Post on 30-Sep-2018
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Licenciatura em Matemática
Bruno Chioderoli Gregio
Construção dos números reais via cortes de Dedekind
Birigui-SP 2014
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Bruno Chioderoli Gregio
Construção dos números reais via cortes de Dedekind Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, Câmpus Birigui, como requisito para obtenção do grau de Licenciado em Matemática.
Orientador: Profº Dr. Régis Leandro Braguim Stábile
Birigui-SP 2014
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G832c Gregio, Bruno Chioderoli.
Construção dos números reais via cortes de Dedekind / Bruno
Chioderoli Gregio . - - Birigui : IFSP-Campus Birigui, 2014.
41 f. : il.
Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura
Matemática) – Instituto Federal de São Paulo, 2014.
Orientador: Prof. Dr. Régis Leandro Braguim Stábile
1. Dedekind. 2. Cortes 3. Números reais. I. Stábile, Régis Leandro
Braguim II. Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São
Paulo III. Título
CDD: 512.782
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AGRADECIMENTOS À Deus que me capacita e permite chegar a mais essa etapa em minha vida. Aos meus pais, Donizeti e Luzia, por nunca deixaram me faltar absolutamente nada, desde aspectos afetivos à materiais, sempre garantindo as melhores condições para que eu pudesse chegar aqui. À minha irmã, Beatriz, que sempre colaborou com o silêncio nos meus momentos de estudo, além do verdadeiro amor fraterno. À minha namorada, Daiane, fundamental pelo amor, companhia e paciência em determinados momentos do curso. Sempre compreensível e apoiadora em minhas decisões. Aos demais familiares, que participando na minha evolução pessoal, direta ou indiretamente fizeram suas contribuições em minha vida. Ao meu orientador, Profº Dr. Régis, que com muita competência soube me orientar neste trabalho, e sempre me foi motivo de inspiração nas aulas, pelo profissionalismo e domínio da matemática, me fazendo com certeza apreciar mais esta ciência. À coordenadora do curso, Profª Ms. Manuella, companheira desde o início do curso em tantas disciplinas, por sinal, muito bem ministradas, sendo com certeza exemplo de profissional a ser seguido. À todos os professores com os quais tive a oportunidade de estudar, que colaboraram com a minha formação, assegurando o conhecimento das disciplinas e me projetando para o mundo da educação. Aos meus colegas de trabalho da Birigui Joias, que sempre facilitaram no horário em dias de provas e trabalhos. Aos meus amigos e amigas, que me apoiam em minhas escolhas e também colaboraram com este trabalho. À todos os amigos que pude fazer na vida acadêmica, nos congressos, nas viagens, no Centro Acadêmico Pierre de Fermat, nas partidas de truco escondidas dos professores, e principalmente, na minha turma MAT111N, com os quais convivi nesses quatro anos.
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RESUMO
Neste trabalho estudamos a construção dos números reais pelo método dos cortes de Dedekind. Inicialmente vimos que era realmente necessária a construção desses números, uma vez que a ideia da comensurabilidade entre quaisquer dois segmentos não nulos havia sido derrubada, e com isso, o conjunto dos racionais não era completo. Podemos conferir ainda algumas características dos subconjuntos dos reais, de forma que nos servisse de base e, a partir deles pudéssemos desenvolver uma teoria que resultasse no conjunto dos números reais. Sendo assim, sabendo que o conjunto dos reais é um corpo ordenado completo, e dispondo de todos os resultados conhecidos acerca dos racionais (que é corpo ordenado não completo), partimos com um único objetivo de, dispondo apenas de números racionais e suas propriedades, conseguir construir um conjunto com estrutura de corpo ordenado completo, que seria para nós o conjunto dos números reais.
Palavras-chave: Dedekind. Cortes. Números reais. Racionais. Corpo.
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ABSTRACT
In this work, we study the construction of the real numbers by the method of Dedekind cuts. Initially, we saw that it was necessary to build these numbers since the idea of commensurability between any two non-zero segments had been dropped, and as a result, the rational set was not complete. We could still check some characteristics of real subsets in order to serve as the base, and then develop a theory that would result in the set of real numbers. Thus, knowing that the real set is a complete ordered field, and offering all the known results about the rational (which is not complete ordered field), we started with the single goal to successfully build a set with complete ordered field structure that would be for us all the real numbers only having rational numbers and their properties, though.
Keywords: Dedekind. Cuts. Real Numbers. Rational. Field.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 14
CAPÍTULO 1. OS SUBCONJUNTOS DE ℝ ............................................................. 17
1.1 Conjunto ℕ dos naturais ................................................................................... 17
1.2 O Conjunto ℤ dos números inteiros ................................................................ 18
1.3 O que é um corpo? ............................................................................................ 19
1.4 O Conjunto ℚ dos números racionais, um corpo não completo ................... 20
1.5 ℝ: Um corpo completo ...................................................................................... 21
CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS VIA CORTES DE
DEDEKIND ................................................................................................................ 23
2.1 Os cortes de Dedekind ...................................................................................... 23
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 41
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INTRODUÇÃO
Historicamente, no nosso cotidiano costumamos usar apenas os números
inteiros e os racionais para realizar todas as nossas tarefas, isso porque
intuitivamente utilizamos os números para contar, medir, calcular e com certeza não
veremos um pão custando √2 reais, tampouco um quarteirão medindo 30𝜋 metros
ou ainda um prédio com 35ℯ metros de altura, mas hoje, sabemos que esses
números √2, 𝜋, ℯ existem e fazem parte do conjunto ℝ dos números reais.
Antigamente a utilização dos números se dava da mesma maneira, com a
exceção de que não se conhecia esse conjunto ℝ citado anteriormente, acreditava-
se apenas que existiam números inteiros e suas razões, no caso os racionais. Esse
era o pensamento da famosa Escola Pitagórica, fundada pelo grego Pitágoras de
Samos, por volta do século V a.C.(MOREIRA; CABRAL, 2011 , p.35).
Os pitagóricos defendiam ainda a comensurabilidade entre dois segmentos,
isto é, para quaisquer duas medidas (𝑎 e 𝑏), existiria uma terceira (𝑐) menor que
ambas e dois números inteiros (𝑚 e 𝑛) de modo que poderíamos expressá-las como
múltiplas inteiras da menor, ou seja, 𝑎 = 𝑚 ∙ 𝑐 e 𝑏 = 𝑛 ∙ 𝑐. Em outras palavras, dados
dois segmentos não nulos medindo 𝑎 e 𝑏 respectivamente, existem 𝑐,𝑚, 𝑛 ∈ ℤ, com
𝑐 < 𝑎, 𝑏 tal que 𝑎 = 𝑚 ∙ 𝑐 e 𝑏 = 𝑛 ∙ 𝑐.
Como 𝑎, 𝑏 ≠ 0 podemos estabelecer a razão de a por b, e assim teremos
que
𝑎𝑏⁄ =
(𝑚 ∙ 𝑐)(𝑛 ∙ 𝑐)⁄ = 𝑚 𝑛⁄ .
Este resultado originou um grande problema matemático para a época.
Vamos entender o porquê. A razão 𝑚 𝑛⁄ é, sem perda de generalidade, irredutível,
isto é, 𝑚 e 𝑛 são primos entre si, ou seja, o 𝑚𝑑𝑐(𝑚, 𝑛) = 1. Analisemos agora a
seguinte situação.
Consideremos um quadrado de lado 1. Pelo teorema de Pitágoras, a
diagonal 𝑑 do quadrado satisfaz a relação 𝑑2 = 12 + 12 = 2, mas como dois
segmentos são sempre comensuráveis, isto significa que a diagonal e o lado do
quadrado também são, logo, existem 𝑚, 𝑛 ∈ ℤ tais que
𝑑1⁄ = 𝑚 𝑛⁄ .
Assim, elevando os termos ao quadrado obtemos
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𝑑212⁄ = 𝑚
2
𝑛2⁄ .
Como 𝑑2 = 2, então 2 = 𝑚2
𝑛2⁄ , o que nos permite afirmar que 𝑚2 = 2 ∙ 𝑛2,
portanto 𝑚2 é par, implicando que 𝑚 também é. Ora, se 𝑚 é par, existe 𝑘 ∈ ℤ tal que
𝑚 = 2𝑘, e assim (2𝑘)2 = 2 ∙ 𝑛2, portanto 4 ∙ 𝑘2 = 2 ∙ 𝑛2 donde 2 ∙ 𝑘2 = 𝑛2, logo 𝑛2 é
par, e assim 𝑛 também é. Mas se 𝑚 𝑒 𝑛 são pares, então 𝑚𝑑𝑐(𝑚, 𝑛) ≠ 1, indicando
que 𝑑 𝑒 1 são incomensuráveis, e portanto, 𝑑 = √2 não é racional. Segundo a lenda,
quem demonstrou esse resultado foi morto jogado ao mar, tamanha a afronta à
completude dos racionais, mas o fato é que estava aí instaurado um dos maiores
problemas da matemática até então, o conjunto ℚ dos números racionais não era
completo, pois haviam números como o √2 que não pertenciam à esse conjunto.
Sendo assim, se fazia necessária a criação de um novo conjunto, maior que ℚ, que
de fato contivesse todos os números.
No Capítulo 1 apresentaremos os principais resultados acerca dos
subconjuntos dos reais. Estes resultados servirão de base para a construção e
entendimento dos números reais, uma vez que só se conhecia números naturais,
inteiros e racionais, logo, os reais só poderiam ser obtidos a partir destes.
No Capítulo 2 mostramos a ideia dos cortes de Dedekind, bem como toda a
teoria dos cortes, com suas respectivas demonstrações e resultados, conseguindo
ao final do capítulo construir e conhecer as características de um número real.
Com este trabalho propomos estudar e compreender as características do
conjunto dos números reais e, baseado no método de Dedekind vamos de poder
estruturar este conjunto.
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CAPÍTULO 1. OS SUBCONJUNTOS DE ℝ
Antes de efetivarmos a construção deste novo conjunto, é necessário
conhecermos melhor algumas particularidades dos conjuntos que precedem o que
hoje conhecemos por conjunto dos números reais, particularidades estas que se
farão necessárias para compreendermos o que difere, de fato, os reais de seus
respectivos subconjuntos.
Neste capítulo utilizamos como bibliografia base o que consta em [3], [2] e
[1].
1.1 Conjunto ℕ dos naturais
Os números naturais são aqueles que nos remetem à contagem,
enumeração, enfim. É simplesmente o conjunto ℕ = {1,2,3,4, … }.
A construção desse conjunto é simples, e se dá basicamente por três
propriedades, os chamados axiomas de Peano, (LIMA, 2013, p.1) que consiste em:
a) Existe uma função injetiva 𝑠: ℕ → ℕ, e a imagem 𝑠(𝑛), para todo 𝑛 ∈ ℕ será o
sucessor de 𝑛.
b) Existe um único número natural 1 tal que 1 ≠ 𝑠(𝑛), para todo 𝑛 ∈ ℕ.
c) Se um conjunto 𝑋 ⊂ ℕ é tal que 1 ∈ 𝑋 e 𝑠(𝑋) ⊂ 𝑋 então 𝑋 = ℕ.
Podemos simplificar a leitura desses axiomas da seguinte forma:
Qualquer número natural tem um sucessor, e como 𝑠: ℕ → ℕ é injetiva,
números diferentes terão sucessores diferentes.
O único número natural que não é sucessor de ninguém é o 1.
Se um subconjunto dos naturais contém o 1 e contém o sucessor de cada um
de seus elementos então ele contém todos os naturais, em outras palavras,
são iguais.
O terceiro axioma, também conhecido como PIF (princípio da indução finita),
nos garante que todo número natural pode ser obtido a partir do 1, tomando-se seu
sucessor s(1), s(s(1)), s(s(s(1))), sucessivamente num processo finito de etapas. É
importante percebermos que o zero não faz parte dos naturais (0 ∉ ℕ).
Vamos agora estabelecer algumas operações em ℕ.
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Dados 𝑚, 𝑛 ∈ ℕ, chamaremos soma ou adição o resultado 𝑚 + 𝑛 ∈ ℕ, e
chamaremos produto ou multiplicação o resultado 𝑚 ∙ 𝑛 ∈ ℕ.
A partir disto podemos observar algumas definições: Para todos 𝑚, 𝑛 ∈ ℕ,
temos
𝑚 + 1 = 𝑠(𝑚);
𝑚 + 𝑠(𝑛) = 𝑠(𝑚 + 𝑛), isto é, 𝑚 + (𝑛 + 1) = (𝑚 + 𝑛) + 1;
𝑚 ∙ 1 = 𝑚;
𝑚 ∙ (𝑛 + 1) = 𝑚 ∙ 𝑛 + 𝑚.
