Post on 06-Dec-2015
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A EDUCAÇÃO DO/NO CAMPO EM TRÊS LAGOAS- MS
Waldélia Neves Dutra de Freitas/UFMS
waldeliadutra@hotmail.com
Rafael Honorato Clemente/UFMS
rh_clemente@hotmail.com
Este artigo tem como finalidade discutir a proposta de educação básica do
campo oferecida pelo poder público municipal aos filhos e filhas de camponeses na
escola urbana Municipal Professor Ramez Tebet, em Três Lagoas/MS. Os alunos que
freqüentam a referida escola, em sua maioria, são da área rural, já que a escola foi
construída com a finalidade de atender este público, no entanto a proposta político
pedagógica da escola é direcionada para o público urbano como pudemos verificar em
nossa pesquisa de campo. Projeto esse que não assegura aos alunos do campo a garantia
de seus direitos à diversidade e de serem sujeitos do meio em que vivem em
conformidade com a lei Federal de Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo.
Em nossa pesquisa usamos como metodologia o trabalho de campo por meio de
entrevistas gravadas aplicando as mesmas perguntas às crianças, e funcionários da
escola no intuito de averiguarmos a vivência dos alunos na escola. Para vivenciarmos
um pouco do dia a dia das crianças a caminho da escola fizemos o trajeto percorrido por
elas, diàriamente, de suas casas até a chegada na escola.
Também procuramos saber junto ao poder publico municipal como é tratada a
educação rural no município, e buscar explicações do por que não existirem escolas do
campo.
Educação do campo um direito do sujeito
A educação do campo é garantida por direito a partir da constituição federal de
1988 a qual garante a educação como direito de todos e dever do Estado, independente
de o cidadão residir nas áreas urbanas ou rurais, abrangendo todos os níveis e
modalidades de ensino ministrado em qualquer parte do país. Nesta Carta Magna fazem
referências as Constituições Estaduais a qual devem se ater às especificidades do ensino
rural, respeitando as suas diferenças culturais e regionais, ou seja, cada Estado aborda a
escola no espaço do campo, adequando seus currículos, seus calendários e de outros
aspectos do ensino rural às necessidades regionais.
A deliberação do Conselho Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul nº041/03
fundamentando-se n Lei nº 9.394/96, em seu Artigo 2º delibera:
A educação básica das escolas do campo destina-se ao atendimento da população rural, sob a ótica do respeito à diferença e do direito à igualdade, primando pela qualidade da educação básica na perspectiva do acesso, da inclusão às especificidades. (Deliberação do Conselho Estadual de Educação/Mato Grosso do Sul, n°7111, 16 de outubro de 2003)
Segundo Ricardo Henriques (2005) com estas leis supõe uma nova forma de
sociabilidade na política escolar do país, a qual não se faz apenas com a adaptação pura
e simplesmente, busca as diversidades socioculturais e o direito da igualdade e a
diferença, possibilitando a definição das diretrizes operacionais para educação rural,
rompendo com a educação global. As diretrizes operacionais propõem a identificação
do modo de vida social e utilização do espaço, delimitando o que é rural e urbano sem
perder de vista o nacional.
Deste modo é preciso lutar para que os direitos educacionais e sociais sejam
garantidos, pois as Diretrizes Operacionais para a Educação do Campo que
regulamentam as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil,
Fundamental, Médio e continuado para os povos que vivem no e do campo, diz em seu
art. 2°, parágrafo único:
[...] a identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuro, ciências e tecnologias disponíveis na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções e qualidade social da vida coletiva no país. (Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo, 2004, p.35 apud Referências para uma política Nacional de Educação do Campo).
A educação do campo é definida pelos sujeitos que ali vivem, devendo ser
vinculada a sua cultura, a qual produz pelas relações mediadas pelo trabalho,
entendendo o trabalho como uma produção cultural e material do sujeito.
