Post on 04-Oct-2020
Leandro Henrique Vouga Pereira Universidade Federal Fluminense
leandro_vouga_pereira@hotmail.com Estágio da pesquisa: Em andamento
Centros comerciais: Produto e produção de uma segregação sócio-espacial
na cidade do Rio de Janeiro.
1. INTRODUÇÃO
A cidade é um permanente vir-a-ser1. As transformações que nela se operam sempre
agem a partir das configurações anteriores, que funcionam não apenas como
restrições, mas também como indutoras de certas direções para a transformação
(LESSA, 2000, p.60).
É importante realizar um recuo no tempo, para demonstrar os processos e
possibilitar a melhor compreensão do leitor sobre a evolução urbana da cidade do Rio
de Janeiro. Tais processos, desencadeiam transformações espaciais de suma importância
para entender as raízes do processo de segregação socioespacial da cidade.
A cidade do Rio de Janeiro teve importante papel colonial, sendo uma
centralidade desde meados do século XVIII. O maior responsável por essa centralidade
foi o porto da cidade, já que por ele passaram os mais importantes ciclos mercantis
(contrabando de prata das colônias espanholas, tráfico negreiro e o ouro vindo de Minas
Geraes).
Esses ciclos mercantis transformaram as relações de trabalho e o espaço
geográfico na cidade. Tais transformações podem ser observadas no intenso processo de
urbanização que a cidade vivia, antes mesmo da chegada da família real, como
menciona Lessa (2000, p.71) “a crescente importância da cidade e o fortalecimento do
capital ligado ao tráfico negreiro refletem-se num desenvolvimento urbano intenso e
pouco estruturado”, que era resultado da “[...] escassez de solo urbano com acesso fácil
à água potável produziu a densidade de ocupação e acúmulo de vizinhança nas
cercanias dos chafarizes”.
1 Pode ser comparado ao “devir” de Lefebvre, recorrente na sua obra “O Direito à
Cidade”.
Em 1808, a Corte Portuguesa veio para o Brasil devido à invasão de Portugal
pelos franceses, e foi escolhida a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Vice-
Reinado para o estabelecimento da Corte. A família real traz consigo 15mil portugueses
para uma cidade com uma população estimada entre “43 a 50 mil pessoas”. “(...) Este
impacto demográfico e de gastos, a cidade bruscamente eleva seu patamar de renda, de
atividade, de emprego, de exposição de riqueza, de inovação de costumes e
procedimentos (...) (LESSA, 2000, p.77)”. Devido à maior notoriedade internacional,
“entre 1808 e 1822 foi registrada a fixação de 4.234 estrangeiros, sem contar os seus
familiares (LESSA, 2000, p.77)”.
A crescente importância da cidade do Rio de Janeiro na esfera nacional ocorreu
não só devido à expansão demográfica, mas principalmente a uma expansão econômica,
conforme Abreu (2011, p.35):
A independência política e o início do reinado do café geram, por sua vez, uma nova
fase de expansão econômica, resultando daí a atração – no decorrer do século e em
progressão crescente – de grande número de trabalhadores livres, nacionais e
estrangeiros.
Essa expansão econômica explica a explosão demográfica mencionada por
Lessa, em que a cidade saíra de aproximadamente 50mil pessoas em 1808 para 5002 mil
pessoas no final do século XIX. Em menos de cem anos a cidade cresceu
demograficamente perto de 1.000%.
A elite que detinha certo poder de mobilização fora para periferia,
principalmente São Cristóvão, Tijuca, Santa Teresa, Glória e posteriormente Botafogo.
Esses procuravam fugir dos miasmas do centro da cidade, que foi apelidada no século
XIX como “Cidade Pestilenta”3, por causa de suas frequentes epidemias originárias das
2 O número de Habitantes na cidade do Rio de Janeiro pode variar dependendo dos
autores. 3 LESSA, C. O Rio de Todos os Brasis – Uma reflexão em busca da auto-estima. Rio de
Janeiro: Record, 2000.
péssimas condições de vida entre os mais pobres, que pode ser observada em Sevcenko
(2010, p.89-90):
Trepamos todos por uma escada íngreme. O mau cheiro aumentava. Parecia que o ar
rareava e, parando um instante ouvimos a respiração de todo aquele mundo como o
afastado resfolegar de uma grande máquina. [...] Os quartos estreitos asfixiantes,
com camas largas antigas e lençóis por onde corriam percevejos. A respiração
tornava-se difícil. [...] Completamente nua, a sala podia conter trinta pessoas, à
vontade, e tinha pelo menos oitenta nas velhas esteiras atiradas ao assoalho. [...] Era
impossível o cheiro de todo aquele entulho humano.