Com essas definições é possível enunciarmos algumas propriedades de
adição e multiplicação em ℕ, que chamaremos associatividade, distributividade,
comutatividade e lei do corte, que consistem em:
Associatividade: (𝑚 + 𝑛) + 𝑝 = 𝑚 + (𝑛 + 𝑝); (𝑚 ∙ 𝑛) ∙ 𝑝 = 𝑚 ∙ (𝑛 ∙ 𝑝);
Distributividade: 𝑚 ∙ (𝑛 + 𝑝) = 𝑚 ∙ 𝑛 + 𝑚 ∙ 𝑝;
Comutatividade: 𝑚 + 𝑛 = 𝑛 +𝑚;𝑚 ∙ 𝑛 = 𝑛 ∙ 𝑚;
Lei do corte: 𝑚+ 𝑛 = 𝑚 + 𝑝 ⇒ 𝑛 = 𝑝;𝑚 ∙ 𝑛 = 𝑚 ∙ 𝑝 ⇒ 𝑛 = 𝑝.
Um fator importante no conjunto ℕ, é que dados quaisquer 𝑚, 𝑛 ∈ ℕ; temos
𝑚 < 𝑛, 𝑚 > 𝑛 ou 𝑚 = 𝑛, ou seja, conseguimos ordená-lo .
Não demonstraremos aqui tais propriedades, mas admitiremos válidas para
o prosseguimento do nosso trabalho.
De posse de todas essas informações à respeito de ℕ já podemos passar
aos estudos do próximo conjunto, o conjunto ℤ dos inteiros.
1.2 O Conjunto ℤ dos números inteiros
É fácil obter ℤ a partir de ℕ. Basta estabelecermos uma função 𝑓:ℕ → ℤ tal
que:
𝑓:ℕ → ℤ
2𝑛 ⟼ 2𝑛2⁄
2𝑛 − 1 ⟼ −(2𝑛 − 1) + 12⁄
Desta forma, temos que ℤ = 𝑓(ℕ) e facilmente conseguimos visualizar os
inteiros como sendo o conjunto ℤ = {… ,−2,−1,0,1,2,… }. Também em ℤ podemos
definir algumas operações.
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Dados 𝑥, 𝑦 ∈ ℤ, chamaremos soma ou adição o resultado 𝑥 + 𝑦 ∈ ℤ e
chamaremos produto ou multiplicação o resultado 𝑥 ⋅ 𝑦 ∈ ℤ. Assim como em ℕ,
valem as propriedades associativa, comutativa e lei do corte, com respeito à soma e
produto, a distributiva do produto em relação à soma e a existência do 1 como
elemento neutro do produto. Como 0 ∈ ℤ, observamos três novas propriedades
neste conjunto:
a) Existe 0 ∈ ℤ tal que 𝑥 + 0 = 0 + 𝑥 = 𝑥, para todo 𝑥 ∈ ℤ;
b) Existe −𝑥 ∈ ℤ tal que 𝑥 + (−𝑥) = (−𝑥) + 𝑥 = 0, para todo 𝑥 ∈ ℤ;
c) 𝑥 ∙ 𝑦 = 0 ⟹ 𝑥 = 0 ou 𝑦 = 0.
Essas propriedades são facilmente entendidas da seguinte forma: o 0 é o
elemento neutro da soma, existe um elemento oposto aditivo e ℤ não possui
divisores de 0, ou seja, um produto só é igual a zero se um dos elementos o for
(GONÇALVES, 2012, p.15).
Também aqui não demonstraremos nenhum desses resultados, apenas
aceitaremos como verdadeiros para o prosseguimento dos estudos.
Já construímos e conhecemos dois importantes conjuntos numéricos, os
naturais e os inteiros. Antes de prosseguirmos com os racionais é preciso conhecer
algumas estruturas sobre um corpo, que serão necessárias para comparações e
conclusões futuras.
1.3 O que é um corpo?
Para o bom andamento deste trabalho, a fim de que possamos entender a
necessidade e origem dos números reais, antes será útil que conheçamos algumas
definições e estruturas de um corpo, sabendo que ℝ o é.
Assim como fizemos anteriormente com os naturais e inteiros, vamos definir
algumas operações em um determinado conjunto 𝐾 (definimos em 𝐾 para
posteriormente podermos generalizar para qualquer conjunto que cumpra os
requisitos de 𝐾). Dados 𝑥, 𝑦 ∈ 𝐾, chamaremos soma ou adição o resultado 𝑥 + 𝑦 ∈ 𝐾
e produto ou multiplicação o resultado 𝑥 ⋅ 𝑦 ∈ 𝐾.
Diremos que (𝐾,+,∙) (entendemos essa notação como o conjunto 𝐾 com as
operações de soma e produto definidas) é um corpo se, paro todos 𝑥, 𝑦, 𝑧, 0,1 ∈ 𝐾:
a) (𝑥 + 𝑦) + 𝑧 = 𝑥 + (𝑦 + 𝑧); (𝑥 ∙ 𝑦) ∙ 𝑧 = 𝑥 ∙ (𝑦 ∙ 𝑧);
b) 𝑥 + 𝑦 = 𝑦 + 𝑥; 𝑥 ∙ 𝑦 = 𝑦 ∙ 𝑥;
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c) 𝑥 ∙ (𝑦 + 𝑧) = 𝑥 ∙ 𝑦 + 𝑥 ∙ 𝑧; (𝑥 + 𝑦) ∙ 𝑧 = 𝑥 ∙ 𝑧 + 𝑦 ∙ 𝑧;
d) 𝑥 ∙ 𝑦 = 0 ⟹ 𝑥 = 0 ou 𝑦 = 0;
e) 𝑥 + 0 = 𝑥; 𝑥 ∙ 1 = 𝑥;
f) Existe (−𝑥) ∈ 𝐾 tal que 𝑥 + (−𝑥) = 0;
g) Existe 𝑥−1 ∈ 𝐾 tal que 𝑥 ∙ 𝑥−1 = 1, 𝑥 ≠ 0.
As propriedades f) e g) nos permitem enunciar duas novas operações (que
na verdade, são oriundas das que conhecemos como soma e produto). Pois bem,
chamaremos diferença ou subtração o resultado 𝑥 − 𝑦 ∈ 𝐾 e chamaremos razão ou
divisão o resultado 𝑥 ∙ 𝑦−1 = 𝑥 𝑦⁄ ∈ 𝐾. Sendo assim, dizemos que um conjunto é
fechado com relação às quatro operações definidas quando o resultado das
operações pertence ao conjunto.
Pois bem, munidos destas informações à respeito de um corpo, analisemos
algumas características dos conjuntos que já conhecemos.
Facilmente observamos que ℕ não compreende várias propriedades
necessárias para ser corpo. Dentre elas, as que correspondem a ser fechado para a
diferença (f)) e razão (g)) respectivamente. Vejamos no exemplo: Tomando 1 ∈ ℕ e
3 ∈ ℕ, a diferença 1 − 3 = −2 ∉ ℕ e a razão 1 3⁄ ∉ ℕ. Além disso, o fato de 0 ∉ ℕ faz
com que ℕ deixe de cumprir as propriedades “d) e e)”. Vistas todas estas restrições
de ℕ evidentemente podemos afirmar que ℕ não é corpo.
O conjunto ℤ, por ser maior que ℕ, e principalmente por 0 ∈ ℤ, cumpre “d), e)
e f)”, porém, não é fechado para a razão (g)). Podemos confirmar este fato tomando
3 ∈ ℤ e −4 ∈ ℤ, a razão 3 −4⁄ entre eles não pertence à ℤ, logo ℤ também não é
corpo.
No próximo capítulo vamos definir ℚ, o conjunto dos números racionais, e a
partir daí faremos algumas observações acerca deste novo conjunto.
1.4 O Conjunto ℚ dos números racionais, um corpo não completo
Conhecendo os conjuntos ℕ e ℤ, também a partir de uma função
conseguimos estabelecer o conjunto ℚ.
Seja 𝑔 uma função definida por:
𝑔: ℤ × ℕ → ℚ
(𝑎, 𝑏) ⟼ 𝑎𝑏⁄ .
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Então, podemos garantir que ℚ = g(ℤ × ℕ).
Agora, de posse do conjunto ℚ, vamos elencar algumas de suas
particularidades. Não vamos provar aqui, mas vamos admitir como verdadeiros os
fatos de que ℚ é fechado com relação à soma, produto, razão ( por racional não
nulo ) e diferença, valem para soma e produto a associatividade e comutatividade,
vale a distributividade do produto perante a soma, o 0 é o elemento neutro da soma
e o 1 é o elemento neutro do produto, logo ℚ é corpo (DOERING, 2010, p.1).
Mais do que ser corpo, podemos garantir que ℚ é um corpo ordenado, isto
significa que para quaisquer dois elementos que eu escolha em ℚ, é possível
compará-los da seguinte forma: ou um é maior que o outro, ou são iguais.
Escrevemos assim:
Para todos 𝑝, 𝑞 ∈ ℚ; temos 𝑝 > 𝑞, 𝑝 < 𝑞 𝑜𝑢 𝑝 = 𝑞.
Também o fato de ser um corpo ordenado implica na validade da monotonia
das operações em ℚ, isto é, dados 𝑝, 𝑞, 𝑟 ∈ ℚ temos:
a) Se 𝑝 < 𝑞 então 𝑝 + 𝑟 < 𝑞 + 𝑟;
b) Se 𝑝 < 𝑞 e 𝑟 > 0 então 𝑝 ⋅ 𝑟 < 𝑞 ⋅ 𝑟;
c) Se 𝑝 < 𝑞 e 𝑟 < 0 então 𝑞 ⋅ 𝑟 < 𝑝 ⋅ 𝑟.
Apesar de ℚ ser um corpo ordenado ele não é completo. Um exemplo disso
é o número √2 que não pertence à ℚ, ou seja, ℚ não contém todos os números. O
conjunto que, de fato, conterá todos os números será o conjunto dos reais, que
posteriormente enunciaremos e construiremos. Lembro aqui que há várias formas de
se axiomatizar esse conjunto, como por exemplo os métodos de Cauchy, Hankel,
Heine, entre outros, contudo, nos atentaremos aos cortes de Richard Dedekind.
1.5 ℝ: Um corpo completo
Antes que, de fato, construamos o conjunto dos reais, vamos conhecê-lo
brevemente, para sabermos exatamente qual o nosso ponto de partida e como
devemos construí-lo.
Vamos admitir que ℝ é corpo (LIMA, 2013, p.12), portanto satisfaz as
propriedades de corpo estudadas anteriormente. São elas: associativa e comutativa
para soma e produto, distributiva do produto em relação à soma, elementos neutros
da soma e produto, oposto aditivo, inverso multiplicativo e não possuir divisores de
zero. ℝ também é ordenado, isto é, quaisquer dois elementos reais são comparáveis
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segundo a relação menor ou igual. Além disto, ℝ é completo. Intuitivamente
podemos entender como ser completo o fato de que ℝ não deixa buracos na reta, ao
passo que ℚ deixa. Esta é então a diferença entre esses dois conjuntos. Mas é
preciso entender essa tal completude algebricamente.
Vejamos:
Seja 𝐴 ⊂ ℝ. Dizemos que 𝐴 é limitado superiormente se existe 𝑏 ∈ ℝ tal que
𝑎 ≤ 𝑏, para todo 𝑎 ∈ 𝐴. Assim, 𝑏 é uma cota superior de 𝐴. De modo análogo,
dizemos que 𝐴 é limitado inferiormente se existir 𝑐 ∈ ℝ tal que 𝑐 ≤ 𝑎, para qualquer
𝑎 ∈ 𝐴, e deste modo, 𝑐 é cota inferior de 𝐴. Sabendo o que são cotas superiores e
inferiores podemos introduzir dois novos termos: supremo e ínfimo.
Definimos que 𝑏 é supremo de 𝐴, e denotamos por 𝑏 = sup (𝐴), quando:
a) 𝑎 ≤ 𝑏 para todo 𝑎 ∈ 𝐴;
b) Se 𝑥 ∈ ℝ é tal que 𝑎 ≤ 𝑥 então 𝑏 ≤ 𝑐.
