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Artigos
I)
MP pode agir em caso de publicidade enganosaPor André Motoharu Yoshino
Em geral, para haver uma relação jurídica é necessária a presença
de quatro elementos: sujeitos (pessoas ou entes despersonalizados
que possuem uma relação), objeto (bem sobre o que os sujeitos se
inter-relacionam), fato jurídico (acontecimentos naturais ou
decorrentes da vontade do homem com previsão normativa) e
garantia (providências coercitivas para garantir a relação jurídica em
caso de violação).
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, os elementos
que se verificam presentes em uma relação de consumo são:
sujeitos (consumidor e fornecedor), objeto (produto ou serviço) e a
necessidade de o consumidor adquirir o produto ou serviço como
destinatário final.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) diz que o
consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produto ou serviço como destinatário final. Nestes termos, vejamos o
artigo 2º, da Lei 8.078/90:
Art. 2º — Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou
utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Parágrafo único — equipara-se a consumidor a coletividade de
pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas
relações de consumo.
De acordo com o enunciado do Código de Defesa do Consumidor
resta evidente que foi despejada uma proteção ampla sobre a parte
mais fragilizada das relações de consumo: o consumidor.
O legislador entendeu necessária a previsão normativa de certos
crimes nas relações de consumo serem disciplinados no diploma
consumerista, numa tentativa de antecipar o dano, conforme dispõe
Ricardo Antônio Andreucci:
Igualmente como ocorre nos crimes previstos no estatuto da Criança
e do Adolescente (Lei 8.069/90), o Código de Defesa do Consumidor
instituiu uma série de normas que visam a proteção efetiva do
consumidor. Para sua efetividade, dispôs o legislador, como forma
de proteção do bem jurídico e prevenção, sobre delitos contra as
relações de consumo. Na função preventiva, significa que o direito
penal do consumidor não corre atrás do dano, mas a ele se antecipa.
[1]
Assim sendo, verificamos que as 12 condutas, previstas nos artigos
63 a 74 do Código de Defesa do Consumidor não possuem
correspondentes no Código Penal. Entretanto, existem crimes que
são previstos no Código Penal que se referem nitidamente à violação
dos direitos dos consumidores, como o de falsificação, corrupção,
adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou
medicinais, previsto no artigo 273 do Código Penal, sendo
considerado, inclusive, crime hediondo.
Verificando agora os artigos que tratam da propaganda e da
publicidade enganosa. O artigo 66 do Código de Defesa do
Consumidor tipifica a propaganda enganosa:
Art. 66 — Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação
relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade,
segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de
produtos ou serviços:
Pena — Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo 1º — Incorrerá nas mesmas penas quem patrocinar a
oferta.
Parágrafo 2º — Se o crime é culposo:
Pena – Detenção de um a seis meses ou multa.
Verifica-se claramente a hipótese descrita pelo legislador. Trata-se
de crime comissivo (fazer afirmação falsa ou enganosa) ou crime
omissivo próprio (omitir informação relevante), que possui como
sujeito ativo o fornecedor ou patrocinador e como sujeito passivo o
consumidor e a coletividade como um todo. Assim, o patrocinador de
um produto capilar que promete o crescimento dos cabelos em até 2
centímetros em 1 semana incorre como sujeito ativo neste crime,
bem como o anunciante do produto.
Essas práticas não podem ser consideradas raras. Diariamente, nas
relações de consumo, nos deparamos com produtos frutos do
mercado capitalista, que são diferentes do anunciado, possuem
características incompatíveis com a prometida, em quantidade ou
qualidade inferior, preço maior na hora da compra, dentre outros
anúncios fantasiosos criados pelos fornecedores que afirmam aquilo
que convém ao consumidor ouvir, omitindo algumas características
de relevância suprema, algumas até essenciais na hora da compra.
A consumação é verificada com a afirmação falsa ou enganosa ou
com a omissão sobre informação relevante. Ou seja, na medida que
o anunciante transmite informação falsa ou enganosa, ou quando se
omite sobre informação relevante o crime é consumado.
Da mesma forma, a publicidade enganosa é tipificada no artigo 67 do
Código de Defesa do Consumidor, sendo penalizada a conduta de
fazer ou promover publicidade enganosa que sabe ou deveria saber
enganosa ou abusiva. Transcreva-se o artigo:
Art. 67 — Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber
ser enganosa ou abusiva:
Pena — Detenção de três meses a um ano e multa.
Parágrafo único – (vetado).
Trata-se de norma penal em branco. Da mesma forma que a Lei
11.343/06, Lei de Drogas, necessita de uma complementação para
que se possa compreender o âmbito da aplicação de seu preceito
primário, este artigo 67 também precisa de um complemento
secundário para dispor o que seria uma publicidade enganosa ou
abusiva.
Assim, o artigo 37 do próprio Código de Defesa do Consumidor
complementa esta lacuna. Vejamos:
Art. 37 — É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.
Parágrafo 1° — É enganosa qualquer modalidade de informação ou
comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou,
por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em
erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade,
quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados
sobre produtos e serviços.
Parágrafo 2° — É abusiva, dentre outras a publicidade
discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore
o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e
experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja
capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial
ou perigosa à sua saúde ou segurança.
Da mesma forma, o artigo 6º, inciso IV, do mesmo diploma,
determina que:
Art. 6º — São direitos básicos do consumidor:
IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos
comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e
cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e
serviços;
Ricardo Antonio Andreucci ainda aduz os artigos 20, 25 e 26 do
Código de Auto-Regulamentação Publicitária do CONAR. Valendo
transcrever:
Art. 20 — Nenhum anúncio deve favorecer ou estimular qualquer
espécie de ofensa ou discriminação racial, social, política, religiosa
ou de nacionalidade.
Art. 25 — Os anúncios não devem explorar qualquer espécie de
superstição.
Art. 26 — Os anúncios não devem conter nada que possa conduzir à
violência.
Neste artigo, o sujeito ativo é o profissional que faz a publicidade
enganosa ou abusiva, bem como o profissional responsável pelo
meio de comunicação pelo qual foi feita a publicidade. O sujeito
passivo novamente é o consumidor e a coletividade.
Quanto às características dos crimes contra as relações de
consumo, Brunno Pandori Giancoli e Marco Antonio Araujo Junior
enumeram as seguintes [2]:
a) São crimes de perigo abstrato (basta a ação ou omissão do
fornecedor para a ocorrência do delito);
b) São crimes de menor potencial ofensivo (de pena não superior a 2
anos, por isso são passíveis dos benefícios da transação penal e dos
sursis processual);
c) Possuem circunstâncias agravantes para os tipos penais (artigo 76
do CDC);
d) Existem critérios de fixação da pena pecuniária (artigo 77, CDC);
e) Penas convencionais e alternativas (artigo 78, CDC);
f) Previsão de concurso de agentes, seja na modalidade coautoria,
seja na participação;
g) Previsão de hipóteses de fixação da fiança (artigo 79, CDC);
h) Os crimes previstos no Código de Defesa do Consumidor são de
Ação Penal Pública incondicionada, entretanto, é ampliado o
princípio da assistência da acusação, permitindo como assistentes o
Ministério Público e outros legitimados (artigo 80, CDC).
Bibliografia
[1]ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Legislação Penal Especial. Editora
Saraiva: São Paulo. 2009.
[2]GIANCOLI, Bruno Pandori. ARAUJO JR., Marco Antonio. Difusos
e Coletivos – Direito do Consumidor. Editora Revista dos Tribunais:
São Paulo. Elementos do Direito. Volume 16. 2009.
JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz. Direito Penal. 9ª Edição.
Elementos do Direito. Volume 7. Editora Revista dos Tribunais: São
Paulo. 2009.
MIRABETE, Julio Frabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Especial.
Volume 3. Editora Jurídico Atlas: São Paulo. 2006.
MIRABETE, Julio Frabbrini. Manual de Direito Penal. Parte Geral.
Volume 1. Editora Jurídico Atlas: São Paulo. 2006.
II)
André Motoharu Yoshino
Plenário virtual: confronto com a efetividade do processo - análise constitucional
A sociedade vive em constante mudança e o Direito deve
sempre se adequar às situações que vão surgindo,
buscando solucionar e regulamentar as mais variadas
formas de conflitos que podem ocorrer.
Diante destes fatos, não é de hoje que se fala em uma "Era
da sociedade da informação tecnológica" (Ideia introduzida
por: LIMA, Caio César Carvalho). Cada vez mais é possível
verificar que entramos em um momento que os
computadores e internet deixam de ser considerados bens
supérfluos para serem úteis e certamente necessários.
Assim, não sem motivos, o Tribunal de Justiça do Estado de
São Paulo regulamentou, por meio da resolução 549/2011,
o Plenário Virtual, sendo determinado pelo Desembargador
José Roberto Bedran, então Presidente daquela Corte, esta
nova modalidade de realização de julgamentos: por
procedimento eletrônico.
Havendo meios para que ocorra este "Plenário Virtual", o
Tribunal de Justiça apresenta os motivos que ensejam a
adoção desse novel modo de julgamento, quais sejam:
a) a existência, no acervo do Tribunal de Justiça, de mais de
550.000 mil recursos aguardando julgamento;
b) a adoção de providências para o julgamento mais rápido
dos recursos, com economia de tempo para os julgadores,
bem como para cumprimento da Meta 2 do Conselho
Nacional de Justiça;
c) o urgente atendimento do princípio constitucional da
razoável duração do processo (art. 5º, LXXVIII, da CF);
d) tendo em vista o expressivo aumento do número de
agravos de instrumento, agravos internos ou regimentais de
decisões monocráticas dos relatores, de embargos de
declaração, de mandados de segurança e habeas corpus
originários, acarretando que as pautas das sessões de
julgamento fiquem sobrecarregadas;
e) a possibilidade de medidas alternativas voltadas à
desburocratização e racionalização de atos para uma tutela
jurisdicional efetiva, especialmente no sentido de aprimorar
e agilizar os julgamentos dos recursos preferenciais,
inclusive por meio eletrônico, como permitido pelo art. 154 e
parágrafos do Código de Processo Civil;
f) a impossibilidade de sustentação oral no julgamento dos
recursos de agravo de instrumento, agravos internos ou
regimentais e embargos de declaração, bem como a
possibilidade, nos casos de apelações e de mandados de
segurança e habeas corpus originários, de se facultar às
partes a prévia manifestação de interesse na sustentação
oral, antes da realização dos julgamentos, a viabilizar a
sessão virtual, sem prejuízo aos litigantes;
g) por serem os votos publicados pela imprensa oficial, não
havendo que se falar no risco de quebra da publicidade e da
transparência dos atos judiciais;
h) o auxílio ao adequado cumprimento da resolução
542/2011, proporcionando mais tempo aos magistrados
para o julgamento dos processos da Meta 2.
