Post on 08-Nov-2018
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ
PÓS-GRADUAÇÃO DIREITO MILITAR CONTEMPORÂNEO
JULIO CESAR DE GOES
INCLUSÃO DE BRASILEIROS NATURALIZADOS NAS FORÇAS ARMADAS E NA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ
CURITIBA, PR 2014
JULIO CESAR DE GOES
INCLUSÃO DE BRASILEIROS NATURALIZADOS NAS FORÇAS ARMADAS E NA POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ
Artigo apresentado à conclusão da Pós-Graduação do Curso de Direito Militar Contemporâneo, da Universidade Tuiuti de Curitiba. Profº Orientador: João Carlos Toledo Júnior
CURITIBA, PR 2014
DIREITO MILITAR CONTEMPORÂNEO
Julio Cesar de Goes1 João Carlos Toledo Júnior2
RESUMO
O presente trabalho vem abordar ideias que visem mudanças acerca da missão dos militares tanto federais como estaduais, com o objetivo de rever ações quanto a segurança pública, a defesa interna e externa, e um melhor preparo dos militares visando interagir com a sociedade globalizada, revendo conceitos, mas sem deixar os princípios éticos e valorativos de lado, estabelecendo uma ideologia democrática, humanitária, cujo objetivo seja a preservação do Estado Democrático de Direito seus aspectos institucionais, e uma visão de mundo que veja o militar como amigo e este olhe para a sociedade como uma instituição a ser protegida, amparada, e aliada. Abordamos a inclusão de brasileiros naturalizados tanto na Polícia Militar do Paraná, como nas Forças Armadas, além da inclusão social que seria dada a estes brasileiros, dada uma maturidade constitucional e democrática pelo qual passa o Brasil, havendo uma globalização universal, limitada pela Constituição Federal, a oportunidade de militares brasileiros naturalizados abriria um espaço de melhor seleção a novos agentes públicos de segurança pública e a missão de proteção interna como externa do Estado Nacional, trazendo novas perspectivas de melhoria para uma sociedade em constante transformação. Enfatizando que para os militares federais, persistiria para serem oficiais, prevalece o preceito constitucional estabelecido no artigo 14, II, da Constituição Federal de ser brasileiro nato, mas não obsta nada a praças, e a Carta Constitucional nada se refere a oficiais e praças, como brasileiros naturalizados nas polícias militares e corpos de bombeiros militares, deixando esta responsabilidade ao poder constituinte decorrente, isto é, a Constituição do Estado do Paraná. Estabelece-se uma proposta de que não mais seja transgressão disciplinar o uso de um idioma estrangeiro dentro dos quartéis, ou fora dele desde que este intuito não atente contra o Estado Brasileiro ou contra a Segurança Pública, interna e externa do país. Igualmente, saliente-se que não necessita-se mais que o Serviço Militar seja obrigatório, pois este seria um atrativo a jovens brasileiros de ambos os sexos, com período de três anos para homens e dois anos para mulheres, com oportunidade dentro dos quartéis, para continuar uma educação regular, profissionalizante e sim obrigatória, após o primeiro ano de dedicação exclusiva ao Serviço Militar nas Forças Armadas, a inclusão no período de aplicação de atuação de forças federais na proteção ao público interno em implantação de polícias pacificadoras, grave perturbação interna, combate ao tráfico de entorpecentes e de armas, ações contra o terrorismo internacional, abordagem de veículos em rodovias e pontos sensíveis do país, além de instruções de comportamento e legislação constitucional para forças militares federais, que propiciem missões em áreas de fronteiras e grandes eventos, bem como atuação em ferrovias e proteção tanto no espaço aéreo como nas duzentas milhas 1 Pós graduando do curso de Direito Militar Contemporâneo, da Universidade Tuiuti do Paraná, Licenciado em História pela Unicentro do Paraná, Graduando em Direito pela Unifoz. 2 Oficial da Policia Militar do Paraná, Professor Orientador em Direito Penal e Processo Penal Militar da Universidade Tuiuti do Paraná e Corregedoria da Polícia Militar do Paraná.
marítimas, demonstrando soberania e proteção, pois por analogia, “exército de paz é aquele que nunca está preparado para uma guerra”. Palavras-chave: Polícia Militar do Paraná; Serviço Militar; Forças Armadas; Constituição Federal; Brasileiros naturalizados.
ABSTRACT
The present work aimed at addressing changes ideas about the mission of both federal and state military, with the objective of reviewing actions as public safety, internal and external defense, and a better preparation of the military order to interact with the global society, reviewing concepts, but without leaving the ethical and evaluative principles aside, establishing a democratic, humanitarian ideology whose goal is the preservation of the democratic state its institutional aspects, and a worldview that sees the military as a friend and look at this society as an institution to be protected, supported, and ally. We address the inclusion of naturalized Brazilians both the Military Police of Paraná, as in the military, in addition to social inclusion that would be given to these Brazilians, given a constitutional and democratic maturity through which passes the Brazil, with a universal globalization, limited by the Federal Constitution the opportunity to naturalized Brazilian military would open a space for better selection of new public law enforcement officials and the mission of internal and external protection of the national state, bringing new perspectives to improve a society in constant transformation. Emphasizing that for the federal military, persist to be official, the constitutional precept laid down in Article 14, II of the Federal Constitution to be native Brazilian prevails, but there is nothing to preclude courts, and the Constitutional Charter does not include any officers and men, as naturalized Brazilians in the military police and military fire brigades, leaving this responsibility to the constituent power due, ie the Constitution of the State of Paraná. Sets out a proposal that is not disciplinary offense to use a foreign language with in the barracks or outside since this order does not offend against the Brazilian State or against Public Security, domestic and foreign country. Furthermore, it should be noted that there is need more than military service is mandatory, as this would be an attractive young Brazilian men and women, with three years for men and two years for women, with opportunity within the barracks, to continue a regular, vocational and yes compulsory education after the first year of dedication to military service in the Armed forces, including the period of application of operations of federal forces in protecting the workforce in deploying peacekeeping police, serious internal disturbance , combating trafficking in narcotics and weapons, actions against international terrorism, approach roads and vehicles in sensitive areas of the country, as well as instructions of behavior and constitutional law for federal military forces, which provide missions in border areas and major events as well as performance in railways and protection both in the airspace as the two hundred nautical miles, demonstrating sovereignty and protection, because by analogy, "army of peace is one that is never prepared for a war." Keywords: Military Police of Paraná; Military Service; Armed Forces; Federal Constitution Brazilian citizenship.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6
2 NACIONALIDADE ................................................................................................... 7
3 MILITARISMO E AS INSTITUIÇÕES MILITARES ................................................ 10
4 VALORES E DEVERES MILITARES .................................................................... 11
5 DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E SEU PROCESSO ........................ 13
6 JURISDIÇÃO MILITAR .......................................................................................... 16
7 JUSTIÇA MILITAR FEDERAL ............................................................................... 16
8 JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL ............................................................................ 17
9 BRASILEIRO NATURALIZADO – AQUISIÇÃO SECUNDÁRIA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA ............................................................................. 18
10 PERDA DO POSTO, DA PATENTE E DA GRADUAÇÃO .................................. 19
11 CONCLUSÃO ...................................................................................................... 23
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 24
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1 INTRODUÇÃO
A inclusão de brasileiros naturalizados nas Forças Armadas e na Polícia
Militar do Paraná, a questão do serviço militar obrigatório, e de brasileiros
naturalizados prestarem serviços à Polícia Militar do Paraná, prestando concursos
públicos, e a proteção a pontos sensíveis do país, utilizando este mesmo público
alvo, traria algum benefício à segurança interna e externa do país? Esta é a
problematização do presente artigo, se não nenhum dispositivo constitucional que
impeça estes possíveis brasileiros naturalizados de prestarem serviços ao Estado
Nacional, tanto como militares estaduais ou federais, por que não vemos os
naturalizados nas fileiras de nossas forças armadas ou mesmo de forças auxiliares?
