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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 33 – Gramática e construção discursiva: estudos da Língua Portuguesa e uso.
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CONSTRUÇÕES APOSITIVAS: DIVERSIDADE E MULTIFUNCIONALIDADE
Márcia Teixeira NOGUEIRA1
RESUMO: Este estudo teve o propósito de correlacionar aspectos sintáticos, textual-semânticos e pragmático-discursivos do uso de construções apositivas não-restritivas em amostras de textos jornalísticos, publicitários, acadêmicos e jurídicos do português escrito, brasileiro, contemporâneo. A partir de uma orientação funcionalista e sociointeracionista, entendemos que a diversidade do uso da linguagem está associada à diversidade das práticas sociais dos diferentes grupos, e que os gêneros associados a essas práticas, se caracterizam pelos conteúdos e pelos meios lingüísticos de que se utilizam. A construção apositiva constitui um meio lingüístico de natureza estratégica que participa, a um só tempo, da construção dos sentidos de um texto nos planos textual, cognitivo e argumentativo-atitudinal. Em cada um desses planos, as construções apositivas desempenham diferentes funções quando analisadas em situações reais de uso da língua. Essas funções não se excluem, mas, antes, se combinam, conferindo, à aposição, um caráter multifuncional. Podemos, no entanto, observar a predominância de determinadas estratégias textualizadoras em alguns gêneros em particular, tais como a referenciação anafórica na notícia, com o propósito de refocalizar um referente discursivo apresentado na primeira unidade da construção; as referenciações catafóricas como estratégia de focalização e orientação argumentativa nos artigos de opinião, editoriais e nos anúncios (focalização); a reformulação na busca por maior adequação e precisão conceitual em artigos científicos; bem como as qualificações atributivas ou designativas em petições, como modo formulaico de construir a identidade dos referentes discursivos, na designação das pessoas envolvidas no processo judicial. PALAVRAS-CHAVE: aposição; construção apositiva; gêneros textuais.
Aposição: aspectos conceituais
Não há consenso entre gramáticos e lingüistas em torno dos limites conceituais da aposição.
Alguns estudiosos, tais como Taboada (1978), Burton-Roberts (1987), Rodriguez (1989) e Lago
(1991), defendem a exigência de correferência estrita e de identidade funcional entre os termos em
aposição, restringindo bastante o conjunto de construções que podem ser analisadas como apositivas.
Outros, como Matthews (1981), Quirk et al.(1985), Meyer (1987, 1989, 1992), assumem a
1 Professora doutora do Departamento de Letras Vernáculas e do Programa de Pós-Graduação em Lingüística da Universidade Federal do Ceará. Coordenadora do Grupo de Estudos em Funcionalismo. Endereço: Av. dos Expedicionários, 3406, apto. 601, bloco 01, Benfica, CEP: 60.410-410. Fortaleza-Ceará-Brasil. Endereço eletrônico: marciatn@gmail.com.
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existência de um caráter gradual em tal processo sintático, reunindo e analisando diferentes tipos de
construções, na perspectiva de que algumas são semântica e sintaticamente mais típicas do que
outras.
Do ponto de vista da categorização da relação sintática mantida entre os elementos em
aposição, alguns estudiosos a identificam ou com a coordenação, tais como Hockett (1958, p.185),
ou com a subordinação, como Carone (1988, p.66). Todavia, apesar das possíveis semelhanças entre
aposição e coordenação, em virtude da simetria observada em algumas construções a partir dos
testes de supressão e permuta, a aposição canônica distingue-se da coordenação pela condição
semântica de equivalência entre os termos apostos. Reconhecer, na aposição, uma relação de
subordinação também não nos parece adequado, já que, tipicamente, os elementos em aposição têm
a mesma capacidade de configuração sintática. Se esses são os dois tipos fundamentais de relações
que a lingüística estrutural costuma identificar nas construções endocêntricas, e a aposição é uma
construção endocêntrica, alguns lingüistas, como Burton-Roberts (1994, p.185), preferem concluir
que a aposição não é uma genuína relação sintática.