De a) temos que 𝑏 é cota superior de 𝐴 e de b) temos que 𝑏 é a menor das
cotas superiores. Analogamente diremos que 𝑐 é ínfimo de 𝐴, e denotaremos por
𝑐 = inf (𝐴), quando 𝑐 for a maior das cotas inferiores de 𝐴.
De posse desses conceitos vamos analisar dois subconjuntos dos reais.
Primeiramente tomemos o intervalo [𝑎, 𝑏]. Claramente 𝑏 é o elemento
máximo desse intervalo e também 𝑏 é supremo. Agora tomemos [𝑎, 𝑏), neste caso o
intervalo é aberto em 𝑏, logo não possui elemento máximo, mesmo assim, 𝑏 é o
supremo deste intervalo. O conceito de supremo existe exatamente para isto, para
substituir a ideia de elemento máximo. As afirmações acerca do ínfimo são
totalmente análogas.
Pois bem, “ a afirmação de que o corpo ordenado ℝ é completo significa que
todo conjunto não vazio, limitado superiormente, 𝑋 ⊂ ℝ possui supremo 𝑏 =
sup (𝑋).”(LIMA).
Baseado nestas informações à respeito dos reais, vamos introduzir o
conceito dos cortes de Dedekind, e o que vamos fazer é construir ℝ de modo que
sejam válidas todas as propriedades que estudamos nesta seção.
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CAPÍTULO 2. CONSTRUÇÃO DOS NÚMEROS REAIS VIA CORTES DE DEDEKIND
Como vimos no capítulo anterior, ℝ é um corpo ordenado completo e através
dos cortes propostos por Dedekind vamos construí-lo de modo que satisfaça todas
as condições vistas até aqui. Para facilitar o nosso entendimento, ao passo que
estivermos avançando com os cortes, faremos breves comentários relacionando-os
com os números reais, para compreendermos melhor os porquês dos resultados.
Observemos o resultado que motivou Dedekind a pensar na hipótese de que
era possível obter o conjunto dos reais a partir de cortes:
Se o conjunto ℝ de todos os números reais é decomposto em dois
subconjuntos 𝐴1 e 𝐴2 tais que para todo o 𝛼1 ∈ 𝐴1 e 𝛼2 ∈ 𝐴2 se tem 𝛼1 < 𝛼2, então existe um único
número 𝛼 ∈ ℝ que produz este corte, isto é, tal que 𝐴1 = {𝛽 ∈ ℝ: 𝛽 < 𝛼} e 𝐴2 = ℝ ∖ 𝐴1 ou 𝐴2 = {𝛽 ∈
ℝ: 𝛽 > 𝛼} e 𝐴1 = ℝ ∖ 𝐴2. (LOPES, 2006, p.13)
Este resultado permitiu à ele visualizar que em uma reta, um único ponto
era capaz de dividi-la em duas semirretas disjuntas, tal que este ponto não
pertencesse à nenhuma das duas semirretas. Com isto em mente ele introduziu o
conceito de cortes, acreditando que estes pontos, que são únicos e capazes de
dividir uma reta em semirretas disjuntas, são cada número real do conjunto ℝ.
Como a ideia de Dedekind foi construir os números reais a partir dos
racionais, vamos admitir válidas todas as propriedades e operações definidas em ℚ
e seus subconjuntos.
Neste capítulo utilizamos como ideia principal o que consta em [4], além de
informações contidas em [5] que corroboram o conteúdo de nosso trabalho.
2.1 Os cortes de Dedekind
Iniciemos então o conceito dos cortes.
Definição 2.1: Seja 𝐴 ⊂ ℚ. Diremos que 𝐴 é corte se valem:
i. 𝐴 ≠ ∅ e 𝐴 ≠ ℚ;
ii. Se 𝑝 ∈ 𝐴 e 𝑞 < 𝑝 então 𝑞 ∈ 𝐴;
iii. Para todo 𝑝 ∈ 𝐴, existe 𝑞 ∈ 𝐴 tal que 𝑝 < 𝑞.
O conjunto de todos os cortes será denotado por Ω.
A partir da leitura da definição anterior, os itens i e ii nos permitem imaginar
um corte como sendo um conjunto ilimitado inferiormente, porém limitado
24
superiormente. O item iii nos permite precisar que 𝐴 é do tipo (−∞, 𝑎) ∩ ℚ, com um
certo 𝑎 aberto, ou seja, um corte não tem elemento máximo.
Observação 2.1: Note que um corte é semelhante ao que vimos na seção
anterior quando falávamos do conceito de supremo. O fato de um corte ser um
intervalo do tipo (−∞, 𝑎) vai nos permitir provar no decorrer deste trabalho que o
mesmo possui supremo, condição para garantir a completude de um conjunto.
Proposição 2.1: Seja 𝑟 ∈ ℚ. O conjunto
𝑍(𝑟) = {𝑝 ∈ ℚ; 𝑝 < 𝑟}
é corte.
Demonstração: Para provarmos essa proposição temos que mostrar que
valem as três condições de corte para este conjunto. Vejamos:
i) Tomando 𝑝 = 𝑟 − 1, claramente 𝑝 < 𝑟 e 𝑝 ∈ ℚ, logo 𝑍(𝑟) ≠ ∅; tomando
𝑞 = 𝑟 + 1, percebemos que 𝑞 > 𝑟 e assim 𝑞 ∈ 𝑍(𝑟)𝑐, portanto 𝑍(𝑟)𝑐 ≠ ∅, donde
𝑍(𝑟) ≠ ℚ.
ii) O item ii é trivial, pois é a própria definição de 𝑍(𝑟).
iii) Queremos mostrar que 𝑝 < 𝑞 < 𝑟 e com isso 𝑞 ∈ 𝑍(𝑟). Pela formação de
𝑍(𝑟) é possível imaginar o intervalo (−∞, 𝑟) ∩ ℚ. Pois bem, tomemos 𝑞 =𝑝2⁄ + 𝑟 2⁄ .
Como por hipótese 𝑝 < 𝑟 segue que 𝑝2⁄ < 𝑟 2⁄ , assim, podemos somar
𝑝2⁄ à
desigualdade. Desta forma teremos
𝑝2⁄ +
𝑝2⁄ < 𝑟 2⁄ +
𝑝2⁄ ,
logo 𝑝 < 𝑞. Conseguimos 𝑝 < 𝑞, resta obtermos 𝑞 < 𝑟. Se somarmos 𝑟 2⁄ a 𝑝2⁄ < 𝑟 2⁄
teremos
𝑟2⁄ +
𝑝2⁄ < 𝑟 2⁄ + 𝑟 2⁄
e com isto 𝑞 < 𝑟. Ora, mostramos que 𝑝 < 𝑞 < 𝑟, portanto 𝑞 ∈ 𝑍(𝑟). Com isso
podemos garantir que 𝑍(𝑟) é corte.
Definição 2.2: O conjunto 𝑍(𝑟) dado na proposição anterior será chamado
corte racional.
Observação 2.2: Notemos que, como 𝑎, 𝑏 ∈ ℚ, e ℚ é ordenado, obviamente
se 𝑎 ≤ 𝑏 então (−∞, 𝑎) ∩ ℚ ⊆ (−∞, 𝑏) ∩ ℚ e este fato induz de maneira natural uma
forma de definirmos uma relação de ordem no conjunto Ω.
Definição 2.3: Dados 𝐴, 𝐵 ∈ Ω, diremos que 𝐴 ≤ 𝐵 se 𝐴 ⊆ 𝐵.
25
Proposição 2.2: A relação ≤ estabelecida na definição 2.3 definirá uma
relação de ordem em Ω.
Demonstração: Para provarmos isto devemos verificar se esta relação é
transitiva e antissimétrica. Para ser transitiva temos que mostrar que se 𝐴 ≤ 𝐵 e
𝐵 ≤ 𝐶 então 𝐴 ≤ 𝐶. Ora, da definição, 𝐴 ≤ 𝐵 implica 𝐴 ⊆ 𝐵 e 𝐵 ≤ 𝐶 implica 𝐵 ⊆ 𝐶, e
assim, como a relação ⊆ de inclusão é transitiva segue que 𝐴 ⊆ 𝐶, logo 𝐴 ≤ 𝐶. Para
ser antissimétrica devemos ter que se 𝐴 ≤ 𝐵 e 𝐵 ≤ 𝐴 então 𝐴 = 𝐵. Novamente da
definição, 𝐴 ≤ 𝐵 ⟹ 𝐴 ⊆ 𝐵 e 𝐵 ≤ 𝐴 ⟹ 𝐵 ⊆ 𝐴, como a relação ⊆ de inclusão é
também antissimétrica segue que 𝐴 = 𝐵.
Observação 2.3: O próximo teorema nos garantirá que a relação ≤ dada na
definição 2.3 é na verdade uma relação de ordem total, e assim já conseguimos
afirmar que o conjunto dos cortes é ordenado.
Teorema 2.1: Sejam 𝐴, 𝐵 ∈ Ω. Temos 𝐴 ⊂ 𝐵 ou 𝐵 ⊂ 𝐴.
Demonstração: Se 𝐴 = 𝐵 a inclusão é imediata, então não há o que
demonstrar. Se 𝐴 ≠ 𝐵 então 𝐴 ⊄ 𝐵 ou 𝐵 ⊄ 𝐴. Analisemos a hipótese 𝐴 ⊄ 𝐵. Se isto
acontece, então existe 𝑝 ∈ 𝐴 tal que 𝑝 ∉ 𝐵. Tomemos 𝑟 ∈ 𝐵, como 𝐴 e 𝐵 são cortes
temos 𝑟 < 𝑝, (caso contrário teríamos 𝑝 ∈ 𝐵). Mas se 𝑟 < 𝑝 então 𝑟 ∈ 𝐴 e assim
𝐵 ⊂ 𝐴. De maneira exatamente análoga verificamos que 𝐴 ⊂ 𝐵.
Observação 2.4: Conseguimos uma relação de ordem total em Ω. Na
sequência vamos propor e definir a soma de cortes. Em seguida vamos provar que
valem para cortes a associativa e comutativa da soma, além do elemento neutro.
Proposição 2.3: Sejam 𝐴, 𝐵 ∈ Ω. O conjunto
𝐶 = {𝑟 ∈ ℚ; 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵}
é corte.
Demonstração: Novamente temos que verificar i, ii e iii da Definição 2.1.
i) É trivial que 𝐶 ≠ ∅, pois 𝐶 ∋ 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵. Mostraremos que
𝐶𝑐 ≠ ∅ e assim 𝐶 ≠ ℚ. Tomemos 𝑝0 ∈ 𝐴𝑐 e 𝑞0 ∈ 𝐵
𝑐 e mostremos que 𝑝0 + 𝑞0 ∉ 𝐶.
Faremos isso por absurdo, isto é, suponhamos que 𝑝0 + 𝑞0 ∈ 𝐶, logo existe 𝑝 ∈
𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵 tal que 𝑝0 + 𝑞0 = 𝑝 + 𝑞. O fato de 𝐴 e 𝐵 serem cortes nos permite afirmar
que 𝑝 < 𝑝0 e 𝑞 < 𝑞0, (caso contrário teríamos 𝑝0 ∈ 𝐴 e 𝑞0 ∈ 𝐵) e pela monotonicidade
da adição de números racionais temos que 𝑝 + 𝑞 < 𝑝0 + 𝑞0, o que por hipótese é
absurdo. Assim, se 𝑝0 + 𝑞0 ∉ 𝐶 então 𝑝0 + 𝑞0 ∈ 𝐶𝐶, logo 𝐶𝑐 ≠ ∅ e 𝐶 ≠ ℚ.
26
ii) Tomemos 𝑟 ∈ 𝐶 e 𝑠 < 𝑟, queremos que 𝑠 ∈ 𝐶. Pois bem, 𝑟 ∈ 𝐶 significa
que 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵. Considerando 𝑡 = 𝑠 − 𝑝 (que pode ser reescrito como
𝑠 = 𝑝 + 𝑡), se 𝑡 > 𝑞, como 𝑠 = 𝑝 + 𝑡 teríamos 𝑠 > 𝑟, logo obrigatoriamente devemos
ter 𝑡 < 𝑞, e desta forma é certo que 𝑡 ∈ 𝐵, pois 𝐵 é corte. Assim, conseguimos
𝑠 = 𝑝 + 𝑡, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑡 ∈ 𝐵 portanto 𝑠 ∈ 𝐶.
iii) Tomando 𝑟 ∈ 𝐶, deverá existir 𝑠 ∈ 𝐶 tal que 𝑠 > 𝑟. Novamente, 𝑟 ∈ 𝐶
significa que 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵. Como 𝐴 é corte ( por este mesmo item iii que já
é válido para 𝐴), existe 𝑡 ∈ 𝐴 tal que 𝑡 > 𝑝. Somando 𝑞 em ambos os membros da
desigualdade anterior obtemos 𝑡 + 𝑞 > 𝑝 + 𝑞 = 𝑟. Tomando 𝑠 = 𝑡 + 𝑞, como 𝑡 ∈ 𝐴 e
𝑞 ∈ 𝐵, temos que 𝑠 ∈ 𝐶 e 𝑠 > 𝑟. Concluímos então que 𝐶 é corte.
Definição 2.4: Sejam 𝐴, 𝐵 ∈ Ω. O corte 𝐶 dado na proposição acima será
denotado por 𝐴⊕𝐵 e chamado soma ou adição de 𝐴 e 𝐵.
Teorema 2.2: Sejam 𝐴, 𝐵, 𝐶 ∈ Ω. Temos que:
a. 𝐴⊕ 𝐵 = 𝐵⊕ 𝐴;
b. (𝐴 ⊕ 𝐵)⊕ 𝐶 = 𝐴⊕ (𝐵⊕ 𝐶);
c. 𝐴⊕ 𝑍(0) = 𝐴.
Demonstração: Quando queremos mostrar que dois conjuntos são iguais
temos que provar que um está contido no outro e vice-versa. É exatamente isto que
faremos em cada item do teorema.
a) Tomemos 𝑟 ∈ 𝐴⊕ 𝐵, assim 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵. Como ℚ é comutativo
podemos garantir 𝑟 = 𝑞 + 𝑝, 𝑞 ∈ 𝐵, 𝑝 ∈ 𝐴, logo 𝑟 ∈ 𝐵 ⊕ 𝐴, portanto 𝐴⊕ 𝐵 ⊂ 𝐵⊕ 𝐴.
Analogamente provamos a inclusão contrária e concluímos que 𝐴⊕𝐵 = 𝐵⊕ 𝐴.
b) Seja 𝑟 ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊕ 𝐶. Isto implica que 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴⊕ 𝐵, 𝑞 ∈ 𝐶. Disto,
𝑝 ∈ 𝐴⊕ 𝐵 significa que 𝑝 = 𝑠 + 𝑡, 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑡 ∈ 𝐵, e assim temos 𝑟 = (𝑠 + 𝑡) + 𝑞. Pela
associatividade de ℚ podemos reescrever 𝑟 = 𝑠 + (𝑡 + 𝑞). Desta forma 𝑠 ∈ 𝐴 e
𝑡 + 𝑞 ∈ 𝐵 ⊕ 𝐶, logo 𝑟 ∈ 𝐴⊕ (𝐵 ⊕ 𝐶), portanto (𝐴⊕ 𝐵)⊕ 𝐶 ⊂ 𝐴⊕ (𝐵⊕ 𝐶). De
modo exatamente análogo provamos a inclusão contrária e concluímos então que
(𝐴⊕ 𝐵)⊕ 𝐶 = 𝐴⊕ (𝐵⊕ 𝐶).
c) Consideremos 𝑟 ∈ 𝐴⊕ 𝑍(0), então 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝑍(0). Como
𝑞 ∈ 𝑍(0) sabemos que 𝑞 < 0. Somando 𝑝 à desigualdade temos 𝑝 + 𝑞 < 𝑝 + 0 = 𝑝.
Mas 𝑝 + 𝑞 = 𝑟, logo 𝑟 < 𝑝, e como 𝐴 é corpo segue 𝑟 ∈ 𝐴, e assim, 𝐴⊕ 𝑍(0) ⊂ 𝐴.
Para mostrar a inclusão contrária tomemos 𝑟 ∈ 𝐴. Pelo item iii da definição de corte
existe 𝑝 ∈ 𝐴 tal que 𝑟 < 𝑝. Consideremos 𝑞 = 𝑟 − 𝑝. Como 𝑟 < 𝑝 segue que 𝑞 < 0 e
27
então 𝑞 ∈ 𝑍(0), sendo assim 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝑍(0) e 𝑟 ∈ 𝐴⊕ 𝑍(0), logo 𝐴 ⊂ 𝐴⊕
𝑍(0) donde 𝐴⊕ 𝑍(0) = 𝐴, concluindo a demonstração.
Observação 2.5: Notemos que se 𝑎, 𝑏 ∈ ℚ, 𝑎 > 0, 𝑏 > 0 então 𝑎 + 𝑏 > 0. A
proposição a seguir tem por objetivo estender esta condição aos cortes.
Proposição 2.4: Sejam 𝐴, 𝐵 ∈ Ω. Se 𝑍(0) ⊂ 𝐴 ∩ 𝐵 então 𝑍(0) ⊂ 𝐴⊕𝐵.
Demonstração: Seja 𝑎 ∈ 𝑍(0), como 𝑍(0) ⊂ 𝐴 ∩ 𝐵 isto significa que 𝑎 ∈ 𝐴 e
𝑎 ∈ 𝐵. Claramente temos 𝑎 2⁄ < 𝑎, e como 𝐴 e 𝐵 são cortes segue que 𝑎 2⁄ ∈ 𝐴 e
𝑎2⁄ ∈ 𝐵 e 𝑎 = 𝑎 2⁄ + 𝑎 2⁄ . De posse destas informações concluímos que 𝑎 ∈ 𝐴⊕ 𝐵 e
assim 𝑍(0) ⊂ 𝐴⊕𝐵.
Observação 2.6: Até agora conhecemos os cortes como intervalos do tipo
𝐴 = (−∞,𝑎) ∩ ℚ e assim o seu complemento é do tipo 𝐴𝑐 = [𝑎,∞) ∩ ℚ. Vamos
introduzir a seguir um novo corte, do tipo 𝐵 = (−∞,−𝑎) ∩ ℚ, mas vamos defini-lo em
termos de 𝑎. Claramente vemos que 𝑝 ∈ 𝐵 ⟺ −𝑝 ∈ 𝐴𝑐 pois, pela definição de corte
𝑝 ∈ 𝐵 se 𝑝 < −𝑎, mas multiplicando isto por −1 temos 𝑎 < −𝑝, logo −𝑝 ∈ 𝐴𝑐. Como
𝐴𝑐 é fechado em 𝑎 e os cortes devem ser abertos vamos impor que −𝑝 não poderá
ser mínimo de 𝐴𝑐.
Proposição 2.5: Seja 𝐴 ∈ Ω. O conjunto
𝐵 = {𝑝 ∈ ℚ; −𝑝 ∈ 𝐴𝑐 e existe 𝑞 ∈ 𝐴𝑐 tal que 𝑞 < −𝑝}
é corte.
Demonstração: Vamos mostrar que valem as três condições para ser corte.
i) Tomemos 𝑞 ∈ 𝐴𝑐. É fácil ver que 𝑞 + 1 ∈ 𝐴𝑐 e ainda 𝑞 < 𝑞 + 1 e , como
𝑞 + 1 não é mínimo de 𝐴𝑐 o seu oposto pertencerá à 𝐵, logo concluímos que
−(𝑞 + 1) ∈ 𝐵, portanto 𝐵 ≠ ∅. Seja 𝑝 ∈ 𝐴. Temos que pela definição que 𝑝 < 𝑎 e
multiplicando por −1 obtemos −𝑎 < −𝑝, portanto −𝑝 ∈ 𝐵𝑐, logo 𝐵 ≠ ℚ.
ii) Temos 𝑝 ∈ 𝐵 e 𝑞 < 𝑝, queremos provar que 𝑞 ∈ 𝐵. Multiplicando a
desigualdade anterior por −1 teremos −𝑝 < −𝑞. Da definição sabemos que −𝑝 ∈ 𝐴𝑐
e de −𝑝 < −𝑞 vemos que −𝑞 ∈ 𝐴𝑐, assim como −𝑞 não é mínimo de 𝐴𝑐 o seu oposto
pertencerá à 𝐵, logo 𝑞 ∈ 𝐵.
iii) Queremos que para qualquer 𝑝 ∈ 𝐵 exista 𝑟 ∈ 𝐵 tal que 𝑝 < 𝑟. Tomemos
então 𝑝 ∈ 𝐵. Da definição de 𝐵, ∃𝑞 ∈ 𝐴𝑐 𝑡𝑞 𝑞 < −𝑝. Consideremos 𝑟 =(𝑝 − 𝑞)
2⁄ ,
assim 𝑟 =𝑝2⁄ −
𝑞2⁄ . Observemos que
𝑞 < −𝑝 ⟹ 𝑝 < −𝑞 ⟹𝑝2⁄ <
−𝑞2⁄ .
28
Subtraindo 𝑞2⁄ da desigualdade obtemos
𝑝2⁄ −
𝑞2⁄ <
−𝑞2⁄ −
𝑞2⁄ ,
ou seja, 𝑟 < −𝑞, e multiplicando este resultado por −1 conseguimos 𝑞 < −𝑟. Como
𝑞 ∈ 𝐴𝑐, −𝑟 ∈ 𝐴𝑐 e – 𝑟 não é mínimo de 𝐴𝑐, assim 𝑟 ∈ 𝐵. Agora somemos 𝑝2⁄ a
𝑝2⁄ <
−𝑞2⁄ , assim teremos
𝑝2⁄ +
𝑝2⁄ <
𝑝2⁄ +
−𝑞2⁄ resultando que 𝑝 < 𝑟. Desta
forma concluímos que 𝐵 é corte.
Definição 2.5: O corte 𝐵 dado acima será denotado por ⊖𝐴 e chamado
oposto de 𝐴.
Observação 2.7: A denominação oposto é proposital e se dá para obtenção
do elemento oposto aditivo de um corpo. O teorema a seguir tem por finalidade
garantir a existência deste elemento.
Teorema 2.3: Seja 𝐴 ∈ Ω. Temos que 𝐴 + (⊖ 𝐴) = 𝑍(0).
Demonstração: Vamos mostrar que 𝐴 + (⊖ 𝐴) ⊂ 𝑍(0) e 𝑍(0) ⊂ 𝐴 + (⊖ 𝐴).
No primeiro caso, seja 𝑟 ∈ 𝐴 + (⊖ 𝐴), então existem 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑝 ∈⊖ 𝐴 e 𝑞 ∈ 𝐴𝑐 tal que
𝑟 = 𝑠 + 𝑝 e 𝑞 < −𝑝. Pela definição de cortes podemos garantir que 𝑠 < 𝑞, pois 𝑠 ∈ 𝐴
e 𝑞 ∈ 𝐴𝑐. De 𝑞 < −𝑝, ao multiplicarmos por −1 obtemos 𝑝 < −𝑞, e somando 𝑠 nesta
desigualdade temos que 𝑠 + 𝑝 < 𝑠 − 𝑞. Ora, mas 𝑟 = 𝑠 + 𝑝 e como 𝑠 < 𝑞 segue que
𝑠 − 𝑞 < 0, portanto 𝑟 < 0 e assim 𝑟 ∈ 𝑍(0) donde 𝐴 + (⊖ 𝐴) ⊂ 𝑍(0). Para mostrar a
inclusão contrária, tomemos 𝑟 ∈ 𝑍(0) e assim 𝑟 < 0. Tomemos também 𝑠 ∈ 𝐴 e 𝑛 o
menor natural tal que 𝑠 −(𝑛 ∙ 𝑟)
2⁄ ∈ 𝐴𝑐. Desta forma, admitindo que:
𝑢 = 𝑠 −[(𝑛 − 1) ∙ 𝑟]
2⁄ ,
𝑡 = 𝑠 −(𝑛 ∙ 𝑟)
2⁄ ,
𝑞 = 𝑠 −[(𝑛 + 1) ∙ 𝑟]
2⁄ ,
podemos garantir que 𝑢 ∈ 𝐴 e 𝑡, 𝑞 ∈ 𝐴𝑐. Ainda é fácil ver que 𝑡 < 𝑞, que implica
−𝑞 ∈⊖𝐴. Também é fácil perceber que 𝑢 < 𝑞 e assim 𝑢 − 𝑞 < 0, mas 𝑢 ∈ 𝐴 e
−𝑞 ∈⊖𝐴, logo 𝑢 − 𝑞 ∈ 𝐴 + (⊖ 𝐴). Seja 𝑟 = 𝑢 − 𝑞, assim 𝑟 ∈ 𝐴 + (⊖ 𝐴) donde
𝑍(0) ⊂ 𝐴 + (⊖ 𝐴), portanto 𝐴 + (⊖ 𝐴) = 𝑍(0).