É peculiar que façamos estas indagações, levantando a problematização e os
motivos pelo qual este assunto é pouco abordado.
Ainda envolvendo a problematização, há de se observar, que não há um
incentivo para estes brasileiros naturalizados, se envolverem na defesa do país ou
mesmo na segurança pública militarizada dos entes federados. Observamos que
apesar de o Brasil ser um Estado Democrático de Direito, e de notoriamente ser
signatário de tratados que se referem a preservação da dignidade da pessoa
humana, do estatuto do estrangeiro, de ser um país que expressamente concede a
liberdade de pensamento (art.5º, IV, CF), os estrangeiros que para o Brasil vêm, e
aqui decidem fazer seu lar, ainda não demonstraram interesse em serem militares
ou mesmo de se envolverem na responsabilidade tanto da segurança interna como
externa do país. Talvez, porque muitos deles tenham sido perseguidos pelo Estado
sem seus países de origem, ou desconheçam seus direitos como brasileiros
naturalizados, ou por razões pessoais tenham imigrado para o Brasil buscando
melhores condições de vida.
Ao observarmos alguns brasileiros naturalizados, tomamos, por exemplo, o
ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Félix Fischer, alemão de nascimento,
vindo de um país germânico, mas escolheu o Brasil como residência e o serviço
público na Justiça como trabalho, se o Brasil concedeu a este naturalizado esta
oportunidade, na qual o mesmo teve que demonstrar competência, por qual motivo
não poderíamos ter brasileiros naturalizados nas forças armadas e forças auxiliares?
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Quando citamos anteriormente, a dignidade da pessoa humana e a aplicação
dos Tratados Internacionais sobre Direitos Humanos, o jurista Rogério Greco diz o
seguinte:
Vivemos em um mundo globalizado. Nunca essa afirmação foi tão verdadeira como nos dias de hoje. Fatos que acontecem em um determinado país podem ter repercussões globais, a exemplo do que ocorre com a economia. Da mesma forma, a segurança é uma preocupação de todos. Atrelado à segurança, vem o respeito aos direitos humanos. A expressão ‘direitos humanos’, pelo menos no Brasil, passou a receber um tratamento pejorativo por parte da sociedade, principalmente por conta do movimento de mídia. Quando se fala em direitos humanos, logo se pensa em direitos daqueles que praticaram algum tipo de infração penal. “No entanto, devemos acabar com esse preconceito e agradecer aqueles que, em algum momento da história, deram suas vidas para que os direitos humanos fossem respeitados.” (GRECO, 2012)
2 NACIONALIDADE
Para Pontes de Miranda (1935, p. 53), nacionalidade é “vínculo jurídico-
político de Direito Público interno, que faz da pessoa um dos elementos
componentes da dimensão pessoal do Estado.” No direito constitucional o brasileiro
nacional ou naturalizado é aquele que se vincula, por nascimento ou por
naturalização ao território e ao Estado brasileiro.
Quanto à nacionalidade, para o constitucionalista José Afonso da Silva: Sociologicamente é certo que a nacionalidade indica a pertinência da pessoa a uma nação. Nesse sentido, nacionais seriam todos quanto nascem num certo ambiente cultural feito de tradições e costumes, geralmente expresso numa língua comum, atualizado num idêntico conceito de vida e dinamizado pelas mesmas aspirações de futuro e os mesmos ideais coletivos. (SILVA, 2004, p. 317-318)
A Constituição Federal de 1988, em seu Capítulo III, Art.12 e seus incisos I e
II, estabelece quem são os brasileiros natos e naturalizados, e no § 2º, do mesmo
artigo, ela ressalta que não deve haver distinções entre brasileiros natos e
naturalizados: “A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e
naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.” Então vejamos o que
está previsto na Constituição, a qual preleciona:
a) Art. 12. São brasileiros: I - natos: a) os nascidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país;
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b) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Federativa do Brasil; c) os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe 7brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem em qualquer tempo pela nacionalidade brasileira; II - naturalizados: a) os que, na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade moral; b) os estrangeiros de qualquer nacionalidade residentes na República Federativa do Brasil há mais de trinta anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacionalidade brasileira. § 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor dos brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro nato, salvo os casos previstos nesta Constituição. § 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição. § 3º São privativos de brasileiro nato os cargos: I - de Presidente e Vice-Presidente da República; II - de Presidente da Câmara dos Deputados; III - de Presidente do Senado Federal; IV - de Ministro do Supremo Tribunal Federal; V - da carreira diplomática; VI - de oficial das Forças Armadas. § 4º Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que: I - tiver cancelada sua naturalização, por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional; II - adquirir outra nacionalidade por naturalização voluntária
Observamos no inciso VI, § 2º, do Art.12, que o cargo de oficial das Forças
Armadas é privativo de brasileiro nato, porém nada é citado com respeito aos
graduados das Forças Armadas, subentende-se que no que diz respeito ao soldado
à graduação de subtenente, podem ser ocupadas por brasileiros naturalizados,
estamos falando de militares federais, porém mesmo que estes cresçam na carreira,
por força constitucional jamais poderiam chegar a serem Oficiais.
