, estabelecer
nova organizao escolar e administrativa para estabelecimentos do ensino
industrial. Ao ser regulamentado, o Decreto n 47038 de 16 de novembro de
1959 definiu as Escolas Tcnicas que comporiam a rede federal de ensino
tcnico, transformando-as em autarquias e em Escolas Tcnicas Federais.
Observa-se, portanto, o Estado assumindo parte da qualificao de mo de
obra, de acordo com as funes adquiridas por ele no plano dos investimentos
pblicos estratgicos6.
Dentre as razes para a organizao do ensino tcnico industrial,
duas tm diretamente a ver com a atuao do Estado, a saber:
(I) a criao da CSN e da Fbrica Nacional de Motores;
(II) a tendncia dominante de uso de critrios uniformes de organizao e
progresso do ensino, a fim de que a escola pudesse ser utilizada
eficientemente como instrumento de controle social. (Cunha, 1977, pp.97 a
99)
Esta ltima razo tambm esteve na base da determinao de se
elaborar uma Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional, advinda da
Constituio de 1946. (Cunha, 1977, pp.97 a 99)
O projeto de Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB)
entrou para a pauta do Congresso em 29 de outubro de 1948, data em que se
comemorava o aniversrio de queda de Getlio Vargas e do Estado Novo.
Tendo sofrido vrios retornos Comisso de Educao e Cultura, o texto em
debate foi substitudo por um projeto de Carlos Lacerda, apresentado em
1958, que incorporava os interesses dos estabelecimentos particulares deensino.
As discusses travadas em torno do projeto
foram marcadas pelo conflito entre escola pblica
e escola particular.
6Lembremos que, indicando uma tentativa de maior homogeneizao escolar e conferindo um carter mais universal ao ensino tcnico, a Lei de Diretrizes e
Bases da Educao Nacional de 1961 fez com que o ensino tcnico, que antes era terminal, se tornasse equivalente ao secundrio propedutico, podendo ostcnicos, uma vez concludo seus cursos, candidatarem-se a qualquer curso de nvel superior.
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No obstante hegemonia do pensamento privatista, o crescimento
da procura pelo ensino secundrio entre significativos contingentes da
populao urbana que no tinham condies de arcar com os custos do ensino
privado fez com que as presses se concentrassem sobre os governos dos
Estados da Federao. O atendimento a essas reivindicaes provocou intenso
processo de criao de escolas secundrias pblicas estaduais.
Uma outra polarizao tambm orientou as discusses. Tratava-se da
tendncia que considerava insuficientes todas as propostas at ento
formuladas porque no davam ateno vinculao da educao ao
desenvolvimento brasileiro. As crticas salientavam a necessidade de o
projeto criar as condies para a construo de um sistema de ensinovoltado para a realidade e as necessidades do desenvolvimento
brasileiro. Entretanto, o texto convertido em lei em 1961 representou uma
soluo de compromisso entre as principais correntes em disputa, no
correspondendo plenamente s expectativas de nenhuma das partes
envolvidas no debate.
Resolues da LDB de 61 para a educao profissional
O fato mais relevante foi a equivalncia entre este e o ensino mdio.
Organizado em dois ciclos o ginasial de 4 anos e o colegial de 3 anos
ambos compreendiam o ensino secundrio e o ensino tcnico (industrial,
agrcola, comercial e de formao de professores). A partir disto, os concluintes
do colegial tcnico podiam se candidatar a qualquer curso de nvel superior.
Quebrou-se, tambm, a rigidez das normas curriculares, abrindo-se a
possibilidade de os Estados e os estabelecimentos anexarem disciplinasoptativas ao currculo mnimo estabelecido pelo Conselho Federal de
Educao.
Alguns sinais da equivalncia j haviam sido dados em 1953, quando
foram definidos os cursos superiores, nos quais alunos formados no ensino
tcnico industrial poderiam se candidatar. Esses deveriam ter cursado algumas
disciplinas de carter geral ou certificado sua aprovao em exames dessas
mesmas disciplinas em estabelecimentos de ensino federal ou equiparado.
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Tais cursos eram os de engenharia, qumica, arquitetura, matemtica, fsica e
desenho.
A equivalncia estabelecida pela Lei n
4.024/61 veio ento, conferir maior homogeneidade
escolar a este campo e, ainda, um carter mais
universal ao ensino tcnico.
A transio do Governo Vargas para o de Juscelino Kubitschek
caracterizou-se pelo abandono de uma poltica destinada a criar um
sistema capitalista nacional em nome de uma poltica orientada para o
desenvolvimento econmico dependente. O Plano de Metas (1956-1960)nos permite ver duas caractersticas dos anos JK, a saber:
a abertura ao capital estrangeiro por via das
multinacionais e da ideologia desenvolvimentista.