Esses sujeitos ao lutarem por seus direitos à educação, à terra, à alimentação, e à
floresta, vão reconstruindo a sua identidade com a terra e o meio em que vivem, tendo
como uma peculiaridade própria do homem do campo, não de exclusão, mas de
afirmação, já que os que vivem na e da terra não são os mesmos dos sujeitos que vivem
na cidade.
Sendo assim é importante a Educação do Campo, pois “o lugar não é apenas um quadro de vida, mas um espaço vivido, isto é, de experiência sempre renovada, o que permite, ao mesmo tempo, a reavaliação das heranças e a indagação sobre o presente e o futuro” (Educação do campo, 2005, p.36 apud SANTOS, 2001, p.114).
A Educação do Campo tem como objetivo que os educandos, educadores e
comunidade se envolvam de forma autônoma com a vida escolar, o trabalho com a terra,
com a cultura, com a história, que tenham uma organização política da comunidade e a
valorização da vida camponesa, desenvolvendo-se economicamente e socialmente
participando assim ativamente da comunidade local.
O Projeto Político Pedagógico da educação do campo propõe uma ruptura com o
modelo de educação e sociedade atual, fazendo assim necessário romper com as
estruturas organizacionais e relações sociais, possibilitando a formação de uma
sociedade com sujeitos envolvidos dentro e fora do processo escolar. A Educação do
Campo não busca apenas mudança na estrutura organizacional escolar, mas sim além
dos muros para que possa romper paradigmas existentes na sociedade.
O Projeto Político Pedagógico da escola Ramez Tebet, como já mencionado, é
um projeto para educação urbana não tendo assim nenhum conhecimento específico
para trabalhar a realidade do campo, o que acaba dificultando o aprendizado desses
sujeitos.
A Educação do Campo vem em busca de uma formação do sujeito com
igualdade social, contribuindo assim para o avanço da autonomia, do trabalho, da
cultura e de seus direitos como sujeito social.
Desse modo o Projeto Político Pedagógico da escola do campo deve ser
elaborado em uma discussão coletiva levando em conta experiências educativas dos
movimentos sociais do campo, superando a dicotomia que há entre escola rural e
urbana. Buscando igualdade social respeitando as diversidades culturais existentes no
campo, de opção de vida, de desenvolvimento social, de cultura constituída
transformando assim em cidadão, sujeitos de direitos.
Por essa razão, o Projeto Político Pedagógico tem sua fundamentação teórica,
em que a coletividade, a cooperação, as relações sociais, o trabalho e a terra se
constituem valor e prática deste projeto político.
As Diretrizes Operacionais para as Escolas do Campo garantem a autonomia
para elaboração do Projeto Político Pedagógico (PPP) com especificidades aos
camponeses. Esta luta pela Educação do Campo é uma luta por políticas públicas que
comprometam o desenvolvimento da comunidade e dos sujeitos envolvidos com o PPP
das escolas do campo. A Educação do Campo pensa estratégias para o ensino-
aprendizagem além da escola, criando formas de envolver o educando, para que
aumente sua curiosidade e vontade de transformar a realidade em que está inserido, já
que é o principal sujeito da história, para isso se faz necessário ligar às teorias as
práticas buscando potencializar e qualificar o trabalho pedagógico da Educação do
Campo.
A Educação do Campo não é apenas uma política pública, nem apenas
necessidade do camponês, mas um sonho dos sujeitos que lutam para que se possibilite
uma educação coerente e coletiva no e do campo.
Ao olharmos a prática das escolas, observamos que o trabalho pedagógico
possui limites no planejamento das atividades com a realidade dos educandos, tornando-
se rotina, não envolvendo os educadores com problemas que não dizem respeito a si.
Assim cada um procura resolver os problemas de interesse pessoal, evidenciando desta
maneira o isolamento entre educadores e educandos, ou seja, a falta de articulação da
prática educativa.
