Post on 09-Nov-2018
GEOTECNOLOGIAS APLICADAS AOS ESTUDOS DE BACIAS
HIDROGRÁFICAS
Cícero Bezerra da Silva
Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL
cicerogeografia016@gmail.com
Denize dos Santos Pontes
Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL
Denize_ambiente@gmail.com
Jailma Ferro Cabral
Universidade Estadual de Alagoas - UNEAL
Jailmacabral.12@gmailcom
INTRODUÇÃO
A coleta e o tratamento de informações existentes no espaço geográfico sempre foram
motivos de preocupação das diferentes sociedades. Em geral, essa coleta e tratamento de
dados era realizada de forma muito rudimentar o que inviabilizava posteriores análises.
Com o passar do tempo, o homem percebeu a necessidade de melhor conhecer o território,
carecendo por tanto de mais informações especializadas onde, além da coleta de dados
seria preciso desenvolver mecanismos que possibilitassem a análise dos fenômenos
ocorrentes no espaço geográfico.
As novas tecnologias se constituem em uma importante forma de disseminação do
conhecimento e reconhecimento do espaço geográfico, possibilitando a geração de
diferentes documentos cartográficos com distintas finalidades. Nesse cenário, ocupa lugar
especial à análise de paisagens e a gestão dos recursos naturais, facilitando o estudo de
bacias hidrográficas e a análise espacial dos elementos físicos e naturais que a compõem.
As geotecnologias, aqui analisadas como as técnicas de geoprocessamento possibilita
uma análise integrada do ambiente levando em consideração que as análises espaciais
podem revelar coisas ou fenômenos que de outro modo seriam invisíveis, tornam
explícito o que antes era implícito (MATIAS, 2001; FLORENZANO, 2002; FITZ, 2008).
Dentro dessas abordagens, as bacias hidrográficas se constituem em importantes unidades
de planejamento e estudo, levando em consideração seu caráter sistêmico que permite
reconhecer e avaliar os diferentes componentes da paisagem seja estes naturais (solo,
rochas, água, vegetação) ou antrópicos, resultantes da ação humana (NOVO, 2008;
BOTELHO, 2012; CUNHA, 2015; COELHO NETTO, 2015). Essa visão integrada
proposta por Guerra e Cunha (2012) permite uma abordagem conjunta do comportamento
desses sistemas naturais, auxiliando seu entendimento e a posterior tomada de decisões.
A fim de buscar o entendimento detalhado sobre a forma da bacia hidrográfica do rio
Traipu, discute-se nesse trabalho alguns metodológicos usados na geração da rede de
drenagem do alto curso dessa bacia e de suas características fisiográficas. Esse é um
trabalho que está em fase de desenvolvimento, levando em consideração o estágio inicial
da pesquisa, mas já com a geração da rede de drenagem do alto curso do rio Traipu será
possível buscar um entendimento sistemático da área em estudo e a possibilidade de
estabelecer também as ferramentas de zoneamento propostas por Mendonça (1999).
Esse estudo visa ampliar também o conhecimento sobre as dinâmicas das águas na região
semiárida, já que esta se apresenta de forma bastante complexa, levando em consideração
a forma como cada sociedade se apropria dos recursos naturais, seus conflitos, as formas
de uso e suas dinâmicas. Além disso, a compreensão dos fatores naturais - físicos pode
evidenciar ou servir de base na compreensão de possíveis problemas que assolam o
ambiente fluvial.
OBJETIVOS
Este trabalho objetiva apresentar alguns caminhos metodológicos usados para se adquirir
e gerar a base cartográfica e a posterior analise das informações pertinentes as
características fisiográfica do alto curso do rio Traipu, inserido entre os estados de
Pernambuco e Alagoas. A base cartográfica a ser gerada corresponde ao estado de
Pernambuco onde não se teve acesso aos dados referentes à rede de drenagem.
Com a base cartográfica do alto curso do rio Traipu, ter-se-ia o limite da bacia, sua
delimitação baseada na representação do espaço físico e todos os elementos que
possibilita descrever e analisar as características fisiográficas da mesma.
METODOLOGIAS
O rio Traipu nasce no estado de Pernambuco e desagua no rio São Francisco, no estado
de Alagoas, no município de mesma toponímia. Essa bacia apresenta-se de forma
alongada e é fundamental ao desenvolvimento de distintas atividades econômicas ao
longo de seu curso, tendo sua importância definida especialmente nas áreas onde os
recursos hídricos são mais escassos, a exemplo do alto sertão de Alagoas.