Forma-se, nesse contexto, uma burguesia industrial
brasileira associada, de forma subordinada,
burguesia internacional;
o Estado, alm de se manter como mediador
entre as diversas foras sociais do pas, passa
tambm a produzir mercadorias e servios,
principalmente os infraestruturais.
Figura 1.3JK
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Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Juscelino_Kubitschek.jpg
Ainda que no governo de Jango e mesmo, em menor medida, no
perodo de JK, a sociedade civil tenha se tornado mais ativa, levando a um
cenrio de crise do populismo, o Estado brasileiro no deixou de ser
centralizador e corporativo, como j vimos e exemplificamos com o golpe civil-
militar de 1964.
A qualificao de trabalhadores tambm se deu de forma associada
aos interesses estrangeiros. nesse contexto que, em 1965, criada a Equipe
de Planejamento do Ensino Mdio (EPEM) no mbito do Ministrio da
Educao. Sua existncia paralela ao Programa Intensivo de Formao de
Mo de Obra (PIPMO), desenvolvido pelo Ministrio do Trabalho. Enquanto
este ltimo voltava-se preparao de operrios qualificados, a EPEM
destinava-se a assessorar os Estados na formulao de planos para o Ensino
Mdio.
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A organizao do ensino tcnico industrial
Contou com a Comisso Brasileiro-Americana de Educao Industrial
(CBAI), constituda com a colaborao de rgos americanos como a USAID e
a Aliana para o Progresso, no contexto do Acordo Brasil e Estados Unidos
firmado ainda em 1946, com o objetivo de fornecer equipamentos, assistncia
financeira e orientao tcnica s escolas tcnicas brasileiras.
No Plano Estratgico de Desenvolvimento (1967), no qual se previa o
fim da recesso, uma das linhas de ao era:
dar prioridade preparao de recursos humanos para atender aos
programas de desenvolvimento nos diversos setores, adequando o sistema
educacional s crescentes necessidades do pas, principalmente no que se
refere formao profissional de nvel mdio e ao aumento aprecivel da
mo de obra qualificada" (Brasil, M. P., Plano Estratgico do
Desenvolvimento, apudMachado, 1989, p. 53).
Nesse contexto, o ponto de maior impacto no ensino secundrio foi a
reforma de 1971. A Lei n 5.692, de 11 de agosto desse ano, colocou como
compulsria a profissionalizao em todo o ensino de 2o grau. Essas
medidas foram significativas da prtica economicista no plano poltico que,
concebendo um vnculo linear entre educao e produo capitalista,
buscou adequ-la ao tipo de opo feita por um capitalismo associado ao
grande capital. A contradio que aparece nesse quadro, porm, a crescente
funo propedutica do ensino tcnico contrapondo-se ao propsito contenedor
de acesso ao Ensino Superior.
Com uma poltica de incentivo nacional e internacional, a rede deEscolas Tcnicas Federais se consolidou em 19597 e ocupou um lugar
estratgico na composio da fora de trabalho industrial brasileira, de tal
modo que em 1971 se configurou um projeto ainda mais ousado, tal como a
transformao de algumas delas em Centros Federais de Educao
Tecnolgica (CEFET). Tambm esse projeto recebeu apoio internacional, pois
7Lei n. 3552 de 16 de fevereiro de 1959, regulamentada pelo o Decreto n. 47038 de 16 de novembro de 1959.
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se iniciou com um Contrato de Emprstimo Internacional (n. 755/BR)8, na
forma do PRODEM I (Programa de Desenvolvimento do Ensino Mdio),
elaborado por comisses das quais participavam brasileiros e americanos. A
formao de professores brasileiros para esse projeto ocorreu por meio de ummestrado na Universidade Estadual de Oklahoma, Estados Unidos.
Observamos, assim, que na dcada de 70, as reformas educacionais
fizeram parte do mito da economia planificada. Os I e II Planos Nacionais de
Desenvolvimento espelham a determinao dos governos da ditadura militar
em implementar o desenvolvimento acelerado, com influncia crescente da
mquina estatal. As polticas se delinearam com a inteno de criar condies
para o pas enfrentar a competio econmica e tecnolgicas modernas. A
entrada das multinacionais no pas era significativa e as principais fontes de
financiamento eram o Banco Mundial e o Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID), ou seja, o pas se endivida para crescer,
considerando o excesso de liquidez do sistema bancrio internacional, com
abundante oferta de capital e, ao mesmo tempo, a existncia de muitos
projetos de investimento produtivo.