Para alguns estudiosos, no entanto, a aposição não pode ser elucidada de acordo com os
pressupostos de uma teoria clássica. Segundo Matthews (1981, p.223), a aposição consiste em um
tipo de justaposição, relação que o lingüista considera como uma das mais primitivas, sendo ela
indiferenciada relativamente aos demais processos sintáticos por ele descritos. Matthews afirma que
o termo aposição tem sido empregado para denominar uma variedade de construções que não podem
ser agrupadas segundo um critério único, e discute os limites da aposição, apontando problemas de
fronteira entre construções ditas apositivas e alguns processos constantes em sua tipologia. Para
Matthews (1981, p.236), a aposição é um notável exemplo de uma categoria que não exibe fronteiras
bem definidas em termos de condições necessárias e suficientes. Em vez disso, o autor sugere que,
de acordo com uma categorização inspirada na semelhança de família, que há um uso paradigmático
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da aposição e outros usos a ele relacionados por várias formas de semelhanças, não podendo ser
naturalmente determinado onde tais semelhanças terminam.
Opondo-se à análise que Matthews faz da aposição como uma relação não completamente
diferenciada, subtipo da justaposição, Meyer (1992, p.5) define a aposição como uma relação
gramatical particular evidenciada em construções com características semânticas, sintáticas e
pragmáticas.
No paradigma funcionalista, é corrente a idéia de que as diferenças entre os tipos de relações
sintáticas estabelecidas entre orações (e também entre constituintes da oração) são graduais. Para Lehmann
(1988), tais relações podem ser encontradas em um contínuo que vai da não-dependência à máxima
integração. Hopper e Traugott (1993) também estudam as relações entre orações e postulam a existência de
graus crescentes de integração (parataxe > coordenação > hipotaxe > subordinação). Contudo, de acordo com
Lehmann (1988, p.181), a aposição é vista como uma relação de não-dependência, que se distingue da relação
de um atributo com o seu substantivo nuclear. Por outro lado, Hopper e Traugott (1993, p.175) identificam a
aposição como uma relação de hipotaxe em que, embora ainda não se possa falar em integração, há uma
interdependência entre os termos.
Assumimos com Taylor (1992, p.63) que, se não for restringida, uma categoria poderia
eventualmente cercar o universo total de entidades, desde que fosse possível estabelecer algum tipo
de similaridade tênue entre qualquer eventual par de objetos. Por esse motivo, parece-nos necessário
garantir uma fronteira para a categoria de aposição pela exigência de que todos os seus membros
compartilhem pelo menos um atributo como critério. Dessa forma, a presente pesquisa opta pela
adoção de uma abordagem de protótipos, que, de acordo com Givón (1995, p.12), permite tanto a
fluidez nas margens, como a solidez no núcleo das categorias.
O traço comum entre as diferentes construções ditas apositivas, mesmo as mais marginais,
parece-nos ser a natureza centrípeta, ou seja, que gira em torno de um ser como o seu centro,
segundo define Camara Jr. (1986, p. 47). Esse atributo essencial também se encontra na concepção
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que Halliday (1985, p. 203) tem sobre aposição. Para Halliday, a aposição enquadra-se no tipo de
relação lógico-semântica de expansão por elaboração (=), em que, em vez de ser introduzido um
novo elemento no cenário, como ocorre na relação de extensão (+), é fornecida uma caracterização
adicional ao elemento anterior de modo a reformulá-lo, especificá-lo em mais detalhes, comentá-lo,
ou para apresentar exemplos.
Contudo, de acordo com uma categorização por protótipos, as construções apositivas devem
ser definidas não apenas por um traço, mas antes por um conjunto de traços característicos. As
construções mais típicas de uma aposição exibem um maior número desses traços característicos e
podem ser consideradas como protótipo da categoria. É de se supor que a maioria das construções
apositivas exiba um grande número desses traços, assemelhando-se, portanto, ao protótipo, ao passo
que uma minoria apresente apenas alguns desses traços, sendo menos parecida com o protótipo.
Diferentes tipos de construções podem ser assimilados à categoria de aposição na base de sua
similaridade com o protótipo. Há graus em que uma construção é vista como membro dessa
categoria: quanto mais próxima for do protótipo, mais central é seu estatuto dentro da categoria.
Segundo Taylor (1992, p.60), a noção de similaridade, que subjaz todos os processos de
categorização, torna-se complexa por duas razões. Primeiro, porque esse é um conceito escalar, já
que coisas podem ser mais, ou menos, similares, embora seja difícil determinar quão diferentes
devam ser para que cesse a similaridade. A segunda dificuldade concerne ao fato de que similaridade
é também uma noção subjetiva.
