Post on 21-Nov-2018
1
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
NEUROAPRENDIZAGEM NO TAPETE MÁGICO:
CONQUISTANDO AUTONOMIA COGNITIVA COM O
APRENDIZADO DA LÍNGUA ÁRABE
MARCELA CRISTINA LEMOS CORDEIRO
ORIENTADOR: Prof. Marta Relvas
Rio de Janeiro 2016
DOCUMENTO P
ROTEGID
O PELA
LEID
E DIR
EITO A
UTORAL
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
AVM – FACULDADE INTEGRADA
PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU
Apresentação de monografia à AVM Faculdade Integrada como requisito parcial para obtenção do grau de especialista em Neurociência Pedagógica Por: Marcela Cristina Lemos Cordeiro
NEUROAPRENDIZAGEM NO TAPETE MÁGICO:
CONQUISTANDO AUTONOMIA COGNITIVA COM
O APRENDIZADO DA LÍNGUA ÁRABE
Rio de Janeiro 2016
3
AGRADECIMENTOS
Meus agradecimentos a Allah, o altíssimo, que conduziu a luz dos meus
olhos aos oásis de valiosos escritos sedentos de serem lidos. A humanidade
está mergulhada no deserto da ignorância, facilmente iludida por miragens
provocadas pelo excesso de informações voláteis. Peregrinar em busca do
conhecimento é o imperativo dos seres humanos, pois a evolução é destino
inexorável.
Aos meus mestres: Marta Relvas, Fátima Alves, Vasco Amaral, André
Luiz Codea, Mônica Panasco, Sônia Reis e Adriana Miranda, que com seus
archotes de conhecimento e paciência, me conduziram nessa travessia,
À minha família, especialmente aos meus afilhados Matteo e Luma, que
garantiram a brisa reconfortante nos momentos de cansaço,
Aos meus alunos das escolas públicas. Eles são as flores mais belas destes
caminhos espinhosos, o colorido das paisagens íngremes e a esperança dos
mais lindos frutos nas paisagens agrestes da Educação brasileira, tão sofrida e
vilipendiada pelo descaso de séculos de políticas educacionais e sociais
desastrosas
4
DEDICATÓRIA
Aos sábios que buscaram seus caminhos de luz e deixaram suas pegadas, orientando as gerações seguintes.
5
RESUMO
O presente estudo surgiu com o projeto de ensino da língua árabe em
escolas públicas do município do Rio, promovido pela Fundação Qatar, em
2013, que fomenta pesquisas nas áreas educacionais e tecnológicas nos
Estados Unidos, Oriente Médio e na América Latina acompanhado de alguns
desafios.
O primeiro deles é que os estudantes escolhessem por vontade própria
estudar uma língua, à primeira vista, desconhecida e com sistema linguístico
totalmente diferente dos que já estão acostumados. Afinal, havia o espanhol,
que chama atenção pela proximidade com a língua portuguesa e o inglês,
amplamente presente na vida deles, principalmente em músicas, jogos e
filmes.
Era necessário também modificar o olhar que a sociedade como um
todo tem em relação ao aprendizado. Havia questionamentos, não só dos
estudantes, mas como também de colegas e educadores tais quais “Por que
aprender árabe? ”, “Qual a relevância de aprender uma língua tão diferente,
professora? Não vou sair da favela mesmo! ”, e quando não ouvia dos pais dos
alunos “Você não fala nem português direito...não vai inventar moda de
aprender Árabe! ”.
A indisciplina também se apresentava como grande desafio. Como lidar
com a dispersão em sala de aula, as conversas, as brigas, o sono por
estudarem o dia inteiro, os problemas familiares graves que trazem de seu
âmbito social e familiar?
Todos esses desafios foram de total importância para o
desenvolvimento desse estudo. Ao final do projeto da Fundação Catar, alguns
alunos observaram melhora em seus processos cognitivos de concentração.
Esses relatos e estudos introdutórios em Neurociências e plasticidade do
cérebro na Brigham Young University (Utah – Estados Unidos) fomentaram a
investigação dos processos que envolvem a concentração, assim como a
contribuição da Língua Árabe para o desenvolvimento do raciocínio dos alunos.
Palavras-chave: Neurociência cognitiva, Língua Árabe, Ensino Bilíngue,
Neurodidática.
6
METODOLOGIA
As referências utilizadas nesse trabalho serão de neurocientistas que
pesquisaram profundamente as vias neurocognitivas dos processos de ensino-
aprendizagem como Iván Izquierdo, Chabot, Marta Relvas, Stanislas Dehaene
e sua dialética com estudiosos da medicina filosófica medieval árabe, que
contribuíram e contribuem com seu legado científico para visão holística de
ciência e do ensino.
O público pesquisado são os alunos do Ensino Fundamental da Escola
Municipal Governador Carlos Lacerda, com faixa etária entre doze e quinze
anos.
Serão utilizados dois questionários, aplicados ao início; com o objetivo de
investigar os canais de aprendizado dos alunos, e ao final do curso; com a
coleta de informações sobre a impressão obtida do curso de árabe, para que
expressem se houve melhora habilidades cognitivas da atenção ou não.
Pretende-se observar também os processos de alfabetização dos alunos
utilizando metodologia neurodidática lúdica, com materiais criativos, jogos,
aulas no tapete e contação de histórias utilizando o imaginário das ‘Mil e uma
Noites’ e acompanhar os caminhos cognitivos observando os “erros” dos
alunos até que cheguem a resposta certa e possam observar a trilha que seus
sistemas neurais produziram até alcançarem a solução dos desafios propostos
em aula. A observação desta trilha associativa, fará com que o aluno conheça
melhor seus padrões de aprendizado e fornecerá subsídios para que o
professor possa trabalhar sobre esses caminhos e entender melhor os
processos das redes cognitivas dos alunos.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
Breve investigação da História das Neurociências no mundo árabe 10
CAPÍTULO II
A luz da ciência na Idade Média: a herança da medicina da Antiguidade
Clássica praticada pelos físicos árabe-islâmicos e seu legado para o
Renascimento 15
CAPÍTULO III
Projeto de Língua Árabe nas escolas do Rio de janeiro: desafios culturais de uma aprendizagem bilíngue 25
CAPÍTULO IV
Neuroaprendizagem no Tapete Mágico: suas etapas e observações sob as
luzes das Neurociências 37
CONCLUSÃO 52
CONSIDERAÇÕES FINAIS 55
BIBLIOGRAFIA 57
ÍNDICE 59
ANEXOS 61
8
INTRODUÇÃO
“Na realidade, a capacidade de
aprendizagem deve, acima de tudo, ser considerada
como uma evolução sofisticada do córtex. Em
alguns circuitos e em certos momentos, o organismo
ganha em deixar uma parte do seu sistema nervoso
adaptar-se aos limites do mundo exterior”. (Stanislas
Dehaene, “Os Neurônios da Leitura”,2005)
“Do not feel lonely. The entire universe is
inside you’’ (Jalal Uddin Rumi, “Masnavi-l-Ma’navi”)
Lançar-se a novas descobertas sempre foi a válvula propulsora de todas
as civilizações. A medida que as sociedades se tornam complexas, a
necessidade de investigar e trazer soluções para melhor qualidade de vida dos
seres torna-se imperativo do sucesso e aumento da qualidade de vida e das
relações com o homem e seu modus vivendi. No deserto, na metrópole ou nas
montanhas, as bases biológicas da evolução que impulsionam o corpo a
adaptar-se às adversidades são as mesmas, em busca da sobrevivência e
iluminação.
A fala do moderno neurocientista, especialista no estudo das unidades
neuronais mínimas responsáveis pela aquisição da leitura dialoga com o mais
famoso poeta muçulmano do século XII: a expansão das capacidades
adaptativas em relação as necessidades da evolução são processos do
sistema nervoso que através da plasticidade cerebral em sua morfologia, pode
ser a ponte para novos mundos e conhecimentos que permitem a expansão
interior.
O objetivo deste trabalho não se limita a investigar os processos
cognitivos envolvidos no aprendizado da Língua Árabe sob as luzes das
neurociências, mas também trilhar o caminho do meio e retirar os véus que
9
separam a sabedoria do eixo Oriente e Ocidente. O intento desde estudo é
produzir uma dialética entre neurocientistas e autores árabes cujo trabalho
constituiu base para a evolução das ciências, mas infelizmente são
completamente anônimos por políticas ideológicas que pautaram os alicerces
da cultura educacional brasileira com identidade imprópria e excessivamente
influenciada pela historiografia eurocêntrica.
Será investigada a ciência praticada na era medieval, com o olhar sobre
suas luzes e não sobre suas trevas como preconiza os livros que elencam os
bancos escolares da Educação Brasileira. Será apresentado breve estudo
sobre o fascinante e desconhecido mundo dos físicos árabe-islâmicos, que
contribuíram com seus métodos de observação, diagnóstico e tratamentos
para o ser integral (corpo e alma) e com a discussão e aperfeiçoamento dos
pioneiros da medicina grega, para a evolução das ciências que tanto ajudam o
progresso da humanidade.
Trazer as luzes esses tesouros das ciências e da literatura árabe é uma
tentativa de abrilhantar os processos educativos e iluminar caminhos trevosos
traçados pela ignorância que separa da percepção do outro, de outras culturas
que, à primeira vista parecem completamente diferentes. A ciência vem a
provar que, independente da origem cultural, o homo sapiens passou pelos
mesmos processos evolutivos que o privilegiaram com o neocórtex, permitindo-
o racionalizar suas ações e despertar elevados pensamentos e
comportamentos em relação ao próximo. A ciência é alvissareira porta-voz de
que sim, todos são iguais e não há razão para pensar-se em pseudo
superioridade ou olhar outras culturas com escárnio e desdém. Foram as
premissas do olhar afetivo e curioso em relação ao novo que permitiram
desenvolver a pesquisa sobre neurociência cognitiva no seio da educação
pública carioca e proporcionar aos alunos respirar a brisa de jasmins e
mistérios de um idioma cheio de encantos que orquestrou as ciências e
literatura de uma cultura rica e milenar, com muitas fontes de sabedoria para
dela bebermos e evoluirmos. É chegado o tempo de utilizar-se a razão e a
poesia de modo que estejam de mãos dadas, a serviço da construção dos
conceitos de tolerância e paz.
10
CAPÍTULO I
BREVE INVESTIGAÇÃO DA HISTÓRIA DAS
NEUROCIÊNCIAS NO MUNDO ÁRABE
Pesquisas na área de História das Neurociências descrevem o estudo
dos rudimentos das fontes do pensamento das Civilizações pré-históricas e da
Antiguidade Clássica. Investigações arqueológicas que revelam evidências das
indagações do homem sobre os mecanismos de pensar e sentir perpassam
cenários históricos de diversas culturas que já contribuíam cultural e
filosoficamente para o mundo atual desde a Era pré-Cristã: Índia,
Mesopotâmia, China, Antigo Egito e Grécia.
O objetivo deste capítulo é apresentar breve panorama sobre a
contribuição da cultura árabe nesta área de estudos, assim como investigar
como as questões da alma e do saber eram concebidas nas primeiras
revelações corânicas que tiveram seu início no século VI da Era Cristã.
As fontes de pesquisa que permearam a investigação das ciências no
âmbito das culturas da Antiguidade são documentos, evidências
paleontológicas, como o papiro de Edwin Smith, com a descrição da prática do
médico e sacerdote Imhotep no Antigo Egito; e a coleção literária de escritos
lendários da época, como a Ilíada de Homero que descrevia as batalhas da
Grécia Antiga em forma de poesia, fornecendo subsídios antropológicos do
olhar desses povos em relação a mente, o corpo e a alma.
Seguindo o parâmetro de pesquisas que buscam evidências em antigas
e relevantes produções literárias para a identidade cultural dos povos,
direciona-se a investigação deste tema no Alcorão, livro-ícone da Civilização
islâmica unida à análise filológica de alguns vocábulos da Língua Árabe, pois
todo o idioma reflete em sua estrutura o pensamento das sociedades do qual é
porta-voz e também das fontes históricas de relatos compilados sobre a vida
do profeta Muhammad (a sunna), que descreve o pano de fundo dos
costumes e tradições dos primeiros muçulmanos, seguida até hoje pelos
praticantes da religião islâmica em todo o mundo.