Formao qualificada de trabalhadores
Era grande a preocupao com essa formao se justificando pela
possibilidade de expanso dos empregos. Mantinha-se, no entanto, dois eixos
de atuao: a formao acelerada de operrios para realizao do trabalho
simples, e a formao de tcnicos de nvel intermedirio, em menor nmero,
para realizar a funo de prepostos nas multinacionais, em paralelo com a
formao propedutica destinada s classes mais favorecidas.
O Estado brasileiro assumiu a doutrina da Escola Superior de Guerra e
dos tericos keynesianos9, responsabilizando-se pela produo e pelo
fornecimento direto de insumos industriais bsicos como a energia eltrica, o
8 Contrato de emprstimo assinado em 21 de junho de 1971, com prazo de execuo at 30 de dezembro de 1975.
9 O keynesianismo refere-se ao conjunto de ideias que propunham a interveno estatal na vida econmica com o objetivo de conduzir a um regime de plenoemprego, no sentido de fazer com que o crescimento da demanda ocorresse em paridade com o aumento da capacidade produtiva da economia.
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petrleo e derivados, transportes, comunicaes, siderurgia, e matrias-primas
industriais bsicas. Pretendia-se implementar uma poltica de absoro de
tecnologias, favorecendo a adaptao e a elaborao tecnolgica autnoma.10
Essas circunstncias levaram a uma poltica ainda mais contundente de
formao de recursos humanos e qualificao acelerada de trabalhadores.
Esse o perodo em que a Teoria do Capital Humano mais difundida e que
tomam fora os princpios da economia da educao.
Saiba mais...
A Teoria do Capital Humano uma elaborao de Theodore Shultz debase econmica neoclssica, cujo objetivo foi explicar a influncia do fator
humano (H) na produtividade. A teoria do fator econmico considera que a
sociedade como produto de fatoreseconmico, social, polticoque atuariam
independentemente um dos outros nos diferentes momentos da sociedade. A
primazia do fator econmico ocorre enquanto a sociedade no tenha atingido o
seu momento pleno de desenvolvimento, que seria o ponto timodas relaes
de produo e de distribuio de renda. A educao aparece, ento, compondoo fator econmico, como um capital individual que teria consequncias sobre o
capital social. Partindo dos componentes que inferem na variao do PIB da
renda per capita (relao entre capital fixo e capital varivel e nvel de
tecnologia), a TCH introduz o fator H (recursos humanos), que podem ser
potencializados pela educao. Ela tenta mostrar que os resultados no
explicados pelos primeiros, so explicados pelo ltimo. O carter ideolgico da
Teoria do Capital Humano pode ser explicado por sua circularidade, que pode
ser identificada contrapondo-se os aspectos macro e micro econmicos que a
fundamentam. Explicamos: segundo essa teoria, o capital humano fator de
10 O I Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-1974) (,) anunciou o objetivo de elevar do Brasil categoria dos pases de alto nvel de desempenho em
todos os setores, com taxa de crescimento do PIB, estavelmente na ordem de 9% ao ano e expanso industrial acima de 10%, emprego expandido at 3,2% e
a taxa de inflao reduzida para 10% ao ano, perseguindo elevados nveis de reservas e vitalidade no mercado de capitais e propiciando condies de
competitividade para as empresas privadas em relao s empresas estrangeiras. O II Plano Nacional de Desenvolvimento definiu o modelo econmico e as
estratgias para manter a performance do "milagre", e ajustar a estrutura econmica brasileira situao internacional, enfrentando, no entanto, a crise de
energia devido elevao do preo do petrleo e de outros produtos essenciais como carvo, fertilizantes. A baixa relativa dos preos dos produtos de
exportao deslocou a prioridade para a substituio de importaes, e para a tentativa de reduzir sua dependncia em relao a fontes externas de energia,executando programas de pesquisa relacionadas a busca de fontes alternativas.
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desenvolvimento social e de equalizao da renda individual, portanto, de
mobilidade social; mas o fator econmico determina o acesso e a trajetria
escolar. Portanto, o que determinante do acesso educao as condies
econmicas e de distribuio de rendavira determinado. Inverte-se, assim, a
realidade, pois a superestrutura aparece determinada pela estrutura. Para
aprofundamento do tema, ver Frigotto (1989).
O discurso utilizado para sustentar o carter manifesto de formar
tcnicos construiu-se com base nas necessidades do mercado de trabalhoe
pela necessidade de possibilitar aos jovens que no ingressavam nas
Universidades,a opo pela vida economicamente ativa imediatamente aps a
concluso do 2ograu. Ocorre que este ltimo argumento no condizia com oprojeto de ascenso social da classe mdia, que rejeitou a funo contenedora
do ensino tcnico. Consequncia disto foram as medidas de ajustes
curriculares nos cursos profissionaisoficialmente reconhecidas nos pareceres
do Conselho Federal de Educao e, finalmente, a extino da
profissionalizao obrigatria no 2ograu pela Lei n 7.044 em 1982.
