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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEBDEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
CAMPUS XIV
IDALIA E. DE OLIVEIRA CUNHAMAGNA A. ROCHA FERRO SANTOS
ESTRANGEIRIZAÇAO EM THINGS FALL APART E O MUNDO SE DESPEDAÇA
Conceição do Coité 2008
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IDALIA E. DE OLIVEIRA CUNHAMAGNA A. ROCHA FERRO SANTOS
ESTRANGEIRIZAÇAO EM THINGS FALL APART E O MUNDO SE DESPEDAÇA
Monografia apresentada ao Departamento de Educação – Campus XIV da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, como requisito parcial para obtenção do Grau de Graduação de Licenciatura em Letras com Inglês.
Orientadora: Professora Eliza Mitiyo Morinaka
Conceição do Coité 2008
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TERMO DE APROVAÇÃO
IDALIA E. DE OLIVEIRA CUNHAMAGNA A. ROCHA FERRO SANTOS
ESTRANGEIRIZAÇAO EM THINGS FALL APART E O MUNDO SE DESPEDAÇA
BANCA EXAMINADORA:
____________________________________________ORIENTADORA: PROFª.Ms. Eliza Mitiyo Morinaka.
Professora da UNEB – Campus XIV
_____________________________________________PROFª. DRª. Irenilza Oliveira
Professora da UNEB – Campus XIV
____________________________________________PROFº. Raulino Batista Figueredo Neto
Professor da UNEB – Campus XIV
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As nossas famílias,Vocês são o que mais prezamos.
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AGRADECIMENTOS
“Custou, mas depois veio a bonança, agora é o momento de agradecer”
Tudo tem o seu tempo determinado,
E há tempo para todo propósito debaixo do céu:
Tempo de plantar e tempo de colher;
Tempo de cair e tempo de levantar;
Tempo de chorar e tempo de rir. (Eclesiastes 3)
Infinitamente ao nosso Criador. Pela mão sempre presente a nos guiar.
A nossa família pelo amor e apoio incondicional a tudo, e pelas escolhas que
nos ensinaram a fazer.
A Eliza Morinaka, muito mais que orientadora, pela dedicação ao nosso projeto,
pelo incentivo constante, por nos ensinar descomplicando, pela simplicidade,
pelas diretrizes que nos deu mostrando-nos o caminho quando estávamos
perdidas. Pela orientação brilhante e criteriosa. Que fez dessa monografia um
trabalho conjunto, pela leitura pente fino dos textos. Sem ela esse trabalho não
seria possível.
A Letícia Telles e Irenilza Oliveira exemplos a ser seguido durante a nossa
vida.
Ao Professor Emanuel Nonato, por despertar em nós o desejo de aprofundar
os nossos conhecimentos na área de tradução.
A professora de Português, Maria Valdete de Oliveira, pela correção ortográfica
do nosso texto.
A todos os professores, pela dedicação, competência e entusiasmo
demonstrados ao longo do curso e que contribuíram para chegarmos até aqui.
Ao nosso grupo de estudo que durante esses quatro anos, tornou-se uma
família para nós, amigas queridas que levaremos para sempre em nosso
coração, pelo incentivo, amizade, pelos momentos de descontração e apoio
emocional nos momentos difíceis.
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Traduzir é escolher. E escolher (quem traduzir, para quem e como) representa uma tomada de posição no mundo; enfim, um ato político.
Marie-France Dépêche
A essência da tradução é ser abertura, dialogo mestiçagem, descentralização. Ela é relação ou não é nada.
Antoine Berman,
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RESUMO
O presente trabalho está inserido em Estudos de Tradução, mais especificamente na linha literária de Estudos Culturais. Discute os efeitos das estratégias de tradução denominadas estrangeirização e domesticação na obra Things Fall Apart, escrita por Chinua Achebe e publicada em 1958 levando-se em consideração as teorias do Teórico americano Lawrence Venuti, objetiva-se analisar como os aspectos culturais foram traduzidos na obra O mundo se despedaça, tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva, publicado em 1983 no Brasil, atentando ainda para os possíveis fatores que levaram a tradutora a optar por determinada estratégia tradutória. Esta análise se presta a verificar conceitos de estrangeirização e domesticação e a problemática da invisibilidade do tradutor e do poder que a tradução exerce nas comunidades. Informações biográficas e sócio históricas também são tratadas nesta pesquisa que culmina com a análise de dados, onde o leitor deste trabalho pode comprovar os efeitos sofridos por uma tradução.
Palavras chave: tradução, estrangeirização, domesticação, cultura.
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ABSTRACT
The present work is inserted in translation studies, more specifically in literary cultural studies. It discusses the effects of translation’s strategies called “foreignization” and “domestication” in the book Things Fall Apart, written by Chinua Achebe, published in 1958, taking the theories of the American Theorical Lawrence Venuti into consideration. The objective is to analyze how the cultural aspects were translated, in the work “O Mundo se Despedaça”, translated by Vera Queiroz da Costa e Silva, published in 1983 in Brazil, paying attention to possible factors that influenced the translator chooses this specific translation strategy. This analysis verifies the concepts of estrangeirização and domestication, the problems of the translator’s invisibility and the translation’s power in community. Biographical information and social historical are also discussed in this research that is according to the datas analyses, where the reader can confirm the effects suffered by a translation.
Key words: translation, foreignization, domestication, culture.
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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
TO – Texto Original – Things fall apart, de Chinua Achebe.
TT – Texto Traduzido – O mundo se despedaça, tradução de Vera Queiroz da
Costa e Silva.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..................................................................................................10
1. A INFLUÊNCIA CULTURAL NA TRADUÇÃO LITERÁRIA .......................13
1.1 Domesticação X Estrangeirização ..............................................................14
1.2 A Invisibilidade do tradutor ..........................................................................15
2. INFORMAÇÕES BIOGRÁFICAS E SÓCIAS HISTÓRICAS ......................19
2.1 Sobre o autor ..............................................................................................19
2.2 Resumo da obra .........................................................................................20
2.3 A Nigéria (aspectos culturais e sócio históricos).........................................21
2.4 Acontecimentos na Nigéria no período da publicação do livro....................22
2.5 Movimento negro no Brasil na Década de 80 .............................................23
3. ANÁLISE DE DADOS: ALVOS E ESTRATÉGIAS DA
ESTRANGEIRIZAÇÃO .....................................................................................25
3.1 Provérbios ...................................................................................................26
3.2 Instrumentos musicais ................................................................................29
3.3 Crenças/Religiosidade ................................................................................32
3.4 Alimentação ................................................................................................34
CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................39
REFERÊNCIAS ................................................................................................41
ANEXOS ...........................................................................................................43
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INTRODUÇÃO
A literatura cumpre um papel primordial, no sentido de registrar desde os
costumes a grandes acontecimentos de uma sociedade. Fazer a disseminação
do registro dessas particularidades entre os diferentes povos é oficio do
tradutor, para Lawrence Venuti, (1996, 112) teórico renomado na área de
tradução: a “tradução é uma produção ativa de um texto que se assemelha ao
texto original, mas que mesmo assim o transforma”. Durante essa
transformação o tradutor tem o poder de escolher os métodos que irá utilizar.
Venuti (1196, 113) ainda diz que: “A tradução é um processo de decisões: uma
série de situações consecutivas – como jogadas em um jogo – que impõem ao
tradutor a necessidade de escolher entre um número determinado (e muitas
vezes definível com exatidão) de alternativas”. Essas decisões podem ser
feitas de acordo com sua ideologia, cultura e crenças.
O presente trabalho justifica-se mediante a observação de que um texto
ao ser traduzido sofre alterações significativas no que diz respeito aos aspectos
culturais presentes nas traduções. Do ponto de vista de Venuti, os valores
culturais inclusos em uma obra traduzida muitas vezes são omitidos, ou tem
seus significados trocados durante o processo de tradução, distanciando assim
o leitor do objetivo que propunha o original e ainda fortalecendo a hegemonia
que os Paises ricos exercem sobre os Paises pobres; provocando deste modo
a domesticação dos textos e apagando o que não convém aos padrões da
cultura alvo, e conseqüentemente privando o leitor estrangeiro do contato com
outra realidade.
Porém, se a cultura fonte é valorizada, a leitura não ficará tão fluente,
fazendo com que o leitor a todo o momento se depare com a cultura para a
qual aquele texto foi escrito o que certamente causará estranheza, mas
acabará enfraquecendo as fronteiras culturais, diminuindo o etnocentrismo e
permitindo ao leitor ler uma tradução como “tradução” e não como um
“original”, valorizando e respeitando as peculiaridades do texto fonte, mantendo
as marcas da cultura de origem no texto traduzido.