A princípio, a delimitação da área de estudo pauta-se no alto curso da bacia do Traipu, no
sopé do Planalto da Borborema. Essa delimitação (Mapa 01) foi realizada com base em
perfis altimétricos a partir da aquisição dos dados do projeto Topodata/SRTM (Shutt
Radar Topographic Mission) atualmente disponibilizados no site da Empresa Brasileira
de Pesquisa Agropecuária - EMBRAPA e do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial -
INPE. Por intermédio desses dados foi possível identificar os valores de declividade do
terreno e posterior delimitação da bacia. Além disso, se tornou possível também à geração
das curvas de nível, fundamental a compreensão dos fatores físicos do alto curso do rio
Traipu.
Mapa 01: Delimitação do Alto Curso da Bacia Hidrográfica do Rio Traipu
Para gerar a rede de drenagem da bacia na área correspondente ao estado de Pernambuco,
utilizou-se, além dos dados SRTM a carta topográfica da SUDENE folha Palmeira dos
Índios (SC - 24 -X) da década e 70, digitalizada e georreferênciadas pelo Ministério de
Meio Ambiente do Estado de Alagoas - IMA.
O processamento dos dados foi realizado no software livre QGIS em sua versão 2.8, que
utiliza diferentes tipos de base de dados (formatos). Além disso, foi utilizada a hidrografia
vetorizada correspondente aos rios alagoanos. Assim, a partir da sobreposição da carta
topografia com os dados SRTM tornou-se possível a geração e posterior análise da
referida rede de drenagem.
RESULTADOS PRELIMINARES
O uso de geotecnologias na geração de documentos cartográficos que objetivam a análise
e a gestão do ambiente torna-se mais comum a cada dia, isso se dá em detrimento da
acessibilidade a esses recursos (técnicas), e ao seu caráter funcional e multidisciplinar.
Santos e Silveira (2006) apontam que os maiores avanços da ciência e da técnica que, por
conseguinte definiram o novo meio geográfico se deram a partir da Segunda Guerra
Mundial (1939 - 1945).
Um exemplo claro da junção entre ciência e técnica pode ser identificado na execução do
projeto Radar da Amazônia, que realizou o mapeamento aéreo e das formas de uso e
cobertura da terra na Amazônia e posteriormente se estendeu para as demais regiões do
país. O projeto visou ainda o reconhecimento das condições naturais do relevo e de
estradas.
Dentre as geotecnologias (novas tecnologias), merecem destaque as imagens de satélites,
que atualmente representam uma importante ferramenta na análise e organização do
espaço geográfico. Essas imagens são usadas para fins científicos e de investigação de
fenômenos existentes no planeta tais como o clima, a vegetação e as catástrofes
ambientais decorrentes da ação do homem.
O estudo do espaço geográfico e dos elementos nele distribuído pressupõe “uma série de
conhecimentos e informações que podem ser trabalhadas de maneira mais ágil, fácil e
rápida com as novas tecnologias” (FITZ, 2008, p. 11).
As geotecnologias podem ser entendidas podem ser entendidas como
as novas tecnologias ligadas as geociências e correlatas, as quais trazem
avanços significativos no desenvolvimento de pesquisas, em ações de
planejamento, em processo de gestão, manejo e em tantos outros
aspectos relacionados a estrutura do espaço geográfico (FITZ, 2008, p
.11).
No que diz respeito ao uso de geotecnologias em estudos fluviais, Novo (2008) enfatiza
a possibilidade de identificação das principais características fisiográficas de uma bacia
hidrográfica. Dentre essas características destacam-se o padrão de drenagem do canal, a
forma da bacia e sua coloração. Além dessas características é possível estabelecer e
mapear as formas de uso da terra e sua cobertura vegetal.
Sobre a análise de bacias hidrográfica, Botelho (2012) esclarece que é possível reconhecer
as interrelações existentes entre os diversos elementos da paisagem e sua esculturação.
Com esse tipo de estudo é possível também evidenciar as relações existentes entre o
homem e o meio. A identificação das formas como se apresenta uma bacia de drenagem
é fundamental na compreensão dos processos atuantes ao longo do sistema, podendo ser
um indicador dos problemas que está ocorrendo na região.