E quanto a Polícia Militar do Paraná, que é uma força auxiliar e reserva do
exército, encontramos o seguinte na lei estadual 1943/54, Código da PMPR:
Art. 1º. A Polícia Militar do Estado, Corporação instituída pela Lei nr. 7, de 10 de agosto de 1854, para a segurança interna e manutenção da ordem no território estadual, é subordinada à Secretaria de Estado dos Negócios do Interior e Justiça e considerada, de acordo com a legislação federal, força auxiliar, reserva do Exército Nacional, situação esta que a obriga a atender à convocação do Governo Federal, em caso de guerra externa ou grave comoção intestina. § 1º. A Corporação, formada por alistamento voluntário de brasileiros natos, matrícula no C.F.O.C. e preenchimento regular dos outros quadros, é constituída de serviços e corpos das armas de infantaria e cavalaria, além dos mais que lhes são peculiares, todos semelhantes aos do Exército, e em unidades com organização, equipamento e armamento próprios ao desempenho das funções policiais. Art. 21. São condições para o ingresso: I- como oficial não combatente: aprovação em concurso;
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II - como soldado; a) ser brasileiro nato; b) Ser reservista do Exército, da Marinha de Guerra ou da Aeronáutica Nacional ou ser portador de autorização do Comando da Região Militar; c) ser alfabetizado; d) ter comprovada moralidade; e) ter capacidade física comprovada pelo serviço de saúde da Corporação; f) ter no máximo 30 anos de idade. III - Como aluno do C.F.O.C.: a respectiva matrícula, na forma do Regulamento próprio.
Na consequência do poder constituinte decorrente, a Constituição do Estado
do Paraná silencia a respeito da nacionalidade dos oficiais e praças da Polícia
Militar, todavia como cita o Art.1º da Lei 1943/54, Código da PMPR, a Polícia Militar
do Paraná é força auxiliar e reserva do exército, o que significa que em um momento
de grave perturbação política interna ou de guerra declarada, a Polícia Militar deve
integrar o exército brasileiro e, portanto seus oficiais também devem ser brasileiros
naturalizados, observamos no Art. 21 da Lei 1943/54, inciso II, alínea “a” Código da
PMPR, que as condições para o ingresso na Polícia Militar como soldado também
deve ser de brasileiro nato.
Desta forma em situação de grave perturbação interna, grave ameaça
nacional ou guerra declarada, onde o exército brasileiro necessite da incorporação
de policiais militares do Paraná em suas fileiras, poderemos ter praças do exército
sendo brasileiros naturalizados, mas praças da polícia militar do Paraná,
incorporadas ao exército, apenas brasileiros natos, neste paradoxo, notamos que a
lei e não a constituição impede brasileiros naturalizados de integrarem a Polícia
Militar do Paraná. Salientamos também que, para ingresso na Polícia Militar do
Paraná, oficiais combatentes são submetidos a um rigoroso processo de seleção
mediante concurso vestibular, e as praças da mesma forma mediante concurso
público, e não por simples alistamento voluntário. Não basta para os praças serem
apenas alfabetizados, mas possuírem ensino médio completo, e para oficiais não
combatentes, isto é, a oportunidade do simples soldado mediante esforço e
concursos internos, além de um comportamento exemplar, chegarem ao posto de
oficial, neste caso seriam os chamados oficiais não-combatentes.
Neste caso identificamos que lei necessita ser atualizada, pois se a
Constituição Federal, de maneira tácita, permite que praças das Forças Armadas
sejam brasileiros naturalizados, por que uma lei estadual não permite que praças da
Polícia Militar do Paraná também o sejam? Apesar da lei 1943/54, código da polícia
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militar, positivar o contrário, em 2014 o edital, para o concurso de soldados da
polícia militar e do corpo de bombeiros, já mencionou a condição de brasileiros natos
e naturalizados como pré-requisito para habilitação ao concurso.
3 MILITARISMO E AS INSTITUIÇÕES MILITARES
Segundo Rogério Luis Marques de Mello (1993), oficial da Polícia Militar de
São Paulo:
O militarismo, entendido como atividade relativa à guerra, às milícias ou aos soldados, existe no mundo desde os tempos mais remotos, consistindo na organização de homens e armas que se destinavam, em regra, à tomada e manutenção do poder, pelos mais diversos motivos e interesses. Com o surgimento do Estado Moderno, após a Revolução Francesa de 1789, e o fim do Estado Absolutista, as forças militares passaram a defender os interesses tutelados pelo Estado que as constituía, fazendo-se a necessária distinção de que nem sempre os interesses protegidos eram os interesses públicos tidos como primários. O Brasil, por sua vez, descoberto em 1500 e colônia de Portugal por mais de trezentos anos, era defendido por forças militares lusitanas contra as tentativas de invasões holandesas, espanholas e britânicas. Após sua independência em 1822 e, mormente, com a vinda da família real para o Brasil, é que foram instituídas as forças militares (marinha e exército) para a defesa da soberania da nação. Ainda que em todas as Constituições do Brasil, desde a do Império, de 1824, os temas militares tenham sido tratados, interessa-nos a presente configuração das Forças Armadas e das Polícias Militares Estaduais na Constituição da República de 1988, a fim de vislumbrarmos com clareza o atual perfil dos militares e das instituições democráticas do Estado.
Nos termos do art. 142 da Constituição Federal, as “Forças Armadas,
constituídas pela marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e disciplina”, (grifo meu) sob a autoridade suprema do Presidente da República, e
destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por
iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. Por sua vez, as Polícias Militares e
Corpos de Bombeiros Militares, também são instituições organizadas com base na
hierarquia e disciplina, sendo seus membros denominados de militares dos Estados
(Art.42, caput, da CF).
Nestes termos, nada mais razoável que sejam submetidos a um regime
jurídico diferenciado, onde cada um de seus integrantes possa saber prontamente
qual autoridade é competente para emanar determinada ordem, bem como possa
haver, paralelamente, o pronto e estrito atendimento a tal ordenação.
