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Imagens mentais: implicaes para o ensino eaprendizagem e para a leitura primeira vista no
violo
Educao MusicalPablo DonosoRicardo Arxa
Imagens mentais: implicaes para o ensino e aprendizagem e paraa leitura primeira vista do violonista
Pablo Donoso Universidade Federal da Paraba (UFPB) pablopdonoso@gmail.comRicardo Arxa Universidade Federal da Bahia (UFBA) ricardo.a.m.aroxa@gmail.com
Resumo: Dentre diversas questes pedaggicas do violo clssico legadas do modelo consideradotradicional, uma das mais explcitas so as prticas tecnicistas que privilegiam processos mecnicose de imitao na preparao da perfomance. Alternativas para a otimizao desse aprendizado soas representaes mentais e a leitura primeira vista. Este artigo pretende discutir como a utilizaode imagens mentais musicais pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem e nodesenvolvimento da leitura primeira vista do violonista.
Palavras-chave: imagens mentais; leitura primeira vista; violo clssico; ensino e aprendizagem.
Abstract: Among several pedagogical issues from classical guitar teaching inherited from the"traditional" model, practices that prioritize mechanical processes and imitation are some of the mostexplicit ones. Mental imagery and sight-reading are two alternatives to optimize that learning. Weintend with this paper to propose a discussion about the use of mental imagery in classical guitarteaching and learning process and its influence in the sight-reading development.
Keywords: mental imagery; sight-reading; classical guitar; teaching and learning.
1. Introduo
Temos visto reflexes das mais diversas ordens no universo do ensino de
instrumento, seja tcnica, emocional, social, psicolgica e outros pontos de vista oriundos
dessas, que se configuram como um prisma holstico de questes inerentes a cada contexto
de ensino e aprendizagem.
Igualmente diverso o ensino de violo, que est presente em muitos contextos da
educao musical. Isso se deve principalmente a seu fcil acesso, portabilidade,
aprendizagem atravs de mltiplas notaes e desempenho igualmente consolidado como
acompanhante e solista.
O violo solo, tambm conhecido como clssico ou de concerto, tem uma trajetria
histrica de aproximadamente duzentos anos que deflagra lacunas educacionais
suficientemente plausveis como paradigmas no panorama contemporneo de ensino de
msica. Enquanto percebemos autores que advogam pela independncia do aluno, vemos
com frequncia no ensino de violo uma forma de transferncia vertical que mantm o
professor como detentor da quantidade e qualidade do conhecimento e o aluno como o
receptor irreflexivo.
No entanto, a ampliao do acesso literatura cientfica e a consolidao de eventos
acadmicos que incentivam a reflexo de alunos e profissionais de msica possibilitam uma
viso mais transdisciplinar na preparao da performance. Dentre as diversas reas de
conhecimento, a Psicologia Cognitiva tem legado contribuies relevantes ao ensino de
violo, tanto pelo rompimento de paradigmas quanto pelo objetivo da otimizao da
aprendizagem. Dois temas ainda pouco [re]conhecidos entre estudantes violonistas e
ofuscados pelo paradigma da nfase na automatizao motora do repertrio solo so as
imagens mentais e a leitura primeira vista.
O presente trabalho um recorte colaborativo de duas pesquisas de mestrado em
Educao Musical e tem como objetivo demonstrar implicaes do uso de imagens mentais
no desenvolvimento da leitura primeira vista e no processo de ensino e aprendizagem do
violo clssico em geral.
2. Fundamentao terica
A preparao da perfomance envolve variveis que subsidiam diversas questes,
dentre elas, o emblemtico equilbrio entre a quantidade e a qualidade da prtica no
instrumento. Seja ao estudar tcnica ou expresso musical, sabemos da necessidade da
concentrao e autoavaliao, pois a mera repetio de uma atividade no levar
automaticamente melhoria, especialmente, na preciso da performance (ERICSSON;
KRAMPE; TESCH-RMER, 1993: 367).Entender que aspectos quantitativos e qualitativos da prtica proveem resultados
positivos performance est no cerne de dois conceitos relevantes para nosso trabalho:
prtica deliberada, que, segundo os mesmos autores so atividades especialmente
designadas para aperfeioar nveis de performance (ERICSSON; KRAMPE;
TESCH-RMER, 1993: 368); e metacognio, que o conhecimento ou crena sobre
quais fatores ou variveis agem e interagem de forma a afetar o curso e o resultado
cognitivo do empreendimento (FLAVELL, 1979: 907).