11
No alcorão, encontram-se passagens que reforçam a teoria
cardiocentrista compartilhada pela influência do pensamento grego nas
culturas de diversos povos da Antiguidade. Fenômenos inerentes às
faculdades perceptivas guiadas pela razão do “ver para crer” são atribuídos ao
coração, como descreve a passagem em que Ibrahim (Abraão) após ser
adormecido por cem anos e ter sido ressuscitado com a sensação de haver
dormindo por algumas horas, pediu a prova de Allah (Deus, em árabe) sobre o
seu poder soberano sobre a vida e a morte: “E não crês ainda? ” Abraão disse:
‘’sim, mas é para que meu coração se tranquilize’’. (Alcorão, al-bacara,
versículo 260, p.72)
Há ainda a relação do ato de discernir e interpretar como atitude
inerente ao coração, como mostra a passagem em que os primeiros
seguidores do Islamismo tentavam deturpar o significado dos versículos do
alcorão de acordo com suas conveniências:
“Ele é quem fez descer sobre Muhammad, o livro,
em que há versículos precisos: são eles o
fundamento do Livro; e outros ambíguos. Então,
quanto àqueles, em cujos corações há deslize, eles
seguem o que há de ambíguo neles em busca de
sedição e em busca de sua interpretação. Conforme
seus intentos. E ninguém sabe sua interpretação
senão Allah ...” (Alcorão, Al-imran, versículo 7, pág.
82)
Nos relatos das tradições dos primeiros judeus, cristãos e muçulmanos
encontram-se registros que atribuem a doença, a cura, a morte e a vida
altamente vinculados ao poder divino. As culturas orientais foram fortemente
marcadas pela credulidade nos ensinamentos dos profetas que marcaram a
época por englobarem diferentes esferas da vida. A passagem, a seguir, relata
uma situação em que o profeta Muhammad encontra-se enfermo e reproduz a
12
crença partilhada pelas culturas da Antiguidade, de que os espíritos poderiam
ser expurgados pelas feridas dos enfermos:
“Visitei o profeta quando ele estava com febre.
Disse-lhe: ó mensageiro de Deus, estás com febre
alta! Ele disse: ‘deveras! A intensidade da minha
febre é equivalente à de duas pessoas. Eu disse:
‘Isso é porque tens a recompensa em dobro! Ele
disse: ‘É isso aí’ e acrescentou mais: ‘Quando um
muçulmano se fere, por exemplo, com um espinho,
ou com menos que isso, Deus expia-lhe os pecados,
os quais saem dele como saem as folhas de uma
árvore”. (An-Nawawi, o Jardim dos virtuosos, trad.
Samir Elhayek, 2001, p.41)
Ainda de acordo com os relatos das tradições islâmicas, encontram-se
reflexões do profeta Muhammad sobre a distinção do bem e do mal e das
características do humor causados pela ambiguidade dos estados de espírito:
O que é lícito é claro, e o que é ilícito é claro. Entre
eles há algumas coisas ambíguas que as pessoas
não conhecem. Aquele que não evita as coisas
duvidosas cai em atividades ilícitas. O seu caso é
como o do pastor que pastoreia seu rebanho nas
vizinhanças de uma reserva exclusiva de pastagens,
mas está sempre apreensivo de que alguns dos
animais possa invadir a pastagem. Sabei também
que há no corpo humano, um pedaço de carne;
quando este está saudável, todo corpo fica
saudável, e quando está doente, todo o corpo fica
doente: é o coração. (p.168)
13
Federico Corriente, arabista e especialista em estudos filológicos da
Língua Árabe, apresenta o significado da raiz da palavra دماغ(dmagh) que
significa ‘cérebro’ e suas variantes em seu Diccionário Árabe – Español de
estudos etimológicos:
(Damagha) دمغ *
Dañar el cérebro. Vencer; refutar.
Destruir. Sellar, marcar, contrastar.
(Mudamagha & damigh) دميغ&مدمغ-
Lesionado en el cérebro
(Damigha)دامغة –
(Herida) que alcanza el cérebro.
Todo o idioma reflete em sua estrutura o pensamento das sociedades
do qual é porta-voz. Sem dúvida, se existe a descrição da ação danar o
cérebro sendo correlacionada com o ato de vencer e destruir, é para designar
ações frequentes desta natureza, principalmente em uma cultura marcada
historicamente por grandes guerras.
A palavra قلب (q’alb), que significa ‘coração’ em árabe, apresenta as
seguintes definições:
(Q’alb) لبق -
Conversión, cambio, corazón, centro, núcleo, mitad. Pensamiento;
sentido, esencia. Médula. Os sinônimos ‘núcleo’, ‘essência’, ‘pensamento’ e
‘medula’ apresentados neste estudo filológico como sinônimos da palavra
‘coração’ em árabe, corroboram a ideia de que a fonte cognitiva dos
pensamentos e sentidos, no período correspondente ao início das revelações
corânicas, no século VI da era cristã, era o coração. Este pensamento pode ter
14
sido adquirido pelas grandes correntes comerciais com impérios vizinhos,
como o Bizantino a oeste da Península Arábica que já possuía contato com a
cultura helênica, sendo a língua grega amplamente utilizada nas instituições
administrativas. Segundo o arabista e estudioso da Universidade de São
Paulo, Mamede Jarouch:
Talvez nenhuma cultura antiga ou medieval tenha
sido tão ‘democrática’, como a árabe-islâmica, na
medida em que se apropriou, sem preconceito e
com grande dose de admiração, da produção
intelectual de outros povos, em outras línguas e
tempos, e no âmbito de estruturas religiosas
inteiramente diversas. Assim, se de um lado, a
cultura sassânida foi um referencial importantíssimo,
também o foram a grega, a indiana, a bizantina, a
romana, a chinesa, a egípcia, a mesopotâmica, a
nabateia, entre outras; nada que fosse considerado
relevante era dispensado (O mundo falava
árabe,2012, p.11)
O compromisso com o saber incutido no inconsciente coletivo do povo
árabe impulsionou a grandes descobertas e estudos científicos de suma
importância para a humanidade sob a égide dos físicos, como demonstrará o
estudo do capítulo, a seguir
15
CAPÍTULO II
A LUZ DA CIÊNCIA NA IDADE MÉDIA: A HERANÇA DA MEDICINA DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA PRATICADA PELOS FÍSICOS ÁRABE-ISLÂMICOS E SEU LEGADO PARA O RENASCIMENTO
“Somos aquilo que recordamos e
também somos o que resolvemos esquecer. ” (Iván
Izquierdo, “Memória”)
“As pessoas talentosas do Islão nascem
no Andaluz, onde se elevam o sol e a lua da ciência,
terra de gênios. ” (Pinharanda Gomes, “A filosofia
Arábigo-Portuguesa”)
As memórias da Literatura Portuguesa evocam seu passado árabe com
um misto de saudosismo e estranhamento em relação aos oito séculos de
presença islâmica (séculos VII e XIV), na época em que Portugal e Espanha
constituíam um território único. Com o desenvolvimento das ciências
promovida pelos muçulmanos, em todas as suas vertentes, desde as áreas
filosófica, médica e farmacêutica até as navegações que propiciaram a
expansão territorial das culturas europeias que fizeram do mundo seu quintal
colonial; possibilitaram-se que chegasse às salas de aula, a historiografia
europeizada que descreve os famigerados “Descobrimentos”. O navegador
Pedro Álvares Cabral não teria chegado à terra brasilis sem os instrumentos de
estudo das constelações dos astrônomos árabes e sem o direcionamento dos
primeiros geógrafos e antropólogos da época, como Ibn Batuta e Ibn Khaldun.
A expulsão dos árabes, designados de forma peculiar pela designação de cor,
como “mouros” deu-se sobre plena tensão dos reis católicos Fernão de Aragão
e Isabel de Castela, movidos pelo desejo de extirpar oitocentos anos de legado
cultural e científico universal deixado por grandes sábios e cientistas
muçulmanos para a prevalência do pensamento católico, religião dominante
16
atualmente na Europa. O mais curioso é o fato do legado árabe-islâmico estar
eclipsado nos livros didáticos escolares brasileiros. Há uma lacuna histórica
entre os relatos dos domínios obscuros da Santa Inquisição e o salto direto
para o Renascimento. Izquierdo, em seu livro Memória relata como são
moldados fatos históricos sobre um prisma parcial em que só se guarda, conta-
se e reconta-se fatos convenientes no que denomina “A memória e suas
deformações”. A memória pessoal e coletiva descarta o trivial e, às vezes,
incorpora fatos irreais:
Vamos perdendo, ao longo dos anos, aquilo que não
interessa (...) O Brasil sente-se mais Brasil quando
se lembra do Samba; não nos pelourinhos e látegos
que castigavam os inventores do samba. A Espanha
sente-se mais Espanha quando lembra a gloriosa
Isabel em cujo reinado aconteceu a unificação do
país e a descoberta da América; não quando lembra
a Isabel inflexível que expulsou os mouros e os
judeus (p. 16)
Lembra-se do Iluminismo como grande Renascimento das ciências da
filosofia, verdadeiro marco da evolução do pensamento ocidental, mas há uma
amnésia coletiva quando se investiga que as traduções dos escritos de Platão,
Aristóteles do grego para o latim e os comentários das obras de Galeno e
Hipócrates vieram de mãos de sábios islâmicos, tratados de forma simplista e
pejorativa como “mouros”. De toda a campanha pela expulsão dos árabes e
das incursões da Igreja Católica no movimento das Cruzadas, originou-se um
pré-conceito arraigado que impede o saber das maravilhas dos médicos como
Ibn Zuhr, Ibn Rushd e Ibn Sina, além de outros físicos de vultuosa importância
para as luzes da ciência que iluminaram o mundo medieval.
A pesquisa sobre a atuação dos físicos e seu papel para a manutenção
da saúde da sociedade medieval no território ibérico de Al-Andalus não é tarefa
fácil. Muitos dos textos originais de escritos desses sábios se perderam com o
17
tempo ou foram destruídos com a advento da Reconquista dos Reis Católicos.
Há um grande, porém incompleto acervo de manuscritos em Árabe (a Língua
científica da época, como hoje o inglês e o francês), Latim e Hebraico na
Biblioteca Nacional de Paris, na Espanha e Itália voltados para pesquisadores
que tentam resgatar importantes memórias desta época. Devido à escassez de
estudos sobre o assunto nos meios acadêmicos, torna-se dificultoso, até
mesmo na democrática e vasta rede de conhecimentos on-line, encontrar
definições aparentemente simples como o significado da palavra “physician”,
vocábulo utilizado para designar eminentes pesquisadores da ciência medica
medieval. O máximo que se encontra em relação a semântica desta palavra
são definições modernas, ou seja, o “physician” ou “físico” é a pessoa que se
dedica aos estudos em Física.
Os estudos a seguir terão como base as investigações do médico e
historiador Henry Azar e sua obra “The Sage of Seville”, cuja a especialidade
são as traduções dos manuscritos da obra médica de Ibn Zuhr, conhecido
como o grande sábio de Sevilha, além de comentários sobre proeminentes
físicos da época. Após análise de suas minuciosas traduções e estudos, pode-
se entender com visão mais ampla o trabalho que desempenhavam os
denominados physicians e seu importante papel para a orientação médica de
sociedades medievais. Eram pessoas altamente versadas não somente no
conhecimento do corpo humano, dentro do que as descobertas da época
possibilitavam, como também possuíam excelência nos saberes ligados às
humanidades, como filosofia (falsafa), literatura (adab), teologia e
jurisprudência islâmica (fiqh). Além de prestarem serviços para os soberanos
(califas do península ibérica árabe-medieval), também escreviam obras que
alcançassem os cidadãos em geral como menciona o prólogo do segundo
tratado de medicina do físico Ibn Zuhr, conhecido com o nome ocidentalizado
Avenzoar, cujo legado será analisado de forma mais detida no próximo
subtítulo deste trabalho: “I would like to say a few words – without reduction or
redundancy – on medications which are easy to find and which are within the
reach of our citizens [...]”. (Azar, 2008)
Ibn Sina (conhecido com o nome ocidentalizado Avicena), físico persa
que fez importantes descobertas nas áreas médico-farmacológicas e
18
filosóficas, possuía um método curioso de tratamento para os cidadãos que
não sabiam ler: prescrevia suas receitas de forma rimada, como poesia e pedia
que o paciente recitasse durante o trajeto de volta para casa, para não
esquecer, assim como ministrava ensinamentos científicos utilizando a mesma
didática como demonstra o artigo baseado em manuscritos¹ de seu legado
médico, da Universidade de Al-Azhar, no Cairo, ‘The Role of Ibn Sina
(Avicenna)’s Medical Poem in the Trasmission of Medical Knowledge of
Medieval Europe,’ publicado pelo médico e historiador saudita Rabie El-Said
Abdel-Halim no site de publicações científicas Urology Annals explicando o
gênero Urjuzah, nome em árabe para designar poemas didáticos com
repetições silábicas que produzem musicalidade que facilita a lembrança dos
conteúdos médicos ministrados.
Os físicos possuíam método empirista, fazendo a observação do uso
das propriedades terapêuticas dos elementos da natureza, com base nas
teorias dos médicos da Antiguidade Clássica (muitas vezes contestando-os)
em suas experiências, seguindo inclusive a ética hipocrática. Eram
profissionais que mostravam a importância do papel da alimentação saudável e
como afeta os humores de uma forma geral.
