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1 DIREITO À INFORMAÇÃO COMO PRESSUPOSTO DA DIGNIDADE HUMANA NO CASO ALIMENTAR DE ANIMAIS MARIANA SPACEK ALVIM 1 ALEXANDRE WALMOTT BORGES 2 RESUMO Busca-se com o trabalho, demonstrar a necessidade atual, no âmbito do direito do consumidor, de efetivar o princípio da transparência nas relações comerciais através do direito objetivo à informação, especialmente no caso alimentar de animais, posto que nessa espécie de alimento uma enorme carga de dilemas éticos é suscitada. Ainda no texto, busca-se expor que tais direitos efetivados, por significarem importante garantia da igualdade e exercício da liberdade verdadeira, auxiliariam enormemente o aperfeiçoamento cultural da sociedade, possibilitando ao consumidor um fundamental papel político diante das escolhas feitas, não só no escoamento da produção, mas também na sua determinação. PALAVRAS-CHAVE: Direito do consumidor, Direito à informação, Consumo alimentar de animais. ABSTRACT This work follows to demonstrate the current need, on the Consumer’s Right, to legitimate the transparency principle on the commercial relations through the objective right of information, specially at animal diet case, since this type of food can raise a massive charge of ethical dilemmas questions. 1 Bacharelanda em direito pela Universidade Federal de Uberlândia e bolsista da Iniciação Científica pela Fapemig. Av: João Naves de Ávila, 2121 – Bairro: Santa Mônica – Uberlândia/MG, CEP 38.408-100. Bloco 3D. E-mail [email protected]. 2 O orientador é professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Av: João Naves de Ávila, 2121 – Bairro: Santa Mônica – Uberlândia/MG, CEP 38.408-100. Bloco 3D. E-mail [email protected].

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DIREITO À INFORMAÇÃO COMO PRESSUPOSTO DA

DIGNIDADE HUMANA NO CASO ALIMENTAR DE ANIMAIS

MARIANA SPACEK ALVIM1

ALEXANDRE WALMOTT BORGES2

RESUMO

Busca-se com o trabalho, demonstrar a necessidade atual, no âmbito do direito do

consumidor, de efetivar o princípio da transparência nas relações comerciais através do direito

objetivo à informação, especialmente no caso alimentar de animais, posto que nessa espécie

de alimento uma enorme carga de dilemas éticos é suscitada.

Ainda no texto, busca-se expor que tais direitos efetivados, por significarem

importante garantia da igualdade e exercício da liberdade verdadeira, auxiliariam

enormemente o aperfeiçoamento cultural da sociedade, possibilitando ao consumidor um

fundamental papel político diante das escolhas feitas, não só no escoamento da produção, mas

também na sua determinação.

PALAVRAS-CHAVE: Direito do consumidor, Direito à informação, Consumo

alimentar de animais.

ABSTRACT

This work follows to demonstrate the current need, on the Consumer’s Right, to

legitimate the transparency principle on the commercial relations through the objective right

of information, specially at animal diet case, since this type of food can raise a massive charge

of ethical dilemmas questions.

1 Bacharelanda em direito pela Universidade Federal de Uberlândia e bolsista da Iniciação Científica pela Fapemig. Av: João Naves de Ávila, 2121 – Bairro: Santa Mônica – Uberlândia/MG, CEP 38.408-100. Bloco 3D. E-mail [email protected]. 2 O orientador é professor doutor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia. Av: João Naves de Ávila, 2121 – Bairro: Santa Mônica – Uberlândia/MG, CEP 38.408-100. Bloco 3D. E-mail [email protected].

2

Also in the text, it follows to expose that the rights, mean a significant guarantee of

equality and true exercise of freedom, could assist the cultural development of society,

allowing the consumer an important political role beside the choices made, not only in the

flow production, but also in their determination.

KEYWORDS: Consumer’s rights, Right to information, Consumption of animals.

I – MATERIAIS E MÉTODOS

Foram utilizadas, para a concreção do trabalho, as referências bibliográficas

estipuladas ao final. Elas são de cunho normativo e doutrinário. Essas somaram aos textos

teorias e comentários de caráter histórico, jurídico, econômico e filosófico.