Cunha (1976), ao analisar as motivaes que levaram inflexo da
profissionalizao universal e compulsria empreendida pela Lei n
5.692/71, para uma flexibilizao promovida pelo Parecer n 75/76 e
consolidada pela Lei n 7.044/82 identifica, dentre outros sujeitos, a burocracia
do ensino industrial11 como um dos responsveis pelas alteraes feitas
posteriormente por esses dois ltimos instrumentos legais, como reao
sobrecarga que a reforma imps sobre as escolas tcnicas, especialmente as
da rede federal.
Com a obrigatoriedade da profissionalizao no 2o grau, o fato de as
escolas tcnicas federais serem referncia na oferta do ensino
profissionalizante fez com que essas fossem procuradas para estabelecer
convnios com outras instituies, visando oferta da parte especial do
11 Burocracia aqui entendida no sob o aspecto negativo, que sugere lentido e ineficincia, mas como grupos gestores de um processo. Alm desses
sujeitos, cumpriram um importante papel nessa distenso as presses da burocracia do ensino secundrio e dos empresrios do ensino. Crticas pedaggicas profissionalizao compulsria tambm tiveram lugar.
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currculo das habilitaes tcnicas. Com isto, alm do aumento de sua
clientela, vrios descontentamentos advieram das relaes com outros
sistemas de ensino impostos por essa poltica, que restringia a autonomia
dessas escolas e colocava para elas novas responsabilidades que podiam
comprometer a qualidade de seus servios.
Preocupavam, ainda, com a possvel desvalorizao da profisso
de tcnico, medida que escolas sem tradio no ensino profissional
passaram a diplomar pessoas com menor qualificao do que a dos
concluintes das escolas tcnicas; e, por fim, com o fato de as normas relativas
formao desse tipo de profissional se estabelecerem por pessoas que no
reconheciam a realidade do trabalho, suas necessidades e seus problemas.
O autor conclui que a inflexo da poltica educacional de
profissionalizao universal e compulsria no ensino mdio para uma distenso
consistiu na substituio das habilitaes profissionais pelas habilitaes
bsicas, e pelo entendimento da educao geral como preparao para a
formao profissional. Esta inflexo decorreu da tentativa de eliminar tenses
geradas pela prpria poltica educacional, mas de modo tal que ela mesma no
fosse posta em questo.
No caso das escolas tcnicas federais, tal inflexo acabou por valorizar
a formao por elas desenvolvida, consolidando-as como as instituies mais
adequadas para conferir ao ento 2o grau o carter profissionalizante
voltado para a formao em habilitaes profissionais especficas. Pode-se
dizer que a partir da Lei n 7.044/82 at o final da dcada de 80, as escolas
tcnicas federais desempenharam sua funo de formar tcnicos de 2o
graucom reconhecida qualidade, merecendo o respeito das burocracias estatais e
da sociedade civil, que as isentavam de qualquer questionamento sobre seu
papel econmico e social relativamente s respectivas obrigaes
educacionais.
A partir de meados de 1976, as estratgias adotadas pelo II PND
comeam a sinalizar fraqueza. O modelo econmico dependente entravou o
desenvolvimento cientfico e tecnolgico nacional, a disparidade de renda se
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ampliou enormemente e medidas recessivas foram conjugadas com o
crescimento s custas do capital estrangeiro. A fraca transio democracia
no incio dos anos de 1980se fez no contexto do Consenso de Washington,
com cujas premissas o Brasil se comprometeu, principalmente em razo da
crise fiscal, inflacionria e de credibilidade externa vivida nesseperodo.
Mesmo frente a um processo recessivo e altamente inflacionrio, o
governo Sarney implementou o Programa de Expanso e Melhoria do
Ensino Tcnico (PROTEC)12, em 1986, mediante o qual as Unidades de
Ensino Descentralizadas, vinculadas a uma escola-me (escola tcnica ou
agrotcnica ou CEFET) foram criadas. A exposio de motivos n 135, de 4 de
julho de 1986 apresenta a razo desse Programa baseado no I PND da Nova
Repblica, no qual se definiam as "metas estratgicas das reformas, de
crescimento econmico e de combate pobreza" (Brasil, MEC, 1986c). Um
emprstimo foi obtido junto ao Banco Mundial para a realizao do Programa
de Melhoria e Expanso do Ensino Tcnico (PROTEC).