As questões que aqui serão discutidas envolvem a reflexão sobre a
intervenção do tradutor no texto original, embora este estudo não tenha a
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pretensão de julgar o certo/errado. O objetivo é analisar alguns aspectos
culturais presentes na tradução da obra Things Fall Apart do autor nigeriano
Chinua Achebe, publicado em 1958 através de um cotejamento entre original e
tradução “O Mundo se Despedaça”, traduzido por Vera Queiroz da Costa e
Silva, a fim de verificar se a obra Things Fall Apart sofreu interferências
estrangeirizadoras ou domesticadoras durante o processo de tradução e a
implicação dessas técnicas tradutórias na leitura da obra pelo público brasileiro.
Para tanto utilizaremos como principal teórico o tradutor norte americano
Lawrence Venuti por ser um autor que desenvolveu pesquisas e projetos de
tradução minorizante. Verificaremos se a tradutora Vera Queiroz da Costa e
Silva preservou aspectos culturais da língua fonte durante o seu trabalho,
estrangeirizando assim a tradução, ou se optou pela domesticação, omitindo a
cultura do texto fonte em detrimento da cultura alvo.
A investigação deste trabalho se deu mediante a leitura das duas obras,
comparando passagens que envolviam alguns aspectos da cultura tais como:
provérbios, instrumentos musicais, crenças/religiosidade e hábitos alimentares,
procurando sempre contextualizar as comparações e investigando a relevância
dos aspectos analisados para as comunidades meta e fonte.
Este trabalho monográfico está subdividido em três capítulos,
considerações finais e os anexos que servirão como suporte para a
constatação de alguns fatos citados. No primeiro capítulo, intitulado “A
influência cultural na tradução literária”, é feita uma abordagem sobre as
influências culturais que as traduções sofrem, as concepções do teórico
Lawrence Venuti, conceitos de estrangeirização e domesticação e ainda a
problemática da invisibilidade do tradutor.
O segundo capítulo, que traz como título “Informações biográficas e
sócio históricas”, traz dados do autor e um breve resumo da obra, bem como
informações sócio-históricas do período em que o livro foi escrito e traduzido e
um breve relato sobre o movimento negro na década de 80, período que o livro
foi traduzido no Brasil.
O terceiro e último capítulo consiste na “Análise de dados”, onde se
propõem mostrar se a obra foi estrangeirizada ou domesticada, sempre
levando em consideração os aspectos culturais das duas obras com suas
convergências e divergências, atentando para a postura da tradutora.
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Por fim, conclui-se, refletindo sobre o resultado da pesquisa os aspectos
a serem repensados sobre a prática tradutória observando a importância das
traduções para a literatura. Ressaltando seu papel fundamental na
disseminação das culturas.
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1. A INFLUÊNCIA CULTURAL NA TRADUÇÃO LITERÁRIA
“Entre trair o autor e trair o leitor,escolhi trair os dois, único modo de não trair ninguém” .
Leminski
A importância da influência dos aspectos culturais nos projetos de
tradução de obras literárias é inquestionável, visto que o contexto cultural como
categoria translatória é uma realidade nos nossos dias. É sabido que tradução
não é apenas um processo automático de correspondências entre duas
línguas. Para traduzir não basta apenas conhecer bem dois idiomas e devidas
correspondências das palavras da gramática e dos idiomatismos.
Traduzir vai muito além dessa idéia simplista de trocar um código por
outro. De acordo com Venuti (1996, p. 111): “A prática da tradução está repleta
de questões problemáticas com as quais o tradutor se confronta ao realizar sua
tarefa”.
Podemos inferir então que o processo de tradução literária não é apenas
um ato puramente lingüístico de mudança de um código por outro, mas em sua
essência um ato de comunicação onde a mudança de uma língua por outra, é
apenas um, entre muitos aspectos que devem ser atentados cuidadosamente
pelo tradutor. Na concepção de Venuti:
A língua nunca é simplesmente um instrumento de comunicação, empregado por um indivíduo de acordo com um sistema de regras – mesmo que a comunicação esteja sem dúvida entre as funções realizáveis pela linguagem. Seguindo Deleuze e Gauttari (1987), vejo a língua como uma força coletiva, um conjunto de formas que constituem um regime semiótico. Ao circular entre diferentes comunidades culturais e instituições sociais, essas formas estão posicionadas hierarquicamente, com o dialeto padrão em posição de domínio, mas sujeito a constante variação devido aos dialetos regionais ou dialetos de grupos, jargões, clichês e slogans, inovações estilísticas, palavras ad hoc e a pura acumulação dos usos anteriores. Qualquer uso da língua é, dessa maneira, um lugar de relações de poder, uma vez que uma língua, em qualquer momento histórico, é uma conjuntura específica de uma forma maior dominando variáveis menores (VENUTI, 1998, p. 24).
A língua não é apenas um meio onde se produz uma comunicação
neutra. Ela envolve relações de poder, isto ocorre pela existência de uma forma
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padrão para cada idioma e essa forma é considerada culturalmente, econômica
e social melhor do que os idiomas considerados periféricos.
Venuti (1996, 112) escreve que: “A tradução é uma produção ativa que
se assemelha ao texto original, mas que mesmo assim o transforma”. O texto
traduzido sofre inevitavelmente intervenções por parte do tradutor, e durante o
processo de transformação cabe ao mesmo manter as marcas da origem do
texto permitindo que o leitor perceba que o texto é estrangeiro. Esse método
tradutório conhecido como estrangeirizaçao do texto traduzido, é defendido por
teóricos como Venuti, em oposição à domesticação, conceitos que serão
explorados na próxima seção.
1.1 Domesticação X Estrangeirização
De acordo com Lawrence Venuti, domesticar um texto é deixá-lo o mais
parecido possível com os padrões culturais locais, um texto domesticado apaga
todos os traços culturais da língua de partida que venham causar algum tipo de
estranhamento ao leitor, inserindo no mesmo aspectos culturais próprios da
comunidade a qual se destina a obra, nesse caso, eles são adaptados de
acordo a língua alvo. Ou seja, a adequação da tradução às formas literárias
existentes na língua alvo como condição primordial de traduzibilidade. Ao
assumir essa postura o tradutor levanta muros que impedem o seu leitor de
conhecer a cultura do autor da obra, sendo que ele poderia abrir janelas onde o
leitor pudesse vislumbrar toda a riqueza cultural de outros povos.
No modelo de tradução domesticada, ocorre a valorização da cultura de
chegada, excluindo totalmente a cultura da língua de partida. Essa atitude
denota um forte etnocentrismo. Assim entendemos que o tradutor age
conscientemente em favor da cultura da língua para quem se escreve,
desvalorizando e tornando menor a cultura fonte.
A domesticação de textos literários torna a leitura clara e fluente,
conseqüência do apagamento das divergências entre as duas culturas. Venuti
mostra-se contra esse tipo de tradução, favorecendo a tradução
estrangeirizadora, que preserva termos do texto original e procura
constantemente manter as diferenças culturais encontradas no texto. Um dos
objetivos desse modelo é que a tradução seja lida como tradução e não como o
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“original” que é o que ocorre com a tradução que domestica o texto. Ele
acredita que o trabalho do tradutor é aproximar o leitor do texto e da cultura
fonte, independente se esse texto vai ficar com a leitura mais densa ou não.
A estrangeirização proporciona que a diferença seja transmitida, o que
de certa forma causa estranheza e permite que o público alvo identifique que o
texto que tem em mãos é de origem diferente da sua própria cultura. A
tradução estrangeirizadora, ainda de acordo com Venuti é uma forma de
resistência contra o etnocentrismo.
É certo que todo texto acaba sendo domesticado, mas o que Venuti
propõe é que essa domesticação não seja completa, que a tradução mantenha
traços que faça reconhecível a sua origem. Em alguns casos quando aspectos
da cultura do texto fonte se tornam incômodos, a tradução é moldada e
manipulada de maneira que o texto na língua alvo assuma um modelo que
satisfaça os padrões locais, não interferindo nas diferenças lingüísticas e
culturais, quando na verdade a tradução deveria encaminhar o leitor até o
autor.
Em seu artigo intitulado A invisibilidade do tradutor, publicado
anteriormente ao lançamento do livro com esse mesmo titulo, Venuti denuncia
a tradução domesticadora como responsável pelo apagamento do tradutor,
assunto que será discutido na próxima seção.
1.2 A Invisibilidade do tradutor
O ato de traduzir está envolto em muitos problemas com o qual o
tradutor a todo o momento se depara. Um desses problemas é apontado por
Venuti como “A invisibilidade do tradutor”. Uma boa tradução de acordo com
alguns tradutores seria aquela legível, transparente que não oferecesse
obstáculos ao leitor no momento da leitura, ou seja, a domesticadora. A
recepção do leitor não é apenas um dos motivos para que a tradução seja
fluente, existe ainda a pressão dos redatores e revisores sobre o tradutor para
que a tradução soe o mais natural possível, tendo em vista que um dos motivos
primordiais para que uma obra literária seja traduzida está no retorno financeiro
que esta possa trazer. Sendo assim, a fluência torna-se pré-requisito para que
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a tradução seja aceita. Uma tradução fluente leva o leitor a ter uma falsa
sensação de estar diante do texto original fazendo com que este perca o seu
caráter estrangeiro e passe a ser visto como um texto “natural”, a presença do
tradutor torna-se imperceptível; ou seja, a visibilidade do tradutor é sacrificada
em nome da fluência, apagando traços culturais que causariam estranheza na
cultura receptora, Como Venuti aponta:
Na prática o fato da tradução é apagando pela supressão das diferenças culturais e lingüísticas do texto estrangeiro, assimilando-as a valores dominantes na cultura de língua alvo, tornando-a reconhecível e, portanto, aparentemente não traduzida (VENUTI, 1998, p 66).