Observação 2.8: É fácil ver que se 𝑥 ∈ ℝ valem as afirmações abaixo:
a) 𝑥 = 0 ⟺ −𝑥 = 0;
29
b) 𝑥 ≠ 0 ⟺ −𝑥 ≠ 0;
c) 𝑥 ≥ 0 ⟺ −𝑥 ≤ 0;
d) 𝑥 > 0 ⟺ −𝑥 < 0.
São todas propriedades envolvendo os elementos neutro e oposto do
conjunto dos reais. Exibiremos a seguir estas mesmas condições ao conjunto dos
cortes, omitindo as demonstrações por serem consequências imediatas da definição.
Proposição 2.6: Seja 𝐴 ∈ Ω. Então, temos que:
a) 𝐴 = 𝑍(0) ⟺⊖𝐴 = 𝑍(0);
b) 𝐴 ≠ 𝑍(0) ⟺⊖𝐴 ≠ 𝑍(0);
c) 𝐴 ⊃ 𝑍(0) ⟺⊖𝐴 ⊂ 𝑍(0);
d) 𝐴 ⊇ 𝑍(0) ⟺⊖𝐴 ⊆ 𝑍(0).
Observação 2.9: Até esta etapa definimos e demonstramos propriedades
relativas à adição de cortes, mas como sabemos, tais propriedades não são
suficientes para caracterizar um corpo. Para prosseguir com o nosso objetivo de
construir um corpo vamos introduzir o produto de cortes, e a partir disto as suas
devidas propriedades. Inicialmente imitaremos a ideia definida na soma, que
consiste em multiplicar um elemento de um corte por outro elemento de outro corte,
porém, com uma ressalva, aplicaremos essa ideia apenas para os cortes 𝐴 ⊇ 𝑍(0)
(subjetivamente podemos entender como cortes positivos) e posteriormente
estenderemos aos demais cortes. Note que se tentássemos definir para qualquer
corte teríamos o seguinte problema: Considerando 𝐴 = 𝐵 = 𝑍(2), podemos tomar
1, −1 ∈ 𝐴 e 𝑟 < 0 ∈ 𝐵, e assim teríamos como resultado de possíveis produtos
−1 ∙ 𝑟 = −𝑟 e 1 ∙ 𝑟 = 𝑟, ou seja, teríamos um conjunto contendo 𝑟 e – 𝑟, mas esse
conjunto é ℚ, logo esse conjunto não seria um corte. Pois bem, feitas as necessárias
restrições, proporemos o seguinte corte:
Proposição 2.7: Sejam 𝐴, 𝐵 ∈ Ω tais que 𝑍(0) ⊂ 𝐴 e 𝑍(0) ⊂ 𝐵. O conjunto
𝐶 = {𝑟 ∈ ℚ; 𝑟 < 0 ou 𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞; 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵, 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0}
é corte.
Demonstração: Provemos as três condições para ser corte.
i) Da definição de 𝐶, claramente temos que −1 ∈ 𝐶 donde 𝐶 ≠ ∅. Mostremos
agora que 𝐶 ≠ ℚ. Sejam 𝑝0 ∈ 𝐴𝑐 e 𝑞0 ∈ 𝐵
𝑐, vamos supor que 𝑝0 ∙ 𝑞0 ∈ 𝐶, então
podemos garantir que existem 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵, 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0 tal que 𝑝 ∙ 𝑞 = 𝑝0 ∙ 𝑞0. Mas
como 𝑝0 ∈ 𝐴𝑐 e 𝑞0 ∈ 𝐵
𝑐 segue que 𝑝 < 𝑝0 e 𝑞 < 𝑞0. Pela monotonicidade da
30
multiplicação, multiplicaremos 𝑞 na primeira desigualdade e 𝑝0 na segunda, obtendo
assim 𝑝 ∙ 𝑞 < 𝑝0 ∙ 𝑞 e 𝑝0 ∙ 𝑞 < 𝑝0 ∙ 𝑞0 e pela transitividade dos racionais segue que
𝑝 ∙ 𝑞 < 𝑝0 ∙ 𝑞0, o que é absurdo por hipótese, pois supomos 𝑝 ∙ 𝑞 = 𝑝0 ∙ 𝑞0. Desta
forma concluímos que 𝑝0 ∙ 𝑞0 ∈ 𝐶𝑐 e assim 𝐶 ≠ ℚ.
ii) Seja 𝑟 ∈ 𝐶 e 𝑠 < 𝑟, queremos mostrar que 𝑠 ∈ 𝐶. Se 𝑠 < 0 é imediato que
𝑠 ∈ 𝐶, então suponhamos 𝑠 ≥ 0 e consequentemente 𝑟 > 0. Como 𝑟 > 0, pela
definição de 𝐶 existem 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵, 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0 tal que 𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞. Como 𝑟 é
estritamente maior que zero segue que 𝑝 também é. Tomemos 𝑡 = 𝑠 𝑝⁄ e assim
𝑠 = 𝑝 ∙ 𝑡. Mas por hipótese 𝑠 = 𝑝 ∙ 𝑡 < 𝑝 ⋅ 𝑞 = 𝑟, portanto 𝑡 < 𝑞 e como 𝐵 é corte 𝑡 ∈
𝐵, logo conseguimos 𝑠 = 𝑝 ∙ 𝑡 com 𝑝 ∈ 𝐴 e 𝑡 ∈ 𝐵, donde 𝑠 ∈ 𝐶.
iii) Seja 𝑟 ∈ 𝐶, vamos mostrar que existe 𝑠 ∈ 𝐶 tal que 𝑟 < 𝑠. Se 𝑟 < 0 basta
tomarmos 𝑠 = 𝑟 2⁄ e conseguimos 𝑟 < 𝑠. Digamos então que 𝑟 ≥ 0, isto implica que
𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞 com 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵, 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0. Como 𝐴 e 𝐵 são cortes, podemos admitir que
existem 𝑡 ∈ 𝐴 tal que 𝑝 < 𝑡 e 𝑢 ∈ 𝐵 tal que 𝑞 < 𝑢. Considerando 𝑝 < 𝑡 e 𝑞 < 𝑢, pela
monotonicidade da multiplicação, multiplicaremos a primeira por 𝑞 e a segunda por 𝑡
e assim obteremos 𝑝 ∙ 𝑞 < 𝑡 ∙ 𝑞 e 𝑡 ∙ 𝑞 < 𝑡 ∙ 𝑢, logo, pela transitividade segue que
𝑟 = 𝑝 ∙ 𝑞 < 𝑡 ∙ 𝑢. Tomemos 𝑠 = 𝑡 ∙ 𝑢 com 𝑡 ∈ 𝐴 e 𝑢 ∈ 𝐵, então 𝑠 ∈ 𝐶 e 𝑟 < 𝑠,
concluindo a demonstração.
Definição 2.6: Sejam 𝐴, 𝐵 ∈ Ω tais que 𝑍(0) ⊂ 𝐴 e 𝑍(0) ⊂ 𝐵. O corte 𝐶 dado
na proposição anterior será denotado por 𝐴⊙ 𝐵 e chamado produto ou multiplicação
de 𝐴 e 𝐵.
Observação 2.10: No conjunto dos reais o produto entre dois números
positivos é sempre positivo. Tal condição permanece válida também para os cortes.
Em outras palavras:
Dados 𝐴, 𝐵 ∈ Ω. Se 𝑍(0) ⊂ 𝐴 e 𝑍(0) ⊂ 𝐵 então 𝑍(0) ⊂ 𝐴⊙𝐵.
Observação 2.11: Após ter definido o produto de cortes subjetivamente
positivos estenderemos agora a definição para quaisquer tipos de cortes utilizando o
conceito de módulo. Inicialmente definiremos o módulo de um corte e a partir disto
definiremos o produto dos módulos de acordo com a regra dos sinais.
Definição 2.7: Dado 𝐴 ∈ Ω, o módulo de 𝐴 denotado por |𝐴| é definido por:
|𝐴| = {𝐴 𝑠𝑒 𝑍(0) ⊂ 𝐴,⊖ 𝐴 𝑠𝑒 𝐴 ⊊ 𝑍(0).
Definição 2.8: Sejam 𝐴, 𝐵 ∈ Ω. Definimos 𝐴⊙ 𝐵 por:
31
𝐴⊙ 𝐵 = {
|𝐴| ⊙ |𝐵| 𝑠𝑒 𝑍(0) ⊂ 𝐴 𝑒 𝑍(0) ⊂ 𝐵,⊖ (|𝐴| ⊙ |𝐵|) 𝑠𝑒 𝑍(0) ⊂ 𝐴 𝑒 𝐵 ⊊ 𝑍(0),⊖ (|𝐴| ⊙ |𝐵|) 𝑠𝑒 𝐴 ⊊ 𝑍(0) 𝑒 𝑍(0) ⊂ 𝐵,|𝐴| ⊙ |𝐵| 𝑠𝑒 𝐴 ⊊ 𝑍(0) 𝑒 𝐵 ⊊ 𝑍(0).
Observação 2.12: O próximo teorema vai nos mostrar que são válidas a
comutativa, associativa e elemento neutro para o produto de cortes. Vejamos:
Teorema 2.4: Sejam 𝐴, 𝐵, 𝐶 ∈ Ω. Temos que:
a) 𝐴⊙ 𝐵 = 𝐵⊙ 𝐴,
b) (𝐴 ⊙ 𝐵)⊙ 𝐶 = 𝐴⊙ (𝐵⊙ 𝐶),
c) 𝐴⊙ 𝑍(1) = 𝐴.
Demonstração: Primeiramente consideremos o caso 𝑍(0) ⊂ 𝐴 ∩ 𝐵 ∩ 𝐶.
a) Para provar a igualdade vamos mostrar que 𝐴⊙𝐵 ⊂ 𝐵⊙ 𝐴 e também
𝐵 ⊙𝐴 ⊂ 𝐴⊙ 𝐵. Seja 𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝐵, se 𝑟 < 0, pela própria definição já concluímos que
𝑟 ∈ 𝐵 ⊙ 𝐴, suponhamos então 𝑟 ≥ 0 e assim 𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞; 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐵, 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0.
Como 𝑝 e 𝑞 são racionais vale a comutatividade e então podemos escrever 𝑟 = 𝑞 ⋅ 𝑝,
com 𝑞 ∈ 𝐵, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ≥ 0, 𝑝 ≥ 0 e com isso 𝑟 ∈ 𝐵 ⊙ 𝐴 e mostramos 𝐴⊙𝐵 ⊂ 𝐵⊙ 𝐴.
Analogamente provamos a inclusão contrária.
b) Seja 𝑟 ∈ (𝐴⊙ 𝐵)⊙ 𝐶, novamente se 𝑟 < 0, pela própria definição
concluímos que 𝑟 ∈ 𝐴⊙ (𝐵 ⊙ 𝐶). Supondo 𝑟 ≥ 0 temos que 𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞; 𝑝 ∈ 𝐴⊙ 𝐵,
𝑞 ∈ 𝐶, 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0. Sabendo que 𝑝 ∈ 𝐴⊙ 𝐵, então 𝑝 = 𝑠 ⋅ 𝑡, 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑡 ∈ 𝐵, 𝑠 ≥ 0, 𝑡 ≥ 0 e
assim podemos reescrever 𝑟 = (𝑠 ⋅ 𝑡) ⋅ 𝑞 e pela associatividade dos racionais
𝑟 = 𝑠 ⋅ (𝑡 ⋅ 𝑞) com 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑡 ⋅ 𝑞 ∈ 𝐵 ⊙ 𝐶, 𝑠 ≥ 0, 𝑡 ⋅ 𝑞 ≥ 0, desta forma 𝑟 ∈ 𝐴⊙ (𝐵 ⊙ 𝐶)
portanto (𝐴⊙ 𝐵)⊙ 𝐶 ⊂ 𝐴⊙ (𝐵⊙ 𝐶). Analogamente provamos a inclusão contrária.
c) Para mostrar o item c lembremos que 𝑍(0) ⊂ 𝑍(1) e então tomemos
𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝑍(1). Se 𝑟 < 0 sabemos que 𝑟 ∈ 𝑍(0) e 𝑍(0) ⊂ 𝐴, logo 𝑟 ∈ 𝐴. Suponhamos
𝑟 ≥ 0, logo 𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞; 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝑍(1), 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0. Como 𝑞 ∈ 𝑍(1) temos 𝑞 < 1 e pela
monotonicidade do produto multiplicaremos 𝑝 na desigualdade conseguindo
𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞 < 𝑝 ⋅ 1 = 𝑝 e assim, como 𝐴 é corte segue que 𝑟 ∈ 𝐴, portanto 𝐴⊙ 𝑍(1) ⊂
𝐴. Seja agora 𝑟 ∈ 𝐴, se 𝑟 < 0 pela definição 𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝑍(1). Sendo 𝑟 ≥ 0 tomemos
𝑝 ∈ 𝐴 tal que 0 ≤ 𝑟 < 𝑝. Seja 𝑞 = 𝑟 𝑝⁄ , claramente a razão 𝑟 𝑝⁄ estará num intervalo
[0,1) e assim 𝑞 ∈ 𝑍(1) e ainda 𝑞 ≥ 0. Como 𝑞 = 𝑟 𝑝⁄ temos que 𝑟 = 𝑝 ⋅ 𝑞, sendo que
𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝑍(1), 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0, logo 𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝑍(1). Disto segue que 𝐴 ⊂ 𝐴⊙ 𝑍(1) e
portanto 𝐴⊙ 𝑍(1) = 𝐴.
