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DIREITO PROCESSUAL COLETIVO COMUM E JURISDIÇÃO
TRABALHISTA METAINDIVIDUAL E NORMATIVA: UMA
SISTEMATIZAÇÃO DO “PROCESSO COLETIVO DO TRABALHO”
APÓS O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC)
MARCUS DE OLIVEIRA KAUFMANN1
1. O estado da arte do “processo coletivo” com o Novo Código de Processo
Civil (NCPC)
O Novo Código de Processo Civil (NCPC), editado pela Lei nº
13.105/2015, a despeito de seus enormes contributos à ciência processual –
mormente em razão de seu declarado intento de proporcionar, à sociedade, o
reconhecimento e a realização dos direitos ameaçados ou violados mediante um
instrumental normativo organizado, orgânico, funcional, simples, razoável,
expedito, a fim de que a pretensão de direito material deduzida por quem de
direito deixe de ser uma ficção apropriada pelo tempo do processo –, continua
sendo uma codificação de evidente cariz individualista. E essa constatação não
pode representar nada além de uma lástima. Lástima pela perda, histórica, da
chance de organização, inclusive dogmática, do processo coletivo e de pacificação
na aplicação de vários de seus institutos.
Com uma mão, e do ponto de vista do processo, clássico, individual,
o NCPC talvez tenha construído instrumentos paradigmáticos para a melhor e
mais célere resolução de conflitos, e que estão sendo colocados à prova neste
momento. Com outra mão, não obstante, o NCPC apenas tangenciou o processo
coletivo.
1 Doutor e Mestre em Direito das Relações Sociais (Direito do Trabalho) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB). Membro Efetivo e ex-Secretário do Instituto Brasileiro de Direito Social Cesarino Júnior (IBDSCJ). Membro da Associação dos Advogados Trabalhistas do Distrito Federal (AAT/DF). Advogado. E-mail: marcus@paixaocortes.com.br
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Em verdade, não há trato, no NCPC, do processo coletivo. Há
ausência de disciplina do processo coletivo, em uma atitude, do ponto de vista
normativo, minimamente surpreendente. A doutrina nacional e o que se
denominou, na legislação, de o microssistema de tutela processual coletiva
convivem com a discussão acerca dos limites e das perspectivas da jurisdição
coletiva e da tutela processual coletiva há, pelo menos, três décadas, algo, quiçá,
muito “novo” para o regramento em uma nova codificação processual.
No entanto, um tanto quanto contraditoriamente, o legislador adjetivo
resolveu, sem sequer uma década completa, regular e codificar, de forma original
e a partir da experiência da “lei dos recursos repetitivos” (Lei n° 11.672/2008), o
incidente de resolução de demandas repetitivas, sem que se tenha, no Brasil,
desenvolvido uma cultura ou uma tradição de abordagem ordeira do assunto,
legislativa ou jurisprudencial.
Essa postura pusilânime do legislador, e de sua nítida opção política,
não deixou de ser percebida pela doutrina de Hugo Nigro Mazzilli, que chega,
mesmo, a sustentar que o NCPC apenas fez algumas referências esparsas ao
processo coletivo, mantendo-se, em essência, individualista “pois as meras
referências ao processo coletivo e os poucos canhestros incidentes coletivos nele
contidos não são adequados nem suficientes para a disciplina do principal instituto
apto a regular o acesso à justiça”2.
Essas “referências esparsas” e “esses canhestros incidentes
coletivos” se referem, basicamente, (i) à remissão ao microssistema processual
coletivo pelo artigo 139, inciso X3, e à previsão de cientificação, por esse mesmo
artigo, do Ministério Público e da Defensoria Pública acerca de repetição de
demandas individuais para a eventual propositura de ação coletiva; (ii) à
suspensão dos processos individuais e coletivos, inclusive em fase de execução,
quando instaurado o incidente de resolução de demandas repetitivas (artigos 313,
2 O Processo Coletivo e o Código de Processo Civil de 2015. In: ZANETI JR., Hermes (coord.). Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, p. 185-213, 2016, p. 205. 3 “Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições neste Código, incumbindo-lhe: (...) X – quando se deparar com diversas demandas individuais repetitivas, oficiar o Ministério Público, a Defensoria Pública e, na medida do possível, outros legitimados a que se referem o art. 5° da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, e o art. 82 da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990, para, se for o caso, promover a propositura da ação coletiva respectiva.”
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inciso IV4; 921, inciso I5; 928, inciso I6; 982, inciso I e §§ 1°, 2°, 3°, 4° e 5°7); (iii) à
intimação do Ministério Público para intervir em causas que envolvam litígios
coletivos pela posse de terra rural ou urbana (artigo 178, inciso III8), com
realização de audiência de mediação (artigo 565, caput9); (iv) à defesa de direitos
coletivos dos necessitados pela Defensoria Pública (artigo 18510)11; (v) à adoção
4 “Art. 313. Suspende-se o processo: (...) IV – pela admissão de incidente de resolução de demandas repetitivas;” 5 “Art. 921. Suspende-se a execução: I – nas hipóteses dos arts. 313 e 315, no que couber;” 6 “Art. 928. Para os fins deste Código, considere-se julgamento de casos repetitivos a decisão proferida em: I – incidente de resolução de demandas repetitivas;” 7 “Art. 982. Admitido o incidente, o relator: I – suspenderá os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitam no Estado ou na região conforme o caso; (...) § 1° A suspensão será comunicada aos órgãos jurisdicionais competentes. § 2° Durante a suspensão, o pedido de tutela de urgência deverá ser dirigido ao juízo onde tramita o processo suspenso. § 3° Visando à garantia da segurança jurídica, qualquer legitimado mencionado no art. 977, incisos II e III, poderá requerer, ao tribunal competente para conhecer do recurso extraordinário ou especial, a suspensão de todos os processos individuais ou coletivos em curso no território nacional que versem sobre a questão objeto do incidente já instaurado. § 4° Independentemente dos limites da competência territorial, a parte no processo em curso no qual se discuta a mesma questão objeto do incidente é legitimada para requerer a providência prevista no § 3° deste artigo. § 5° Cessa a suspensão a que se refere o inciso I do caput deste artigo se não for interposto recurso especial ou recurso extraordinário contra a decisão proferida no incidente.” 8 “Art. 178. O Ministério Público será intimado para, no prazo de 30 (trinta) dias, intervir como fiscal da ordem jurídica nas hipóteses previstas em lei ou na Constituição Federal e nos processos que envolvam: (...) III – litígios coletivos pela posse de terra rural ou urbana;” 9 “Art. 565. No litígio coletivo pela posse de imóvel, quando o esbulho ou a turbação afirmado na petição inicial houver ocorrido há mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão da medida liminar, deverá designar audiência de mediação, a realizar-se em até 30 (trinta) dias, que observará o disposto nos §§ 2° e 4°.” 10 “Art. 185. A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita.” 11 A norma inscrita no artigo 185 do NCPC, por sinal, foi prestigiada, muito recentemente, pela decisão tomada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) n° 3.943/DF, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, que afiançou a tese pela competência concorrente para o ajuizamento de ação civil pública em prol da Defensoria Pública, inclusive para a defesa de interesses e/ou direitos difusos: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA
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da tese jurídica fixada em incidente de resolução de demandas repetitivas (artigo
985, inciso I e § 1°12) e em incidente de assunção de competência (artigo 988,
inciso IV13) – que, embora não suponha multiplicidade de processos com a mesma
questão como no caso do incidente de resolução de demandas repetitivas, supõe
debate sobre matéria de direito relevante e de grande alcance social –, com
previsão explícita para o cabimento de reclamação pela parte ou pelo Ministério
Público para garantir a observância de súmula ou dos acórdãos proferidos
naqueles incidentes coletivos; e (vi) à suspensão de todos os processos
pendentes de julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, pelo Superior Tribunal
de Justiça, pelos Tribunais Regionais Federais e pelos Tribunais de Justiça
(artigos 1.036, caput e § 1°; e 1.037, inciso II14), quando constatada, após a
verificação, se o caso, da repercussão geral da matéria constitucional, a
multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em
idêntica questão de direito, o que pode, por teleologia, também ser aplicado pelo
Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho.