O PROTEC tinha como objetivo implantar 200 novas escolas tcnicas
industriais e agrotcnicas de 1oe 2ograus, justificado por dados estatsticos
que apontavam para a precariedade do atendimento nesse nvel de ensino13.
O quadro resultante do PROTEC em 1993 demonstrava a inaugurao de 11
Unidades de Ensino Descentralizadas (UnEDs) e 36 destas em construo14.
Houve uma tentativa de tornar as UnEDs em autarquias, atravs do mesmo
projeto que veio a propor a transformao de todas as ETFs em CEFETs e a
instituio do Sistema Nacional de Educao Tecnolgica15. No entanto, em
12Sobre esse programa e seus fundamentos polticos ver Frigotto e Ciavatta (1988).
13As estatsticas naquele momento indicavam que, do total de estabelecimentos de 1 oe 2ograus, apenas 4,3% eram de 2ograu; da matrcula geral de 1oe2ograus, apenas 10% referiam-se ao 2ograu; do total da matrcula de 2ograu, 41,4% incide em estabelecimentos particulares" (Brasil, MEC, 1986).
14Dados apresentados em Brasil, MEC (1993). Acrescenta-se que a criao de 2 CEFET's aps a Lei n. 6545/78 foi realizada pela transformao emCEFET's da ETF-Ba, fundida ao CEMTEC-Ba e da ETF-Ma,. A primeira medida foi feita pela Lei n. 8.711 de 28 de setembro de 1993 e a segunda pela Lei n.
7863 de 31 de outubro de 1989.
15Nagib L. Kalil, em pronunciamento no III CONET - Congresso Nacional de Educao Tecnolgica, 1993. A transformao das UnEDs em ETFs consta daminuta de projeto de lei recebido pelas ETFs em 23 de maro de 1993.
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suas verses finais, a questo foi retirada do projeto, permanecendo o mesmo
quadro j citado.
Ao final da dcada de 80, o processo de redemocratizao das
relaes institucionais, somado s mudanas no mundo do trabalho ,
comeou a pautar na sociedade e no interior das instituies o debate sobre
uma formao de novo tipo que incorporasse dimenses polticas
comprometidas com a cidadania. Docentes e servidores tcnico-
administrativos das escolas federais reuniram-se em corporaes nacionais, a
Associao Nacional de Docentes das Escolas Federais (ANDEF) e o Sindicato
Nacional dos Servidores das Escolas Federais (SINASEF).
Politecnia
Apesar dessa articulao ocorrida no auge da discusso sobre uma
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional no ter sido suficiente
para incorporar plenamente as comunidades dessas escolas no debate,
docentes e servidores organizados politicamente e/ou qualificados em
programas de ps-graduao em educao levaram para seu interior a
discusso a politecnia, cerne dos embates sobre o ensino mdio naquele
momento.
No incio da dcada de 90, quando o projeto de um governo
democrtico-popular foi derrotado nas urnas, a Secretaria de Educao Mdia
e Tecnolgica do Ministrio da Educao (SEMTEC), preocupada em alinhar a
formao de tcnicos reestruturao produtiva e, ao mesmo tempo, fortalecer
essas instituies diante do novo cenrio poltico do pas16
, mobilizou-sepoliticamente em dois sentidos, a saber: a) implementar um novo modelo
pedaggico nas escolas tcnicas e CEFETs; b) instituir o Sistema Nacional de
Educao Tecnolgica e transformar todas as Escolas Tcnicas Federais em
16 A redemocratizao do pas colocou o tema da finalidade das escolas tcnicas e cefets em pauta para os segmentos conservadores e progressistas.Dentre os primeiros, a crtica centrava-se no seu alto custo e no distanciamento do mercado de trabalho, demonstrado pelo elevado nmero de alunos que se
dirigiam ao ensino superior. Dentre os progressistas, questionava-se a concentrao de recursos pblicos em instituies que serviam predominantemente ao
capital, com atendimento seletivo e restrito populao. Sob a hegemonia dos segmentos conservadores, o carter pblico dessas instituies foi, diversas
vezes, ameaado por medidas designadas, por exemplo, como estadualizao transferncia para os sistemas estaduais de ensino e senaizao incorporao pelo sistema S; e, ainda, privatizao transferncia total ou parcial para os setores privados.
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Centros Federais de Educao Tecnolgica (CEFETs)17. Esta ltima medida
realizou-se por meio da aprovao da Lei n 8948/9418.