O início gradual da expansão urbana do Rio de Janeiro se dá a partir da
mobilização das camadas mais abastadas para a periferia acarretando assim o
surgimento de novos bairros e loteamentos nos próprios. Segundo Abreu (2011) essa
separação4 realmente só acontece devido à implementação dos transportes (bonde de
burro e do trem a vapor), que modificam drasticamente o espaço colonial da cidade,
devido à diminuição das distâncias. Somado a essa mudança explicitada por Abreu
(2011), a modernização do centro do Rio de Janeiro foi uma grande intervenção urbana,
que ocasionou a retirada de milhares de famílias, acarretando um fluxo de pessoas das
classes mais baixas da sociedade em direção as estações de trens, principalmente da
linha da Central do Brasil.
O século XIX é muito importante para entender os resultados observados hoje
na cidade do Rio de Janeiro, pois, foi exatamente nesse século que a cidade passa pela
primeira explosão demográfica e pela expansão urbana, realizada primeiramente pela
classe mais abastada da sociedade e posteriormente pela classe mais pobre, a partir das
desocupações realizadas no centro no intuito de modernizar a cidade.
O século XX é onde o processo de expansão urbana chega ao seu clímax na
cidade do Rio de Janeiro, a cidade vira metrópole, principalmente ocasionado pelo
êxodo rural e pela industrialização que o Rio de Janeiro passa. É nesse século também,
que os dois bairros Madureira e Leblon se estabelecem (onde se encontra os dois centros
comerciais aqui estudados). O primeiro, torna-se o centro comercial e cultural da zona
4 O autor sugere o termo separação devido a estratificação do espaço.
norte do Rio de Janeiro, enquanto o segundo, torna-se o recanto/refúgio da classe mais
abastada da sociedade carioca.
É também, no século XX, que se concretiza o processo de segregação
sócioespacial iniciado no século XIX. A partir dessas condicionantes é que os dois
centros comerciais se estabelecem. O Mercadão é concomitante ao processo, sendo
inaugurado primeiramente em 1914 e, passando por algumas mudanças locacionais. O
Shopping Leblon é de 2008, logo é resultado dessa produção espacial.
2. OBJETIVOS
Esta pesquisa se insere em um campo de investigação maior da Geografia
urbana que busca compreender o espaço como espaço social, e abordar a sua
transformação a partir da noção de sua produção do espaço. Desta forma, as
contradições presentes na sociedade, na medida em que esta sociedade produz o espaço
onde se insere, acabam por se tornar as contradições do próprio espaço.
Neste sentido, o espaço da cidade, espaço urbano, que deveria conter a reunião
de distintos segmentos da sociedade, acaba por se apresentar como um elemento que
reitera a segregação operada na sociedade, se tornando segregação espacial. Desta
forma, para entendermos a produção do espaço urbano no Rio de Janeiro atualmente,
devemos procurar evidenciar quais agentes têm participado de maneira hegemônica na
transformação do espaço urbano e quais práticas espaciais têm resistido a estas
transformações, se apresentando como verdadeiras persistências no urbano.
O presente trabalho tem o objetivo de revelar ainda o contexto de surgimento
dos Centros Comerciais a partir da análise da atuação dos agentes imobiliários, Estado e
empresários, nos respectivos bairros que estão estabelecidos. Causas que fizeram a
construtora Santa Isabel decidir edificar o shopping no bairro Leblon, hoje administrado
pela Aliansce Shopping Centers. Junto a isso, descobrir o contexto histórico que
propiciou o estabelecimento do Mercadão de Madureira no bairro Madureira. Além
disso, buscará identificar as estratégias de implantação destes Centros Comerciais
pautadas no poder aquisitivo das classes dominantes de cada bairro. Por fim, a partir da
compreensão da evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro, buscaremos encontrar
elementos que reiteraram as disparidades dessas camadas sociais, caracterizando-as e
mostrando a influência que elas causam e sofrem por conta desses Centros Comerciais.