Na mesma linha do NCPC, embora historicamente mais antiga, são
as determinações oriundas da Lei nº 13.015/2014, quando acrescentou, às bases
PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.” (STF, Pleno, ADIn n° 3.943/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 06/08/2015). 12 “Art. 985. Julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada: I – a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região; (...) § 1° Não observada a tese adotada no incidente, caberá reclamação.” 13 “Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para: (...) IV – garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de precedente proferido em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência.” 14 “Art. 1.036. Sempre que houver multiplicidade de recursos extraordinários ou especiais com fundamento em idêntica questão de direito, haverá afetação para julgamento de acordo com as disposições desta Subseção, observado o disposto no Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal e no do Superior Tribunal de Justiça. § 1° O presidente ou o vice-presidente de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal selecionará 2 (dois) ou mais recursos representativos da controvérsia, que serão encaminhados ao Supremo Tribunal Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça para fins de afetação, determinando a suspensão do trâmite de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no Estado ou na região, conforme o caso.. (...) Art. 1.037. Selecionados os recursos, o relator, no tribunal superior, constatando a presença do pressuposto do caput do art. 1.036, proferirá decisão de afetação, na qual: (...) II – determinará a suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem sobre a questão e tramitem no território nacional;”
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legais, o artigo 896-C, §§ 3º e 4º15, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),
com a sua previsão original de incidente de resolução de recursos de revista
repetitivos, também versando a possibilidade de os recursos de revista
interpostos, no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho, e em casos idênticos
aos afetados como recursos de revista repetitivos, serem suspensos até o
pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho.
Aliado a essas meras referências ao processo coletivo, o NCPC,
afora não dispor de um mínimo capítulo para tratar da tutela coletiva, encampa a
decisão política de vetar o incidente de transformação da lide individual em
coletiva para a tutela, ao menos, de direitos coletivos difusos e de direitos
coletivos stricto sensu (artigo 333, caput e incisos I e II16).
Por fim, o NCPC atrapalhou o processo coletivo quando,
bruscamente, pretende interferir no sistema do opt in pela adoção, anômala para a
tradição processual coletiva brasileira conhecida desde o advento dos artigos 94 e
104 da Lei n° 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor –
CPDC)17, de um sistema de opt out. Aquele sistema do opt in preconiza a
15 “Art. 896-C. Quando houver multiplicidade de recursos de revista fundados em idêntica questão de direito, a questão poderá ser afetada à SeçãoEspecializada em Dissídios Individuais ou ao Tribunal Pleno, por decisão da maioria simples de seus membros, mediante requerimento de um dos Ministros que compõem a Seção Especializada, considerando a relevância da matéria ou a existência de entendimentos divergentes entre os Ministros dessa Seção ou das Turmas do Tribunal. (...) § 3º O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho oficiará os Presidentes dos Tribunais Regionais do Trabalho para que suspendam os recursos interpostos em casos idênticos aos afetados como recursos repetitivos, até o pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho. § 4º Caberá ao Presidente do Tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia, os quais serão encaminhados ao Tribunal Superior do Trabalho, ficando suspensos os demais recursos de revista até o pronunciamento definitivo do Tribunal Superior do Trabalho. § 5º O relator no Tribunal Superior do Trabalho poderá determinar a suspensão dos recursos de revista ou de embargos que tenham como objeto controvérsia idêntica à do recurso afetado como repetitivo.” 16 “Art. 333 (vetado). Atendidos os pressupostos da relevância social e da dificuldade de formação do litisconsórcio, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou da Defensoria Pública, ouvido o autor, poderá converter em coletiva a ação individual que veicule pedido que: I – tenha alcance coletivo, em razão da tutela de bem jurídico difuso ou coletivo, assim entendidos aqueles definidos pelo art. 81, parágrafo único, incisos I e II, da Lei n° 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e cuja ofensa afete, a um só tempo, as esferas jurídicas do indivíduo e da coletividade; II – tenha por objetivo a solução de conflito de interesse relativo a uma mesma relação jurídica plurilateral, cuja solução, por sua natureza ou por disposição de lei, deva ser necessariamente uniforme, assegurando-se tratamento isonômico para todos os membros do grupo.” 17 “Art. 94. Proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo da ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor. Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que
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liberdade para o autor de ação individual, ao ser cientificado nos autos de sua
individual acerca da coletiva com objeto que englobe o seu pedido, de requerer a
suspensão de seu processo individual para optar pelos efeitos eventualmente
benéficos que pudessem advir da ação coletiva, sendo que, não procedendo a
coletiva, mantendo, o indivíduo, a liberdade de prosseguir com o processo
individual com todos os ônus do procedimento comum do processo de
conhecimento18.
Com o advento do artigo 1.037, § 9°19, do NCPC, parece que os
autores de ações individuais, ao invés de simplesmente optarem para não serem
incluídos no resultado da lide coletiva, terão que optar por serem excluídos do
processo coletivo se demonstrarem a distinção do seu caso, “algo extremamente
improvável de conseguir na nova sistemática processual, pois se seu caso
realmente fosse distinto, ele não precisaria pedir sua exclusão porque obviamente
ali não estaria incluído”20.
Em síntese, o NCPC tangenciou o processo coletivo, optando por
uma decisão política de mantê-lo infenso a uma codificação ordeira, e, quando o
tangenciou, atrapalhou a compreensão de institutos já arraigados na compreensão
da tradição brasileira.
2. As interseções entre o Direito Processual Coletivo Comum e o Direito
Processual do Trabalho: uma tentativa de sistematização útil para a
jurisdição trabalhista metaindividual e normativa
Certa ou errada a opção política de o NCPC não tratar do processo
coletivo, o certo é que essa mesma opção acabou por revelar, ainda mais, a
aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.” 18 Como se sabe, o NCPC, ao exterminar a tríade formada pelo processo de conhecimento, pelo processo de execução e pelo processo cautelar, previu, apenas, o processo de conhecimento “e do cumprimento de sentença” e o processo de execução. Na estrutura do processo de conhecimento, o NCPC dispõe apenas de dois procedimentos: o comum (artigos 318 a 512 do NCPC) e os especiais (artigos 539 a 770 do NCPC). Com isso, o NCPC acabou com o antigo procedimento sumário e extinguiu a expressão “procedimento ordinário”. 19 “§ 9° Demonstrando distinção entre a questão a ser decidida no processo e aquela a ser julgada no recurso especial ou extraordinário afetado, a parte poderá requerer o prosseguimento do seu processo.” 20 MAZZILLI, Hugo Nigro. O Processo Coletivo e o Código de Processo Civil de 2015. In: ZANETI JR., Hermes (coord.). Processo Coletivo, p. 210.
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origem e o berço constitucional da tutela processual coletiva, sustentando sua
preponderância normativa e científica em relação aos ramos do Direito
Processual, inclusive o Direito Processual do Trabalho.
A Constituição Federal possui, essencialmente, dois tipos de normas
jurídicas: as de índole material e as de índole processual. Quanto a essas últimas,
normas processuais, a tese revolucionária de Gregório Assagra de Almeida
permitiu a distinção, já construída pela doutrina, entre, de um lado, o chamado
Direito Constitucional Processual, formado pelo conjunto de normas e princípios
processuais essencialmente constitucionais, inscritos, por exemplo, no artigo 5°,
incisos XXXV e LIV, da Constituição Federal; e, de outro lado, o chamado Direito
Processual Constitucional, composto por normas e princípios que disciplinam a
organização jurisdicional, fixando regras sobre competência e estabelecendo
vários tipos específicos de tutelas jurisdicionais dedicadas a cada instrumental
jurídico (ações e medidas coletivas) de tutela coletiva21.