Note-se que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
ao publicar referida Resolução, já apresentou diversos
argumentos de defesa para justificar a medida, pois,
obviamente, seriam levantados questionamentos e
discussões sobre seus pontos contraditórios envolvendo,
inclusive a sua constitucionalidade.
A questão é: a criação do Plenário Virtual seria
constitucional? Com sua aplicação, ocorre a violação de
direitos garantidos e de princípios aplicáveis?
Na verdade, São Paulo não foi o pioneiro na utilização deste
meio tecnológico para julgar. Isso porque dias antes, o
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, já
regulamentara o Plenário Virtual, através da Resolução n.º
13/2011, publicado no dia 9 de maio de 2011.
Bem antes disso, em Rondônia, há menção de que, desde
2005, as Turmas Recursais, realizam testes utilizando o
plenário virtual1.
Por fim, no Supremo Tribunal Federal, no julgamento que
analisa a existência ou não da repercussão geral, já existe
uma verdadeira sessão virtual. Isso porque o Regulamento
Interno do Supremo Tribunal Federal inclui a possibilidade
de o Ministro Relator elaborar sua manifestação e
disponibilizá-la na internet, passando a ser acessível a todos
os outros Ministros e aos cidadãos, bastando uma conexão
por esta rede virtual.
Aliás, pelo próprio site do STF é possível acompanhar esses
julgamentos virtuais, tendo contato direto com o voto de
cada Ministro, desde que já realizado e disponibilizado
(Ideia introduzida por: LIMA, Caio César Carvalho.).
Entretanto, apesar do crescente uso desta modalidade de
julgamento, importante ter conhecimento de que o Estado
deve prestar a tutela jurisdicional almejada pelas partes que
formam a lide, ou seja, o Estado deve atribuir os direitos aos
seus titulares, garantindo o sentimento de prestação da
atividade jurisdicional.
Nestes termos, conforme ensina o Professor Cassio
Scarpinella Bueno:
"Tendo presente que o processo é método de atuação do
Estado-Juiz, é o mecanismo pelo qual o direito material
controvertido tende a ser realizado e concretizado, a tutela
jurisdicional só pode ser entendida como esta realização
concreta do direito que foi lesado ou ameaçado. Seja para o
autor, quando ele tem razão; seja para o réu quando ele, o
réu, tem razão. É insuficiente a idéia de declaração judicial
de uma situação substancial em prol do autor ou do réu. É
fundamental, para bem realizar o modelo constitucional do
processo civil, que, além da declaração jurisdicional
efetivamente entregue, conserve e guarde este bem jurídico
junto ao seu titular, a seu proprietário. Ao lado da
declaração jurisdicional dos ‘direitos’, pois, deve ser levada
em conta, também como fenômeno da jurisdição, ínsita à
prestação jurisdicional, a atuação concreta desta
declaração". 2
Claro que um julgamento virtual, no qual as partes estão
impossibilitadas de ter contato direto com os julgadores –
que representam o Estado na prestação da atividade
jurisdicional – pode gerar um sentimento de ausência de
prestação da justiça, suscitando a deterioração da imagem
do Poder Judiciário.
Por mais que se fale em cumprimento ao princípio da
publicidade, celeridade processual, ampla defesa e
contraditório, dentre outros, de nada adianta se as partes
não tiverem a segurança de que Magistrados plenamente
competentes estão debatendo e julgando seus processos.
A este respeito, José Roberto dos Santos Bedaque,
Desembargador Aposentado do mesmo Tribunal de Justiça
do Estado de São Paulo, afirma que o processo precisa ser
efetivo, não necessariamente célere. Transcreva-se seus
ensinamentos:
"processo efetivo é aquele que, observado o equilíbrio entre
os valores segurança e celeridade, proporciona às partes o
resultado desejado pelo direito material. Pretende-se
aprimorar o instrumento estatal destinado a fornecer a tutela
jurisdicional. Mas constitui perigosa ilusão pensar que
simplesmente conferir-lhe celeridade é suficiente para
alcançar a tão almejada efetividade. Não se nega a
necessidade de reduzir a demora, mas não se pode fazê-lo
em detrimento do mínimo de segurança, valor também
essencial ao processo justo. (...) a celeridade é apenas mais
uma das garantias que compõem a idéia de devido
processo legal, não a única".3
Ainda em relação a esta prestação da tutela jurisdicional,
oportuno lembrar as sábias palavras de Frederico Marques:
"a tutela jurisdicional é dimensionada pelo pedido contido na
ação, em que o autor formula a pretensão que se encontra
insatisfeita, a fim de que, a final, consiga resultado favorável
a seu interesse.
O Autor, portanto, pede que se componha o litígio, antendo-
se à pretensão que apresentou e se encontra insatisfeita.
Desde que caiba a prestação jurisdicional, o juiz, preso ao
pedido do autor, examinará se a pretensão procede ou não.
Cabendo a tutela jurisdicional, o Estado se acha compelido
a compor a lide. Procedente a pretensão do autor, obrigado
se encontrará o Estado a lhe ser favorável ao solucionar o
litígio. Todavia, desamparada juridicamente a pretensão, o
Estado a repelirá, prestando, então, tutela jurisdicional". 4
O Estado exerce papel importante perante a sociedade,
devendo resolver a lide existente entre as partes, prestando
a tutela jurisdicional e transmitindo um sentimento de
exercício de paridade de armas entre os litigantes,
resultando em uma decisão que tenha nítida e
competentemente analisado os dois pólos.
Todo este procedimento pode ser inútil caso a parte não
tenha a certeza de que os magistrados, ou seja, aqueles em
quem se confia o poder de solucionar os conflitos, tenham
debatido e decidido o seu caso, chegando-se a uma decisão
que seja considerada justa.
A ausência de prestação da tutela jurisdicional é ainda mais
verificada quando notamos que ocorrem sim afrontas a
princípios constitucionais do processo. Imediatamente,
podemos citar o desrespeito ao princípio da publicidade.
Quando a resolução 549/2011, do TJSP menciona que
"considerando que, por serem os votos publicados pela
imprensa oficial, não haverá risco de quebra da publicidade
e da transparência dos atos judiciais", não menciona que a
publicidade, na verdade, é referente a todos os atos
praticados. Certo que, no momento do voto do Magistrado
não será praticado perante a sociedade, pois ao contrário
dos julgamentos em "plenário real", não há possibilidade de
os interessados acompanharem efetivamente o ato da
prolação do voto, inclusive para suscitar alguma nulidade ou
questão de ordem, por exemplo.
O princípio da publicidade está previsto na Constituição
Federal, quando o artigo 93, inciso IX, estabelece que:
"Art. 93. inciso IX. Todos os julgamentos dos órgãos do
Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a
presença, em determinados atos, às próprias partes e a
seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a
preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo
não prejudique o interesse público à informação"
A partir desta norma constitucional, o doutrinador Milton
Paulo de Carvalho afirma sobre a publicidade dos atos
judiciais, inclusive nos julgamentos, explicando que a regra
é a da publicidade dos julgamentos, sendo facultado aos
interessados valerem-se do direito de estarem presentes.
Vejamos:
"Faculta-se, portanto, quando da realização dos atos
processuais, a presença dos interessados e de qualquer
membro da comunidade, permitindo-se-lhes, outrossim, a
consulta de autos, de forma a poderem conhecer e fiscalizar
a atuação e imparcialidade dos seus juízes, bem como o
labor dos membros do Ministério Público e dos advogados
na aplicação da lei aos litígios emergentes". 5
José Roberto dos Santos Bedaque, mencionando referido
princípio, ensina o que seria a publicidade de um ato
judicial, pelo qual podemos concluir que, no mínimo, deve-
se abrir possibilidade das partes participarem
presencialmente. Transcreva-se:
"Com relação à garantia da publicidade dos atos
processuais (CF, art. 93, IX), também não se pode excluir
que determinado ato processual praticado sem observá-la
atinja os objetivos desejados. Imagine-se audiência
realizada a portas fechadas, versando o processo sobre
interesses particulares. Dúvida não há quanto à violação à
publicidade (CPC, art. 444). Mas, se as partes estavam
presentes, se a prova oral foi produzida e se nenhum
terceiro revelou interesse em dela participar, qual o
prejuízo? Nenhum". 6
Para ser considerado público, não basta dar acesso ao
conteúdo do que foi decidido, o ato de decidir deve ser
igualmente público. Nestes termos, cite-se o Professor
Nelson Nery Jr.:
"Segundo a CF 5º LX, ‘a lei só poderá restringir a
publicidade dos atos processuais quando a defesa da
intimidade ou o interesse social o exigirem’. E a CF 93 IX
dispõe que ‘todos os julgamentos dos órgãos do Poder
Judiciário serão públicos...’. O que, no sistema revogado,
era garantia processual passou a ser constitucional, em face
das novas disposições da Carta Magna a respeito da
publicidade dos atos e das decisões dos órgãos do Poder
Judiciário". 7
Cassio Scarpinella Bueno indica as duas visões sobre o
princípio da publicidade, que pode ser interpretado de
acordo com o previsto constitucionalmente, sendo mais
correto dizer que todo o atuar do Estado-Juiz é público,
tendo em vista que a Constituição Federal fala em
“publicidade dos atos processuais”:
"A publicidade, tal qual exigida constitucionalmente, tem
sentido duplo. A primeira acepção é a de que o direito
brasileiro não admite julgamentos ‘secretos’. Neste sentido,
todo o atuar do Estado-Juiz é público no sentido de ser
possível o acesso imediato a ele". 8
Outra questão a ser apontada se refere ao cumprimento da
Meta 2, estabelecida pelo Conselho Nacional de Justiça –
CNJ, determinando, com base no princípio da celeridade
processual, ser razoável o máximo de 4 anos para
julgamento de um processo. Neste ponto, cite-se as
palavras de Ives Gandra Martins Filho:
"O objetivo era o de identificar e julgar até o fim do ano, em
todas as instâncias, todos os processos distribuídos até o
fim de 2005, ou seja, estabeleceu-se como duração
razoável do processo, prevista no art. 5º, LXXVIII, da
Constituição, o limite de quatro anos. Seria algo factível?
