Aula 9: Segregação socioespacial - geografia.fflch.usp.br · Aula 9: Segregação socioespacial...
Transcript of Aula 9: Segregação socioespacial - geografia.fflch.usp.br · Aula 9: Segregação socioespacial...
Aula 9:
Segregação socioespacial
perspectivas de análise:
• Ênfase nas formas (Caldeira, T. Cidade de Muros)
• Ênfase no significado (Lefebvre, H. Direito à Cidade, cap.
Análise espectral).
• Significado para a cidade: (Carlos, A.F.A. A segregação como
fundamento da crise urbana. In: Panorama da Geografia
Brasileira 2)
1. Perspectiva da análise das formas da segregação
(Caldeira, T.)
Argumentação central:
desde anos 1980 nas cidades em vários países o
medo da violência e do crime tem justificado novas
tecnologias de segregação e discriminação social
Enclaves fortificados: são espaços privatizados,
fechados e monitorados, destinados a moradia
(condomínios), lazer e consumo (shoppings-centers)
ou trabalho (centros empresariais)
Respodem a demanda por homogeneidade social
(viver entre-iguais)
Segregação sempre foi característica das cidades:
mudam e surgem novos padrões
3 formas no tempo – em São Paulo
1) Até os anos 1930: separação física/proximidade
espacial
2) Anos 1930 e 1940: construção das
periferias/oposição centro-periferia
3) A partir anos 1980: auto-segregação
(Generalização dos condomínios)
1º momento
Separação física
Proximidade espacial
Cidade era concentrada e diversa socialmente
Escala da cidade permitia proximidade maior, ainda que a localização e a
forma da moradia se diferenciasse.
Pobres estavam na região central
Separação se dava pelo preço da terra (aluguel)
Separação se dava pelas normas urbanísticas
Bairro operário do Bom
Retiro
Bairro dos Campos
Elíseos: planejado para
Abrigar os mais ricos.
Ferrovia: linha que
demarca a separação
social (fruto do preço da
terra).
SP: separação física/proximidade espacial
Foto 1: Palacete Elias Chaves, Campos Elíseos (Palácio do Governo).
Foto 2: Casa Operária em Vila, no Bom Retiro.
1 2
Vila de casas para trabalhadores no Bom Retiro (Travessa rua da Graça)
Jardim da Luz como lugar de encontro e de lazer público
Segregação nas cidades do Brasil Colonial (separação física/proximidade
espacial)
São Luiz do Paraitinga
Normas urbanísticas definiam padrões
para construção (alinhamento,
regularidade). Praça central: somente
casarões. Rua do Carvalho, encosta
acima: casas de meia morada (mais
pobres)
2ºmomento:
modelo centro – periferia
(1930/40)
Construção das periferias
Centro da cidade: políticas públicas para embelezamento ou
abertura de viário (fluidez)
SP: Plano de Avenidas – Prestes Maia
Estado: inviabiliza planos expansão da Light (bondes elétricos) .
Novo modelo transporte: rodoviarismo (GM e Ford entram no
país).
Em 1948: 52% transporte era por bondes. Em 1966: 2,6%
Urbanismo racionalista no Plano
de Avenidas de Prestes Maia e
Ulhoa Cintra.
Esquema teórico do Plano de
Avenidas. Todo sistema viário é
visto sob formas geométricas
essenciais formadas por avenidas
radiais e perimetrais.
12 Radiais e o sistema Y.
Fonte: Lima, Benedito T.
Prestes Maia e a origem do urbanismo
moderno em São Paulo. SP: Empresa
das Artes, 1996.
Av. 23 de maio e os escombros de antigas construções
Alargamento de avenida do Plano de
Prestes Maia
Bairros operários, zona leste SP em 1930. Primeiro anel de periferia: Vila Maria, Vila Prudente, Ipiranga, Vila Guilherme, Santana. Modelo de ocupação: lote e casa própria autoconstruída (Casa domingueira) Fonte: Passos & Emídio, 2009
Desmonte do Morro do Castelo, RJ Segregação no Rio de Janeiro: expulsão dos pobres do centro resulta na
formação das favelas nos morros.