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Com fundamento nessas características, contempladas como base das
instituições castrenses, é que o Estatuto dos Militares define, em seu art.14, §1º, a
hierarquia militar como:
A ordenação da autoridade, em níveis diferente, dentro da estrutura das Forças Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações; dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela antiguidade no posto ou graduação. O respeito à hierarquia é consubstancia no espírito de acatamento à sequência de autoridade. (grifo meu) (Lei nº 6880/80)
Define, ainda, no mesmo artigo, em seu § 2º, a disciplina como a rigorosa
observância e o acatamento integral das leis, regulamentos, normas e disposições
que fundamentam o organismo militar e coordenam seu funcionamento regular e
harmônico, traduzindo-se pelo perfeito cumprimento do dever por parte de todos e
de cada um dos componentes desse organismo.
Como decorrência lógica e necessária da organização militar fundada na
hierarquia e na disciplina, aos militares ainda são impostas inúmeras vedações e
prerrogativas constitucionais: no art.5º, inciso LXI, por exemplo, temos que:
“ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada
de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou
crime propriamente militar, definidos em lei; no art.142, § 2º, verifica-se que: “não
caberá habeas corpous em relação a punições disciplinares militares”; ainda no
art.142, verifica-se que ao “militar são proibidas a sindicalização e a greve” (inciso
IV), que “o militar enquanto em serviço ativo não pode estar filiado a partidos
políticos” (inciso V), que “o oficial só perderá o posto e a patente se for julgado
indigno do oficialato com ele incompatível, por decisão de tribunal militar em tempo
de paz, ou de tribunal especial em tempo de guerra” (inciso VI) e que “o oficial
condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de liberdade superior a dois
anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no
inciso anterior” (inciso VII), dentre outras disposições.
4 VALORES E DEVERES MILITARES
Constata-se, portanto, que o legislador constituinte, deliberadamente, institui
um regime jurídico diferenciado ao militar, e, mais ainda, estabeleceu critérios éticos
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e, consequentemente, todo um sistema axiológico que deve permear sua conduta.
Depreende-se tal fato da interpretação sistemática e teleológica dos incisos VI e VII
do art. 142 (já citados), e dos art.123 e 124, § 4 º da CF, que tratam da organização
da Justiça Militar Federal e da competência das Justiças Militares estaduais.
Analisando-os criteriosamente, nota-se que ao oficia é outorgada uma
vitaliciedade em relação ao seu posto e patente, só perdendo após decisão, em
tempos de paz, do Tribunal de justiça Militar do Estado, mesmo nos casos em que
tenha sido condenada irrecorrivelmente a pena privativa de liberdade superior a dois
anos. Tal julgamento, por sua vez, é estritamente moral, e baseia-se na capacidade
ou incapacidade do oficial de continuar ocupando determinado posto e desfrutando
de sua patente.
Nos dizeres de Jorge César de Assis, no Tribunal Moral não se rediscute o
mérito do processo que origem ao julgamento da declaração pretendida. Tal mérito
já foi analisado durante a ação penal ou durante o desenrolar do processo
administrativo. Não há produção de provas. Julga-se, apenas, se o fato afetou ou
não o pundonor militar e o decoro da classe, violando deveres que lhe são impostos. (grifo meu) O contraditório limita-se à possiblidade do oficial representado
demonstrar estrema de dúvida que os fatos pelos quais restou processado, judicial
ou administrativamente, não lhe desonraram, não lhe macularam, nem lhe deixaram
qualquer nódoa pessoal ou profissional. (Revista de Direito Militar, nº11, Maio/Junho,
1998 ).
Da composição dos Tribunais Militares, por sua vez, verifica-se que, tanto em
âmbito federal quanto na esfera estadual, são formados por juízes leigos e togados,
sendo os leigos, no Superior Tribunal Militar, oficiais-generais da Marinha, do
Exército e da Aeronáutica, e nos Tribunais Militares dos Estados, militares coronéis,
todos da ativa. Têm, portanto, uma configuração similar ao do Tribunal do Júri, o
chamado Tribunal Popular em que juízes leigos (jurados), por refletirem com maior
legitimidade o impacto do crime e sua reprovabilidade junto à sociedade, seriam
mais abalizados a julgarem o acusado e impor-lhe a sanção adequada. Nos
Tribunais Militares, formados majoritariamente por juízes leigos, potencializa-se
igualmente o julgamento moral da conduta do agente, sendo que seus próprios
pares (além dos juízes togados) decidirão acerca da conveniência e capacidade
ética do acusado de permanecer na Corporação.
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Nesse contexto, resta sabermos quais são os valores efetivamente pugnados
pelas instituições militares e onde se encontram inscritos.
A Constituição Federa, ainda que tenha tratado de modo analítico os temas
militares, não desceu (e nem deveria) a minúcias próprias de cada instituição ou
força, deixando a cargo das várias leis federais e estaduais, o tratamento da matéria.
O regime de valores e deveres da Marinha, Exército, Aeronáutica e de cada uma
das Polícias e Corpos de Bombeiros Militares do Brasil, portanto, são explicitados
nos seus respectivos estatutos disciplinares, tendo a Constituição, apenas,
determinado a base sobre a qual deverão ser edificados tais elementos axiológicos:
a hierarquia e a disciplina.
Em geral, são considerados valores fundamentais da moral militar: o
patriotismo, o civismo, a hierarquia e a disciplina, o profissionalismo, a lealdade, a
constância, a verdade real, a honra, a dignidade humana, a honestidade e a
coragem. (Art. 7º da Lei Complementar Estadual Nº 893, de 09 de março de 2001,
que instituiu o Regulamento Disciplina da Polícia Militar do Estado de São Paulo –
RDPM).
Diante da adoção de tais valores, surgem os deveres éticos que devem
conduzir a conduta militar: cultuar os símbolos e as tradições da Pátria, do Estado e
da sua instituição, cumprir os deveres de cidadão, servir à comunidade, atuar com
devotamento ao interesse público, colocando-o acima dos anseios particulares, estar
sempre preparado para as missões que desempenhe, proceder de maneira ilibada
na vida pública e particular, considerar a verdade, a legalidade e a responsabilidade
como fundamentos de dignidade pessoal, atuar com eficiência e probidade, zelando
pela economia e conservação dos bens públicos, proteger as pessoas, o patrimônio
e o meio ambiente com abnegação e desprendimento pessoal. (Art. 8º da Lei
Complementar Estadual nº 893, de 09 de março de 2001, que instituiu o
Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo – RDPM).