Por que se priorizou e se decantou essa meta mais do que
as outras nove, ligadas ao planejamento estratégico dos
tribunais (Meta 1), à informatização em seus vários aspectos
(metas 3, 4, 5, 7, 8 e 10), à capacitação gerencial de
magistrados (Meta 6) e à generalização do controle interno
dos tribunais (Meta 9)?" 9
Em que pese o grande esforço dos Tribunais Estaduais de
todo o país, bem como do CNJ, o objetivo do princípio da
celeridade processual não significa unicamente uma decisão
no menor tempo possível. Deve-se respeitar a duração
razoável do processo. A efetividade não depende
unicamente da celeridade processual, mas também,
conforme já mencionado, da sua efetividade.
Ademais, o fato de existirem 550.000 recursos aguardando
julgamento não é motivo suficiente para desrespeitar o
devido processo legal, deixando de lado o procedimento
previsto na lei e os princípios que regem a matéria.
Importante mencionar a possibilidade de a Resolução do
TJSP chegar à análise de sua constitucionalidade, tanto
pelo meio difuso, quanto pelo concentrado, cabendo ao
Supremo Tribunal Federal apreciar a matéria.
Em uma breve previsão do resultado do julgamento,
podemos concluir que a questão estaria dependente de uma
questão: legislar sobre plenário virtual seria matéria de mero
procedimento processual ou de efetivo direito processual?
A resposta para esta questão possui extrema importância.
Isso porque a Constituição Federal Brasileira determina que
compete privativamente à União legislar sobre direito
processual (artigo 22, inciso I, CF). Por outro lado, menciona
que compete concorrentemente à União, aos Estados e ao
Distrito Federal legislar sobre procedimentos em matéria
processual (artigo 24, inciso XI, CF).
Assim, se legislar sobre plenário virtual for considerado
matéria de direito processual, será medida de rigor
reconhecer a inconstitucionalidade da resolução 549/2011,
pois o Estado não seria competente para legislar sobre o
assunto. Por outro lado, sendo matéria de procedimentos, o
Estado mostra-se concorrentemente competente, sendo
constitucional a Resolução em referência.
Note-se que, recentemente, o STF julgou a Lei n.º
11.819/2005, do Estado de São Paulo, que regulamentava
sobre a videoconferência, tendo a Corte Suprema julgado
pela inconstitucionalidade da lei, tendo em vista que legislar
sobre videoconferência é atuar sobre processo civil e não
procedimento, conforme o voto do falecido Ministro
Menezes Direito.
Por este precedente é que se entende que o Supremo
Tribunal Federal manterá o posicionamento, considerando
que legislar sobre plenário virtual – da mesma forma que
legislar sobre videoconferência é matéria de direito
processual prevista no inciso I, do artigo 22, da Constituição
– é atividade privativa da União.
Para além desta discussão sobre a inconstitucionalidade
deste ato normativo por ser matéria de direito processual ou
de procedimento em matéria processual, deve ser dada
relevância ao fato de se tratar de mera Resolução do
Tribunal de Justiça. Ou seja, até que ponto este Tribunal
teria competência para legislar, por meio de simples
Resolução, sobre processo ou procedimento?
Note-se que a Constituição Federal estabeleceu a
separação dos três poderes (Executivo, Legislativo e
Judiciário), conferindo funções atípicas para cada um.
Assim, o Poder Judiciário, em algumas situações, pode ter
competência para fixar normas.
A Constituição do Estado de São Paulo, no seu artigo 69,
inciso II, alínea "a", estabelece claramente que os Tribunais
possuem competência para elaborar seus regimentos
internos. Transcreva-se:
Artigo 69 - Compete privativamente aos Tribunais de
Justiça e aos de Alçada:
I - pela totalidade de seus membros, eleger os órgãos
diretivos, na forma dos respectivos regimentos internos;
II - pelos seus órgãos específicos:
a) elaborar seus regimentos internos, com observância das
normas de processo e das garantias processuais das
partes, dispondo sobre a competência e funcionamento dos
respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.
Ora, evidente que a competência legislativa dos Tribunais
se resume aos seus regimentos internos, quando mais, no
que se refere à iniciativa de Leis Complementares e
Ordinárias, nos termos do artigo 24 da Constituição
Estadual.
Por tais motivos, é simples chegar à conclusão de que a
Resolução que cria o Plenário Virtual está fortemente
fadada ao reconhecimento da inconstitucionalidade. Ou
assim, ao menos, deveria ser. O sobrecarregamento de
processos nos Gabinetes e a chegada da "Era da
Informação Tecnológica" não pode ser justificativa para
violar a Constituição Federal.
__________
1 CARDOSO, Antonio Pessoa. Julgamento Virtual. Revista do Instituto
Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário. Agosto de 2011.
Disponível em: www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=219>.
Acesso em 5.11.2011; e TJ de Rondônia faz testes de julgamento virtual.
Revista Consultor Jurídico. Junho de 2011. Disponível em:
www.conjur.com.br/2009-jun-28/tj-rondonia-testa-julgamento-virtual-
combater-morosidade>. Acesso em 5.11.2011.
2 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito
Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil. 5ª Edição.
Editora Saraiva. São Paulo: 2011. Fl. 309.
3 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e
Técnica Processual. 3ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2011. Fl. 49.
4 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 1º
Volume. Teoria Geral do Processo Civil. 2ª Edição. Edição Saraiva. Rio de
Janeiro: 1974. Fls. 128 e 129.
5 CARVALHO, Milton Paulo de. Bases Científicas para um renovado
direito processual. Organizadores: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio
Calmon. Editora Podium. 2ª Edição. Salvador: 2009. Fl. 205.
6 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e
Técnica Processual. 3ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2011. Fl.
505.
7 NERY JR., Nelson Nery. Princípios do Processo na Constituição Federal.
10ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2010. Fl. 283 e 284.
8 SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito
Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil. 5ª Edição.
Editora Saraiva. São Paulo: 2011. Fl. 167.
9 MARTINS FILHO, Ives Gandra. O CNJ e a Meta 2. Texto retirado do site:
http://www.cnj.jus.br/imprensa/artigos/13353-o-cnj-e-a-meta-2. Acessado
em 5.11.2011.
__________
Bibliografia
- BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do Processo e
Técnica Processual. 3ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2011.
- CARDOSO, Antonio Pessoa. Julgamento Virtual. Revista do Instituto
Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário. Agosto de 2011.
Disponível em: www.ibrajus.org.br/revista/artigo.asp?idArtigo=219>.
Acesso em 5.11.2011; e TJ de Rondônia faz testes de julgamento virtual.
Revista Consultor Jurídico. Junho de 2011. Disponível em:
www.conjur.com.br/2009-jun-28/tj-rondonia-testa-julgamento-virtual-
combater-morosidade>. Acesso em 5.11.2011.
- CARVALHO, Milton Paulo de. Bases Científicas para um renovado
direito processual. Organizadores: Athos Gusmão Carneiro e Petrônio
Calmon. Editora Podium. 2ª Edição. Salvador: 2009.
- MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 1º
Volume. Teoria Geral do Processo Civil. 2ª Edição. Edição Saraiva. Rio de
Janeiro: 1974.
- MARTINS FILHO, Ives Gandra. O CNJ e a Meta 2. Texto retirado do site:
http://www.cnj.jus.br/imprensa/artigos/13353-o-cnj-e-a-meta-2. Acessado
em 5.11.2011.
- NERY JR., Nelson Nery. Princípios do Processo na Constituição Federal.
10ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2010.
- SCARPINELLA BUENO, Cassio. Curso Sistematizado de Direito
Processual Civil. Teoria Geral do Direito Processual Civil. 5ª Edição.
Editora Saraiva. São Paulo: 2011.
III)
Defesa do consumidor: responsabilidade do fornecedor por vício e por defeito do produto ou serviço
André Motoharu Yoshino
O fornecedor de produtos e serviços deve ser responsável
pelos produtos e serviços que são objetos de sua atividade
nas relações de consumo. Para não restar dúvidas,
trataremos da responsabilidade pelo defeito e a
responsabilidade pelo vício.
Defeito é tudo o que gera dano além do vício. Fala-se em
"acidente de consumo" ou, como o própria lei 8.078/90
(Código de Defesa do Consumidor - clique aqui) denomina:
"fato do produto e do serviço". Defeito poderia ser ligado a
"falha de segurança", enquanto que vício a "falha de
adequação".
Rizzatto Nunes para explicar o que seria defeito afirma que
este é um vício acrescido de um problema extra, causando
um dano maior no patrimônio jurídico material e/ou moral
e/ou estético e/ou à imagem do consumidor. Vejamos:
O defeito é o vício acrescido de um problema extra, alguma
coisa extrínseca ao produto ou serviço, que causa um dano
maior que simplesmente o mau funcionamento, o não-
funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor pago
– já que o produto ou serviço não cumpriram o fim ao qual
se destinavam. O defeito causa, além desse dano do vício,
outro ou outros danos ao patrimônio jurídico material e/ou
moral e/ou estético e/ou à imagem do consumidor.
Logo, o defeito tem ligação com o vício, mas, em termos de
dano causado ao consumidor, é mais devastador.
Temos, então, que o vício pertence ao próprio produto ou
serviço, jamais atingindo a pessoa do consumidor ou outros
bens seus. O defeito vai além do produto ou do serviço para
atingir o consumidor em seu patrimônio jurídico mais amplo
(seja moral, material, estético ou da imagem). Por isso,
somente se fala propriamente em acidente, e, no caso,
acidente de consumo, na hipótese de defeito, pois é aí que
o consumidor é atingido. 1
O artigo 12, caput, do Código de Defesa do Consumidor
dispõe claramente o que seria a responsabilidade pelo fato
do produto. Vejamos:
Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou
estrangeiro, e o importador respondem, independentemente
da existência de culpa, pela reparação dos danos causados
aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto,
fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação,
apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem
como por informações insuficientes ou inadequadas sobre
sua utilização e riscos.
Assim, verificamos que os responsáveis são o fabricante, o
produtor, o construtor e o importador, independentemente
de culpa. Estes deverão responder pela reparação dos
danos causados aos consumidores pelos defeitos de
projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas,
manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus
produtos e pelas informações insuficientes ou inadequadas
sobre a utilização e riscos. Note que o caput transcrito não
menciona "fornecedor", excluindo o comerciante, apesar de
igualmente ativo nas relações de consumo. Porém, o artigo
13 do CDC, entrega ao comerciante uma responsabilidade
subsidiária em relação às pessoas citadas no artigo acima
em 3 hipóteses. A confirmar:
Art. 13. O comerciante é igualmente responsável, nos
termos do artigo anterior, quando:I - o fabricante, o
construtor, o produtor ou o importador não puderem ser
identificados;II - o produto for fornecido sem identificação
clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;III
- não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Parágrafo único. Aquele que efetivar o pagamento ao
prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os
demais responsáveis, segundo sua participação na
causação do evento danoso.
Sendo a responsabilidade do comerciante subsidiária, este
apenas responderá quando as pessoas indicadas no artigo
12 não puderem ser identificadas, ou não forem
identificadas de forma adequada. O único caso em que
veremos a responsabilidade direta do comerciante será
quando o acidente tiver como origem a má conservação de
produtos perecíveis.
O § 1º do artigo 12, menciona claramente o que seria um
produto defeituoso, ou seja, quando não oferece a
segurança que dele legitimamente se espera, levando-se
em conta a sua apresentação, o uso e os riscos
razoavelmente esperados e a época em que foi colocado
em circulação. Transcreva-se:
§ 1° O produto é defeituoso quando não oferece a
segurança que dele legitimamente se espera, levando-se
em consideração as circunstâncias relevantes, entre as
quais:I - sua apresentação;II - o uso e os riscos que
razoavelmente dele se esperam;III - a época em que foi
colocado em circulação.
Dentro destes casos, os §§ 2º e 3º deste artigo 12, do
Código de Defesa do Consumidor, menciona as hipóteses
de exclusão da responsabilidade, sendo que o § 2º indica
que não se considera defeituoso o produto somente pelo
fato de ter sido colocado no mercado outro de melhor
qualidade e, o § 3º exclui a responsabilidade do fabricante,
construtor, produtor ou importador quando provar que não
colocou no mercado, que o defeito é inexistente ou que se
trata de culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Vejamos:
§ 2º O produto não é considerado defeituoso pelo fato de
outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.§
3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só
não será responsabilizado quando provar:I - que não
colocou o produto no mercado;II - que, embora haja
colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;III - a
culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Neste ponto, Sílvio de Salvo Venosa afirma:
Desse modo, o fornecedor apenas se exonera do dever de
reparar pelo fato do produto ou do serviço se provar, em
síntese, ausência de nexo causal ou culpa exclusiva da
vítima. Pode parecer inócua a afirmação do inciso I, mas
pode ocorrer que terceiros, à revelia do fabricante, tenham
colocado o produto no mercado. 2
Em todos estes casos, a vítima, por óbvio, é o consumidor
negocial, ou seja, o que adquire o produto (artigo 2º do
CDC) e a vítima do evento, também chamado de
consumidor por equiparação (artigo 17 do CDC).
Agora, importante indicar o artigo 14 da lei 8.078/90, já que
se trata da responsabilidade pelo fato do serviço.
Transcreva-se o artigo:
Art. 14. O fornecedor de serviços responde,
independentemente da existência de culpa, pela reparação
dos danos causados aos consumidores por defeitos
relativos à prestação dos serviços, bem como por
informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição
e riscos.§ 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a
segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se
em consideração as circunstâncias relevantes, entre as
quais:I - o modo de seu fornecimento;II - o resultado e os
riscos que razoavelmente dele se esperam;III - a época em
que foi fornecido.§ 2º O serviço não é considerado
defeituoso pela adoção de novas técnicas.§ 3° O fornecedor
de serviços só não será responsabilizado quando provar:I -
que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;II - a culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro.§ 4° A
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
apurada mediante a verificação de culpa.
Nas palavras de Sílvio de Salvo Venosa:
Assim como em relação ao produto, o serviço defeituoso
deve ser examinado no momento em que é prestado. O
serviço é defeituoso quando não fornece segurança para o
consumidor. Os defeitos de serviço podem decorrer de
concepção ou de execução indevidas. Seu campo de
atuação é muito amplo, do serviço mais simples de um
encanador ou eletricista ao mais complexo serviço
proporcionado por clínicas e hospitais e pelas instituições
financeiras e administradoras de cartão de crédito. 3
Quanto à análise dos §§ 2º e 3º, basta transcrever um
parágrafo do doutrinador Sílvio de Salvo Venosa. Vejamos:
Técnicas mais modernas que são utilizadas posteriormente,
como vimos, não tornam defeituoso o serviço anteriormente
prestado (art. 14, § 2º). A técnica razoável do serviço é a
atual, ou seja, a utilizada no momento da prestação. Da
mesma forma que para o produto, o fornecedor de serviços
somente será exonerado da responsabilidade quando
provar:"I – que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;II
– a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro" (art. 14, §
3º) 4
Por fim, o § 4º indica uma exceção, trata-se da
responsabilidade dos profissionais liberais, que será
apurada de forma subjetiva, ou seja, com a verificação de
culpa. Vejamos o que Maria Helena Diniz menciona sobre
este ponto:
A responsabilidade dos profissionais liberais será apurada
mediante a verificação de culpa (art. 14, §§ 1º a 4º), sendo,
portanto, subjetiva, se a obrigação for de meio; mas sendo
obrigação de resultado, deve ser objetiva sua
responsabilidade, na lição de Nelson Nery Jr. e Oscar Ivan
Prux.5
A responsabilidade pelo vício nada mais é do que uma falha
de adequação de qualidade/quantidade, acarretando uma
frustração de consumo ao consumidor. O artigo 18 do
Código de Defesa do Consumidor estatui estas situações,
nas quais os fornecedores possuem responsabilidade
solidária pelos vícios de qualidade ou quantidade que
tornem os produtos impróprios ou inadequados ao consumo
de destino ou lhes diminuam o valor, também por aqueles
que decorrem da disparidade, com as indicações constantes
do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem
publicitária. Para Sílvio de Salvo Venosa, sobre a
responsabilidade por vício, transcreva-se:
A responsabilidade por vício do produto e do serviço está
estabelecida nos arts. 18 a 20 do CDC, não se confundindo
com a responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço.
Os defeitos aqui são intrínsecos aos produtos e não se
cuida dos danos causados por eles, como já visto. Os
artigos tratam do defeito do produto por vícios de qualidade
e quantidade, impropriedade ou inadequação para a
respectiva finalidade. Trata-se do quilo que tem apenas 900
gramas; do limpador que não limpa; do rádio que não capta
devidamente as estações na frequência anunciada (...) 6
Para melhor compreensão, vejamos caput do artigo citado:
Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis
ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de
qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou
inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da
disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da
embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária,
respeitadas as variações decorrentes de sua natureza,
podendo o consumidor exigir a substituição das partes
viciadas.
Rizzatto Nunes explica vício da seguinte forma:
São consideradas vícios as características de qualidade ou
quantidade que tornem os produtos ou serviços impróprios
ou inadequados ao consumo a que se destinam e também
que lhes diminuam o valor. Da mesma forma são
considerados vícios os decorrentes da disparidade havida
em relação às indicações constantes do recipiente,
embalagem, rotulagem, oferta ou mensagem publicitária. 7
Ainda, o mesmo doutrinador, apresenta um rol de itens que
exemplifica o que seria o vício. Vejamos a seguir:
Os vícios, portanto, são os problemas que, por exemplo:a)
fazem com que o produto não funcione adequadamente,
como um liquidificador que não gira;b) fazem com que o
produto funcione mal, como a televisão sem som, o
automóvel que “morre” toda hora etc.;c) diminuam o valor do
produto, como riscos na lataria do automóvel, mancha no
terno etc.;d) não estejam de acordo com informações, como
o vidro de mel de 500ml que só tem 400ml; o saco de 5kg
de açúcar que só tem 4,8kg; o caderno de 100 páginas que
só tem 180 etc.;e) façam os serviços apresentarem
características com funcionamento insuficiente ou
inadequado, como o serviço de desentupimento que no dia
seguinte faz com que o banheiro alague; o carpete que
descola rapidamente; a parede mal pintada; o extravio de
bagagem no transporte aéreo etc. 8
O fornecedor tem o prazo máximo de 30 dias para sanar o
vício. Ultrapassado este prazo sem a reparação do vício ou
não sendo feito convenientemente, surgem alternativas para
o consumidor, quais sejam, substituição do produto,
abatimento proporcional ou restituição da quantia paga mais
perdas e danos. Vale lembrar que estas opções do
consumidor são de forma discricionária, não podendo o
fornecedor impor uma das opções. Vejamos o § 1º deste
artigo 18, da lei 8.078/90:
§ 1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta
dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua
escolha:I - a substituição do produto por outro da mesma
espécie, em perfeitas condições de uso;II - a restituição
imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem
prejuízo de eventuais perdas e danos;III - o abatimento
proporcional do preço.
Sílvio de Salvo Venosa ensina que independentemente
destas opções, o consumidor pode sempre optar
imediatamente pela ação de reparação. Transcreva-se:
(...) Na verdade, como veremos a seguir, essa
facultatividade para o fornecedor do produto é mais
aparente do que real, pois, em regra, poderá sempre o
consumidor optar imediatamente pela ação de reparação.