Assim observamos que o PPP da Escola mencionada não vai ao encontro das
especificidades do sujeito do campo o que o deixa aquém de seus direitos de ter uma
educação que lhe possibilite ter vínculo com a terra, trabalho e cultura camponesa, já
que o mesmo precisa deslocar-se do local onde residem para a cidade todos os dias para
estudar. Freqüentando uma escola com peculiaridades urbanas, transformando assim a
rotina dessas crianças em uma dualidade entre campo e cidade, não o deixando ser nem
sujeitos urbanos nem do campo.
A ausência da proposta de educação do/no campo no município fica evidenciada
na medida em que a prefeitura fecha as escolas estabelecidas na área rural, obrigando os
pais a encaminharem seus filhos para as escolas urbanas. Este fato interfere no
aproveitamento da aprendizagem das crianças que são forçadas a deixarem suas casas às
4: 10 horas da manhã, percorrendo um longo trajeto em estradas precárias, muitas vezes
intransitáveis em época de chuva, para chegar à escola por volta das 6:10 horas. Sendo
que uma das principais reclamações destas crianças reside nas condições em que
chegam à escola: empoeiradas e cansadas.
O trajeto percorrido é realizado por uma empresa de ônibus administrada pela
prefeitura municipal. Fazendo um levantamento junto à empresa fomos informados que
existem quarenta linhas de ônibus as quais fazem trajetos distintos nas áreas rurais do
município para levarem as crianças para as escolas urbanas.
Em conversa realizada com a diretora da escola pesquisada fomos informados
que a escola foi criada para atender em sua maioria aos alunos da área rural e que cerca
de noventa por cento dos alunos que ali estudam são do campo. Ao questionarmos se
havia alguma discriminação desses alunos, ela nos relatou que ficam muito à vontade,
pois sabem que ali são do mesmo ambiente. Porém admitiu uma dificuldade existente
quando necessitam realizar alguma atividade além do horário de aula, pois os mesmos
não podem participar, pois os alunos devem estar disponíveis no horário determinado
para retornarem as suas residências, tiveram que adequar essas atividades em horário de
aula para que todos pudessem participar.
Em outro relato a diretora reconhece que os alunos do campo são muito assíduos
nas aulas, e que só faltam se houver ocorrido algo que não os permitam de verdade estar
na escola, como por exemplo, num dia chuva que os impeça de tomarem o ônibus ou
estarem doentes. Ainda segundo a diretora, os alunos do campo são muito dedicados,
mas revela que às vezes percebem que alguns se encontram cansados devido ao
deslocamento do campo até a cidade.
Fomos informados também que são oferecidos três lanches aos alunos já que os
mesmos saem muito cedo de casa e chegam muito tarde, então viram a necessidade de
dar um café na chegada dos alunos na escola, um lanche servido no intervalo e outro
após a saída enquanto esperam o ônibus para retornarem para suas residências já que
muitos chegam após as 13:00 horas em suas residências.
Podemos observar nas imagens (figuras 1 a 8) que a escola foi construída
recentemente para atender aos alunos do campo, porém sua estrutura não é adequada
aos filhos e filhas de camponeses, pois é uma escola com estrutura urbana, toda calçada
a qual não possibilita nenhum contato com a terra, e com a cultura do campo.
Figura 1: Vista frontal da escola. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Figura 2: Área reservada para o lanche e ao fundo a cozinha. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Figura 3: Bebedouro central. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Figura 4: Quadra de esportes. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Figura 5: Cantina da escola. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Figura 6: Sala de informática. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Figura 7: Acesso ao piso superior através de rampa. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Figura 8: Vista lateral da escola. Foto: Freitas, W. N. D., 2009.