A atuação dos físicos não deve ser confundida com a atuação dos
denominados “cirurgiões barbeiros” que atuavam no território inglês na Idade
Média, onde a influência árabe não chegou. Há relativa facilidade de pesquisar
a definição de suas incumbências, cuja descrição encontra-se desde fontes
populares da internet, até dicionários de edições antigas, a seguir:
Barbeiro-cirurgião era uma das profissões mais
comuns na área médica durante a que eram
geralmente incumbidos do tratamento de soldados
durante ou após batalhas. Nesta época, cirurgias em
geral não eram realizadas por médicos, mas por
barbeiros, que também faziam pequenas cirurgias
nos ferimentos dos camponeses e sangrias.
19
Comumente, os babeiros-cirurgiões fixavam
residência próxima a castelos, onde também
forneciam serviços para os abastados. (Wikipedia)
Ainda de acordo com a definição do Novo Dicionário de Língua
Portuguesa, de Candido de Figueiredo, em sua edição de 1913:
Barbeiro m. Aquelle que tem o off´ıcio de rapar ou
aparar a barba. Fig. Vento frio, que passa pela cara.
* Espécie de jogo popular. * Peixe marítimo e
ordin´ario, no Brasil. * Loc. ant. Barbeiro das
espadas, oficial que se empregava em açacalar e
guarnecer espadas e outras armas brancas. * Prov.
O mesmo que curandeiro. (p.255)
Além de fazerem dissecções e amputações a sangue frio, sem o mínimo
critério ou ciência, seus atendimentos eram acompanhados de shows de
mágica e também se ocupavam de fazer a barba de seus clientes, muito
diferente do ofício dos físicos, que examinavam, interpretavam a doença,
assim como sua causa e prognóstico para que fosse planejado o tratamento
necessário. O atendimento incluía medir o pulso, observar as anormalidades
no abdômen e identificação da dor pelo toque. Examinavam a urina, as fezes e
o escarro dos pacientes, além de perguntarem sobre possíveis antecedentes
da doença e os fatores responsáveis pelo seu agravamento.
Nos subcapítulos a seguir, serão apresentados breves estudos sobre
Ibn Zuhr e Ibn Sina expoentes da região de Al-Andalus (hoje, Portugal,
Espanha e Sul da Itália) e suas observações sobre a relevância da análise da
esfera psicossomática em seus diagnósticos, tratamentos e prevenções e suas
contribuições para as Neurociências.
20
2.1. IBN ZUHR (AVENZOAR), O SÁBIO DE SEVILHA:
“Et sic testificatum est a mirabili auenmarua
Abynzoar in libro suo, qui dicitur Theysir, quia iste
fuit supremus in scientia Medicinae a Galeno vsf; ad
mostra tempora. ” “O maravilhoso Ibn Zuhr alcançou
o grau supremo nas ciências médicas, desde
Galeno até os dias atuais. ”
(Bonacosa, apud Henry Azar, kitab Al-
Taysir)
O manuscrito original da principal obra do físico Ibn Zuhr, conhecido na
literatura ocidental como Avenzoar, inicia-se com a admiração declarada do
monge tradutor judeu Bonocosa, evidenciando que a superioridade das
pujantes descobertas científicas da época, em que as três religiões
monoteístas viviam em paz de convivência em toda a sua plenitude,
sobrepujava possíveis diferenças ideológicas.
Ibn Zuhr nasceu em Sevilha no ano de 1092 durante o fim do governo
de Al Mutamid e a consolidação do governo Almorávida. Recebeu sólida
educação islâmica e em Literatura Árabe. Os manuscritos da época relatam
que há uma anedota em que Ibn Zuhr utilizava um estratagema
inteligentemente utilizado para tratar o califa Abd Al Mumin com um cacho de
uvas, o que retrata este físico como um astuto e não-ortodoxo físico que
acreditava no poder da mente sobre o corpo. Ocorria que o soberano não
apreciava o gosto dos laxantes da época, com isso Ibn Zuhr disse que ele não
precisaria ingeri-los para tratar seus problemas de constipação. Ele
pessoalmente misturaria à água que irrigava as videiras do palácio com uma
porção do medicamento e depois as uvas, crescidas e maturadas, já adquiriam
as propriedades laxantes. Os relatos dizem que o efeito placebo funcionou
21
imediatamente e o soberano sentiu-se curado e agradecido pelo tratamento
dispensado pelo físico. (Azar, p.25)
O primeiro documento da obra “Kitab al-iqtisad” (o livro da moderação),
apresenta introdução médico-filosófica, com referências a Galeno e considera
duas vertentes na medicina, o tratamento e a prevenção das enfermidades,
sendo que a medicina se subdividia em duas áreas: a medicina do corpo e a
medicina da mente, sendo a segunda a mais importante. Entre as inúmeras
enfermidades estudadas, desde doenças da unha, escabiose, febres, lepra, há
o estudo dos dias críticos, com a menção do médico grego Hipócrates.
O conteúdo do livro demonstra que o jovem médico de Sevilha tinha
substancial conhecimento sobre as obras de Galeno. Acreditava-se que o
público alvo eram pessoas leigas por abordagens como a prescrição de
remédios contraceptivos e descrição de úlceras nas partes genitais e em
outras partes do corpo.
Há um caso relatado em um dos manuscritos que retratam a obra de Ibn
Zuhr a respeito do irmão de um nobre que apresentava os sintomas de
possível histeria ou neurastenia e o diagnóstico da causa da enfermidade foi o
consumo de carne putrefata pois “quanto mais o homem mantiver este tipo de
alimento contaminado em seu estômago, vapores maléficos poderiam
ascender ao seu cérebro” (Azar, p.47). Esta passagem apresenta diálogo com
as influências gregas das obras de Galeno e associa a influência do cérebro
sobre as reações psicossomáticas geradas pelo consumo inadequado de
alimentos. Segundo as obras desse físico, a carne vermelha não constituía
veneno apenas em estado de putrefação, como mencionado. O consumo em
excesso desse alimento é apontado como a causa do primeiro diagnóstico de
câncer de intestino em sua época. Hoje, modernos estudos da medicina
alopática, assim como a alternativa corroboram esta teoria.
22
2.2. IBN SINA (AVICENA), O PRÍNCIPE DOS MÉDICOS:
فظصحةبرءمرضمنسببفيجسمالطبح
عرض
‘A medicina é a preservação da saúde e cura
de disfunções que surgem afetando o corpo,
produzindo alterações’. (Ibn Sina, apud Rabie El-
Said Abdel-Halim “Urjuzza fi Al-Tibb”)
A introdução do capítulo mostra um trecho da Urjuzza, estilo poético
médico-didático inaugurado por Ibn Sina que propagou seus ensinamentos na
Idade Média.
Ibn Sina nasceu na Pérsia em 980 e eternizou suas obras universalistas
e científicas em língua árabe. Iniciou sua carreira aos dezoito anos, e já
possuía imenso cabedal de obras em filosofia e medicina, sendo o mais
famoso o Al Kanun fi Al-Tibb (Tratado de Medicina).
Suas obras são de cunho universalista, à medida que investiga a
existência da alma e observa fenômenos naturais utilizando a lógica, a
metafísica, psicologia e medicina como demonstra sua enciclopédia Al-chifa (o
livro ‘da cura’ da alma), obra de grande importância, traduzida do árabe para o
latim, e do latim para várias línguas.
Um dos pontos em que Ibn Sina vai além de Aristóteles é justamente
em seu estudo dos sentidos internos (sentindo comum, imaginação,
imaginativa, estimativa e memória): [...] Ibn Sina, não só desenvolve e explicita
o que se encontrava muito embrionariamente em Aristóteles, como recorre a
outras fontes (sobretudo da linhagem da medicina galênica) e fornece uma
localização dos órgãos de tais sentidos nas partes do cérebro. (Livro da alma,
p.7)
23
A passagem relatada a seguir, famosa na historiografia árabe, mostra
que o físico muçulmano já levava em consideração os estados
psicossomáticos do paciente, séculos antes dos modernos postulados da
psicanálise:
Quando Ibn Sina, o famoso médico e filósofo do
século XI, conhecido no Ocidente como Avicena, se
achava exilado em Jurjan, trouxeram-lhe um rapaz
atingido de um mal misterioso, que nenhum dos
médicos da localidade conseguia diagnosticar.
Examinando-o, Ibn Sina não encontrou nenhum
sinal de moléstia física, mas percebeu sintomas de
tensão nervosa.
Pediu a um dos membros da tribo que fosse citando
os nomes das localidades vizinhas e notou que, ao
ser mencionado o de determinada localidade, o
pulso do paciente sofria uma variação.
Ao serem nomeadas as famílias residentes nesse
povoado, a variação do pulso apareceu novamente
à menção de certa família. Finalmente, citadas
nominalmente as pessoas dessa família, Ibn Sina
percebeu que a variação do pulso se apresentava
forte ante ao nome de uma atraente moça dessa
família, pela qual o jovem estava evidentemente
apaixonado. (As mais belas páginas da literatura
árabe, p.58)
As enciclopédias de Avicena compuseram parte do currículo médico da
Europa até o final do século XVIII, período que precede o Iluminismo
(Azar,2008) demonstrando grande contribuição médico-filosófica deste sábio
para o pensamento ocidental, principalmente no que diz respeito às ciências, já
que inter-relacionava os órgãos dos sentidos e as sensações com o cérebro.
Além disso, observa-se o caráter multidisciplinar das ciências, em que
24
diferentes áreas do saber como matemática, lógica e filosofia são mencionadas
em sua obra, Kitab Al-chifah (o livro da alma) mostrando que os saberes
devem dialogar com a natureza humana, que é universal.
No século XIX, a influência do cartesianismo nas ciências resultou na
fragmentação dos saberes e hoje, sente-se a necessidade de unir diferentes
conhecimentos para o entendimento dos fenômenos que permeiam a
existência humana. Ibn Sina, percebendo a complexidade do ser, já abordava
assuntos que eram objeto de seus estudos com visão multidisciplinar.
25
CAPÍTULO III
PROJETO DE LÍNGUA ÁRABE NAS ESCOLAS
PÚBLICAS DO RIO DE JANEIRO: DESAFIOS
CULTURAIS DE UMA APRENDIZAGEM BILÍNGUE.
Pode o homem tornar-se culto pela cultura dos
outros; mas só se torna sábio pelas suas próprias
experiências. (Provérbio árabe, “As mais belas
páginas da Literatura Árabe”,1973)
Poderíamos acrescentar que a capacidade de
aprender e de ser inteligente está ligada ao prazer
que a conquista do conhecimento pode
proporcionar, principalmente quando este
conhecimento é produzido pelo próprio educando.
(Marta Relvas, “Neurociência na Prática
Pedagógica”, 2012)
A iniciativa da Fundação Qatar em oferecer gratuitamente o ensino da
Língua Árabe nas escolas da rede pública do Rio de janeiro constituiu grande
desafio para os professores escalados para esta missão. Muitas barreiras
deveriam ser transpassadas para que o projeto obtivesse êxito: a problemática
inerente ao cotidiano das escolas públicas, com seu modelo falho e arcaico e a
falta de disciplina e interesse dos alunos. Porém, nenhum desses problemas
juntos seria pior do que o preconceito arraigado no imaginário ocidental em
relação a cultura árabe. Para que o trabalho pudesse ser desempenhado de
forma séria e contínua, colocando em prática altos referenciais pedagógicos no
ensino de Línguas estrangeiras, fez-se necessário trabalho educativo não só
26
com os alunos, mas com seus pais, a direção e os colegas de trabalho que
fazem parte da rede pública, e que poderiam apoiar esta missão.
O trabalho realizado foi acompanhado de muito esforço e paciência
para a mudança de circuitos neurais que marcam conceitos negativos já
arraigados por séculos no imaginário ocidental, que originam, por sua vez, a
neurobiologia do preconceito. Após longa conversa com os alunos, colegas de
trabalho e pais de alunos, conseguiu-se mostrar o valor do trabalho a ser
realizado ressaltando-se, não só a importância do aprendizado de um novo
idioma como qualitativo para a vida profissional, mas também para o
desenvolvimento do raciocínio e das habilidades linguísticas dos alunos, além
da oportunidade de estarem em contato com outras culturas.
Desfeitas as hostilidades, surgiu outro desafio: a língua árabe não seria
matéria inserida no currículo regular dos alunos, mas seria matéria enquadrada
na categoria das disciplinas eletivas que representam a oportunidade de o
aluno entrar em contato com uma matéria extracurricular com a qual se
identificassem. Dentre elas contavam: maquiagem, jardinagem, dança de rua,
futebol, economia; matérias essas ministradas pelos professores já conhecidos
da escola, com a diferença de uma ou duas matérias, que constituíam projetos
de parcerias com o município. Se agigantava o desafio de conquistar alunos
que não conheciam o trabalho da equipe e muito menos o idioma que seria
ensinado, e contra o corpo docente da Fundação Catar pesavam séculos de
campanha midiática negativa em relação ao mundo árabe. Diante do quadro,
era necessária estratégia infalível para atrair os jovens. Cada professor
adotaria o método que melhor lhe conviesse para conquistar novos alunos.
