Imagens mentais: implicações para o ensino e aprendizagem e para a leitura à primeira vista no...

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Imagens mentais: implicações para o ensino e aprendizagem e para a leitura à primeira vista no violão Educação Musical Pablo Donoso Ricardo Arôxa

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Dentre diversas questões pedagógicas do violão clássico legadas do modelo considerado“tradicional”, uma das mais explícitas são as práticas tecnicistas que privilegiam processos mecânicose de imitação na preparação da perfomance. Alternativas para a otimização desse aprendizado sãoas representações mentais e a leitura à primeira vista. Este artigo pretende discutir como a utilizaçãode imagens mentais musicais pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem e nodesenvolvimento da leitura à primeira vista do violonista.

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  • Imagens mentais: implicaes para o ensino eaprendizagem e para a leitura primeira vista no

    violo

    Educao MusicalPablo DonosoRicardo Arxa

  • Imagens mentais: implicaes para o ensino e aprendizagem e paraa leitura primeira vista do violonista

    Pablo Donoso Universidade Federal da Paraba (UFPB) [email protected] Arxa Universidade Federal da Bahia (UFBA) [email protected]

    Resumo: Dentre diversas questes pedaggicas do violo clssico legadas do modelo consideradotradicional, uma das mais explcitas so as prticas tecnicistas que privilegiam processos mecnicose de imitao na preparao da perfomance. Alternativas para a otimizao desse aprendizado soas representaes mentais e a leitura primeira vista. Este artigo pretende discutir como a utilizaode imagens mentais musicais pode auxiliar no processo de ensino e aprendizagem e nodesenvolvimento da leitura primeira vista do violonista.

    Palavras-chave: imagens mentais; leitura primeira vista; violo clssico; ensino e aprendizagem.

    Abstract: Among several pedagogical issues from classical guitar teaching inherited from the"traditional" model, practices that prioritize mechanical processes and imitation are some of the mostexplicit ones. Mental imagery and sight-reading are two alternatives to optimize that learning. Weintend with this paper to propose a discussion about the use of mental imagery in classical guitarteaching and learning process and its influence in the sight-reading development.

    Keywords: mental imagery; sight-reading; classical guitar; teaching and learning.

    1. Introduo

    Temos visto reflexes das mais diversas ordens no universo do ensino de

    instrumento, seja tcnica, emocional, social, psicolgica e outros pontos de vista oriundos

    dessas, que se configuram como um prisma holstico de questes inerentes a cada contexto

    de ensino e aprendizagem.

    Igualmente diverso o ensino de violo, que est presente em muitos contextos da

    educao musical. Isso se deve principalmente a seu fcil acesso, portabilidade,

    aprendizagem atravs de mltiplas notaes e desempenho igualmente consolidado como

    acompanhante e solista.

    O violo solo, tambm conhecido como clssico ou de concerto, tem uma trajetria

    histrica de aproximadamente duzentos anos que deflagra lacunas educacionais

    suficientemente plausveis como paradigmas no panorama contemporneo de ensino de

    msica. Enquanto percebemos autores que advogam pela independncia do aluno, vemos

    com frequncia no ensino de violo uma forma de transferncia vertical que mantm o

    professor como detentor da quantidade e qualidade do conhecimento e o aluno como o

    receptor irreflexivo.

    No entanto, a ampliao do acesso literatura cientfica e a consolidao de eventos

    acadmicos que incentivam a reflexo de alunos e profissionais de msica possibilitam uma

    viso mais transdisciplinar na preparao da performance. Dentre as diversas reas de

    conhecimento, a Psicologia Cognitiva tem legado contribuies relevantes ao ensino de

    violo, tanto pelo rompimento de paradigmas quanto pelo objetivo da otimizao da

  • aprendizagem. Dois temas ainda pouco [re]conhecidos entre estudantes violonistas e

    ofuscados pelo paradigma da nfase na automatizao motora do repertrio solo so as

    imagens mentais e a leitura primeira vista.