Ainda conforme a tese paradigmática, é dentro do Direito Processual
Constitucional, por normas formalmente constitucionais, embora materialmente
processuais, mas com dignidade constitucional, que se encontra a previsão
original da maioria das ações coletivas ou das ações que podem ser utilizadas
para a tutela de direitos coletivos, como a ação popular (artigo 5°, inciso LXXIII), a
ação civil pública (artigo 129, inciso III), o dissídio coletivo (artigo 114, § 2°), a
ação de impugnação de mandato eletivo (artigo 14, §§ 10 e 11), o mandado de
injunção (artigo 5°, inciso LXXI) e o mandado de segurança (artigo 5°, incisos LXIX
e LXX), sem desconsiderar o sistema de controle concentrado da
constitucionalidade das leis de que tratam os artigos 102, inciso I, alínea “a”; 103;
e 125, § 2°, da Constituição Federal22.
Por tal largueza do objeto material do Direito Processual
Constitucional é que Gregório Assagra de Almeida antevê uma divisão no objeto
de estudo.
Em um primeiro momento, o objeto do Direito Processual
Constitucional se ocuparia da resolução das lides coletivas decorrentes de
21 Direito Processual Coletivo Brasileiro: Um Novo Ramo do Direito Processual. São Paulo: Saraiva, 2003, pp. 5-6 e 34. 22 Ibidem, p. 138.
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conflitos coletivos que ocorrem no mundo fenomênico, no mundo real, do que
decorreria o surgimento de um Direito Processual Coletivo Comum para a tutela
de um direito coletivo subjetivo ou, em melhores termos, porque a tutela coletiva é
objetiva e não subjetiva propriamente dita, de um interesse coletivo objetivo
legítimo23 em testilha na concretude do mundo dos fatos.
Em um segundo momento, o Direito Processual Constitucional se
ocuparia do controle em abstrato da constitucionalidade das leis, do que
decorreria o surgimento de um Direito Processual Coletivo Especial para a tutela,
não de “direito coletivo subjetivo”, mas de direito coletivo objetivo ou,
simplesmente, de direito objetivo.
Assim é que, segundo a natureza da pretensão deduzida ou a ser
deduzida, não se sustentaria a summa divisio que divide o Direito Processual
entre o Direito Processual Civil, o Direito Processual Penal o Direito Processual
Militar, o Direito Processual Eleitoral e o Direito Processual do Trabalho24. Essas
partições do Direito Processual somente teriam legitimidade constitucional, por
tudo o quanto já exposto, se versassem, também, o Direito Processual Coletivo25,
Comum e Especial, ambos de envergadura constitucional, e que se coloca
paralelamente às demais estratificações do Direito Processual prioritariamente
versadas na legislação adjetiva infraconstitucional, como novo ramo do Direito
Processual.
Portanto, a despeito do NCPC, a matriz constitucional de normas
processuais constitucionais induz o surgimento de um ramo, autônomo, da ciência
processual, identificada no Direito Processual Coletivo e que, para os fins do
presente estudo, pode ser verificada no Direito Processual Coletivo Comum,
destinado à resolução dos conflitos coletivos que se passam no mundo
fenomênico, inclusive aqueles que se aperfeiçoam a partir das relações de
trabalho.
A ponte ou a relação de interseção existente, então, entre o Direito
Processual Coletivo Comum e o Direito Processual do Trabalho está na previsão
constitucional do procedimento do dissídio coletivo de trabalho, que daria azo,
23 Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 140. 24 Ibidem, p. 148. 25 Ibidem, p. 20.
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para muitos, à defesa da tese de que, paralelamente ao Direito Processual
Coletivo Comum, existiria um Direito Processual Coletivo do Trabalho ou de um
“Processo Coletivo do Trabalho”, independente, autônomo.
Pensa-se não poder ser assim. O dissídio coletivo é instrumento de
efetivação do Direito Processual Coletivo Comum26, especialíssimo, porque
ilustração do Direito Processual Constitucional, ainda que, diante do dissídio
coletivo de natureza econômica ou de interesse, sejam os Tribunais do Trabalho
competentes autorizados a estabelecer comandos normativos novos, abstratos,
por equidade e no exercício extraordinário do poder normativo da Justiça do
Trabalho, para uma eficácia ultra parte, para além dos sujeitos coletivos de
trabalho que encabeçam um conflito coletivo de trabalho concreto, surgido entre
uma categoria profissional e uma categoria econômica.
De mais a mais, além de ser partícipe, junto com outras tantas ações
e medidas judiciais com estatura constitucional, do Direito Processual Coletivo
Comum, originário do Direito Processual Constitucional, o dissídio coletivo do
trabalho representa um procedimento especial típico do Direito Processual do
Trabalho.
O CPC de 1973 se organizava em três processos distintos
(processos de conhecimento, de execução e cautelar), com uma série de ritos que
foram cedendo lugar, no NCPC e com os cortes efetuados no processo cautelar e
no rito sumário, à primazia da ordinariedade de rito, agora denominado “comum” e
que se coloca ao lado dos procedimentos especiais.
Paralelamente ao sistema do NCPC, a CLT, por sua vez, e por não
ser um código propriamente dito de normas adjetivas, quer porque contém normas
de direito material e de direito processual, quer porque sua organização, em
termos de complexidade, ultrapassa a das leis esparsas, mas não chega ao
patamar de a de uma codificação27, não se organizou, de maneira efetiva, para
tratar de forma sistêmica de seus rituais, como faz o NCPC, tanto é que deixa de
regrar um procedimento em razão de já o ser por lei esparsa.
26 Direito Processual Coletivo Brasileiro, pp. 312, 447. 27 TUPINAMBÁ, Carolina. O Processo do Trabalho: Seu Perfil, Sua Autonomia, Seus Procedimentos e Um Pouco de seu Charme. In: TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Procedimentos Especiais na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 11-23, 2015 p. 15.
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Tendo, a CLT, como objeto do estudo para a ciência processual
trabalhista, acompanhada de algumas leis esparsas de índole processual, é
possível se enveredar em um empreendimento de identificação dos
procedimentos trabalhistas, do qual surgirá, para compor a base do Direito
Processual do Trabalho dogmaticamente entendido, o seguinte: (i) regrado dos
artigos 837 a 852 da CLT, tem-se o rito ainda tido e considerado como o
“ordinário” para os dissídios individuais de trabalho, o mais comum submetido à
Justiça do Trabalho; (ii) regrado pelo artigo 2° da Lei n° 5.584/1970, tem-se o rito
dito “sumário” ou “de alçada”, cuja tutela buscada é a que normalmente se busca
pelo procedimento ordinário; (iii) regrado nos artigos 852-A à 852-I da CLT, tem-se
o rito sumaríssimo, cuja tutela buscada também é a que normalmente se busca no
procedimento ordinário28; (iv) regrado nos artigos 494 a 496 da CLT, e com
passagem no artigo 821 da CLT, tem-se o rito especial dedicado ao inquérito para
a apuração de falta grave; (v) regrado nos artigos 856 a 871 da CLT, tem-se o rito
especial dedicado ao dissídio coletivo; e (vi) regrado no artigo 872 da CLT, tem-se
o rito especial dedicado à ação de cumprimento.
Ao contrário do NCPC, em que um procedimento dito comum se
coloca ao lado dos procedimentos especiais, na CLT não é possível traçar um
plano quanto a um procedimento comum que se estabelece ao lado dos
procedimentos especiais.
Em verdade, o processo do trabalho, orientado, precipuamente
(porque não se desconsidera o artigo 2° da Lei n° 5.584/1970), pela CLT,
apresenta três procedimentos específicos para o processo de conhecimento (o
ordinário, o sumário e o sumaríssimo) e três procedimentos especiais assim
valorados em razão do especial destaque a tutelas jurisdicionais específicas
passíveis de obtenção e entrega pela Justiça do Trabalho, relacionadas a causas
pontuais oriundas de relações coletivas de trabalho, da ação sindical e de normas
coletivas de trabalho: a do inquérito judicial para a apuração de falta grave, a do
dissídio coletivo e a da ação de cumprimento.