Nas escolas, Embaixador Araujo Castro e Governador Carlos Lacerda,
foi contemplada a ideia de montar um workshop, tomando como base o enredo
da tão famosa saga Harry Potter, conhecida e amada pelos alunos da faixa
etária do ensino fundamental. A fantástica história da autora inglesa J.K
Rowling se passava em uma portentosa escola de magia, dividida em quatro
casas com suas características e simbologias próprias. Os alunos novatos
passariam pelo mágico “chapéu seletor” que os indicaria, de acordo com
características de personalidade à casa adequada. Pensando em
contextualizar o curso de árabe e dialogar com a preferência dos jovens, foram
27
seguidos os passos do enigmático filme: com a criação de símbolos (coração,
estrela, sol e um pássaro) recortados e impressos, seriam colocados no interior
de um vidro, cuja tampa também foi personalizada com um enfeite de feltro,
que imitava um chapéu.
Para cada um desses símbolos, havia características diferenciadas. A
descrição da casa cujo símbolo era o sol, dizia que seus participantes eram
alegres, sorridentes, desinibidos, enquanto os representantes que sorteassem
o símbolo da estrela eram tímidos, intelectuais e nasceram para brilhar.
Terminados os preparativos, o estande árabe ficou pronto. Depois que os
alunos chegaram, curiosos ao ver aquele chapéu familiar, sortearam o símbolo
da casa que lhes cabia e montavam, pouco a pouco seus times, enquanto a
professora escrevia o nome de cada um em árabe para despertar-lhes a
atenção e a curiosidade. O resultado foi inesperado: houve o registro de
interesse de mais de cento e vinte inscrições para a eletiva de árabe, um
número nunca visto em outras matérias. Depois desse episódio, nota-se a
importância de os educadores estarem sintonizados com a realidade da faixa
etária do grupo para o qual ensina.
Infelizmente, não havia espaço físico para acomodar os cento e vinte
alunos em sala ou tempo hábil para montar duas turmas diferentes durante a
semana. Com uma entrevista, foram selecionados vinte alunos, que para uma
disciplina como o árabe, em que a atenção aos mínimos detalhes da evolução
do aprendizado é importantíssima, já constitui número além do limite aceitável
para manter os parâmetros de qualidade.
Vencida a etapa de conquistar alunos para a eletiva, outro desafio se
encontrava à espreita do Projeto da Fundação. Deveria ser revista a didática
com a qual os professores do projeto já estavam acostumados, para que o
ensino da Língua fosse qualitativo e efetivo, que constituiu trabalho árduo para
os orientadores pedagógicos árabe-americanos, altamente especializados em
didática de ensino de línguas estrangeiras. No início, todos os professores do
projeto, sugestionados pelo pensamento, “mas eu aprendi assim” mostravam-
se relutantes às instruções. Gerou-se insegurança em relação a métodos
desconhecidos e pouco comuns a realidade brasileira de ensino de idiomas. As
principais questões eram “Por que não utilizar um livro didático? ”, “Qual a
28
necessidade de as aulas serem ministradas em árabe? ”, “Qual a real
necessidade das aulas serem gravadas e avaliadas? “, “Qual a necessidade de
submeter plano de aula para avaliação? ”.
A resposta a todos estes questionamentos fornece subsídios para
ressignificação das práticas inerentes ao processo de ensino-aprendizagem.
Em reuniões nas escolas para a escolha do livro didático ou até mesmo para
indicação de bibliografia adequada aos níveis de ensino, não se costuma ler o
prefácio. Ali estão todas as indicações dos objetivos do livro, da faixa etária e
público-alvo, direcionamentos didáticos, além de informar se a ênfase do livro,
no caso do ensino de idiomas, é instrumental (indicado para os alunos que
querem adquirir a habilidade da leitura, para textos científicos), ou um livro de
leitura e escrita (para o aluno interessado em redigir documentos no idioma) ou
se o objetivo é treinar a capacidade comunicativa interpessoal. Ainda há o fato
de que, o livro, muitas vezes, pode ser direcionado a determinado público-
falante de país específico. Nos bancos universitários, como o de Língua Árabe,
estuda-se em livros voltados para os falantes de francês. Por isso não havia
entendimento e identificação dos elementos culturais franceses apresentados
nas lições do livro por parte do corpo discente.
Por essas razões, não foi eleito um livro para ser trabalhado com os
alunos das escolas públicas do Rio de janeiro, pois não existia material
adequado para isso. Era necessária a criação de materiais adequados, com
falas em árabe aliadas ao contexto sócio cultural dos aprendentes cariocas,
para que pudessem criar elos cognitivos pertinentes a uma aprendizagem
significativa.
Sobre a indagação de falar o idioma ensinado na maior parte do tempo,
há importantes reflexões a serem feitas. Nos países de realidade bilíngue com
histórico de colonização em que suas línguas nativas não foram extintas, e
dois ou mais idiomas são utilizados no cotidiano, há o massivo contato do
aluno através de músicas, meios de comunicação e literatura em seu dia-a-dia.
Quando o idioma não está inserido no cotidiano ou divulgado massivamente
por mídias sociais, artísticas e jornalísticas, é imperativo que o professor,
instrutor ou educador ensine a matéria no idioma o qual ensina, para que os
alunos acostumem seu aparelho fonador e ajustem sua capacidade de
29
compreensão no idioma. Isso não implica sair falando qualquer coisa, e sim
através da linguagem corporal e escolha correta do vocabulário adequada ao
nível do aprendizado dos educandos.
Desde o início do projeto da Fundação Qatar nas escolas públicas do
Rio de Janeiro, a primeira exigência feita pelos mediadores em didática que
orientariam os professores do Programa, seria a filmagem das aulas, pedido
que causou choque no corpo docente de Língua Árabe. A primeira hipótese
aventada foi o fato de estarem nos Estados Unidos e não poderem atestar se o
programa acordado estaria sendo cumprido, o que provocou enorme
sentimento de insegurança na equipe. Além de enviadas as aulas em forma de
vídeos, havia encontro semanal na plataforma de conferência on line, para que
fossem relatadas as dificuldades, o andamento das aulas e do aprendizado
dos alunos, além de visitas periódicas ao Brasil de inspeção às escolas que
aderiram ao projeto e a avaliação do desempenho didático dos professores de
Árabe. Tamanho rigor provocou choque no corpo docente do município, assim
como na direção das escolas. Percebeu-se o quanto está arraigada a ideia no
inconsciente coletivo e cultural do ensino, de que o professor é detentor de
todo o conhecimento e não necessita de aperfeiçoamento e correções. Muitas
vezes, culpam-se os alunos pelo seu fracasso escolar, mas muitos
profissionais de Educação não estão abertos a rever e ressignificar sua prática
e cria-se o sentimento de verdadeiro pavor diante da ideia de que seus
trabalhos sejam testados ou avaliados, o que constitui grande incongruência.
Sabe-se da missão do educador em modificar o pensamento dos alunos para
que se tornem cidadãos melhores, de ser mediador da evolução de seus
conhecimentos e da consequente plasticidade cerebral dos dois lados, já que,
ao auxiliar a caminhada dos aprendentes, abrem-se novos clarões no percurso
do educador. Com toda essa experiência de auto avalição constante, conclui-
se que o melhor professor é aquele que se admite eterno aluno.
Buscar estratégias de ensino para que o aprendizado seja significativo
exige planejamento de aula. Há costume arraigado, no ensino público e
privado, do ensino infantil ao ensino médio, a seguir um livro didático. Abarcar
a complexidade dos canais de aprendizado dos alunos em sala, canais esses
diversos, não pode ser reduzido a atitude tão simplista que pode ser causadora
30
do grande desinteresse dos alunos em aprender e dar segmento aos seus
estudos. Há professores que ensinam da mesma maneira há mais de vinte
anos. O objetivo não é criticar, mas certamente a geração de hoje e de vinte
anos atrás não é mesma, o contexto histórico sofreu importantes mudanças e a
sociedade tem outras necessidades. Despir-se do simplismo e das velhas
vestimentas didáticas são passos essenciais para o aperfeiçoamento
pedagógico.
Planejar aulas mostra cuidado, estratégia e construção passo-a-passo
dos saberes para que se consolidem de forma segura. Há um mito em relação
ao ensino de idiomas que perde a sua força no momento em que se detém
mais atenção a este aspecto tão importante do ensino. Pensa-se que
professores nativos seriam mais competentes para o treinamento da
proficiência em língua estrangeira. Diante deste pensamento, cabe uma
reflexão: será que todos os falantes de Língua Portuguesa estariam habilitados
para lecionar este idioma? Ou será que anos de dedicação nos bancos das
universidades não servem de instrumento de melhora na atuação pedagógica?
É neste momento que o planejamento minucioso dos passos em sala de aula,
com a construção da aprendizagem adequada e correta aos níveis de
conhecimento dos alunos diferenciam os profissionais com a expertise
necessária para essa atuação. De forma geral, os professores e educadores
brasileiros não possuem o hábito de pensar ou planejar a sua prática para
buscar solução de melhoras no desempenho dos alunos.
É sabida a falta de tempo e correria de uma escola para outra, rotina
marcada por cansaços e muito desgaste físico e emocional. Porém, abrir mão
dessa reflexão e buscar outros caminhos constitui ponto nevrálgico do impacto
do ensino na vida escolar das estudantes.
A adaptação a todos esses processos não foi fácil. Mudar requer
transformações profundas e esforços hercúleos, mas faz parte da evolução
cognitiva e também é imperativo na arte de ensinar.
Os professores do projeto que estavam abertos às mudanças, tiveram
grande sucesso no projeto de Língua Árabe no município do Rio de janeiro.
Foram elaborados trabalhos ricos, linguística e culturalmente e os jovens
desenvolveram, de forma entusiasmada, as quatro habilidades comunicativas
31
neste idioma: escrita, fala, compreensão e leitura. Alguns dos professores não
conseguiram desenvolver bem seus trabalhos, não só pelos fatores
psicossociais desfavoráveis, como a interrupção das aulas devido a situações
de violência ou problemas familiares que impediam a continuidade dos alunos;
mas pela sua resistência em olhar a prática de ensino com novos olhos. Ouvia-
se muitas vezes os colegas dizendo que aprenderam assim e deu certo, então
não haveria a necessidade de “tanto trabalho” para mudar.
Este pensamento fez com que o projeto não vingasse em três das nove
escolas que estavam de portas abertas para a expansão do conhecimento de
mundo dos seus alunos, oportunidades perdidas pelo medo de lançar-se a
novos pensamentos e da negação em despir-se de práticas contrárias a
renovação do fazer didático.
3.1 - A LÍNGUA ÁRABE
Desde 1974, a Língua Árabe pertence ao grupo das Línguas Oficiais
das Nações Unidas e constitui Língua Oficial de mais de vinte e dois países,
além de ser considerada a língua sagrada através da qual o Alcorão, livro
sagrado dos muçulmanos, foi revelado. Pertence ao tronco linguístico das
Línguas semitas, assim como o hebraico e o aramaico. É alfabética, possui 28
letras e sua escrita é da direita para a esquerda. Há três vogais breves e três
vogais longas, com a ausência das letras “p”, “v”, “e” e “o” e presença de
muitas outras cujo ponto e modo de articulação são completamente diferentes
do alfabeto fonético das línguas ocidentais. Há cinco tipos diferenciados de
“erres”, sendo alguns deles glotais e guturais. A escrita é cursiva e grupos de
letras diferenciam-se uns dos outros por pontos em cima e abaixo da letra,
exigindo máxima atenção do aprendiz na leitura e escrita deste idioma. Há
sutilezas fonéticas determinantes para a comunicação adequada da língua. Se
houver a troca da tonicidade, pode-se mudar o significado da palavra “beleza”
jámal’). Como toda Língua semítica, possui em‘ , جمل(”por “camelo (’jamál‘ ,جمال)
suas raízes três letras radicais que direcionarão a semântica do vocábulo.
