Post on 18-Apr-2015
LEITURA EXTRACLASSE:
LUCÍOLAJosé de Alencar
A OBRA:
Em 1875, Nabuco sentenciava:
“Lucíola não é senão a Dame aux camélias adaptada ao uso do demi-monde fluminense; cada novo romance que faz sensação na Europa tem uma edição brasileira dada pelo Sr. J.de Alencar, que ainda nos fala da originalidade e do “sabor nativo” dos seus livros.”
E o eco ainda ressoa. Sem dúvida, tal juízo apressado sobre o diálogo entre as duas obras deve ser relativizado por sua inserção na História. Cabe ao leitor de hoje apurar os sentidos e ouvir a conversa entre Dumas Filho e Alencar acompanhando o compasso daqueles tempos e discernindo os tons determinantes na afinação da orquestra literária.
Lucíola: Romance urbano de José de Alencar, o livro examina a regeneração de uma prostituta pelo amor e pela morte.
Greta Garbo e Robert Taylor no filme "A Dama das Camélias", inspiração para José de Alencar escrever "Lucíola”.
Quinto romance de José de Alencar, Lucíola (1862) é o primeiro
da chamada trilogia de "perfis de mulheres" (Lucíola, Diva e
Senhora). Estes três estão entre as obras urbanas do autor. Na
definição de Antonio Candido, fazem parte do "Alencar dos
adultos", que se caracteriza pela maior sobriedade na análise
da sociedade e equivalência entre homens e mulheres, que não
são totalmente bons ou ruins e têm as personalidades
modificadas ao longo da narrativa — é este Alencar que a
crítica considera precursor de Machado de Assis. Os três
romances se passam numa sociedade marcada pela ascensão
burguesa, que se quer elegante e bem-vestida segundo a moda
de Paris, que frequenta óperas e faz saraus familiares. É desse
contexto que Lucíola faz parte.
A história é contada na primeira pessoa por Paulo Silva, um dos protagonistas. Pernambucano, ele muda-se aos 25 anos para o Rio de Janeiro, onde conhece Lúcia, prostituta de luxo que transita pela alta sociedade carioca. Ele tenta conquistá-la, mas com a intenção de fazê-la mudar de vida. Ela se entrega a Paulo, mas, conforme se apaixona por ele, vai negando-lhe o corpo.
Há uma evidente referência a A Dama das Camélias (1852), do francês Alexandre Dumas Filho (1824-1895). O também escritor Joaquim Nabuco travou polêmica com Alencar, acusando-o de ter feito uma mera cópia. Faltou a Nabuco perceber que a intertextualidade se dá de maneira magistral: a própria Lúcia lê o outro romance. A personagem de Dumas Filho regenera-se pura e simplesmente pelo amor, podendo alcançar em seguida a felicidade. Alencar, em resposta a Nabuco, diz refutar essa possibilidade: "Lucíola foi escrita em contestação dessa tese fisiológica. Seu sentimento foi provar que, se a mulher pode regenerar-se pelo coração, rara vez poderá regenerar para o amor feliz; porque nas mais ardentes efusões desse amor achará a lembrança inexorável de seu erro".
É um romance de amor bem ao estilo do
Romantismo, embora uma ou outra manifestação do
estilo Realista aí se faça presente. O narrador da
história é Paulo Silva. E ele a narra em cartas dirigidas
a uma senhora, G. M. (pseudônimo de Alencar), que as
publica em livro, intitulado Lucíola. Surge o Rio de
Janeiro da época, com a sua fisionomia burguesa e
tradicional, com uma sociedade endinheirada que
frequentava o Teatro Lírico, passeava à tarde na Rua do
Ouvidor e à noite no Passeio Público, morava no
Flamengo, em Botafogo ou Santa Teresa e era
protagonista de dramas de amor que iam do simples
namoro à paixão desvairada.
LUCÍOLA: A CORTESÃ DO IMPÉRIO
No dia mesmo de sua chegada à corte (Rio de Janeiro),
após o jantar, sai em companhia de um amigo para
conhecer a cidade. Na rua das Mangueiras vê passar em
um carro, uma jovem muito bela. Um imprevisto faz parar
o carro, dando a Paulo a oportunidade de repará-la melhor.
No outro dia, em companhia de outro amigo, o Dr. Sá,
Paulo participa da festa de N. Senhora da Glória, quando
lhe aparece a linda moça. Informando-se do amigo, fica
sabendo tratar-se de Lúcia, a prostituta mais bela,
requintada e disputada da cidade. Mas ele se impressiona
com a "expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia
do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher
revelam a cortesã franca e impudente."