28 Em conformidade com o que é pontuado por Alexandre Agra Belmonte, os “procedimentos especiais não são, como o sumário e o sumaríssimo, abreviados em relação ao ordinário, que seguem todas as etapas processuais, com cognição exauriente. São apenas diferentes, a exemplo do Mandado de Segurança, em que não cabe realização de audiência. A decisão será sobre o alegado direito líquido e certo, comprovado
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Na contramão do NCPC, a CLT, portanto, não só toca o processo
coletivo, como o abraça a ponto de tê-lo, na forma do procedimento de dissídio
coletivo do trabalho, especialíssimo para os fins do Direito Processual Coletivo
Comum como um todo ao lado de tantas outras ações constitucionalmente
previstas, um seu procedimento especial. O mesmo pode ser tido, com nuances
diversas, para os procedimentos do inquérito para a apuração de falta grave e da
ação de cumprimento, originados de causas coletivas ou de imbricações com a
ação sindical.
Pela simples razão de ser, o dissídio coletivo de trabalho versado
como procedimento especial na CLT, integra o que se pode denominar de
“procedimento especial típico” do Direito Processual do Trabalho, ao lado, como
outros procedimentos especiais típicos, do inquérito para a apuração de falta
grave e da ação de cumprimento29.
A contrario sensu, portanto, “procedimentos especiais atípicos” para
o Direito Processual do Trabalho, ainda que úteis para os fins do Direito
Processual Coletivo Comum, são aqueles simplesmente não relacionados na CLT,
sujeitos a regras próprias quanto ao rito e quanto à diferenciação de tutelas
diferenciadas tais quais constantes nas leis esparsas de origem ou se
submetendo, em maior ou menor largueza, ao rito ordinário do processo do
trabalho enquanto se perfazem perante a Justiça do Trabalho.
Integram o rol de “procedimentos especiais atípicos” do Direito
Processual do Trabalho, na interação com o Direito Processual Coletivo Comum,
todos aqueles importantes instrumentos processuais de tutela coletiva, inclusive a
trabalhista ou oriunda das relações de trabalho ou objeto da competência da
Justiça do Trabalho, tais quais a ação civil pública, a ação civil coletiva, o
mediante prova documental.” (Inquérito para Apuração de Falta Grave. In: TUPINAMBÁ, Carolina (coord.). Procedimentos Especiais na Justiça do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 62-70, 2015, p. 64). 29 Ainda que sem adotar a mesma terminologia aqui aplicada, mas unindo o inquérito para a apuração de falta grave, o dissídio coletivo e a ação de cumprimento a um grupo denominado, simplesmente, de “procedimentos especiais trabalhistas”, posiciona-se SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. São Paulo: LTr, 2008, pp. 827, 833 e 858. Para as demais ações coletivas subsumíveis ao grupo dos procedimentos especiais atípicos do Direito Processual do Trabalho, terminologia que ora se adota, como as ações civis públicas, as ações civis coletivas, as ações anulatórias de normas convencionais e o mandado de segurança coletivo, de interesse do Direito Processual Coletivo Comum, Mauro Schiavi as agrupa sob a denominação de “ações civis admissíveis no processo do trabalho”, o que, segundo se pensa, não empresta destaque suficiente às tutelas diferenciadas que advém desses procedimentos atípicos, úteis para o Direito Processual do Trabalho para a efetivação da jurisdição trabalhista metaindividual e para, principalmente, o Direito Processual Coletivo Comum, de berço e estatura constitucional (Ob. cit., p. 863).
12
mandado de segurança coletivo, a ação anulatória (de nulidade) de cláusula de
convenção ou de acordo coletivo de trabalho, que se colocam ao lado de outros
instrumentos processuais úteis à efetivação do ramo científico do Direito
Processual Coletivo Comum, como é o caso do mandado de injunção, da ação
popular, da ação de impugnação de mandato eletivo, da ação direta interventiva.
Os instrumentos processuais que compõem os procedimentos
especiais atípicos do Direito Processual do Trabalho (ação civil pública, ação civil
coletiva, mandado de segurança coletivo, ação anulatória de “cláusulas
convencionais”), além do dissídio coletivo de trabalho, procedimento especial
típico do Direito Processual do Trabalho, sempre foram, normalmente, pela
doutrina, unidos sob o mesmo epíteto de “processo coletivo do trabalho”, que deu
origem a uma certa confusão, ainda que minoritária, a respeito da autonomia de
um Direito Processual Coletivo do Trabalho, que se colocaria ao lado de um
Direito Processual Individual do Trabalho.
Ainda não se chegou, quer-se crer, a tanto, o que não constitui
demérito algum do ponto de vista científico. O que se costuma denominar de
“Processo Coletivo do Trabalho”30, entendendo-se como o arcabouço de
instrumentos pelo qual a jurisdição coletiva se efetiva, com a normatização e
disciplina de institutos típicos do Direito Processual Coletivo Comum, como a
relação jurídica processual, os pressupostos processuais, o procedimento
propriamente dito, a produção de provas, os provimentos judiciais possíveis, a
atividade das partes e do juiz, entre outros, nada mais representa do que uma das
facetas mediante as quais, pela via da jurisdição trabalhista normativa e
metaindividual, o Direito Processual Coletivo Comum se expressa.
Segundo Carlos Henrique Bezerra Leite, a jurisdição trabalhista
metaindividual31 constitui um dos sistemas que integram a jurisdição trabalhista
como um todo, mas vocacionada, especialmente, à tutela preventiva e reparatória
dos direitos ou interesses metaindividuais, que são os difusos, os coletivos stricto
sensu e os individuais homogêneos. Um outro sistema de exercício da jurisdição
30 Impulsionados, os operadores do Direito, pela doutrina, que tratava de estudar e explorar o “Processo Coletivo do Trabalho” com generoso destaque ao dissídio coletivo de trabalho e com menor destaque às “ações civis públicas trabalhistas” ou às ações coletivas “trabalhistas”. Nesse sentido, MARTINS FILHO, Ives Gandra da Silva. Processo Coletivo do Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 243; e MELO, Raimundo Simão de. Processo Coletivo do Trabalho. São Paulo: LTr, 2009, pp. 183 e 222.
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trabalhista se dá com a jurisdição trabalhista normativa32, voltada ao
processamento e ao julgamento dos dissídios coletivos de natureza econômica ou
de interesses a partir da construção constitucional do artigo 114, § 2º, para a
criação de normas trabalhistas aplicáveis às partes suscitante(s) e suscitada(s) do
conflito coletivo de trabalho, bem como aos partícipes das categorias econômica e
profissional. Por fim, o sistema da jurisdição trabalhista individual, destinada aos
clássicos dissídios individuais, inclusive plúrimos, submetidos à competência da
Justiça do Trabalho33.
O que se denomina de “Processo Coletivo do Trabalho”, pela leitura
aqui empreendida, e em outras palavras, é um instrumento da jurisdição
trabalhista metaindividual ou normativa, quer pela via do procedimento especial
típico do dissídio coletivo e, em certa medida, da ação de cumprimento também,
quer pela via dos procedimentos especiais atípicos de ações civis públicas, ações
civis coletivas, ações anulatórias de “cláusulas convencionais” e mandados de
segurança coletivos, para o serviço ao Direito Processual Coletivo Comum que se
sagrou, essa sim, como disciplina autônoma a partir da própria Constituição
Federal, independentemente de códigos, a partir das previsões em prol da tutela
de direitos e/ou interesses coletivos perseguida nos artigos 1º, instituidor da
consagração do Estado Democrático de Direito como um Estado de justiça
material e de transformação da realidade por intermédio de um instrumento
processual já previsto constitucionalmente para potencializar a tutela jurisdicional
dos direitos coletivos ou massificados; 5º, inciso XXXV, que catapultou, nesse
esquema, a uma enésima potência o princípio da inafastabilidade da jurisdição,
mormente a coletiva, sem restrições; e 129, inciso III, que, na doutrina de Gregório
Assagra de Almeida, consagrou o princípio da não taxatividade da ação coletiva
para a tutela irrestrita de direitos lesados ou ameaçados de lesão34, ainda que em
locus específico dedicado ao Ministério Público, mas com ampliação adequada a
todos os demais legitimados à ação coletiva lato sensu.
31 E daí a utilização da expressão no título deste estudo. 32 E daí, também, a utilização da palavra “normativa” no título deste estudo. 33 Direito Processual Coletivo do Trabalho: Na Perspectiva dos Direitos Humanos. São Paulo: LTr, 2015, pp. 75 e 76. 34 Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 270. No mesmo sentido, SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O Microssistema de Tutela Coletiva: Parceirização Trabalhista. São Paulo: LTr, 2012, p. 27.