Os gramáticos Quirk et al. (1985, p.1302) reúnem sob o mesmo rótulo uma diversidade de
construções que costumeiramente são apontadas nas gramáticas tradicionais como apositivas, e
assumem a existência de aposições ditas plenas e de aposições ditas parciais. A aposição plena se
caracteriza pelas seguintes condições: a) cada um dos apositivos pode ser separadamente omitido
sem afetar a aceitabilidade da sentença resultante; b) cada apositivo exerce a mesma função nas
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sentenças resultantes; c) pode assumir-se que não há nenhuma diferença entre a sentença original e
qualquer uma das sentenças resultantes em termos de referência extralingüística. As aposições que
não apresentam alguma dessas condições são tidas, pelos gramáticos, como aposições parciais.
Meyer (1989) também prefere integrar diversas construções, analisando-as na perspectiva de
que algumas são semântica e sintaticamente “mais apositivas” do que outras.Valorizando, sobretudo,
os aspectos formais relativos ao grau de dependência estrutural entre elementos em aposição, Meyer
afirma existirem aposições coordenativas e aposições subordinativas. As coordenativas são
consideradas pelo autor como aposições centrais, e as subordinativas, como aposições periféricas,
que estão na fronteira com outros tipos de construção. O autor propõe os seguintes critérios
sintáticos para a identificação do que ele designa como aposições centrais: 1) a primeira unidade da
aposição pode ser suprimida; 2) a segunda unidade da aposição pode ser suprimida; 3) as unidades
da aposição podem ser permutadas. Quanto maior for o número de critérios satisfeitos, mais próxima
estará a construção da aposição central. Construções que não preenchem um ou mais de um desses
critérios são ditas periféricas.
As propriedades apontadas por Quirk et al. (1985) e Meyer (1992) para uma aposição
prototípica assentam-se na semelhança que esses estudiosos vêem entre aposição e coordenação.
Dessa forma, aposição e coordenação são vistas como similares se considerada a independência
estrutural dos elementos, evidenciada na possibilidade de suprimi-los e de permutá-los. Parece-nos,
todavia, que, se tais propriedades se aplicam a aposições centrais, isso ocorre não pela existência de
identidade estrutural entre as unidades em aposição, por ambas pertencerem a um mesmo nível
estrutural, mas, principalmente, pelo traço de equivalência semântica entre as unidades apositivas, o
que permite, por exemplo, que uma possa substituir a outra que foi suprimida.
Quirk et al. (1985) e Meyer (1987) incluem, sob o rótulo de “apositiva”, uma diversidade de
estruturas em que se exprimem diferentes relações semânticas. Para Quirk et al. (1985), a
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equivalência é condição necessária para a aposição dita plena, e existe uma escala semântica para a
aposição, com uma gradação que vai de uma relação de equivalência semântica entre os elementos
(“mais apositiva”), a uma relação livre e assimétrica, como a inclusão (“menos apositiva”). Entre as
duas, está a relação de atribuição.
Também para Meyer (1987), a correferência não é o único tipo de relação semântica mantida
por elementos em aposição. Segundo o autor, apesar de a correferência ter sido, no passado, tomada
como critério principal para a aposição, ela não constitui critério decisivo, porque, em algumas
construções apositivas, a correferência pode ser posta em dúvida ou simplesmente não se verificar
de forma alguma. Desse modo, o autor sugere que se assuma também a existência, na aposição, de
outras relações semânticas, que podem ser referenciais - a referência parte/todo e a referência
catafórica (a referência a uma unidade não-referencial)- ou não-referenciais, como a sinonímia, a
atribuição e a hiponímia.
Segundo Meyer (1989), a principal vantagem de admitir-se que as unidades em aposição
possam estar relacionadas também por hiponímia ou sinonímia reside no fato de construções não-
nominais, em que não há identidade categorial entre os itens, poderem ser analisadas como
apositivas.
Vale observar que os trabalhos de Quirk et al. (1985) e de Meyer (1992) sobre aposição
parecem seguir uma tradição clássica de apontar traços que permitam, sem interferência da
subjetividade, o julgamento de similaridade entre as diferentes construções ditas apositivas e uma
aposição prototípica.
A esse respeito, cumpre dizer que, rejeitando a abordagem clássica de categorização, Taylor
(1992, p.62) fala em atributos em vez de traços binários primitivos. Segundo o autor, atributos
podem ser cognitivamente muito complexos, e um dos mitos da teoria clássica consiste em acreditar
que conceitos complexos são, em última instância, redutíveis a conjuntos de primitivos binários.
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Subjacente à tentativa de caracterizar os atributos está a hipótese de que uma estrutura cognitiva
complexa pode ser exaustivamente representada por meio de uma lista de seus componentes, em
outras palavras, a hipótese de que um conjunto é nada mais do que a soma de suas partes. O autor
lembra que Langaker (1987) tem questionado tal hipótese, ao ressaltar que estruturas cognitivas
freqüentemente necessitam ser entendidas mais como configurações holísticas, gestálticas, do que
como pacotes de atributos. Especialmente quando se lida com categorias de nível básico, o todo
pode ser perceptual e cognitivamente bem mais simples do que qualquer de suas partes individuais,
de modo que as partes são entendidas em termos do todo, e não o contrário. Com essas
considerações, Taylor pretende dizer que não é ilegítimo falar de atributos, contanto que não se
designe, por esse termo, componentes semânticos atômicos.
No presente estudo sobre aposição, as condições de identidade referencial, funcional e
categorial são reconhecidas como propriedades de uma representação prototípica da aposição. Tais
condições, consideradas em conjunto, definem a aposição como uma construção semântico-
funcional simétrica. As operações de supressão e permuta de termos apositivos constituem traços
por meio dos quais essas propriedades são evidenciadas e, dessa forma, pode-se avaliar em que
extensão há similaridade entre uma construção dita apositiva e a representação prototípica da
aposição.
Construções apositivas não-restritivas em diferentes gêneros textuais escritos
Já em Nogueira (1999), a aposição não-restritiva é caracterizada como inserção parentética
em virtude da natureza formal de segmento inserido, da exterioridade em relação ao conteúdo
proposicional do enunciado em que se encontra e do valor ilocucionário independente. A expressão
apositiva não-restritiva aproxima-se do que Jubran (1999) estabelece como a primeira classe de
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parênteses da tipologia que propõe. Tais parênteses operam na elaboração dos tópicos discursivos,
especialmente no que diz respeito ao conteúdo tópico e à formulação lingüística desse conteúdo. À
semelhança dos parênteses de primeira classe, as expressões apositivas são utilizadas de modo a
assegurar a inteligibilidade e a aceitabilidade do texto e, dessa forma, a eficácia do ato
comunicativo, como observamos em (1).
(1) Até há bem pouco tempo, sabia-se apenas que os portadores de autismo não possuíam o
que os psiquiatras chamam de teoria da mente — a capacidade que temos de entender que existe o
“eu” (nossa visão do mundo) em oposição ao “outro” (o mundo visto nela consciência de outra
pessoa). (planrrev-gj)
Inserções parentéticas como essas têm, essencialmente, a função de reformulação. A
reformulação empreendida por uma expressão apositiva inclui a paráfrase e a correção. (Hilgert:
1996). A reformulação parafrásica pode ser de natureza metalingüística (explanações, explicações
definidoras e redenominações) ou referencial (FUCHS, 1982).
As aposições reformulativas, referenciais ou não, consistem em uma retomada do conteúdo
do segmento anterior. Há, no entanto, construções apositivas não-restritivas que operam como um
mecanismo de focalização, tal como a que se encontra em (2), que não podem ser identificadas
como parênteses. Nesse tipo de aposição, uma expressão nominal focaliza o segmento discursivo
seguinte, criando um ambiente de expectativa e direcionando a tensão para o conteúdo desse
segmento, além de fornecer-lhe uma orientação argumentativa para a interpretação.
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(2) Tudo isso vem a propósito de uma constatação simples: a maior escritora brasileira
modificou nosso panorama literário sem que sua obra estivesse tematicamente circunscrita ao
mundo feminino. (cultedrev-gj)
Como a informação contida no segmento focalizado já foi, de certa forma, antecipada pela
expressão nominal anterior, não é pertinente analisar esse segmento apositivo como um caso de
ruptura, isto é, como um parêntese. Não se trata, nesse caso, de uma inserção parentética com função
de reformulação, mas de uma estratégia de referenciação catafórica.