3. METODOLOGIAS
• Levantamento bibliográfico que elucide conceitos de geografia urbana e
econômica para aproximação de temáticas parecidas, com identificação de avanços
teórico e práticos necessários a serem realizados.
• Abordagem dos aspectos de evolução urbana da cidade do Rio de Janeiro,
constituindo a formação dos bairros e centros comerciais citados, por meio de
documentação e iconografia.
• Realização da pesquisa de campo, composta por:entrevistas com questionários
previamente confeccionados;entrevistas compondo história de vida;trabalhos de campo
urbanos, com registro iconográfico atual; levantamento de dados fornecidos pelas
administrações dos dois Centros Comerciais, a Aliansce Shopping Centers (Shopping
Leblon) e Associação Comercial do Grande Mercado de Madureira (Mercadão de
Madureira).
• Utilização de fotos de satélites que possam fornecer uma discussão, no modelo
de evolução urbana, pautada na especulação imobiliária e nas ações do Estado, em nível
municipal, nos diferentes bairros.
• Utilização programas SIG para produção cartográfica a fim de cartografar a área
de influência dos objetos a serem pesquisados e os fluxos de pessoas que convergem
para os mesmos.
• Construção de acervo de imagens dos ambientes construídos, a partir de
iconografia relevante ao trabalho, distinguindo assim, o processo de evolução e
construção de ambos os centros comerciais.
4. RESULTADOS PRELIMINARES
Os bairros Leblon e Madureira são resultado de produções espaciais
diferenciadas, o primeiro é produzido para substanciar as necessidades da classe mais
rica, enquanto o segundo substancia as necessidades hoje de uma classe média pobre da
cidade do Rio de Janeiro. Para ilustrar as esses resultados serão apresentados quadro e
mapas evidenciando tais discrepâncias.
Quadro 1 – Tabela síntese dos dados socioeconômicos dos bairros Leblon e Madureira.
Categorias Leblon Madureira
População (hab.) 46.044 50.106
Total de Domicílios 22.259 18.937
Domicílios Particulares 22.246 18.920
Domicílios Coletivos 13 17
Renda Per Capita (reais) 4.809,53 805,55
População Alfabetizada (%) 95,61 91,30
Abastecimento de Água (%) 99,03 96,26
Esgotamento Sanitário (%) 99,81 87,46
Coleta de lixo (%) 99,79 90,56
Total de unidade de saúde pública 2 5
Total de Imóveis Comerciais e de Serviços 14.500 5.025
Total de Área construída Comercial (m2) 95.499.031 803.143
Praças 25 10
Favelas 0 9
Delegacia 3 1
Corpo de Bombeiros 0 1
A partir dos dados expostos acima, se pode observar as discrepâncias
socioeconômicas entre os dois bairros. O bairro Leblon é superior em quase todos os
dados. A renda per capita do Leblon é 6 vezes maior do que a do bairro de Madureira, o
mesmo tem aproximadamente 4 mil domicílios a mais, mesmo tendo uma menor
população. Tem uma economia mais dinâmica, com quase 9 mil estabelecimentos a
mais do que Madureira. Quando se trata de espaços públicos o bairro do Leblon tem 15
praças a mais do que Madureira, o que se pode concluir que o bairro do Leblon permite
uma convivência social/pública muito maior. Na esfera do saneamento básico o bairro
Leblon tem praticamente todas as suas residências atendidas, enquanto o bairro de
Madureira, mesmo tendo bom atendimento comparado a outras áreas da cidade, ainda
demonstra-se muito inferior ao Leblon. A ilustração 1, a seguir, mostra a síntese da
renda per capita por setor censitário de cada bairro.
Ilustração 1 - Síntese da Renda Per Capita dos Bairros do Leblon e Madureira.
Como se pode observar na Ilustração 1, a maior parte do bairro Leblon
encontra-se na faixa de 2001 – 9000 (reais), enquanto o bairro de Madureira encontra-se
na faixa de 1 – 2000 reais. Tal dado demonstra a discrepância socioeconômica existente
na comparação entre os dois bairros, o que reforça a ideia da produção de espaços
extremamente desiguais na cidade do Rio de Janeiro.