    O presente trabalho um recorte colaborativo de duas pesquisas de mestrado em

    Educao Musical e tem como objetivo demonstrar implicaes do uso de imagens mentais

    no desenvolvimento da leitura primeira vista e no processo de ensino e aprendizagem do

    violo clssico em geral.

    2. Fundamentao terica

    A preparao da perfomance envolve variveis que subsidiam diversas questes,

    dentre elas, o emblemtico equilbrio entre a quantidade e a qualidade da prtica no

    instrumento. Seja ao estudar tcnica ou expresso musical, sabemos da necessidade da

    concentrao e autoavaliao, pois a mera repetio de uma atividade no levar

    automaticamente melhoria, especialmente, na preciso da performance (ERICSSON;

    KRAMPE; TESCH-RMER, 1993: 367).Entender que aspectos quantitativos e qualitativos da prtica proveem resultados

    positivos performance est no cerne de dois conceitos relevantes para nosso trabalho:

    prtica deliberada, que, segundo os mesmos autores so atividades especialmente

    designadas para aperfeioar nveis de performance (ERICSSON; KRAMPE;

    TESCH-RMER, 1993: 368); e metacognio, que o conhecimento ou crena sobre

    quais fatores ou variveis agem e interagem de forma a afetar o curso e o resultado

    cognitivo do empreendimento (FLAVELL, 1979: 907).

    Em resumo, o ensino de instrumento na atualidade advoga por conceitos que

    apontam para a formao de um aluno que sabe como sistematizar seu estudo e otimizar

    seu aprendizado. Com isso percebemos o docente como facilitador do conhecimento e da

    autonomia ao aluno, mostrando-lhe caminhos mais efetivos para se tornar independente.

    2.1 O que so imagens mentais?

    O nosso cotidiano est repleto de imagens mentais e sua utilizao se d em

    estados e atividades to diversas que praticamente impossvel observ-las isoladamente.

    Essas representaes1 esto presentes em atos conscientes e inconscientes da mente.

    Todavia, seu entendimento est para alm de sua associao literal com algo grfico,

    como nos mostra Damsio (2010):

    Diz-se frequentemente que o pensamento no feito apenas de imagens,que constitudo tambm por palavras e por smbolos abstratos noimagticos. Ningum negar certamente que o pensamento inclui palavras esmbolos arbitrrios. Mas essa afirmao no d conta do fato de tanto as

    1 O termo representao mental ser usado neste trabalho como sinnimo de imagem mental.

  • palavras como outros smbolos serem baseados em representaestopograficamente organizadas e serem, eles prprios, imagens (DAMSIO,2010: 134).

    Nos esportes e nas artes, atividades que trabalham com o desenvolvimento de

    habilidades psico-motoras, as imagens mentais desempenham um papel central tanto na

    preparao quanto no momento da performance. Como uma das artes, a experincia

    musical no alheia formao de imagens mentais. Recentemente, estudos em Cognio

    tm dado significante ateno capacidade de formar imagens em diversos personagens

    da msica: ouvinte, intrprete, compositor, etc. Sacks (2007: 42-43) relata alguns casos de

    pessoas que podem praticamente ouvir sinfonias inteiras na mente e de msicos que

    ouvem, veem e sentem seu instrumento mentalmente. Sugere, ainda, como a mente

    musical frtil para as representaes mentais:

    Msicos profissionais geralmente possuem o que a maioria de nsconsideraria um talento excepcional para as imagens musicais. Tanto assimque muitos compositores comeam a compor, ou criam toda uma obra, nocom o instrumento, mas na mente. O exemplo mais extraordinrio Beethoven, que continuou a compor (e cujas composies atingiram nveiscada vez mais elevados) anos depois de ter se tornado totalmente surdo(SACKS, 2007: 43).