Ainda de acordo com Venuti, quanto mais fluente a tradução mais
invisível se torna o tradutor. Sendo que é o próprio tradutor que apaga
cuidadosamente a sua co-autoria, agindo sempre com o intuito de satisfazer a
fluência e consequentemente o seu público. Como ele mesmo ressaltou em
seu artigo, a invisibilidade do tradutor, “é em parte um efeito estranho de sua
manipulação da língua, um auto-aniquilamento que resulta do próprio ato da
tradução como ele é concebido e praticado hoje”. Essa invisibilidade do
tradutor ocorre geralmente quando este utiliza uma tradução domesticadora,
um dos principais alvos da crítica de Venuti.
O tradutor pode propiciar o encontro do leitor com o autor, se optar pela
estrangeirização, levando-o a apreciar a literatura estrangeira com a ajuda da
língua doméstica, mas sem o apagamento da identidade cultural da obra, sem
precisar negar as peculiaridades estrangeiras, e ainda sem deixar o seu próprio
trabalho em papel de invisibilidade.
Analisando que uma obra literária ao ser escrita se destina a uma
determinada cultura, o tradutor no seu papel de mediador, ao reescrever a
mesma obra insere nesta não apenas códigos lingüísticos diferentes, mas
também mudanças culturais, adequando o texto para a cultura receptora,
nascendo assim, um novo texto dentro da nova cultura, viabilizado pela
tradução. Venuti reforça que a tradução nada mais é que “uma reescritura do
texto estrangeiro de acordo com as inteligibilidades e interesses domésticos”.
(2002, p. 46-47), e essa mudança ou reescritura feita pelo tradutor acaba
interferindo na maneira de pensar do leitor, podendo reforçar o que ele
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acredita; gerar uma nova maneira de pensar e até mesmo contribuir para a
formação de uma nova identidade, sobre isso venuti considera:
Sem dúvida, o efeito que produz as maiores conseqüências – e, portanto, a maior fonte potencial de escândalo – é a formação de identidades culturais, A tradução exerce um poder enorme na construção de representações de culturas estrangeiras. A seleção de textos estrangeiros e o desenvolvimento de estratégias de tradução podem estabelecer cânones peculiarmente domésticos para literaturas estrangeiras, cânones que se amoldam a valores estéticos domésticos, revelando assim exclusões e admissões, centros e periferias que se distanciam daqueles existentes na língua estrangeira (VENUTI, 1998, p. 130).
Esse poder que a tradução exerce nas comunidades culturais por onde
circula gera certo receio de que a cultura do outro não se encaixe nos padrões
da cultura receptora, interferindo nos dogmas, crenças da comunidade meta. A
tradução além de fazer ligação entre povos distintos abre uma janela pela qual
o leitor da língua meta pode vislumbrar costumes, condutas para á vida, além
de muitos outros fatores próprios à comunidade de onde veio o texto, que
diferem dos seus. Esses usos e costumes podem ser acomodados ou
repudiados. Se ocorrer a acomodação, a tradução pode induzir maneiras de
pensar e agir, quebrar dogmas, incutir novos valores, contribuindo para a
reformulação de pensamentos, podendo ser usada também de modo a
manipular determinado grupo, promovendo assim efeitos sociais e culturais
imprevisíveis. O tradutor, através da sua interpretação e opção pessoal pode
contribuir para a visibilidade de uma cultura ou ao contrário, apaga-la do texto
tratando-a como se nunca tivesse existido, isso se dá desde a escolha
adequada do texto e a maneira como esse texto vai ser transportado
adequando-se a outra língua.
Nesse contexto pretendemos verificar alguns aspectos culturais
presentes na tradução da obra Things Fall Apart do autor nigeriano Chinua
Achebe, através de um cotejamento entre original e tradução O Mundo se
Despedaça, traduzido por Vera Queiroz da Costa e Silva. A fim de verificar se a
obra Things fall apart sofreu interferências estrangeirizadoras ou
domesticadoras durante o processo de tradução e implicação dessas técnicas
tradutórias na leitura da obra pelo público brasileiro.
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No próximo capítulo analisaremos informações biográficas e sócio
históricas do autor Chinua Achebe, e da Nigéria, mais especificamente da
cultura tribal a qual o livro se refere, onde pode-se constatar algumas
diferenças entre a cultura fonte e a meta, como também, algumas semelhanças
entre cultura nigeriana e a cultura brasileira.
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2. INFORMAÇÕES BIOGRÁFICAS E SÓCIO-HISTÓRICAS
A interseção central dos estudos da tradução e da teoria pós-colonial são as relações de poder (Munday 2001, p 134).
2.1 Sobre o autor
Chinua Achebe, escritor nigeriano, da cidade de Ogidi, foi aclamado
mundialmente, e muitas vezes indicado como prêmio Nobel da literatura, tendo
sido vencedor em várias oportunidades, o mais recente prêmio foi o: Man
Booker International Prize em 2007 pela sua brilhante carreira literária.
Escreveu o romance contemporâneo Things Fall Apart, publicado em 1958
quando tinha apenas 28 anos e foi e traduzido para mais de 50 idiomas,
considerado como um dos melhores livros já escritos. Na África e em países
anglo-saxônicos o livro faz parte do currículo escolar por ser visto como um
retrato fiel da cultura local e um marco da literatura moderna africana, vale
ressaltar ainda que foi um dos primeiros romances africanos escrito em língua
inglesa reconhecido mundialmente. Achebe foi educado na Universidade de
Ibadan College. Posteriormente ele ensinou em diversas universidades na
Nigéria e nos Estados Unidos.
Achebe era antes de tudo um fascinado pelo mundo das religiões e
culturas tradicionais africanas, buscando retratar tais valores em sua obra. Seu
estilo depende muito da tradição oral dos Ibo, tribo à qual pertencia, e faz uma
forte combinação em sua obra de tradições orais com a sabedoria expressa
através de provérbios. Também publicou uma série de histórias curtas, livros
infantis, coleções e ensaios.
Ele diz que iniciou a carreira literária para tentar concertar a imagem
negativa que a literatura européia e americana passava da África para o resto
do mundo. “Eu não queria descrever meus conterrâneos nem melhor nem pior
do que eles são”... “Me pareceu simplesmente uma questão de justiça”.
Trata da depreciação que o ocidente faz sobre a cultura e a civilização
da África e ainda dos efeitos da colonização do continente africano pelos
europeus; como vemos a seguir.
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2.2 Resumo da obra
O romance conta com precisão o início das mudanças da cultura Ibo,
cultura na qual o protagonista Okonkwo estava inserido, guerreiro de grande
fama entre as nove aldeias da Nigéria, vivia na aldeia com suas três mulheres
e filhos ansiando por alcançar o título mais alto entre o seu povo, sentia um
medo incomum de ser um fracassado, reflexo do que foi o próprio pai. Teve a
vida pautada pelo orgulho que tinha das tradições locais, as quais respeitava
sem questionar, sendo sempre fiel aos mitos e costumes pré-estabelecidos
pelos ancestrais.
Eles viviam em um mundo fechado e protegido pelo isolamento que
servia de escudo contra o homem branco. A história ocorre entre o final do
século XIX e o inicio do século XX. O livro é dividido em três partes.
Na primeira parte, traz para o leitor o cotidiano do povo Ibo com todas as
suas peculiaridades, bem como o herói Okonkwo e sua família, os seus
hábitos, leis, o dia-a-dia da aldeia, finaliza-se com o desterro de Okonkwo após
uma tragédia que o assolou.
A segunda parte do livro inicia-se com a chegada de Okonkwo à aldeia
materna e sua estadia durante os sete anos que tinha que permanecer fora da
sua terra. Relata ainda a chegada dos primeiros missionários britânicos que lá
estavam a fim de trazer a “paz e civilização” na concepção do colonizador (o
homem branco).
Na terceira e ultima parte ocorre o fim do exílio de Okonkwo e seu
retorno a sua terra, os conflitos entre o homem branco e o povo Ibo, as
primeiras conversões religiosas da tribo Ibo para o protestantismo, e os
massacres do povo em nome da civilização retratando o momento decisivo no
drama colonial. O livro é narrado em terceira pessoa por um narrador
onisciente que mostra simpatia pelo povo de Umuofia.
A fim de tentar entender melhor a cultura Ibo, tratada na obra de
Achebe, veremos a seguir aspectos da historia e da cultura nigeriana.