Em resumo, o ensino de instrumento na atualidade advoga por conceitos que
apontam para a formao de um aluno que sabe como sistematizar seu estudo e otimizar
seu aprendizado. Com isso percebemos o docente como facilitador do conhecimento e da
autonomia ao aluno, mostrando-lhe caminhos mais efetivos para se tornar independente.
2.1 O que so imagens mentais?
O nosso cotidiano est repleto de imagens mentais e sua utilizao se d em
estados e atividades to diversas que praticamente impossvel observ-las isoladamente.
Essas representaes1 esto presentes em atos conscientes e inconscientes da mente.
Todavia, seu entendimento est para alm de sua associao literal com algo grfico,
como nos mostra Damsio (2010):
Diz-se frequentemente que o pensamento no feito apenas de imagens,que constitudo tambm por palavras e por smbolos abstratos noimagticos. Ningum negar certamente que o pensamento inclui palavras esmbolos arbitrrios. Mas essa afirmao no d conta do fato de tanto as
1 O termo representao mental ser usado neste trabalho como sinnimo de imagem mental.
palavras como outros smbolos serem baseados em representaestopograficamente organizadas e serem, eles prprios, imagens (DAMSIO,2010: 134).
Nos esportes e nas artes, atividades que trabalham com o desenvolvimento de
habilidades psico-motoras, as imagens mentais desempenham um papel central tanto na
preparao quanto no momento da performance. Como uma das artes, a experincia
musical no alheia formao de imagens mentais. Recentemente, estudos em Cognio
tm dado significante ateno capacidade de formar imagens em diversos personagens
da msica: ouvinte, intrprete, compositor, etc. Sacks (2007: 42-43) relata alguns casos de
pessoas que podem praticamente ouvir sinfonias inteiras na mente e de msicos que
ouvem, veem e sentem seu instrumento mentalmente. Sugere, ainda, como a mente
musical frtil para as representaes mentais:
Msicos profissionais geralmente possuem o que a maioria de nsconsideraria um talento excepcional para as imagens musicais. Tanto assimque muitos compositores comeam a compor, ou criam toda uma obra, nocom o instrumento, mas na mente. O exemplo mais extraordinrio Beethoven, que continuou a compor (e cujas composies atingiram nveiscada vez mais elevados) anos depois de ter se tornado totalmente surdo(SACKS, 2007: 43).
Durante muito tempo uma parcela considervel da literatura cientfica esteve voltada
apenas ao estudo de imagens mentais do tipo visual, no entanto, somos dotados da
possibilidade de gerar imagens com base em todas as outras modalidades sensoriais alm
da viso. Inclusive, como aponta Arcaro (1997: 13), somos capazes de criar representaes
mentais proprioceptivas (ligadas s sensaes viscerais) e tambm imagens mentais de
estados afetivos2.
A concepo clssica de imagens mentais as referem como representaes internas
com caractersticas concretas, ou seja representaes quase-sensoriais, ou
quase-perceptivas (RICHARDSON, 1969 apud ARCARO, 1997: 13). A partir dos anos de
1980 as Cincias Cognitivas - especialmente a Psicologia Cognitiva e a Neurologia -
comeam a direcionar suas pesquisas s modalidades de representaes auditivas e
motoras, alm das visuais. Tal situao, somada ao crescente interesse que a temtica
despertou a partir de outros acontecimentos histricos3, viabilizou a aplicao e utilizao
desse conhecimento com fins prticos de reabilitao, aquisio e aperfeioamento de
habilidades. Dessa forma, as investigaes na rea da Performance e da Educao Musical
absorveram conhecimentos advindos de estudos sobre imagens mentais. A consolidao de
2 Entendamos aqui a diferena entre como representamos um afeto na memria (tristeza, por exemplo) equando a evocao mental de uma situao especfica nos desperta esse afeto (ficamos triste ao lembrar deuma tragdia). Todavia as duas so frutos de imaginao.3 Como o invento de computadores que permitiam emular situaes de resoluo de problemas ou odesenvolvimento da Inteligncia Artificial.
estudos musicais com enfoques oriundos de outras reas levou a Neurocincia Cognitiva
denominar esse arcabouo como imagtica musical (CHAVES, 2011: 2).