Trata-se, como percebemos, de ação redibitória ou quanti
minoris, adaptada à lei consumerista. Este trintídio
estabelecido na lei pode ser modificado pelas partes, desde
que não seja prazo inferior a sete dias, nem superior a 180
(art. 18, § 4º). 9
Vejamos o parágrafo que trata diretamente desta
possibilidade de mudança do prazo:
§ 2° Poderão as partes convencionar a redução ou
ampliação do prazo previsto no parágrafo anterior, não
podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta
dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá
ser convencionada em separado, por meio de manifestação
expressa do consumidor.
Ainda mais, o § 3º indica a hipótese de uso imediato das
alternativas do § 1º deste artigo 18 do Código de Defesa do
Consumidor, antecipando, assim, seus efeitos. Vejamos:
§ 3° O consumidor poderá fazer uso imediato das
alternativas do § 1° deste artigo sempre que, em razão da
extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder
comprometer a qualidade ou características do produto,
diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.
O já citado § 1º deste artigo deixa claro que o consumidor
pode exigir a substituição do produto por outro da mesma
espécie, em perfeitas condições de uso e, caso não seja
possível essa substituição e o consumidor não concordando
com a troca por modelo diverso, ainda que mais valioso,
poderá receber imediatamente a quantia paga ou o
abatimento proporcional do preço. Desta forma, vejamos o §
4º:
§ 4° Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I
do § 1° deste artigo, e não sendo possível a substituição do
bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca
ou modelo diversos, mediante complementação ou
restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do
disposto nos incisos II e III do § 1° deste artigo.
O artigo 18, § 5º, é exemplificado por Sílvio de Salvo
Venosa: desse modo, o posto de serviços será responsável
pelo fornecimento de combustível adulterado; o varejista,
por cereais deteriorados, etc10 trata-se da hipótese de
fornecedores de produtos in natura. Transcreva-se:
§ 5° No caso de fornecimento de produtos in natura, será
responsável perante o consumidor o fornecedor imediato,
exceto quando identificado claramente seu produtor.
Por fim, o § 6º deste artigo 18 do Código de Defesa do
Consumidor expõe os produtos considerados impróprios ao
uso e consumo. Vejamos:
§ 6° São impróprios ao uso e consumo:I - os produtos cujos
prazos de validade estejam vencidos;II - os produtos
deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados,
corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde,
perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas
regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;
III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem
inadequados ao fim a que se destinam.
O consumidor deve encaminhar o produto ao fornecedor
assim que constatar a existência do vício. O fornecedor,
neste caso, é qualquer um envolvido na cadeia de consumo,
ou seja, pode ser tanto o fabricante, como o produtor, ou o
construtor, importador ou até mesmo o comerciante. Aí sim,
surge o prazo de 30 dias para a correção do vício
apresentado, podendo, como já salientado, ser reduzido a 7
dias ou ampliado para 180 dias.
De acordo com o artigo 19, do CDC, a responsabilidade
pelos vícios de quantidade do produto sempre que seu
conteúdo líquido foi inferior às indicações constantes no
recipiente, da embalagem, do rótulo ou de publicidade,
podendo o consumidor, exigir o abatimento do preço, a
complementação do peso ou medida, a substituição, a
restituição imediata da quantia paga mais perdas e danos.
Transcreva-se:
Art. 19. Os fornecedores respondem solidariamente pelos
vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as
variações decorrentes de sua natureza, seu conteúdo
líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da
embalagem, rotulagem ou de mensagem publicitária,
podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua
escolha:I - o abatimento proporcional do preço;II -
complementação do peso ou medida;III - a substituição do
produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo,
sem os aludidos vícios;IV - a restituição imediata da quantia
paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de
eventuais perdas e danos.§ 1° Aplica-se a este artigo o
disposto no § 4° do artigo anterior.§ 2° O fornecedor
imediato será responsável quando fizer a pesagem ou a
medição e o instrumento utilizado não estiver aferido
segundo os padrões oficiais.
Ainda, os vícios de qualidade de serviços estão
estabelecidos no artigo 20 do diploma que regula as
relações de consumo, dando como possibilidade ao
consumidor exigir a reexecução dos serviços, a restituição
da quantia paga mais perdas e danos ou o abatimento
proporcional. Transcreva-se:
Art. 20. O fornecedor de serviços responde pelos vícios de
qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes
diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da
disparidade com as indicações constantes da oferta ou
mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir,
alternativamente e à sua escolha:I - a reexecução dos
serviços, sem custo adicional e quando cabível;II - a
restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;III - o
abatimento proporcional do preço.§ 1° A reexecução dos
serviços poderá ser confiada a terceiros devidamente
capacitados, por conta e risco do fornecedor.§ 2° São
impróprios os serviços que se mostrem inadequados para
os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como
aqueles que não atendam as normas regulamentares de
prestabilidade.
_______________
Bibliografia :
-NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 4ª Edição. Editora
Saraiva: São Paulo. 2009.
-VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Nova edição. Volume 4.
Responsabilidade Civil. Editora Atlas: São Paulo. 2009.
-DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7º Volume. 19ª
Edição. Editora Saraiva: São Paulo.
- DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor.
Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 9ª Edição. Editora Forense: Rio
de Janeiro. 2007.
_______________
1 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 4ª Edição. Editora
Saraiva: São Paulo. 2009. Página 181.
2 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Nova edição. Volume 4.
Responsabilidade Civil. Editora Atlas: São Paulo. 2009. Página 238.
3 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Nova edição. Volume 4.
Responsabilidade Civil. Editora Atlas: São Paulo. 2009. Página 243.
4 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Nova edição. Volume 4.
Responsabilidade Civil. Editora Atlas: São Paulo. 2009. Página 244.
5 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 7º Volume. 19ª
Edição. Editora Saraiva: São Paulo. Página 457.
6 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Nova edição. Volume 4.
Responsabilidade Civil. Editora Atlas: São Paulo. 2009. Página 248.
7 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 4ª Edição. Editora
Saraiva: São Paulo. 2009. Página 180.
8 NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 4ª Edição. Editora
Saraiva: São Paulo. 2009. Página 180 e 181.
9 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Nova edição. Volume 4.
Responsabilidade Civil. Editora Atlas: São Paulo. 2009. Página 250.
10 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil. Nova edição. Volume 4.
Responsabilidade Civil. Editora Atlas: São Paulo. 2009. Página 250.
IV)
André Motoharu Yoshino
Estudo da evolução do processo no Brasil: influência constitucional e independência das áreas
A palavra "evolução" acompanha todos os meios existentes
na sociedade mundial. Não é por acaso que, freqüente e
gradativamente, nos deparamos com noticiários informando
uma nova descoberta na medicina, nos meios de
telecomunicações, na engenharia, na arquitetura, dentre
outras áreas.
Da mesma forma, o Direito, como ciência jurídica,
apresenta-se em total evolução, devendo se adaptar,
inclusive, as mudanças que a própria sociedade encara de
tempos em tempos. Por este motivo é que a legislação sofre
alteração em alguns períodos, fazendo-se necessário um
novo Código de Processo, por exemplo, e por que não, de
uma nova Constituição Federal.
Desde a virada do século XX para o XXI, estamos
presenciando o que talvez seja a maior alteração social que
possa ter existido até então. Isso porque chegamos a Era
Tecnológica, e muito mais que isso, para a Era da
sociedade da Informação Tecnológica, no qual a marca
maior é um mundo globalizado graças aos avanços e
descobertas.
Convenhamos que não poderia ser de outra forma. O Direito
é a ciência que estuda a relação entre os homens, aplicando
normas de conduta para um bem estar social. Enquanto
houver mais de uma pessoa em um mesmo local, sempre
haverá um ou alguns pontos de discordância, o que pode
prejudicar consideravelmente o relacionamento.
Mencionando esta relação entre os homens, José Roberto
dos Santos Bedaque, nos primeiros parágrafos de sua obra
"Direito e Processo", esclarece o meio de convívio entre os
membros de uma sociedade:
"A vida em sociedade implica, necessariamente, a
existência de relações entre seus membros. As pessoas
mantem umas com as outras relacionamentos de várias
espécies e de natureza diversa. Imagine-se o leitor no seio
de sua família, no âmbito de seus negócios ou da atividade
profissional que exerce. Pense no convívio com seu grupo
de amigos e com os adeptos de sua religião. Lembre-se dos
inúmeros tributos exigidos pelo ente que, em contrapartida,
deveria proporcionar-lhe segurança, saúde, educação,
transporte, etc.
Algumas dessas inúmeras relações mantidas entre os
integrantes de determinada sociedade organizada são
objeto de regulamentação pelo Estado, que edita normas de
conduta, cuja observância é imposta a todos. Essas regras
de comportamento compõem o ordenamento jurídico do
país. O Direito é, pois, um fenômeno humano e social." 1
Historicamente, as sociedades sem normas não tendem a
evoluir de forma organizada, observando-se que nestas
hipóteses o comando maior será de acordo com a vontade
do mais forte, que terá sua palavra como a última, cabendo
as demais apenas acatarem e obedecer. Sociedades como
estas são totalmente contra os ideais humanitários,
inexistindo o termo “democracia”.
Existindo evolução da sociedade, consequentemente deverá
haver a evolução do Direito e, assim, do processo como um
todo. Para estudarmos esta relação evolutiva, mister se faz
analisar, inicialmente, a origem da palavra e o que se
entende por processo. De Plácido e Silva, em seu
vocabulário jurídico, ensina que processo é diferente de
procedimento, apresentando sentido amplo e restrito.
Vejamos:
"Derivado do latim processus, de procedere, embora por sua
derivação se apresente em sentido equivalente a
procedimento, pois que exprime, também, ação de proceder
ou ação de prosseguir, na linguagem jurídica outra é sua
significação, em distinção a procedimento.
(...)
Processo e a relação jurídica vinculativa, com o escopo de
decisão, entre as partes e o Estado Juiz, ou entre o
administrado e a Administração.
