I I BICHO·DI· : UM HOSPIDIINDISIJAVU - cienciamao.usp.br · qual muitas pessoas conhecem uma...

Post on 28-Jan-2019

213 views 0 download

Transcript of I I BICHO·DI· : UM HOSPIDIINDISIJAVU - cienciamao.usp.br · qual muitas pessoas conhecem uma...

BICHO·DI· P I I

: UM HOSPIDIINDISIJAVUQuem já teve um ou dois apenas, conta que dá uma coceira gostosa de

esfregar. Mas, para quem tem pés repletos de bichos-de-pé, fica difícil até an-dar.

Bicho-de-pé ou bicho-de-porco, é o nome peloqual muitas pessoas conhecem uma espécie de insetoparasita que penetra nos pés de quem descuidada-mente anda descalço em locais arenosos e sujos, per-to de chiqueiros, principalmente.

O bicho-de-pé vem sendo descrito desde a épocada colonização de nosso país. Conta-se que constituíauma verdadeira praga, devido à falta de higiene quereinava nas casas dos nativos e dos colonizadores,que faziam suas camas no chão de terra; com isso, aparasitose estendia-se por todo o corpo e não só aospés. Dificilmente alguém vinha ao Brasil e voltava pa-ra sua terra sem levar consigo vários bichos-de-pé.

A difusão do bicho-de-pé no mundo foi sempremuito discutida, e a culpa sempre atribuída ao Brasil,até que, em nossa defesa, o Dr. R. de Almeida Cunhatranscreveu, em uma monografia datada de 1944, aseguinte citação do ex-diretor do Museu Paraense, Dr.Emilio Goeldi: "É versão corrente que o bicho-de-péfoi introduzido em 1872 na Costa d'África (Sembriz)por um navio inglês vindo do Brasil. Entretanto, hojese sabe, pela crônica pouco conhecida e recentemen-te publicada de novo do médico suiço SebastianBraun, de Basiléia, que, em serviço holandês, viajouentre 1610 e 1620 no então Reino do Congo e grandeextensão do litoral Atlântico, que, naquele tempo e na-quela bacia fluvial, já lavrava entre os indígenas e atripulação do navio uma moléstia ectoparasitária cha-mada "Peijoi" a qual facilmente se reconhece comoidêntica à praga do bicho-de-pé. Já existia, portanto,na Costa d'África, a pulga penetrante uns 250 para 300anos bem contados antes de tal infecção secundáriavia Brasil (que não queremos pôr em dúvida), datandodos nossos dias".

Hoje são conhecidas sete espécies do bi-cho-de-pé (segundo afirmam bibliografias mais recen-tes), das quais cinco estão originariamente no Brasile duas na China.

Neusa Aparecida MelloInstituto Butantan

São Paulo

Os bichos-de-pé são insetos pertencentes à or-dem Siphonáptera (siphon = tubo, áptera = sem asa),mesma ordem onde são classificadas as pulgas co-muns. Tanto assim que os bichos-de-pé são conside-rados como pulgas penetrantes. Eles têm cerca de 1mm, quando adultos, metade do tamanho da pulga co-mum. Formam a família Tungídae, nome originado dalíngua tupi: "tunga" era como os indígenas chamavamos bicho-de-pé.

As espécies brasileiras são assim agrupadas:

1 - Tunga penetrans (Linneu, 1758) - é a espéciemais comum e parasita diversos mamíferos. Esten-de-se do México até o sul do Brasil e Paraguai.2- Tunga coecata (Ederlein, 1901)- parasita camundon-gos domésticos e roedores em geral, intumescen-do-Ihes as orelhas. É encontrada no Estado de SãoPaulo.3- Tunga Travassoni (Pinto & Dreyfus, 1927)- parasitatatus, deixando suas barrigas como se tivessem ma-milos. Também ocorre no Estado de São Paulo.4- Tunga Terasma (Jordam, 1937) - também do tatu,conhecida em Goiás.5- Tunga bondari (Wagner, 1932)- encontrada no ta-manduá e na siriema. Ocorre no Estado de São Pauloe na Bahia.

Destas 5 espécies, apenas a Tunga penetransparasita o homem, tornando-se, assim, de interessemédico.

A Tunga penetrans pertence ao grupo dos insetos holometabólicos, isto é, se desenvolve por meta-morfose completa, com quatro fases distintas: ovo,larva, pupa, adulto. Na tunga, ocorrem três periodoslarvais e duas ecdises (troca de pele), conforme a se-quência: ovo - eclosão - larva 1 - ecdise - larva 2 -ecdise - larva 3 - pupa - adulto - ovo

A fêmea, quando fecundada, procura um hospe-deiro que pode ser qualquer mamífero. Aqui daremoso homem como exemplo. Ao encontrá-I o, prende-se aseus pés ou mãos, perfura o tecido com suas fortesmandíbulas serrilhadas e penetra na epiderme com acabeça, o tórax e o abdome, deixando para fora osorifícios respiratórios, o ovipositor e o ânus.