    Durante muito tempo uma parcela considervel da literatura cientfica esteve voltada

    apenas ao estudo de imagens mentais do tipo visual, no entanto, somos dotados da

    possibilidade de gerar imagens com base em todas as outras modalidades sensoriais alm

    da viso. Inclusive, como aponta Arcaro (1997: 13), somos capazes de criar representaes

    mentais proprioceptivas (ligadas s sensaes viscerais) e tambm imagens mentais de

    estados afetivos2.

    A concepo clssica de imagens mentais as referem como representaes internas

    com caractersticas concretas, ou seja representaes quase-sensoriais, ou

    quase-perceptivas (RICHARDSON, 1969 apud ARCARO, 1997: 13). A partir dos anos de

    1980 as Cincias Cognitivas - especialmente a Psicologia Cognitiva e a Neurologia -

    comeam a direcionar suas pesquisas s modalidades de representaes auditivas e

    motoras, alm das visuais. Tal situao, somada ao crescente interesse que a temtica

    despertou a partir de outros acontecimentos histricos3, viabilizou a aplicao e utilizao

    desse conhecimento com fins prticos de reabilitao, aquisio e aperfeioamento de

    habilidades. Dessa forma, as investigaes na rea da Performance e da Educao Musical

    absorveram conhecimentos advindos de estudos sobre imagens mentais. A consolidao de

    2 Entendamos aqui a diferena entre como representamos um afeto na memria (tristeza, por exemplo) equando a evocao mental de uma situao especfica nos desperta esse afeto (ficamos triste ao lembrar deuma tragdia). Todavia as duas so frutos de imaginao.3 Como o invento de computadores que permitiam emular situaes de resoluo de problemas ou odesenvolvimento da Inteligncia Artificial.

  • estudos musicais com enfoques oriundos de outras reas levou a Neurocincia Cognitiva

    denominar esse arcabouo como imagtica musical (CHAVES, 2011: 2).

    O estudo da imagtica em msica no se limita s imagens mentais do tipo auditivo,

    visto que o fazer musical exige processos complicados que misturam aes de outras

    modalidades como as visuais, motoras e emocionais - principalmente em msicos

    profissionais ou nos que pretendem se profissionalizar. Nesse sentido concordamos com

    Clark e Williamon (2012: 472) quando dizem que a atividade imagtica de um msico

    funciona atravs da recriao auditiva dos elementos musicais; da visualizao das

    partituras, do instrumento e do espao onde acontece a performance; e da evocao de

    sensaes, emoes e movimentos fsicos envolvidos.

    A utilizao de imagens mentais no fazer musical diversa e se adapta s diferentes

    situaes compreendidas nele, como ser: interpretao instrumental, improvisao,

    composio, etc. Nesse sentido, Ericsson (1997 apud SANTIAGO, 2001: 94) nos diz que o

    aprendizado da performance musical precisa da aquisio de diferentes tipos de

    representaes internas, que so: a representao da ao, relacionada motricidade; a

    representao do objeto, relacionada visualizao da performance desejada; e a

    representao do som, relacionada escuta e comparao com a performance ideal.

    Discutiremos as trs modalidades apontadas por Ericsson (motoras, visuais e auditivas) e

    suas relaes com o ensino e aprendizagem do violo.

    2.2 O que leitura primeira vista?

    A leitura musical um assunto que h muito atrai a ateno de msicos e outras

    cincias. A princpio poderia dizer que a leitura de um texto consiste em uma srie de

    respostas a uma srie de sinais (GUILLAUME, 1949: 115). Podemos perceber

    caractersticas comuns nas leituras textual e musical, salvo a diferena de contedo

    (HAKIM, 2007: 143). A forma como se do os processos cognitivos na converso da

    informao a principal semelhana, porm diversos fatores ligados organizao visual e

    significado dos smbolos do peculiaridades leitura musical, como a textura, o estilo, clave,

    etc.