Desmonte do Morro do Castelo (início 1904 na Reforma Urbana do Pereira
Passos. Termina na década de 1920)
Morro do Castelo: cortiços em antigos palacetes
Fonte: SANTOS,
N.M. “Era uma
vez o Morro do
Castelo”.
Reformas Urbanas: “era
das demolições” para
acabar com os cortiços e
adequar a capital do país
à modernidade.
Fonte: Abreu, M. Reconstruindo uma história esquecida: origens e expansão inicial das favelas no Rio de Janeiro
Anos 1970/1980: intensificação do
modelo centro-periferia com a adoção
de políticas de construção em massa
(conjuntos habitacionais)
Conjuntos habitacionais COHAB,
CDHU: generalização do Habitat
(Lefebvre)
Produção moradia barata e
padronizada
Cidade Tiradentes – 220 mil hab.
40 mil unidades habitantes
3ºmomento:
Auto-segregação
“enclaves fortificados” (Caldeira) Centro-periferia não é mais o modelo: condomínios estão na fronteira
Início: ricos deixam áreas centrais: crise da cidade (violência, trânsito,
poluição). Condomínios horizontais. Aldeia da Serra, Tamboré.
Busca do viver entre-iguais (homogeneidade social)
Novidades
Generaliza-se como modo de vida: outras formas. Condomínios verticais e
Clubes de Morar. Dentro da cidade.
Condomínios verticais: necessidade terrenos amplos. Voltam-se para antigas
áreas industriais (enclaves estão nos bairros antigos = reprodução do espaço
urbano)
Segregação generaliza-se para totalidade vida social: condomínios de negócios,
lazer no shopping e parques temáticos. Fechamento da sociedade.
2. Perspectiva de análise: os significados da
segregação
Segundo Lefebvre
Segregação é uma estratégia de classe (mesmo
inconscientemente a estratégia visa separar)
Sentido político: garantir mecanismos de dominação e a
reprodução das relações de produção (relações baseadas na
desigualdade)
Separar significa estabelecer fisicamente/concretamente e
simbolicamente a diferença e a hierarquia social (ideologia que
sustenta a reprodução das relações de produção)
Segregação é física MAS tem conteúdo simbólico e ideológico
(vontade de apartar: a não-proximidade)
Segregação ocorre de 3 formas (SIMULTANEAS e
SUCESSIVAS)
1)Segregação espontânea: ela resulta do preço da
terra, do quanto posso pagar
2)Segregação voluntária: resulta do desejo de
distância, de separação (auto-segregação dos
condomínios fechados)
3)Segregação programada: sob ação do estado, do
planejamento (Cohabs na Zona Leste)
Contradições na prática social:
Integração e desintegração
Prática social se
afirma como
integradora: integrar
via consumo e
mercadoria
Essência é segregação
Significado para a cidade:
Segregação penetrou no modo de vida:
generalização. Modo de vida hoje é segregador.
Cria a anti-cidade: impossibilidade de pensar um
viver coletivo que contenha diferenças.
Crise da urbanidade e da cidade
Esvaziamento do espaço público ou cercamento
(Masp) ou busca de homogeneização social
(Parque do Povo)
Gentrificação: Ruth Glass (1964) verifica na Inglaterra que bairros
operários londrinos foram invadidos por classes médias e altas (enobrecimento)
Elementos do processo:
• Fenômenos de bairros centrais
• 2 situações: bairros operários de casinhas modestas
antigos setores de elite “degradados”
(residências vitorianas transformadas em pensões ou sublocadas)
• Mudança social: retomada das construções com fim contrato de
aluguel
• Substituição por famílias de classes média
• Reabilitação de antigas construções (recuperação física)
Gentrificação – estudos sobre caso Nova York (Smith;Zukin)
3 ondas
Gentrificação
esporádica –
anos 1960
Gentrificação
consolidada – anos
1980
Gentrificação
generalizada –
anos 1990
Crise fiscal- anos 1970:
Desinvestimentos no
centro; declínio
atividades; crise 1973;
Expansão suburbana
Semelhante ao analisado
por Glass:
• Pontual;
• Envolveu atores
individuais (artistas;
intelectuais)
• Reabilitação residencial
(construções antigas)
• Anomalia do mercado
Greenwich Village; Soho
• Atuação dos promotores
imobiliários.