Buscando informações junto ao poder público foi realizada entrevista com o
Urbano, responsável pela educação do campo no município. Questionou-se o que o
poder público fazia para implementar a educação do/no campo na região e obtive a
seguinte resposta:
“O município disponibiliza transporte de qualidade para transportar os alunos
que moram no campo para as escolas urbanas e procura fazer com que o transporte do
aluno não seja superior a duas horas o que é lei, disse também que o município possui a
maior e mais equipada escola do campo do Brasil denominada Monte Alto, e também
uma escola no distrito de Garcias a qual atende até o nono ano”.
Quando indagado se não ficaria mais viável implantar uma escola do campo para
não ser necessário o deslocamento respondeu que o município já teve aproximadamente
40 salas multiseriadas e que não era possível a manutenção das mesmas, disse também
que foi realizado um estudo para que o raio de abrangência de cada linha não fosse
superior a 50 km.
Questionado sobre o Projeto Político Pedagógico das escolas, disse que não
poderia responder com certeza, mas acreditava que não havia PPP específico para as
escolas do campo, pois estava sendo construído. Mas que na região não existe a
característica de assentamentos não sendo necessária uma política para fixar o sujeito na
terra como propõe o PPP da escola do campo, sugerido pelos movimentos sociais do
campo, sendo que a maioria são filhos de funcionários das grandes propriedades rurais.
Urbano relatou que os alunos do campo não ficam sem participar de nenhuma
atividade da escola urbana que possibilite sua inclusão na sociedade, participam de
projetos, comemorações e eventos promovidos pelas escolas.
Questionado a respeito do horário de aula expôs que a escola de Garcias possui
um horário diferenciado para atender esta população. Indagado sobre a inviabilidade da
manutenção de uma escola mais próxima para evitar o deslocamento de crianças a partir
das 4:20 da manhã, respondeu que existem adolescentes que também utilizam o
transporte escolar, sendo esses estudantes das escolas estaduais e que não haveria
possibilidade, já que teria que transportá-los para estarem na escola no horário
determinado e que infelizmente aqueles que estão mais distante teriam que sofrer com
este deslocamento.
Quando indagado a respeito da escola Ramez Tebet, apontou que os alunos
tinham todos os equipamentos como nas outras escolas e com a globalização não via
necessidade da escola estar no campo, já que, houve uma escola denominada Pontal do
Faia a qual teve que ser fechada por falta de alunos já que os mesmos ficavam
trabalhando com os pais ao invés de ir para escola.
Com essa entrevista constatou-se que o município está preocupado com a
estrutura física das escolas e não com o conteúdo ali ensinado, e que não estão
preocupados em fixar o homem no campo já que no município predomina o
agronegócio. Estão procurados cada vez mais com a homogeneização para maior
controle do órgão responsável, não se preocupando que existem crianças que precisam
acordam ainda no escuro para esperar que o ônibus escolar passe para terem direito a
educação.
A Educação do Campo não quer dizer que o sujeito deva permanecer
necessariamente no campo, mas que tenham os mesmos direitos dos sujeitos residentes
na área urbana, e não é necessário o fim do campo para a vida na cidade, já que existem
espaços diferentes para serem vividos e que devem ser respeitados.
A linha de ônibus escolhida para pesquisa foi a intitulada Alto do Sucuriú. Tem
como ponto de partida a região urbana da cidade saindo aproximadamente 3:20 horas da
manhã, pois a primeira criança a embarcar foi às 4:26 horas da manhã a qual já se
encontrava no ponto juntamente com seu pai, aguardando a chegada do ônibus.
Figura 1: Parte do percurso realizado pelo ônibus escolar.
Em perguntas realizadas com as crianças durante o trajeto até a escola pudemos
constatar em seus relatos que não têm noção do que é este deslocamento para elas.