No que diz respeito às estratégias de referenciação, Nogueira (1999) destaca que, a partir de
uma concepção construtivista da referência lingüística, fundada nos trabalhos de Mondada & Dubois
(1995) e de Apothéloz & Reichler-Béguelin (1995), a aposição constitui expediente por meio do
qual um objeto de discurso pode ser construído segundo diferentes perspectivas, de acordo com
diferentes propósitos comunicativos. Por ser uma construção tipicamente caracterizada pela
condição de estabilidade referencial entre os itens que a integram, a aposição mostra-se como
importante mecanismo de recategorização de um objeto de discurso.
A pesquisa buscou estabelecer relações entre os aspectos sintáticos, textual-semânticos e
textual-discursivos das construções apositivas e os propósitos socialmente reconhecidos dos gêneros
em que elas se encontram. No entanto, em virtude da limitação no número de páginas para este
artigo, são aqui apresentados apenas os resultados relativos às funções textual-discursivas
predominantes das construções apositivas não-restritivas em cada um dos gêneros investigados.
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Aposição não-restritiva nos gêneros jornalísticos
O corpus da pesquisa constituiu-se de textos escritos pertencentes aos gêneros artigo de opinião,
editorial, notícia e reportagem de jornais e revistas de circulação nacional. Buscou-se garantir um
volume textual aproximado de 6000 palavras nos quatros gêneros.
O uso de expressões apositivas permite o aporte de informações sobre os referentes
discursivos sem uma estrutura de predicação verbal. Desse modo, constitui expediente para
acrescentar, cumulativamente, propriedades dos referentes discursivos, e, por esse motivo, serve,
nos textos noticiosos, aos propósitos de compactação da informação, isto é, de garantir, ao mesmo
tempo, informatividade e concisão.
Os resultados obtidos apontam para uma significativa predominância no uso de construções
apositivas que funcionam como paráfrases referenciais ou, nos termos de Meyer (1992), como uma
estratégia de reorientação (30%). Nessas reformulações, o autor reapresenta o referente da primeira
unidade apositiva de uma perspectiva diferente. A segunda unidade é, portanto, uma designação
alternativa de um referente que já faz parte do universo do discurso, em geral evocando-lhe alguma
característica, por meio de uma perífrase.
Em (3), ilustra-se um emprego bastante freqüente em notícias e reportagens.
(3) José Luiz Sampaio, o Zé da Luz, acaba de assumir a prefeitura do município Pernambuco
de Caetés – que era distrito de Garanhuns quando Lula nasceu – para administrar um orçamento
mensal de 500.000 reais. (famnrev-gj)
A qualificação e a refocalização dos referentes discursivos apresentados na primeira unidade
apositiva são as funções mais freqüentes das construções apositivas não-restritivas nas reportagens.
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Ou seja, o propósito de construir a identidade dos referentes discursivos por meio do aporte de
informações parece caracterizar os gêneros noticiosos.
Cumpre destacar que o uso de aposições com função de focalização e de qualificação cresce
na reportagem, o que pode ser interpretado como indicativo de uma abordagem mais interpretativa
dos fatos noticiados.
Um uso de construções apositivas bastante peculiar nas notícias e reportagens encontra-se
ilustrado em (4).
(4) Estudante no Recife, Sampainho só fica na cidade uma parte da semana, mas recebe todo
o salário de 3 500 reais. (famnrev-gj)
A expressão apositiva antecipa uma predicação a um referente discursivo que ainda será
introduzido. Além de funcionar como atributo do referente designado pela expressão referencial que
o segue, esse tipo de aposto, designado em algumas gramáticas de língua portuguesa como aposto
circunstancial, tem, às vezes, o seu valor argumentativo acrescido de um realce, nos termos de
Halliday (1985), em geral, de causa e concessão.
Observa-se que a função de focalização é a mais recorrente nos artigos de opinião (32%). O
artigo de opinião é o lugar da defesa de pontos de vista diversos. Desse modo, como importante
recurso de orientação argumentativa, esse tipo de estratégia caracteriza-se pela utilização de uma
expressão que antecipa axiologicamente o que será informado no segmento seguinte.
(5) Nadando contra a corrente das idéias predominantes na medicina tradicional, quero
erguer minha voz contra o que considero uma imposição impiedosa e indefensável no mundo
moderno: as vacinas. (aorev-gj)
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As construções apositivas com as funções de qualificação e de refocalização têm freqüência
inferior, mas também se apresentam com forte valor axiológico.
