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IDENTIFICANDO A PRAXEOLOGIA DE ATIVIDADES DE CAMPO: ESTUDO DO
PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES
Fausto de Oliveira Gomes (GEENF/FE-USP)
Martha Marandino (Livre Docente em Educação, GEENF/FE-USP)
Resumo
A partir das análises sugeridas por Chevallard e reunidas com base da Teoria
Antropológica do Didático (TAD) identificamos a praxeologia de uma atividade realizada
durante um estudo do meio com as alunas do curso de pedagogia da Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo, na disciplina Natureza, Cultura Científica e Educação, em 2015.
Para construir a praxeologia dos sujeitos durante a atividade, identificamos os tipos de tarefas
e as tarefas sugeridas pelas professoras e as técnicas, tecnologias e teorias acionadas por um
grupo de alunas para resolução da atividade. A partir da Organização Praxeológica (OP)
caracterizada, foi possível perceber elementos que explicitam o momento didático no qual há
a interação entre os sujeitos e o objeto de estudo afim de produzirem novos conhecimentos.
Palavras-chave: Teoria Antropológica do Didático, Praxeologia, Estudo do Meio, Formação
de Professores.
A investigação
Assumimos que a experiência de estudo do meio é fundamental na formação de
professores da educação básica, bem como na formação de pedagogos que irão atuar em
diferentes instâncias de ensino. Como afirma Marandino et al (2010), a vivência de situações
de aprendizagem em locais diferentes daqueles relacionados rotineiramente à escola,
associada à reflexões das implicações culturais, sociais e científicas dessas saídas para os
profissionais em formação pode levar ao desenvolvimento de um olhar crítico sobre a
realidade social, cultural e a um contato mais próximo com elementos da ciência que
favorecem a alfabetização científica dos sujeitos envolvidos, contribuindo na formação
integral de cada um. Nesse estudo atentamos para uma atividade específica realizada durante
um estudo do meio e acreditamos que as reflexões apresentadas podem colaborar para o
planejamento de atividades que sejam mais eficientes na alfabetização científica dos alunos
envolvidos.
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Usamos como referencial teórico e de análise a Teoria Antropológica do Didático
(TAD) que vem sendo utilizada por muitos autores como ferramenta que privilegia processos
de ensino dos conteúdos conceituais e procedimentais de ciências na sala de aula, em grupos
de estudo e em museus. Esta pesquisa assume como foco de interesse outro aspecto da
formação científica dos sujeitos, a saber: o ensino de procedimentos em atividades de campo.
Privilegiaremos a análise praxeológica de procedimentos científicos escolarizados na
formação inicial de professores no curso de Pedagogia da USP. Mais precisamente, essa
pesquisa analisará a organização praxeológica de uma atividade do estudo do meio realizado
na Ilha de Anchieta, no litoral do Estado de São Paulo, na disciplina Natureza, Cultura
Científica e Educação da FEUSP (MARANDINO et al, 2010).
Analisamos a estrutura do encontro didático entre o saber ensinado e o aluno em
situações de trabalho de campo, bem como a atuação desses alunos sobre o objeto de saber no
meio didático criado pelos professores para a aquisição de conhecimentos relativos aos
procedimentos científicos produzidos e utilizados tradicionalmente nas ciências biológicas em
atividades de campo. Para tanto, primeiro registramos a ação das alunas no campo no
momento em que se mobilizam para resolver a atividade proposta, depois identificamos e
organizamos as interações das alunas identificadas no registro de forma a compor a
praxeologia das alunas durante a resolução da atividade.
Diante do alinhamento entre a teoria, as tarefas, os tipos de tarefas, as técnicas
utilizadas e as tecnologias envolvidas, temos como ponto de partida desta investigação a
seguinte questão: Como estão estruturados os processos de estudo de práticas científicas
escolarizadas em atividades de campo? Nossa intenção é a de que refletir sobre o ensino de
procedimentos em atividades de campo pode colaborar para planejar e desenvolver atividades
que sejam mais eficientes na alfabetização científica e, consequentemente, para a formação
integral do indivíduo.