Apesar de no manifestas, outras motivaes comprometiam as
comunidades das escolas tcnicas a cefetizao. A criao do Sistema
Nacional de Educao Tecnolgica tenderia a unificar e fortalecer essa rede de
ensino, enquanto a transformao das Escolas Tcnicas Federais em CEFETs
pretendia evitar seu sucateamento, por dificultar tentativas de estadualizao
(transferncia para os sistemas estaduais), senaizao (transferncia para
senai) ou privatizao (transferncia para o mercado). Isto se vinculava,
especialmente, implantao do ensino superior, que condicionaria sua
permanncia no sistema federal de ensino.
Figura 1.4Linha do tempo da Educao Profissional no Brasil
XXX
DIAGRAMADOR: FAVOR INSERIR A LINHA DO TEMPO DISPONVEL EM
(http://200.17.98.190/portalead/Sit_Historico.aspx)
Obrigada!
Fonte: http://200.17.98.190/portalead/Sit_Historico.aspx
O quadro demonstrado explica a mobilizao que existiu tambm em
torno da reformulao curricular no interior das instituies, mediante a
implantao de um currculo comum da educao tecnolgica19. A
discusso travada entre representantes das escolas especialmente os
17 Esse assunto j se gestava desde 1989 envolvendo a ento Secretaria Nacional de Educao Tecnolgica SENETE. Algumas Escolas TcnicasFederais como a de Pelotas, Campos, Par, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Mato Grosso, So Paulo, Maranho e Bahia j reivindicavam a sua
transformao em CEFET's ao final da dcada de 80, encaminhando processos ao Ministrio da Educao. Em 1992 uma comisso de avaliao das Escolas
Tcnicas foi criada com o objetivo de verificar as condies estruturais das escolas de modo a classificar temporalmente sua transformao, emitindo relatrios
ao Ministrio da Educao e do Desporto (Brasil, MEC, 1992).
18A instituio do Sistema Nacional de Educao Tecnolgica foi suprimida da lei, como condio para aprov-la, devido presso do segmento privado,que no concordava em ter suas instituies sob a regulao total do Estado.
19A SEMTEC formalizou a proposta de um modelo pedaggico para as instituies feferais de educao tecnolgica mediante um documento enviado sDirees-Gerais em 27/04/1994. Os Diretores de Ensino o discutiram em encontro realizado em Barbacena no perodo de 12 a 16/09/1994. No Seminrio
dobre Reestruturao do Modelo Pedaggico e Estruturao do Modelo de Formao de Professores para o Ensino Tcnico Industrial Brasileiro, realizado em
Belo Horizonte, no perodo de 11 a 13/10/1994, SEMTEC e o CONDITEC (Conselho de Diretores das Escolas Tcnicas) assumiram o compromisso deconduzir essa discusso com a mxima participao das comunidades institucionais.
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diretores de ensino trouxe o conflito entre diferentes concepes de
educao tecnolgica.
Uma delas centrava-se na formao humana, incluindo a construo
sistematizada do conhecimento articulada com o mundo do trabalho em suas
mltiplas dimenses; a outra possua vis tecnicista e economicistana tica
do capital humano. Num contexto econmico-poltico neoliberal, as polticas
relativas a essa rede de ensino,na primeira metade da dcada de 90, foram
permeadas por esse conflito e hegemonizadas pela segunda viso.
Neste momento, a cefetizao de todas as escolas tcnicas,
aprovada pela Lei n 8.948/94, ainda no sara do papel dada a ausncia de
regulamentao. O apoio reforma da educao profissional por parte dos
diretores-gerais foi conseguido, total ou parcialmente, mediante a efetivao
desta medida pelo Decreto n 2.406/1997. Este decreto reconfigurou a
identidade dos novos CEFETs20com base no Decreto n 2.208/97, mas no
conferiu autonomia para ministrar cursos superiores, salvo os de formao
de tecnlogos e de professores para disciplinas de educao cientfica e
tecnolgica. A efetiva transformao das escolas tcnicas em CEFETs deu-se
mediante decreto para cada uma delas, aps aprovao de um projeto
apresentado pela instituio, elaborado segundo as diretrizes estabelecidas
pela Portaria n 2.267/1997.
A luta progressista dos anos 80 e a vitria conservadora dos anos 90: da
nova LDB reforma curricular no ensino mdio e tcnico
Fechando-se o ciclo da ditadura civil-militar, a mobilizao nacional para
a transio democrtica levou, ainda que lentamente, instalao do
Congresso Nacional Constituinte em 1987.
Figura 1.5Redemocratizao do Brasil
20 Lei n. 6.545, de 30/06/1978, regulamentada pelo Decreto n. 87.310, de 21/06/1982.
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Ulysses Guimares segurando a Constituio Federal de 1988
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ulyssesguimaraesconstituicao.jpg
Do lado da estrutura governamental, a preocupao com o ensino
secundrio voltava-se, mais uma vez, para contornar a presso por vagas no
ensino superiore para o ajuste da formao s necessidades educativas
trazidas pela incipiente modernizao das bases tcnicas e de gesto do
trabalho.