    A leitura primeira vista considerada por alguns autores uma das habilidades

    essenciais ao msico, juntamente com performance ensaiada, tocar de ouvido, tocar de

    memria e improvisar (KOPIEZ et al, 2006: 5; MCPHERSON, 1995). Por outros ela no

    passa de uma tarefa de transcrio motora (SHAFER, 1982), tal como digitar um documento

    ou ler em voz alta (FINE; BERRY; ROSNER, 2006: 431). Um aspecto que vale a pena

    observar e que talvez explique o entendimento difuso do sentido que a msica tonal

    ocidental desenvolveu uma notao que representa as informaes de altura e durao

    muito explicitamente, mas intensidade e timbre apenas aproximadamente (PALMER, 1997:

    119).

  • Com isso, quando falamos em leitura primeira vista, possivelmente significados

    diferentes viro mente. Sua ampla utilizao pode ser exemplificada atravs de Lehmann

    e McArthur (2002):

    Alguns podem considerar apenas a primeira vez em que algum l umapea desconhecida como verdadeira leitura primeira vista, enquantooutros permitiriam uma definio que abrangesse uma execuo depois deuma preparao mais longa. Um regente pode considerar leitura primeiravista como a atividade de ler silenciosamente atravs da partitura, enquantoimagina ou executa os movimentos apropriados da regncia (LEHMANN;MCARTHUR, 2002: 135).

    No discordamos que uma performance possa acontecer de fato a prima vista

    (GABRIELSSON, 2003: 243), mas o sucesso dessa inevitavelmente estar vinculada

    experincias anteriores do intrprete no estilo, textura, etc. Em outras palavras, a ideia de

    tocar literalmente primeira vista pode se tornar artificial. Deste modo, nosso conceito de

    uma habilidade que possibilita chegar ao resultado mais prximo de uma performance

    ensaiada com o mnimo de preparo (ARXA, 2013: 33).

    Outro conceito que nos interessa neste trabalho a diviso da tarefa de leitura em

    trs estgios consecutivos. Thompson e Lehmann (2004: 146) entendem que inicialmente

    h a percepo da notao, em seguida seu processamento e, finalmente, a execuo

    do resultado motor. Essa ideia sequencial parece artificial quando presenciamos uma

    execuo em leitura primeira vista por um expert na habilidade, na qual a tarefa parece to

    instantnea que pensamos ser uma nica etapa. Todavia, em sabendo que a vista est

    sempre a frente do texto que est sendo interpretado no mesmo momento, podemos sugerir

    que, enquanto executamos uma informao, percebemos e processamos as prximas.

    Isso implica que esses estgios se referem a uma mesma informao. Essa diferena

    temporal entre o que se est lendo e o que est sendo reproduzido chamado de eye-hand

    span (SLOBODA, 1977, 2008).

    A relao entre imagens mentais e leitura primeira vista estreita e perceberemos

    na discusso a seguir como esto intrinsecamente ligados otimizao do processo de

    aprendizagem do violo clssico.

    3. Materiais e mtodo

    Este um trabalho colaborativo oriundo de duas pesquisas de mestrado em

    Educao Musical, uma em estado de concluso sobre o uso de imagens mentais e outra j

    concluda sobre leitura primeira vista (ARXA, 2013). Ambas as pesquisas enfocam a

    importncia desses aspectos para a formao do violonista.

  • Para empreender a discusso a seguir, utilizamos materiais bibliogrficos das reas

    da Performance, Cognio Musical e Educao Musical e contribuies empricas oriundas

    de nossas atuaes como violonistas e professores desse instrumento.

    4. Discusso

    4.1 Imagens mentais no ensino e aprendizagem de violo

    As implicaes da imagtica mental no fazer musical so notrias, como podemos

    perceber em estudos no campo das Prticas Interpretativas e da Educao Musical. Na

    contramo dos preceitos do ensino de instrumento na contemporaneidade, percebemos no

    modelo tradicional de ensino a falta de abordagens que possibilitem que o aluno

    desenvolva suas habilidades a partir das suas prprias capacidades e limitaes.

    Nesse contexto, o nico referencial tcnico e artstico do aluno o professor.