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Por isso é que o tradicional processo coletivo do trabalho ainda
integra a disciplina do Direito Processual do Trabalho, servindo, inclusive, para
ilustrar a autonomia desse mesmo Direito Processual do Trabalho quando
colocado, sob luzes, o poder normativo da Justiça do Trabalho necessário ao
exercício da jurisdição trabalhista normativa para o processamento e o julgamento
de dissídios coletivos de natureza econômica ou de interesses35, dos quais trata o
artigo 114, § 2º, da Constituição Federal.
Pela via do processo coletivo do trabalho, o Direito Processual do
Trabalho contribui para a afirmação do Direito Processual Coletivo Comum, uma
sua disciplina irmã, de berço constitucional, com a qual compartilha, igualmente e
para um fim que se espraia em benefício das duas disciplinas, do procedimento
especial típico trabalhista, versado e regrado, ainda que não da forma completa
que se esperaria, originariamente pela CLT, do dissídio coletivo do trabalho em
um patamar diferenciado e, em outros patamares, dos procedimentos especiais
atípicos trabalhistas que não tem origem própria no Direito Processual do
Trabalho.
3. Os resultados oriundos da 1ª Reunião do Fórum Nacional de Processo do
Trabalho: os enunciados dedicados ao “Processo Coletivo do Trabalho”
Diante de toda a complexidade existente na compreensão sistêmica
do Direito Processual Coletivo Comum e de suas interseções com institutos e
procedimentos, mormente os especiais típicos, do Direito Processual do Trabalho
e a despeito de o NCPC se omitir no trato ou desconsiderar o trato, que se
subsumiu a meras tangentes, daquele Direito Processual Coletivo Comum por
uma opção política de difícil digestão, foi alvissareiro o anúncio, feito pela
Comissão Organizadora da 1ª Reunião do Fórum Nacional de Processo do
Trabalho, de que um dos grupos temáticos que se reuniria para debater os
impactos do NCPC no Direito Processual do Trabalho – bem como reiterar e
35 Ao discutir a autonomia científica do Direito Processual do Trabalho, por duas vezes Wagner D. Giglio se remete ou ao poder normativo da Justiça do Trabalho ou às sentenças normativas para a ilustração daquela autonomia, mormente quando arrola, como instituições próprias do Direito Processual do Trabalho, as decisões (sentenças) normativas e, como princípios próprios, além do protecionista, da despersonalização do
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ratificar a autonomia do Direito Processual do Trabalho, a fim de que não fosse
recortado e descaracterizado com interferências impensadas e
descontextualizadas da nova codificação civil individualista –, se concentraria no
debate sobre o “Processo Coletivo do Trabalho”.
Da reunião temática do “8º Grupo: Processo Coletivo do Trabalho”,
ocorrida, em Curitiba/PR, em 04 de março de 2016, em um dos auditórios
disponibilizados pela Universidade Positivo, no Campus da Praça Osório, Centro,
surgiram vários enunciados que, no dia 05 de março de 2016, submetidos à
Plenária ocorrida no auditório da Procuradoria Regional do Trabalho da Nona
Região, foram aprovados, em sua grande maioria, à unanimidade, com um
enunciado tendo sido aprovado por maioria qualificada, a atestar o acerto
deontológico dos integrantes e de todos os participantes daquele grupo temático
na hercúlea tarefa de montar um consenso em tema tão árido com uma
codificação, já acenando interseções com o processo do trabalho pela via do
artigo 15 do NCPC36 que, em período de vacatio legis, sequer havia sido colocada
à prova37.
Os enunciados aprovados do 8º grupo temático dedicado ao
Processo Coletivo do Trabalho, aqui já o entendendo como a reunião dos
procedimentos especiais típicos e atípicos trabalhistas que servem ao Direito
Processual Coletivo Comum, foram os seguintes:
“43) ART. 769 DA CLT. LACUNAS. PROCESSO COLETIVO DO
TRABALHO. Mesmo após o advento do NCPC, as lacunas do
processo coletivo do trabalho, típico ou atípico, são superadas pela
aplicação do chamado microssistema processual coletivo formado,
em sua fundação, pela Constituição Federal, Lei nº 7.347/1985 (Lei
da Ação Civil Pública – LACP: arts. 1º, IV; 19; e 21) e pela Lei nº
8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor – CPDC:
arts. 81 a 90).
empregador e da simplificação procedimental, a jurisdição normativa (Direito Processual do Trabalho. 14ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 67-68 e 71). 36 “Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente.” 37 Considerando-se que o NCPC entrou em vigor em 18 de março de 2016.
16
Resultado: aprovado por unanimidade.
44) CLT, ART. 769 E NCPC, ART.138. POSSIBILIDADE DE
INTERVENÇÃO DO AMICUS CURIAE NO PROCESSO
TRABALHISTA. O instituto da intervenção do amicus curiae, perante
a primeira e as instâncias superiores, contida no art. 138 do NCPC, é
compatível com o processo do trabalho, nas hipóteses específicas de
sua previsão.
Resultado: aprovado por maioria qualificada.
45) CLT, ART. 769 E ART. 94 DA LEI N. 8.078/90. Para otimizar o
acesso metaindividual ou transindividual à Justiça do Trabalho, os
demais juízos deverão ser notificados das decisões proferidas em
ações civis públicas e ações coletivas que produzam efeitos em
empresas com filiais em outras jurisdições distintas da competência
do juízo prolator da decisão. Essa notificação poderá ser realizada
por ofício enviado via meio eletrônico.
Resultado: aprovado por unanimidade.
46) ART. 769 DA CLT. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO CIVIL
COLETIVA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTERVENTOR. No
cumprimento de sentença do processo coletivo o magistrado poderá
nomear interventor judicial para acompanhar o cumprimento das
obrigações de fazer, devendo este ser responsável pela prestação de
contas periódica à Justiça do Trabalho no lapso determinado em
sentença.
Resultado: aprovado por unanimidade.
47) ART. 765 DA CLT E ART. 301 DO NCPC. TUTELA CAUTELAR.
ARRESTO. DISSÍDIO COLETIVO DO TRABALHO. VIABILIDADE
EXCEPCIONAL. Em situações excepcionais, após justificação prévia
e em caráter incidental, é possível, diante do poder geral de cautela
inscrito no art. 765 da CLT e na parte final do art. 301 do NCPC, a
17
concessão de tutela cautelar de arresto em sede de dissídio coletivo
de greve fundada no inadimplemento de obrigações fundamentais
pelo empregador ou quando fundada em comprovada
antissindicalidade patronal.
Resultado: aprovado por unanimidade.”
3.1. O enunciado de nº 4338: “ART. 769 DA CLT. LACUNAS. PROCESSO
COLETIVO DO TRABALHO. Mesmo após o advento do NCPC, as lacunas do
processo coletivo do trabalho, típico ou atípico, são superadas pela aplicação do
chamado microssistema processual coletivo formado, em sua fundação, pela
Constituição Federal, Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil Pública – LACP: arts.
1º, IV; 19; e 21) e pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do
Consumidor – CPDC: arts. 81 a 90)”
O enunciado de nº 43 tem o mérito de destacar a independência
normativa, no universo de uma era das recodificações, do “processo coletivo do
trabalho”, mas como partícipe, como já sublinhado alhures, do Direito Processual
Coletivo Comum, de envergadura constitucional e que encampa, no que se
denominou de o “microssistema processual coletivo”, as normas de superdireito
processual coletivo comum formadas pela Lei nº 7.347/1985 (Lei da Ação Civil
Pública – LACP) e pela Lei nº 8.078/1990 (Código de Proteção e Defesa do
Consumidor – CPDC)39. Na lição, mais uma vez, de Gregório Assagra de Almeida:
“Como diplomas processuais básicos, o CDC e a LACP estabelecem normas de superdireito processual coletivo comum. É o que se extrai principalmente no que tange à coisa julgada coletiva, prevista no CDC (art. 103); ao conceito tripartido de direitos e interesses coletivos, estabelecido pelo art. 81, parágrafo único, do CDC; à regra da não-taxatividade das hipóteses de admissibilidade de ação
38 Na linha do sequenciamento numérico disposto na página oficial do “Fórum Nacional de Processo do Trabalho” (www.forumtrabalhista.com.br). 39 “O elo entre as duas leis foi estabelecido pelos arts. 90, 110 e 117 do CDC, tendo este último acrescentado o art. 21 à Lei de Ação Civil Pública, em face do que a defesa de interesses ou direitos difusos, coletivos e individuais é feita pela aplicação dos dispositivos tanto da Lei n. 7.347/1985 como da Lei n. 8.078/1990. Ambos os diplomas legais formam um microssistema próprio para a defesa dos interesses e direitos transindividuais (...), sendo a CLT aplicada de forma supletiva ou subsidiária, em tudo aquilo que não seja incompatível com aquela tutela.” (BARBOSA, Maria da Graça Bonança. Ação Coletiva Trabalhista: Novas Perspectivas. São Paulo: LTr, 2010, pp. 203 e 205).