O estudo da imagtica em msica no se limita s imagens mentais do tipo auditivo,
visto que o fazer musical exige processos complicados que misturam aes de outras
modalidades como as visuais, motoras e emocionais - principalmente em msicos
profissionais ou nos que pretendem se profissionalizar. Nesse sentido concordamos com
Clark e Williamon (2012: 472) quando dizem que a atividade imagtica de um msico
funciona atravs da recriao auditiva dos elementos musicais; da visualizao das
partituras, do instrumento e do espao onde acontece a performance; e da evocao de
sensaes, emoes e movimentos fsicos envolvidos.
A utilizao de imagens mentais no fazer musical diversa e se adapta s diferentes
situaes compreendidas nele, como ser: interpretao instrumental, improvisao,
composio, etc. Nesse sentido, Ericsson (1997 apud SANTIAGO, 2001: 94) nos diz que o
aprendizado da performance musical precisa da aquisio de diferentes tipos de
representaes internas, que so: a representao da ao, relacionada motricidade; a
representao do objeto, relacionada visualizao da performance desejada; e a
representao do som, relacionada escuta e comparao com a performance ideal.
Discutiremos as trs modalidades apontadas por Ericsson (motoras, visuais e auditivas) e
suas relaes com o ensino e aprendizagem do violo.
2.2 O que leitura primeira vista?
A leitura musical um assunto que h muito atrai a ateno de msicos e outras
cincias. A princpio poderia dizer que a leitura de um texto consiste em uma srie de
respostas a uma srie de sinais (GUILLAUME, 1949: 115). Podemos perceber
caractersticas comuns nas leituras textual e musical, salvo a diferena de contedo
(HAKIM, 2007: 143). A forma como se do os processos cognitivos na converso da
informao a principal semelhana, porm diversos fatores ligados organizao visual e
significado dos smbolos do peculiaridades leitura musical, como a textura, o estilo, clave,
etc.
A leitura primeira vista considerada por alguns autores uma das habilidades
essenciais ao msico, juntamente com performance ensaiada, tocar de ouvido, tocar de
memria e improvisar (KOPIEZ et al, 2006: 5; MCPHERSON, 1995). Por outros ela no
passa de uma tarefa de transcrio motora (SHAFER, 1982), tal como digitar um documento
ou ler em voz alta (FINE; BERRY; ROSNER, 2006: 431). Um aspecto que vale a pena
observar e que talvez explique o entendimento difuso do sentido que a msica tonal
ocidental desenvolveu uma notao que representa as informaes de altura e durao
muito explicitamente, mas intensidade e timbre apenas aproximadamente (PALMER, 1997:
119).
Com isso, quando falamos em leitura primeira vista, possivelmente significados
diferentes viro mente. Sua ampla utilizao pode ser exemplificada atravs de Lehmann
e McArthur (2002):
Alguns podem considerar apenas a primeira vez em que algum l umapea desconhecida como verdadeira leitura primeira vista, enquantooutros permitiriam uma definio que abrangesse uma execuo depois deuma preparao mais longa. Um regente pode considerar leitura primeiravista como a atividade de ler silenciosamente atravs da partitura, enquantoimagina ou executa os movimentos apropriados da regncia (LEHMANN;MCARTHUR, 2002: 135).
No discordamos que uma performance possa acontecer de fato a prima vista
(GABRIELSSON, 2003: 243), mas o sucesso dessa inevitavelmente estar vinculada
experincias anteriores do intrprete no estilo, textura, etc. Em outras palavras, a ideia de
tocar literalmente primeira vista pode se tornar artificial. Deste modo, nosso conceito de
uma habilidade que possibilita chegar ao resultado mais prximo de uma performance
ensaiada com o mnimo de preparo (ARXA, 2013: 33).
Outro conceito que nos interessa neste trabalho a diviso da tarefa de leitura em
trs estgios consecutivos. Thompson e Lehmann (2004: 146) entendem que inicialmente
h a percepo da notao, em seguida seu processamento e, finalmente, a execuo
do resultado motor. Essa ideia sequencial parece artificial quando presenciamos uma
execuo em leitura primeira vista por um expert na habilidade, na qual a tarefa parece to
instantnea que pensamos ser uma nica etapa. Todavia, em sabendo que a vista est
sempre a frente do texto que est sendo interpretado no mesmo momento, podemos sugerir
que, enquanto executamos uma informao, percebemos e processamos as prximas.