A metodologia empregada, já que se trata de análise histórico-formal, é o juízo

dedutivo, o qual parte de afirmações consolidadas abstratamente para fazer afirmações

específicas.

II – INTRODUÇÃO

LIBERDADE E IGUALDADE

01 - Valores: liberdade e igualdade

Partindo-se de uma concepção sistêmica de avaliação, detectar-se-á que o dever ser é

um sistema axiológico dividido entre uma dimensão axiológica, estritamente, e uma deôntica.

Mesmo que o não proponha necessariamente, os valores fundamentam o dever ser,

definindo desde o estético até o ético, esse último com bifurcação entre eticidade interna, a

moral, e a externa, o direito.

É exatamente o valor que confere o conteúdo do dever ser ideal. E a relação do valor

com a realidade é a concretização da cultura, a qual não pode ser coisificada por depender

constantemente da participação direta das pessoas.3

3 WALMOTT BORGES, Alexandre. Apreciação da natureza dos valores e das normas no Sistema

Constitucional. Revista Brasileira de Estudos Políticos, Belo Horizonte, n. 91, p. 109 – 143, jan - jun. 2005.

3

A participação das pessoas na valoração pode ser realizada individual ou

coletivamente, sendo que esse segundo caso atribui uma medida objetiva ao valor, pela pessoa

ser entidade supra-individual.

O direito, ou deontologia jurídica, tutela de modo específico a ordem de coisas eleitas

valiosas no mundo do dever ser, servindo de suporte à cultura.

Inicialmente, a valoração se refere ao elemento primário ou originário do que está

determinado na norma. Trata-se de opções prévias dentre várias condutas possíveis e emerge

nas etapas de produção, interpretação e decisão.

Para realmente prover a adequação do sistema, os valores são realizados pelos

princípios na ordem jurídica, os quais são capazes de firmar os quadros normativos,

considerando que são os princípios capazes de eliminar a insegurança e incerteza através das

generalizações normativas, especialmente na máxima igualdade e liberdade.

A igualdade e a liberdade podem ser consideradas os valores mais altos da hierarquia

porque perduram no tempo, se aplicam a uma pluralidade de sujeitos e são fundamentadores

de outros valores em busca da concórdia social.

02 - História da igualdade e liberdade

Reconhecendo o direito como um fenômeno sócio-cultural de extrema relevância, é

necessário que se estude os aspectos históricos de valorização da igualdade e liberdade, já que

são, ambos, substratos do sistema em avaliação e como objetivos últimos da norma

dependem, obviamente, se quisermos demonstrar sua construção sistemática e racional, de

freqüentes atuações axiológicas de renovação, por meio da recepção das dimensões sociais e

políticas.

Além disso, faz-se importante também o entendimento das fases históricas de

surgimento e consolidação desses dois valores para a devida compreensão de suas

reorientações atuais, como princípios, através do valor solidariedade impresso nos textos

normativos, que vislumbram minimizar uma tensão entre grupos e estabilizar o sistema

político.

Em um primeiro momento, para essa noção evolutiva dos valores, é inevitável o

entendimento da passagem do Estado de direito ao Estado constitucional de direito, que se

4

deu no século XX, e o que isso significou para o sistema político e, conseqüentemente, para

os direitos das pessoas.

Notar-se-á que a materialização em princípios dos dois valores nucleares escolhidos

socialmente, e o depósito desses princípios nas Constituições, mudou significativamente a

hermenêutica jurídica, garantindo grau de eficácia e vinculação elevado a ambos, pois que são

elementos-guia e os valores mais seguros.4

Elementos-guia porque os valores superiores criteriosamente avaliados e eleitos

compõem um dimensionamento de sentido e direcionamento de ação em categoria superior às

regras, já que o seu conteúdo demonstra os objetivos últimos do sistema jurídico como um

todo. Isso afeta amplamente o ordenamento, o qual deve, necessariamente, ser resvalado, em

todas as suas etapas de construção e aplicação normativa, pela igualdade e liberdade.