Justificativa
Ancorados na Teoria Antropológica do Didático escolhemos analisar as ações dos
alunos durante uma atividade de campo a partir da praxeologia observada na resolução das
questões e desafios propostos. Com base na TAD é possível explicitar a estrutura do encontro
didático entre um grupo de alunas de pedagogia, e o objeto de estudo, no caso a identificação
da biodiversidade de uma parte da Ilha Anchieta em Ubatuba/SP. Considera-se que a proposta
de ensino analisada seja um dos meios desses sujeitos aprenderem conceitos de classificação
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biológica atrelados a procedimentos de identificação da biodiversidade de determinada região.
Ao explicitar a praxeologia dessa atividade contribuímos para as reflexões acerca da
elaboração de atividades de campo mais eficientes, ou seja, que alcancem os propósitos
pedagógicos almejados - a alfabetização científica. Neste sentido, a investigação proposta
ajuda a revelar os possíveis alcances e limites que as atividades de campo possuem para o
desenvolvimento da alfabetização cientifica dos alunos. Além disso, essa pesquisa também
contribui para ampliar os usos da TAD e da praxeologia na análise de situações didáticas
frequentes nas disciplinas de Ciências Naturais, os trabalhos de campo.
Fundamentação Teórica
A Teoria Antropológica do Didático
Sugerida por Chevallard (2007), a Teoria Antropológica do Didático (TAD)
manifestava-se já na Teoria da Transposição Didática (TTD) que tinha por objetivo distinguir
os diferentes saberes envolvidos no processo pedagógico e as instituições às quais esses
saberes estão relacionados. Na TTD, cada instituição produzia sua própria versão do
conhecimento, o resultado da interação entre os sujeitos dessa instituição e o objeto (saber).
Ao observar os conhecimentos que são ensinados nas escolas e o seus referenciais acadêmicos
a partir dos quais esses conhecimentos foram forjados, percebemos uma profunda diferença
entre os dois. Essa diferença existe para que o saber acadêmico (saber sábio) se torne
ensinável para os alunos (saber a ensinar) e possa ser aprendido por cada um deles (saber
aprendido), sendo esta a definição do conceito de transposição didática (MARANDINO,
2004).
A TAD, assim como a TTD, foi desenvolvida inicialmente na didática da matemática,
e sugere a praxeologia como postulado básico segundo o qual pode-se descrever qualquer
atividade humana que seja regularmente realizada (CHEVALLARD, 2007). Desse modo, a
praxeologia pode ser estendida a quaisquer outras atividades humanas, não se limitando à
didática da matemática. A TAD considera as atividades de aprendizagem, e aqui inclui-se a
aprendizagem em ciências, parte do conjunto das atividades humanas e inserida nas
instituições sociais e, por pertencer ao conjunto das atividades humanas, as atividades de
aprendizagem em ciências também podem ser descritas em termos da praxeologias
(CHEVALLARD, 2006).
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Nesta perspectiva, o saber assume diferentes formas em diferentes instituições. Para
cada instituição uma forma de saber existe como resultado das relações entre alguns
elementos fundamentais: a instituição, o objeto do saber e a pessoa. E essas relações, por
pertencerem ao conjunto de atividades humanas, também são descritas a partir de uma ótica
praxeológica.
Chevallard ainda propõe uma noção de conhecimento (1996). Assim, conhecer algo
(objeto) na TAD é estabelecer uma relação cognitiva com o objeto. E essa relação que os
alunos estabelecem com o objeto durante a resolução de uma atividade é chamada de estudo.
A TAD redefine o sentido da palavra estudo, caracterizando como qualquer ação humana que
tenha o objetivo de aprender algo (saber) ou aprender a fazer algo (saber fazer).
Segundo Machado (2011), o termo praxeologia pode ser traduzido por “prática calcada
em conhecimentos”. De fato, praxeologia é a junção das palavras gregas praxis e logos, que
significam, respectivamente, prática e lógica. Na TAD, a praxis constitui o bloco prático das
ações humanas e é identificada nas tarefas (questões/atividades) e nas técnicas (maneira de
fazer algo) e o logos é o bloco reflexivo que justifica e interpreta a prática - denominados
tecnologias e teorias (BOSCH e GASCÓN, 2014).