18
coletiva, prevista no art. 1º, IV, da LACP; ao princípio da ampla tutela jurisdicional coletiva, previsto no art. 83 do CDC – em decorrência do qual se admitem todos os tipos de ações e tutelas jurisdicionais compatíveis e necessárias para a proteção dos direitos coletivos. Aliás, o art. 21 da LACP deixa expresso que a LACP e o CDC constituem normas processuais básicas sobre o direito processual coletivo comum.”40
Tudo, frise-se por importante, independentemente do NCPC porque,
em relação ao NCPC, o Direito Processual Coletivo Comum, no qual se integra o
“Processo Coletivo do Trabalho”, o Direito Processual do Trabalho dedicado aos
conflitos coletivos de trabalho, se firma de forma autônoma, infenso à visão
individualista que ainda impregna o Direito Processual Civil codificado, a despeito
dos já referidos “incidentes coletivos”, que, em verdade, se fundam na
preponderância dos dissídios individuais, embora multiplicados.
3.2. O enunciado de nº 44: “ CLT, ART. 769 E NCPC, ART.138. POSSIBILIDADE
DE INTERVENÇÃO DO ‘AMICUS CURIAE’ NO PROCESSO TRABALHISTA. O
instituto da intervenção do ‘amicus curiae’, perante a primeira e as instâncias
superiores, contida no art. 138 do NCPC, é compatível com o processo do
trabalho, nas hipóteses específicas de sua previsão”
Ainda que se constitua um incidente “coletivo” de enorme importância
previsto no NCPC, não há, verdadeiramente, incompatibilidade da figura do
amicus curiae com o processo do trabalho, contextualizando, obviamente, a
adequação na compreensão do NCPC dando destaque muito mais à
multiplicidade de casos individuais repetidos como forma alternativa de,
“coletivamente” e por meio da dinastia dos precedentes judiciais, apaziguar os
conflitos de cima para baixo do que regular, de forma ordeira e mais sistêmica, o
processo coletivo propriamente dito de baixo para cima, talvez na suposição, o
NCPC, de que não houve, em nossa história, desenvolvimento suficiente do
processo coletivo para o fim de aplacar o crescente aumento de demandas
tramitando nos foros!
40 Direito Processual Coletivo Brasileiro, p. 584.
19
Opção política por opção política, o fato é que a figura do amicus
curiae, para os processos coletivos especialmente, (i) supera os entraves
dogmáticos e pragmáticos que impediam a aceitação de indivíduos como
assistentes das partes legitimadas para figurar nos processos coletivos, até
porque amicus curiae não é parte; (ii) permite alguma oxigenação dos
superpoderes, quer do Judiciário, quer do Ministério Público do Trabalho, de
controle da adequação dos representantes do grupo que deduz a pretensão
coletiva; e (iii) contribui para uma maior participação, que é uma das vertentes do
NCPC, na construção do processo, ainda mais o coletivo, ensejando um
contraditório pela via de uma discussão multilateral41, obviamente dentro das
hipóteses específicas de sua previsão.
3.3. O enunciado de nº 45: “ CLT, ART. 769 E ART. 94 DA LEI N. 8.078/90. Para
otimizar o acesso metaindividual ou transindividual à Justiça do Trabalho, os
demais juízos deverão ser notificados das decisões proferidas em ações civis
públicas e ações coletivas que produzam efeitos em empresas com filiais em
outras jurisdições distintas da competência do juízo prolator da decisão. Essa
notificação poderá ser realizada por ofício enviado via meio eletrônico”
Uma visão pragmática do processo coletivo do trabalho e que serve
aos propósitos quer do disposto no artigo 94 do CPDC, segundo o qual, ajuizada a
ação coletiva para a tutela de direitos e interesses individuais homogêneos, serão
publicados os editais para que os eventuais interessados possam se habilitar
como litisconsortes do autor coletivo, quer do disposto nos artigos 103, §§ 1º, 2º e
3º; e 104 do CPDC, sobre os efeitos da coisa julgada coletiva nas eventuais ações
individuais em curso e nas suspensões efetivadas do trâmite de ações individuais,
dando publicidade de uma maneira pragmática e melhor do que a da publicação
de edital.
É de se alertar que, para processos coletivos, outros meios de
comunicação são possíveis, mas apenas a publicação do edital é obrigatória, em
uma deficiência enorme da norma de regência porque poucas pessoas possuem
41 VIOLIN, Jordão. O Contraditório no Processo Coletivo: Amicus Curiae e Princípio da Cooperação. In: ZANETI JR., Hermes (coord.). Processo Coletivo. Salvador: JusPodivm, p. 263-283, 2016, p. 275.
20
conhecimento, na prática, de editais publicados e menos indivíduos, por
consequência, poderiam se movimentar, no esquema do artigo 104 do CPDC,
para, tendo conhecimento da demanda coletiva, providenciarem a útil suspensão
de seus processos individuais, evitando o desate trágico, hoje existente no âmbito
do processo do trabalho, de se ter que conviver, sem comunicação adequada,
com várias ações civis públicas e individuais versando a mesma questão
tramitando em diversos juízos, em instâncias diversas, comprometendo os
objetivos maiores da tutela coletiva.
Ainda que voltado a uma comunicação entre os juízos, o que se
espera, pelo enunciado aprovado, é que os juízos emprestem publicidade
adequada em seus territórios de competência para que, ainda que para processos
envolvendo empresas com filiais em várias jurisdições, os objetivos dos artigos 94
e, particularmente, 104 do CPDC sejam atingidos.
3.4. O enunciado de nº 46: “ ART. 769 DA CLT. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AÇÃO
CIVIL COLETIVA. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. INTERVENTOR. No
cumprimento de sentença do processo coletivo o magistrado poderá nomear
interventor judicial para acompanhar o cumprimento das obrigações de fazer,
devendo este ser responsável pela prestação de contas periódica à Justiça do
Trabalho no lapso determinado em sentença.”
Outro enunciado aprovado de cariz pragmático, para a construção de
alternativas que sirvam aos propósitos dos processos coletivos e não tornem a
judicatura um terreno de gestão administrativa acerca do cumprimento de
obrigações de fazer que impeçam ou impactem a produtividade da unidade
jurisdicional. Quer por meio de interventor judicial, quer por meio de acordos ou
pontes construídas entre os sujeitos da relação jurídica processual, a
administração do cumprimento poderá ser melhor tratada fora das rédeas ou da
tutela jurisdicional, com base nos princípios da boa-fé objetiva e da cooperação
entre os agentes envolvidos. O enunciado contém proposta prospectiva que pode
ser explorada para além dos normativos e em prol da criatividade.
21
3.5. O enunciado de nº 47: “ART. 765 DA CLT E ART. 301 DO NCPC. TUTELA
CAUTELAR. ARRESTO. DISSÍDIO COLETIVO DO TRABALHO. VIABILIDADE
EXCEPCIONAL. Em situações excepcionais, após justificação prévia e em caráter
incidental, é possível, diante do poder geral de cautela inscrito no art. 765 da CLT
e na parte final do art. 301 do NCPC, a concessão de tutela cautelar de arresto em
sede de dissídio coletivo de greve fundada no inadimplemento de obrigações
fundamentais pelo empregador ou quando fundada em comprovada
antissindicalidade patronal”
O Precedente Jurisprudencial nº 3 da Seção Especializada em
Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho (“OJ nº 3 da SDC/TST”)
dispõe que são incompatíveis com a natureza e a finalidade do dissídio coletivo as
pretensões de provimento judicial de arresto, apreensão ou depósito.