Essa nova perspectiva de atuação do Estado faz com que, conjuntamente à dominação

do Estado sobre a sociedade, haja também um espesso limite à atuação estatal imposto pela

sociedade, respaldada nos seus princípios fundadores. Trata-se de um garantismo jurídico

constitucionalista, proveniente da fase racional-prática do direito hodierno.5

Nesse contexto, é possível dizer que se busca hoje, com a aplicação do direito, a

realização da justiça, que simploriamente poder-se-ia dizer garantias apoiadas nos valores

igualdade e liberdade, essenciais à existência digna de qualquer membro da sociedade.

Como dito, de maneira inovadora em relação às formas de disposição normativa

anteriores, o constitucionalismo busca conferir às normas desprendidas do seu texto uma

pretensão de eficácia vinculante e também imediata pelos princípios realizadores da igualdade

e liberdade.

Como a maneira que o constitucionalismo se delineou, e chegou a ser o que fora

explanado, é a somatória de fenômenos históricos e demandas sociais, resta-nos traçar esse

caminho.

4 MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o

aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,

p. 61 – 95. 5 COELHO, Edihermes Marques; BORGES, Alexandre Walmott. Ensaios sobre sistema jurídico. Uberlândia:

Instituto de estudos Jurídicos Contemporâneos, 2001. XXXp.

5

Desde a Idade Média, quando se cogitava a limitação dos poderes políticos através de

documentos procedimental-legais, já era possível visualizar uma contribuição ao

Constitucionalismo, nos moldes de seus objetivos de hoje, mesmo havendo diversos

problemas de efetividade desses preceitos expostos à apreciação, tendo em vista que não se

falava em prestação positiva e negativa do Estado, tampouco em legitimidade dos textos

normativos por meios justificadores e órgãos de controle.

Durante os séculos XVII e XVIII, nos quais existiam três características peculiares

revestindo a comunidade, quais eram: o absolutismo monárquico, o mercantilismo e um

representativo poder da Igreja, a burguesia, que vinha se consolidando como classe de suma

importância na manutenção material da comunidade, passou a perceber distintas

incompatibilidades de seus interesses em relação aos pilares tradicionais decorrentes da Idade

Média.

Desse modo, adquirindo consciência de suas próprias demandas, ao mesmo tempo em

que incorporava sua própria relevância na esfera comunitária, os ideais liberais passaram a ser

difundidos pela Europa, essencialmente na França e Inglaterra, países de maior importância

para as transformações referidas, através do movimento intelectual denominado Iluminismo.

Sua substância argumentativa se respaldava em intensa valorização da capacidade

humana de conhecer, compreender e julgar a realidade por meio da razão. Esse fato gerava a

exaltação do indivíduo a ponto de subordinar todas as experiências e intentos teóricos às suas

capacidades analíticas e liberdades, em nítida consideração antropocêntrica.

Nesse sentido, para poder adquirir uma resposta real, eficaz e duradoura para seus

anseios, a nova classe, no momento insurgente, traça as defesas da liberdade, igualdade

jurídica, divisão dos poderes e governos representativos como delineamentos do que seria a

partir da nova noção que se estava construindo, de uma sociedade mais justa, coerente e

harmônica.

Embora muito se confunda, o liberalismo e o constitucionalismo são propostas

jurídico-políticas de caracteres bem diferentes. O liberalismo influenciou o constitucionalismo

na sua formação, contudo é uma ideologia da classe burguesa no início da idade moderna de

deixar o mercado como principal fator de regulamentação das relações produtivas e divisão de

trabalho e poder. Já o constitucionalismo persegue um amadurecimento racional da

normatividade, visando atingir os ideais da ética teórica e conciliação política, que levam até

6

mesmo a intervenção estatal na economia, para evitar concentração de renda e exclusão

social.

Ante a já ocorrida subjetivação do arcabouço normativo com formulações

jusnaturalistas, os pactos sociais do século XVII e XVIII demarcaram o fim da Idade Média e

o início da Idade Moderna sobre os modelos constitucionais liberais, que se pautam na

Declaração dos Direitos do Homem, a qual traz em si o núcleo moral, segundo uma

valorização dos direitos individuais; o núcleo político, com a implementação de uma

democracia representativa e um núcleo econômico, conferindo direito aos particulares de

realizarem empreendimentos.

A essencial mudança foi percebida na maneira de o constitucionalismo abordar seu

conteúdo precípuo. Conforme explicitado pelo professor Kildare Gonçalves Carvalho, há um

“abstracionismo constitucional”, ou seja, uma expansão formal de conceitos emergentes por

decorrência da racionalização das relações de poder e imposição de seus limites, buscando

conferir à população segurança jurídica e proteção máxima do núcleo essencial dos direitos do

indivíduo.6

02.1 – Cisão capital e trabalho

Após essa primeira abrupta ruptura de entendimentos e ideologias para reger os textos

normativos nascentes, o constitucionalismo do primeiro impacto liberal passou por diversas

modificações e aperfeiçoamentos, até a consolidação do Estado Constitucional de Direito nos

moldes atuais, a partir do enfrentamento de circunstâncias políticas, sociais e econômicas por

meio da classe trabalhadora no período da Revolução Industrial, trata-se da primeira cisão,

ocorrida no século XIX.

O fato de a valorização da igualdade e da liberdade terem sido pressupostos do

desenvolvimento capitalista, mas sem que tenha havido simultaneamente um amadurecimento

político formal, criou distorções econômico-sociais de grandes dimensões, porque a força de

trabalho passou a ser utilizada de modo extremamente abusado, visto que os trabalhadores

não tinham garantidos quaisquer direitos e os empregadores tinham condições de justificar

todos os acontecimentos de excesso com os novos direitos constitucionais conferidos. Para si,

havia o direito de promover empreendimentos e para os trabalhadores, de venderem ou não

6 CARVALHO, Kildare Gonçalves. Direito Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, 2006. P. 216.

7

sua força de trabalho, conforme suas vontades, pelo fato de serem livres e iguais,

juridicamente, ao patrão.

Economicamente, percebia-se a intensa utilização da força de trabalho livre-

subordinada como elemento fundamental da produção, o desenvolvimento da denominada

grande indústria, bem como sua concentração.

Socialmente, o que foi de muita importância para o processo de primeira cisão na

evolução capitalista, qual seja o de embate entre capital e trabalho, foi a concentração das

pessoas, os proletários, em torno das cidades industriais, o que criou entre elas uma

identificação profissional, a qual auxiliou enormemente a próxima circunstância.

Politicamente, o que houve foi uma mobilização dos proletários, agora em identidade,

para que fossem fixados preceitos objetivos para a contratação e gerenciamento da força de

trabalho para que os próprios não ficassem a mercê das oscilações do mercado e, portanto,

tivessem violada sua dignidade, sem que nada pudessem fazer, considerando que a igualdade

formalmente entendida só permitiria que o trabalhador não aceitasse as condições e saísse do

emprego, o que não era solução adequada.

Sendo dessa forma, os trabalhadores desse período conseguiram se contrapor às

arbitrariedades, ocorridas na esfera do trabalho, através das suas ações sociopolíticas como

sujeito coletivo. Assim, conquistaram a valorização do trabalho e dos trabalhadores bem

como sua posterior codificação em um ramo do direito, chamado Direito do Trabalho.

02.2 – Cisão produtor e consumidor

No caso das relações de trabalho, a desigualdade material era uma realidade que gerou

os conflitos retratados e desencadeou a formação e consolidação do Direito do Trabalho.

Contudo, existia outra situação envolvendo a liberdade e a igualdade das pessoas, era o caso

das relações comerciais entre produtor e consumidor, posto que o capitalismo estava em

ascensão e passou a existir um intermediário nas relações de troca.

No período do constitucionalismo liberal não subsistia desigualdade entre os

contratantes. Os atores contratuais viviam a efetiva liberdade e igualdade, sendo que se

conheciam e reconheciam no produto suas etapas de produção e distribuição. Nesse sentido, é

correto dizer que o pressuposto liberal no caso das relações de consumo era verdadeiro, pois

que remete a indivíduos livres, independentes e iguais em direitos e obrigações.

8

Mas à medida que o capitalismo foi se modificando e se recondicionando, conforme

seus fins, outra realidade de conflito social se demonstrou, um conflito capaz de gerar

segregação social atípica e disputa dentro de uma mesma classe social. Trata-se do momento

em que não mais se valorizou as necessidades individuais do consumidor e passou a haver,

por parte do produtor, um elevado poder econômico (surgimento das corporações). Nesse

período, iniciou-se um desequilíbrio entre ambos, o que fez o consumidor assumir a posição

de hipossuficiente e vulnerável em direitos. Para James Marins, essa representação ocorreu

em um momento que ele denominou de “revolução das massas”.7

Essa “revolução das massas”, capaz de gerar diversificadas conseqüências políticas,

sociais e econômicas, foi tratada por Cláudia Lima Marques como a matriz para a crise da

pós-modernidade, que nada mais foi, e ainda é, em diversos aspectos, do que as relações

massificadas de adesão e a “morte do sujeito”, individualmente considerado e respeitado

como antes.8

Nessa nova forma de associativismo, típica da sociedade de consumo do século XX, o

sujeito perdeu seu individualismo e, a partir dele, o conhecimento pleno do negócio, à medida

que os contratos de massa passam a ter um caráter coletivo e anônimo.9

Embora essa nova situação implique uma dialética mais complexa que a do capital

versus trabalho10, a forma de organização para a superação da vulnerabilidade passou a ser

concebida como a mesma adotada na primeira cisão, ou seja, buscar uma integração de todas

as classes e profissionais na condição de consumidor como um sujeito coletivo, capaz de

exigir uma harmonia das relações e refrear os malefícios causados pelo excesso de liberdade

do mercado, através de um Direito do Consumidor.

7 MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993,

p. 18.

8MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o

aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,

p. 61 – 95.

9 CARPENA, Heloísa. O direito de escolha: garantindo a soberania do consumidor no mercado. Revista de

Direito do Consumidor, São Paulo, n. 51, p. 154 – 171.

10 JÚNIOR, Geraldo Batista. A defesa do consumidor na ordem jurídico-econômica. Revista de Direito Público

da Economia, p. 161 – 188.

9

III - DISCUSSÃO

VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR

Então, depois da relativa igualdade vivenciada na origem do capitalismo liberal, o que

passou a ocorrer foi um autoritarismo de regras impostas pelos fabricantes, produtores,

construtores, importadores e comerciantes aos consumidores. E é nesse ponto que reside a

vulnerabilidade desses, porque lhes faltam condições de reunir os elementos necessários a

formação de opinião e escolha consciente. Nesse sentido, o que era fruto de negociação e

ponderação passou a ser fruto da “continuidade de um padrão”.11 O efeito de tal fato é que o

consumidor deixa de decidir o consumo e passa a se entregar a ele.

Nesse diapasão, as características essenciais do consumidor e que o fazem estar na

condição de vulnerabilidade em comparação ao produtor na relação contratual é a falta de

controle do processo produtivo e a existência de opção de escolha apenas entre os produtos

oferecidos pelo produtor, prévia e unilateralmente no mercado. Refere-se ao que Karl Marx

denominou como mais uma etapa alienada do movimento de produção, a fragmentação do

consumo.12 Diante do quadro de descontextualização, a pessoa se sente desengatada das

coisas, mesmo sabendo que há uma infinidade de nexos causais envolvidos na produção.

Sintetizando, os principais problemas detectados, no início do século XX e que

permeia o momento histórico recente, dentro da esfera consumerista, e que justamente fazem

o cerne da Política Nacional de Relações de Consumo ser o pressuposto da vulnerabilidade do

consumidor, é o fato de o fornecedor não mais ser uma pessoa conhecida daquele, como no

período inicial das conexões comerciais, em que a boa-fé (decorrente da confiança) era um

desígnio natural.

Além disso, é o próprio consumidor se ver limitado na sua liberdade, constantemente,

pois que o mercado a vicia, através da criação determinante de novas necessidades todo o

tempo, por meio da independência (ou fetichização) dos objetos, que cria um estado de

precisão, vontade e ação de compra em grande parte condicionada, e isso é o que causa a

11 CARPENA, Heloísa. O direito de escolha: garantindo a soberania do consumidor no mercado. Revista de

Direito do Consumidor, São Paulo, n. 51, p. 154 – 171.

12 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In:_______ Os Pensadores. Rio de Janeiro: Editora Paz e

Terra Ltda., 1974. Cap. 01, p. 09 – 54.

10

imperfeição, falta de qualidade da manifestação da vontade e, assim, proporciona a situação

de hipossuficiência do consumidor (atual agente manipulado).

Nesse caso, ainda, o que se verifica é “o indivíduo especulando sobre o modo de criar

no outro uma nova necessidade para obrigá-lo a um novo sacrifício, para levá-lo a uma

dependência, para desviá-lo para uma nova forma de gozo”.13 Ainda sobre os termos de Karl

Marx, trata-se da redução do ser a um ser quantitativo. Esse caminho é percorrido pela

separação de grande parte do trabalho humano (do qual decorre a natureza antropológica da

produção) e, conseqüentemente, pela substituição dos sentidos físicos e espirituais dos

consumidores pelos de posse. Nesse caminho, o progresso material, que deveria ser o meio,

está sendo confundido com o próprio fim, e as pessoas vivem o padrão do ter e não do ser.14

Também como primordial barreira à autonomia do consumidor está a sua incapacidade

de reunir todos os fatores de determinação das características dos produtos e serviços

necessárias para uma aceitação consciente e responsável. O consumidor acaba por não saber

basicamente nada sobre a extração da matéria-prima, produção, distribuição e destino dos

produtos, deixando-se levar por elementos externos à sua cognição.

Essa nova situação de descomprometimento entre os parceiros contratuais é parte de

uma tendência atual de desabilitação social, em que as pessoas buscam minimizar os riscos do

contato, reduzindo a responsabilidade de cada um para com o outro. É um fragmento do que

se denomina como descartabilidade das relações.15

Nesse caso do consumo, passa a se buscar uma pureza relacional, que nada mais é que

a “ausência de ingredientes eticamente carregados”, porque esses, entremeando a relação,

gerariam sentimentos de responsabilidade, comportamentos não-rotineiros, consciência e

ação. Todas essas exigências exigiriam, da pessoa envolvida, uma seqüência de criação e

esforço.

13 MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. In:_______ Os Pensadores. Rio de Janeiro: Editora Paz e

Terra Ltda., 1974. Cap. 01, p. 09 – 54.

14 GOMES, Daniela Vasconcellos. Educação para o consumo ético e responsável. Disponível em

<http://www.remea.furg.br/edicoes/vol16/art02v16.pdf> Acesso em 17. Jul. 2008.

15 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias; tradução Carlos

Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p.25.

11

Todo o dito acerca do desenvolvimento da fragilidade do consumidor, por se lidar com

práticas essenciais à manutenção da existência digna, já que se trata do suprimento de

necessidades básicas relativas ao mínimo vital, faz a matéria de Direito do Consumidor, suas

investigações e decorrências, ser de suma utilidade para a condução de políticas públicas

corretas referentes à destinação coerente e conseqüente de bens e serviços. Além do que, é

fundamental ao aprimoramento cultural da população a integração entre as diferentes forças

capazes de viabilizar essa circulação de riquezas, consumidor e empresariado.16

CODIFICAÇÃO DOS DIREITOS DO CONSUMIDOR

No decorrer do século XX, por existir uma identificação entre os consumidores e sua

conseqüente tomada de consciência da superioridade técnica do produtor sobre o quê e como

produzir os bens a serem ofertados, a matéria de defesa do consumidor foi se constituindo

como autônoma na busca de organização de uma nova forma de cooperação entre as pessoas

viventes em sociedade.17

Como os sujeitos consumidores se perceberam como coletividade, o conceito de

sujeito de direitos foi re-significado18, posto que se qualificou. Esse novo grupo, em meio a

uma crise social e a intensas transformações pelas quais o Estado estava passando, acabou por

impor para si uma lista de direitos fundamentais ao mesmo tempo em que fez vir à tona a

necessidade premente de se traçar limites à ordem econômica.