A praxeologia, então, é uma entidade formada por quatro componentes, denominados
usualmente de “quatro Ts”. Diante de um tipo de tarefa (T), um conjunto de técnicas (τ) é
mobilizado para resolver a questão. Da reflexão que se faz sobre a utilização das técnicas tem-
se a tecnologia e, em uma extrapolação mais difícil de ser alcançada pelos sujeitos sem
auxílio externo, a reflexão a respeito da tecnologia e de suas aplicações tem-se a teoria
(BUENO, 2015).
A praxeologia nos servirá, portanto, para analisar as ações dos sujeitos (x), ou de um
grupo de sujeitos (X) que deverão aprender determinado conhecimento, expresso como saber
ensinado (O), com a ajuda de outra pessoa, um “assistente de estudo” (Y) (CHEVALLARD,
2012; BOSCH e GASCÓN, 2014). Dessa forma, a estrutura do sistema didático analisado
S(X; Y; O) será descrito tendo o grupo de sujeitos que estuda (X) representados pelo grupo de
alunas que realiza a atividade, os “assistentes de estudo” (Y), tudo o que pode auxiliar as
alunas ao longo da atividade desenvolvida e o objeto de estudo (O), que em nossa pesquisa foi
a realização de um levantamento da biodiversidade da ilha Anchieta por amostragem de
espécies classificadas em morfotipos diferentes.
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Objetivos
Tendo como pano de fundo a alfabetização científica dos alunos em um contexto de
educação formal não podemos deixar de pensar que “… o ensino somente se realiza e merece
esse nome se for eficaz e fizer o aluno aprender. O trabalho do professor, portanto, deve
direcionar-se totalmente para a aprendizagem dos alunos. (…). O ensino e a aprendizagem
devem ser vistos como uma unidade.” (CARVALHO et al, 1998). Para Chevallard, contudo,
muita ênfase tem sido dada a análise da aprendizagem a partir de teorias advindas da
psicologia e pouca atenção ao estudo do “ensino”. A percepção de Chevallard sobre a didática
e a pedagogia é que esta última estaria “colonizada” pela psicologia, centrando seu olhar
sobre a relação professor-aluno e excluindo o saber, que não é problematizado. A TAD surge,
desse modo, como uma teoria que sugere a incorporação dos saberes envolvidos na relação de
ensino-aprendizagem na análise dos processos didáticos.
Alinhado com essa perspectiva a respeito do trabalho do professor e buscando analisar
como o ensino é estruturado, o objetivo da investigação aqui proposta é, em linhas gerais,
descrever a organização praxeológica (OP) dos alunos em sua atuação sobre o objeto do saber
durante o momento didático criado pelo professor.
Como objetivos mais específicos podemos apontar, primeiro, a identificação das
tarefas apresentadas nas aulas que antecederam a atividade de campo, no caderno de campo
que os alunos receberam e nas instruções fornecidas pelos professores e monitores; segundo, a
identificação das técnicas acionadas pelas alunas para resolver cada uma das tarefas e; por
fim, a identificação de momentos de reflexão sobre a prática que caracterizariam o alcance à
tecnologia e, quiçá, à teoria envolvida nessa atividade.
Metodologia Utilizada
A atividade selecionada como foco de interesse empírico desta investigação ocorreu
no âmbito da saída de campo da disciplina Natureza, Cultura Científica e Educação,
ministrada para estudantes do curso de pedagogia da Faculdade de Educação da USP. Esse
estudo do meio prevê uma série de atividades que envolvem visitas à instituições de
divulgação científica como o Aquário de Ubatuba e o Projeto Tamar, entrevistas aos
moradores da cidade de São Sebastião, construção de perfil de vegetação e visita a
ecossistemas costeiros com análise da diversidade e riqueza de espécies baseada em
morfotipos. Nesta pesquisa analisaremos especificamente a atividade de levantamento da
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diversidade e riqueza de espécies através da contagem de morfotipos vegetais em parcelas
quadradas construídas pelas alunas ao longo de uma trilha na Ilha de Anchieta, localizada em
Ubatuba.
Foram obtidos dados que justificam a formulação das técnicas, teorias e tipos de
teorias nos registros feitos em vídeo dos momentos de interação das alunas com o caderno de
campo. Na transcrição das falas do vídeo foram identificadas as sequências de diálogo
representativas (SDR) que indicavam a resolução da atividade pelas alunas. O caderno de
campo foi elaborado previamente pelas professoras e monitores responsáveis pela disciplina e
contém informações e instruções a respeito de todas as atividades realizadas no estudo do
meio, mas não podemos presumir que as mensagens do caderno sejam percebidas da mesma
forma por todas as alunas durante seu momento de estudo desse material.