21
2.3 A Nigéria (aspectos culturais e sócio históricos)
A Nigéria é um dos países da África Ocidental, membro da Comunidade
Britânica de Nações. Com representantes de quase todas as raças nativas da
África, caracterizando assim uma grande diversidade de povos e culturas.
O país está situado na confluência das rotas migratórias
transcontinentais. O povo tem origem da mistura entre sudaneses e povos
bantos e semi-bantos, oriundos do sudoeste e centro da África. O idioma oficial
da Nigéria é o inglês, mas cada grupo étnico tem sua língua, com diversos
dialetos.
Posteriormente, grupos menores como os árabes shuwas, os tuaregues
e os fulas, concentrados no extremo norte, entraram em sucessivos ataques
pelo Saara. Os habitantes da Nigéria são na sua quase totalidade da raça
negra, mas há profundas diferenças entre os mais de 250 grupos étnicos. Cada
grupo ocupa um território, que considera seu por direito de herança ou por
antiguidade de ocupação. Os que não pertencem ao grupo, mesmo que vivam
e trabalhem no lugar continuarão na condição de estrangeiros.
Há três grupos étnicos principais: Hauçás, povos de língua ioruba e ibo.
Os Hauçás são os mais numerosos e vivem no extremo norte integrado aos
Fulani, que conquistaram a região no inicio do século XIX. Embora em minoria
os Fulas tem alguns privilégios em relação à minoria Hauçá: Podem casar-se
com Hauçás ou até com membros de outros grupos, controlam a administração
das cidades e falam a sua própria língua.
O terceiro grupo majoritário, o dos povos de língua Ibo, vivem em
pequenas porções dispersas no sudoeste. Uma pequena porcentagem dos Ibo,
fixada no estado de Bendel, vive em grandes cidades pré-industriais e são
culturalmente mais próximos dos Edos, da vizinha Benin City, do que os Ibos
do vale inferior do Niger.
Na cultura Ibo, um homem deve ser forte e ter disposição para plantar
milhares de inhames com o objetivo de alimentar a si e a família, tendo o
privilégio de possuir muitas esposas. A dieta desse povo é baseada neste
tubérculo, alimento considerado imprescindível para eles.
Na parte central do território nigeriano encontra-se a maior concentração
de grupos étnicos minoritários. São mais de 180. A herança cultural nigeriana
22
provém de três fontes: A cultura peculiar, dos povos que já habitavam o
território; A influência Árabe que veio pelo Saara, e manifestou-se durante o
segundo milênio da Era Cristã; E mais intensa, a cultura européia, presente nos
reinos do século XV. O folclore e as tradições locais, menosprezadas no
período colonial, estão sendo resgatadas desde a metade do século XX, mas
perdeu algumas de suas marcas. As emissoras de rádio e televisão utilizam
diferentes idiomas e dialetos locais a fim de resgatar um pouco da cultura
perdida. As artes e as músicas são objetos de estudo e constantes
atualizações.
Diante do contexto visto, percebe-se a Nigéria atual como resultado
desse processo de conflitos, de sobreposição de poder e cultura. Em
observância a esse trabalho percebe-se que se tratando desta obra, Achebe
tinha dentro de si, uma Nigéria perdida em sua diversidade de etnias, grupos,
pessoas, culturas e ainda mais atônita com a nova possibilidade aberta pelos
missionários cristãos dava-se ali um processo de desconstrução que culminou
em muitas tragédias e processos de aculturação passada naquele momento
que têm seus resultados sentidos até os dias de hoje.
Sobre tudo isso, é importante salientar que os ingleses estavam
introduzindo naquela terra, pessoas de tradições muito diferentes uma das
outras, de religiosidade totalmente diversa, vindos de Reinos, ou de apenas
uma organização tribal. Enfim, trouxeram pessoas que, tornaram-se rivais com
uma imposição cultural que gerou uma espécie de destruição. Vale ressaltar
que durante o processo de colonização, a Nigéria sofreu os efeitos dos regimes
colonizadores em vários aspectos passando pela dominação da língua,
opressão, imposição da religião do colonizador e as influências significativas na
cultura.
2.4 . Acontecimentos na Nigéria no período da publicação do livro
No final da Segunda Guerra, os nativos integram as estruturas
governamentais, como preparação para a independência, contexto dentro do
qual se insere, igualmente, a promulgação da Constituição de 1954, que
introduz o sistema federal. A independência formal ocorreu em primeiro de
outubro de 1960 e, três anos depois, transforma-se em república federal dentro
23
da Commonwealth, cujo primeiro Presidente foi Nnamdi Azikiwe, da etnia Ibo.
O desequilíbrio provocado pelo maior desenvolvimento do sul (região
onde havia sido descoberto petróleo, em 1958), onde predominavam os Ibo, e
o controle do sistema político pelo norte contribuía para o agravamento das
rivalidades étnicas e constituiu, a motivação ao golpe de Estado Militar de
Janeiro de 1966, liderado por Aguiyi Ironsi, um ibo, que aboliu a federação e
substituiu os cargos de Presidente e de Primeiro Ministro por um Governo
Militar Nacional. A reação do norte culmina no derrube e no assassinato de
Ironsi em 29 de Julho desse ano e também na matança de 30 mil ibos. O
coronel Yacubu Gowon, nascido em uma pequena tribo cristã do norte, assume
o poder e reintroduz o sistema federal, dividindo a Nigéria em 12 Estados, aos
quais foi concedido um grau de autonomia interna. Contudo, o conflito entre
Gowon e o governador do Estado de maioria Ibo, o coronel Odumegwu-
Ojukwu, leva este último a proclamar, em 30 de Maio de 1967, a independência
da região, sob o nome de República Independente do Biafra. Durante os três
anos posteriores, seguiu-se uma guerra civil, em que o Biafra viria a contar com
o reconhecimento da Tanzânia, do Gabão, da Costa do Marfim e da Zâmbia e
com o auxílio de Portugal, da África do Sul e da Rodésia (que procuravam fazer
passar a mensagem de que a África seria incapaz de suportar o corte dos laços
coloniais, pois revelava uma inerente e incurável instabilidade), da França de
Gaulle, dos países escandinavos, da Alemanha Federal, da China e do Haiti.
Já a Nigéria contaria com o apoio da grande companhia petrolífera, a Shell. O
conflito terminaria em 12 de Janeiro de 1970, quando o Major general Philip
Effiong, a quem Ojukwu tinha entregue o poder, antes de fugir para a Costa do
Marfim, se rendeu ao Governo Federal. Seguiu-se uma política de
reconciliação.
2.5 Movimento negro no Brasil na Década de 80.
Na década de 80, período da tradução do livro Things Fall Apart, para a
língua portuguesa, o movimento negro no Brasil foi consolidado tendo como
objetivo mostrar para a sociedade o quanto à discriminação racial originada do
momento escravocrata até hoje é nefasta para os afro-descendentes. A partir
daí, houve uma discussão de como seria feita uma reparação pelos muitos
24
danos causados a etnia negra no Brasil.
Nesse período, houve entre professores e muitos intelectuais um
trabalho sobre temas relacionados a escravidão e consequentemente a
abolição, houve uma participação em massa desse movimento de renovação
sobre estudos relacionados a escravidão, publicando obras importantes sobre
a criminalidade escrava no período da abolição, sobre as dimensões dos
castigos infligidos aos escravos e sobre as penosas lutas diárias dos cativos
em busca do sonho da liberdade.
Algumas teses orientadas pelos programas de gerenciamento dos
principais movimentos negros da década, naqueles anos e nos seguintes
transformaram-se em livros que também contribuíram para dá outra dimensão
no estudo das ações dos escravos refugiados, do significado das Leis do
Ventre Livre e de outros aspectos da experiência de muitos seres humanos
cativos que viveram e lutaram durante o período em que vigorou a escravidão.
Segundo as principais lideranças do movimento negro daquela década
as mudanças podem parecer insignificantes, quando expressa de forma
simples. Mas esta perspectiva implica alterações importantes na história,
capazes de estabelecer conexões e possibilidades de diálogo entre áreas da
história do Brasil que até agora eram estudadas isoladamente. De um lado,
ganham os estudos sobre as questões raciais e os significados da presença
negra e dos egressos do mundo escravista. De outro, ganham os estudos
sobre a escravidão e a abolição, que passam a participar de análises
profundas, relacionadas às dimensões políticas e culturais das lutas pela
cidadania em diversos momentos da história.
Pode-se perceber que os acontecimentos desta década foram de
extrema peculiaridade e de grande valia para a modificação e auto-afirmação
de um contexto sócio-político e comportamental, tanto no Brasil quanto na
Nigéria, de uma certa maneira se olharmos este contexto sob uma perspectiva
global, podemos perceber claramente as influências desses estudos no
amadurecimento de toda uma mentalidade em relação ao negro, ao seu
posicionamento na sociedade e inclusão de uma nova conduta social que
permitiria a seguir uma incorporação de capacidade e a internalização de
conceitos sobre a realidade vivenciada pelos negros de uma forma geral
25
3. ANÁLISE DE DADOS: ALVOS E ESTRATÉGIAS DA
ESTRANGEIRIZAÇÃO
“[A tradução] tem por objetivo direcionar-se a um público diferente ao atender as exigências de uma cultura e língua diferentes”
(Venuti, 2002).