5 DIREITO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E SEU PROCESSO
Não há que se confundir o direito material e o direito instrumental. Enquanto
aquele é o corpo de normas que disciplinam as relações jurídicas referentes a bens
e utilidades da vida, o direito processual cuida das relações dos sujeitos
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processuais, da posição de cada um deles no processo, da forma de se proceder
aos atos deste. (CINTRA; GRINOVER; DINARMARCO, 1993, p. 41)
Cabe, neste aspecto, importante observação. Não deve prevalecer, de modo
algum, a visão unitária do jus puniendi estatal, que implicaria na adoção inconteste
dos mesmos princípios de direito penal ao direito administrativo disciplinar. Ainda
que tenham por escopo a imposição de sanções, tais ramos do direito diferenciam-
se na essência e não apenas no grau da reprimenda (que, a rigor, poderia até ser
mais expressiva em âmbito administrativo), mantendo eventuais abordagens
semelhantes em razão da necessária observância de preceitos constitucionais.
Considerados os princípios e ditames constitucionais, obviamente obrigatórios, resta
ao legislador a liberdade de criar as normas materiais que julgar pertinentes ao
direito disciplinar (que nada mais é do que um ramo do direito administrativo), desde
que tais normas sejam proporcionais e razoáveis (tipicidade mitigada das
transgressões disciplinares, abundância no uso de conceitos jurídicos
indeterminados).
Nestes termos e com mais razão, concluímos que também o processo
administrativo disciplinar não se prende às formalidades próprias do processo penal,
exceto naquilo que, coincidentemente, seja necessário para a plena observância dos
princípios constitucionais. Assim, a processualidade administrativa disciplinar militar
segue, a rigor, normatização própria, no âmbito da força castrense interessada em
instrumentalizar a aplicação do seu estatuto disciplinar. Diante de tal liberdade é que
o legislador estabelece processos que independam da presença de defensor
técnico, minimiza formalidades, institui ritos específicos.
No âmbito da processualidade disciplinar castrense, em que a decisão
administrativa pode ensejar sanções privativas de liberdade e, no limite, a demissão
ou expulsão do militar com inequívoco cunho demeritório, os processos devem ser
conduzidos com extrema cautela e plena observância dos preceitos constitucionais e
legais, sob pena de impingir-se injusta e grave pena a servidor que,
comparativamente aos demais agentes públicos, carrega consigo pesada carga de
obrigações e deveres.
Por outro lado, diante dos caros valores protegidos pelas Forças Armadas,
instituições Policiais Militares e Corpos de Bombeiros Militares de todo o país
(soberania nacional, segurança pública, ações de defesa civil, entre outras) e,
principalmente, considerando que qualquer perturbação interna dessas forças pode
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acarretar sérios reflexos sociais, os processos administrativos disciplinares militares
devem pautar-se por diferenciada rigidez e instrumentos de cautela, tudo a fim de
tutelar convenientemente os fundamentos constitucionais que regem as corporações
castrenses, a hierarquia e a disciplina.
Em suma, temos que a normatização processual disciplinar castrense não
deve seguir, por tudo e em tudo, a legislação adjetiva penal. Eventuais semelhanças
ocorrem em razão dos princípios constitucionais que regem o gênero processual. Ao
legislador resta, portanto, relativa liberdade para criar o processo disciplinar
castrense, procurando instrumentalizar a conveniente tutela dos valores e deveres
militares previstos nos respectivos estatutos disciplinares se, contudo, esbarrar em
qualquer tipo de abuso ou arbitrariedade.
Em realidade, a instrumentalidade do processo é “aquele aspecto positivo da
relação que liga o sistema processual à ordem jurídico material e ao mundo das
pessoas e do Estado, com realce à necessidade de predispô-lo ao integral
cumprimento de todos os seus escopos sociais, políticos e jurídicos”. (CINTRA;
GRINOVER; DINARMARCO, 1993, p. 41-42).
Nesse ponto, cumpre-nos enfatizar mais uma vez as peculiaridades do regime
jurídico da disciplina militar, em âmbito constitucional e legal que, plenamente,
autorizam uma normatização processual também diferenciada, desde que em plena
consonância com os demais preceitos garantidores da lex mater.
Há que se explicitar, portanto, que não devemos partir de uma análise
idealizada do processo administrativo disciplinar militar, uma análise que não
corresponda à realidade jurídica existente sobre o tema na atualidade. Trata-se, a
rigor, de uma constatação fática da processualidade castrense estabelecida que:
Ao jurisperito não interessam as realidades substanciais ou infraestruturas que determinaram, em nível pré-jurídico, a opção do legislador constituinte e ordinário. As noções que importam ao jurista são aquelas qualificadas pelo sistema normativo, isto é, definidas em função de um regime. (MELLO, 1993, p.41.).
Assim, “ainda que discordemos de algumas destas realidades jurídicas, como
a da possiblidade de defesa do militar acusado por outro servidor, desprestigiando a
defesa técnica idônea e independente, não vamos ao extremo de idealizarmos um
regime normativo que atualmente não existe”. (MELLO, 2001, p. 52.)
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Cumpre-nos apontar desvios principiológicos e legais existentes, bem como
pugnar pela eventual mudança do regime jurídico que orienta o assunto buscando,
insistentemente, a consecução de um processo administrativo disciplinar justo e
democrático, mormente no âmbito militar.
Para todo brasileiro e principalmente o naturalizado, o qual pretende ingressar
na carreira militar no Brasil, deve possuir pelo menos alguns conceitos básicos sobre
o que é a Jurisdição Militar, a Justiça Militar Federal e a Justiça Militar Estadual.
6 JURISDIÇÃO MILITAR
A jurisdição pode ser classificada em ordinária ou comum e especial ou
extraordinária. Esta compreende a apreciação de assuntos específicos, tais como os
casos referentes à justiça trabalhista, eleitoral, militar, entre outras.
Já a jurisdição comum infere-se por exclusão, uma vez que julga todos os
casos que não são de competência da Justiça Especial, com exceção da
competência da Justiça Especial, com exceção da competência da Justiça Comum
Federal, que vem expressa na Constituição Federal.