32
O caso geral pode ser obtido como uma extensão natural do caso já
demonstrado. Vamos ilustrar tal afirmação demonstrando o caso particular 𝐴 ⊊
𝑍(0) ⊂ 𝐵 e 𝑍(0) ⊂ 𝐶.
Neste caso, segue da definição 2.8, item a) do teorema 2.4 e novamente da
definição 8 que:
a) 𝐴⊙ 𝐵 =⊖ (|𝐴|⊙ |𝐵|) =⊖ (|𝐵|⊙ |𝐴|) = 𝐵 ⊙ 𝐴.
De modo análogo, segue da definição 8, item b) do teorema 4 e novamente
da definição 8 que:
b) (𝐴⊙ 𝐵)⊙ 𝐶 =⊖ [(|𝐴| ⊙ |𝐵|)⊙ 𝐶] =⊖ [|𝐴| ⊙ (|𝐵|⊙ 𝐶)] = 𝐴⊙ (𝐵⊙ 𝐶).
Por fim, novamente segue da definição 8, item a) do teorema 4 e novamente
da definição 8 que:
c) 𝐴⊙ 𝑍(1) =⊖ (|𝐴| ⊙ 𝑍(1)) =⊖ |𝐴| = 𝐴.
Todos os demais casos podem ser obtidos de modo análogo, usando a
definição 8 e o caso que foi demonstrado inicialmente.
Observação 2.13: A seguir vamos propor a existência do corte inverso. A
ideia é fazer a mesma análise de quando definimos o corte oposto, e assim, tendo
que A= (−∞, 𝑎), podemos imaginar que o corte inverso será do tipo 𝐵 = (−∞, 1 𝑎⁄ ),
sendo que 𝑎 ≠ 0. Claramente vemos que 𝑝 ∈ 𝐵 ⟺ 𝑝−1 ∈ 𝐴𝑐 pois, pela definição de
corte 𝑝 ∈ 𝐵 se 𝑝 < 1 𝑎⁄ , mas invertendo a desigualdade temos que 𝑎 < 1 𝑝⁄ = 𝑝−1, o
que garante 𝑝−1 ∈ 𝐴𝑐. Como 𝐴𝑐 é fechado em 𝑎 e os cortes devem ser abertos
vamos impor que 𝑝−1 não poderá ser mínimo de 𝐴𝑐.
Proposição 2.8: Seja 𝐴 ∈ Ω tal que 𝑍(0) ⊊ 𝐴. O conjunto
𝐵 = {𝑝 ∈ ℚ; 𝑝 ≤ 0 ou 𝑝−1 ∈ 𝐴𝑐 e existe 𝑞 ∈ 𝐴𝑐 tal que 𝑞 < 𝑝−1}
é corte.
Demonstração: Provemos que 𝐵 satisfaz as condições para ser corte.
Comecemos mostrando i.
i) Pela definição, claramente −1 ∈ 𝐵, pois −1 < 0 e assim 𝐵 ≠ ∅. Tomando
𝑝 ∈ 𝐴 tal que 𝑝 > 0 temos que 𝑝−1 = 1 𝑝⁄ ∈ 𝐵𝑐, pois 𝐵 é aberto em 1 𝑝⁄ . Sendo assim,
𝐵𝑐 ≠ ∅ e portanto 𝐵 ≠ ℚ.
ii) Seja 𝑝 ∈ 𝐵 e 𝑞 < 𝑝, queremos mostrar que 𝑞 ∈ 𝐵. Pela definição, se 𝑞 ≤ 0
claramente 𝑞 ∈ 𝐵. Suponhamos 𝑞 > 0, portanto é certo que 𝑝 > 𝑞 > 0. Considerando
𝑝 > 𝑞 os inversos satisfazem 1 𝑝⁄ < 1 𝑞⁄ , que é o mesmo que 𝑝−1 < 𝑞−1. Como 𝑝 ∈ 𝐵,
33
sabemos que 𝑝−1 ∈ 𝐴𝑐 e assim, como 𝑝−1 < 𝑞−1 segue que 𝑞−1 ∈ 𝐴𝑐, e como 𝑞−1
não é mínimo de 𝐴𝑐 temos que o seu inverso pertence à 𝐵, logo 𝑞 ∈ 𝐵.
iii) Seja 𝑝 ∈ 𝐵, mostremos que existe 𝑞 ∈ 𝐵 tal que 𝑝 < 𝑞. Novamente se
𝑝 < 𝑞 e 𝑞 ≤ 0, pela definição 𝑞 ∈ 𝐵. Supondo 0 < 𝑝 < 𝑞, como 𝑝 ∈ 𝐵, pela definição
𝑝−1 ∈ 𝐴𝑐 𝑒 ∃𝑟 ∈ 𝐴𝑐 𝑡𝑞 𝑟 < 𝑝−1. Agora, seja 𝑠 =(𝑟 + 𝑝−1)
2⁄ , claramente 𝑠 está no
intervalo (𝑟, 𝑝−1), logo 𝑟 < 𝑠 < 𝑝−1, o que implica 𝑠 ∈ 𝐴𝑐. Como 𝑠 ∈ 𝐴𝑐 e não é
mínimo do conjunto temos que 𝑠−1 ∈ 𝐵. Temos também que, como 𝑠 < 𝑝−1, vale a
inversão e 𝑝 < 𝑠−1. Deste modo, seja 𝑞 = 𝑠−1, logo temos 𝑞 ∈ 𝐵 e 𝑝 < 𝑞.
Definição 2.9: Seja 𝐴 ∈ Ω tal que 𝐴 ≠ 𝑍(0). Se 𝑍(0) ⊊ 𝐴 dizemos que o
corte 𝐵 da proposição anterior é denotado 𝐴⊖1 e chamado inverso de 𝐴. Se 𝐴 ⊊
𝑍(0) então definimos 𝐴⊖1 =⊖ (|𝐴|⊖1).
Teorema 2.5: Seja 𝐴 ∈ Ω tal que 𝐴 ≠ 𝑍(0). Temos 𝐴⊙ 𝐴⊖1 = 𝑍(1).
Demonstração: Primeiramente verifiquemos para o caso 𝑍(0) ⊊ 𝐴. Seja
𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝐴⊖1, mostremos que 𝑟 ∈ 𝑍(1). Se 𝑟 < 0 é óbvio que 𝑟 ∈ 𝑍(1), suponhamos
então 𝑟 > 0, logo existem 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑝 ∈ 𝐴⊖1 e 𝑞 ∈ 𝐴𝑐 tal que 𝑟 = 𝑠 ∙ 𝑝, de modo que
𝑠 > 0, 𝑞 > 0 e 𝑞 < 𝑝−1. Disto, observemos que se 𝑠 ∈ 𝐴 e 𝑞 ∈ 𝐴𝑐 claramente 𝑠 < 𝑞 e
de 𝑞 < 𝑝−1, invertendo, obtemos 𝑝 < 𝑞−1. Agora, multiplicando 𝑞−1 em 𝑠 < 𝑞 e 𝑠 em
𝑝 < 𝑞−1 chegamos que
𝑠 ∙ 𝑞−1 < 𝑞 ∙ 𝑞−1 e 𝑠 ∙ 𝑝 < 𝑠 ∙ 𝑞−1
e, comparando as desigualdades observamos que 𝑠 ∙ 𝑝 < 𝑠 ∙ 𝑞−1 < 𝑞 ∙ 𝑞−1, que é o
mesmo que 𝑟 < 𝑠 ∙ 𝑞−1 < 1, portanto 𝑟 ∈ 𝑍(1). Tomemos agora 𝑟 ∈ 𝑍(1) e mostremos
que 𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝐴⊖1. Para este caso devemos considerar três situações: 𝑟 < 0, 𝑟 = 0 e
𝑟 > 0. Se 𝑟 < 0, pela definição 𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝐴⊖1. Se 𝑟 = 0, como 𝑍(0) ⊊ 𝐴 segue que
0 ∈ 𝐴 e 0 ∈ 𝐴⊖1, assim 𝑟 = (0 ∙ 0) ∈ 𝐴 ⊙ 𝐴⊖1. Sendo 𝑟 > 0, como 𝑟 ∈ 𝑍(1) então
𝑟 < 1. Seja 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑠 > 0 e 𝑛 o menor natural tal que 𝑠 ∙ (𝑟−1)𝑛 ∈ 𝐴𝑐 (podemos garantir
a existência de 𝑛 pelo fato de 𝑟 < 1, que implica 𝑟−1 > 1). Tomemos 𝑝1 = 𝑠 ∙ (𝑟−1)𝑛−1
e 𝑡 = 𝑠 ∙ (𝑟−1)𝑛. A forma como escolhemos 𝑛 nos permite afirmar que 𝑝1 ∈ 𝐴 e 𝑡 ∈ 𝐴𝑐.
Agora, seja 𝑝 ∈ 𝐴 tal que 𝑝1 < 𝑝 e tomemos 𝑞 = 𝑡−1 ∙ 𝑝−1 ∙ 𝑝1. Invertendo a
expressão chegamos que 𝑞−1 = 𝑡 ∙ 𝑝 ∙ 𝑝1−1 e, como 𝑝1 < 𝑝 ⟹ 𝑝−1 ∙ 𝑝1 < 1,
concluímos que 𝑡 < 𝑡 ∙ 𝑝 ∙ 𝑝1−1 = 𝑞−1, desta forma 𝑞−1 ∈ 𝐴𝑐 e, como não é mínimo
segue que 𝑞 ∈ 𝐴⊖1. Assim, tomando 𝑝 ∈ 𝐴 e 𝑞 ∈ 𝐴⊖1 observemos que:
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𝑝 ∙ 𝑞 = 𝑝 ∙ 𝑡−1 ∙ 𝑝−1 ∙ 𝑝1⏟ 𝑞
= (𝑝 ∙ 𝑝−1)⏟ 1
∙ 𝑡−1 ∙ 𝑝1 =
= 𝑠−1 ∙ 𝑟𝑛⏟ 𝑡−1
∙ 𝑠 ∙ (𝑟−1)𝑛−1⏟ 𝑝1
= (𝑠−1 ∙ 𝑠)⏟ 1
∙ 𝑟𝑛 ∙ (𝑟−1)𝑛−1 =
= 𝑟𝑛 ∙ (𝑟−1)𝑛−1 = 𝑟𝑛 ∙ 𝑟(−𝑛+1) = 𝑟(𝑛−𝑛+1) = 𝑟1 = 𝑟.
portanto concluímos que 𝑟 ∈ 𝐴⊙ 𝐴⊖1.
Verifiquemos agora para o caso 𝐴 ⊊ 𝑍(0). É trivial que 𝐴⊖1 ⊊ 𝑍(0), assim
obtemos da Definição 8, Definição 9 e da primeira parte da demonstração que:
𝐴⊙ 𝐴⊖1 = |𝐴| ⊙ |𝐴⊖1| = |𝐴| ⊙ |⊖ (|𝐴|⊖1)| = |𝐴| ⊙ |𝐴|⊖1 = 𝑍(1).
Observação 2.14: Com a existência do corte inverso e o teorema 2.5
concluímos que o conjunto Ω possui elemento inverso multiplicativo. Sendo assim,
para dizermos que Ω é corpo resta-nos provar a distributividade do produto perante a
soma, que será o assunto do próximo teorema.
Teorema 2.6: Sejam 𝐴, 𝐵, 𝐶 ∈ Ω. Temos que
(𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶 = (𝐴⊙ 𝐶)⊕ (𝐵 ⊙ 𝐶).