Do lado da sociedade civil, a comunidade
educacional organizada se mobilizava fortemente em
face do tratamento a ser dado educao naConstituio, antes mesmo da instalao da
Assembleia Constituinte.
Em relao ao ensino mdio, um importante avano era sinalizado no
sentido de um tratamento unitrio educao bsica que abrangesse desde
a educao infantil at o ensino mdio, este como a ltima etapa. O debate
terico travado pela comunidade educacional, especialmente dentre aqueles
que investigavam a relao entre Trabalho e Educao, afirmava a necessria
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vinculao da educao prtica social e o trabalho como princpio
educativo.
Trabalho como princpio educativo
Maria Ciavatta
[...] Do ponto de vista poltico-pedaggico, tanto a conceituao do
trabalho como princpio educativo quanto a defesa daeducao politcnica e
da formao integrada, formulada por educadores brasileiros, pesquisadores
da rea trabalho e educao, tm por base algumas fontes bsicas terico-
conceituais. Em um primeiro momento, a vertente marxista e gramsciana
(Marx, op. cit.; Gramsci, 1981; Manacorda, 1975 e 1990; Frigotto, 1985;
Kuenzer, 1988; Machado, 1989; Saviani, 1989 e 1994; Nosella, 1992;
Rodrigues, 1998). Em um segundo, sem abrir mo da vertente gramsciana, a
ontologia do ser social desenvolvida por Lukcs (1978 e 1979; Konder, 1980;
Chasin, 1982; Ciavatta Franco, 1990; Antunes, 2000; Lessa, 1996).
Gramsci (op.cit.) prope a escola unitria que se expressaria na unidade
entre instruo e trabalho, na formao de homens capazes de produzir, mastambm de serem dirigentes, governantes. Para isso, seria necessrio tanto o
conhecimento das leis da natureza como das humanidades e da ordem legal
que regula a vida em sociedade.
Opondo-se concepo capitalista burguesa que tem por base a
fragmentao do trabalho em funes especializadas e autnomas, Saviani
(1989, p.15) defende apolitecnia que postula que o trabalho desenvolva,
numa unidade indissolvel, os aspectos manuais e intelectuais [...] Todo
trabalho humano envolve a concomitncia do exerccio dos membros, das
mos e do exerccio mental, intelectual. Isso est na prpria origem do
entendimento da realidade humana, enquanto constituda pelo trabalho.
Frigotto argumenta em dois sentidos. Primeiro, faz a crtica ideologia
crist e positivista de que todo trabalho dignifica o homem: Nas relaes de
trabalho onde o sujeito o capital e o homem o objeto a ser consumido,usado, constri-se uma relao educativa negativa, uma relao de submisso
http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/edupol.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.html5/27/2018 Livro Marise Ramos
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e alienao, isto , nega-se a possibilidade de um crescimento integral (1989,
p. 4). Segundo, preocupa-se com a anlise poltica das condies em que
trabalho e educao se exercem na sociedade capitalista brasileira; como a
escola articula os interesses de classe dos trabalhadores... preciso pensar a
unidade entre o ensino e otrabalho produtivo, o trabalho como princpio
educativo e a escola politcnica (1985, p. 178).
Disponvel em: Acesso
em 16 de fev. de 2013.
Se o saber tem uma autonomia relativa face ao processo de trabalho do
qual se origina, o papel do ensino mdiodeveria ser:
Recuperar a relao entre conhecimento e a
prtica do trabalho. Isto significaria explicitar como a
cincia se converte em potncia material no
processo de produo.
Assim, seu horizonte deveria ser:
Propiciar aos alunos o domnio dosfundamentos das tcnicas diversificadas utilizadas
na produo, e no o mero adestramento em
tcnicas produtivas. No se deveria, ento, propor
que o ensino mdio formasse tcnicos
especializados, mas sim politcnicos.
Saiba mais...
Politecnia diz respeito ao domnio dos fundamentos cientficos das
diferentes tcnicas que caracterizam o processo de trabalho moderno
(Saviani, 2003, p. 140). Nessa perspectiva, o ensino mdio deveria se
concentrar nas modalidades fundamentais que do base multiplicidade de
processos e tcnicas de produo existentes.
http://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/traproimp.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/trapriedu.htmlhttp://www.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/traproimp.html5/27/2018 Livro Marise Ramos
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Esta era uma concepo radicalmente diferente do 2o grau
profissionalizante, em que a profissionalizao entendida como um
adestramento a uma determinada habilidade sem o conhecimento dos
fundamentos dessa habilidade e, menos ainda, da articulao dessa habilidade
com o conjunto do processo produtivo (Saviani, 1997, p. 40).
O iderio da politecnia
Buscava, portanto, romper com a dicotomia entre educao bsica e
tcnica, resgatando o princpio da formao humana em sua totalidade; em
termos epistemolgicos e pedaggicos, esse iderio defendia um ensino que
integrasse cincia e cultura, humanismo e tecnologia, visando aodesenvolvimento de todas as potencialidades humanas. Por essa perspectiva,
o objetivo profissionalizante no teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos
interesses do mercado, mas constituir-se-ia numa possibilidade a mais para os
estudantes na construo de seus projetos de vida, socialmente determinados,
culminada com uma formao ampla e integral.
Com isto se fazia a crtica radical ao modelo hegemnico do ensino
tcnico de nvel mdio implantado sob a gide da Lei n 5692/71, centrada
na contrao da formao geral em benefcio da formao especfica.
Especialmente no ensino industrial, conhecimentos das reas de Cincias
Sociais e Humanas e, eventualmente, das Linguagens, tinham pouca
relevncia na formao dos estudantes.
Sob um olhar pragmtico, caso o estudante viesse a trabalhar ou a
prosseguir os estudos na rea em que se habilitou tecnicamente, e suasexperincias de vida no desafiassem seus conhecimentos naquelas reas,
pouco se sentiam tais lacunas de formao. Outros estudantes, porm, ao
tomarem diferentes rumos, acabavam tendo que supri-las por meio de
estratgias as mais diversificadas.
Em face dessa realidade e buscando resgatar a funo formativa da
educao, os projetos originais da nova LDB insistiam que o ensino mdio,
como etapa final da educao bsica, seria composto de, pelo menos, 2400horas. A formao profissional, que nunca substituiria a formao bsica,
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poderia ser acrescida a este mnimo e preparar o estudante para o exerccio de
profisses tcnicas.
O projeto de uma nova LDB foi apresentado pelo deputado Octvio
Elsio em dezembro de 1988, dois meses depois de promulgada a Constituio,
incorporando as principais reivindicaes dos educadores progressistas,
inclusive referentes ao ensino mdio. Iniciava-se, assim, uma importante
mobilizao pela aprovao de uma nova LDBque pretendia trazer avanos
significativos para a educao nacional na perspectiva da democratizao e
da universalizao da educaopara todos de qualidade.
Em relao educao profissional e ao ensino mdio, o horizonte
traado por este projeto, era da escola unitria e politcnica, superando-se a
histrica dualidade que marca a histria da educao brasileira. O longo debate
em torno desse projeto e do Substitutivo Jorge Hage foi atravessado pela
apresentao de um novo projeto de LDB pelo Senador Darcy Ribeiro.
Para conhecer um pouco mais o texto
apresentado pelo deputado Octvio Elsio,
indicamos a leitura do texto: Educao Profissionalna LDB, de autoria de Nacim Walter Chieco
Francisco e Aparecido Cordo, disponvel em:
http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/articl
e/viewFile/987/891.
Ainda em 1996, no perodo que antecedeu a aprovao desta lei, o
governo FHC enviou Cmara dos Deputados um projeto de lei que
reformaria a educao profissional, principalmente quanto a sua vinculao
com o ensino mdio, que recebeu, naquela casa, o nmero 1.603.
O Projeto de Lei n 1603/9621, que disps sobre a Educao
Profissional e a organizao da Rede Federal de Educao Profissional
21 No mbito do Congresso Nacional a resistncia levou apresentao de trs novos objetos legislativos: o PLS 236/96, de autoria do Senador Jos Eduardo
Dutra, o PL 2933/97 do Deputado Federal Joo Faustino, e o PDL 402/97 dos Deputados Federais Miguel Rosseto e Luciano Zica. Ainda que com formatos
diferentes, os dois primeiros projetos intencionavam a mesma coisa: recuperar a misso educativa regular das escolas tcnicas e, portanto, preserv-las,
caracterizando a educao profissional como um processo educativo mais amplo e democrtico. O PDL, por sua vez, buscou sustar os efeitos do Decreto
http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/891http://emaberto.inep.gov.br/index.php/emaberto/article/viewFile/987/8915/27/2018 Livro Marise Ramos
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constitui-se na definio de uma matria que passou por duas verses
prvias22. Em exposio de motivos23do Ministro Paulo Renato, o anteprojeto
foi anunciado como integrante da proposta de governo de FHC, j que
estabelece a necessria relao entre a reforma constitucional, a retomada dodesenvolvimento e a "formao profissional que deve acompanhar o avano
tecnolgico de modo a atender a demanda do setor p