Há várias discussões acerca da competência nos casos de crimes dolosos
contra a vida praticados por militar contra civil, no entanto, é entendimento
majoritário que serão julgados pela Justiça Comum, conforme dispõe o artigo 9º,
parágrafo único, do Código Penal Militar, e artigo 82, inciso II, do Código de
Processo Penal Militar.
7 JUSTIÇA MILITAR FEDERAL
É composta pelo Superior Tribunal Militar e pelos Tribunais e Juízes Militares
atribuídos por lei. Segundo, Alexandre de Moraes: “A Constituição Federal determina
que a Justiça Militar; dos Tribunais e dos Juízes Militares instituídos por lei, que a
organizará competindo-lhe processar e julgar os crimes militares definidos em lei.”
(MORAES; 2013)
O Superior Tribunal Militar é o órgão de segunda instância da Justiça Militar
Federal e é composto, conforme art.123, da Constituição Federal, de “quinze
Ministros vitalícios, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a
indicação pelo Senado Federal, sendo três dentre oficiais-generais da Marinha,
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quatro oficiais-generais do Exército, três dentre oficiais-generais da Aeronáutica,
todos da ativa e do posto mais elevado da carreira, e cinco dentro civis”.
Os Conselhos de Justiça e os Auditores compõem os membros de primeira
instância de a Justiça Militar, que é dividida em 12 (doze) Circunscrições Judiciárias
Militares, a qual a cada uma corresponde uma Auditoria, com exceção da primeira,
segunda, terceira e décima primeira circunscrição.
O Auditor é o encarregado da Auditoria, e juntamente com o Conselho de
Justiça visa à instrução e julgamento dos feitos.
Os Conselhos de Justiça Têm duas categorias: o Conselho Especial de
Justiça, que processa e julga os oficiais; e o Conselho Permanente de Justiça, que
processa e julga aqueles que não são oficiais.
8 JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL
A Constituição Federal, em seu artigo 124, permitiu aos Estados membros, a
organização da Justiça Militar Estadual, para que processe e julgue os militares dos
Estados nos crimes militares definidos em lei.
A possibilidade de criação por lei estadual, mediante proposta do Tribunal de
Justiça, da Justiça Militar estadual, sem qualquer vínculo jurisdicional ou
administrativo com a Justiça Militar Federal e o Superior Tribunal Militar, Rel. Min.
Celso de Mello (2006, p. 44) constituída, nos termos da EC nº 45/04, em primeiro
grau, pelos juízes de direito e pelos Conselhos de Justiça e, em segundo grau pelo
próprio Tribunal de Justiça, ou por Tribunal de Justiça Militar nos Estados em que o
efetivo militar seja superior a vinte mil integrantes, com competência para processar
e julgar os militares dos Estados, nos crimes militares definidos em lei e as ações
judiciais contra atos disciplinares militares, ressalvada a competência do júri quando
a vítima for civil, cabendo ao tribunal competente decidir sobre a perda do posto e da
patente dos oficiais e da graduação das praças. Essa previsão (CF, art.124 § 4º),
porém, conforme preceitua a Súmula 673 do Supremo Tribunal Federal, não impede
a perda da graduação de militar mediante procedimento administrativo, uma vez que
os mesmos não possuem a garantia da vitaliciedade e sim da estabilidade. A EC nº
45/04 estabeleceu competências diversas à primeira instância da Justiça Militar
estadual. Dessa forma, determinou competir aos juízes de direito do juízo militar
processar e julgar, singularmente, os crimes militares cometidos contra civis e as
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ações judiciais contra os atos disciplinares militares, cabendo ao Conselho de
Justiça , sob a presidência do juiz de direito, processar e julgar os demais crimes
militares. Rel. Min. Celso de Mello, decisão: 26-8-2008; STF – adi 471/ go – Rel. Min.
Eros Grau, informativo STF nº 500.
No entanto, há contradição quanto à competência, pois há alguns delitos
praticados por militares que poderão ser julgados pela Justiça Comum, como no
caso dos crimes dolosos contra a vida praticados contra civil.
Observa-se que assim como ocorre na Justiça Militar Federal, os órgãos de
primeira instância da Justiça Estadual são os Conselhos de Justiça e os Auditores.
9 BRASILEIRO NATURALIZADO – AQUISIÇÃO SECUNDÁRIA DA NACIONALIDADE BRASILEIRA
A forma para aquisição da nacionalidade secundária é a naturalização,
dependendo tanto da manifestação de vontade do interessado, quanto do
consentimento estatal, que poderá ou não atender à solicitação do estrangeiro ou
apátrida. Portanto, não poderá existir naturalização tácita, existindo apenas a
naturalização expressa, estabelecida na Constituição Federal e dividida em ordinária
e extraordinária.
A naturalização ordinária se subdivide em duas espécies:
a) De estrangeiros não originários de países de língua portuguesa e apátridas, que poderão pleitear a nacionalidade brasileira após 1 (um) ano ininterrupto de residência no Brasil e idoneidade moral, segundo o artigo 12, II, “a”, da Constituição Federal, desde que estejam preenchidas as regras contidas no artigo 112 do Estatuto dos Estrangeiros ( Lei nº 6.815/80 ); b) Dos portugueses que, por serem de país de língua portuguesa, já se encaixam na regra acima, porém quando houver reciprocidade em favor dos brasileiros, os portugueses, com residência permanente no Brasil, terão os mesmo direitos dos brasileiros, desde que não sejam vedados, observando que os portugueses não perderão sua cidadania portuguesa. Tal situação está assegurada através da Convenção Sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre Brasileiros e Portugueses, assinada em 07 Set 1971. c) Além da naturalização ordinária supramencionada existirá também a naturalização extraordinária, que poderá ser chamada de quinzenária. Essa naturalização está prevista no artigo 12, II, “b”, que prevê que qualquer estrangeiro que residir por mais de 15 anos ininterruptos no Brasil e não sofreu nenhuma condenação penal poderá solicitar a nacionalidade brasileira. A naturalização quinzenária é intransferível, e só é adquirida por aquele que preencher seus requisitos. Nesse sentido, José Afonso da Silva: “a naturalização não importa a aquisição da nacionalidade brasileira pelo cônjuge e filhos do naturalizado, nem autoriza estes a entrar ou radicar-se no Brasil, sem que satisfaçam as exigências legais.” A estes tópicos, mencionados na doutrina, o brasileiro naturalizado deve conhecer a respeito
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de sua condição, antes de pleitear um ingresso tanto nas Forças Armadas como nas Forças Auxiliares dos Estados. (BRASIL, 1988)
10 PERDA DO POSTO, DA PATENTE E DA GRADUAÇÃO
Conforme a definição de José da Silva Loureiro Neto, “posto é o grau
hierárquico do oficial confirmado em carta patente, enquanto graduação é o grau
hierárquico da praça, conferido pela autoridade militar competente”.