• Expulsão dos mais pobres:
100 mil sem-teto em NY
• Lofts para executivos e
novos trabalhadores
Queens, Nova Jersey, Harlen Intervenção
Poder Público:
financiamentos,
concessão de
construção
Gentrificação Generalizada – anos 1990:
Mudanças internas no processo
Dispersão geográfica: para além da
área central
Contexto da economia financeirizada:
necessidade de centralidade dos
negócios (retorno ao centro)
Novos profissionais e mudanças
culturais
Relação com DESINVESTIMENTOS: cria a
condição da desvalorização
Necessidade de segurança urbana: pois
há resistência (movimentos sociais)
Não é mais somente estratégia
residencial: ARTICULA-SE a formação de
uma nova paisagem: museus, parques,
lojas de grife, restaurantes
Discurso da
renovação urbana
Elementos centrais da discussão em N.Smith:
a) Do ponto de vista simbólico a gentrificação recria a situação
de FRONTEIRA: símbolo usado para justificar transformação
Oeste era antiga fronteira: lugar do índio, do selvagem (domesticação; civilização)
Centro da cidade como fronteira: lugar do pobre, da degradação (sinônimo da
selvageria). Gentrificadores como desbravadores.
b) Relação com a suburbanização (gera o rent gap):
Fuga do centro gerou desvalorização – oportunidade econômica de aquisição
Rent Gap: diferença entre o preço potencial da centralidade e o preço atual(sob
desvalorização)
c) Relação com nova economia (crescimento setor serviços;
centralização do capital; desindustrialização; financeirização):
Novos profissionais que buscam proximidade do centro: mudança no modo de vida e
um novo mercado
Gentrificação – casos no Brasil
Discussão inicia-se com Pelourinho (Salvador):
Centro histórico: centro de negócios e da elite até anos
1950
Intervenções viárias e atividades de petróleo deslocaram
o lugar dos negócios e da elite para outros bairros:
Barra um dos setores que absorveu atividades ligadas à
elite.
Setor público também saiu do centro histórico.
Pelourinho abandonado pelas elites e pelo Poder Público
passou por deterioração física.
Casarões antigos ocupados por população pobre
Anos 1990: Operação Pelourinho
no gov. ACM retirou a população
pobre que morava no centro
histórico.
Investiu recursos públicos na
recuperação física e os imóveis
foram cedidos para estado por 10
anos (compensação pelo
investimento).
Casarões ocupados por lojas e
equipamentos voltados para “os de
fora” (turismo)
Gentrificação – área central São Paulo
Investimentos em equipamentos culturais
elitizados – Luz e centro (anos 1990):
políticas gentrificadoras – atração de novos
investimentos –Concessão Urbanística Nova
Luz
2000-2010:
dados não mostram gentrificação, ao
contrário: crescimento dos estratos de
população com menor rendimento e redução
dos estratos com maior rendimento
Vários distritos e bairros da área central (Bom
Retiro, Sé, Bexiga, República, Santa Efigênia,
Santa Cecília:
1991-2000: maior parte dos responsáveis
pelo domicílio estavam faixa renda 5-10 s.m.
2000-2010: maior parte estão entre 1-3 s.m.
Resistência dos mais pobres pela
permanência no centro: ocupações de
edifícios vazios
Bibliografia complementar:
SMITH, N. “A gentrificação generalizada: de uma anomalia
local à regeneração urbana como estratégia urbana global”.
VASCONCELOS, P.; CORREA, R.L.;PINTAUDI, S. “A cidade
contemporânea. Segregação espacial.” São Paulo: Contexto,
2013.