(6) As cotas, o mais óbvio e midiático dos programas de ação afirmativa, suscita enormes se
não absurdos problemas práticos. (Vidao-gj)
Se, nos artigos de opinião, o uso de construções apositivas com função de focalização já é
significativo, nos editoriais, ele é bastante expressivo.
(7) O quinto número da CULT traz em suas páginas três mulheres notáveis: as escritoras
Clarice Lispector e Nadine Gordimer, e a fotógrafa Madalena Schwartz. (cultedrev-gj)
É por meio desse expediente que o autor chama a atenção dos leitores para as matérias
tratadas nos jornais e revistas.
Aposição não-restritiva nos gêneros jurídicos
Para a análise do emprego de construções apositivas no discurso jurídico, optou-se por
diversificar a amostra, selecionando gêneros que representassem o discurso de pessoas físicas ou
jurídicas envolvidas em diferentes tipos de processo judicial. Dessa forma, o corpus analisado foi
constituído dos seguintes gêneros: petição inicial, sentença, termo de audiência e acórdão.
Selecionados os gêneros, buscou-se, na constituição e delimitação do corpus, garantir um volume
textual aproximado entre eles, medido em quantidade de palavras (6.000).
O uso de aposições não-restritivas é mais freqüente em petições iniciais. Esse resultado se
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deve, principalmente, ao emprego de aposições múltiplas com o objetivo de qualificar autor e réu
(estado civil, profissão, domicílio e residência), como se observa em (8).
(8) Maria de Fátima Silva, brasileira, divorciada, odontóloga, CPF nº 333.444.555.66,
residente e domiciliada na Avenida Visconde do Rio Branco, nº 4444, apto 501, 1º Bloco, Joaquim
Távora, nesta capital, (...) (alipet-gj)2
As expressões apositivas também são freqüentes nos termos de audiência e cumprem,
basicamente, essa mesma função: a de qualificar as pessoas envolvidas no processo judicial de que
trata a audiência.
Vale informar, ainda, que, em virtude de se tratarem de textos de menor volume textual,
comparativamente à sentença e ao acórdão, a petição e o termo de audiência contavam com um
número maior de amostras individuais para que fosse possível aproximar o volume total de cada um
dos gêneros investigados. Como o uso formulaico de aposições múltiplas se repetiu em todas as
petições e termos de audiência, a ocorrência de aposições nesses gêneros é, evidentemente, maior.
Em todo o corpus, emprego de construções apositivas com a função de qualificação é bem
mais freqüente. Com efeito, esse resultado se justifica pelo uso formulaico de expressões apositivas
que aparecem, principalmente nas petições, qualificando os indivíduos envolvidos nos processos
judiciais.
A função de focalização foi a segunda mais observada no corpus, sendo, de um modo geral,
mais freqüente nos delimitadores textuais de início.
Ainda com função de focalização, observa-se o uso de construções apositivas em que se
introduz um discurso direto, tal como em (9).
2 As referências a nomes, CPF, RG, endereço que constam neste artigo substituem as identificadas nas amostras textuais, sendo, portanto, fictícias.
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(9) O programa radiofônico que veiculou a ofensa de que trata a inicial não foi gravado,
porém, o texto da malsinada nota foi trazido aos autos pelos próprios demandados e divulgada nos
seguintes termos: “Estamos recebendo denúncia de que os Senhores Batista e Saraivinha,
responsáveis pela seleção de pessoas carentes beneficiadas com terrenos da Prefeitura,(...) teriam
muitas terras em Aquiraz. (Quiaco-gj)
Observa-se, mais uma vez, que, nas petições, a qualificação é a função mais importante das
construções apositivas empregadas. O mesmo acontece nos termos de depoimento.
Já nas sentenças, verificou-se um uso mais diversificado das construções apositivas no que
diz respeito aos aspectos funcionais, sendo a refocalização e a qualificação, nessa ordem, as funções
mais observadas. Nos acórdãos, predomina a função de focalização, identificada nas passagens com
discurso direto e, principalmente, nos delimitadores de início.
A aposição não-restritiva nos gêneros acadêmicos
Na análise das construções apositivas utilizadas em amostras textuais pertencentes ao gênero
artigo científico, observou-se que a função de reformulação textual é uma das mais importantes para
a construção dos sentidos dos textos desse gênero. Por meio de uma expressão apositiva, o autor
retoma o conteúdo formulado na primeira unidade, parafraseando-o ou retificando-o para facilitar a
compreensão por parte do leitor.