Uma das razões que embasam o entendimento do verbete é típica
da tradição doutrinária nacional, que, ao longo do tempo, fixou o entendimento de
que as medidas cautelares de arresto, depósito ou apreensão de bens seriam
próprias de dissídios individuais do trabalho, impassíveis de valoração na via da
ação coletiva propriamente dita, de procedimento especial típico do Direito
Processual do Trabalho, que é o dissídio coletivo do trabalho.
No entanto, mesmo em um ambiente de diminuição do papel do
poder normativo da Justiça do Trabalho projetado pelo artigo 114, § 2º, da
Constituição Federal, e com a tendência, originária da própria SDC/TST, de se
conceder, ao dissídio coletivo de trabalho, o título de ambiente processual
adequado para a solução de qualquer tipo de conflito coletivo de trabalho42, o que,
diga-se de passagem, mereceria revisão43, pela surpreendente implosão de toda
42 O alargamento na utilização do dissídio coletivo de trabalho, mormente o de natureza jurídica ou de direito, de forma ampla tem sido evidenciado para o debate sobre a ocorrência, ou não, de dispensas coletivas ou de demissões em massa, o que se originou, na SDC/TST, no paradigmático “Precedente Embraer” (RODC nº 30900-12.2009.5.15.000 – DEJT de 04/09/2009). Ainda que se possa bem criticar, no plano da dogmática, a admissão do dissídio coletivo de natureza jurídica para a discussão acerca da necessidade de prévia negociação coletiva para a efetivação de uma dispensa coletiva e para, em um conduta judicial mais arrojada, a partir daquela premissa, reconhecer direitos ou cominar obrigações de fazer e/ou de não fazer decorrentes da dispensa coletiva reconhecida e declarada no dissídio coletivo de natureza jurídica, o fato é que a SDC/TST tem entendido por alargar, mesmo, a compreensão acerca da vocação daquela espécie de dissídio coletivo, a fim de viabilizar o enfrentamento do fenômeno das dispensas coletivas diante dos indiscutíveis impactos sociais e econômicos decorrentes. 43 Nesse sentido, KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Despedida Coletiva: Preocupações a Partir do “Precedente Embraer”. In: LEITE, Carlos Henrique Bezerra; COLNAGO, Lorena de Mello Rezende;
22
uma construção que separou as tutelas jurisdicionais passíveis de obtenção em
cada tipo de dissídio coletivo (de natureza jurídica: declaratória; de natureza
econômica: constitutivo-dispositiva; e de greve: mista), não obstante o Direito
Processual Coletivo Comum dispor, para o “Processo Coletivo do Trabalho”, de
outras vias e alternativas processuais, até com maior amplitude para a dilação
probatória, para tutelas de urgências e para meios recursais, a jurisprudência da
SDC/TST passou a admitir, excepcionalmente no dissídio coletivo de greve, a
possibilidade de o movimento paredista assumir, ao contrário do conceito legal, a
qualificação de causa de mera interrupção do contrato individual de trabalho,
mormente em hipóteses extraordinárias motivadoras da greve, como as de falta de
negociação prévia para a dispensa coletiva, a de não cumprimento de cláusulas
contratuais relevantes e regras legais explícitas pela empresa (atrasos reiterados
de salários, más condições ambientais), quando se poderá admitir a mudança da
natureza jurídica diante da exceptio non adimpleti contractus44.
GUNTHER, Luiz Eduardo (coord.); COLNAGO, Lorena de Mello Rezende (org.). Execução Trabalhista: Uma Homenagem ao Professor Wagner Giglio. São Paulo: LTr, p. 212-228, 2015, p. 212-214; e KAUFMANN, Marcus de Oliveira. Procedimentos Especiais: Entre o Novo Código de Processo Civil (NCPC) e o Processo do Trabalho. In: DALLEGRAVE NETO, José Affonso; GOULART, Rodrigo Fortunato (coord.). Novo CPC e o Processo do Trabalho. São Paulo: LTr, p. 315-325, 2016, pp. 320-323. 44 Nesse sentido, a jurisprudência recente: “3. POSSIBILIDADE JURÍDICA DE A SENTENÇA NORMATIVA ESTABELECER E DECIDIR CLÁUSULAS ECONÔMICAS EM DISSÍDIO DE GREVE SUSCITADO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Havendo greve em andamento, torna-se possível a propositura de dissídio coletivo por qualquer das partes, empregador ou sindicato patronal e sindicato de trabalhadores, ou pelo Ministério Público do Trabalho (art. 114, § 3º, CF; art. 8º, Lei 7.783/89). A própria Constituição Federal regula os dissídios de greve em regra jurídica diversa, apartada (art. 114, § 3º), determinando à Justiça do Trabalho que decida o conflito. Na mesma direção está a Lei de Greve, com preceitos expressos e enfáticos sobre o papel da Justiça do Trabalho quanto a decidir o conflito coletivo em andamento (art. 7º, in fine; art. 8º, Lei 7.783/89). Se o cerne do conflito envolver questões de ordem econômica, essas devem ser resolvidas a fim de efetivamente solucionar o impasse gerado pela greve. Com efeito, é pacifico na jurisprudência desta Corte o entendimento de que, nos dissídios coletivos de greve, cabe ao Judiciário deliberar quanto à abusividade ou não do movimento, bem como em relação às demais questões e reivindicações apresentadas no curso da representação coletiva, independentemente de o dissídio coletivo ter sido ajuizado pelo MPT ou pelos próprios seres diretamente interessados. Diante dessas considerações, há necessidade de pacificação dos conflitos com a resolução de todas as questões que geraram a paralisação e demais reivindicações da categoria, mesmo que o Autor do dissídio tenha sido o Ministério Público do Trabalho, ente constitucionalmente legitimado para tanto. (...) 5. DESCONTO E COMPENSAÇÃO DOS DIAS DE PARALISAÇÃO. SOLUÇÃO INTERMEDIÁRIA. GREVE COM DURAÇÃO SUPERIOR A 30 DIAS. A regra geral no Direito brasileiro, segundo a jurisprudência dominante, é tratar a duração do movimento paredista como suspensão do contrato de trabalho (art. 7º, Lei 7.783/89). Isso significa que os dias parados, em princípio, não são pagos, não se computando para fins contratuais o mesmo período. Entretanto, caso se trate de greve em função do não cumprimento de cláusulas contratuais relevantes e regras legais pela empresa (não pagamento ou atrasos reiterados de salários, más condições ambientais, com risco à higidez dos obreiros, etc.), em que se pode falar na aplicação da regra contida na exceção do contrato não cumprido, a greve deixa de produzir o efeito da mera suspensão. Do mesmo modo, quando o direito constitucional de greve é exercido para tentar regulamentar a dispensa massiva. Nesses dois grandes casos, seria cabível enquadrar-se como
23
Como o NCPC não elimina o poder geral de cautela, consagrando-o,
ainda que timidamente, na parte final do artigo 301, não parece ser razoável a
manutenção, em um novo cenário para as tutelas provisórias, mormente as de
natureza cautelar, da orientação da OJ nº 3 da SDC/TST45.