    Podemos encontrar professores que trabalham a posio das mos do estudante

    movendo-as ou colocando-as nos lugares que consideram apropriados sem se importar com

    o processo de formao dessas posies a partir da perspectiva desse ltimo. Um resultado

    provvel dessa situao o estudante no conseguir posicionar as mos uma vez

    terminada a aula, pois o professor no ofereceu os caminhos proprioceptivos ou o aluno no

    lembra das sensaes necessrias para atingir o objetivo esperado.

    Concordamos com Swanwick (1994: 8) quando diz que o desenvolvimento de

    qualquer habilidade requer um plano, um rascunho, um esquema, uma padronizao geral

    da ao. A partir de ideias antecipadas sobre a msica e a criao de lembranas de

    sensaes motoras, visuais e auditivas desenvolve-se a preparao de uma obra musical.

    Acreditamos que esses planos envolvem tanto questes tcnicas quanto interpretativas e

    so configurados em consonncia com as individualidades de cada instrumentista.

    Encorajar o estudante a trabalhar tcnica violonstica a partir do prprio corpo ou

    utilizando metforas de sensaes comuns fora do instrumento ajudaria a desenvolver a

    autonomia desde os momentos iniciais da sua formao.

    Partindo da concepo de Farias (2010: 148) de que a aprendizagem da tcnica do

    violo consiste na construo de programas que se automatizam para logo ser encadeados

    de diversas formas, podemos perceber que essa automatizao acontece por meio de

    repeties fsicas. Todavia, repeties realizadas sem cuidado podem degradar as

    representaes corticais das mos e provocar leses fisiolgicas (LER) ou neurolgicas

    (Distonia Focal) no aluno. O movimento produto da percepo e a ela corresponde o

    conhecimento que o organismo tem de si mesmo (corpo imagem). Por esse vis, a

    otimizao dos processos de construo dos movimentos acontece quando o corpo real e o

    corpo imagem esto ajustados (FARIAS, 2010: 145). A referncia do movimento a imagem

  • mental dele que foi criada com antecipao e que pode ser treinada e refinada mediante

    evocaes mentais.

    Sabemos que, na msica, a formao de imagens mentais direcionadas prtica

    so uma ferramenta crucial para toda pessoa que toca um instrumento (SACKS, 2007: 44).

    Na interpretao instrumental essas imagens mentais - como mencionado na

    fundamentao terica - correspondem s modalidades motoras, auditivas e visuais.

    Experimentaes e testes realizados por Alvaro Pascual-Leone (2003) demonstraram que a

    simulao mental de movimentos ativa as mesmas estruturas neurais que so requeridas

    para a execuo de movimentos reais. Ao que parece, a prtica mental seria suficiente para

    promover a modulao de circuitos neurais envolvidos no aprendizado de habilidades

    motoras, o que acentuaria a melhora na execuo instrumental e permitiria a aprendizagem

    com menos prtica fsica. Os movimentos antecipados mentalmente serviriam como uma

    forma de controle da preciso, da fora e do ataque4. Contudo, cabe mencionar que a

    prtica mental isolada no pode substituir a prtica fsica, porm a combinao das duas

    levaria a um aperfeioamento das habilidades motoras mais acentuado que apenas a

    realizao desta ultima.

    Fernndez (2000: 28) menciona a prtica de sensaes proprioceptivas sem o

    instrumento, realizadas no ar, como se se tratasse de um violo imaginrio cuja execuo

    pode ser desenvolvida por meio de tcnicas de mentalizao e criao de lembranas

    motoras, auditivas e visuais a partir de experincias perceptivas reais com o instrumento. A

    prpria experincia pessoal como estudantes e professores de violo nos remete a

    situaes similares - muitas vezes a partir de autodescobertas ou de sugestes de outros

    msicos - nas quais desenvolvemos habilidades necessrias a alguns dos nossos objetivos

    musicais como a memorizao de obras, a automatizao de gestos ou a compreenso

    auditiva de passagens complicadas.