Na terminologia jurídica, processo anota-se em sentido
amplo e em sentido restrito.
Em sentido amplo, significa o conjunto de princípios e de
regras jurídicas, instituído para que se administre a justiça.
(...)
Em conceito estrito, exprime o conjunto de atos, que devem
ser executados, na ordem preestabelecida, para que se
investigue e se solucione a pretensão submetida à tutela
jurídica, a fim de que seja satisfeita, se procedente, ou não,
se injusta ou improcedente." 2
No Brasil, apesar da conquista da independência política,
herdamos de Portugal as normas processuais contidas nas
Ordenações Filipinas (1603), Manuelinas (1521) e Afonsinas
(1456), além, é claro, de algumas leis extravagantes
posteriores, através do Decreto de 20 de outubro de 1823.
Estas Ordenações Filipinas, Manuelinas e Afonsinas
apresentavam muita influência no Direito romano e
canônico, bem como de leis gerais elaboradas desde o
Reinado de Afonso II, de concordatas celebradas entre reis
de Portugal e autoridades eclesiásticas, das Sete Partidas
de Castela, de antigos costumes nacionais e dos foros
locais.3
Um marco para o Direito processual brasileiro foi o século
XVIII, com Paula Batista, mestre da Faculdade de Olinda e
Recife, que enfrentou e abriu as margens para a entrada do
país em conhecimentos até então desconhecidos, trazendo
idéias européias.
Insta mencionar que grandes estudiosos do Direito
participaram desta abertura jurídica no Brasil, valendo
destacar que houve a entrada do Direito processual,
contendo tanto o Direito processual cível quanto o penal.
Conforme a professora Ada Pellegrini Grinover destaca,
dentre os nomes que participaram deste momento inicial,
podemos mencionar: Pimenta Bueno, João Monteiro, João
Mendes Junior, Estevam de Almeida, Galdino Siqueira.4
Ademais, a professora Ada Pellegrini Grinover na
companhia de Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Carlos
de Araújo Cintra, escreveu a evolução do processo,
mencionando 3 (três) fases metodológicas. A saber:
a) Fase do sincretismo: o processo era considerado simples
meio de exercício dos direitos. A ação era o próprio Direito
subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para
obter em juízo a reparação desta lesão. Não se tinha noção
do Direito processual como ramo autônomo do Direito e
muito menos dos elementos para sua autonomia científica.
b) Fase autonomista (conceitual): marcada pelas grandes
construções científicas do Direito processual. Tiveram lugar
as grandes teorias processuais, especialmente sobre a
natureza jurídica da ação e do processo, as condições
daquela e os pressupostos processuais.
c) Fase instrumentalista: é uma fase crítica. Após toda a
evolução existente, chega-se a um momento em que se
observa o processo por um ângulo externo, ou seja,
examinando os resultados práticos.5
Nesta toada, importante destacar novamente o fato de que,
inicialmente, houve uma Teoria Geral do Processo, no qual
as bases incluíam tanto a área cível como a penal, e aos
poucos, a proximidade entre estes dois institutos foram
diminuindo consideravelmente, até que se passou a separar
a Teoria Geral do Processo Civil e Teoria Geral do Processo
Penal. Neste ponto, Heitor Vitor Mendonça Sica apresenta
um excelente trabalho sobre “Perspectivas Atuais da Teoria
geral do Processo”:
"Após breve retrospectiva de suas origens, na Itália e no
Brasil, e das históricas críticas que lhe foram dirigidas,
concluímos que houve sensível diminuição da relevância da
aproximação científica entre processo civil e penal
especialmente a partir da Constituição Federal de 1988, que
enunciou expressamente diversos princípios comuns a
esses dois ramos do Direito processual. A partir daí,
identificam-se os novos campos em que a teoria ainda tem
relevantes serviços a prestar, isto é, ao processo
administrativo (que muitas vezes se mostra impenetrável
aos princípios processuais textualmente consagrados na
Constituição) e em diversos fenômenos processuais
verificados em relações puramente privadas (processos não
estatais)." 6
Diversas doutrinas mencionam Francesco Carnelutti como
um dos grandes cientistas sobre a teoria geral do processo,
tendo lançado as bases para o surgimento desta teoria na
obra “Studi di diritto processuale” (1922), contribuindo
consideravelmente com a evolução do processo ao
defender a tese de necessidade de aproximação entre o
processo civil e penal.
Entretanto, Francesco Carnelutti, em que pese ter lançado
as bases para o surgimento da teoria geral do processo,
apresentou mudança de pensamento em sua idéia sobre o
tema. De início, verificava-se sua sustentação pela
necessidade de aproximação do estudo do processo civil e
do processo penal, isso porque ambos apresentavam lide. A
sua mudança ocorreu a partir do momento em que
mencionou a existência de lide no processo civil e a sua
inexistência no processo penal. Desta forma, Carnelutti
passou a dividir estas modalidades processuais.7
A partir de então, tendo em vista esta drástica alteração na
teoria geral do processo de Carnelutti, iniciaram-se os
questionamentos sobre o tema, passando os estudiosos
processualistas a unir esforços na busca de uma resposta
sobre a melhor forma de se falar em um Direito processual e
acompanhar as alterações sociais.
No Brasil, em 1972, Cândido Rangel Dinamarco, Ada
Pellegrini Grinover e Antonio Carlos de Araújo Cintra
lançaram a obra "Teoria Geral do Processo", que lançou as
bases de estudos intensos sobre a possibilidade de uma
teoria Geral do Processo.8
Com o prefácio de Luís Eulálio de Bueno Vidigal, esta obra
é atualizada e utilizada até os dias atuais, sendo objeto de
discussão para ambas as faces da questão. Todavia,
interrogação existente sobre a obra está relacionada sobre a
(im)possibilidade de se falar em uma Teoria Geral do
Processo, o que reabre o surgimento de diversos
questionamentos.
O professor Cassio Scarpinella Bueno, em seu curso de
processo civil, ensina que o momento em que o estudioso
de processo civil manteve-se isolado das demais disciplina,
causaram distorções quanto a sua compreensão.
Transcreva-se:
"houve tempo em que o estudioso do Direito processual civil
isolou-se dos demais ramos do Direito como forma de
justificar a autonomia científica dessa disciplina e a
necessidade de um estudo próprio, distinto, adequado ao
seu objeto de análise. Daí a necessidade de ‘criar’ ou
'identificar' uma disciplina autônoma, desvinculada dos
demais ramos do Direito, o estudioso do Direito processual
civil perdeu, durante considerável espaço de tempo, a
necessária compreensão do todo. O isolamento e a
neutralidade, típicos do estudo do Direito processual cível
nesta fase, causaram e, até hoje, causam sérias distorções
com relação à sua compreensão." 9
A partir deste estudo sobre Teoria Geral do Processo,
chega-se a conclusão de que certamente não há
necessidade de separar os ramos do Direito e estudar o
processo separadamente. Isso porque em conjunto a
evolução de um implica na evolução do outro também.
Todavia, por óbvio, chega-se a um momento nos estudos
processuais das disciplinas que não há como manter a
ligação, pois querendo ou não existe uma grande diferença
entre o processo civil, penal, tributário, trabalhista,
administrativo, dentre outros.
O que se defende é que a base dos procedimentos, a linha
inicial que levará para a evolução do Direito processual
pode e deve ser aprofundado em conjunto, falando-se em
uma Teoria Geral do Processo. Explica-se: a sociedade em
que será aplicado o Direito é una, tendo profundas
evoluções por motivos que atingem todas as áreas, sendo
indiferente a área do Direito.
Ademais, como sabemos, o Brasil adota a estrutura
piramidal do ordenamento jurídico, no qual a Constituição
Federal apresenta-se como a lei maior que deve ser
observado por todas as demais normas e, por isso, esta é a
base inicial e a que deve manter-se sob respeito durante
toda a existência da norma. Assim, nas palavras de Cândido
Rangel Dinamarco:
"Generoso aporte ao aprimoramento do processo em face
dos seus objetivos tem sido trazido, nestas últimas décadas,
pela colocação metodológica a que se denominou Direito
processual constitucional e que consiste na ‘condensação
metodológica e sistemática dos princípios constitucionais do
processo’. A idéia-síntese que está à base dessa moderna
visão metodológica consiste na preocupação pelos valores
consagrados constitucionalmente, especialmente a
liberdade e igualdade, que ao final são manifestações de
algo dotado de maior espectro e significação transcedente:
o valor justiça. O conceito significado e dimensões desses e
de outros valores fundamentais são, em última análise,
aqueles que resultam da ordem constitucional e da maneira
como a sociedade contemporânea ao texto supremo
interpreta as suas palavras – sendo natural, portanto, a
intensa infiltração dessa carga axiológica no sistema do
processo (o que, como foi dito, é justificado pela
instrumentalidade)." 10
Ainda neste tema constitucional – base para o Direito
processual – sabemos que a Constituição é a ordem jurídica
fundamental da coletividade, apresentando princípios
diretivos, que formam a unidade política e as tarefas estatais
que devem ser exercidas. Também, regula procedimentos
de pacificação de conflitos no interior da sociedade, criando
bases e normalizando traços fundamentais da ordem
jurídica.
Sabemos os princípios constitucionais que, possuem força
em todas as áreas do Direito, valendo destacar: princípios
da proporcionalidade, da coisa julgada, da ampla defesa,
contraditório, devido processo legal, isonomia das partes, do
juiz e do promotor natural, legalidade, livre acesso à justiça,
motivação (fundamentação), celeridade, dentro outros.
Através de todo o disposto na Constituição Federal, os
demais códigos e normas que compõem o sistema
normativo pátrio necessitam se adequar para que atinjam o
campo da validade jurídica. Por isso que, além de se falar
em um processo constitucional, também existe um estudo
aprofundado sobre os princípios constitucionais no processo
como um todo.