32
Estudos nas áreas lexicais e filológicas atestam a presença de mais de
quatro mil vocábulos de origem árabe na Língua Portuguesa, devido a oito
séculos de presença árabe em Portugal e Espanha. Os portugueses chegaram
ao Brasil, trazendo a herança lexical árabe, além de posteriores influências de
outras correntes migratórias, como atesta o arabista João Baptista Vargens:
“Convém registrar os arabismos que desembarcaram no Brasil com os
escravos muçulmanos, os malês, na virada do século XVIII para o XIX, e os
que chegaram com os imigrantes sírio-libaneses, a partir da metade do século
XIX”. (Léxico Português de Origem Árabe, p.27)
Apesar de desconhecidas, as influências árabes no léxico da Língua
Portuguesa fazem com que esta cultura esteja em nosso dia-a-dia de certa
forma através de palavras como “máscara”, “berinjela” e outras já trazidas para
a Língua Portuguesa com o artigo definido em árabe “al”: “almanaque”,
“alface”, “almirante”, dentre outras ligadas à medicina, doenças, partes do
corpo, flora, recursos naturais e química: “xarope’’ ( do árabe شراب, charáb,
‘bebida’), ‘’enxaqueca’’ ( do árabe, الشقيقة, achaquiqa, ‘metade’, ‘irmã uterina’;
‘chuva abundante’), ‘’elixir’’ (do árabe, األكسير, ‘al-aksir’, elixir, pedra
fundamental’), ‘’nuca’’ ( do árabe, نقرة,’nuqrat, ‘parte superior do pescoço’),
“algodão” ( do árabe , القطن ‘al-qutun’, algodão),”álcool” (do árabe, ‘الكحل’,
‘álcool’) e inúmeras mais utilizadas no Português Medieval. (Vargens, 2007).
Como todos os idiomas, o árabe também possui variantes. Assim como
o Português falado no Brasil não é o mesmo falado em Portugal ou em países
africanos Lusófonos, o árabe da Síria, Líbano e Egito e dos demais países
diferem em sua forma de falar, assim como utilizam vocabulários diferenciados.
O árabe clássico, utilizado amplamente em meios de comunicação,
programas de entretenimento e na linguagem literária confere unidade diante
dessa diversidade e, por esta razão é o ensinado em cursos e unidades
escolares em todas as partes do mundo, para que todos possam se comunicar
satisfatoriamente.
É interessante que os alunos tenham consciência e sensibilidade
mediante as variedades linguísticas. Portanto, trazer materiais interativos,
vídeos e revistas que retratem tamanha riqueza cultural são muito importantes.
33
Trazer a proximidade do vocabulário de origem árabe e seus vínculos
linguísticos já existentes na Língua Portuguesa, foi mais um ponto positivo
para despertar a curiosidade dos alunos durante as aulas e impulsioná-los a
reconhecer a influência dessa civilização na formação da identidade cultural
brasileira.
3.2. A DECODIFICAÇÃO DO ALFABETO ÁRABE SOB AS LUZES DAS
NEUROCIÊNCIAS: SERÃO NECESSÁRIOS DOIS CÉREBROS PARA
APRENDÊ-LA?
Há fatos comuns partilhados no ensino de Língua Árabe, em nível de
alfabetização, para todas as faixas etárias. Como idioma pertencente ao tronco
linguístico das línguas semíticas, é alfabética e escrita da direita para a
esquerda. O formato dessas letras é bastante diverso do alfabeto latino, motivo
pelo qual, estudantes provenientes de culturas ocidentais encontram
dificuldades, por associarem o formato das letras a desenhos.
No hemisfério cerebral esquerdo há a predominância de circuitos neurais
especializados nas funções cognitivas responsáveis pelas habilidades
linguísticas e lógicas. Dehaenne, em “Os Neurônios da Leitura” explana sobre
o processamento linguísticos de outros sistemas de escrita:
O que acontece em outros sistemas de
escrita? Sua variedade é tal que podemos esperar
uma extraordinária diversidade de ativações
cerebrais. Ora, não é nada disso. Em todas as
culturas, a despeito das formas de superfícies
variadas, as palavras escritas se inscrevem sempre
na mesma região cerebral, a região occipto-temporal
esquerda, com apenas diferenças mínimas ligadas à
forma e à estrutura interna dos caracteres (pág. 112)
34
Certamente o autor faz referência aos falantes nativos destas Línguas e
não aos que vivenciam o aprendizado linguístico dos mesmos, como segunda
Língua. Os comentários dos estudantes de faixas etárias diversas denunciam o
conflito de especialização hemisférica ao ensaiarem os primeiros traços:
“professora, nunca fui bom em desenho, por isso acho que não vou aprender
essa língua”, “escrever em árabe me faz pensar que estou desenhando, por
isso, fico relaxada”, dentre outros. De fato, aprendizes ocidentais visualizam a
língua árabe como um sistema de símbolos ou desenhos. Sabe-se que a
tendência natural do cérebro humano é ver uma figura e nomeá-la
automaticamente, o que dificulta sensivelmente que o aluno associe o grafema
árabe a um fonema.
Certa vez, tentando compreender onde residia a dificuldade de uma aluna,
que demorou mais do que os colegas da turma na aquisição e entendimento
das letras do alfabeto árabe, notou-se algo instigante. Ela estava fazendo
exercícios de caligrafia, aparentemente simples, pois a tarefa constituía em
reproduzir o desenho das letras. Neste momento, ela surpreendeu com o
comentário: “professora, por enquanto, só estou aqui desenhando”. Neste
momento, observou-se que, enquanto a aluna “desenhava”, mandava
mensagem equivocada para o cérebro. Quando se desenha, não há vínculo de
som ao desenho ou sua visualização como parte de uma unidade silábica,
lexical e muito menos, sintática. Percebendo-se que a atividade neuronal da
aluna se concentrava nas funções do hemisfério direito do cérebro, fez-se
necessária a recondução do diálogo: “pense que você não está desenhando,
mas sim escrevendo a letra س que equivale ao fonema “s” da Língua
Portuguesa, que pode ser unida a vogal ا, que equivale a nossa letra “a”.
Depois de ensiná-la a enviar a mensagem correta para o cérebro,
parece que, imediatamente, as funções cognitivas referentes a linguagem
foram ativadas desta aula em diante. O cérebro é duplo, e necessita receber
estímulos específicos. O hemisfério direito exalta a liberdade de aceitar
informações, sem preocupações analíticas. A atenção desliza com rapidez,
detendo-se diante de uma nova ideia apenas o tempo necessário
(Relvas,2009). Reiterada a necessidade do input correto, a estudante
35
apresentou considerável melhora na aquisição da leitura e escrita da Língua
Árabe.
Outra experiência em relação a alfabetização mostrou que, no processo de
apresentação das letras árabes, o melhor a se fazer é não as ensinar citando
os seus “nomes”, para que não haja confusão do nome da letra com o seu
som, pois na leitura, o aprendente a concebe como imagem e torna-se quase
‘irresistível’ atribuir uma denominação à figura. Seria o mesmo que falar o
nome a letra “Jota” na palavra: Jotaornal, ao invés de “Jornal”. Por isso, a
medida que os anos passaram, a melhor estratégia é mencionar o som
associado ao grafema, para que não haja controvérsias.
Dehaenne (2012), descreve o processo neuronal envolvido na
decodificação de imagens:
A imagem que emerge desses estudos do córtex
visual ventral é a de um mosaico de neurônios
individualmente muito seletivos, embora se
entremeiem para formar zonas com preferência
parcial. Certas regiões preferem as letras, outras os
números, os rostos, os objetos. Talvez não
devêssemos falar da região cortical dos rostos ou
das palavras, mas somente do pico de resposta às
palavras e aos rostos. Cada pico ocupa uma posição
reproduzível, mas sob sua sombra surgem outros
cumes menos proeminentes, mas também
importantes para a leitura. Cada categoria de
objetos desenha assim sobre a superfície do córtex
temporal uma paisagem complexa de colinas
verdes. (p.91)
Os estudantes, ao adquirirem os primeiros contatos com alfabetos diversos,
terão que reconhecer, processar as formas, associá-las a sons já conhecidos,
aprender sons com ponto e modo de articulação completamente diferente dos
36
já estabelecidos. Após todo esse complexo processo que certamente
provocará a coalizão de pelo menos algumas centenas de neurônios,
suscetível de influenciar, por seu turno, outras populações neurais
(Dehaenne,148), formarão sílabas, palavras, frases, até chegar a estrutura
sintática do idioma.
Não são necessários dois cérebros para aprender a Língua Árabe, como
indagou certa vez um aluno diante das dificuldades que fazem parte do
percurso de grandes aprendizados, mas é imperativo que haja determinação,
disciplina e vontade, até que suas estruturas estejam automatizadas a ponto
de soarem naturais no ato comunicativo. Como o aprendizado de qualquer
novo saber, demanda afetividade, paciência e perseverança.
37
CAPÍTULO IV
NEUROAPRENDIZAGEM NO TAPETE MÁGICO: SUAS ETAPAS
E OBSERVAÇÕES SOB AS LUZES DAS NEUROCIÊNCIAS
Active practices (practical disciplines),
by the fact that they are active practices, will
comprise three things: first, the knowledge of their
subjects; second, the knowledge of the goals to be
reached by these subjects; third, the knowledge of
the tools by which the goals can be reached in these
subjects. (Ibn Rushd, “Kullyat” apud Henry Azar)
O médico, filósofo e anatomista Ibn Rushd menciona de forma
visionária e atemporal, em sua obra Kullyat, os três passos para colocarem-se
em ação as disciplinas práticas com acuidade e cientificismo: a necessidade de
conhecer o objeto do qual se fala, o objetivo a ser alcançado e ter a ciência dos
instrumentos adequados através dos quais podem-se atingir as metas. Esses
passos exemplificam de forma a exata os caminhos para a elaboração
estratégica do assunto lecionado para o alcance de resultados eficazes para o
aprendizado dos educandos. Houve a tentativa de seguir esse viés na
composição deste trabalho.
Antes de entrar em detalhes sobre o projeto, deve-se mencionar a
demora enfrentada pelas questões burocráticas relativas à máquina pública,
resultando no atraso do tempo de experimentação. O fator amenizante é o fato
de já ter iniciado o ensino da Língua Árabe há três anos na rede municipal e já
observar e colher alguns dados importantes. Em 2015, alunos que participaram
do projeto com assiduidade, perceberam a melhora em sua concentração nas
outras matérias, com a opinião de estudantes de diferentes escolas
corroborando este fato. Com o término do projeto da Fundação Qatar na rede
38
pública do Rio de janeiro, houve apreensão e dúvida sobre a continuidade
deste estudo. Com a orientação do setor de projetos da Secretaria Municipal
de Educação, e sua permissão foi possível executar o projeto de ensino de
Língua Árabe com ênfase em Neurociências, na Escola Municipal Governador
Carlos Lacerda, lugar onde houve mais receptividade ao projeto nos anos
anteriores e cujos alunos possuem perfil de assiduidade, fator decisivo para a
observação do desenvolvimento da pesquisa.
O retorno do projeto em outro formato foi marcado por alguns desafios.
O primeiro deles era encaixar, pelo menos, em dois dias da semana depois do
horário regular, aulas com duração de uma hora e trinta minutos para que os
alunos pudessem ter maior contato com o idioma, fator auxiliar na
consolidação do conhecimento, e isso deveria ser acordado com os alunos, de
acordo com sua disponibilidade. Os alunos antigos desejavam ardentemente
voltar para o curso, mas também havia a fila de alunos novos, que, desde os
anos anteriores, tentavam entrar na aula de árabe, mas não conseguiam, por
falta de vagas e espaço físico. Resolvidas as questões dos dias e
disponibilidades, formaram-se duas turmas que dividiriam o mesmo espaço de
aprendizado: a turma de iniciantes e a turma de iniciados. Trabalhar com dois
grupos com diferentes níveis constitui grande desafio, porém com estratégia de
interação, pode funcionar de forma interessante. A ideia é que, além de
aprender conteúdos novos, os alunos antigos sejam monitores dos alunos
novos em atividades que envolvem os dois grupos.
A direção da escola, que muito apoiou o projeto, e trabalha
incessantemente em projetos internos para que os alunos sejam protagonistas
de sua própria história, foi crucial para o êxito obtido, já que os alunos já
trazem o espírito imbuído da importância do trabalho em conjunto.
Foram utilizados questionários com o objetivo de conhecer mais o
público e analisar dados como faixa etária, motivação para o aprendizado do
idioma e investigar o canal de aprendizado de cada aluno, para que melhor se
beneficiassem do curso. O questionário 1 foi distribuído para o grupo de
iniciantes e iniciados e apresentava as seguintes perguntas na primeira parte:
“Por que escolheu estudar árabe? ”, “Como avalia seu nível de atenção nas
aulas”, “Quais são suas expectativas ao iniciar o curso de árabe? ”.
39
Todos os alunos do grupo de iniciados, composto por oito alunos,
afirmaram continuar seus estudos por amarem o idioma e intencionarem
aprender mais do que já sabiam no ano anterior. Dentre outras razões
elencadas estão: interesse pela cultura, aperfeiçoar o currículo futuramente e
cantar músicas em árabe.