Para demonstrar as diferenças entre os dois centros comerciais será apresentado
o mapa 1 e 2, pode-se perceber a importância da localização espacial do Mercadão de
Madureira para torná-lo uma centralidade dentro da cidade do Rio de Janeiro. Pois os
principais meios de transporte da cidade, como o Metrô, o Trem, o transporte rodoviário
coletivo e individual passam próximo ao Mercadão. As principais vias de acesso ligam
Madureira com a zona sul, centro, o restante da zona norte, a zona oeste e a baixada
fluminense. Logo, não se pode pensar o mercadão de Madureira restrito ao seu próprio
bairro, pois as suas redes de transportes carreiam indivíduos de toda a cidade e também
da região metropolitana5.
5 Na entrevista do dia 11 de novembro de 2012, três entrevistados tinham como origem as cidades de
Rio Bonito, Itaboraí e São Gonçalo.
Mapa 1 – Principais vias de acesso ao Mercadão de Madureira.
A partir do mapa acima, pode-se perceber a importância da localização espacial
do Mercadão de Madureira para torná-lo uma centralidade dentro da cidade do Rio de
Janeiro. Pois os principais meios de transporte da cidade, como o Metrô, o Trem, o
transporte rodoviário coletivo e individual passam próximo ao Mercadão. As principais
vias de acesso ligam Madureira com a zona sul, centro, o restante da zona norte, a zona
oeste e a baixada fluminense. Logo, não se pode pensar o mercadão de Madureira
restrito ao seu próprio bairro, pois as suas redes de transportes carreiam indivíduos de
toda a cidade e também da região metropolitana6.
Ainda referente aos meios de transporte, o bairro de Madureira tem duas
estações de trem, uma das estações leva o nome do Mercadão de Madureira, o que
retrata a importância do próprio no âmbito da cidade do Rio. Têm duas linhas expressas, 6 Na entrevista do dia 11 de novembro de 2012, três entrevistados tinham como origem as cidades de
Rio Bonito, Itaboraí e São Gonçalo.
a Avenida Brasil que liga a zona norte à região metropolitana; e a Linha Amarela, que
liga o bairro à zona oeste. Além de portar avenidas e ruas que fazem a ligação das linhas
expressas e do Metrô diretamente com o mercadão de Madureira.
Mapa 2 – Principais vias do Shopping Leblon.
A partir do mapa acima, pode-se perceber a importância da localização espacial
do Shopping Leblon para reprodução da sua estratégia de suprir uma determinada classe
social. Pois, os principais meios de acesso ao Leblon se dão a partir do transporte
rodoviário coletivo e principalmente individual. As principais vias de acesso ligam o
Leblon ao restante da zona sul (poucos são os ônibus que ligam o Leblon a outros
bairros) e a zona oeste, principalmente o bairro da Barra da Tijuca. Logo, o Shopping
Leblon é basicamente restrito a zona sul, pois as suas redes de transporte se restringem a
essa área, e quando a ultrapassa se torna uma viagem muito dificultosa – principalmente
em termos de transporte público.
Ainda referente aos meios de transporte, o bairro do Leblon tem como
principal acesso as suas Avenidas Delfim Moreira, Borges de Medeiros, Rodrigo
Otavio, Mario Ribeiro e a principal entrada para o Shopping, que é a Avenida Afrânio
de Melo Franco. Tendo também, a estação do Metrô de Ipanema/General Osório, que
mesmo teoricamente longe disponibiliza integrações para os bairros do Leblon e Gávea.
A partir da localização e da produção do espaço é possível notar, que o
Mercadão procura atender qualquer tipo de cliente não diferenciando a sua origem de
classe, enquanto o Shopping Leblon procura atender os clientes localizados
principalmente na zona sul do Rio de Janeiro e, sendo da classe mais rica da cidade.
5. BIBLIOGRAFIA
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Janeiro: IPP. 2011.
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LUSTOZA, R. E. Produção do espaço urbano e questão ambiental: A urbanização entre
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<http://cidades.ibge.gov.br/xtras/perfil.php?codmun=330455>. Acesso em: ago de
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