Amor em Vermelho: aspectos comparativos entre Lucíola
e Satine
Satine é a personagem principal do musical Moulin
Rouge – Amor em Vermelho, história de amor que se passa em
1899 e gira em torno de um jovem poeta, Christian, que desafia
a autoridade do pai ao se mudar para Montmartre, em Paris,
considerado um lugar amoral, boêmio e onde todos são viciados
em absinto. Lá, ele é acolhido por Toulouse-Lautrec e seus
amigos, cujas vidas são centradas em Moulin Rouge, um salão
de dança, um clube noturno e um bordel (mas cheio de glamour)
de sexo, drogas, eletricidade e - o que é ainda mais chocante -
de cancan. É então que Christian se apaixona pela mais bela
cortesã do Moulin Rouge, Satine.
Algumas cenas do filme são retratos claros dos melhores
momentos de A Dama das Camélias e Lucíola. As heroínas
literárias (Lucia e Marguerite) e cinematográfica (Satine) são
portadoras do ideal de mulher pregressa dentro do
romantismo, que vai precisar pagar os ditos “pecados da
carne” com a vida. É a redenção romântica, momento em que
se eleva à alma em detrimento da carne.
Lucíola também já foi adaptado aqui no Brasil,
duas vezes. Uma pérola do cinema nacional,
relegada ao ostracismo, Lucíola é uma versão
cinematográfica do romance de José de
Alencar. Como se sabe, Lucíola narra a história
da cortesã do Império. Considerada como
transgressora, vai precisar pagar os seus
“pecados” com a vida, numa trama que segue
à risca as idéias difundidas pelo movimento
romântico na literatura mundial.
Há a ambientação em tons vermelhos, seguindo todos os
recursos estéticos utilizados no romance alencariano, de
forma bastante sinestésica, que nesta versão
cinematográfica, ganha mais força. Rosana Ghessa, atriz
ítalo-brasileira é quem faz o papel de Lucíola, num filme
onde os diálogos e atuações são extremamente artificiais,
apresentando atores mais próximos da leitura dramática
teatral do que exercitando uma atividade de cunho
cinematográfico.
Apesar de toda sagacidade, Lucíola ainda apresenta traços da
mulher romântica, submissa aos caprichos do homem
machista e que age de forma impensada, característica similar
ao personagem Armand, do clássico A Dama das Camélias, de
Alexandre Dumas Filho. Tal enredo vai permear a narrativa de
Lucíola, filme e livro, sendo citado em momentos chave da
trama. Paulo não aceita que sua mulher, a agora regenerada
Lúcia, tenha acesso a transgressora Marguerite.
Lúcia espelha-se em Marguerite como esta espelhara-se em
Manon Lescaut.
ASSIM COMEÇA “MANON LESCAUT”:
Vejo-me obrigado a levar meu leitor àquele tempo da minha vida em que encontrei pela primeira vez o cavaleiro Des Grieux. Foi aproximadamente seis meses antes de minha ida para a Espanha. Embora raramente saísse de meu estado solitário, a afeição que eu nutria por minha filha levava-me por vezes a empreender diversas pequenas viagens, que eu abreviava tanto quanto me fosse possível. Certo dia (...), chegando(...) pela hora do jantar a Pacy(...) fiquei surpreso ao ver todos os seus habitantes alarmados. (...) Pedi-lhe que me contasse o motivo daquela desordem.
- Não é nada, senhor – disse-me -; uma dúzia de moças da vida que eu e meus companheiros estamos conduzindo até Harvre-de-Grâce, de onde embarcarão para a América. Algumas são belas, e isso é o que parece excitar a curiosidade da boa gente deste lugar.
(...)
ASSIM COMEÇA “A DAMA DAS CAMÉLIAS”:
A meu ver, não se pode criar personagens a não ser que se tenha estudado muito os homens, da mesma forma que não se pode falar uma língua a não ser que ela tenha sido aprendida a fundo.
Não tenho ainda idade suficiente para inventar, contento-me em narrar.
Incito o leitor a se convencer da veracidade desta história, em que todos os personagens, com exceção da heroína , ainda estão vivos.
Por sinal, em Paris há testemunhas que poderiam confirmar a maioria dos fatos que aqui reúno, caso meu testemunho não baste.
(...)
ASSIM COMEÇA “LUCÍOLA”:
A senhora estranhou, na última vez que estivemos juntos, a minha excessiva indulgência pelas criaturas infelizes, que escandalizam a sociedade com a ostentação do seu luxo e extravagâncias.
Quis responder-lhe imediatamente, tanto é o apreço em que tenho o tato sutil e esquisito da mulher superior para julgar uma questão de sentimento. Não o fiz, porque vi sentada no sofá, do outro lado do salão, sua neta, gentil menina de 16 anos, flor cândida e suave, que mal desabrocha à sombra materna. Embora não pudesse ouvir-nos, a minha história seria uma profanação na atmosfera que ela purificava com os perfumes de sua inocência; e- quem sabe? – talvez por ignota repercussão o melindre de seu pudor se arrufasse unicamente com os palpites de emoções que iam acordar em minha alma.
(...)
ASSIM COMEÇA “MOULIN ROUGE”: