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DIREITO À INFORMAÇÃO COMO PRESSUPOSTO DA
DIGNIDADE HUMANA NO CASO ALIMENTAR DE ANIMAIS
MARIANA SPACEK ALVIM1
ALEXANDRE WALMOTT BORGES2
RESUMO
Busca-se com o trabalho, demonstrar a necessidade atual, no âmbito do direito do
consumidor, de efetivar o princípio da transparência nas relações comerciais através do direito
objetivo à informação, especialmente no caso alimentar de animais, posto que nessa espécie
de alimento uma enorme carga de dilemas éticos é suscitada.
Ainda no texto, busca-se expor que tais direitos efetivados, por significarem
importante garantia da igualdade e exercício da liberdade verdadeira, auxiliariam
enormemente o aperfeiçoamento cultural da sociedade, possibilitando ao consumidor um
fundamental papel político diante das escolhas feitas, não só no escoamento da produção, mas
também na sua determinação.
PALAVRAS-CHAVE: Direito do consumidor, Direito à informação, Consumo
alimentar de animais.
ABSTRACT
This work follows to demonstrate the current need, on the Consumer’s Right, to
legitimate the transparency principle on the commercial relations through the objective right
of information, specially at animal diet case, since this type of food can raise a massive charge
of ethical dilemmas questions.
1 Bacharelanda em direito pela Universidade Federal de Uberlândia e bolsista da Iniciação Científica pela Fapemig. Av: João Naves de Ávila, 2121 – Bairro: Santa Mônica – Uberlândia/MG, CEP 38.408-100. Bloco 3D. E-mail marianaspacek_ufu@hotmail.com. 2 O orientador é professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Av: João Naves de Ávila, 2121 – Bairro: Santa Mônica – Uberlândia/MG, CEP 38.408-100. Bloco 3D. E-mail awb@netsite.com.br.
2
Also in the text, it follows to expose that the rights, mean a significant guarantee of
equality and true exercise of freedom, could assist the cultural development of society,
allowing the consumer an important political role beside the choices made, not only in the
flow production, but also in their determination.
KEYWORDS: Consumer’s rights, Right to information, Consumption of animals.
I – MATERIAIS E MÉTODOS
Foram utilizadas, para a concreção do trabalho, as referências bibliográficas
estipuladas ao final. Elas são de cunho normativo e doutrinário. Essas somaram aos textos
teorias e comentários de caráter histórico, jurídico, econômico e filosófico.
A metodologia empregada, já que se trata de análise histórico-formal, é o juízo
dedutivo, o qual parte de afirmações consolidadas abstratamente para fazer afirmações
específicas.
II – INTRODUÇÃO
LIBERDADE E IGUALDADE
01 - Valores: liberdade e igualdade
Partindo-se de uma concepção sistêmica de avaliação, detectar-se-á que o dever ser é
um sistema axiológico dividido entre uma dimensão axiológica, estritamente, e uma deôntica.
Mesmo que o não proponha necessariamente, os valores fundamentam o dever ser,
definindo desde o estético até o ético, esse último com bifurcação entre eticidade interna, a
moral, e a externa, o direito.
É exatamente o valor que confere o conteúdo do dever ser ideal. E a relação do valor
com a realidade é a concretização da cultura, a qual não pode ser coisificada por depender
constantemente da participação direta das pessoas.3
3 WALMOTT BORGES, Alexandre. Apreciação da natureza dos valores e das normas no Sistema
Constitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 91, p. 109 – 143, jan - jun. 2005.
3
A participação das pessoas na valoração pode ser realizada individual ou
coletivamente, sendo que esse segundo caso atribui uma medida objetiva ao valor, pela pessoa
ser entidade supra-individual.
O direito, ou deontologia jurídica, tutela de modo específico a ordem de coisas eleitas
valiosas no mundo do dever ser, servindo de suporte à cultura.
Inicialmente, a valoração se refere ao elemento primário ou originário do que está
determinado na norma. Trata-se de opções prévias dentre várias condutas possíveis e emerge
nas etapas de produção, interpretação e decisão.
Para realmente prover a adequação do sistema, os valores são realizados pelos
princípios na ordem jurídica, os quais são capazes de firmar os quadros normativos,
considerando que são os princípios capazes de eliminar a insegurança e incerteza através das
generalizações normativas, especialmente na máxima igualdade e liberdade.
A igualdade e a liberdade podem ser consideradas os valores mais altos da hierarquia
porque perduram no tempo, se aplicam a uma pluralidade de sujeitos e são fundamentadores
de outros valores em busca da concórdia social.
02 - História da igualdade e liberdade
Reconhecendo o direito como um fenômeno sócio-cultural de extrema relevância, é
necessário que se estude os aspectos históricos de valorização da igualdade e liberdade, já que
são, ambos, substratos do sistema em avaliação e como objetivos últimos da norma
dependem, obviamente, se quisermos demonstrar sua construção sistemática e racional, de
freqüentes atuações axiológicas de renovação, por meio da recepção das dimensões sociais e
políticas.
Além disso, faz-se importante também o entendimento das fases históricas de
surgimento e consolidação desses dois valores para a devida compreensão de suas
reorientações atuais, como princípios, através do valor solidariedade impresso nos textos
normativos, que vislumbram minimizar uma tensão entre grupos e estabilizar o sistema
político.
Em um primeiro momento, para essa noção evolutiva dos valores, é inevitável o
entendimento da passagem do Estado de direito ao Estado constitucional de direito, que se
4
deu no século XX, e o que isso significou para o sistema político e, conseqüentemente, para
os direitos das pessoas.
Notar-se-á que a materialização em princípios dos dois valores nucleares escolhidos
socialmente, e o depósito desses princípios nas Constituições, mudou significativamente a
hermenêutica jurídica, garantindo grau de eficácia e vinculação elevado a ambos, pois que são
elementos-guia e os valores mais seguros.4
Elementos-guia porque os valores superiores criteriosamente avaliados e eleitos
compõem um dimensionamento de sentido e direcionamento de ação em categoria superior às
regras, já que o seu conteúdo demonstra os objetivos últimos do sistema jurídico como um
todo. Isso afeta amplamente o ordenamento, o qual deve, necessariamente, ser resvalado, em
todas as suas etapas de construção e aplicação normativa, pela igualdade e liberdade.
Essa nova perspectiva de atuação do Estado faz com que, conjuntamente à dominação
do Estado sobre a sociedade, haja também um espesso limite à atuação estatal imposto pela
sociedade, respaldada nos seus princípios fundadores. Trata-se de um garantismo jurídico
constitucionalista, proveniente da fase racional-prática do direito hodierno.5
Nesse contexto, é possível dizer que se busca hoje, com a aplicação do direito, a
realização da justiça, que simploriamente poder-se-ia dizer garantias apoiadas nos valores
igualdade e liberdade, essenciais à existência digna de qualquer membro da sociedade.
Como dito, de maneira inovadora em relação às formas de disposição normativa
anteriores, o constitucionalismo busca conferir às normas desprendidas do seu texto uma
pretensão de eficácia vinculante e também imediata pelos princípios realizadores da igualdade
e liberdade.
Como a maneira que o constitucionalismo se delineou, e chegou a ser o que fora
explanado, é a somatória de fenômenos históricos e demandas sociais, resta-nos traçar esse
caminho.
4 MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o
aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,
p. 61 – 95. 5 COELHO, Edihermes Marques; BORGES, Alexandre Walmott. Ensaios sobre sistema jurídico. Uberlândia:
Instituto de estudos Jurídicos Contemporâneos, 2001. XXXp.
5
Desde a Idade Média, quando se cogitava a limitação dos poderes políticos através de
documentos procedimental-legais, já era possível visualizar uma contribuição ao
Constitucionalismo, nos moldes de seus objetivos de hoje, mesmo havendo diversos
problemas de efetividade desses preceitos expostos à apreciação, tendo em vista que não se
falava em prestação positiva e negativa do Estado, tampouco em legitimidade dos textos
normativos por meios justificadores e órgãos de controle.
Durante os séculos XVII e XVIII, nos quais existiam três características peculiares
revestindo a comunidade, quais eram: o absolutismo monárquico, o mercantilismo e um
representativo poder da Igreja, a burguesia, que vinha se consolidando como classe de suma
importância na manutenção material da comunidade, passou a perceber distintas
incompatibilidades de seus interesses em relação aos pilares tradicionais decorrentes da Idade
Média.
Desse modo, adquirindo consciência de suas próprias demandas, ao mesmo tempo em
que incorporava sua própria relevância na esfera comunitária, os ideais liberais passaram a ser
difundidos pela Europa, essencialmente na França e Inglaterra, países de maior importância
para as transformações referidas, através do movimento intelectual denominado Iluminismo.
Sua substância argumentativa se respaldava em intensa valorização da capacidade
humana de conhecer, compreender e julgar a realidade por meio da razão. Esse fato gerava a
exaltação do indivíduo a ponto de subordinar todas as experiências e intentos teóricos às suas
capacidades analíticas e liberdades, em nítida consideração antropocêntrica.
Nesse sentido, para poder adquirir uma resposta real, eficaz e duradoura para seus
anseios, a nova classe, no momento insurgente, traça as defesas da liberdade, igualdade
jurídica, divisão dos poderes e governos representativos como delineamentos do que seria a
partir da nova noção que se estava construindo, de uma sociedade mais justa, coerente e
harmônica.
Embora muito se confunda, o liberalismo e o constitucionalismo são propostas
jurídico-políticas de caracteres bem diferentes. O liberalismo influenciou o constitucionalismo
na sua formação, contudo é uma ideologia da classe burguesa no início da idade moderna de
deixar o mercado como principal fator de regulamentação das relações produtivas e divisão de
trabalho e poder. Já o constitucionalismo persegue um amadurecimento racional da
normatividade, visando atingir os ideais da ética teórica e conciliação política, que levam até
6
mesmo a intervenção estatal na economia, para evitar concentração de renda e exclusão
social.
Ante a já ocorrida subjetivação do arcabouço normativo com formulações
jusnaturalistas, os pactos sociais do século XVII e XVIII demarcaram o fim da Idade Média e
o início da Idade Moderna sobre os modelos constitucionais liberais, que se pautam na
Declaração dos Direitos do Homem, a qual traz em si o núcleo moral, segundo uma
valorização dos direitos individuais; o núcleo político, com a implementação de uma
democracia representativa e um núcleo econômico, conferindo direito aos particulares de
realizarem empreendimentos.
A essencial mudança foi percebida na maneira de o constitucionalismo abordar seu
conteúdo precípuo. Conforme explicitado pelo professor Kildare Gonçalves Carvalho, há um
“abstracionismo constitucional”, ou seja, uma expansão formal de conceitos emergentes por
decorrência da racionalização das relações de poder e imposição de seus limites, buscando
conferir à população segurança jurídica e proteção máxima do núcleo essencial dos direitos do
indivíduo.6
02.1 – Cisão capital e trabalho
Após essa primeira abrupta ruptura de entendimentos e ideologias para reger os textos
normativos nascentes, o constitucionalismo do primeiro impacto liberal passou por diversas
modificações e aperfeiçoamentos, até a consolidação do Estado Constitucional de Direito nos
moldes atuais, a partir do enfrentamento de circunstâncias políticas, sociais e econômicas por
meio da classe trabalhadora no período da Revolução Industrial, trata-se da primeira cisão,
ocorrida no século XIX.
O fato de a valorização da igualdade e da liberdade terem sido pressupostos do
desenvolvimento capitalista, mas sem que tenha havido simultaneamente um amadurecimento
político formal, criou distorções econômico-sociais de grandes dimensões, porque a força de
trabalho passou a ser utilizada de modo extremamente abusado, visto que os trabalhadores
não tinham garantidos quaisquer direitos e os empregadores tinham condições de justificar
todos os acontecimentos de excesso com os novos direitos constitucionais conferidos. Para si,
havia o direito de promover empreendimentos e para os trabalhadores, de venderem ou não
6 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. P. 216.
7
sua força de trabalho, conforme suas vontades, pelo fato de serem livres e iguais,
juridicamente, ao patrão.
Economicamente, percebia-se a intensa utilização da força de trabalho livre-
subordinada como elemento fundamental da produção, o desenvolvimento da denominada
grande indústria, bem como sua concentração.
Socialmente, o que foi de muita importância para o processo de primeira cisão na
evolução capitalista, qual seja o de embate entre capital e trabalho, foi a concentração das
pessoas, os proletários, em torno das cidades industriais, o que criou entre elas uma
identificação profissional, a qual auxiliou enormemente a próxima circunstância.
Politicamente, o que houve foi uma mobilização dos proletários, agora em identidade,
para que fossem fixados preceitos objetivos para a contratação e gerenciamento da força de
trabalho para que os próprios não ficassem a mercê das oscilações do mercado e, portanto,
tivessem violada sua dignidade, sem que nada pudessem fazer, considerando que a igualdade
formalmente entendida só permitiria que o trabalhador não aceitasse as condições e saísse do
emprego, o que não era solução adequada.
Sendo dessa forma, os trabalhadores desse período conseguiram se contrapor às
arbitrariedades, ocorridas na esfera do trabalho, através das suas ações sociopolíticas como
sujeito coletivo. Assim, conquistaram a valorização do trabalho e dos trabalhadores bem
como sua posterior codificação em um ramo do direito, chamado Direito do Trabalho.
02.2 – Cisão produtor e consumidor
No caso das relações de trabalho, a desigualdade material era uma realidade que gerou
os conflitos retratados e desencadeou a formação e consolidação do Direito do Trabalho.
Contudo, existia outra situação envolvendo a liberdade e a igualdade das pessoas, era o caso
das relações comerciais entre produtor e consumidor, posto que o capitalismo estava em
ascensão e passou a existir um intermediário nas relações de troca.
No período do constitucionalismo liberal não subsistia desigualdade entre os
contratantes. Os atores contratuais viviam a efetiva liberdade e igualdade, sendo que se
conheciam e reconheciam no produto suas etapas de produção e distribuição. Nesse sentido, é
correto dizer que o pressuposto liberal no caso das relações de consumo era verdadeiro, pois
que remete a indivíduos livres, independentes e iguais em direitos e obrigações.
8
Mas à medida que o capitalismo foi se modificando e se recondicionando, conforme
seus fins, outra realidade de conflito social se demonstrou, um conflito capaz de gerar
segregação social atípica e disputa dentro de uma mesma classe social. Trata-se do momento
em que não mais se valorizou as necessidades individuais do consumidor e passou a haver,
por parte do produtor, um elevado poder econômico (surgimento das corporações). Nesse
período, iniciou-se um desequilíbrio entre ambos, o que fez o consumidor assumir a posição
de hipossuficiente e vulnerável em direitos. Para James Marins, essa representação ocorreu
em um momento que ele denominou de “revolução das massas”.7
Essa “revolução das massas”, capaz de gerar diversificadas conseqüências políticas,
sociais e econômicas, foi tratada por Cláudia Lima Marques como a matriz para a crise da
pós-modernidade, que nada mais foi, e ainda é, em diversos aspectos, do que as relações
massificadas de adesão e a “morte do sujeito”, individualmente considerado e respeitado
como antes.8
Nessa nova forma de associativismo, típica da sociedade de consumo do século XX, o
sujeito perdeu seu individualismo e, a partir dele, o conhecimento pleno do negócio, à medida
que os contratos de massa passam a ter um caráter coletivo e anônimo.9
Embora essa nova situação implique uma dialética mais complexa que a do capital
versus trabalho10, a forma de organização para a superação da vulnerabilidade passou a ser
concebida como a mesma adotada na primeira cisão, ou seja, buscar uma integração de todas
as classes e profissionais na condição de consumidor como um sujeito coletivo, capaz de
exigir uma harmonia das relações e refrear os malefícios causados pelo excesso de liberdade
do mercado, através de um Direito do Consumidor.
7 MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993,
p. 18.
8MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o
aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,
p. 61 – 95.
9 CARPENA, Heloísa. O direito de escolha: garantindo a soberania do consumidor no mercado. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, n. 51, p. 154 – 171.
10 JÚNIOR, Geraldo Batista. A defesa do consumidor na ordem jurídico-econômica. Revista de Direito Público
da Economia, p. 161 – 188.
9
III - DISCUSSÃO
VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR
Então, depois da relativa igualdade vivenciada na origem do capitalismo liberal, o que
passou a ocorrer foi um autoritarismo de regras impostas pelos fabricantes, produtores,
construtores, importadores e comerciantes aos consumidores. E é nesse ponto que reside a
vulnerabilidade desses, porque lhes faltam condições de reunir os elementos necessários a
formação de opinião e escolha consciente. Nesse sentido, o que era fruto de negociação e
ponderação passou a ser fruto da “continuidade de um padrão”.11 O efeito de tal fato é que o
consumidor deixa de decidir o consumo e passa a se entregar a ele.
Nesse diapasão, as características essenciais do consumidor e que o fazem estar na
condição de vulnerabilidade em comparação ao produtor na relação contratual é a falta de
controle do processo produtivo e a existência de opção de escolha apenas entre os produtos
oferecidos pelo produtor, prévia e unilateralmente no mercado. Refere-se ao que Karl Marx
denominou como mais uma etapa alienada do movimento de produção, a fragmentação do
consumo.12 Diante do quadro de descontextualização, a pessoa se sente desengatada das
coisas, mesmo sabendo que há uma infinidade de nexos causais envolvidos na produção.
Sintetizando, os principais problemas detectados, no início do século XX e que
permeia o momento histórico recente, dentro da esfera consumerista, e que justamente fazem
o cerne da Política Nacional de Relações de Consumo ser o pressuposto da vulnerabilidade do
consumidor, é o fato de o fornecedor não mais ser uma pessoa conhecida daquele, como no
período inicial das conexões comerciais, em que a boa-fé (decorrente da confiança) era um
desígnio natural.
Além disso, é o próprio consumidor se ver limitado na sua liberdade, constantemente,
pois que o mercado a vicia, através da criação determinante de novas necessidades todo o
tempo, por meio da independência (ou fetichização) dos objetos, que cria um estado de
precisão, vontade e ação de compra em grande parte condicionada, e isso é o que causa a
11 CARPENA, Heloísa. O direito de escolha: garantindo a soberania do consumidor no mercado. Revista de
Direito do Consumidor, São Paulo, n. 51, p. 154 – 171.
12 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In:_______ Os Pensadores. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra Ltda., 1974. Cap. 01, p. 09 – 54.
10
imperfeição, falta de qualidade da manifestação da vontade e, assim, proporciona a situação
de hipossuficiência do consumidor (atual agente manipulado).
Nesse caso, ainda, o que se verifica é “o indivíduo especulando sobre o modo de criar
no outro uma nova necessidade para obrigá-lo a um novo sacrifício, para levá-lo a uma
dependência, para desviá-lo para uma nova forma de gozo”.13 Ainda sobre os termos de Karl
Marx, trata-se da redução do ser a um ser quantitativo. Esse caminho é percorrido pela
separação de grande parte do trabalho humano (do qual decorre a natureza antropológica da
produção) e, conseqüentemente, pela substituição dos sentidos físicos e espirituais dos
consumidores pelos de posse. Nesse caminho, o progresso material, que deveria ser o meio,
está sendo confundido com o próprio fim, e as pessoas vivem o padrão do ter e não do ser.14
Também como primordial barreira à autonomia do consumidor está a sua incapacidade
de reunir todos os fatores de determinação das características dos produtos e serviços
necessárias para uma aceitação consciente e responsável. O consumidor acaba por não saber
basicamente nada sobre a extração da matéria-prima, produção, distribuição e destino dos
produtos, deixando-se levar por elementos externos à sua cognição.
Essa nova situação de descomprometimento entre os parceiros contratuais é parte de
uma tendência atual de desabilitação social, em que as pessoas buscam minimizar os riscos do
contato, reduzindo a responsabilidade de cada um para com o outro. É um fragmento do que
se denomina como descartabilidade das relações.15
Nesse caso do consumo, passa a se buscar uma pureza relacional, que nada mais é que
a “ausência de ingredientes eticamente carregados”, porque esses, entremeando a relação,
gerariam sentimentos de responsabilidade, comportamentos não-rotineiros, consciência e
ação. Todas essas exigências exigiriam, da pessoa envolvida, uma seqüência de criação e
esforço.
13 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In:_______ Os Pensadores. Rio de Janeiro: Editora Paz e
Terra Ltda., 1974. Cap. 01, p. 09 – 54.
14 GOMES, Daniela Vasconcellos. Educação para o consumo ético e responsável. Disponível em
<http://www.remea.furg.br/edicoes/vol16/art02v16.pdf> Acesso em 17. Jul. 2008.
15 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias; tradução Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p.25.
11
Todo o dito acerca do desenvolvimento da fragilidade do consumidor, por se lidar com
práticas essenciais à manutenção da existência digna, já que se trata do suprimento de
necessidades básicas relativas ao mínimo vital, faz a matéria de Direito do Consumidor, suas
investigações e decorrências, ser de suma utilidade para a condução de políticas públicas
corretas referentes à destinação coerente e conseqüente de bens e serviços. Além do que, é
fundamental ao aprimoramento cultural da população a integração entre as diferentes forças
capazes de viabilizar essa circulação de riquezas, consumidor e empresariado.16
CODIFICAÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR
No decorrer do século XX, por existir uma identificação entre os consumidores e sua
conseqüente tomada de consciência da superioridade técnica do produtor sobre o quê e como
produzir os bens a serem ofertados, a matéria de defesa do consumidor foi se constituindo
como autônoma na busca de organização de uma nova forma de cooperação entre as pessoas
viventes em sociedade.17
Como os sujeitos consumidores se perceberam como coletividade, o conceito de
sujeito de direitos foi re-significado18, posto que se qualificou. Esse novo grupo, em meio a
uma crise social e a intensas transformações pelas quais o Estado estava passando, acabou por
impor para si uma lista de direitos fundamentais ao mesmo tempo em que fez vir à tona a
necessidade premente de se traçar limites à ordem econômica.
Esse fenômeno consumerista efetivamente se mostrou nas décadas de sessenta e
setenta, mas no Brasil foi a partir da Constituição Cidadã de 1988 que o consumidor passou a
receber maior atenção, devido ao fato de ter passado a existir um mandamento constitucional
de elaboração de um Código de Defesa dos Consumidores, que propiciaria segurança maior às
relações já que passaria a ser norma de ordem pública e interesse social, além de ter incluída
16 MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993,
p.21.
17 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do anteprojeto/Ada Pellegrini
Grinover...[et al]. – 6ª edição – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p.06.
18 MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o
aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,
p. 61 – 95.
12
essa proteção no rol de direitos e deveres individuais e coletivos bem como no rol de
princípios da atividade econômica dentro mesmo da Constituição.
Essa organização normativa poderia ser feita de várias maneiras, mas a codificação da
matéria tem suas vantagens, quais sejam a de evitar lacuna ou contradição do texto, mesmo
porque não busca esgotar a temática e sim propiciar uma elevada efetivação por meio das
diretrizes que impõe, inclusive porque é um texto normativo cruzado horizontalmente por
diversos outros ramos do direito que contribuem para a defesa do consumidor.
Cláudia Lima Marques situou bem esse momento de afirmação de direitos
fundamentais e transformação no papel ativo do Estado com uma citação do autor Erik Jayme,
na qual ele diz que é tendência da pós-modernidade, no âmbito do direito, a valorização dos
direitos humanos e como os direitos humanos são recebidos na Constituição como direitos
fundamentais, esses devem ser usados, dentro do Estado, como pressuposto de interpretação
de todos os ramos do direito.
No caso do direito civil, atuando como limitador, protetor e inibidor de abusos, posto
que o próprio mercado não tem condições de superar essa vulnerabilidade sozinho, o Estado
tem papel fundamental na proteção do direito do consumidor para a concretização da
democracia liberal, em que a ética normativa de defesa busca a igualdade, mesmo que para
isso seja preciso promover uma desigualdade formal para proporcionar a igualdade material.
E para chegar a conquistar a igualdade, o caminho é de exigência de harmonia, boa-fé
e equilíbrio nas relações de consumo, o que proporciona a cooperação entre os dois grupos
negociantes. As exigências são capazes de nos orientar na interpretação e concreção das
normas protetivas através de princípios fundamentais, quais sejam: igualdade material,
liberdade racional e informada, solidariedade e justiça distributiva19, e cumpridas possibilitam
o cumprimento do plano de validade dos negócios jurídicos.
ELEMENTOS NECESSÁRIOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS
19 MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o
aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,
p. 61 – 95.
13
Os planos de validade, anteriormente citados, na realidade compõem um todo
necessário a constituição e produção de efeitos dos negócios jurídicos em geral, quais sejam
os planos de existência, validade e eficácia.
Todos esses planos são úteis à compreensão do conceito de vontade, autonomia e vício
bem como suas derivações, capazes de demonstrar o quão importante é a confiança nas
relações entre particulares o que a faz dever ser protegida pelo Estado em busca de evitar
abusos.
O plano de existência é dividido em quatro partes, quais sejam a manifestação de
vontade, haver um agente, um objeto e uma forma. O primeiro elemento é chamado por Pablo
Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho de “querer humano” 20, ou seja, uma declaração de
vontade a ser conferida perfeitamente por qualquer pessoa externa ao acordo, já que quando
emitida torna-se uma norma cogente para quem o declarou. O segundo trata de uma
necessidade óbvia, se considerar que não há vontade manifesta sozinha. Como terceiro tem-se
a essencialidade do objeto, sobre o qual recai a combinação. Por fim, a forma, que nada mais
é do que um meio de exteriorização.
Todos esses componentes do negócio jurídico não bastam por si só para que ele
comece a repercutir na vida das pessoas. Na realidade, são suas adjetivações que o tornam
válidos. São as especificações dos pressupostos de existência que se denomina de plano de
validade. Inicialmente, a manifestação de vontade precisa ser tanto livre quanto entremeada
de boa-fé. O agente não deve apenas existir como também ser capaz civilmente para seus atos
e, portanto, legitimar o que está declarando e a que está se comprometendo. O objeto
necessita ser lícito, possível, determinado ou determinável. Encerrando, a forma deve ser
aquela ordenada pelos preceitos normativos, ou então as não proibidas.
Para o caso do consumidor, o que mais importa a ser estudado na sua prática de
negócio é o conhecimento pleno e mais aprofundado da exposição de vontade permeada pela
boa-fé e liberdade efetiva, visto que o falso motivo da declaração de vontade vicia o
entendimento das partes quando se demonstra como razão determinante.21
20 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: contratos,
tomo 1: teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2ª edição 2006, p. 63 – 101.
21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil : Parte Geral. São Paulo: Atlas, 5ª edição 2005, p. 361 – 419.
14
Exatamente nesse ponto que o direito à informação é uma contribuição importante,
posto que sem uma informação precisa e completa por parte do fornecedor, como
demonstrado antes, ausência de boa-fé, tolhe significativamente a liberdade de ação em geral
e de escolha. Essas são essenciais para a condução de políticas públicas e nova prática dos
fornecedores, visto que demonstram exigências do consumidor e, portanto, modificação da
concepção. Sua ausência implica em uma falta da medida de validade dos contratos de
consumo.
IV - RESULTADOS
DIREITO À INFORMAÇÃO NO CASO DO CONSUMO
01 – Informação na era da cultura consumista
As relações de consumo são importantes para o escoamento da produção, que está
subordinada às necessidades. Mas o que se tem observado no período de revolução
consumista é um arranjo da “reciclagem de vontades” para promover o consumismo, um
atributo da sociedade moderna. Esse desejo é ao mesmo tempo o ativo e o risco do sistema,
por isso tão necessário.
Para a manutenção desse mesmo sistema de consumismo, é de extrema importância
um alto movimento das mercadorias. Isso implica em constante descartabilidade e
substituição das coisas em geral. Isso gera reflexos diretos no modo como as informações
passam a circular na comunidade, quando não deturpadas, se mostram em excesso para
promover certa confusão, útil a certa cultura.
No aspecto informacional, Bauman delineia bem a situação de excesso de informação
não assimilada pelo fato de os signos serem apresentados descontextualizadamente22. E esse
entorpecimento causa a dificuldade de diferenciação, sendo todas as coisas consideradas
semelhantes. O excesso de informação e a cobrança por um padrão de consumo levam o
consumidor a ter que escolher necessariamente e não interferir na construção do mesmo
padrão, já que a vida é experimentação constante, ou seja, sem empenho e comprometimento
com os outros e com o planeta, de uma maneira geral.
22 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias; tradução Carlos
Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 54.
15
A informação, nesse caso de produção, passa a estimular as emoções e não a cultivar,
como seria correto, a razão, fazendo com que as pessoas fiquem constantemente não
satisfeitas e em busca da satisfação de seus desejos. Uma das vantagens proporcionadas é a
chance de novos começos sempre, ou seja, passa a haver uma desrotinização da conduta
humana que anula a natural responsabilidade que temos pelo outro.
Nessa dinâmica, o ato de consumir, mais do que se comprometer politicamente nos
desígnios da sociedade, passa a ser um ato de investimento na afiliação social de si próprio.
Mais uma vez Bauman conceitua, chama ele de “colonização da vida pelo mercado”.23
Disso, verifica-se uma transferência da espontânea preocupação moral pelo outro por
uma auto-realização egoística, uma responsabilidade consigo próprio. Uma postura
desprendida dessas exime as pessoas de responsabilidade em caso de ações prejudiciais
porque pressupõe falta de intencionalidade das mesmas.
02 – Papel do Estado social e o direito à informação
O Estado, a partir de suas funções, de realizar a dominação estatal sobre a sociedade
bem como ter a sociedade impondo seus próprios limites, não pode ser executor da soberania
do mercado, dessa maneira. Um estado social adequado deve substituir a ordem de egoísmo
pela da igualdade material, a qual, necessariamente, abrange a exigência da confiança e da
solidariedade.
Essa postura igualitária é capaz e busca elevar as pessoas à condição de cidadãos, ou
seja, instaura a situação comunitária na qual as pessoas têm compromisso com os outros, com
o destino da natureza, através de suas ações, por um comum sentimento de pertença.
Posto isso, é possível perceber que há uma tensão existente entre o Estado social e a
globalização econômica, na qual o direito à informação se inseriu no contexto de reforço do
Estado social, sendo uma contrapartida à livre iniciativa e um busca de humanização dos
sujeitos.
Paulo Lôbo encontra nas citações de Antônio Monteiro definições precisas sobre o
tema. Para esse:
23 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 82.
16
a defesa do consumidor seria uma luta pela qualidade do
relacionamento humano, no que ele implica de respeito pela
dignidade do homem e pelo seu poder de auto-determinação, e no
que ele significa de uma solidária e responsável participação na vida
da comunidade.24
Essa transformação da prática habitual e monótona do consumo em um assunto para se
pensar, encontra no princípio da transparência e direito à informação importantes aliados,
posto que liga o consumidor às etapas da produção. Imediatamente o responsabiliza com os
delineamentos produtivos determinados pelo produtor e mediatamente o liga com a própria
coletividade.
O Código de Defesa do Consumidor, como fruto de uma determinação constitucional,
de um texto em conformidade com as teorias mais recentes de Estado Constitucional Social,
visa reequilibrar as relações entre consumidores e fornecedores, já que, como fora visto, a
circunstância de intenso consumismo é extremamente lesiva ao consumidor, o qual é levado a
agir, em muitos momentos, em desconformidade com a sua natureza humana reflexivo-ética,
mesmo porque, lhe falta condição técnica para tal.
Como um dos elementos do negócio jurídico é a vontade e é ela, no consumo, que
confere a teórica autonomia da vontade do consumidor, o Estado, no movimento de resgatar a
igualdade contratual, enfoca a qualidade da vontade exprimida25, com fins a resguardá-la de
manipulações. É uma maneira de visar atingir a autonomia racional desprendida das pressões
sociais ou publicitárias.
A boa-fé e seus decorrentes princípios, a transparência e solidariedade, são o que o
novo direito civil visa ver instaurado na sociedade pós-moderna, que passa por crise de
valores comunitários. Tais condições, criadas pela aplicação dos princípios, conferem a
expressão de uma vontade legítima, que é a manifestação correta da liberdade contratual.
Tais princípios visam uma relação mais sincera entre os produtores e consumidores,
possibilitando uma informação clara e precisa sobre o produto e conseqüentemente a chance
24 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.
25 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 4ª edição 2002, p. 591.
17
do consumidor de ponderar e escolher individual e socialmente sobre o produto sem estar
sendo estimulado em suas emoções, evitando aquilo que não pode suportar ou mesmo não
deseja26, além de não ter sua escolha excluída da sociedade, considerando que, se for assim,
essa sofrerá as externalidades de uma produção escolhida por cada um.
Com a norma protetora, o consumidor passou a ter um direito subjetivo de informação,
que integra as manifestações pré-contratuais e também o conteúdo do mesmo. Tudo para
garantir que a vontade não seja viciada e também que dê margem à manifestação de vontade
do homem político.
03 – Atuação do direito à informação
Didaticamente, o professor Paulo Luiz Netto Lôbo divide o direito à informação entre
o direito da comunicação, que envolve comunicação visual, audiovisual, informática,
telecomunicação e publicidade e o direito do consumidor, que é a própria prestação positiva
exigível de todos aqueles que fornecem produtos e serviços no mercado27, sendo, pois, um
direito subjetivo do consumidor, como já expresso.
No caso em discussão, a importância está no âmbito do consumidor. Entretanto, a
publicidade, mesmo estando inserida na comunicação, deve ser examinada, tendo em vista
que hoje ela é um relevante meio de proposta contratual lançada à observância daquele que irá
escolher algo para consumir. Nas palavras de Cláudia Lima Marques, a publicidade se mostra
como basilar para o próprio “escoamento da produção”.28
O aspecto originário é que a pessoa que inicia a prática de uma atividade econômica
atrai para si alguns encargos decorrentes dessa opção. Um deles é assumir o risco de sua
atividade sem dividi-lo com os seus trabalhadores, com as empresas com as quais se relaciona
e, tampouco, com os consumidores que irão adquirir o que é produzido. Um dos encargos é
primar pela qualidade do que é produzido, devendo preservá-la mesmo em situações que não
lhes seja favorável.
26 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª edição 2002, p. 595. 27 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.
28 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª edição 2002, p. 627.
18
Essa qualidade envolve dois elementos: a escolha que o próprio produtor faz no
momento de criação do produto ou serviço, sabendo o que vai ser utilizado
fundamentalmente, como será feito, as etapas de transformação pelas quais passará e como
será distribuído; secundariamente, o dever objetivo de demonstrar isso ao potencial receptor
da criação, tendo em vista que esse também deverá ser responsável pelas próprias escolhas,
podendo, para isso, recusar produtos com cujas procedências não concorda.
Sobre essa informação, que é de interesse coletivo, ou seja, tem uma função social de
esclarecimento a todos os destinatários, é preciso entender que deve ser sempre simples e
acessível a todos os consumidores típicos do produto em discussão. Mais que esses dois
conceitos genéricos, há três reflexos específicos para esclarecer e materializar o que fora dito,
cada um em vínculo constante com a determinação dos incisos I a IV do artigo 6º da lei
8.078/90.
Inicialmente, trata-se da adequação, a informação deve ser compatível com o produto
e também com o consumidor que habitualmente se utiliza dele. Está diretamente relacionado
com o inciso II, do artigo citado, em que se demonstra a busca de possibilitar correta instrução
e divulgação do que for ser ofertado por uma linguagem acessível ao público específico,
concisa ao mesmo tempo com destaque do que é relevante.
Posteriormente, há a regra da suficiência, que nada mais é que a “integralidade da
informação”, conforme o professor Netto Lôbo.29Essa totalidade é devido às determinações
do inciso III, no qual diz importância da quantidade, características, composição, qualidade,
preço e risco, lembrando que a falta de conhecimento sobre as conseqüências não exime o
produtor de ter que falar sobre os riscos detalhadamente e, quando se referencia às
características, a circunstância de produção está invariavelmente atrelada para garantir a
precisão.
Por fim, a imposição se refere à veracidade da exposição, o que nos remete ao fato de
uma demonstração parcial ou totalmente inverídica, inexata, ser considerada enganosa, nos
moldes da norma extraída do inciso IV. Nesse caso, especificamente, é prudente ressaltar que
a informação como gênero envolve as espécies informação objetiva e a publicidade, desse
29 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.
19
modo, mais uma vez asseverado por Paulo Luiz, há intensa força obrigatória nos documentos
publicitários.30
Isso significa que ambas integram o contrato e obrigam o fornecedor. No caso da
informação estrita, o valor está especialmente no objeto. Já no caso da publicidade, ele incide
sobre a confiança encorajada no consumidor.
Trata-se de algo tão real a necessidade de tutelar nos mínimos detalhes a realização
dos princípios da transparência e boa-fé, regentes do Código de Defesa do Consumidor, que
quando há a possibilidade deste exigir a prestação à força, aceitar um produto ou serviço
equivalente ao oferecido, ou até mesmo rescindir o contrato por descumprimento do
prometido, o objeto principal muda, mas a responsabilidade sobre os anexos, que envolvem a
relação toda, permanece.
Todos esses requisitos são importantes porque garantem, através da liberdade e
igualdade, a proteção da vida, saúde e segurança do consumidor, retratados no inciso I, e que
são direitos fundamentais constitucionalmente previstos no artigo 5º, caput.
Além disso, em realidade o que ocorre, com a aplicação do dever de informar, é a
recuperação da humanização dissolvida no mercado, tornando realizável o direito de escolha e
autonomia do consumidor,31 capaz de retomá-lo à condição de ser político.
CASO ESPECIAL DO CONSUMO ALIMENTAR DE ANIMAIS
A alimentação, processo intrincado necessário à manutenção da vida, passou por uma
grande transição ao longo do tempo. Da escolha dos alimentos puramente direcionada pelos
instintos passou a uma escolha que leva em consideração a cultura, a capacidade de pensar do
ser humano, já que o estado civilizatório atual, em que não se produz diretamente o que se
come, afasta as pessoas das etapas e precisões da produção.
Trata-se da situação em que a cultura assume a condição de limitadora da alimentação.
No entanto, o avanço da comercialização consegue silenciar essas duas naturezas, a biológica
30 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.
31 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.
20
e a cultural. Essa simplificação comercial da busca pelos alimentos causa vulnerabilidade
porque o quê e o quanto a ser consumido passa a não se restringir ao que o organismo tolera e
nem mesmo aos costumes, rituais ou convenções, mas sim à compreensão nutricional e às
artimanhas do marketing, um aparato, hoje, essencial à alocação da comida produzida.
O marketing da alimentação, especialmente, se funda sobremaneira sobre a falta de
uso dos instintos e pensamento para prosperar, porque, dessa forma, permite o
desenvolvimento capitalista sobreposto à natureza e a cultura.
Dessa maneira, as pessoas diretamente vinculadas e interessadas no modo como a
produção ocorre, os consumidores, não têm apenas a sua liberdade cuidadosamente tolhida,
em favor das regras do mercado, mas também se vêem em uma situação de desigualdade
frente a quem decide o padrão alimentar do grupo social, os produtores.
Nesse contexto, dilemas éticos vivenciados naturalmente pelas pessoas racionais
quando prestes a escolher a alimentação cotidiana e, conseqüentemente, o modelo alimentar
da sociedade, acabam por ser apresentados e, propriamente, superados, adequadamente ou
não, sem que as pessoas tomem ciência, discutam e decidam.
Um dos dilemas mais relevantes, mas pouco discutido, visto que tantas vezes oculta-se
no discurso da tradição, é o da conformidade ou não do consumo alimentar de animais. Sobre
esse tema, diversos estudos passaram a ser feitos, tanto para compreender o grau de
necessidade para o organismo humano, como para auferir o seu grau de moralidade, posto
que, ultimamente, as pessoas, ao menos dispostas a pensar a respeito, viram a problemática
moral do ato.
Inicialmente, conforme descreve bem Michael Pollan:
a ciência vem desmontando a pretensão humana de se constituir em
uma espécie única e especial, descobrindo que elementos como
cultura, produção de ferramentas, linguagem e até, possivelmente,
consciência, não são propriedades exclusivas do homo sapiens.32
Diante disso, admitindo a capacidade dos animais de sofrer, e partindo do pressuposto
que a igualdade é uma idéia moral e, portanto, os interesses de todos devem receber a mesma
32 POLLAN, Michael. O dilema do onívoro: uma história natural de quatro refeições; tradução Cláudio
Figueiredo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2007, p. 327.
21
consideração, é possível julgar a tamanha injustiça cometida contra os animais todos os dias
para que eles se destinem à alimentação.
Pacífico fica que devemos consideração de ordem moral aos animais33. Porém, tolera-
se tal brutalidade para a transformação do animal em coisa consumível porque saiu do nosso
campo de visão e, assim, ninguém é levado, constantemente, a refletir a respeito do ato de
comer animais não-humanos, por parecer trivial e, até, natural.
O princípio da igual consideração de interesses nunca intencionou destinar um
tratamento igual aos envolvidos no conflito de interesses, mas pressupõe sim igual
consideração dos interesses colidentes. Assim, a igualdade estaria mais atrelada aos interesses
que as características. Esse princípio implica que a nossa preocupação com os outros não deve
depender de como são, ou das aptidões que possuem34. A capacidade de sofrimento é que
deve ser característica fundamental para a igual consideração de interesses.
Diante do fato que tirar a vida não é banal, se faz necessário o “direito de olhar”. A
informação precisa, correta sobre a real procedência da carne, revestida, hoje, por tamanho
descaso ético, é um modo de contribuição para a reformulação do nosso processo produtivo
de alimentos à medida que pode levar as pessoas a escolherem efetivamente o quê e como
comer, conscientemente.
E essa mudança é possível, posto que conforme expresso nas exatas palavras de Peter
Singer:
os cidadãos das sociedades industrializadas podem facilmente
conseguir uma alimentação adequada sem que seja preciso recorrer à
carne animal. E se os animais são importantes por si mesmos, o uso
alimentar que deles fazemos torna-se questionável – sobretudo
quando a carne é um luxo e não necessidade.35
V - CONCLUSÃO
33 POLLAN, Michael. O dilema do onívoro: uma história natural de quatro refeições; tradução Cláudio
Figueiredo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2007, p. 333.
34 SINGER, Peter. Ética Prática; tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 3ª edição 2002, p. 66. 35 SINGER, Peter. Ética Prática; tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 3ª edição 2002, p. 72.
22
Percebe-se, com essa breve exposição, que a tutela do consumidor, superiormente no
que tange ao direito de ser informado, expressa a característica peculiar da organização social
em que o Estado, além de se responsabilizar por prestações positivas, busca inibir práticas
abusivas de acumulação de riquezas e subtração da liberdade como ocorria no período
monopolista.
O ideal social que se materializa na teleologia do direito à informação é o tratamento
igual e digno dado aos cidadãos, para que esses consigam, depois de se formar politicamente,
exercer genuinamente seu papel de agente político-transformador da realidade, posto que o
apoio que a situação incorreta em que se vive atualmente precisa é o hábito, mas a liberdade
dada a cada pessoa pra pensar criteriosamente pode mudar a direção do padrão consumista.
Com essa garantia, há o resgate da humanidade nas relações de comércio, que
proporciona a capacidade do consumidor de pensar e agir livremente para a construção de um
mundo diferente, ao menos no que se refere aos seus interesses e suas responsabilidades que,
somadas e consolidadas culturalmente, podem mudar o perfil de desenvolvimento existente.
VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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