Dizem gostar de vir para a cidade e algumas até mesmo trocariam sua vida no campo
pela cidade por ter mais coisa para fazer, mas o relato dos adolescentes é diferente. Elas
já afirmam gostar de morar no campo e dizem se cansar com o deslocamento diário. O
pai1 de uma das crianças que estava no ônibus nos relatou o descontentamento com
deslocamento do filho para a cidade para estudar, mas era o único jeito que tinha, pois o
filho precisa estudar. O mesmo pai nos relatou que havia uma escola denominada
Riviera próximo a sua residência e que acabou sendo fechada, obrigando aos alunos a
ter que percorrer este trajeto todos os dias, obriga-os a acordar muito cedo para estarem
na escola no horário determinado.
A pequena Gabriela2 de nove anos de idade foi questionada se prefere estudar no
campo ou na cidade e o motivo. A resposta foi objetiva: “Na cidade, porque é legal”.
Observamos que as crianças menores acham atrativos na cidade que não estão
habituadas encontrarem no campo, como foi relatado pela diretora da escola que um
simples passeio no parque para eles, aproveitam muito mais que os alunos urbanos por
não estarem habituados em seu cotidiano.
Vinicius3 de onze anos de idade ao ser questionado se trocaria sua vida no
campo pela vida na cidade e o motivo, respondeu: “Troco, porque lá é onde a gente
pode faze mais coisa”. Ao perguntar como é o relacionamento dele com as crianças da
escola onde estuda, respondeu: “É bom, nóis sempre fica brincando lá na escola”.
Ao levantarmos esta questão inicialmente ficamos surpresos com a resposta, mas
fomos esclarecidos por funcionários da escola mencionada que ali se sentem a vontade,
pois sabem que são em sua maioria alunos oriundos do mesmo espaço.
Ana Paula4 de treze anos de idade ao ser indagada se trocaria a vida do campo
por uma vida na cidade e o motivo, respondeu com convicção: “Não, ah porque eu
gosto daqui”.
Na resposta de Ana Paula podemos constatar o amor ao campo, à vida em que
leva e o descontentamento em ter de se deslocar diariamente para ter acesso à educação,
já que é a única forma de estar na escola, percebe-se a clareza de que faz isso por
necessidade não por opção, que se tivesse oportunidade permaneceria no campo.
1 O pai não quis se identificar. 2 Gabriela. Entrevista gravada no interior do transporte escolar durante o percurso. 3 Vinicius. Entrevista gravada no interior do transporte escolar durante o percurso. 4 Ana Paula. Entrevista gravada no interior do transporte escolar durante o percurso.
Igor de apenas oito anos de idade ao ser questionado se gosta de estudar na
cidade e o motivo respondeu: “Sim, porque dá mais educação pras crianças”. Quando
indagado se prefere viajar todos os dias para estudar ou prefere morar na cidade,
respondeu: “Eu prefiro viaja todo dia”. Ao lançar a questão se trocaria a vida no campo
pela vida na cidade e o motivo, respondeu de prontidão: “Não, porque aqui meu pai
ajuda nóis a anda de cavalo e nóis vai pro rio todo domingo”.
No relato acima podemos observar que o amor à terra, à cultura, às brincadeiras
que vivenciam no campo, são peculiaridades da rotina da criança do campo que não são
respeitadas quando são obrigados a acordarem cedo para ter acesso à educação, fazendo
da rotina das crianças uma dualidade campo/cidade o que não se faria necessário se
houvesse uma escola no/do campo para atender a esta população que mora no campo,
mas que não é permitido vivenciar a educação do campo com todas suas peculiaridades
existentes pela ausência de políticas públicas para atender esta necessidade.
O surpreendente foi notar que das seis crianças relatadas duas disseram que não
se cansam dessa jornada de viajar até a escola, mas é notável na fisionomia das crianças
os sinais de cansaço.
Pudemos observar ao longo do trajeto que algumas crianças entravam e iam à
busca de um pano existente no interior do ônibus para limparem seus assentos já que os
mesmo encontravam-se empoeirados por percorrer uma estrada de terra de cerca de 20
km, outros trazem em suas bolsas o pano para fazer a limpeza do assento. No percurso
também se observou que as crianças menores dormiam profundamente e que precisava
de um amigo acordá-la na chegada à escola, os primeiros alunos são deixados na escola
por volta de 6:15 horas da manhã, sendo que o último chega as 6:30 horas.