A paráfrase de conteúdos proposicionais, que consiste na retomada do conteúdo
proposicional de um segmento discursivo anterior na forma de algum tipo de comentário que
representa uma orientação argumentativa fornecida pelo autor para a interpretação desse conteúdo, é
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uma das funções mais recorrentes nos artigos científicos. Um exemplo desse uso no corpus
analisado pode ser visto a seguir.
(10) (...) os constrangimentos da “conexão eleitoral” ou da competição política levariam à
irresponsabilidade fiscal e a uma “política macroecônomica populista”. Ou seja, os governantes
“não poderiam dizer não” para não pôr em risco sua sobrevivência política.(Polac-ga)
Muito freqüente é também a redenominação, procedimento metalingüístico que se
caracteriza pela busca de uma expressão mais apropriada para designar um conteúdo. Em geral,
trata-se do uso de uma expressão sinônima, um termo mais familiar, mais técnico, ou a tradução de
uma palavra em língua estrangeira.
(11) Nas Guianas, os assentamentos não são apenas considerados politicamente
autônomos e economicamente auto-suficientes, mas são também idealmente tomados como
demograficamente auto-sustentáveis ou, em outras palavras, endogâmicos. (Predac-ga)
Aposição não-restritiva nos gêneros publicitários
Para a análise do uso de construções apositivas nos gêneros publicitários, optou-se por
constituir um corpus anúncios publicitários veiculados em jornais e revistas de circulação nacional.
O volume textual é de, aproximadamente, 6000 palavras.
A função de focalização é, significativamente, a que mais caracteriza o uso de construções
apositivas nos anúncios. No exemplo a seguir, tem-se, como primeiro elemento apositivo, um
sintagma nominal indefinido que introduz um referente discursivo que só será especificado e
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identificado na segunda unidade. Segundo Nogueira (1999), este tipo de referenciação catafórica
assemelha-se a um tipo de recategorização lexical explícita, procedimento descrito por Apothéloz e
Reichler-Beguélin (1995, p.248), como vemos em (12):
(12) E já que você investiu um pouco do seu tempo lendo este anúncio, invista um pouco
mais conversando com a gente. No mínimo, você vai ganhar uma das coisas mais valiosas na hora
de investir: informação. (citi2arev-gp)
Já em (13), a expressão referencial (“os seus dois maiores desejos”) constitui um rótulo
fortemente avaliativo para o referente especificado na segunda unidade, contribuindo para o
propósito comunicativo central do gênero anúncio: a conquista de um cliente.
(13) Conseguimos reunir os seus dois maiores desejos: um Honda Civic e os juros.
(Hondajor-gp)
Similares às estratégias de rotulação descritas por Francis (1994), as nominalizações, isto é,
processos pelos quais uma expressão antecipa e organiza o conteúdo proposicional de um segmento
discursivo objetivando caracterizá-lo segundo a avaliação do autor, são comuns nas construções
apositivas com referenciação catafórica. No exemplo (14), tem-se um encapsulamento a partir de um
pronome indefinido que institui como referente o conteúdo proposicional da oração a seguir:
(14) Grandes empresas como Coca-Cola, Nike e Varig têm algo em comum: todas já foram
pequenas empresas um dia. (Sebrajor-gp)
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A refocalização nos anúncios caracteriza-se como uma reorientação avaliativa típica desse
gênero.
(15) Tome Magris – o emagrecedor que emagrece...de verdade. (Magrajor-gp)
Nota-se, nos exemplos acima, que o uso de uma expressão referencial definida como
segunda unidade da construção apositiva sugere que o referente designado na primeira (o produto ou
serviço anunciado) é o único no mercado com as características desejadas pelos consumidores.
Menos comum, mas com relevante contribuição para os propósitos do anúncio, observou-se
a função de qualificação, em que se emprega uma expressão atributiva (ou designativa) como
segunda unidade da construção apositiva.
(16) Fundamos a Real Nicrocrédito, uma empresa especialmente criada para estimular a
gerações de emprego e o desenvolvimento nas comunidades carentes. (rearev-gp)
(17) Active Cooper de Neutrogena: tecnologia clinicamente comprovada que suavemente
repõe a reserva de cobre enquanto hidrata a pele. (Neutrarev-gp)
Nesses exemplos, o uso de uma predicação em que a pausa assume o lugar da cópula garante
concisão e precisão necessárias ao apelo de um anúncio publicitário.