    Concordamos com Bergan (1967) quando posiciona as imagens mentais auditivas

    como sendo guia da interpretao instrumental. Existe uma correlao positiva entre as

    imagens e a identificao da afinao e outras caratersticas do som controlado. Dessa

    forma a produo do som segue o direcionamento das representaes auditivas internas.

    Algo interessante a ter em conta nesse sentido a relao existente entre imaginao

    auditiva e motora em msicos, diversos estudos (ZATORRE, et al.,1996; HALPERN EZATORRE, 1999; BANGERT, HAEUSLER E ALTENMLLER, 2001) apontaram para esta

    relao de complementaridade. Dito de outra forma: o estudo mental de uma msica

    acompanha o som ao movimento realizado para que ele acontea. O que deveria, no

    mnimo, chamar a nossa ateno no momento de ensinar ou aprender um instrumento pois,

    acreditamos, a finalidade do estudo o resultado sonoro (obviamente respeitando a

    ergonomia do instrumentista).

    4 Instante no qual as cordas so tangidas.

  • Outra situao que envolve a utilizao de imagens mentais no ensino e

    aprendizagem de violo a preparao para o palco. Dificilmente um instrumentista vai

    negar ter ouvido algum falar que mentalizar previamente a apresentao no palco pode

    ajudar a controlar a ansiedade e o nervosismo que comumente atrapalham a interpretao.

    No entanto poucos so os violonistas que levam tal sugesto a srio e preferem pensar nela

    como um mito. Santiago (2006: 146) fala de estratgias para a preparao de uma

    apresentao pblica nas quais inclui a visualizao das percepes e reaes da plateia. A

    isso pode ser somada a imaginao da prpria execuo, incluindo sensaes motoras,

    auditivas e visuais. Essa mentalizao de situaes que iro acontecer uma forma de

    controlar de forma antecipada o desenvolvimento do msico enquanto se apresenta

    publicamente o que ajudaria a reduzir os nveis de estresse e ansiedade ocasionados pelo

    desconhecimento do que ir a se passar.

    4.2 Imagens mentais na leitura primeira vista do violonista

    Se discutir sobre a utilizao de imagens mentais foge da reflexo cotidiana da

    maioria dos violonistas, pedir que se faa uma leitura primeira vista de uma partitura pode

    se tornar uma tarefa intransponvel e, at mesmo, constrangedora para alguns. O semblante

    de msico inseguro com sua leitura perceptvel no apenas entre os prprios violonistas,

    mas tambm entre outros instrumentistas. O fato que muitos acreditam irreflexivamente

    que o violo oferece dificuldades idiossincrticas que demandam, inexoravelmente, anos de

    prtica para dominar essa habilidade.

    Podemos sugerir que, apesar de identificarmos diversas situaes de uso de

    imagens mentais, a prtica dominante de um repertrio solo enfatiza inconscientemente a

    vertente motora dessas e o distancia da importncia de ter aptido na leitura primeira

    vista.

    Recapitulando a ideia de Thompson e Lehmann (2004: 146) exposta na

    fundamentao terica, acreditamos que a interao das imagens mentais na habilidade em

    questo est no estgio do processamento da notao. Conquanto parea breve, o

    momento no qual so consultadas as inmeras formas de representaes adquiridas ao

    longo da formao, dentre elas: motoras (escolha de dedilhado satisfatrio, mudanas de

    posio5, etc); auditivas (percepo harmnica de tenso e relaxamento, escolha de

    sonoridades, etc); e visuais (memria imediata que armazena as ltimas informaes

    musicais grficas; reconhecimento de padres na escrita, etc).

    H um componente da leitura primeira vista que absorve funcionalmente as

    imagens mentais: os chunks. So unidades musicais significativas (LEHMANN;

    MCARTHUR, 2002: 139) que permitem que a vista se antecipe em relao ao resultado

    5 Utilizao de notas agrupadas em quatro casas adjacentes do brao do violo. Na primeira posio o dedoindicador da mo esquerda afere as notas na primeira casa, tal como o dedo mdio na segunda, anelar naterceira e mnimo na quarta. O nmero da posio dado pela localizao do indicador.