Para a garantia do devido processo legal próprio do Direito
Constitucional Processual e para que haja o comprometimento, na fase instrutória
do dissídio coletivo, à distribuição equitativa do ônus probatório, o enunciado
busca a que, particularmente o arresto, naquelas situações limítrofes de violações
a obrigações fundamentais atinentes à relação de trabalho verificadas na
jurisprudência recente da SDC/TST ou, já para além da jurisprudência, e em
defesa do princípio universal da liberdade sindical e de garantia à plena ação
coletiva46 – a fim de que não seja objeto de represálias ou retaliações que não
possam ser imediatamente contestadas pela coletividade obreira com o
instrumento máximo de irresignação, que é a greve –, se reconheça deva ser
explicitamente admitido o arresto em dissídios coletivos de greve, diante do novo
regramento às tutelas provisórias advindas com o NCPC, o que parcialmente
alteraria a orientação da OJ nº 3 da SDC/TST, ainda mais quando se sabe que
tutelas de urgência de natureza cautelar (como a da figura do protesto para
mera interrupção o período de duração do movimento paredista, descabendo o desconto salarial. Verifica-se que o caso dos autos não se amolda à hipótese de interrupção do contrato de trabalho, mas de suspensão contratual, não sendo devido, a princípio, o pagamento dos dias parados. Entretanto, esta Corte já se pronunciou no sentido de que é possível se adotar uma solução intermediária quando a greve perdurou por elevado número de dias, como é a hipótese em comento (35 dias de paralisação), a fim de evitar o comprometimento de largo período de salário dos trabalhadores. Assim, deve ser autorizada a compensação de 20 dias e o desconto de salários referentes a 15 dias de paralisação.” (TST, SDC, RODC nº 18400-20.2010.5.17.0000, Rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, DEJT de 06/02/2015). 45 Também nessa toada, MIESSA, Élisson. Impactos do Novo CPC nas Súmulas e Orientações Jurisprudenciais do TST. Salvador: JusPodivm, 2016, pp. 403-404. 46 Oscar Ermida Uriarte, é sempre bom recordar, leciona que o princípio da proteção é o princípio básico do Direito do Trabalho, que se exerce de duas maneiras: a primeira, pela via heterônoma, pelo Estado, pela lei, principalmente para os fins do Direito Individual do Trabalho; a segunda, pela via autônoma, pela proteção à ação sindical, especialmente a proteção à autonomia privada coletiva e à autotutela. Oscar Ermida Uriarte sustenta que a lei liberta o homem no plano das relações individuais do trabalho, enquanto a autonomia da ação coletiva é que liberta o homem no plano das relações coletivas do trabalho. A autonomia sindical, que garante a proteção à ação sindical, é que, no Direito Coletivo Material do Trabalho, faz valer o princípio protetivo do Direito do Trabalho (Primera Lectura de la Ley 17.940 de Protección de la Actividad Sindical. Derecho Laboral. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, tomo XLIX, nº 221, enero-marzo: 237-259, 2006, p. 244). O enunciado aprovado, abeberando-se desses ensinamentos, consagra situações de revisão da OJ nº 3 da SDC/TST já previstas na jurisprudência, bem como as alarga para a tutela do que é mais caro à ação coletiva em momentos de greve (por vezes perceptíveis em dissídios coletivos de greve), com a criação, quase que automática, de momentos propícios à prática da antissindicalidade patronal: a garantia, livre, sem represálias que possam caracterizar práticas antissindicais, da ação coletiva como corolário da liberdade sindical coletiva.
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assegurar a data-base e a da concessão de efeito suspensivo a recurso ordinário
em dissídio coletivo) fazem parte do ritual formal e dogmático previsto para
dissídios coletivos.
4. Ainda após o NCPC: a Instrução Normativa nº 39/2016 do Tribunal Superior do
Trabalho e o Ato nº 168/2016 do Tribunal Superior do Trabalho
Ainda no que diz respeito ao “Processo Coletivo do Trabalho”, na
aurora da vigência do NCPC, e se já não bastassem os enunciados aprovados
pelo 8º grupo temático do Fórum Nacional do Processo do Trabalho, o Direito
Processual do Trabalho, reforçado por tudo o quanto acima já discutido, mesmo
após o advento do NCPC, passou ao largo das considerações do Tribunal
Superior do Trabalho na recém editada Instrução Normativa nº 39/2016 (aprovada
pela Resolução nº 203 de 15 de março de 2016 do Tribunal Pleno do Tribunal
Superior do Trabalho e publicada, no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, em
16 de março de 2016), que dispõe sobre as normas do NCPC aplicáveis e
inaplicáveis ao processo do trabalho, de forma não exaustiva.
Quer seja pela feição ainda individualista do NCPC, que tangenciou o
processo coletivo, quer pelo enquadramento constitucional e infraconstitucional
próprio (pelo microssistema de tutela coletiva comum) do Direito Processual
Coletivo Comum em suas interseções com o Direito Processual do Trabalho, a
Instrução Normativa nº 39/2016 do Tribunal Superior do Trabalho não conseguiu
adentrar alguma consideração mais próxima do universo coletivo, embora tenha
tratado do que se expôs no enunciado de nº 44 do Fórum quanto à aplicabilidade,
ao processo do trabalho, do disposto no artigo 138 e parágrafos do NCPC
relacionado à figura do amicus curiae.
No artigo 14 da Instrução Normativa nº 39/2016, o Tribunal Superior
do Trabalho tratou da aplicabilidade, ao processo do trabalho, de forma específica
e única para o procedimento especial típico do dissídio coletivo de natureza
econômica, do disposto no artigo 165 do NCPC47, para a criação, nos Tribunais do
47 “Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.”
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Trabalho, de centros judiciários de solução consensual de conflitos para a
realização de audiências de conciliação e mediação de ordem a estimular, para
conflitos coletivos de trabalho, a autocomposição.
Agiu bem o Tribunal Superior do Trabalho, a despeito de o conteúdo
da norma do artigo 165 do NCPC não ser, de todo o modo, uma novidade diante
da prática rotineira de exercício de estímulo a soluções consensuais pelos
Tribunais do Trabalho quando das fases postulatória e instrutória de dissídios
coletivos de natureza econômica. O juízo de equidade próprio ao exercício da
jurisdição trabalhista normativa induz, necessariamente, a práticas destinadas à
solução autocompositiva e ao investimento nesse sentido por parte dos Tribunais
do Trabalho, muitos deles contando com assessorias econômicas que, com os
sujeitos coletivos de trabalho, discutem, meritoriamente, em sessões informais e
destacadas do viés jurisdicional, as circunstâncias todas que envolvem dado
dissídio coletivo, com trato qualificado de questões sociológicas e econômicas
subjacentes ao conflito coletivo.
O Tribunal Superior do Trabalho, de toda a sorte, e de forma
elogiável, destacou o essencial da prática forense dos dissídios coletivos, de
forma mais acentuada ou não em dados Tribunais Regionais do Trabalho, para
empreender uma ponte prospectiva, no âmbito do Direito Processual do Trabalho,
para com o NCPC, sem prejudicar o Direito Processual Coletivo Comum.
O artigo 14 da Instrução Normativa nº 39/2016 do Tribunal Superior
do Trabalho explica, e muito, a razão pela qual o Ministro Presidente resolveu, em
04 de abril de 2016, alguns dias depois portanto, editar o Ato nº 168/2016, que
dispõe sobre os pedidos de mediação e conciliação pré-processual de conflitos
coletivos de trabalho no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho, firmando um
exemplo que pode ser seguido, facilmente, pelos Tribunais Regionais do Trabalho,
para a autocomposição tão útil em dissídios coletivos.
Baseada na prática exitosa do Ministro Ives Gandra da Silva Martins
Filho, essa novidade consistente na implementação de uma fase pré-processual
de dissídios coletivos se estabelece, de forma originária e corajosa, para além do
óbvio, para além dos dissídios coletivos de natureza econômica, uma vez que
também se aplica aos dissídios coletivos de natureza jurídica ou de direito e aos
dissídios coletivos de greve (artigo 2º do Ato nº 168/2016), incentivando-os a uma
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possível solução consensual em audiência de mediação e conciliação (artigo 5º e
parágrafos) para explorar, à exaustão, as possibilidades da base da atuação dos
sujeitos coletivos de trabalho, da função primordial dos sindicatos, enfim, da
negociação coletiva, agora incentivada de forma criativa de forma como os
Tribunais não saberiam, quiçá, incentivar se apenas adstritos ao disposto no artigo
114, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal.
Uma construção original, depois do NCPC, própria do Direito
Processual do Trabalho e que só pode engrandecer, ainda que como uma
prospecção de atuação judiciária não cômoda, o Direito Processual Coletivo
Comum.