Nesta esteira, o professor Nelson Nery Júnior apresenta um
interessante trabalho sobre os princípios do processo na
Constituição Federal, no qual demonstra que a Carta Magna
organiza o sistema jurídico pátrio, apresentando, por
exemplo, direitos fundamentais que estão petrificados,
sendo invioláveis. Vejamos:
"A Constituição é a ordem jurídica fundamental da
coletividade: determina os princípios diretivos, segundo os
quais devem formar-se a unidade política e as tarefas
estatais a serem exercidas. Regula ainda procedimentos de
pacificação de conflitos no interior da sociedade; para isso
cria bases e normaliza traços fundamentais da ordem total
jurídica." 11
A história do Direito relaciona-se diretamente com a história
do processo. Estudar Direito sem processo não apresenta
sentido e vice-versa.
Concluindo este trabalho, não podemos negar a importância
histórica que as bases científicas de uma denominada teoria
geral do processo trouxe para a evolução do Direito
brasileiro. Ademais, pode ser dizer que naquele momento
fazia-se necessário o estudo conjunto do Direito processual
civil e penal.
Alguns doutrinadores mencionam que com o advento da
Constituição Federal de 1988 simplesmente terminou o ciclo
dos estudos da Teoria Geral do Processo. Como, por
exemplo, citemos Heitor Sica, que acredita ter apresentado
elementos quase que suficientes para isso. Compartilhando
da mesma opinião, passo a transcrever as palavras deste
ilustre doutrinador:
"Partindo das constatações mais seguras para as mais
irresolutas, não podemos negar a importância histórica da
construção original da teoria geral do processo (assentada
na aproximação entre processo civil e penal), sobre tudo
para a evolução do estudo do Direito processual civil.
Entretanto, conseguimos reunir elementos suficientes para
afirmar o (quase) esgotamento dessa utilidade,
especialmente após a Constituição de 1988." 12
Note-se que Heitor Sica menciona "quase esgotamento".
Isso se justifica pelo exposto inúmeras vezes neste trabalho
científico, que enquanto temos o sistema constitucional,
todas as normas possuem início nas regras constitucionais.
Tudo o que se cria em termo de legislação deve obedecer
cuidadosamente o disposto na Constituição.
Por isso, demonstra-se perfeito o “quase” utilizado pelo
mencionado doutrinador e professor Heitor Vitor Mendonça
Sica, deixando claro que diminuiu sensivelmente a utilização
de uma Teoria Processual, mas ainda existe uma base
comum.
O Direito processual civil, penal, administrativo, trabalhista,
tributário, dentre outros possuem bases constitucionais.
Todavia, sua evolução depende muito da área a que
corresponde, podendo assim atender as necessidades para
esta disciplina, sendo necessário verificar, mas pouco
importando, por exemplo, para o Direito processual civil as
novidades que regulam o Direito penal.
__________
1 BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – influência do
Direito Material sobre o Processo. 6ª Edição. Editora Malheiros. São
Paulo: 2011. Fl.11.
2 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi
Filho e Gláucia carvalho. 27ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro:
2007. Fl. 1101.
3 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Edição.
Editora Malheiros. São Paulo: 2006. Fls. 295/309.
4 GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução. Editora Forense
Universitária. Biblioteca Jurídica. Rio de Janeiro: 199. Fl. 2/3.
5 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Edição.
Editora Malheiros. São Paulo: 2006. Fls. 48 e 49.
6 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas Atuais da “Teoria Geral do
Processo”. Bases Científicas para um Renovado Direito Processual.
Organizadores: Athos Gusmão e Petrônio Calmon. Capítulo IV. Editora
Jus Podium. 2º edição. Salvador: 2009. Fl. 55.
7 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas Atuais da “Teoria Geral do
Processo”. Bases Científicas para um Renovado Direito Processual.
Organizadores: Athos Gusmão e Petrônio Calmon. Capítulo IV. Editora
Jus Podium. 2º edição. Salvador: 2009. Fls. 56 e 57.
8 CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Edição.
Editora Malheiros. São Paulo: 2006.
9 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual
Civil. Teoria Geral do direito processual civil. 5ª Edição. Editora Saraiva.
São Paulo: 2011. Fl. 35.
10 DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª
Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2009. Fl. 25 e 26.
11 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição
Federal. 10ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011. Fl.
38.
12 SICA, Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas Atuais da “Teoria Geral do
Processo”. Bases Científicas para um Renovado Direito Processual.
Organizadores: Athos Gusmão e Petrônio Calmon. Capítulo IV. Editora
Jus Podium. 2º edição. Salvador: 2009. Fl. 75.
__________
BIBLIOGRAFIA:
-BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Direito e Processo – influência do
Direito Material sobre o Processo. 6ª Edição. Editora Malheiros. São
Paulo: 2011.
-BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Efetividade do processo e técnica
processual. 3ª Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2010.
-BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual
Civil. Teoria Geral do direito processual civil. 5ª Edição. Editora Saraiva.
São Paulo: 2011.
-CINTRA, Antonio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. 22ª Edição.
Editora Malheiros. São Paulo: 2006.
-DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 14ª
Edição. Editora Malheiros. São Paulo: 2009.
-FUX, Luiz. O Novo Processo Civil Brasileiro – Direito em Expectiva
(reflexões acerca do Projeto do novo Código de Processo Civil). Editora
Forense. Rio de Janeiro: 2011.
-GRINOVER, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução. Editora Forense
Universitária. Biblioteca Jurídica. Rio de Janeiro: 1999.
-NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo na Constituição Federal.
10ª Edição. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: 2011.
-SICA, Heitor Vitor Mendonça. Perspectivas Atuais da “Teoria Geral do
Processo”. Bases Científicas para um Renovado Direito Processual.
Organizadores: Athos Gusmão e Petrônio Calmon. Capítulo IV. Editora
Jus Podium. 2º edição. Salvador: 2009.
-SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. Atualizadores Nagib Slaibi
Filho e Gláucia carvalho. 27ª Edição. Editora Forense. Rio de Janeiro:
2007.
V)
André Motoharu Yoshino
Num condomínio, o morador que viola regras e não observa
as previsões compatíveis com a função social da
propriedade pode ser judicialmente excluído.
O processo de verticalização das metrópoles, somado ao
incremento do mercado imobiliário e a busca por um meio
de vida mais calmo e seguro em cidades satélites dos
grandes centros têm multiplicado o número de condomínios
verticais e horizontais, respectivamente. Esse movimento se
verifica tanto em bairros nobres como em bairros mais
simples, resultando numa convivência social mais próxima
com grande potencial para a aparição de conflitos.
Nesse cenário, merecem atenção os casos dos
denominados moradores antissociais (ou nocivos), que não
se adaptam a estas novas realidades, seja porque
acreditam que possuem o direito de violar regras do
condomínio, seja porque praticam atos que o direito privado
não proíbe explicitamente, mas o bom senso requer para
um convívio pacífico. Estes moradores acabam se tornando
nocivos para o convívio de todos, implicando no desrespeito
à função social da propriedade.
A Constituição Federal, no seu artigo 5º, inciso XXIII,
estabelece que a propriedade deve cumprir com a sua função social. Adiante, no artigo 170, inciso III, dispõe que
a ordem econômica observará a função social da propriedade, impondo freios à atividade empresarial.
Atendendo ao propósito constitucional, o Código Civil de
2002, no seu artigo 1.228, indica que o direito de
propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que
sejam preservados, de conformidade com o estabelecido
em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.(parágrafo primeiro). Ainda, proclama que são defesos os
atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade,
ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem. (parágrafo segundo).
Disto podemos observar que o legislador brasileiro tendeu a
limitar o direito do proprietário sobre seu próprio imóvel,
devendo antes de tudo observar a função social da
propriedade. Neste sentido, Carlos Roberto Gonçalves, em
seu curso de Direito Civil, apresenta alguns ensinamentos
relevantes sobre o direito de propriedade:
inúmeras leis impõem restrições ao direito de propriedade,
como o Código de Mineração, o Código Florestal, a Lei de
Proteção do Meio Ambiente, etc. Algumas contêm restrições
administrativas, de natureza militar, eleitoral, etc. A própria
Constituição Federal impõe a subordinação da propriedade
à sua função social.
Há ainda limitações decorrentes do direito de vizinhança e
de cláusulas impostas voluntariamente nas liberalidades,
como inalienabilidade, impenhorabilidade e
incomunicabilidade.
Todo esse conjunto, no entanto, acaba traçando o perfil
atual do direito de propriedade no direito brasileiro, que
deixou de apresentar as características de direito absoluto e
ilimitado, para se transformar em um direito de finalidade
social. 1
O mesmo entendimento é válido para o caso de
condomínios, devendo cada morador atentar para a função
social da propriedade, tendo em mente que seu direito de
proprietário sobre seu imóvel é limitado. Assim estabelece
Rubens Carmo Elias Filho:
Ademais, não olvidando que a propriedade está diretamente
relacionada à sua função social (CF, 5º, XXIII), o condômino
pode usufruir livremente de seu bem, como melhor lhe
satisfaça, desde que não cause danos a outrem,
manifestando-se uma restrição ou limitação ao direito de
propriedade. 2
Qualquer morador que não observe estas previsões
compatíveis com a função social da propriedade, apresenta-
se como antissocial ou nocivo para o condomínio e,
consequentemente, para a sociedade. Importante destacar
que antes de entrar em vigor o novo Código Civil, inexistia
no ordenamento jurídico qualquer dispositivo que dispunha
sobre a possibilidade de exclusão do condômino nocivo.
Assim, em 1997, João Batista Lopes afirmava o seguinte:
Em decorrência disso, vê-se o condomínio, frequentemente,
invadido por pessoas de comportamento censurável,
quando não insuportável, cuja presença no edifício constitui
sério entrave à tranquilidade da coletividade de condôminos.
Não dispõe nosso ordenamento jurídico de instrumentos
eficazes para banir do edifício pessoas desse jaez. 3
O Código Civil passou a prever penalidades para este
morador antissocial, como se pode observar no artigo 1.337,
determinando que o proprietário ou possuidor do imóvel que
não cumpre reiteradamente com os seus deveres perante o
condomínio poderá ser constrangido a pagar multa
correspondente até o quíntuplo do valor atribuído à
contribuição para as despesas condominiais, desde que
deliberado por três quartos dos condôminos restantes.