  • sonoro. Estas unidades podem ser desde um pequeno grupo de notas associadas ou frases

    inteiras (SNYDER, 2012: 108). De certo modo podemos sugerir que estas imagens mentais

    compem nosso vocabulrio de unidades musicais significativas utilizadas na leitura em

    tempo real.

    Nesta direo acreditamos que o estudo de representaes mentais uma

    importante estratgia para o estudo individual do violonista (ARXA, 2012: 564), que inclui

    imaginar a localizao espacial dos extremos da tessitura da obra no violo, cantar

    mentalmente para experimentar um fraseado, simular texturas contrapontsticas (toca uma

    voz e imagina a outra), dentre outras. Muitas das informaes recuperadas pelas imagens

    mentais subsidiam, inclusive, a impresso de estilo, articulao e expresso musical no

    trecho, que dependem, tambm, do estudo de outras disciplinas da formao, como Histria

    da Msica, Harmonia, Percepo, etc. Esta utilizao est relativamente dissonante da

    performance predominantemente mecnica que observamos em muitos alunos violonistas.

    5. Consideraes finais

    Em meio a um claro panorama de transio metodolgica no ensino de violo, novas

    contribuies cientficas subsidiam a reflexo sobre lacunas de ensino e prticas que

    permitem a otimizao deliberada da preparao da performance.

    A utilizao sistemtica das imagens mentais, dentre outras, proporciona a

    ampliao das situaes de estudo, menos dispndio de energia fsica, apropriao mais

    holstica da obra e desenvolvimento da habilidade da leitura primeira vista. Tais aspectos

    apontam para a construo de um estudante mais reflexivo, ativo no seu aprendizado e,

    independente sob o ponto de vista do processo criativo da interpretao e da construo do

    seu repertrio.

    A otimizao do aprendizado do violonista para saber lidar melhor com prazos sem

    prejuzo da qualidade da performance nos parece uma das demandas mais latentes dos

    espaos de atuao da msica instrumental na contemporaneidade. Demandas essas que

    precisam se configurar alvo explcito nas metodologias, contedos e prticas pedaggicas

    na formao do violonista.

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    Pablo Donoso: Bacharel em violo (UFBA) e mestrando em Educao Musical (UFPB). Atua nasreas de performance e ensino de instrumento. Atualmente se econtra desenvolvendo pesquisa sobreprocessos cognitivos em estudantes de violo.

    Ricardo Arxa: Bacharel em violo (UFBA) e Mestre em Educao Musical (UFPB). Tem atuado comoinstrumentista, professor e pesquisador. Na produo cientfica, tem-se dedicado a escrever sobretemas relacionados pedagogia do violo e leitura primeira vista.

    A preparao da perfomance envolve variveis que subsidiam diversas questes, dentre elas, o emblemtico equilbrio entre a quantidade e a qualidade da prtica no instrumento. Seja ao estudar tcnica ou expresso musical, sabemos da necessidade da concentrao e autoavaliao, pois a mera repetio de uma atividade no levar automaticamente melhoria, especialmente, na preciso da performance (ERICSSON; KRAMPE; TESCH-RMER, 1993: 367).Entender que aspectos quantitativos e qualitativos da prtica proveem resultados positivos performance est no cerne de dois conceitos relevantes para nosso trabalho: prtica deliberada, que, segundo os mesmos autores so atividades especialmente designadas para aperfeioar nveis de performance (ERICSSON; KRAMPE; TESCH-RMER, 1993: 368); e metacognio, que o conhecimento ou crena sobre quais fatores ou variveis agem e interagem de forma a afetar o curso e o resultado cognitivo do empreendimento (FLAVELL, 1979: 907).2.1 O que so imagens mentais?