O grupo de iniciantes, composto por onze alunos, apresentou razões
variadas que motivaram a escolha pelo estudo da Língua árabe: a curiosidade,
“a língua parece interessante”, “aperfeiçoar o currículo”, “a professora é muito
simpática”, “por que é uma oportunidade rara” e “sempre achei a cultura desta
língua interessante”. Sobre a segunda pergunta que mencionava a auto
avaliação sobre o nível de atenção, doze do total de dezoito alunos,
classificaram seu grau de concentração com bom, dois como ótimo e quatro
como regular.
Sobre as expectativas em relação ao curso, houve unanimidade nas
respostas dos dezenove alunos: todos querem aprender mais sobre o idioma e
a cultura. Alguns mencionaram a vontade de se divertir, de entender músicas e
filmes no idioma. A seguir, serão expostos recursos didáticos facilitadores para
a alfabetização dos alunos em árabe e o aprendizado com dinâmicas, teatros,
música e jogos.
4.1 – ALFABETIZAÇÃO EM ÁRABE: SUA PRÁTICA E IMPACTOS
COGNITIVOS
A todos os alunos foram distribuídos cadernos para que pudessem
personalizar. Foi desaconselhado, para os dois grupos, o uso de borrachas.
Caso errassem, foi pedido que riscassem e escrevessem a palavra certa ao
lado e analisassem quais caminhos neurais o cérebro utilizou até chegar à
resposta certa. No início, não foi fácil, devido a cultura arraigada em conceber
o erro como algo vergonhoso. Com algumas semanas de prática, já
conseguiam naturalmente não fazer uso da borracha.
40
Para a alfabetização, após apresentados grupos específicos de letras do
alfabeto, que poderiam ser usadas em palavras simples e aplicadas nas
conversações iniciais, foi utilizado como material de apoio, blocos de madeira
com as letras do alfabeto árabe.
O alfabeto árabe possui algumas curiosidades, que se não forem bem
aplicadas e trabalhadas, podem assustar os alunos iniciantes: as vinte e oito
letras que o compõem tomam formas diferentes no início, meio e final da
palavra. Se o professor já inicia sua aula comentando esse detalhe, o aluno
mentalmente, vai multiplicar 28 x 3 e nunca mais voltará à aula. Por isso,
utilizou-se a explicação de que, as letras árabes, quando juntas, ficam um
pouco diferentes, pois precisam adaptar-se umas às outras. Foi utilizada a
metáfora, contextualizando o dia-a-dia dos estudantes, afinal, quando pegam o
brt ou o ônibus, não podem ficar à vontade, mas sim “espremidos” como a
apresentação das três letras iniciais que correspondem às vogais longas “a”, “i
e “u” e as consoantes que correspondem às letras “n” e “t”, respectivamente:
Letra no final da
palavra
“Saindo do brt”
Letra no meio
da palavra
“Entre as
pessoas no
brt”
Letra no
início da
palavra
“Entrando
no brt”
Letra isolada
“Esperando o brt”
correspondente) ا ـا ـا ـا
fonético da letra “a”,
com pronúncia
longa)
ي يـ ـيـ ـي
(correspondente
fonético da letra
“i”,com pronúncia longa)
41
و و ـو ـو
(correspondente
fonético da letra
“u”, com
pronúncia longa)
ن نـ ـنـ ـن
(correspondente
fonético da letra
“n”)
ت تـ ـتـ ـت
(correspondente
fonética do letra
“t”)
O prosseguimento da alfabetização, dá-se com a união das vogais de
duração longa:
Apresentada a união das consoantes com as vogais longas, inicia-se o
aprendizado das vogais curtas, representadas por sinais diacríticos e a
formação das primeiras sílabas de sonoridade curta. Nota-se que o “a” curto é
um sinal diacrítico acima da palavra, comparando- se em formato, a um acento
agudo em Língua Portuguesa, o “u” curto assemelha-se a uma “vírgula” e é
colocado acima das consoantes, e a letra “i” curta assemelha-se também, em
(u) و – (a) ا + (n) ن نا نو ني
(i) ي –
(u) و – (a) ا + (t) ت تا تو تي
(i) ي –
42
formato, ao acento agudo da Língua Portuguesa, mas é colocado abaixo das
consoantes, como ilustra o quadro, a seguir:
ن
ن ن
ت ت ت
Após ensinadas e contextualizadas as letras e seus formatos, era
lançado o desafio para que unissem as letras e depois fizessem a leitura:
ا+ن+ا=؟
؟ ا+ن+ت=
؟ ا+ن+ت=
Este desafio mostrou que os alunos conseguiam ler, da direita para
esquerda, facilmente a primeira palavra do desafio “ana” (cujo significado é
“eu”, primeira pessoa do singular), a segunda palavra “anta” (corresponde ao
“tu” ou “você”, utilizado para se referir a homens) e a terceira palavra “anti”
(corresponde ao “tu” ou “você”, utilizado para se referir a mulheres). A leitura
com êxito, entre gaguejos e pequenos silêncios, sinaliza a interferência de
especialização de hemisférios, já que os pontos acima e abaixo, assim como
os acentos causam confusão natural aos iniciantes, assim como a ativação da
ação do lobo occipital e a adaptação córtex visual, responsáveis pela
discriminação e percepção visual.
Na escrita, há frequente dificuldade da união das letras e suas ligações.
Visando diminuir esta dificuldade, as palavras colocadas no quadro como
desafios, deveriam ser escritas com a utilização dos blocos do alfabeto (que
contém as letras em todas as posições: inicial, medial e final) e os resultados
forem surpreendentes. Após montarem as palavras utilizando os blocos,
seguidos de um ditado, observou-se que os alunos não mais erravam a
localização dos pontos ou das ligações das letras na modalidade escrita. A
experiência do aprendizado com materiais que trabalham o conhecimento
concreto é significativa em qualquer idade, principalmente na aquisição de uma
43
língua em que o alfabeto é completamente diferente se comparado à Língua
materna do aprendiz.
Em árabe, o verbo “ser” e “estar” fica subentendido na frase. Se quero
me apresentar, digo simplesmente “Ana Marcela” (literalmente, “Eu Marcela”),
ou se quero perguntar “Você é Roberto? ”, diz- se “anta Roberto?”, que não
pode ser confundido com “anti” que é o “você”, utilizado para se referir a
mulheres, o que exige que o aluno planeje e pense a maneira mais adequada
para comunicar-se.
Com frases simples pode-se fazer, uma aula inaugural em que os
alunos trabalhem as quatro habilidades linguísticas: escrita, fala, compreensão
e leitura, fortalecendo a memória visual e auditiva. Assim é feita a alfabetização
de forma sistemática, até que os alunos tenham o domínio das vinte e oito
letras do alfabeto e possam adquirir noções gramaticais mais complexas,
sempre com a utilização de materiais que estimulem todas as possibilidades
linguísticas e que o aluno possa se sentir capaz de comunicar-se de forma
efetiva e segura no idioma.
A utilização de desafios para que os alunos planejem a melhor solução
para leitura, escrita e fala e para resoluções da melhor maneira de estabelecer
a comunicação, constitui oportunidade para estimularmos as habilidades
cognitivas do córtex pré-frontal que será potencializada se contextualizarmos o
ensino para que seja significativo e forme arquivos para as memórias de longo
prazo nas estruturas hipocampais. Um ensino de Língua estrangeira deve
viabilizar o treinamento das quatro habilidades linguísticas de uma só vez para
que a aprendizagem seja automatizada e torne-se instrumento que viabilize a
interação de forma fluida e natural.
4.2 – NEURODIDÁTICA E SUA APLICAÇÃO AO ENSINO DE LÍNGUAS
ESTRANGEIRAS
Para melhor aplicar os recursos didáticos e para que o aprendizado seja
efetivo, é necessário que o educador reconheça que cada aluno é um mundo
de possibilidades e todos possuem diferentes canais de aprendizado. Com o
objetivo de melhor aplicar as atividades, foi colocada, na última parte do
44
questionário a questão: “Você aprende melhor”, com as opções de
aprendizado que deveriam ser preenchidas de acordo com o perfil de cada
aluno. Muitos estranharam esse item, pois nunca haviam se questionado sobre
a melhor maneira que aprendiam um assunto. Muitos levaram algum tempo
para marcar as opções que melhor se aplicavam. Após responderem, obteve-
se o seguinte resultado:
Lendo livros e artigos sobre a matéria 5
Escrevendo enquanto estuda ou ouve a aula, ou copia muitas vezes o
assunto
5
Ouvindo a explicação sobre a matéria 14
Assistindo a vídeos e documentários sobre a matéria 4
Falando sobre a matéria 11
Ainda na opção “outros” apareceram sugestões como: dinâmicas
criativas sobre o assunto, aula dinâmica, aulas interativas e debates. Treze dos
dezenove alunos marcaram mais de duas opções e sete alunos marcaram uma
opção.
Diante deste diagnóstico, entende-se a necessidade de diversificar as
atividades, para que os alunos possam depreender e melhor integrar aos seus
canais cognitivos o assunto aprendido.
De acordo com Relvas (2012), o humano tornou-se um “sujeito
cerebral”. É o estudante que argumenta, questiona e que tem autonomia em
aprender. O papel do professor é provocar desafios, promover ações reflexivas
e permitir o diálogo entre emoções e afetos em um corpo orgânico que é o
“palco” das emoções.
Para isso, foram utilizadas aulas de cunho lúdico que trouxessem às
percepções sensoriais dos alunos o imaginário árabe. Muitas vezes, o
mobiliário cartesiano e tradicional das salas de aula foi substituído por tapetes,
onde os alunos, com a simples oportunidade de se livrarem de seus sapatos,
pisavam no chão, sentavam-se e relaxavam ao som de canções com
melodiosos arabescos. Alguns alunos dançavam, outros, apenas relaxavam de
45
um dia repleto de atividades. Em 2015, foi utilizado o imaginário contido nas
obras do livro da saga Harry Potter onde coexistiam em sala de aula quatro
‘casas’ ou grupos, cada qual com seu símbolo e representações. Em 2016, o
projeto de Língua Árabe ganhou viés neurocognitivo, e por consenso dos
alunos, houve o acordo em unificar as quatro casas em uma só, denominada
por eles mesmos de ‘A casa da Sabedoria’ (بيتالحكمة – bait al-hikma) mesmo
nome da casa de estudos médico-filosóficos dos físicos árabes, em Bagdá, na
Idade Média.
Além dos meios didáticos diversificados, com a utilização de músicas,
debates sobre o assuntos aprendidos, curiosidades e atividades linguísticas,
há o incentivo ao compromisso, a execução de tarefas com regras bem claras
e ao aperfeiçoamento da disciplina em sala de aula. Foi colocado na parede,
em uma folha de EVA, o desenho de um grande cérebro, com desenhos de
lâmpadas em todos os lobos que o constituem. A cada dia em que, tanto o
grupo antigo quanto o grupo novo cumprem as atividades, uma lâmpada é
iluminada com uma caneta marca-texto, como recompensa. Os alunos,
carinhosamente, nomearam o marcador de “lamparinas do juízo”, que deu
grande resultado, principalmente nos quesitos que motivam a disciplina,
organização da sala e conduta apropriada em sala de aula.
Segundo Pereira (2014), a dopamina constitui principal componente do
nosso sistema cerebral de recompensa. Este é ativado sempre que fazemos
algo que nos dá prazer. Quando tal atividade prazerosa é realizada, o cérebro
é informado que pode ser repetida, pois existe prazer no que se está
realizando.
Sabe-se que, por muitos anos, perdurou no ensino de idiomas, métodos
mecanicistas que visavam principalmente a memorização de lista de
vocabulários (ALM method), sem que o aluno pudesse utilizar esse
conhecimento automatizado em situações práticas da vida diária (Shrum &
Glisan,2010). Esses métodos influenciados por teorias cognitivistas sobre a
existência de uma gramática inata, elencou o cenário de ensino de idiomas nos
Estados Unidos nas décadas de 60 e 70 e influenciaram amplamente o ensino
de idiomas na cultura brasileira. A evolução dos métodos de ensino de línguas
estrangeiras preconiza o aprendizado significativo para a apreensão das
46
estruturas gramaticais e sua automação em situações que o aprendiz possa se
expressar de forma espontânea. Por isso é imperativo a revisão de atividades
e materiais didáticos utilizados em sala de aula, que se resumem apenas a
listas e repetição, que não fazem ligação com a memória de longo prazo,
responsável por arquivar os saberes.
São necessárias muito mais do que sinapses elétricas relampejando no
córtex pré-frontal iluminando a volátil memória de trabalho. Para um
aprendizado efetivo, necessita-se das sinapses químicas através de práticas
que resignifiquem o saber e onde os alunos possam reconhecer-se e levarem
aquele conhecimento para a sua vida diária. Isso implica a escolher materiais
lúdicos e adequados para trabalhar em sala de aula.