A Constituição Federal, em seu artigo 142, § 3º, inciso I, assegura as
prerrogativas, direitos e deveres das patentes, ao dispor que “as patentes, com
prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da
República e asseguradas em plenitude aos oficiais da ativa, da reserva ou
reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com o
uso dos uniformes das Forças Armadas”.
No entanto, não obsta que o oficial venha a perder seu posto ou patente, pois
conforme incisos VI e VII, do mesmo artigo, “o oficial só perderá o posto e a patente
se for julgado indigno do oficialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal
militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo
de guerra” e “o oficial condenado na justiça comum ou militar a pena privativa de
liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido
ao julgamento previsto no inciso anterior”.
Conforme o artigo 125, § 4º, da CF, compete ao Superior Tribunal Militar
decidir sobre a perda do posto e da patente dos oficiais e da graduação das praças,
das Forças Armadas.
No ordenamento jurídico brasileiro, não há nenhum impedimento, para que
um brasileiro naturalizado possa ingressar no serviço militar. E esta afirmação é
válida não só para as Forças Armadas, salvo oficiais, como também nas Polícias
Militares dos Estados e nos Corpos de Bombeiros Militares, não só do Estado do
Paraná, mas como também dos demais Estados e do Distrito Federal, salvo exceção
advinda do poder constituinte decorrente, na Constituição dos Estados Federados e
do Distrito Federal.
No Paraná, ainda não houve inscrições de brasileiros naturalizados para
cursos de soldados e mesmo de oficiais da Polícia Militar. Brasileiros naturalizados
conservam algum receio de exercer uma atividade pública militarizada, muitas vezes
tendo em vista que dentro de uma organização militar não haja respeito ao princípio
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da isonomia entre brasileiros natos e naturalizados. Até mesmo que uma mudança
repentina no ordenamento jurídico ou uma punição disciplinar de natureza grave
venha a cancelar sua condição de naturalizado.
A questão ainda é abordada com uma desconfiança por brasileiros
naturalizados, devido à nossa democracia ainda ser muito recente, e que se
aventurar numa profissão militar, quer seja ela estadual ou federal, ainda pode trazer
alguns problemas em razão de serem naturalizados.
Enquanto alguns países, recebem bem estrangeiros em suas forças armadas,
e com a premiação de serem posteriormente nacionais, assim como os Estados
Unidos, as Forças Armadas do Brasil não permitem o uso de idioma estrangeiro
dentro de área de organização militar, e até tomam medidas de punição disciplinar
contra aquele militar que porventura faça uso de um idioma ou dialeto que não seja
a língua portuguesa, e até nem incentivam o conhecimento de um idioma
estrangeiro entre seus militares.
Isto advém dos tempos da guerra fria, e dos períodos em que o Brasil foi
governado por militares impondo forte regime de direita que cerceava a população
de direitos individuais e coletivos, impondo uma constituição outorgada, em que
existia uma ideologia inimiga e esta era o comunismo, e que esta constituía uma
ameaça, e poderia trazer distúrbios nos quartéis.
No Art.111, do Anexo I, Relações das Transgressões, do Regulamento
Disciplinar do Exército, Decreto 4.346/2002, prescreve o seguinte: “Falar,
habitualmente, habitualmente língua estrangeira em OM (Organização Militar) ou
em área de estacionamento de tropa, exceto quando o cargo ocupado exigir.”
Embora seja uma medida de segurança do próprio aquartelamento e da
Organização Militar, é um procedimento que pode afastar o brasileiro naturalizado e
aquele que ainda não tem um domínio completo da língua portuguesa, da carreira
militar.
Nas Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, a situação não é tão
extremada assim, embora algumas Organizações Militares Estaduais, ainda adotem
o Regulamento Militar do Exército como manual de disciplina, no Paraná, por
exemplo, há um incentivo que os militares estaduais tenham conhecimento de um
idioma estrangeiro que até venha a contribuir para o sucesso da missão na área de
segurança pública e atuação em grandes eventos como Copa do Mundo e jogos
olímpicos, sem que isto comprometa a segurança das organizações militares
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estaduais e seus quartéis, no entanto na prática ainda não houve atentados
subversivos contra Organizações Militares Estaduais ou mesmo do Distrito Federal
por uso de um idioma estrangeiro, pois há um emprego da doutrina militar estadual
que se aperfeiçoa ano a ano, nos iniciantes da carreira militar estadual onde o
idioma estrangeiro é tratado como um aliado da missão policial militar ou mesmo
bombeiro militar, a explicação que nos ocorre é devido a Polícia Militar estar mais
presente nas ruas fazendo policiamento ostensivo tendo um contato maior com o
público, ao contrário das Forças Armadas que são aquarteladas.
Para o brasileiro naturalizado, isto pode ser um empecilho, e lhe trazer algum
problema disciplinar se por ventura lhe ocorrer de falar um idioma nato, por não
dominar totalmente a língua portuguesa. Atribuímos este fator como um dos motivos
que podem afastar o brasileiro naturalizado das Forças Armadas e das Polícias
Militares Estaduais.
Mas esta é uma questão ainda a ser discutida e trabalhada, não podemos
ignorar que vivemos num mundo cada vez mais globalizado, e que nossos
processos de seleção tanto nas Forças Armadas como nas Forças Militares dos
Estados e do Distrito Federal, possam incentivar o ingresso do brasileiro
naturalizado em suas organizações, apenas impondo critérios de segurança, mas
não impedindo o conhecimento de um idioma estrangeiro, com certeza o idioma não
deve ser o único motivo para afastar o ingresso de naturalizados nas forças
militares, mas com certeza é um deles. Lembrando que para as forças militares
estaduais, com o compromisso e o dever de fornecer segurança pública, a interação
com a população é de suma importância para o cumprimento da missão por meio de
um policiamento ostensivo, cada vez mais aprimorado, tornando a população uma
aliada e que veja no policial um amigo.