Isso implica que esses estgios se referem a uma mesma informao. Essa diferena
temporal entre o que se est lendo e o que est sendo reproduzido chamado de eye-hand
span (SLOBODA, 1977, 2008).
A relao entre imagens mentais e leitura primeira vista estreita e perceberemos
na discusso a seguir como esto intrinsecamente ligados otimizao do processo de
aprendizagem do violo clssico.
3. Materiais e mtodo
Este um trabalho colaborativo oriundo de duas pesquisas de mestrado em
Educao Musical, uma em estado de concluso sobre o uso de imagens mentais e outra j
concluda sobre leitura primeira vista (ARXA, 2013). Ambas as pesquisas enfocam a
importncia desses aspectos para a formao do violonista.
Para empreender a discusso a seguir, utilizamos materiais bibliogrficos das reas
da Performance, Cognio Musical e Educao Musical e contribuies empricas oriundas
de nossas atuaes como violonistas e professores desse instrumento.
4. Discusso
4.1 Imagens mentais no ensino e aprendizagem de violo
As implicaes da imagtica mental no fazer musical so notrias, como podemos
perceber em estudos no campo das Prticas Interpretativas e da Educao Musical. Na
contramo dos preceitos do ensino de instrumento na contemporaneidade, percebemos no
modelo tradicional de ensino a falta de abordagens que possibilitem que o aluno
desenvolva suas habilidades a partir das suas prprias capacidades e limitaes.
Nesse contexto, o nico referencial tcnico e artstico do aluno o professor.
Podemos encontrar professores que trabalham a posio das mos do estudante
movendo-as ou colocando-as nos lugares que consideram apropriados sem se importar com
o processo de formao dessas posies a partir da perspectiva desse ltimo. Um resultado
provvel dessa situao o estudante no conseguir posicionar as mos uma vez
terminada a aula, pois o professor no ofereceu os caminhos proprioceptivos ou o aluno no
lembra das sensaes necessrias para atingir o objetivo esperado.
Concordamos com Swanwick (1994: 8) quando diz que o desenvolvimento de
qualquer habilidade requer um plano, um rascunho, um esquema, uma padronizao geral
da ao. A partir de ideias antecipadas sobre a msica e a criao de lembranas de
sensaes motoras, visuais e auditivas desenvolve-se a preparao de uma obra musical.
Acreditamos que esses planos envolvem tanto questes tcnicas quanto interpretativas e
so configurados em consonncia com as individualidades de cada instrumentista.
Encorajar o estudante a trabalhar tcnica violonstica a partir do prprio corpo ou
utilizando metforas de sensaes comuns fora do instrumento ajudaria a desenvolver a
autonomia desde os momentos iniciais da sua formao.
Partindo da concepo de Farias (2010: 148) de que a aprendizagem da tcnica do
violo consiste na construo de programas que se automatizam para logo ser encadeados
de diversas formas, podemos perceber que essa automatizao acontece por meio de
repeties fsicas. Todavia, repeties realizadas sem cuidado podem degradar as
representaes corticais das mos e provocar leses fisiolgicas (LER) ou neurolgicas
(Distonia Focal) no aluno. O movimento produto da percepo e a ela corresponde o
conhecimento que o organismo tem de si mesmo (corpo imagem). Por esse vis, a
otimizao dos processos de construo dos movimentos acontece quando o corpo real e o
corpo imagem esto ajustados (FARIAS, 2010: 145). A referncia do movimento a imagem
mental dele que foi criada com antecipao e que pode ser treinada e refinada mediante
evocaes mentais.
Sabemos que, na msica, a formao de imagens mentais direcionadas prtica
so uma ferramenta crucial para toda pessoa que toca um instrumento (SACKS, 2007: 44).
Na interpretao instrumental essas imagens mentais - como mencionado na
fundamentao terica - correspondem s modalidades motoras, auditivas e visuais.
Experimentaes e testes realizados por Alvaro Pascual-Leone (2003) demonstraram que a
simulao mental de movimentos ativa as mesmas estruturas neurais que so requeridas
para a execuo de movimentos reais. Ao que parece, a prtica mental seria suficiente para
promover a modulao de circuitos neurais envolvidos no aprendizado de habilidades
motoras, o que acentuaria a melhora na execuo instrumental e permitiria a aprendizagem
com menos prtica fsica. Os movimentos antecipados mentalmente serviriam como uma
forma de controle da preciso, da fora e do ataque4. Contudo, cabe mencionar que a
prtica mental isolada no pode substituir a prtica fsica, porm a combinao das duas
levaria a um aperfeioamento das habilidades motoras mais acentuado que apenas a
realizao desta ultima.