Demonstração: Consideremos 𝑍(0) ⊂ 𝐴 ∩ 𝐵 ∩ 𝐶. Seja 𝑟 ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶,
vamos mostrar que 𝑟 ∈ (𝐴⊙ 𝐶)⊕ (𝐵 ⊙ 𝐶). Primeiramente, pelas proposições 4 e 7
respectivamente, sabemos que se 𝑍(0) ⊂ 𝐴 ∩ 𝐵 então 𝑍(0) ⊂ 𝐴⊕ 𝐵 e 𝑍(0) ⊂ 𝐴⊙ 𝐵
e disto podemos concluir que 𝑍(0) ⊂ (𝐴⊙ 𝐶)⊕ (𝐵 ⊙ 𝐶), portanto, se 𝑟 < 0 não há
o que demonstrar. Vejamos então o caso 𝑟 ≥ 0. Podemos supor sem perda de
generalidade 𝑟 > 0, pois se 𝑟 pertencer ao corte o elemento 0 também pertencerá.
Sendo assim, 𝑟 ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶 implica que
𝑟 = 𝑝 ∙ 𝑞, 𝑝 ∈ (𝐴⊕ 𝐵), 𝑞 ∈ 𝐶, 𝑝 > 0, 𝑞 > 0,
por outro lado 𝑝 ∈ (𝐴⊕𝐵) implica que
𝑝 = 𝑠 + 𝑡, 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑡 ∈ 𝐵,
donde 𝑟 = (𝑠 + 𝑡) ∙ 𝑞 = 𝑠 ∙ 𝑞 + 𝑡 ∙ 𝑞. Por estas informações, devemos mostrar que
𝑠 ∙ 𝑞 ∈ 𝐴 ⊙ 𝐶 e 𝑡 ∙ 𝑞 ∈ 𝐵 ⊙ 𝐶. No primeiro caso, se 𝑠 ∙ 𝑞 < 0 então 𝑠 ∙ 𝑞 ∈ 𝑍(0) e já
vimos na Observação 2.10 que 𝑍(0) ⊂ 𝐴⊙ 𝐶, mas se 𝑠 ∙ 𝑞 ≥ 0, como 𝑞 > 0 então
𝑠 ≥ 0, e assim conseguimos 𝑠 ∙ 𝑞 tal que 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐶, 𝑠 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0, logo 𝑠 ∙ 𝑞 ∈ 𝐴 ⊙ 𝐶.
De modo exatamente análogo mostramos 𝑡 ∙ 𝑞 ∈ 𝐵 ⊙ 𝐶, logo 𝑟 = 𝑠 ∙ 𝑞 + 𝑡 ∙ 𝑞, onde
𝑠 ∙ 𝑞 ∈ 𝐴 ⊙ 𝐶 e 𝑡 ∙ 𝑞 ∈ 𝐵 ⊙ 𝐶 e portanto 𝑟 ∈ (𝐴⊙ 𝐶)⊕ (𝐵 ⊙ 𝐶). Agora, tomemos
𝑟 ∈ (𝐴⊙ 𝐶)⊕ (𝐵 ⊙ 𝐶) e provemos que 𝑟 ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶. Novamente, pelos
mesmos motivos do caso anterior, se 𝑟 ≤ 0 não há o que demonstrar. Vejamos então
para 𝑟 > 0, neste caso, 𝑟 ∈ (𝐴⊙ 𝐶)⊕ (𝐵 ⊙ 𝐶) significa que 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈
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(𝐴⊙ 𝐶), 𝑞 ∈ (𝐵 ⊙ 𝐶). Como 𝑟 > 0, claramente 𝑝 > 0 ou 𝑞 > 0. Vamos admitir 𝑝 > 0.
Como 𝑝 ∈ (𝐴⊙ 𝐶) temos que 𝑝 = 𝑠 ∙ 𝑡, 𝑠 ∈ 𝐴, 𝑡 ∈ 𝐶, 𝑠 > 0, 𝑡 > 0. Para 𝑞 teremos três
situações: 𝑞 > 0, 𝑞 = 0 e 𝑞 < 0. Vejamos cada uma delas.
Se 𝑞 > 0, de 𝑞 ∈ (𝐵 ⊙ 𝐶) sabemos que existem 𝑢 ∈ 𝐵, 𝑣 ∈ 𝐶, 𝑢 > 0, 𝑣 > 0 tal
que 𝑞 = 𝑢 ∙ 𝑣. Supondo sem perda de generalidade 𝑣 ≤ 𝑡 (considerar 𝑡 ≤ 𝑣 é
análogo), temos 𝑟 = 𝑠 ∙ 𝑡 + 𝑢 ∙ 𝑣, ou seja, 𝑟 = (𝑠 + 𝑢 ∙ 𝑣 𝑡⁄ ) ∙ 𝑡. Observemos que
𝑣 ≤ 𝑡 ⟹ 𝑣𝑡⁄ ≤ 1 ⟹ 𝑢 ∙ 𝑣
𝑡⁄ ≤ 𝑢 ⟹ 𝑢 ∙ 𝑣𝑡⁄ ∈ 𝐵.
Assim obtemos
𝑟 = ( 𝑠⏟∈𝐴
+ 𝑢 ∙ 𝑣 𝑡⁄⏟ ∈𝐵
) ∙ 𝑡⏟∈𝐶
,
portanto 𝑟 ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶.
Se 𝑞 = 0, tomemos 𝑞′ ∈ (𝐵 ⊙ 𝐶) tal que 0 = 𝑞 < 𝑞′. Como 𝑟 = 𝑝 + 𝑞 é fácil
ver que 𝑟 < 𝑝 + 𝑞′. Neste caso temos 𝑝 ∈ (𝐴⊙ 𝐶), 𝑞′ ∈ (𝐵 ⊙ 𝐶), 𝑝 > 0, 𝑞′ > 0 e pelo
caso anterior (𝑞 > 0), (𝑝 + 𝑞′) ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶, logo, como 𝑟 < 𝑝 + 𝑞′ segue que
𝑟 ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶.
Se 𝑞 < 0, sabemos que 𝑟 = 𝑝 + 𝑞 = 𝑠 ∙ 𝑡 + 𝑞 e deixando 𝑡 em evidência
escrevemos 𝑟 = (𝑠 + 𝑞 ∙ 𝑡−1) ∙ 𝑡. Sabemos ainda que 𝑠 > 0, 𝑡 > 0 e como 𝑞 < 0 segue
que 𝑞 ∙ 𝑡−1 < 0 e assim 𝑞 ∙ 𝑡−1 ∈ 𝐵. Desta forma conseguimos
𝑟 = ( 𝑠⏟∈𝐴
+ 𝑞 ∙ 𝑡−1⏟ ∈𝐵
) ∙ 𝑡⏟∈𝐶
,
portanto 𝑟 ∈ (𝐴⊕ 𝐵)⊙ 𝐶.
Os casos em que não vale 𝑍(0) ⊂ 𝐴 ∩ 𝐵 ∩ 𝐶 são tratados de forma análoga
ou são consequências do que acabamos de demonstrar.
Observação 2.15: Conseguimos enfim mostrar que (Ω,⊕,⊙) ( entendemos
esta notação como o conjunto dos cortes com as operações soma e produto
estabelecidas) é um corpo. Também mostramos no teorema 1 que a relação de
inclusão ⊂ é uma relação de ordem total em Ω. No próximo teorema vamos
estabelecer a monotonicidade das operações em Ω, e assim chegaremos que
(Ω,⊕,⊙,⊂) é um corpo ordenado.
Teorema 2.7: Sejam 𝐴, 𝐵, 𝐶 ∈ Ω. Temos:
a) Se 𝐴 ⊂ 𝐵 ⟹ 𝐴⊕ 𝐶 ⊂ 𝐵⊕ 𝐶,
b) Se 𝐴 ⊂ 𝐵 𝑒 𝑍(0) ⊂ 𝐶 ⟹ 𝐴⊙𝐶 ⊂ 𝐵⊙ 𝐶,
c) Se 𝐴 ⊂ 𝐵 𝑒 𝐶 ⊂ 𝑍(0) ⟹ 𝐵⊙𝐶 ⊂ 𝐴⊙ 𝐶.
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Demonstração: a) Lembremos que 𝐴 ⊂ 𝐵 significa que para todo 𝑝 ∈ 𝐴
temos 𝑝 ∈ 𝐵. Deste modo, seja 𝑟 ∈ 𝐴⊕ 𝐶, então 𝑟 = 𝑝 + 𝑞, 𝑝 ∈ 𝐴, 𝑞 ∈ 𝐶. Como por
hipótese 𝑝 ∈ 𝐵, segue que 𝑟 = 𝑝⏟∈𝐵
+ 𝑞⏟∈𝐶
, portanto 𝑟 ∈ 𝐵 ⊕ 𝐶, e assim 𝐴⊕ 𝐶 ⊂ 𝐵⊕ 𝐶.
b) Para mostrar o item b), consideremos 𝐶 =⊖𝐴, substituindo no item a),
obtemos
𝐴⊕ 𝐶 ⊂ 𝐵⊕ 𝐶 ⟹ 𝐴⊕ (⊖𝐴)⏟ 𝑍(0)
⊂ 𝐵 ⊕ (⊖𝐴) ⟹ 𝑍(0) ⊂ 𝐵 ⊕ (⊖𝐴).
Para prosseguirmos, recordemos da Observação 2.10 que se 𝑍(0) está
contido na interseção de dois cortes também estará no produto entre eles, assim,
temos que 𝑍(0) ⊂ 𝐵 ⊕ (⊖ 𝐴) e por hipótese de b, 𝑍(0) ⊂ 𝐶, logo 𝑍(0) ⊂ (𝐵 ⊕
(⊖𝐴)) ⊙ 𝐶. Aplicando a distributividade obtemos 𝑍(0) ⊂ (𝐵 ⊙ 𝐶)⊕ ((⊖ 𝐴)⊙ 𝐶);
somando 𝐴⊙ 𝐶 obtemos
(𝐴⊙ 𝐶)⊕ 𝑍(0) ⊂ (𝐵 ⊙ 𝐶)⊕ ((⊖ 𝐴)⊙ 𝐶)⊕ (𝐴⊙ 𝐶)⏟ 𝑍(0)
.
Assim
(𝐴⊙ 𝐶)⊕ 𝑍(0)⏟ (𝐴⊙𝐶)
⊂ (𝐵 ⊙ 𝐶)⊕ 𝑍(0)⏟ (𝐵⊙𝐶)
portanto concluímos que 𝐴⊙ 𝐶 ⊂ 𝐵 ⊙ 𝐶.
c) Consideremos agora 𝐶 =⊖𝐵. Novamente substituindo no item a)
obtemos
𝐴⊕ 𝐶 ⊂ 𝐵⊕ 𝐶 ⟹ 𝐴⊕ (⊖𝐵) ⊂ 𝐵 ⊕ (⊖𝐵)⏟ 𝑍(0)
⟹ 𝐴⊕ (⊖ 𝐵) ⊂ 𝑍(0),
e pelo enunciado de c temos 𝐶 ⊂ 𝑍(0). Pelo item c) da Proposição 2.6, (𝐴 ⊃ 𝑍(0) se
e somente se ⊖𝐴 ⊂ 𝑍(0)) um corte contém 𝑍(0) se, e somente se, o seu oposto
está contido em 𝑍(0). Observemos que por tal proposição, como 𝐴⊕ (⊖𝐵) ⊂ 𝑍(0)
segue que 𝑍(0) ⊂⊖ (𝐴⊕ (⊖ 𝐵)) = (⊖ 𝐴⊕ 𝐵) e como 𝐶 ⊂ 𝑍(0) então 𝑍(0) ⊂⊖ 𝐶.
Note que temos 𝑍(0) ⊂ (⊖ 𝐴⊕𝐵) e 𝑍(0) ⊂⊖ 𝐶, logo, novamente pela proposição 7
temos que 𝑍(0) ⊂ (⊖ 𝐴⊕𝐵)⊙ (⊖ 𝐶), ou seja, 𝑍(0) ⊂ (𝐴⊙ 𝐶)⊖ ( 𝐵 ⊙ 𝐶);
somando 𝐵 ⊙ 𝐶 obtemos
𝑍(0) ⊕ 𝐵⊙ 𝐶⏟ 𝐵⊙𝐶
⊂ (𝐴⊙ 𝐶)⊖ ( 𝐵 ⊙ 𝐶)⊕ 𝐵⊙ 𝐶⏟ 𝑍(0)⏟
𝐴⊙𝐶
e assim concluímos que 𝐵 ⊙ 𝐶 ⊂ 𝐴⊙𝐶.