Vale realçar numa experiência vivida por um oficial do exército que participava
das Forças de Paz da ONU na Costa do Marfim, onde havia oficiais e praças de
muitas nacionalidades também participando das Forças de Paz, e que num dado
momento um oficial russo em campo, fez um sinal a certa distância, chamando este
oficial do exército brasileiro, para que se aproximasse este perplexo com a atitude
do militar russo, se aproximou e o que este oficial russo queria era apenas conversar
e aperfeiçoar seu idioma português, pois no exército russo existe uma escola
especializada de idiomas, o qual o referido oficial escolheu para aprender o
português e o que ele queria do oficial brasileiro era apenas conversar com alguém
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que também falasse o português para exercitar a língua portuguesa, e este oficial
sabia tudo sobre o Brasil, pois havia estudado nossa geografia, nossa história,
nossa democracia e até nosso regime democrático, inclusive nossa economia. O
oficial brasileiro gentilmente em demonstração de amizade conversou com o oficial
russo, mas sem dar informações relevantes do Brasil, mas deixou o oficial brasileiro
surpreso porque haviam coisas relatadas pelo oficial russo sobre o Brasil que nem o
próprio oficial do exército brasileiro conhecia sobre seu próprio país.
Este oficial brasileiro, que comandou posteriormente como Tenente-coronel e
comandante do 15º B Log (Batalhão Logístico), em Cascavel, relatou tal fato,
quando foi instrutor da ADESG (Associação dos Diplomados da Escola Superior de
Guerra), em 2008, aos seus alunos, mas incentivando-os não a falar um idioma
estrangeiro, mas a conhecer mais o Brasil e se interessar pela história passada e
contemporânea do Brasil, pois estrangeiros a conheciam melhor que os próprios
brasileiros.
Ainda existem muitas barreiras a serem vencidas para que tenhamos
brasileiros naturalizados tanto nas Forças Armadas como nas Forças militares dos
Estados e do Distrito Federal, e uma dessas barreiras pode ser vencido com a
educação e o conhecimento sócio-político, do país, e mesmo o domínio não só da
própria língua portuguesa, mas também o conhecimento de um idioma estrangeiro
que venha a contribuir tanto na segurança interna do país, como também na
segurança externa do Brasil, é um tema ainda a ser trabalhado, estudado,
aprimorado e discutido tantos nas Forças Militares Federais como também nas
Estaduais e Distrital, e isto venha a aproximar o brasileiro naturalizado destas forças
de defesa do Brasil tanto federais como estaduais e facilitar o seu ingresso,
fortalecendo sua cidadania e nacionalidade, bem como um vínculo maior e de amor
pelo Brasil.
Muitos destes naturalizados amam o Brasil comparando com seus países de
origem, e dos motivos pelos quais imigraram para o Brasil, usufruindo da liberdade,
da democracia da Constituição Cidadã e do que ela representa tanto para brasileiros
natos como naturalizados. O desafio é convencê-los disto, e doutrinados estes
brasileiros podem contribuir e muito para a defesa e a segurança pública do país.
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11 CONCLUSÃO Referente a problematização, quanto a questão de brasileiros naturalizados
prestarem serviços à Polícia Militar ou mesmo às Forças Armadas, para a proteção
interna e externa do país, e todos os aspectos relevantes a segurança pública, no
exemplo dado pelo ex-ministro Félix Fischer, um brasileiro naturalizado ocupando
até pouco tempo a presidência do Superior Tribunal de Justiça, fato este que não
contraria a Constituição Federal em momento algum, entendemos que qualquer
brasileiro naturalizado, dentro das condições exigidas para prestar o serviço militar
ou mesmo servir na Polícia Militar do Paraná ou de qualquer outro Estado, estando
este apto, não há objeção nenhuma constitucional para que este fato ocorra.
Entendemos também que ainda há certa falta de informação por parte destes
brasileiros e até certo desinteresse neste assunto tão complexo, que é a segurança
pública e a segurança do território nacional.
Geralmente, estes brasileiros se naturalizam em razão de busca de refúgio ou
para usufruir da liberdade de um Estado Democrático de Direito, que já não
encontram em seus países de origem. Buscam melhores condições de vida num
trabalho honesto que possa ser exercido em paz sem a intromissão do Estado.
Ainda não viram a condição de militar no Brasil como uma profissão que por eles
possa ser exercida, ainda por que as notícias que se veiculam dos militares ainda
são do período ditatorial, e quanto a segurança pública ainda não entendem o
trabalho da polícia militar e do corpo de bombeiros militar, como profissão.
Portanto, além desta ideia ainda carecer de certo amadurecimento, e de
haver maiores incentivos e investimentos às organizações militares tanto federais
como estaduais, a inclusão de brasileiros naturalizados nas forças de defesa e
segurança interna do país, não só trariam uma diversidade cultural inclusa à
disciplina, como também fariam com que estes brasileiros no exercício de sua
cidadania, sentirem-se mais brasileiros do que já o são, e a visão desta segurança
poderia trazer um aspecto positivo, para todos os brasileiros que clamam por mais
segurança.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL, Estatuto dos Militares. Lei nº 6.880, de 9 de dezembro de 1980. BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Dos Direitos e Garantias Fundamentais, 1988. BRASIL, STF. 2ªT. CC nº7.346-2/SP. Rel. Min. Celso de Mello, Diário da Justiça, Seção I, 14 dez. 2006. CINTRA, Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINARMARCO, Cândido R. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Ed. Malheiros, 1993, p.41. GRECO, Rogério. Atividade Policial: Aspectos penais, processuais penais, administrativos e constitucionais. 4ª ed. editora: Impetus, 2012, p.14,15. LOUREIRO NETO, José da Silva. Processo Penal Militar. 5ª ed. São Paulo: Atlas, 2000. MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Ed. Malheiros, 1993, p.41. MIRANDA, Pontes de. Tit. ed., cidade: editora, 1935. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. 29ª ed. São Paulo: Editora Atlas S.A, 2013. PINHO, Rodrigo César Rebello. Teoria Geral da Constituição e Direitos Fundamentais. Editora Saraiva. 6ª ed., 2006. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 37ª ed., São Paulo: editora Malheiros, 2004.