A escolha de quadrinhos no idioma ensinado e livros infantis, que
apresentem frases não muito complexas sintaticamente, mas de grande efeito
comunicativo são maiores estimuladores de criatividade e alegria. Certa vez,
foi trabalhado em sala o livro cujo a tradução para o português é “A
princesinha”, personagem famoso em desenhos da atualidade. A personagem
principal é muito geniosa e possui falas com tiradas interessantes. Ao
apresentar o livro para os alunos iniciados, do grupo antigo e desafiá-los para
que trabalhassem o vocabulário, a pronúncia e a dramatização do livro, pode-
se notar a alegria nos olhos deles por conseguirem se engajar na atividade e
trabalharem em grupo. Os sorrisos e gargalhadas denunciavam a satisfação
cognitiva e a elevação da autoestima: “eu li um livro todo em árabe! ”. O mais
curioso é perceber que utilizam as expressões do livro em seu cotidiano e
atestar as sinapses químicas entre os neurônios com aprendizagem
contextualizada e significativa.
47
4.3 LÍNGUA ÁRABE E O APERFEIÇOAMENTO DA CONCENTRAÇÃO E
FOCO: SUBSÍDIOS
NEUROCIENTÍFICOS
Any man could he were so inclined, be the sculptor
of his own brain.
(Santiago Ramón y Cajal, “Advice for a Young
investigator”, 1987, p 15)
A meta do amor é voar até o firmamento do intelecto
e desvendar as leis do mundo (…)
(Rumi, “As mais belas páginas da Literatura Árabe”)
O Programa de Língua Árabe na Escola Municipal Governador Carlos
Lacerda, foi recebido pelos alunos que tiveram a oportunidade de participar do
projeto da Fundação Qatar nos anos anteriores com imensa alegria. As
demonstrações de afeto com abraços coletivos, lágrimas, carinho fizeram com
que ser pudesse percebido o valor do afeto no aprendizado. Na palavra
“emoção”, há o termo “moção”, que possui a mesma raiz da palavra “motor”
(Chabot,2005). Os estudantes são movidos pelo o que os emociona e os
marcam de forma positiva e os motivam a dar sequência ao aperfeiçoamento e
mestria.
Todo esse movimento em relação a um idioma socialmente
estigmatizado como diferente e representante de uma cultura ainda encoberta
pelos véus da ignorância e incompreensão ocidental, foi recebido pelos
professores da instituição com estranhamento. Por que os alunos se dedicam a
esta Língua e, muitas vezes, consideram línguas como o espanhol, mais
difíceis do que o árabe? Essas indagações suscitam a reflexões importantes.
Sabe-se como é fácil aprender ou evocar algo quando se está alerta e de bom
ânimo; e como fica difícil aprender qualquer coisa ou até lembrar o nome de
48
uma pessoa ou de uma canção quando em estado de cansaço, depressão ou
muito estresse (Izquierdo, 2002). O sistema de ensino brasileiro, além de não
validar o contexto psicossocial dos alunos, preconiza a relação de medo no
processo de ensino-aprendizagem. A relação de autoridade e imposição levam
à confusão da dicotomia medo versus respeito. Surgem indagações sobre as
relações dos alunos no que diz respeito às aulas e avaliações e o inconsciente
impregnado da ideia de que provas e testes são ameaçadores quando deviam
ser instrumento de auto avaliação para conhecerem seu nível em relação ao
conteúdo e, através deste parâmetro, planejarem os próximos passos de
aperfeiçoamento. Ainda de acordo com Chabot:
“Diversas pesquisas já puderam demonstrar que as
emoções afetam negativamente o tratamento das
informações em nossa memória de trabalho.
Descobriu-se, sobretudo, que o cortisol liberado em
situações de stress era capaz de intervir no
funcionamento desta memória. Os sujeitos que
apresentaram uma taxa alta de cortisol foram menos
competentes para completar exercícios aritméticos
que aqueles com uma taxa menor da substância.
Outros trabalhos mostraram que a pressão
ocasionada pelo tempo afetava consideravelmente o
bom desempenho em aritmética. Descobriu-se
também que os indivíduos que apresentam uma
fobia pelas matemáticas possuíam, todos, uma
deficiência na capacidade de inibir aquilo que pode
distrair sua atenção. Essa deficiência dos
mecanismos de inibição conduz a um alto consumo
dos recursos da memória de trabalho por toda
espécie de estímulos exteriores à tarefa a ser
cumprida”. (p.78)
49
O sucesso da língua árabe foi construído pela liberação de ocitocina,
serotonina e dopamina, traduzidos em confiança, compreensão, afeto e bem-
estar. Isso movia os alunos a irem às aulas, que ocorrem depois do horário
regular, após um dia cansativo e repleto de atividades. Vale ressaltar que, a
motivação dos alunos deve ser despertada por ambiente que contenha
estímulos e utilização da neurodidática, com jogos que desafiem sua
capacidade de raciocínio e espírito de tarefas em grupo. Observou-se que
estavam mais engajados e imbuídos do espírito de perseverança e isso foi
claramente notado, pois, mesmo com a demora do retorno do projeto à escola,
devido a questões burocráticas da rede municipal, foi relatado pela diretora,
que os alunos do grupo de iniciados perguntavam todos os dias pelo retorno
das aulas de árabe.
Muitos moram em lugares distantes e se sentiam tristes se, por alguma
intercorrência, não pudessem comparecer. O que mais despertou a
curiosidade de pessoas ligadas ou não à educação, é o fato de relatarem que
muito mais do que aprenderem um idioma novo e mergulharem em uma
cultura diferente, também melhoraram a concentração em outras matérias.
O sistema de ensino-cortisol que retrata a realidade escolar reflete
também no desempenho do aprendizado de idiomas. A Língua Inglesa, por
exemplo, em sua estrutura gramatical, é muito mais simples do que a Língua
Portuguesa, que, como boa remanescente da Língua Latina, possui doze
tempos verbais e mais exceções do que regras em sua complexa estrutura.
Porém, encontra-se público com sensação de serem eternos iniciantes em
cursos de idiomas, que conhecem a gramática da Língua mas não conseguem
verbaliza-la por medo (cortisol) arraigado de cometer erros. Essa relação de
vergonha do errar quando só através do erro chega-se ao acerto, provoca
situações em que os aprendizes travam literalmente, por não se sentirem
protagonistas do seu aprendizado e esse comportamento eivado de
passividade e pavor do fracasso, confirma que o cérebro emocional tem
grande domínio sobre o cérebro racional. Os processos cognitivos que
envolvem a atenção e as memórias de trabalho e permanentes são
influenciados pelos neurotransmissores que geram a sensação de medo e
deixam o corpo em alerta e todos esses processos envolvem a amígdala,
50
reguladora de intensas emoções, muitas vezes, negativas que implicam a
evasão escolar e descontinuidade do processo de aprendizado dos alunos.
Desde o início da vida, aprende-se a andar e esse processo envolve
muitas quedas, tentativas de equilíbrio afim de conquistar habilidade natural e
motora inerente ao ser humano. A habilidade de pensar, de construir novos
saberes não constitui processo diferente. Precisa-se errar para logo depois,
acertar e adquirir o conhecimento até que ele esteja automatizado e registrado
em estruturas hipocampais.
Um ensino baseado no medo de errar, não pode ter sucesso. As
sensações de culpa e de vergonha não são algo inato. São sentimentos
aprendidos em função de uma associação que estabelecida entre as mais
diversas situações e suas consequências. Todas as emoções secundárias e
sociais são adquiridas por meio de aprendizado e são constituídas a partir das
emoções primárias (Chabot, p.54). Educadores, professores, instrutores e
mediadores devem olhar o erro como um degrau para que os alunos possam
avistar e planejar os próximos passos de sua evolução escolar.
Ainda de acordo com Chabot: a noradrenalina é um neurotransmissor
que tem por papel modular a atenção e o aprendizado e facilitar os sinais de
recompensa, Alguém com frágil funcionamento dos neurônios da noradrenalina
tenderá a adotar um comportamento compensatório, buscando ainda mais a
atenção dos outros e apoiar-se em laços afetivos. (p.247). Trabalhou-se neste
projeto com muitos alunos que possuíam estes mesmos traços de
personalidade. Com isso, era necessário elevar a autoestima, com elogios por
seus esforços, mesmo que não tivessem completado todas as tarefas do dia. É
inacreditável a transformação na vida escolar de um aluno provocada pelo
elogio à valorização de seus esforços. O resultado é que se esforçam mais
para obterem resultados ainda melhores.
Além dos fatores que o cérebro emocional desempenha no aprendizado,
há fatores neurolinguísticos preponderantes que relacionam o aprendizado
com a melhora no déficit de atenção.
Instituições americanas que se dedicam ao desenvolvimento
educacional infantil como a Bezos Family Foundation em parceria com Institute
of Learning e Brain Science divulgaram vídeo interativo² demonstrando as
51
diferenças morfológicas de um cérebro bilíngue comparado a um cérebro que
não foi exposto ao aprendizado de outros idiomas. O primeiro apresenta o
reforço potencial do córtex pré-frontal dorsolateral, além de maior densidade de
massa cinzenta e aumento do tamanho do corpo caloso. Todas essas
modificações corticais influenciam na melhora das funções executivas de
concentração, resolução de problemas e alternância de tarefas. Isso se aplica
ao aprendizado de qualquer outro idioma diferente da língua materna de
origem.
De acordo com Fonseca (2014), o déficit de atenção é hoje
consensualmente diagnosticado como uma desordem das estruturas corticais
frontais, com prejuízos das funções executivas, dificuldades de aprendizagem
não-verbais e problemas de memória de trabalho, além de anomalias
neurológicas no lobo frontal, gânglios de base, cingulado anterior, corpo caloso
e cerebelo.
O aprendizado da Língua Árabe demanda natural esforço na
decodificação de seu alfabeto diferente, provocando esforço interativo entre os
hemisférios cerebrais, com o estímulo das noções espaciais, através de suas
letras diferenciando-se por pontos acima e abaixo, seus acentos breves ora
acima, ora abaixo das consoantes e sua escrita da direita para esquerda. Essa
interação é mediada pelo corpo caloso, importante estrutura mencionada como
participante dos mecanismos das funções executivas da atenção, assim como
a estrutura cortical pré-frontal que proporciona o planejamento sobre a melhor
forma de estabelecermos comunicação, após o processamento cerebral de
troca de idiomas. Conclui-se, a importância do aprendizado de outros idiomas,
não só para ampliar o conhecimento de diferentes universos e culturas, como
também ativar o cérebro com aprendizado saudável.
52
CONCLUSÃO
De acordo com os breves estudos propostos na primeira parte deste
trabalho, dedicado a relatar a história das Neurociências no mundo árabe,
(especificamente, península arábica), observou-se que as antigas sociedades
do Oriente, no início das eras cristã e islâmica, pautavam-se na fé, agente
modelador da vida cotidiana que fornecia o sentimento de conforto diante das
adversidades produzidas por cenários de guerra, que gerava a fome e as
doenças. Diante deste cenário agreste, não havia como impulsionar estudos
investigativos pautados no intelecto já que a sobrevivência era imperativa.
Até chegar a humanidade o conhecimento da unidade mínima do
funcionamento do sistema nervoso, estudos esses, alavancados a partir do
Iluminismo, muitos conflitos ideológicos perpassaram o cenário histórico das
ciências. A medida que as sociedades se tornam mais complexas e mais
habitadas, surge a necessidade de estudos que impulsionem o progresso das
ciências para sustentar a longevidade e entendimento de enfermidades que
acometem as civilizações.
Culturas da Antiguidade clássica, que estavam em seu auge, sob o
domínio do Império Romano, mostravam-se inclinadas a desvendar os
mistérios do corpo e da mente, com a contribuição dos filósofos e médicos
gregos que deixaram seu legado imortal que pautou as bases ideológicas da
cultura ocidental.
Entre invasões, alianças conflituosas e guerras, as rotas comerciais e
culturais se intensificaram entre os povos. Na Idade Média, havia dois núcleos
culturais de matriz islâmica, no Oriente e no Ocidente, respectivamente: a “Dar
Alhikma” (casa da sabedoria), em Bagdá, capital do Iraque; e os estudiosos
físicos e filósofos de Al-Andaluz (atualmente, Portugal e Espanha) que se
esmeravam na prática da tradução do grego para o árabe, e depois para o
Latim, das obras do legado médico-filosófico dos gregos e as colocavam em
sua prática cotidiana. Sem o corpo de tradução desses sábios medievais, não
haveria subsídios para os movimentos mais relevantes para a construção da
identidade do mundo ocidental: O Renascimento, que buscava a geometria
53
cósmica e a expressão do Divino na Terra (Matos,2007) e o Iluminismo que
alavancou todas as descobertas científicas que impulsionam a qualidade de
vida e evolução da humanidade em todas as áreas da vida.