Antes de iniciarmos a análise de dados, convém deixar nota explicativa
sobre as abreviações e os seus devidos significados, que serão adotadas com
o fim de facilitar o entendimento do leitor:
a) TO (texto original) – Things Fall Apart, de Chinua Achebe.
b) TT (texto traduzido) – O mundo se despedaça, tradução de Vera Queiroz da
Costa e Silva.
A leitura da tradução de Things Fall Apart, no primeiro momento denota
uma obra com marcas de estrangeização, (tópico 1.1) onde a todo instante o
leitor se vê de frente com a cultura do povo Ibo, seus costumes e
peculiaridades. A tradutora também fez uso de notas de rodapé, o que torna a
leitura pouco fluente, mas que deixa o tradutor em posição de visibilidade,
tornando inquestionável a sua passagem/contribuição para a obra literária, e
levando o leitor a conhecê-lo como co-autor daquele titulo.
A tradutora mantém-se fiel à idéia do autor, e passa para o leitor a
essência da obra de Achebe, desmistificando o retrato da África pintado por
muitos anos pelo colonizador. Achebe dá voz ao seu povo, e esse grito do povo
africano chega até a cultura brasileira através da tradutora. Percebe-se
também uma despreocupação da tradutora com a recepção do texto para
comunidade a qual se destinava a tradução, considerando que não procura
atenuantes para as cenas de violência, ocorre à valorização das origens e um
pouco do resgate da língua e identidade “original”, diminuindo a marginalização
das línguas nativas da África. A tradutora também passa para o leitor com
26
precisão e fidelidade, hábitos alimentares, religiosos, a cultura do povo, como
toda a estrutura da sociedade com suas tradições. Entre os muitos temas que a
tradução da obra Things fall apart proporciona, foram selecionados quatro para
a análise, a saber: Provérbios, Instrumentos musicais, Crenças/religiosidade e
Alimentação que serão analisados respectivamente.
3.1 Provérbios
Na cultura Ibo, uma única palavra pode ter muitos significados, em
função disso os provérbios desempenham um fator importante na linguagem do
povo. Se alguém não faz uso deles no discurso é considerado estrangeiro.
A leitura do livro mostra a presença forte de provérbios, os quais são
traduzidos literalmente, sem a adequação com provérbios da cultura receptora,
como podemos ver nos exemplos a seguir:
Ex 1
TO: A toad does not run in the daytime for nothing (p. 15).
TT: Um sapo não costuma correr durante o dia sem motivo (p. 27).
Observa-se que a tradutora evita a domesticação, com a adequação do
ditado à cultura meta, trabalhando assim com a estrangeirização traduzindo
palavra por palavra do provérbio e mantendo a sua carga cultural, ponto de
vista defendido por Lawrence Venuti. Se a mesma optasse por domesticar o
provérbio, procurando com isso um melhor entendimento do seu público alvo,
ela encontraria muitos provérbios similares na língua portuguesa, como por
exemplo: Neste mato tem coelho. Diante do contexto da conversa que estava
sendo travada pelos personagens do livro, a tradução poderia se ater apenas
em uma das frases ditas: “Deve haver alguma coisa por trás disso” esse
comentário se deu diante da notícia que uma pessoa da comunidade tinha
parado repentinamente de trabalhar como sangrador de vinho, e a partir daí
levados pela curiosidade começaram a formular hipóteses que justificasse tal
atitude inesperada.
27
No parágrafo seguinte encontramos outro provérbio popular; desta vez
proferido pelo narrador onisciente:
Ex. 2
TO: [...] Because as the saying goes, an old women is always uneasy When dry bones are mentioned in a proverb” (p. 15).
TT: [...] Porque, como diz o ditado, mulher velha fica sempre um pouco sem graça quando se faz menção a ossos secos num provérbio (p. 27).
Novamente não foi colocado um ditado similar na tradução, mesmo
correndo o risco do receptor não decodificar a mensagem, este provérbio foi
dito pelo narrador do livro para explicar o motivo do personagem principal,
Okonkwo, ter ficado sem graça, diante de um comentário. Seus amigos
falavam de uma terceira pessoa, caçoando do fracasso do pai deste quando
vivo. Okonkwo, que tinha vergonha do próprio pai, por vê-lo como um
fracassado, não achou engraçado o comentário e enquanto todos “riam
gostosamente”, ele apenas deu um “riso meio sem graça”. A tradutora podia
colocar um ditado da língua portuguesa, como: “Em casa de enforcado, não
fales em corda”, embora tenha um jogo de palavras totalmente diverso, passa à
mesma mensagem.
Observa-se que os provérbios eram uma constante na comunicação do
povo Ibo, e uma maneira dos mais velhos passarem para a nova geração
valores que pudessem nortear as condutas do povo, sabendo-se que ditado é
uma verdade de valor geral, que unido à palavra popular, tem-se como a
verdade do povo, a voz do povo.
Em apenas um diálogo encontra-se muitos ditados populares, o que
denota que eles eram utilizados com certa freqüência. Ainda na mesma
conversa do exemplo anterior, encontramos outro provérbio:
Ex. 3
TO: The lizard that jumped from the high iroco tree to the ground said he would praise himself if no one else did (p. 16).
28
TT: O lagarto que conseguiu pular do alto da árvore para o chão disse que se elogiaria a si próprio, se ninguém mais o fizesse (p. 28).
Neste exemplo embora a tradução tenha seguido a mesma linha dos
exemplos anteriores, a tradutora apagou a palavra Iroco, mas sem maiores
prejuízos para a compreensão do texto, talvez ela tenha suprimido a palavra da
tradução para evitar divergências entre as duas línguas. Essa palavra na língua
Ibo, significa uma árvore africana carregada de significados religiosos. Na
crença do povo Ibo, Iroco é a morada dos espíritos infantis, considerada uma
das quatro arvores sagradas. Existe na literatura oral muitas fábulas
concernente a ela. Enquanto que no Brasil Iroko é uma divindade do
candomblé, e que se fosse traduzida poderia ter-se uma conotação ligada a
essa crença religiosa. Para ilustração desse exemplo ver: (anexo 12 e 13).
Logo em seguida ainda na mesma conversa entre os personagens
Encontramos outro provérbio:
Ex. 4
TO: Eneke the bird says that since man have learnt to shoot without missing he has learnt to fly without perching (p. 16).
TT: Eneke, o pássaro, diz que desde que o homem aprendeu a atirar sem errar a pontaria, ele, o pássaro, aprendeu a voar sem pousar (p. 29).
Aqui temos um exemplo claro de estrangeirização, a tradutora mantém o
vocábulo Eneke, que é um pássaro peculiar da cultura africana.
A tradução tornou-se pouco fluente, mas não teve a inteligibilidade
sacrificada. Na língua portuguesa existe um provérbio similar, que poderia ser
utilizado pela tradutora da obra, tornando assim o texto domesticado: A bom
gato, bom rato. Com a domesticação do provérbio, a mensagem seria passada
da mesma forma, com a vantagem de que o leitor entenderia mais rapidamente
a mensagem do autor, por ser uma máxima do seu dia-a-dia.
Em todos os diálogos que se travam no desenrolar da história a
recorrência de provérbios é muito grande, mostrando a importância que o povo
Ibo dava às máximas populares. Os provérbios que Achebe cita no decorrer da
história não têm na língua inglesa, sendo possível entende-los apenas pelo
29
contexto. Em uma entrevista, O escritor explica a maneira que gostaria de ser
visto pelas demais culturas: “Em primeiro lugar, nós somos pessoas. Não
somos seres estranhos. Eu diria simplesmente: olhe para a África como um
continente de pessoas. Eles não são demônios, eles não são anjos, são
apenas pessoas. E os escute. Nós já ouvimos muito”. Através desse
depoimento fica claro que embora Achebe tenha escrito seus romances na
língua do colonizador, um dos seus objetivos era que a cultura africana fosse
notada, e os provérbios possivelmente foi uma estratégia para alcançar esse
objetivo e ainda reforçar a africanidade para o ocidente.
Pela natureza do trabalho não é possível mostrar a quantidade de
provérbios que estão inseridos no livro.
3.2 Instrumentos musicais:
A música era muito importante para a comunidade Ibo. Em todos os
eventos citados no livro ela está presente, nos casamentos, nascimentos,
inclusive a morte de algum membro da tribo era avisada através dos tambores,
quando esses soavam todos sabiam que alguém tinha morrido; nos funerais
também a música era imprescindível, eles faziam uma grande festa (era
considerado uma grande ocasião); nas histórias que as mães contavam aos
filhos pequenos sempre tinha uma cantiga; nas guerras, nos julgamentos, nas
festas peculiares da cultura como a festa da colheita, denominada festival do
novo Inhame; na cerimônia de recebimento de título ou ainda quando o
pregoeiro saia à noite pelas nove aldeias tocando um instrumento musical, para
avisar a reunião extraordinária no dia seguinte, onde todas as aldeias deveriam
está presentes impreterivelmente, como vemos no exemplo a seguir:
Ex. 1
TO: The drum sounded again and the flute blew. The egwugwu house was now a pandemonium of quavering voices: Aru oyim de de de de dei! Filed the air as the spirits of the ancestors, just emerged from the earth, greeted themselves in their esoteric language (p. 64).