O rio Traipu, afluente do rio São Francisco, tem suas principais vertentes no sopé do
Planalto da Borborema, no conjunto de serras que fazem a divisa entre os estados de
Pernambuco e Alagoas. Essa é uma bacia de grande extensão territorial, fundamental ao
desenvolvimento da região drenada, especialmente por drenar terras do semiárido
alagoano, região de grande contraste social e ambiental.
Por compreender uma bacia de extensão interestadual, as informações necessárias à
realização de estudos e análises sistematizadas torna-se fundamental, o que ocorre é que
nem sempre as informações necessárias à realização de estudos são disponíveis, ou seu
acesso é restrito. Esse fato criou um problema com a base cartográfica, já que a rede de
drenagem do alto curso do Traipu não era representada na integra, sendo essa
representação restrita aos limites do território alagoano (Mapa 01, representado acima).
Mapa 02: Delimitação da Bacia Baseada em Perfil Altimétricos (esquerda) e Resultado
da Delimitação (direita).
A partir da análise do mapeamento e da carta topográfica de Palmeira dos Índios é
possível destacar que a referida bacia apresenta trechos com inselbergs e elevações que
ultrapassam os 800 metros de altitude nas bordas da bacia, ou seja, nos divisores de água.
As maiores elevação estão no estado de Pernambuco representada pelas chamadas “serra
São Pedro” e “Serra Queimada”.
Além disso, podem ser identificadas variadas elevações isoladas no interior da bacia como
o Serrote do Vento, Serra do Mulungu e Serra Branca que se destacam na paisagem
ultrapassando os 400 metros. Essas formações passam a ser mais suaves à medida que se
distanciam das cabeceiras de drenagem do rio, acompanhando a depressão sertaneja,
apresentando agora altitudes inferiores a 100 metros. Ross (2011, p. 63) acrescenta que
esse tipo de formação residual tende a se aplainar a medida que se distanciam do planalto
da Borborema e “alonga-se para o interior acompanhando o médio vale do rio São
Francisco”.
A partir da delimitação do alto curso do rio Traipu, é possível verificar que no estado de
Pernambuco existem contribuintes dessa bacia que atingem a hierarquia de drenagem de
terceira ordem a exemplo do riacho Salgado e do riacho dos Mares. Esses afluentes,
quando desembocam no rio Traipu atingem uma hierarquia de quarta ordem (Mapa 03).
A área drenada pela bacia do Traipu no estado de Pernambuco atinge aproximadamente
225 Km², sendo maior que muitas bacias do semiárido nordestino. Em território
Alagoano, a área delimitada (alto curso) é aproximadamente de 475 Km², drenando terras
dos municípios de Palmeira dos Índios, Estrela de Alagoas, Minador do Negrão e
Cacimbinhas, essas informações foram adquiridas a partir de análises da bacia no
software livre QGI.
Mapa 03: Mapa da Hierarquia de Drenagem do Alto Curso da Bacia do Rio Traipu
PE/AL
Com a delimitação da área em estudo foi possível verificar que o alto curso do Traipu,
assim como em toda a extensão da bacia, apresenta-se de forma bastante ramificada,
resultante de um padrão de drenagem dendrítica (CHRISTOFOLETT, 1980; CUNHA,
2015), compreendida quase que por completo por cursos intermitentes que drenam água
de chuvas torrenciais e periódicas.
Conforme observado no mapa da bacia, é possível avaliar que o escoamento das águas do
rio Traipu é condicionado pela inclinação do terreno, podendo ser classificado de acordo
com a proposta de Horton (1945) apud Cunha (2015) como um rio consequente. Essa
afirmação pode ser mais categórica quando se percebe que as cabeceiras de drenagem do
referido sistema fluvial está nas bases orientais do planalto da Borborema, apresentando
declives elevados e se estende ao rio São Francisco.
O alto curso do rio Traipu está inserido em uma área tipicamente seca (semiárida),
marcada por chuvas irregulares e periódicas, apresentando um regime hidrológico pobre,
que é resultante principalmente de fatores como o clima. Além dos fatores climáticos
Botelho e Silva (2012) apontam que a vegetação, o solo e os processos a eles relacionados
também são fundamentais na compreensão do regime hidrológico de bacias hidrográficas.
A área em estudo apresenta características tipicamente rurais e isso não inviabiliza a ação
antrópica. A vegetação existente na bacia é secundária, ou seja, refere-se mais
especificamente a pastagem, com fragmentos do bioma Caatinga típica da região. O mau
uso desses ambientes pode ser condicionante de inúmeros processos que acarretam em
alterações físicas na bacia, e interferem diretamente na qualidade ambiental e nas formas
de uso que a população lhe atribui.