A segunda parte deste trabalho, dedicou-se a investigação sobre os
efeitos do aprendizado da Língua Árabe através do projeto de
Neuroaprendizagem desenvolvido na Escola Municipal Carlos Lacerda. No
grupo dos quinze alunos, dos dezenove que iniciaram o projeto, dez
responderam ao questionário final que continha as seguintes perguntas: “Como
você avalia seu nível de atenção nas aulas? ”, “O curso de árabe correspondeu
às suas expectativas? ” e “Qual foi o seu aprendizado mais importante do
curso?”. Todos os alunos avaliados afirmaram que o aprendizado da Língua
Árabe correspondeu às suas expectativas, em termos de aquisição de cultura e
habilidades comunicativas. Dois alunos que avaliaram seu nível de atenção
como regular no primeiro e no terceiro questionário, avaliaram como “bom”. Os
alunos que consideram seu grau de atenção como bom ou ótimo, mantiveram
a opção. Alunos que visivelmente possuíam déficit de atenção e transtorno
opositor desafiador (TOD) afirmaram sentirem-se mais focados na aula de
árabe do que nas disciplinas do currículo regular. Ainda houve o depoimento
de alunos que afirmaram “aprender a aprender” e outros que mencionaram
terem aperfeiçoado a atenção nas aulas de geografia. Este dado deve-se a
abordagem multidisciplinar utilizada nas aulas, com o uso de globos terrestres
e mapas em árabe, dentre outros recursos educativos. A “abertura” de mente
em relação a desfazer preconceitos em relação a culturas diferentes também
foi mencionada, assim como os laços afetivos criados com a professora.
O resultado reflete o papel crucial da afetividade e do vínculo
construídos de forma recíproca entre educador, alunos e a matéria aprendida.
O verdadeiro aprendizado não se dá somente com a apreensão do conteúdo,
mas quando há emoções envolvidas. O professor deve, pois, utilizar meios que
permitam ao aluno sentir as coisas que aprende. Deverá, então, encontrar o
modo de estimular seu lobo pré-frontal esquerdo, a fim de otimizar seu bem-
estar emocional e social (Chabot, p202). Ao final de uma das aulas, uma aluna
expressou com imensa felicidade: “Professora, estou abrindo mentes! ”,
relatando que conseguira desfazer a visão equivocada de sua tia que se
54
expressou em relação aos árabes e à religião islâmica com preconceito.
Educar, motivar, emocionar, e fazer com que os jovens se sintam
agentes da mudança de sua própria realidade e também do seu contexto sócio
familiar significa conduzi-los aos caminhos para que se tornem protagonistas
de sua própria história e ultrapassem as barreiras sociais. E-ducere significa
“conduzir para fora de”, evocando a ideia de itinerário e caminho, de um ponto
a outro, de um ao Outro (Pereira,2007).
Além do papel afetivo, é necessário que sejam lançados novos olhares
para as práticas em sala de aula, afim de obter sintonia com as necessidades
dos alunos e os educadores estejam aptos a lidar com os conflitos que trazem
de seus contextos familiares, muitas vezes destruídos pelas agruras da vida,
resultado de políticas governamentais desastrosas que pouco se importam
com as catástrofes de políticas excessivamente excludentes ou
demasiadamente assistencialistas. Há uma frase do poeta místico islâmico
Rumi, tantas vezes citado neste trabalho, que diz “Ontem, eu era inteligente e
queria mudar o mundo. Hoje, sou sábio e quero mudar a mim mesmo. ” Esta
frase dialoga com questão relevante e altamente discutida entre
neuroeducadores e psicopedagogos: a necessidade de o educador gerir suas
próprias emoções. O equilíbrio diante das adversidades, que são inúmeras, e
principalmente, a consciência da importância do papel de despertar ou
adormecer talentos latentes são fatores de extrema importância, assim como
diferenciar medo e respeito e agir de forma que os jovens sintam isso. A
autoridade não deve ser um fim por ela mesma, principalmente no contexto
atual, em que os alunos carecem de figuras familiares de referência e respeito
e cuja aprendizagem emocional está repleta de arquivos traumáticos, que
podem ser disparados a qualquer momento.
O advento das neurociências cognitivas constitui elemento
preponderante ao estímulo e incentivo do uso das nobres áreas neocorticais
para uma sociedade mais altruísta, protagonista do seu universo cognitivo, que
tenha o prazer em conhecer novas culturas, sem sobrepuja-las e que
reconheça o outro como reflexo de si mesma, com a ativação empática dos
nossos neurônios-espelho. Finaliza-se este trabalho citando a frase de uma
55
aluna, adolescente e, protagonista do seu próprio saber: “aprender um novo
idioma, é renascer nele, é buscar novos olhares”.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Ó meu tio, por Deus, se colocarem em minha mão
direita o sol e em minha mão esquerda a lua, para
que abandone a minha missão, não a abandonarei
até que Deus me faça vitorioso ou até que eu
pereça.” (Ibn Ishaq, sira 153 – ‘A vida de
Muhammad’)
A passagem acima citada por Ibn Ishaq em seu livro sobre os relatos da
vida do profeta Muhammad descreve uma passagem de sua vida em que os
laços tribais estremeciam por conta da mensagem renovadora do profeta que
encontrava resistência até mesmo nos membros familiares do seu clã. Em
todas as épocas a resistência em cultivar velhos hábitos constituiu entrave
para a evolução das sociedades. Muhammad, como todos os profetas das
culturas antigas, foi grande professor. O pano de fundo social de sua época é
denominado na historiografia árabe como “Al-jahillya”, a era da ignorância. A
sociedade era dividida em clãs, onde ocorriam toda sorte de violência e
barbáries e havia constantes guerras pela tomada de poder local. Com sua
natureza perseverante e fé em sua missão, através do alcorão, conseguiu
mudar a consciência de uma sociedade inteira.
Ao estabelecer um paralelo com o panorama histórico do século VI,
precisamente na Península Arábica e a realidade social de hoje, encontram-se
grandes semelhanças. Os séculos passam, mas a ignorância da humanidade
está arraigada a tempos imemoriais em que muitos núcleos dentro da
56
sociedade brasileira, ainda que no século XXI, utilizam a área reptiliana do
cérebro para guiar os rumos de suas vidas. Os percalços existem, mas a
certeza da missão deve impelir a continuar e a estimular a todos que chegam
com a sede do conhecimento a corticalizar suas ações, sem jamais perder a fé
a esperança.
Ao observar as dificuldades desses grandes educadores, dificuldades
inerentes a natureza humana e ao desequilíbrio político-social refletidos no
âmbito escolar, presentes em todas as épocas, conclui-se que aos educadores
e aos profetas foi dado o poder da capacidade de mudar os genes das células
nervosas dos indivíduos com ensino-aprendizagem significativo para a
mudança em direção aos novos rumos de consciência.
57
BIBLIOGRAFIA
AN-NAWAWY, Imam Abu Zakaryya Yahia Ibn Charaf An-nawawy. O jardim
dos virtuosos (Riadhus Salihin). Tradução: Samir El-Hayek. Séries
Islâmicas,2001.
ARMSTRONG, Karen. Maomé Uma biografia do Profeta. Tradução: Andreia
Guerini, Fabiano Seixas Fernandes, Walter Carlos Costa. – São Paulo:
Companhia das Letras,2002.
AZAR, Henry. The Sage of Seville: Ibn Zuhr, his time and his medical
Legacy. The American University of Cairo. Egypt,2008
BISSIO, Beatriz. O Mundo Falava Árabe: a civilização árabe islâmica
clássica através da Obra de Ibn Khaldun e Ibn Battuta. – Rio de janeiro:
Civilização Brasileira,2012.
CHABOT, Daniel & Michel. Pedagogia Emocional, sentir para aprender. Sá
Editora,2005.
CHALLITA, Mansour. As mais belas páginas da literatura árabe. Editora
Vozes, Rio de janeiro, 1973
CORRIENTE, Federico. Diccionario Árabe-Español. Editora Madrid,
Madrid,1977
DEHAENNE, Stanislas. Os Neurônios da Leitura: como a ciência explica a
nossa capacidade de ler. Tradução: Leonor Scliar – Cabral. – Porto Alegre:
Penso,2002 GOMES,
Pinharanda,Gomes. A Filosofia Arábigo-Portuguesa. Lisboa: Guimarães
Editores,1991.
HALIM, Rabie El-saied Abdel. The role of Ibn Sina (Avicenna)'s medical
poem in the transmission of medical knowledge to medieval Europe.
Disponível:http://www.urologyannals.com/article.asp?issn=09747796;year=201
4;volume=6;issue=1;spage=1;epage=12;aulast=Abdel-Halim
Acesso em 29. Jul.2016.
IZQUIERDO, Iván. Memória. Artmed editora, 2002.
58
FIGUEIREDO, Candido. Novo Diccionário da Língua Portuguesa. Disponível
em http://www.dicionario-aberto.net/dict.pdf. Acesso em 31 de Jul.2016.
NASR, Helmi. Tradução do Sentido do Nobre Alcorão para a Língua
Portuguesa. Complexo de tradução do Rei Fahd, Madinah Almunawarah.
Arábia Saudita, N/D
PEREIRA, Rosalie Helena de Souza, (organização). O Islã Clássico. São
Paulo: Editora Perspectiva, 2007.
PEREIRA, Rafael Silva. PEA – Programa de Estimulação na Atenção. A.J.
Sá Pinto e Filhos Enc. – Viseu, 2014
_________. Programa de Neurociência. Intervenção em Leitura e Escrita.
RELVAS, Marta. Fundamentos Biológicos da Educação: despertando
inteligências e afetividade no processo de aprendizagem. Rio de janeiro.
Wak Editora, 2009.
_________. Neurociência na Prática Pedagógica. Rio de janeiro. Wak
Editora, 2012.
SINA, Abu Ali Al Husain Ibn Abd Allah Ibn. Kitab Al-Chifa. “O livro da Alma”.
Tradução: Miguel Attie Filho. Editora Globo, São Paulo,2011.
RUMI, Jalal – ‘ud-din. Masnavi i Ma’navi, “The Spiritual Couplets of Maulana
Jalalu- ‘D-Din Muhammad I Rumi”. Tradução: E.H Whinfield.
Omphaloskepsis, Iowa, 2001. Disponível em
http://www.omphaloskepsis.com/Library/masnavi.pdf Acesso em 06.Jun.2016.
SHRUM, Judith L et all. Teacher’s handbook: Contextualized Language
Instruction. Boston. Heinle, Cengage Learning.2000
VARGENS, João Baptista. Léxico Português de Origem Árabe: subsídios
para os estudos de filologia. Rio Bonito: Almádena, 2007.
59
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 01 AGRADECIMENTOS 02 DEDICATÓRIA 03 RESUMO 04 METODOLOGIA 05 SUMÁRIO 06 INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
BREVE HISTÓRIA DAS NEUROCIÊNCIAS NO MUNDO ÁRABE 10
CAPÍTULO II
A LUZ DA CIÊNCIA NA IDADE MÉDIA: A HERANÇA DA MEDICINA DA ANTIGUIDADE CLÁSSICA PRATICADA PELOS FÍSICOS ÁRABE-ISLÂMICOS E SEU LEGADO PARA O RENASCIMENTO 15
2.1. IBN ZUHR (AVENZOAR), O SÁBIO DE SEVILHA 20
2.2.IBN SINA (AVICENA), O PRÍNCIPE DOS MÉDICOS 22
CAPÍTULO III
PROJETO DE LÍNGUA ÁRABE NO RIO DE JANEIRO: DESAFIOS CULTURAIS DE UMA APRENDIZAGEM BILÍNGUE 25
3.1. A LÍNGUA ÁRABE 31
3.2. A DECODIFICAÇÃO DO ALFABETO ÁRABE SOB AS LUZES DAS NEUROCIÊNCIAS. SERÃO NECESSÁRIOS DOIS CÉREBROS PARA APRENDÊLO? 33
CAPÍTULO IV
NEUROAPRENDIZAGEM NO TAPETE MÁGICO: SUAS ETAPAS E OBSERVAÇÕES SOB AS LUZES DAS NEUROCIÊNCIAS 37 4.1. ALFABETIZAÇÃO EM ÁRABE: SUAS PRÁTICAS E IMPACTOS COGNITIVOS 39
4.2. NEURODIDÁTICA E SUA APLICAÇÃO AO ENSINO DE LÍNGUAS ESTRANGEIRAS 43
4.3. LÍNGUA ÁRABE E APERFEIÇOAMENTO DA CONCENTRAÇÃO E FOCO: SUBSÍDIOS NEUROCIENTÍFICOS 47
CONCLUSÃO 52 CONSIDERAÇÕES FINAIS 55 BIBLIOGRAFIA 57
61
ANEXO 1
¹ Manuscritos das poesias médicas de Ibn Sina. Acervo da Universidade
Al-Azhar, Cairo, Egito
² Video da pesquisa sobre as vantagens de um cérebro bilíngue
https://www.youtube.com/watch?v=MMmOLN5zBLY