TT: De novo ouviu-se o agogô, e a flauta tornou a soar. A casa dos egwugwu transformara-se num pandemônio de vozes garganteadoras: de de de de dei! E essas vozes enchiam o ar, à
30
medida que os espíritos dos ancestrais, recém-saídos da terra, se saudavam uns aos outros, em sua linguagem esotérica (p. 86).
Neste exemplo, a tradutora opta pela domesticação. Na obra original
Chinua Achebe cita “drum” (anexo 2) que quer dizer tambor e a tradutora opta
pela substituição de tambor por Agogô, que é um instrumento musical idiofone
de metal utilizado no candomblé, na capoeira e ainda no samba, (anexo 6).
Mas extrangeiriza o termo egwugwu (anexo 3), que é um tipo de dançarino na
cultura Ibo.
No próximo exemplo ela traduziu o termo: beat his iron gong (anexo 4)
por batia o agogô.
EX. 2
TO: The village crier was abroad again in the night. He beat his iron gong and announced that another meeting would be held in the morning (p.143).
TT: À noite, o pregoeiro tornou a percorrer a aldeia. Batia o agogô, a anunciar que outra reunião se realizaria na manhã seguinte (180).
Pelo exemplo citado acima, percebemos que ocorreu outra
domesticação com a substituição de iron por agogô.
No próximo exemplo podemos perceber o quanto à música e seus
instrumentos musicais estavam presentes na vida dos Ibos:
EX. 3
TO: The musicians with their wood, clay and metal instruments went from song to song. And they were all gay. They sang the latest song in the village:
“If I hold her hand…She says, “Don’t touch!” If I hold her foot…She says, “Don’t touch!” But when I hold her waist beads… She pretends not to know” (p. 85).
TT: Os músicos, com seus instrumentos de Madeira, barro e metal, executavam uma canção atrás da outra. E todos estavam alegres. Entoaram à canção que estava mais em voga na aldeia:
“Se eu lhe seguro a mão...Ela diz: “Não me toques!” Se eu lhe seguro o pé...Ela diz: “Não me toques!”
31
Mas quando seguro as contas de sua cintura... Ela faz de conta que não percebe” (p. 112).
A tradutora procurou manter-se fiel a idéia do autor no exemplo acima,
ela traduziu de forma literal, mantendo aspectos da cultura da língua fonte,
mostrando também que como nas outras sociedades eles tinham inclusive a
música do momento, aquela que está na moda.
No próximo exemplo encontra-se outra marca de estrangeirização, com
alguns resquícios de domesticação, envolvendo ainda o mesmo instrumento
musical:
EX. 4
TO: Okoye was also a musician. He played on the ogene (p.
5).
TT: Okoye também era músico. Tocava o agogô (p. 15).
Novamente a tradutora domesticou o termo, desta vez substituindo
Ogene por agogô. Ogene é um instrumento musical da cultura Ibo, que se
parece com uma moringa com uma abertura no centro. (anexo 5). O termo
agogô é um instrumento conhecido em nossa cultura (anexo 6) encontrado
inclusive em letras de musicas brasileiras como Berimbau metalizado (anexo
17) da cantora baiana Ivete Sangalo. A seguir encontraremos um outro
exemplo com instrumentos musicais:
EX. 5
TO: He could hear in his mind’s ear the blood-stirring and intricate rhythms of the ekwe and the udu and the ogene (p. 5).
TT: Com os ouvidos da mente, conseguia escutar os excitantes e intricados ritmos do ekwe, o tambor falante, do udu, a botija de barro de cuja boca, com um abano, se retira um som cavo, e do agogô, bem como a própria flauta. (p. 15).
A tradutora mantém o termo ekwe do original, (anexo 1) extrangeirizando
assim a tradução. Apesar de estrangeirizar, ela acrescenta no original a
descrição detalhada do que seria esse instrumento musical, tornando o texto
mais compreensível para o leitor da língua meta, que ao se deparar com um
32
objeto que não faz parte da sua cultura, certamente o estranhará. Mas essa
estranheza foi tratada por Venuti, como necessária na tradução, pelo fato de
valorizar a cultura fonte e também o papel do tradutor, visto que o objeto
estranho leva o leitor para outro mundo, além do seu. Na secção seguinte
veremos a relevância da fé para a cultura Ibo.
3.3 Crenças/Religiosidade
A Nigéria é um país muito místico, as crenças do povo são levadas
muito a sério, e a religiosidade é muito forte, eles adoram a diversos deuses,
na crença do povo Ibo existem três níveis de divindades, o nível mais elevado é
o Deus supremo, ou Chukwu, em seguida vem deuses menores denominado
Umuagbara para em seguida vir os Ichie, que são os Espíritos das pessoas
falecidas. Eles também acreditam na reencarnação. Enxergam a morte como
uma transição. Toda aldeia tem sacerdotes e sacerdotisas que auxilia o povo
com questões espirituais.
As religiões do povo ibo se assemelha em muitos aspectos ao
candomblé no Brasil, principalmente no quesito cultuar antigos deuses. Sabe-
se também que os orixás são originários da África, mais especificamente da
Nigéria que vieram para o Brasil com os escravos.
Toda deidade na Nigéria geralmente está ligada a um efeito da natureza.
Pesquisadores explicam ainda que os orixás sejam representantes das forças
que regem a natureza e dos fenômenos que a ela se relacionam, existe ainda a
crença de que os deuses foram seres humanos que teriam praticados incríveis
feitos na terra, por esta razão foram deificados pelo seu clã, família ou povo.
Um dos motivos da religião ser inserida na análise de dados é exatamente a
importância para o povo local e a grande quantidade de recorrências que foram
encontradas, no primeiro exemplo tem-se:
EX.1
TO: Umuofia was feared by all its neighbors. It was powerful in war and in magic, and its priests an medicine-men were feared in all the surrounding country. Its most potent war-medicine was as old as the clan itself. Nobody knew how old. But on one point there was general agreement – the active principle in that medicine had been an old woman with one leg. In fact, the medicine itself was called agadinwayi, or old woman (p. 08/09).
33
TT: Umuófia era temida por todas as aldeias vizinhas. Era poderosa na guerra e na magia, e seus sacerdotes e curandeiros infundiam terror em derredor. Seu mais potente feitiço de guerra era tão antigo quanto o próprio clã. Ninguém sabia ao certo quão antigo. Mas num ponto todos concordavam: o princípio ativo desse feitiço fora uma velha de uma perna só. De fato, o feitiço chamava-se agadi nwayi, ou seja, mulher velha (p. 19/20).
Nos trechos acima citados, percebe-se que a tradução domesticou o
maior número de palavras referentes às crenças, com exceção do nome do
feitiço, agadi nwayi o que configura uma estrangeirização, e corrobora para
levar o leitor a perceber a estrangeiridade do texto. No próximo exemplo
encontra-se um ritual praticado pelos nativos, envolvendo a questão religiosa,
fé e as crenças.
Era hábito do povo consultar o oráculo nas cavernas das montanhas,
que era conhecido por Agbala e representado por uma sacerdotisa.
Acreditava-se que o oráculo traria respostas para quentões diversas:
EX. 2
TO: The Oracle was called Agbala, and people came from far and near to consult it. They came when misfortune dogged their steps or when they had a dispute with their neighbors. They came to discover what to discover what the future held for them or to consult the spirits of their departed fathers (p. 12).
TT: O Oráculo era chamado de Agbala, e as pessoas vinham de longe e de perto para consulta-lo. Vinham, quando o infortúnio lhes batia à porta, ou quando tinham uma disputa com os vizinhos. Vinham para descobrir o que o futuro lhes reservava ou para consultar os espíritos de seus antepassados (p. 23).
No exemplo lido, encontra-se outra marca de estrangeiridade na
tradução. O nome Agbala, um titulo dado a sacerdotisa que intermediava as
relações entre o povo e os deuses, falando em nome dos mesmos, atendia o
povo, exortando, e explicando qual seria o sacrifício a ser oferecido, o que
dependia do tamanho da falta cometida, revelava o futuro e entrava em contato
com os mortos, fazia feitiços, entre outras atribuições. Observa-se uma grande
semelhança com os cultos Afro-brasileiros também conhecidos por candomblé
no Brasil.
34
No exemplo abaixo pode-se ver o ritual de sacrifício que pune os erros
cometidos. O personagem principal Okonkwo ofende a deusa da terra em um
período do ano que era considerado sagrado, a semana da paz, e por isso ele
é obrigado a oferecer sacrifícios à deusa.