A Caatinga, “é a vegetação predominante que ocorre nos Sertões semiáridos do Nordeste.
Abrange 800 mil Km² de área e corresponde a 11% do território brasileiro” (ROSS, 2011,
p. 174). A pesar dessa abrangência, é possível verificar que esse bioma está sendo ao
longo dos anos altamente antropisado, principalmente em decorrência de sua substituição
pela pastagem. Essa realidade não ocorre de forma diferente no alto Traipu.
A exposição dos solos, principalmente em áreas de encostas pode ocasionar um acelerado
processo de erosão, sobretudo em áreas ondes as condições naturais apresentam maior
fragilidade a exemplo da região semiárida, onde parcelas do solo são expostas em
detrimento da ausência vegetal, que tem a função, conforme colocado por Coelho Netto
(2015) de interceptar a água das precipitações e proteger do solo.
Esses condicionantes, representados no rio Traipu são evidenciados também no
entendimento e compreensão das atividades econômicas desenvolvidas no interior da
bacia, a exemplo da pecuária extensiva, desenvolvida em grande extensão de terra, não
levando em conta os impactos que essa atividade causa nas características físicas dos
cursos d’ água, deixando as margens desprotegidas, acarretando alterações
geomorfológicas (formas) e ambientais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Por fim, é possível considerar que as geotecnologias se constituem em uma importante
forma de gerenciamento e organização do espaço geográfico, favorecendo uma melhor
compreensão desse espaço e das relações existentes entre o homem e o meio. Podendo,
por tanto, possibilitar diferentes tipos de representação e análise ambiental, a exemplo de
ambientes fluviais conforme a proposta de Novo (2008).
As análises realizadas no alto curso do rio Traipu a partir do uso de geotecnologias
proporcionou a representação fisiográfica da referida rede de drenagem, o que vai servir
de base para novos estudos e a possibilidade de aplicação das técnicas de zoneamento
proposta por Mendonça (1999). O entendimento das características físicas da bacia do
Traipu pode levar a elucidação dos fenômenos que atuam no sistema hídrico e as
influências recebidas da ação do homem.
Assim, os caminhos metodológicos usados no desenvolvimento do referido trabalho foi
fundamental na geração e análise da rede de drenagem do rio Traipu, especificamente no
que se refere à geração de documentos cartográficos.
REFERÊNCIAS
BOTELHO, Rosangela Garrido Machado. Planejamento Ambiental em Microbacia
Hidrográfica. In: GUERRA, Antonio José Teixeira; SILVA, Antonio Soares; ______.
(org.). Erosão e Conservação dos Solos: conceitos, temas e aplicações. 7 ed. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
______; SILVA, Antonio Soares da. Bacia Hidrográfica e Qualidade Ambiental. In:
VITTE, Antonio Carlos; GUERRA, Antonio José Teixeira (org.). Reflexões Sobre
Geografia Física no Brasil. 6 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012.
CUNHA, Sanda Baptista da. Geomorfologia Fluvial. In: GUERRA, Antonio José
Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. (org.). Geomorfologia: uma atualização de bases
e conceitos. 13 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2015.
FITZ, Paulo Roberto. Geoprocessamento sem Complicação. São Paulo: Oficina de
Textos, 2008.
FLORENZANO, Teresa Gallotti. Imagens de Satélites para Estudos Ambientais. São
Paulo: Oficina de textos, 2002.
MENDONÇA, Francisco. Diagnostico e Análise Ambiental de Microbacia hidrográfica:
proposição metodológica na perspectiva do zoneamento, planejamento e gestão
ambiental. In: RA’ E GA: O Espaço Geográfico em Análise. Revista do departamento
de geografia - UFPR, V. 1, n. 1, 1997.
NOVO, Evlyn Márcia L. de M. Ambientes Fluviais. In: FLORENZANO, Teresa Gallotti
(org.). Geomorfologia: conceitos e tecnologias atuais. São Paulo: Oficina de textos,
2008.
ROSS, Jurandyr Luciano Sanches. Geografia do Brasil. 6 ed. São Paulo: Edusp, 2011.
SANTOS, Milton; SILVERA, Maria Laura. O Brasil: território e sociedade no inicio do
século XXI. 9 ed. Rio de Janeiro: Record, 2006.