Ainda, reiterado o comportamento antissocial que gere
incompatibilidade de convivência com os demais
condôminos (ou possuidores), poderá ser constrangido a
pagar multa correspondente ao décuplo do valor de
contribuição das despesas de condomínio.
Portanto, saímos de um momento em que inexistia previsão
legal para aplicação de penalidades ao morador
antissocial/nocivo para entrar em um momento de previsão
de penalização com multa e, segundo alguns doutrinadores,
já há que se falar em afastamento deste morador que impõe
obstáculos para um pleno convívio social, sendo que não
perderia seu direito de propriedade sobre sua unidade
autônoma, apenas perderia o direito de uá-la e habitá-la.
Para muitos, a exclusão deste morador antissocial/nocivo
seria a única solução para frear os abusos existentes no
direito de propriedade, valendo-se do ideal previsto
constitucionalmente.
Há algumas decisões nos tribunais brasileiros favoráveis ao
afastamento do morador antissocial/nocivo para o
condômino, desde que o tema envolvido seja grave e
anteriormente se demonstre insuficiente a aplicação das
multas. Vejamos:
CONDOMÍNIO EDILÍCIO. Situação criada por morador,
sargento da Polícia Militar, que, reincidente no
descumprimento das normas regulamentares, renova
condutas antissociais, apesar da multa aplicada e que não é
paga, construindo, com isso, clima de instabilidade ao grupo
e uma insegurança grave, devido ao seu gênio violento e ao
fato de andar armado no ambiente, por privilégio
profissional. Adequação da tutela antecipada emitida para
obrigá-lo a não infringir a convenção, sob pena de multa ou
outra medida específica do § 5º do art. 461 do CPC,
inclusive o seu afastamento. Interpretação do art. 1.337 do
CC. Não provimento.
(TJSP. Agravo de Instrumento n.º 513.932.4/3. Relator
Desembargador Ênio Santarelli Zuliani. Data da publicação:
02/08/2007)
Da mesma forma, há recente decisão favorável a exclusão
de um condômino do convívio com os demais:
APELAÇÃO CÍVEL. CONDOMÍNIO. DIREITO CIVIL.
COISAS, PROPRIEDADE. Exclusão do condômino nocivo.
Impossibilidade convivência pacífica ante a conduta
antissocial do condômino. APELO NÃO PROVIDO.
UNÂNIME.
(...)
Assim, em que pese não haja previsão expressa a amparar
a pretensão de exclusão do réu do condomínio autor, uma
vez que o art. 1.337 do CC/2002 não contempla tal
possibilidade, pode o magistrado, verificando que o
comportamento antissocial extravasa a unidade condominial
do “infrator” para as áreas comuns do edifício, levando o
condômino à impossibilidade de corrigir tal comportamento
mesmo após a imposição do constrangimento legal – multa
-, decidir pela exclusão do proprietário da unidade
autônoma, continuando este com seu patrimônio, podendo
ainda dispor do imóvel, perdendo, entretanto, o direito de
convivência naquele condomínio.
(TJRS. Apelação cível n.º 70036235224. 17ª Câmara Cível.
Desembargador Relator Bernadete Coutinho Friedrich.
Julgado em 15/07/2010).
Do exposto, a conclusão alcançada é pela possibilidade de
exclusão do morador antissocial/nocivo, através de ação
judicial, afastando-o do convívio dos demais condôminos,
restringindo o uso de sua propriedade em condomínio.
Ademais, há mesmo quem admita a possibilidade de
medidas judiciais que envolvam também a alienação
compulsória da propriedade, mediante procedimento de
alienação judicial.4
__________
Bibliografia:
ELIAS FILHO, Rubens Carmo. A Exclusão do Condômino Nocivo ou
Antissocial à Luz dos Atuais Contornos do Direito de Propriedade.
Fundamentos do Direito Civil Brasileiro. Organizador: Everaldo Augusto
Cambler. Millennium Editora. São Paulo: 2012.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª edição. Volume V
– Direito das Coisas. Editora Saraiva. São Paulo: 2008.
LOPES, João Batista. Condomínio. 6ª edição. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo: 1997.
_________
1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 3ª edição. Volume
V – Direito das Coisas. Editora Saraiva. São Paulo: 2008. Fl. 224.
2 ELIAS FILHO, Rubens Carmo. A Exclusão do Condômino Nocivo ou
Antissocial à Luz dos Atuais Contornos do Direito de Propriedade.
Fundamentos do Direito Civil Brasileiro. Organizador: Everaldo Augusto
Cambler. Millennium Editora. São Paulo: 2012. Fl. 358.
3 LOPES, João Batista. Condomínio. 6ª edição. Editora Revista dos
Tribunais. São Paulo: 1997. Fl. 143.
4 ELIAS FILHO, Rubens Carmo. A Exclusão do Condômino Nocivo ou
Antissocial à Luz dos Atuais Contornos do Direito de Propriedade.
Fundamentos do Direito Civil Brasileiro. Organizador: Everaldo Augusto
Cambler. Millennium Editora. São Paulo: 2012. Fl. 372.
VI)
André Motoharu Yoshino
Pedro Cordelli Alves
7 anos da Lei de Falências e Recuperação de Empresas
No dia 9 de fevereiro de 2005 foi sancionada a lei
11.101/2005 ("Nova Lei de Falências e Recuperação de
Empresas"), que veio a substituir o decreto-lei n.º 7.661, de
21 de junho de 1945. São 7 anos desta lei que, apesar de
algumas críticas pontuais da doutrina, demonstra-se
adequada à disciplina da crise das empresas.
Em diversas oportunidades, uma crise econômico-financeira
pode atingir uma empresa, podendo esta crise ser causada
por fatores internos como a má-gestão ou por fatores macro
econômicos e, portanto, fora da seara de atuação de seus
sócios/administradores.
A necessidade de uma legislação adequada é justamente
para dar a oportunidade de contornar esta situação
totalmente indesejada, evitando-se, assim, o encerramento
das atividades de uma empresa que, contribui com a
sociedade, gerando a oportunidade de empregos, o
crescimento da economia e até garantindo sua função
socioambiental.
A partir de um cenário de globalização, que resultou em
uma enorme modificação da economia nacional, a falência e
a concordata, no modelo constante do decreto-lei 7.661/45,
mostraram-se defasadas e, nas acertadas palavras de
Rubens Approbato Machado, "se converteram em
verdadeiros instrumentos de própria extinção da atividade
empresarial"1. Isso porque suas regras, com uma concepção
fortemente processualística, reduziam o direito falimentar a
um procedimento de execução concursal, visando à
liquidação do patrimônio do devedor e a satisfação dos
credores, não contribuindo para a preservação da empresa
e para efetivação de sua função social.
A edição da Nova Lei de Falências e Recuperação de
Empresas representou uma enorme evolução para o direito
falimentar brasileiro e, após sete anos de vigência, o
objetivo principal do legislador de preservar a empresa -
como fonte de bens econômicos, patrimoniais e sociais,
tendo em vista o interesse público e social - vem sendo
alcançado. É clara a importância da existência de uma
legislação falimentar moderna e eficiente para o ambiente
econômico, apresentando soluções céleres e eficientes para
as situações de insolvência, preservando o emprego e a
produção.
Nesse contexto, uma das maiores inovações da Nova Lei de
Falências e Recuperação de Empresas - se não a maior - foi
a criação dos institutos da recuperação judicial e
extrajudicial da empresa.
O antigo decreto-lei 7.661/45 não estimulava soluções de
mercado para a recuperação de empresas em crise, mas,
pelo contrário, punia como ato de falência qualquer medida
do devedor com o fim de reunir seus credores para uma
renegociação global de suas dívidas2. A Nova Lei de
Falências e Recuperação de Empresas, com vistas à
preservação da empresa e de sua função social,
descaracteriza tal convocação dos credores como
presunção de insolvência do empresário.
A recuperação judicial possui como objetivo, conforme
expresso no artigo 47 da Nova Lei de Falências e
Recuperação de Empresas, "viabilizar a superação da
situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de
permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos
trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo,
assim, a preservação da empresa, sua função social e o
estímulo à atividade econômica". O instituto veio substituir a
antiga concordata, que se limitava a uma moratória de
dívidas do devedor, somente aplicável aos credores
quirografários, funcionando o instituto como um mero favor
legal à empresa que satisfizesse os requisitos legais, não
havendo participação direta dos credores.
Conforme aponta o Professor Fábio Ulhoa Coelho, tendo em
vista que os agentes econômicos acabam por repassar aos
seus preços os riscos da recuperação judicial, o ônus da
reorganização das empresas no Brasil recai em toda a
sociedade. Ora por esse motivo, a recuperação da empresa
deve contar com a participação ativa de todas as partes
interessadas, os chamados stakeholders, quais sejam: o
devedor, os credores, fornecedores, sociedade (aqui
incluídos também os trabalhadores) e os potenciais
investidores.
Nota-se facilmente que estamos há 7 anos presenciando um
momento de grande evolução no direito falimentar,
estimulando soluções de mercado que visam a recuperação
das empresas que se encontram em crise, ao invés de
apenas punir como ato de falência as medidas do devedor
de reunir seus credores para renegociação das dívidas.
Certamente esta jovem lei ainda contribuirá e muito com a
economia do país, permitindo a manutenção da fonte de
produção, o emprego dos trabalhadores, interesses dos
credores, preservando a empresa e a sua função dentro da
sociedade.
Que venham muitos outros anos de garantias para as
empresas, preservando-se, assim, o ideal constitucional da
valorização do trabalho humano e a livre iniciativa!
__________
1 MACHADO, Rubens Approbato. Visão geral da nova Lei 11.101, de 09
de fevereiro de 2005, que reforma o Decreto-Lei 7.661, de 21.06.1945 (Lei
de Falências) e cria o Instituto da Recuperação da Empresa. In:
MACHADO, Rubens Approbato (Coord.) – Comentários à Nova Lei de
Falências e Recuperação de Empresas, 2a edição, São Paulo: Quartier
Latin, 2007. Pág. 101.
2 COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial. 12a ed., São Paulo:
Saraiva, 2011, v. 3.Pág. 404.
__________