Fernndez (2000: 28) menciona a prtica de sensaes proprioceptivas sem o
instrumento, realizadas no ar, como se se tratasse de um violo imaginrio cuja execuo
pode ser desenvolvida por meio de tcnicas de mentalizao e criao de lembranas
motoras, auditivas e visuais a partir de experincias perceptivas reais com o instrumento. A
prpria experincia pessoal como estudantes e professores de violo nos remete a
situaes similares - muitas vezes a partir de autodescobertas ou de sugestes de outros
msicos - nas quais desenvolvemos habilidades necessrias a alguns dos nossos objetivos
musicais como a memorizao de obras, a automatizao de gestos ou a compreenso
auditiva de passagens complicadas.
Concordamos com Bergan (1967) quando posiciona as imagens mentais auditivas
como sendo guia da interpretao instrumental. Existe uma correlao positiva entre as
imagens e a identificao da afinao e outras caratersticas do som controlado. Dessa
forma a produo do som segue o direcionamento das representaes auditivas internas.
Algo interessante a ter em conta nesse sentido a relao existente entre imaginao
auditiva e motora em msicos, diversos estudos (ZATORRE, et al.,1996; HALPERN EZATORRE, 1999; BANGERT, HAEUSLER E ALTENMLLER, 2001) apontaram para esta
relao de complementaridade. Dito de outra forma: o estudo mental de uma msica
acompanha o som ao movimento realizado para que ele acontea. O que deveria, no
mnimo, chamar a nossa ateno no momento de ensinar ou aprender um instrumento pois,
acreditamos, a finalidade do estudo o resultado sonoro (obviamente respeitando a
ergonomia do instrumentista).
4 Instante no qual as cordas so tangidas.
Outra situao que envolve a utilizao de imagens mentais no ensino e
aprendizagem de violo a preparao para o palco. Dificilmente um instrumentista vai
negar ter ouvido algum falar que mentalizar previamente a apresentao no palco pode
ajudar a controlar a ansiedade e o nervosismo que comumente atrapalham a interpretao.
No entanto poucos so os violonistas que levam tal sugesto a srio e preferem pensar nela
como um mito. Santiago (2006: 146) fala de estratgias para a preparao de uma
apresentao pblica nas quais inclui a visualizao das percepes e reaes da plateia. A
isso pode ser somada a imaginao da prpria execuo, incluindo sensaes motoras,
auditivas e visuais. Essa mentalizao de situaes que iro acontecer uma forma de
controlar de forma antecipada o desenvolvimento do msico enquanto se apresenta
publicamente o que ajudaria a reduzir os nveis de estresse e ansiedade ocasionados pelo
desconhecimento do que ir a se passar.
4.2 Imagens mentais na leitura primeira vista do violonista
Se discutir sobre a utilizao de imagens mentais foge da reflexo cotidiana da
maioria dos violonistas, pedir que se faa uma leitura primeira vista de uma partitura pode
se tornar uma tarefa intransponvel e, at mesmo, constrangedora para alguns. O semblante
de msico inseguro com sua leitura perceptvel no apenas entre os prprios violonistas,
mas tambm entre outros instrumentistas. O fato que muitos acreditam irreflexivamente
que o violo oferece dificuldades idiossincrticas que demandam, inexoravelmente, anos de
prtica para dominar essa habilidade.
Podemos sugerir que, apesar de identificarmos diversas situaes de uso de
imagens mentais, a prtica dominante de um repertrio solo enfatiza inconscientemente a
vertente motora dessas e o distancia da importncia de ter aptido na leitura primeira
vista.
Recapitulando a ideia de Thompson e Lehmann (2004: 146) exposta na
fundamentao terica, acreditamos que a interao das imagens mentais na habilidade em
questo est no estgio do processamento da notao. Conquanto parea breve, o
momento no qual so consultadas as inmeras formas de representaes adquiridas ao
longo da formao, dentre elas: motoras (escolha de dedilhado satisfatrio, mudanas de
posio5, etc); auditivas (percepo harmnica de tenso e relaxamento, escolha de
sonoridades, etc); e visuais (memria imediata que armazena as ltimas informaes
musicais grficas; reconhecimento de padres na escrita, etc).