Consideramos o estudo como a ação consciente de um indivíduo, ou grupo de
indivíduos, afim de aprender algo ou aprender a fazer algo (CHEVALLARD, 2012). A análise
das SDRs forneceu evidências sobre o processo de estudo das alunas, com vistas a uma
reflexão mais ampla da organização praxeológica da atividade de campo observada.
Resultados e Discussão
Este estudo encontra-se em desenvolvimento e apresentamos aqui parte das análises
realizadas até o momento. Das informações extraídas do caderno de campo que os alunos
receberam no início da disciplina pudemos identificar um Tipo de Tarefa que norteia a
atividade. Neste contexto, as alunas acionaram Técnicas que lhes permitiram solucionar cada
uma das Tarefas identificadas por elas no caderno de campo. Essas informações pertencem ao
nível prático (praxis) da praxeologia.
A exemplo de trabalhos realizados anteriormente utilizando a TAD, sobretudo da
Bueno (2015), apresentamos em uma tabela a praxeologia acionada pelas alunas durante a
realização de uma atividade. Em acordo com Bueno (2015), a praxeologia é formada por um
conjunto de tarefas a serem percebidas e realizadas pelas alunas usando uma técnica
correspondente ou pode, também, ocorrer em uma escala maior na qual um tipo de tarefa pode
estar relacionado a diversas tarefas a serem resolvidas com suas respectivas técnicas.
A tabela de praxeologia aqui apresentada contém informações retiradas das
observações do vídeo e da transcrição, a partir da qual são explicitados os momentos de
interação entre os três elementos dessa situação didática S (X, Y, O) (CHEVALLARD, 2012)
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O Tipo de Tarefa (T) é apresentado aos alunos antes da atividade de campo, em dois
momentos (na sala de aula dias antes da viagem e retomada na noite anterior a saída). Pela
leitura do caderno de campo retiramos que T é apresentado aos alunos na forma de questões
(Qn) disparadoras da atividade e que, segundo Chevallard (2012), se forem bem elaboradas,
podem desencadear uma situação na qual X estuda O, originando assim um sistema didático.
Da leitura do caderno de campo temos que:
Q1 = “Como poderíamos identificar a biodiversidade existente no Parque Estadual da Ilha
Anchieta?”;
Q2 = “Como poderíamos definir a diversidade da flora da Ilha Anchieta?”;
Q3 = “Como se compõem e se escolhem amostras representativas do que queremos estudar?”.
Além dessas questões o caderno de campo também trás o Tipo de Tarefa explicitando:
T = “Os grupos se dividirão nas áreas da trilha para estudar a diversidade vegetal da região.
Cada grupo irá levantar a diversidade de vegetais presentes em uma parcela de 0,64m2
(80cm x 80cm)” (grifo meu)
Podemos perceber a ação das alunas sobre o objeto de estudo no trecho selecionado da
transcrição e apresentado a seguir. Percebemos que nesse sistema didático as alunas compõem
o fator X, os materiais são o fator O e o caderno de campo compõe o fator y. Dessa forma
nosso sistema didático S(X, y, O) se apresenta como S(Alunas, caderno de campo, materiais
para o quadrante)."
Aluna 5 (A5) – (lendo) divida seu quadrado nos pontos
indicados, para isso utilize o elástico...
Aluna 4 (A4) – Aqui os pontos indicados, aqui também...
A1 – Que que tem esses pontos ai?
A4 – Acho que é pra prender o elástico assim (mostra
esticando o elástico de um ponto ao outro.”
Nesse trecho e na imagem 1, podemos ainda
identificar uma tarefa, nomeada como t2, no momento no qual elas leem as instruções
Imagem 1. Momento no qual uma das alunas interage com os materiais afim de construir o quadrante. Fonte: acervo próprio.
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presentes no caderno de campo: t2= Dividir o quadrado nos pontos indicados, usando para
isso o elástico. Ao longo da atividade outras tarefas foram identificadas e também são
apresentadas na tabela abaixo. Os Tipos de Tarefas (T), as Tarefas (tn), as Técnicas (τ) e as
Tecnologias identificadas na transcrição estão explicitados na tabela de praxeologia abaixo:
Tabela 1: Praxeologia da atividade de levantamento estatístico da biodiversidade de uma
determinada região.