Seus pontos favoritos de penetração são os vãosdos dedos, os calcanhares e as bordas das unhas. Du-rante a penetração, que dura cerca de uma hora, atunga provoca um prurido, que muitas vezes pessoasdescrevem como sendo muito agradável. Para apro-veitar todo esse prazer, há quem deixe o bicho pene-trar completamente na pele, para só então retirá-Io.

Dentro da epiderme, a tunga se alimenta de san-gue e seu abdome chega a alcançar o tamanho de umgrão de ervilha, provocando intumescimento da re-gião e, conseqüentemente, dor. Depois de aproxima-'damente 15 dias da penetração, os ovos (que sãoaproximadamente em número de 100) já estão com-pletamente maduros e vão sendo disparados para foraatravés do ovipositor, como se fossem balas de ca-nhão. Quando termina a eliminação dos ovos, o insetomorre e o organismo humano o expulsa.

No solo, os ovos eclodem e deles saem as lar-vas, que se alimentam de detritos orgânicos, das pe-les deixadas pelas larvas por ocasião da primeira ec-dise e das fezes das tungas adultas. Após a segundaecdise, a larva empupa (fase sem alimentação e decompleta latência), e, finalmente, o inseto torna-se a-dulto já hematófago (sUgador de sangue). As fêmeasnão fecundadas e os machos alimentam-se de qual-quer animal vertebrado de sangue quente, mas semparasitar. Somente a fêmea grávida parasita.

O periodo que a tunga leva para desenvolver-seda fase de ovo até adulto é de 20 a 30 dias.

Fêmeas grávidas. A da direita possui a cabeça invaginadano abdome.

Um dos maiores problemas causados pela tun-ga, é o "buraco" que fica no local de onde foi retiradaou expulsa naturalmente pelo organismo. Esse orificiopode favorecer o desenvolvimento de diversas doen-ças, como tétano, micoses, gangrena. Quando a infes-tação é muito grande, o indivíduo pode vir a ficar inca-pacitado para o trabalho devido à dor. A tunga, por sisó, não é vetora de moléstia alguma.

Muitos livros folclóricos já descreveram a únicamaneira conhecida de retirar a tunga dos pés, quandoem pequena quantidade. Karol Lenko e Nelson Papa-vero colocam a versão de um interessante poema nolivro "Insetos no Folclore", onde vem descrito o sofri-mento do processo de extração do bicho-de-pé.

" ... A agulha freqüentemente machucaA pessoa grita, ficando maluca.Por fim, que alívio, o bicho é retirado.

"Estás no fim, ó peste-serás queimado!"Pela primeira vez, aqui me dou fé:Neste purgatório com bicho-de-pé,Em versos erigi um belo monumentoAo monstro que causa tal sofrimento!"

Vamos descrevê-I o agora de maneira mais séria.O local deve ser desinfetado e, com uma agulha este-rilizada, fazem-se dilacerações ao redor da tunga,tendo-se sempre cuidado para não rompê-Ia, pois suasecreção pode causar um processo infeccioso. Após aincisão completa, a tunga é retirada com os dedos po-legar e indicador como se fossem pinça (não usar pin-ça). Depois de retirado, o inseto deve ser exterminadoem fogo ou álcool e o orifício deixado por ele precisaser mantido limpo e desinfetado até sua cicatrizacãototal. '

No meio rural é comum pessoas habilidosas reti-rarem íntegras as tungas, e o fazem com espinhos delaranjeiras, muito agudos e duros, a eles sendo atri-buídas qualidades anti-sépticas.

Segundo Coutinho, havendo grande infestação, oaconselhável é fazer aplicação de pomada mercurial,seguido de cataplasma canforado, para então desta-car a epiderme que trará junto os animais mortos.

Para coletar material para estudo, ou curiosida-de apenas, deve-se adentrar uma pocilga com pésdescalços e pernas descobertas e após sentir e ver astungas grudadas nas extremidades dos membros, en-trar em uma bacia com álcool ou água com detergenteforte e esfregar bem. Depois, basta recolher as tungasno líquido.

O mais recomendado é manter os pés semprecalçados, evitar os locais de incidência da tunga, ou,antes de neles entrar, friccionar os pés com uma mis-tura de 15 gotas de sabão de lisol e cresol, com 100gde vaselina.

Bibliografia

Borror, D.J. e De Long, D.M., 1969- INTRODUÇÃO AO ESTU-DO DOS INSETOS - Editora da USP, RJ. Cunha. RA, 1914 -CONTRIBUiÇÃO PARA O ESTUDO DOS SIFONÁPTEROS DOBRASIL.Ihering. R.V., 1.940 DICIONÁRIO DOS ANIMAIS DO BRASIL.Lara. F.M., 1979 - PRINCípIOS DE ENTOMOLOGIA - Livroce-res.Lenko. K. e Paravero, N., 1979- INSETOS NO FOLCLORE.Lima. A.C., 1943- INSETOS DO BRASIL - 4° tomo, série didá-tica nO5.Neves, D.P., 1975- PARASITOLOGIA HUMANA - 2' edição.Pessoa, 5.B., 1.974- PARASITOLOGIA MÉDICA - 9° edicão.Pinto, C., 1945- Zoa - PARASITOS DE INTERESSEMÉD'ICOEVETERINÁRIO - Editora Cientifica.