H um componente da leitura primeira vista que absorve funcionalmente as
imagens mentais: os chunks. So unidades musicais significativas (LEHMANN;
MCARTHUR, 2002: 139) que permitem que a vista se antecipe em relao ao resultado
5 Utilizao de notas agrupadas em quatro casas adjacentes do brao do violo. Na primeira posio o dedoindicador da mo esquerda afere as notas na primeira casa, tal como o dedo mdio na segunda, anelar naterceira e mnimo na quarta. O nmero da posio dado pela localizao do indicador.
sonoro. Estas unidades podem ser desde um pequeno grupo de notas associadas ou frases
inteiras (SNYDER, 2012: 108). De certo modo podemos sugerir que estas imagens mentais
compem nosso vocabulrio de unidades musicais significativas utilizadas na leitura em
tempo real.
Nesta direo acreditamos que o estudo de representaes mentais uma
importante estratgia para o estudo individual do violonista (ARXA, 2012: 564), que inclui
imaginar a localizao espacial dos extremos da tessitura da obra no violo, cantar
mentalmente para experimentar um fraseado, simular texturas contrapontsticas (toca uma
voz e imagina a outra), dentre outras. Muitas das informaes recuperadas pelas imagens
mentais subsidiam, inclusive, a impresso de estilo, articulao e expresso musical no
trecho, que dependem, tambm, do estudo de outras disciplinas da formao, como Histria
da Msica, Harmonia, Percepo, etc. Esta utilizao est relativamente dissonante da
performance predominantemente mecnica que observamos em muitos alunos violonistas.
5. Consideraes finais
Em meio a um claro panorama de transio metodolgica no ensino de violo, novas
contribuies cientficas subsidiam a reflexo sobre lacunas de ensino e prticas que
permitem a otimizao deliberada da preparao da performance.
A utilizao sistemtica das imagens mentais, dentre outras, proporciona a
ampliao das situaes de estudo, menos dispndio de energia fsica, apropriao mais
holstica da obra e desenvolvimento da habilidade da leitura primeira vista. Tais aspectos
apontam para a construo de um estudante mais reflexivo, ativo no seu aprendizado e,
independente sob o ponto de vista do processo criativo da interpretao e da construo do
seu repertrio.
A otimizao do aprendizado do violonista para saber lidar melhor com prazos sem
prejuzo da qualidade da performance nos parece uma das demandas mais latentes dos
espaos de atuao da msica instrumental na contemporaneidade. Demandas essas que
precisam se configurar alvo explcito nas metodologias, contedos e prticas pedaggicas
na formao do violonista.
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Pablo Donoso: Bacharel em violo (UFBA) e mestrando em Educao Musical (UFPB). Atua nasreas de performance e ensino de instrumento. Atualmente se econtra desenvolvendo pesquisa sobreprocessos cognitivos em estudantes de violo.
Ricardo Arxa: Bacharel em violo (UFBA) e Mestre em Educao Musical (UFPB). Tem atuado comoinstrumentista, professor e pesquisador. Na produo cientfica, tem-se dedicado a escrever sobretemas relacionados pedagogia do violo e leitura primeira vista.
A preparao da perfomance envolve variveis que subsidiam diversas questes, dentre elas, o emblemtico equilbrio entre a quantidade e a qualidade da prtica no instrumento. Seja ao estudar tcnica ou expresso musical, sabemos da necessidade da concentrao e autoavaliao, pois a mera repetio de uma atividade no levar automaticamente melhoria, especialmente, na preciso da performance (ERICSSON; KRAMPE; TESCH-RMER, 1993: 367).Entender que aspectos quantitativos e qualitativos da prtica proveem resultados positivos performance est no cerne de dois conceitos relevantes para nosso trabalho: prtica deliberada, que, segundo os mesmos autores so atividades especialmente designadas para aperfeioar nveis de performance (ERICSSON; KRAMPE; TESCH-RMER, 1993: 368); e metacognio, que o conhecimento ou crena sobre quais fatores ou variveis agem e interagem de forma a afetar o curso e o resultado cognitivo do empreendimento (FLAVELL, 1979: 907).2.1 O que so imagens mentais?