Este deslocamento favorece e estimula o desencontro na vida cotidiana destes
alunos, uma vez que vivenciam a realidade do campo no dia a dia da família e na escola
são educados para a vida urbana. Entendemos que os conteúdos ministrados durante as
aulas, para esses sujeitos dificultam seu aprendizado já que vivenciam esta dualidade
campo/cidade, e também estão cansados por terem acordado muito cedo para estarem na
escola no horário que se inicia a aula.
Ao realizarem-se as entrevistas constatou-se em sua maioria os pais são
funcionários das fazendas, não verificando nenhuma criança a qual o pai fosse
proprietário da terra, o que dificulta ainda mais a educação do campo já que o município
é de grande concentração fundiária, transformando assim uma luta árdua para estas
famílias, já que para o agronegócio é interessante não existirem os sujeitos do campo
consciente de seus direitos, que não lutem para ser cumprida a real função da terra, de
morada, reprodução da vida e não apenas de acúmulo de capital.
Considerações finais
A Educação do Campo é uma luta dos movimentos sociais do campo pelo direito
a uma educação que valorize a sua realidade cotidiana que também é uma luta contra o
agronegócio, modelo de agricultura que está muito presente nesta região, agricultura
esta que gera submissão, exploração e aumento da pobreza no campo.
Nesta pesquisa buscou-se ressaltar que a luta pela Educação do Campo não é
apenas uma luta isolada da educação, mas da sustentação de direitos adquiridos e
resistência de uma classe “incômoda” para permanecer em seu meio, conservando sua
cultura e suas peculiaridades.
Diante dos fatos e declarações presenciadas foi possível verificar que o poder
público municipal não se preocupa em fixar o homem no campo respeitando suas
peculiaridades. É econômica e politicamente viável trazer os estudantes até a escola
todos os dias a oferecer um ensino de qualidade e diversidade no meio em que vivem, o
qual possui garantido por lei federal.
Cabe ressaltar ainda, que embora esta escola tenha sido criada para atender aos
alunos do campo, não possui o Projeto Político Pedagógico diferenciado voltado a
atender as especificidades de uma educação consciente para o homem do campo, e
encontra-se também no perímetro urbano.
Com isso, acredita-se que a luta pela terra e a permanência nela com dignidade
no Estado de Mato Grosso do Sul é um caminho árduo a ser percorrido e está apenas em
seu início, mas alguns passos foram dados nesta luta e eles são irreversíveis.
Referências bibliográficas MACHADO, C. L. B.; CAMPOS, C. S. S.; PALUDO, C. (orgs). Teoria e prática da educação do campo: análises de experiências. Brasília: MDA, 2008. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes operacionais para a educação básica nas escolas do campo, Resolução CNE/CEB nº 1- 03/04/2002, Brasília. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. GRUPO PERMANENTE DE TRABALHO DE EDUCAÇÃO DO CAMPO. Referências para uma política nacional de educação do campo. Caderno de subsídios. 2. ed. Brasília, 2005. PEREIRA, J. H. do V., ALMEIDA, R. A. (orgs.). Educação no/do campo em Mato Grosso do Sul. Campo Grande, MS: Ed. UFMS, 2008. SECRETARIA ESTADUAL DE EDUCAÇÃO. Dispõe sobre o funcionamento da Educação Básica nas Escolas do Campo no sistema de Ensino de Mato Grosso do Sul, Deliberação CEE/MS nº 7111 de 16/10/2003, publicada em 11/11/2003 SECRETARIA NACIONAL DO MST. Princípios da Educação no MST. Caderno de Educação n°8. 3. ed. Janeiro de 1999.