EX. 3
TO: The evil you have done can ruin the whole clan. The earth goddess whom you have insulted may refuse to give us her increase, and we shall all perish. His tone now changed from anger to command. “You will bring to the shrine of Any tomorrow one she-goat, one hen, a length of cloth and a hundred cowries.”People called on their neighbors and drank palm-wine. This year they talked of nothing else but the nso-ani which Okonkwo had committed (p. 22).
TT: O mal que você fez pode arruinar todo o clã. A deusa da terra, a quem você ofendeu, poderá recusar-se a nos dar auxílio, e todos nós pereceremos. – E continuou, passando do tom de zanga ao de comando: - Você deverá levar, amanhã, ao santuário de Ani, uma cabra, uma galinha, uma peça de tecido e cem cauris.Nesse ano, não se falou noutra coisa que não fosse o nso-ani, o grande pecado que Okonkwo cometera. (p. 36/37).
Acima encontra-se três marcas de estrangeiridade: o nome da deusa:
Any, que era a deusa da terra, a moeda local: cauris, (anexo 16) durante muito
tempo os nigerianos usaram como dinheiro pequenas conchas, elas eram
coloridas e variavam de tamanho, e o nome do pecado cometido por Okonkwo:
nso-ani. Fica claro nesse exemplo todo o ritual praticado no momento de fazer
sacrifícios aos deuses, o herói do livro tinha que levar para a deusa da terra,
animais, dinheiro e uma peça de tecido. O ritual de se oferecer animais em
sacrifícios aos deuses é peculiar na cultura brasileira nos cultos do candomblé,
mas levar tecidos é um costume cultural da Nigéria, pois de acordo nota de
roda pé a tradutora explica que o tecido simbolizava a historia do povo africano,
sendo portanto um objeto com significado especial na tradição deles.
3.4 Alimentação
O alimento tinha uma forte simbologia para o povo Ibo, a maioria dos
alimentos que eram consumidos na aldeia tinha um significado, e todos eram
35
plantados por eles próprios, as plantações estavam também ligadas às
crenças, ao respeito que eles tinham pela terra e consequentemente aos
deuses da terra. Tinha a plantação feminina e a plantação masculina, as
crianças não estavam isentas desse oficio e desde muito pequenas já tinham
responsabilidades junto aos seus pais.
No exemplo abaixo, percebe-se o inicio da valorização de preço de um
alimento feito na própria aldeia. Que é decorrente da chegada do homem
branco. A valorização monetária das mercadorias é um dos motivos dos
missionários brancos terem sido aceitos na comunidade, visto que eles não
traziam apenas os seus costumes e crenças, mas uma nova possibilidade de
melhoria de vida.
EX. 1
TO: And the first time palm-oil and kerned became things of great price, and much money flowed into Umuofia (p. 128).
TT: Fazendo com que pela primeira vez o óleo e as sementes de palma atingissem elevados preços, e uma grande quantidade de dinheiro afluísse em Umuófia (p. 162).
A tradutora manteve os mesmos termos usados pelo autor, configurando
desta forma uma estrangeirização. Nos trechos abaixo veremos um exemplo
de domesticação, a palavra kola nut (anexo 9), um dos alimentos peculiares a
cultura e carregado de significados, que foi traduzido pelo correspondente noz-
de-cola do português.
EX. 2
TO: Unoka went into an inner room and soon returned with a small wooden disc containing a Kola nut, some alligator pepper and lump of white chalk.“I have kola,” he announced when he sat down, and passed the disc over to his guest.“Thank you. He who brings kola brings life. But I think you ought to break it,” replied Okoye passing back the disc.“No, it is for you, I think,” and they argued like this for a few moments before Unoka accepted the honour of breaking the kola. Okoye, meanwhile, took the lump of chalk, drew lines on the floor, and then painted his big toe. As he broke the kola, Unoka prayed to their ancestors for life and health, and protection against their enemies (p. 5).
TT: Unoka foi até o quarto interior e, de volta, trouxe um pequeno disco de madeira, com uma noz de cola, um pouco de pimenta e um pedaço de giz branco.
36
- Tenho cola – anunciou ele, sentando-se e passando o disco ao visitante.- Muito obrigado. Quem traz cola traz vida. Mas acho que é você quem deve parti-la – retrucou Okoye, estendendo o disco de volta.- Não, cabe a você parti-la – E discutiram durante alguns instantes, até que Unoka aceitou a honra de romper a noz de cola. Enquanto isso, Okoye, com o giz, desenhava algumas linhas no chão. Depois, pintou o dedão do pé.Ao mesmo tempo que partia a cola, Unoka rezava aos ancestrais, a pedir-lhes vida, saúde e proteção contra os inimigos (p.15)
Esse trecho é o ritual que o povo Ibo praticava na hora de servir a noz
de cola. Na cultura Ibo, era costume oferecer a kola aos visitantes de maneira
cerimoniosa, e de acordo a crenças da tribo, quem oferecia kola oferecia vida.
Isso explica-se pelos poderes desse fruto rico em cafeína que é utilizado ainda
hoje na fabricação de refrigerantes de cola, (anexo 8) suas sementes tem ação
estimulantes e atuam como um tônico revigorante. Os escravos costumavam
masca-las para suportar os trabalhos árduos. É ainda muito utilizada como
estimulante sexual e para auxiliar na perda de peso entre outros.
No exemplo abaixo veremos uma bebida tradicional na cultura do povo
Ibo:
EX. 3
TO: The men in the obi had already begun to drink the palm-wine which Akueke’s suitor had brought. It was a very good wine and powerful, for in spite of the palm fruit hung across the mouth of the pot to restrain the lively liquor, white foam rose and spilled over. “that wine is the work of a good tapper”, said Okonkwo (p.51).
TT: No obi, os homens já tinham começado a beber o vinho de palma que o pretendente de Akueke trouxera. O vinho era de muito boa qualidade e bem forte, pois, apesar do coquinho no gargalo do vaso, destinado a reter a borbulhante bebida, a espuma branca transbordou e derramou-se toda. Este vinho foi colhido por um bom sangrador, comentou Okonkwo (p. 71).
O topé ou vinho de palma é bebida cotidiana e consumida em larga
escala em todas as festas na Nigéria. É uma bebida extraída da palmeira,
(anexo 10) existem muitas lendas ligadas aos deuses com essa bebida. É uma
bebida atual, pois na internet encontramos uma variedade de vinho de palma
(anexo 11) com preços diversificados. No exemplo acima, é observado que
embora a tradutora tenha traduzido o texto, ela não domesticou, pois ela
poderia ter substituído pela nossa tão conhecida cachaça, mas ela manteve o
37
nome original, traduzindo literalmente.
Outro alimento de importância expressiva para os Nigerianos era o
inhame, eles eram verdadeiros devotos dessa iguaria, e frequentemente
associavam a comida à condição de masculinidade, é freqüente se ler: Inhame
= plantação masculina, Inhame = Rei das colheitas. Muitos alimentos para o
povo eram associados à fé, à religiosidade e este era um desses alimentos,
aspectos estes que foram mantidos pela tradutora. O inhame é frequentemente
citado, conhecemos no livro o foo-foo que é um bolo de Inhame semelhante a
pamonha, sopa de Inhame, Inhame amassado, pasta de Inhame, Inhame
socado, pirão de Inhame, a festa do novo Inhame. Era comum ainda associar o
valor do homem à quantidade de Inhame que este tinha guardado quanto mais
Inhame no celeiro mais honra e prestigio diante da sociedade local.
EX. 4
TO: His mother and sisters worked hard enough, but they grew women’s crops, like coco-yams, beans and cassava. Yam, the king of crops, was a man’s crop (p. 16).
TT: A mãe e as irmãs trabalhavam com afinco, mas cuidavam de plantações tipicamente femininas, como o cará, o feijão e mandioca. O inhame, rei das colheitas, era plantio de homem (p. 29).
No exemplo acima, os alimentos citados no original são conhecidos pela
cultura receptora. A tradutora domesticou os nomes dos alimentos o que leva o
leitor brasileiro a vislumbrar a si próprio no espelho do outro, causando uma
identificação imediata. Logo em seguida veremos outra iguaria muito
consumida pelos ibos:
EX. 5:
TO: No matter how prosperous a man was, if he was unable to rule his women and his children (and especially his women) he was not really a man. He was like the man in the song who had ten one wives and not enough soup for his foo-foo (p. 37).
38
TT: Pois por maior que fosse a prosperidade de um homem, se ele não demonstrasse ser capaz de dominar suas mulheres e seus filhos (principalmente suas mulheres), não era homem de verdade. Era como o homem da canção. – aquele que possui dez mulheres mais uma, porém não tinha caldo suficiente para o seu foo-foo (p. 54).