Observação 2.16: Conseguimos até aqui mostrar que (Ω,⊕,⊙,⊂) é um
corpo ordenado. Lembro aqui que o que difere os racionais dos reais é a
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completude, isto é, intuitivamente podemos pensar que o conjunto dos reais é capaz
de completar a reta, enquanto que os racionais não conseguem tal feito. Sendo
assim, devemos mostrar que o conjunto dos cortes é completo. Como definimos na
página 22, para um conjunto ser completo todos os seus subconjuntos não vazios,
limitados superiormente devem ter supremo. Vamos admitir então a ideia de
subconjuntos limitados em (Ω,⊕,⊙,⊂), assim um conjunto Γ ⊂ Ω é limitado
superiormente pela cota superior 𝑆 ∈ Ω se 𝐴 ⊂ S para todo 𝐴 ∈ Γ. A partir disto
definiremos o supremo de um corte.
Definição 2.10: Seja Γ ⊂ Ω não vazio. Se existir 𝑆 ∈ Ω que seja a menor cota
superior de Γ, isto é:
a) 𝐴 ⊂ S para todo 𝐴 ∈ Γ;
b) Se 𝑅 é cota superior de Γ, então 𝑆 ⊂ 𝑅;
então dizemos que 𝑆 é supremo ( finito ) de Γ, e escrevemos 𝑠𝑢𝑝Γ = S. Quando Γ é
ilimitado superiormente ( não existe cota superior para Γ ) dizemos que o supremo
de Γ é mais infinito e escrevemos 𝑠𝑢𝑝Γ = +∞.
Exemplo 2.1: Seja Γ = {𝐴 ∈ Ω; 𝐴 ⊂ 𝑍(0)}, podemos observar que qualquer
𝑍(𝑝), 𝑝 ≥ 0 é cota superior de Γ, pois teremos 𝐴 ⊂ 𝑍(0) ⊂ 𝑍(𝑝). Pelo mesmo motivo
é possível concluir que 𝑍(0) é a menor das cotas superiores, portanto 𝑍(0) = 𝑠𝑢𝑝Γ.
Teorema 2.8: O corpo ordenado (Ω,⊕,⊙,⊂) é completo, isto é, todo
subconjunto de Ω não vazio e limitado superiormente tem supremo finito.
Demonstração: Seja Γ ⊂ Ω não vazio e limitado superiormente, e seja 𝑆 a
união de todos os elementos de Γ, isto é,
𝑆 =⋃𝐴
𝐴∈Γ
É óbvio que para todo 𝐴 ∈ Γ temos que 𝐴 ⊂ S, e também que 𝑆 ⊂ 𝑀 sempre
que 𝑀 ∈ Ω é cota superior de Γ. Assim, precisamos verificar que 𝑆 é corte para
concluir que 𝑠𝑢𝑝Γ = S, e com isso, mostrar que (Ω,⊕,⊙,⊂) é completo. Provemos
então as três condições para que 𝑆 seja corte.
i) Como 𝑀 é corte sabemos que 𝑀 ≠ ∅ e 𝑀 ≠ ℚ. 𝑀 ser cota superior
significa 𝑆 ⊂ 𝑀, logo 𝑆 ≠ ∅. De 𝑆 ⊂ 𝑀 temos que 𝑀𝑐 ⊂ 𝑆𝑐, portanto 𝑆𝑐 ≠ ∅ e 𝑆 ≠ ℚ.
ii) Se 𝑝 ∈ 𝑆 e 𝑟 < 𝑝 então devemos mostrar que 𝑟 ∈ 𝑆. De fato, 𝑝 ∈ 𝑆 significa
que ∃𝐴 ∈ Γ tal que 𝑝 ∈ 𝐴. Como 𝐴 é corte, se 𝑟 < 𝑝 então 𝑟 ∈ 𝐴, e 𝐴 ⊂ S, portanto
𝑟 ∈ 𝑆.
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iii) Se 𝑝 ∈ 𝑆, mostremos que existe 𝑞 ∈ 𝑆 tal que 𝑝 < 𝑞. Novamente, 𝑝 ∈ 𝑆
significa que ∃𝐴 ∈ Γ tal que 𝑝 ∈ 𝐴. Como 𝐴 é corte já sabemos que existe 𝑞 ∈ 𝐴 tal
que 𝑝 < 𝑞, logo se 𝑞 ∈ 𝐴 e 𝐴 ⊂ S então 𝑞 ∈ 𝑆, portanto 𝑆 é corte e 𝑠𝑢𝑝Γ = S.
Assim mostramos que todo subconjunto de Ω não vazio e limitado
superiormente tem supremo finito, e portanto, o conjunto dos cortes é um corpo
ordenado completo. Faremos agora algumas mudanças de notações, chamaremos
um corte de número real, trocaremos Ω por ℝ, ⊕ por +, ⊙ por ⋅ e ⊂ por ≤, assim
obtemos o que conhecemos por conjunto dos números reais, indicado por (ℝ,+,⋅, ≤).
Também trocamos 𝑍(0) por 0 e 𝑍(1) por 1.
Para concluir, observemos que rigorosamente falando, como definimos
cortes a partir de ℚ, podemos pensar que os cortes, ou agora, conjunto dos números
reais, é um subconjunto dos racionais. Vamos acabar com essa possibilidade
mostrando que a função 𝑍
𝑍:ℚ ⟼ Ω
𝑟 ⟼ 𝑍(𝑟)
da definição 2.2 é injetiva, e através dela passamos de um número racional 𝑟 à um
número real 𝑍(𝑟).
Proposição 2.9: A função 𝑍 é injetiva. Além disto 𝑍 é um homomorfismo de
corpo ordenado, isto é, para todo 𝑝, 𝑞 ∈ ℚ temos:
a) 𝑝 ≤ 𝑞 ⟺ 𝑍(𝑝) ⊂ 𝑍(𝑞);
b) 𝑍(𝑝 + 𝑞) = 𝑍(𝑝)⊕ 𝑍(𝑞);
c) 𝑍(𝑝 ⋅ 𝑞) = 𝑍(𝑝)⊙ 𝑍(𝑞).
Demonstração: A injetividade de 𝑍 e a propriedade a) são triviais, portanto
mostraremos os itens b) e c).
b) Se 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝 + 𝑞) então 𝑟 < 𝑝 + 𝑞. Vamos considerar
𝑟 = (𝑝 +(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)
2⁄ ) + (𝑞 +
(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)2⁄ ).
Sabendo que 𝑟 < 𝑝 + 𝑞, segue que 𝑟 − (𝑝 + 𝑞) < 0, e 𝑟 − 𝑝 − 𝑞 < 0; e assim
(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)2⁄ < 0, logo, somando 𝑝 obtemos 𝑝 +
(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)2⁄ < 𝑝, portanto
𝑝 +(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)
2⁄ ∈ 𝑍(𝑝). Analogamente concluímos que 𝑞 +
(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)2⁄ ∈ 𝑍(𝑞), e
assim chegamos que
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𝑟 = (𝑝 +(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)
2⁄ ) + (𝑞 +
(𝑟 − 𝑝 − 𝑞)2⁄ ) ∈ 𝑍(𝑝) ⊕ 𝑍(𝑞).
Tomemos agora 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝)⊕ 𝑍(𝑞), assim 𝑟 = 𝑠 + 𝑡, 𝑠 ∈ 𝑍(𝑝), 𝑡 ∈ 𝑍(𝑞). Desta forma
𝑠 ∈ 𝑍(𝑝) ⟹ 𝑠 < 𝑝, 𝑡 ∈ 𝑍(𝑞) ⟹ 𝑡 < 𝑞, logo, 𝑟 = 𝑠 + 𝑡 < 𝑝 + 𝑞, portanto 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝 + 𝑞).
Observe que tomando 𝑞 = −𝑝 temos que 𝑍(𝑝 + 𝑞) = 𝑍(𝑝)⊕ 𝑍(𝑞) ⟹
𝑍(𝑝 − 𝑝) = 𝑍(𝑝)⊕ 𝑍(−𝑝) ⟹ 𝑍(0) = 𝑍(𝑝) ⊕ 𝑍(−𝑝). Somando ⊖𝑍(𝑝) neste último
resultado obtemos
𝑍(0) ⊕ (⊖ 𝑍(𝑝))⏟ ⊖𝑍(𝑝)
= (⊖ 𝑍(𝑝))⊕ 𝑍(𝑝)⏟ 𝑍(0)
⊕𝑍(−𝑝)
⏟ 𝑍(−𝑝)
,
assim podemos concluir que ⊖𝑍(𝑝) = 𝑍(−𝑝).
c) Suponhamos 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0 tal que 𝑍(0) ⊂ 𝑍(𝑝) ∩ 𝑍(𝑞). Se 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝 ⋅ 𝑞)
então 𝑟 < (𝑝 ⋅ 𝑞). Se 𝑟 < 0, como 𝑝 ≥ 0, 𝑞 ≥ 0 é imediato que 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝)⊙ 𝑍(𝑞).
Supondo 𝑟 ≥ 0 deveremos ter 𝑝 > 0 e 𝑞 > 0. Tomando 𝑠 =(𝑟 + 𝑝 ⋅ 𝑞)
2⁄ , facilmente
vemos que 𝑠 está num intervalo 𝑟 < 𝑠 < 𝑝 ⋅ 𝑞. Agora, tomemos 𝑟 = (𝑝 ⋅ 𝑟
𝑠⁄ ) ⋅
(𝑞 ⋅ 𝑠
𝑝 ⋅ 𝑞⁄ ). Note que 𝑟 < 𝑠 ⟹ 𝑟𝑠⁄ < 1 donde
𝑝 ⋅ 𝑟𝑠⁄ < 𝑝, portanto
𝑝 ⋅ 𝑟𝑠⁄ ∈ 𝑍(𝑝).
Pela mesma análise como 𝑠 < 𝑝 ⋅ 𝑞 segue que 𝑠 𝑝 ⋅ 𝑞⁄ < 1 donde 𝑞 ⋅ 𝑠
𝑝 ⋅ 𝑞⁄ < 𝑞,
portanto 𝑞 ⋅ 𝑠
𝑝 ⋅ 𝑞⁄ ∈ 𝑍(𝑞). Assim, temos que 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝) ⊙ 𝑍(𝑞).
Seja agora 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝) ⊙ 𝑍(𝑞), novamente se 𝑟 < 0 é trivial que 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝 ⋅ 𝑞).
Vejamos o caso 𝑟 ≥ 0. Neste caso existem 𝑠 ∈ 𝑍(𝑝), 𝑡 ∈ 𝑍(𝑞), 𝑠 ≥ 0, 𝑡 ≥ 0 tal que
𝑟 = 𝑠 ⋅ 𝑡. Disto, se 𝑠 ∈ 𝑍(𝑝) então 𝑠 < 𝑝 e se 𝑡 ∈ 𝑍(𝑞) então 𝑡 < 𝑞. Temos então
0 ≤ 𝑠 < 𝑝 e 0 ≤ 𝑡 < 𝑞, o que nos garante 𝑟 = 𝑠 ⋅ 𝑡 < 𝑝 ⋅ 𝑞, portanto 𝑟 ∈ 𝑍(𝑝 ⋅ 𝑞).
De a), b) e c) mostramos que a função 𝑍 é um homomorfismo injetivo, o que
nos permite afirmar que 𝑍(ℚ) = ℚ e ainda que ℚ ⊂ ℝ, ou seja, os racionais são um
subconjunto dos reais.
Terminamos assim nosso trabalho de construir e demonstrar as principais
propriedades de números reais via cortes de Dedekind.
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REFERÊNCIAS
[1] DOERING, Claus I., Introdução à análise matemática na reta. 1 Colóquio de
Matemática da Região Nordeste, UFS, Aracaju, 2011.
[2] GONÇALVES, Adilson, Introdução à álgebra. 5.ed. Rio de Janeiro: IMPA, 2012.
[3] LIMA, Elon Lages, Análise Real volume 1: Funções de uma variável. 12.ed. Rio de
Janeiro: IMPA, 2013.
[4] LOPES, Paula Cristina Reis, Construção dos números reais. Dissertação de mestrado,
Funchal: Universidade da Madeira, 2006.
[5] MOREIRA, Cassio Neri, CABRAL, Marco Aurélio Palumbo, Curso de Análise Real.
2.ed. Instituto de Matemática UFRJ, 2011.