Tipo de Tarefa (T) Tarefa (tn) Técnica (τ) Tecnologia
Levantar a diversidade de
vegetais presentes em
uma parcela de 0,64m2
(80cm x 80cm)
t1= Montar as peças de
maneira a obter um
quadrado e coloca-lo no
solo para limitar a área a
ser amostrada
Encaixam as peças de
cano para construírem um
quadrado
t2= Dividir o quadrado
nos pontos indicados,
usando para isso o
elástico.
Percebem as fissuras nos
canos e as utilizam para
prender os elásticos
t3= Definir os morfotipos
(m) que ocupam a área
amostrada.
Reconhecem o formato da
folha e o tamanho da
planta como
características
diagnósticas dos
morfotipos e os
identificam por
comparação direta entre
os indivíduos amostrados
Indivíduos que possuem
as mesmas características
são agrupados como
sendo da mesma espécie
t4= Registrar os
morfotipos identificados
e numera-los.
Fotografam da melhor
maneira encontrada de
registrar e numerar o
registro de cada um dos
morfotipos
t5= contar todos os
indivíduos de cada
morfotipo.
Para cada quadrante as
alunas reconhecem os
morfotipos por
semelhanças
morfológicas com as
fotografias e contam a
quantidade de ocorrências A biodiversidade pode ser
inferida a partir de
pequenas amostras
aleatórias do terreno
t6= Preencher a tabela do
caderno de campo.
Cada uma das células da
tabela foi preenchida
com o número de
corrências de cada
morfotipo para cada um
dos quadrantes
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Cada uma das tarefas (t) apontadas na tabela surgiu dos momentos de interação das
alunas com as questões (Q) propostas no caderno de campo. Pela sua função de mediar a ação
das alunas sobre o objeto de estudo é que podemos considerar o caderno de campo como
mediador (y) desse estudo da mesma forma que Bueno (2015) e Marandino (2004)
consideram os textos e imagens museográficas como mediadores do estudo do visitante sobre
o objeto.
Para identificar as técnicas observamos as estratégias de resolução das tarefas que são
acionadas pelas alunas de forma semelhante a Machado na construção de sua organização
praxeológica (MACHADO 2011). Como exemplo temos a tarefa 3 (t3=Definir os morfotipos
(m) que ocupam a área amostrada), em vários momentos da atividade percebe-se a ação das
alunas para resolver essa tarefa e é nesses momentos que as técnicas (τ) são acionadas, a
seguir um desses momentos:
“(…)
A5 – Esse aqui é o três [morfotipo 3] né?
A4 – É... tem que ser aberto nas folhas...
(…)
A4 – Não é... olha só como é os veios (sic)...
A2 – Acho que é desse daqui ó
A4 – É, desse daqui... Porque é parecida
essa folhinha pequena aqui com essa
daqui…” (grifos nossos)
Nota-se, na transcrição, que as alunas utilizaram características morfológicas para
diferenciar os morfotipos (“tem que ser aberto nas folhas” e “olha só como é os veios”) e
também utilizaram de comparações diretas entre os indivíduos para definir os limites de cada
um dos morfotipos (“é parecida essa folhinha pequena aqui com essa daqui”). Dessas ações
identificamos a técnica “Reconhecem o formato da folha e o tamanho da planta como
características diagnósticas dos morfotipos e os identificam por comparação direta entre os
indivíduos amostrados”. Percebemos uma retomada dessa técnica quase sempre que as alunas
começam a contagem de um novo morfotipo.
Nessa análise, fica evidente o papel dos “assistentes de estudo” (Y) na interação com
as alunas (X) que pode ser representado pelo próprio caderno de campo ou pelos monitores
que acompanharam a disciplina. Através de perguntas reflexivas, os monitores provocaram
nas alunas reflexões sobre suas dúvidas e questões, apoiando-as para que pudessem atingir o
bloco do logos dessa atividade, mais especificamente, o nível de tecnologia (relacionar as
características dos indivíduos com sua idade e a validade dessa informação para a
classificação dos organismos). Utilizando-se do que foi posto por Chevallard (2012) e Bosch
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e Gáscon (2014), o sistema didático S(X, y, O) para esse exemplo se apresenta como S(alunas,
monitor, características das plantas). Nota-se essa ação facilitadora do monitor (y) e a
expressão da tecnologia no discurso da aluna no seguinte trecho selecionado, como exemplo,
da transcrição. Nesse momento as alunas conversam com o monitor (M2) que lhes
proporciona um nível de reflexão que as faz alcançar a tecnologia da atividade:
"(…)
M2 – Por que você acha que é a mesma?