Neste exemplo vemos uma clara estrangeirização, onde a tradutora
mantém o termo estrangeiro e explica com nota de rodapé: foo-foo – bolo feito
de inhame pilado. (anexo 14) É uma massa branca – semelhante, na forma e
na consistência, à pamonha – que se mergulha num molho condimentado. A
tradutora não apenas explica o que é o foo-foo (anexo 15), mas o trás para
perto do leitor quando o compara a pamonha comida típica da cultura
receptora.
Tendo apresentado esses exemplos de domesticação/estrangeirização,
explicaremos a seguir a implicação dessas técnicas tradutórias na leitura da
obra pelo público brasileiro.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A tradução está se tornando cada vez mais uma das ferramentas centrais à nossa disposição para melhor compreender como as culturas estão interligadas e também fragmentadas.
(Gentzler, 2002, 218)
Considerando que a realidade cultural dos diferentes países sofrem
grande influência na hora de transportar um código lingüístico, onde
geralmente está embutido valores, normas para conduta, hábitos e toda uma
organização social e levando em consideração também a teoria venutiana de
estrangeirização e domesticação, buscou-se neste trabalho analisar a obra
Things Fall Apart, juntamente com a sua tradução para a língua portuguesa.
A leitura do original mostrou que o próprio autor estrangeirizou a cultura
Ibo, para a língua inglesa, a partir do momento que ele leva o leitor a ter
contato com as diferenças culturais e os valores que formam o perfil identítario
nigeriano.
A análise revelou que a tradutora priorizou em seu trabalho a
estrangeirização em todos os aspectos que foram analisados no livro, nos
alimentos, crenças, instrumentos musicais e nos provérbios que são
carregados de significados próprios a cada cultura, havendo ganho cultural ao
ampliar os horizontes do leitor, buscando desta forma trazer o leitor para perto
do texto original, mantendo desta forma a identidade do texto-fonte. Apesar da
grande recorrência de estrangeirização, também foi constatado a presença de
domesticação, o que é natural, pois de acordo Venuti, todo texto é
domesticado, o que ele critica é a completa domesticação.
Durante a análise de dados observamos que a tradutora no que
concerne aos instrumentos musicais e alguns aspectos da religiosidade, optou
por utilizar a estratégia de domesticação, eliminando diferenças culturais e
lingüísticas entre língua-fonte e língua-meta e tornando desta forma a leitura
acessível e fluente a compreensão do leitor.
Mas no geral a tradução manteve as marcas de origem do texto,
mantendo a estranheza do mesmo, ou seja, preservando diferenças
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lingüísticas e culturais, e permitindo ao tradutor visibilidade, o que leva o leitor
da tradução a perceber a participação do tradutor como sujeito ativo no
processo de transposição de códigos e consequentemente sua co-autoria na
obra. Nos quatro elementos analisados ocorreu a estrangeirização, os
provérbios, aspectos religiosos, alguns instrumentos musicais e os alimentos,
sendo que nos provérbios e alimentos esta se deu com mais freqüência.
Estratégia que conseqüentemente tornou a leitura pausada, opaca, levando o
leitor a ler notas de roda pé, mas que de acordo a visão venutiana, ocorreu o
reconhecimento e a valorização do outro, um elo que une o original e a
tradução sem descaracterizar a identidade cultural da língua de origem.
Pode-se inferir pela postura da tradutora, um grande respeito pelo autor
nigeriano Chinua Achebe e sua respectiva cultura, não se sabe se esse
respeito se dá por ideologia ou pela intencionalidade dos redatores e editores,
pois a obra de Achebe já tinha simpatizantes em todo mundo, e provavelmente
o seu leitor ansiava por conhecer exatamente o outro lado que foi omitido pelos
colonizadores. Mas ficou claro a fidelidade da tradutora, que conseguiu
transpor para cultura brasileira a voz de Achebe, contribuindo para a
propagação de uma cultura considerada marginal, mas que é singular e digna
de respeito não devendo ser vista como melhor nem pior que as outras culturas
existentes.
Acredita-mos que este trabalho tenha proporcionado uma pequena
reflexão sobre o tema, oportunizando melhores conhecimentos sobre a
relevância da tradução.
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REFERÊNCIAS:
ACHEBE, Chinua. Things fall apart. New York: Anchor Books, 1994.
ACHEBE, Chinua. O mundo se despedaça: Tradução de Vera Queiroz da Costa e Silva. São Paulo: Ática, 1983.
AVELINO, Paulo. Resenha de livro: Things fall apart, de Chinua Achebe. Disponível em <http://fla.matrix.com.br/pavelino/achebe.htm> Acesso em 28 abr. 2008.
LISBON, Portugal Conference. Chinua Achebe: A Tribute50th Anniversary of Things Fall Apart. Disponível em <http://www.achebelisbon2008.com/mandate%20pt.htm> Acesso em 25. mar. 2008.
NIGÉRIA, Page. Other On-Line Resources Related to Nigeria. Disponível em <http://www.africa.upenn.edu/Country_Specific/Nigeria.html>. Acesso em 25. abr. 2008.
REPÚBLICA FEDERAL DA NIGÉRIA. A Nigéria. Disponível em <http://www.sergiosakall.com.br/africano/nigeria.html> Acesso em 01 maio. 2008.
Revista Espaço Acadêmico . [on line], vol. 9, n 40. Paraná: 2004. Disponível em <http://www.espacoacademico.com.br/040/40creis.htm>. Acesso em 04 abr. 2008. ISSN 1519 - 6186.
RODRIGUES, Ângela Lamas. Tradução, Transcodificação e Hibridismo Migrante: Ngugi wa Thiong’o e Chinua Achebe. Disponível em <http://www.abralic.org.br/enc2007/anais/33/1510.pdf.> . Acesso em 10 abr. de 2008.
VENUTI, Lawrence. Escândalos da tradução: por uma ética da diferença. Tradução de Laureano Pelegrin, Lucinéia Marcelino Villela, Marileide Dias Esqueda e Valéria Biondo. Bauru: EDUSC, 2002.
VENUTI, Lawrence. A invisibilidade do tradutor: Tradução de Carolina Alfaro. In palavra 3. Rio de Janeiro: Grypho, 1995.
42
WEBBOOM.PT. Autor destaque. Disponível em <http://www.webboom.pt/autordestaque.asp?ent_id=1117935&area=01> Acesso em 05 mar. 2008.
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Anexo 1: Ekwe
Anexo 2: Drum
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Anexo 3: Egwugwu
Anexo 4: Iron gong
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Anexo 5: Ogene
Anexo 6: Agogô
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Anexo 7: Palm Oil
Anexo 8: Noz de cola
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Produto Pepsi
Definição/Tipo Refrigerante tipo cola
EmbalagensPet 600ml, 1, 1,5, 2 e 2,5 litros, garrafa de vidro 284ml e lata com 350ml.
Ingredientes
Aromatizantes naturais compostos, água gaseific., açúcar,
cafeína, corante de caramelo, extrato de noz de cola, ácido fosfórico.
Val. nutricionais
Carboidratos - 23g/200ml;
Lançamento 1893
Prazo de validade
3 meses: pet 600ml; 4 meses: pet 1, 1,5, 2 e 2,5 litros, 9 meses: lata 350ml e garrafa de vidro 284ml
Link www.pepsi.com.br
Anexo 9: Kola Nut
Anexo 10: Sangrador do vinho de palma
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Anexo 11: Palm wine
Ontem
Hoje
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Anexo 12: Iroco
Anexo 13: Iroko
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Anexo 14: Fazendo o foo-foo
Anexo 15: Foo-Foo
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Anexo 17: Berimbau metalizado / Ivete Sangalo
Que som é esse mano que o povo tá dançando Que vem de lá pra cá?É um som diferenteQue alucina a gente, faz dançar
É uma mistura de tambor, violino e agogô que não deixa ninguém paradoLá no fundo tá rolando o som que vem empurrando é o berimbau metalizado (2x)
Tá tá tá,tá arrastando toda a massaTá tá tá,tá balançando o chão da praçaTá tá tá, tá todo mundo arrepiadoCurtindo o som do berimbau metalizado (2x)
Que som é esse mano que o povo tá dançando Que vem de lá pra cá?É um som diferenteQue alucina a gente e faz dançar
É uma mistura de tambor, violino e agogô que não deixa ninguém paradoLá no fundo tá rolando o som que vem empurrando é o berimbau metalizado (2x)
Tá tá tá,tá arrastando toda a massaTá tá tá,tá balançando o chão da praçaTá tá tá, tá todo mundo arrepiadoCurtindo o som do berimbau metalizado (2x)
Que som é esse mano que o povo tá dançando Que vem de lá pra cá?Som diferenteQue alucina a gente, faz dançar
É uma mistura de tambor, violino e agogô que não deixa ninguém paradoLá no fundo tá rolando o som que vem empurrando é o berimbau
Tá tá tá,tá arrastando toda a massaTá tá tá,tá balançando o chão da praçaTá tá tá, tá todo mundo arrepiadoCurtindo o som do berimbau metalizado (4x)
Anexo 18: Mapa da Nigéria em 1958
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Anexo 19: Mapa atual da Nigéria
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