Aposição não-restritiva nos gêneros epistolares
O corpus de análise desta pesquisa constituiu-se de 10 amostras textuais (aproximadamente
6.392 palavras), pertencentes ao gênero carta pessoal.
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A carta pessoal é um gênero primário (simples), pois se constitui de circunstâncias de
comunicação verbal espontânea (BAKHTIN, 1997). Sua diversidade temática é imensa e há uma
infinidade de propósitos comunicativos. Considerado um gênero do senso comum, caracteriza-se não
apenas pelos seus aspectos formais, como data, saudação, vocativo, despedida e assinatura, mas,
sobretudo, pelo conteúdo que procura veicular. O gênero carta pessoal se caracteriza pelo
envolvimento (BIBER, 1981) maior entre os interlocutores, que compartilham, em grande medida,
informação pragmática (DIK,1989). Em alguns casos, a intimidade entre os interlocutores é tão
grande, que o conteúdo torna-se ininteligível aos analistas, que não compartilham as informações.
As construções apositivas são, em geral, pouco utilizadas pelos autores de cartas pessoais.
Talvez isso se deva ao fato de que, nesse gênero, os interlocutores partilhem conhecimentos,
diminuindo, portanto, a necessidade do uso desse tipo de construção que visa elucidar, esclarecer
melhor os conteúdos, por meio de estratégias de reformulação na construção dos sentidos do texto,
segundo o direcionamento argumentativo que o autor sugere.
Da análise das ocorrências identificadas no corpus, são apresentados, a seguir, os resultados
que ilustram melhor a realização das funções textual-discursivas no gênero carta pessoal.
A refocalização foi uma das funções mais freqüentes no uso das construções apositivas
identificadas nas cartas pessoais. O autor pode utilizar, na segunda unidade, um conjunto ilimitado
de opções referenciais, de acordo com seus propósitos comunicativos. Em (18), o objetivo parece
estritamente referencial, isto é, de referência construtora (DIK,1989).
(18) Meu professor, o José, que além de Língua Portuguesa ensina Italiano e Esperanto, me
convidou para assistir a um curso deste último gratuitamente (...) (Abrep-ge)
A refocalização pode estar associada à manifestação de opiniões do autor.
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(19) E, agora, alguém que eu tanto amo, alguém que me fazia sentir especial, mentiu, me
usou, me fez pensar que poderíamos viver juntos quando, na verdade, eu era apenas mais uma.
(Sancp-ge)
Em (19), a segunda unidade da aposição reapresenta, sob uma perspectiva diferente, o
mesmo objeto-de-discurso designado pela primeira unidade da construção apositiva.
Aposições não-restritivas com função de qualificação (aposições atributivas), também são
comuns nas cartas pessoais.
(20) Talvez não seja tão difícil para você por estar vendo o assunto sob orientação de um
professor e não como eu, um mero curioso. (Abrcp-ge)
Finalizando esta breve exposição, conclui-se que o estudo das construções apositivas sob o
enfoque funcionalista pode revelar que a diversidade formal de tais estruturas está associada a sua
multiplicidade funcional, isto é, às diferentes funções textual-discursivas que elas atualizam. E,
consideradas desse modo, simultaneamente em suas formas e funções, é possível identificar relações
de base funcional entre elas e os gêneros textuais em que se manifestam como opção lingüística do
falante.
Conclusões
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As construções apositivas não-restritivas, aqui caracterizadas como procedimento textual-
discursivo, foram analisadas em amostras de texto escrito do português brasileiro contemporâneo,
pertencentes aos gêneros jornalísticos, jurídicos, acadêmicos, publicitários e epistolares.
Conclui-se com o estudo realizado, cujos resultados gerais encontram-se maximamente
resumidos nesse espaço, que a construção apositiva não-restritiva constitui um mecanismo textual-
discursivo que cumpre relevante papel como estratégia textualizadora. Considerada sob um enfoque
funcionalista, observou-se que a diversidade formal de tal estrutura está associada a sua
multiplicidade funcional, isto é, às diferentes funções textual-discursivas que ela exerce, e que essas
funções encontram-se condicionadas pelos propósitos comunicativos dos gêneros em que é
utilizada.
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