A1 – Porque tá no mesmo galho.
M2 – É mesmo uma evidência bem forte. Mas
por que, então elas podem aparecer tão
diferentes?
A1 – Porque elas são menores?
A4 – Pode ser o tamanho mesmo, porque elas
são novinhas?
M2 – Mas você percebe essa diferença nessas
outras aqui?
A1 – Ela é mais achatadinha, mas
arredondada...
M2 – Então você tá me dizendo que...
A4 – pode ser uma característica da planta
ser assim quando novinha e depois ela fica
mais fina e comprida.
A1 – Pode ser que ela seja assim e com o
passar do tempo vá ficando assim...
A4 – Eu acho que é a mesma.
(…)” (grifos nossos)
Nesse trecho percebemos que a partir de uma intervenção do monitor (“…por que,
então, elas podem parecer tão diferentes?”) as alunas buscam evidências no objeto (“Porque
elas são menores?" e “… o tamanho mesmo, porque elas são novinhas?) e, após outra
intervenção do monitor, parecendo querer guiar a reflexão delas (“Mas você percebe essa
diferença nessas outras aqui?), as alunas alcançam um nível de análise mais elaborado e
complexo que relaciona o que estão observando, o tamanho das folhas, com o que elas já
conhecem a respeito dos seres vivos e da variação de tamanho em função da idade da planta
(“Ela é mais achatadinha, mais arredondada…” e “pode ser uma característica da planta ser
assim quando novinha e depois ela fica mais fina e comprida” e ainda “Pode ser que ela seja
assim e com o passar do tempo vá ficando assim…"). De acordo com as definições
apresentadas por Bueno (2015) e Machado (2011), chamamos esse outro nível de interação
com o objeto de tecnologia e apresento-o na coluna da direita da tabela de praxeologia.
Percebemos, no exemplo indicado, que ao refletir sobre uma determinada técnica as
alunas adentram ao nível lógico da atividade. Mais especificamente, atingem o nível da
tecnologia no qual elas são capazes de extrair o significado da atividade ou explicação para o
que estão fazendo, o que concorda com Bueno (2015) quando diz que a tecnologia é “a
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justificativa ou a análise racional para a escolha da técnica. É a reflexão sobre um conceito e a
justificativa para a escolha da técnica” (p.43). Nesse caso a técnica envolve a distinção dos
formatos e estilos de folhas, assim, quando as alunas refletem sobre o que representam essas
diferenças podemos afirmar que adentraram no bloco lógico (logos) da praxeologia.
Conclusões
Retomando o sistema didático formado por S(X, Y, O), podemos afirmar que os textos
presentes em materiais de apoio aos estudantes podem servir de maneira tão eficiente quanto
monitores na função de mediação de uma atividade. E, dialogando com a TAD
(CHEVALLARD, 2012), apontamos que essa situação representa um momento no qual, a fim
de aprender algo a respeito de O, X tem que “estudar” (no sentido da TAD) O. Identifica-se,
desse modo, a estrutura do sistema didático analisado, cuja análise aponta para a importância
dos materiais de apoio e dos monitores no decorrer da atividade.
Acreditando na importância de refletir sobre as atividades práticas e dos estudos do
meio na formação de professores de ciências, situamos essa pesquisa, que ainda está em
andamento, no conjunto de estudos sobre atividades na formação de professores que
colaboram para refletir sobre a formação de docentes que estejam preparados para alfabetizar
cientificamente seus alunos.
Nossos resultados, ainda em processo de análise, já apontam a possibilidade de
envolver os alunos em atividades que lhes possibilitem alcançar o logos da atividade,
entrando em contato com os saberes envolvidos nessa atividade, na presença de um mediador
que pode ser tanto um monitor ou professor quanto um caderno de campo ou texto de apoio.
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