Esse fenômeno consumerista efetivamente se mostrou nas décadas de sessenta e

setenta, mas no Brasil foi a partir da Constituição Cidadã de 1988 que o consumidor passou a

receber maior atenção, devido ao fato de ter passado a existir um mandamento constitucional

de elaboração de um Código de Defesa dos Consumidores, que propiciaria segurança maior às

relações já que passaria a ser norma de ordem pública e interesse social, além de ter incluída

16 MARINS, James. Responsabilidade da empresa pelo fato do produto. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993,

p.21.

17 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do anteprojeto/Ada Pellegrini

Grinover...[et al]. – 6ª edição – Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p.06.

18 MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o

aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,

p. 61 – 95.

12

essa proteção no rol de direitos e deveres individuais e coletivos bem como no rol de

princípios da atividade econômica dentro mesmo da Constituição.

Essa organização normativa poderia ser feita de várias maneiras, mas a codificação da

matéria tem suas vantagens, quais sejam a de evitar lacuna ou contradição do texto, mesmo

porque não busca esgotar a temática e sim propiciar uma elevada efetivação por meio das

diretrizes que impõe, inclusive porque é um texto normativo cruzado horizontalmente por

diversos outros ramos do direito que contribuem para a defesa do consumidor.

Cláudia Lima Marques situou bem esse momento de afirmação de direitos

fundamentais e transformação no papel ativo do Estado com uma citação do autor Erik Jayme,

na qual ele diz que é tendência da pós-modernidade, no âmbito do direito, a valorização dos

direitos humanos e como os direitos humanos são recebidos na Constituição como direitos

fundamentais, esses devem ser usados, dentro do Estado, como pressuposto de interpretação

de todos os ramos do direito.

No caso do direito civil, atuando como limitador, protetor e inibidor de abusos, posto

que o próprio mercado não tem condições de superar essa vulnerabilidade sozinho, o Estado

tem papel fundamental na proteção do direito do consumidor para a concretização da

democracia liberal, em que a ética normativa de defesa busca a igualdade, mesmo que para

isso seja preciso promover uma desigualdade formal para proporcionar a igualdade material.

E para chegar a conquistar a igualdade, o caminho é de exigência de harmonia, boa-fé

e equilíbrio nas relações de consumo, o que proporciona a cooperação entre os dois grupos

negociantes. As exigências são capazes de nos orientar na interpretação e concreção das

normas protetivas através de princípios fundamentais, quais sejam: igualdade material,

liberdade racional e informada, solidariedade e justiça distributiva19, e cumpridas possibilitam

o cumprimento do plano de validade dos negócios jurídicos.

ELEMENTOS NECESSÁRIOS DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

19 MARQUES, Cláudia Lima. Direitos básicos do consumidor na sociedade pós-moderna de serviços: o

aparecimento de um sujeito novo e a realização de seus direitos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo,

p. 61 – 95.

13

Os planos de validade, anteriormente citados, na realidade compõem um todo

necessário a constituição e produção de efeitos dos negócios jurídicos em geral, quais sejam

os planos de existência, validade e eficácia.

Todos esses planos são úteis à compreensão do conceito de vontade, autonomia e vício

bem como suas derivações, capazes de demonstrar o quão importante é a confiança nas

relações entre particulares o que a faz dever ser protegida pelo Estado em busca de evitar

abusos.

O plano de existência é dividido em quatro partes, quais sejam a manifestação de

vontade, haver um agente, um objeto e uma forma. O primeiro elemento é chamado por Pablo

Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho de “querer humano” 20, ou seja, uma declaração de

vontade a ser conferida perfeitamente por qualquer pessoa externa ao acordo, já que quando

emitida torna-se uma norma cogente para quem o declarou. O segundo trata de uma

necessidade óbvia, se considerar que não há vontade manifesta sozinha. Como terceiro tem-se

a essencialidade do objeto, sobre o qual recai a combinação. Por fim, a forma, que nada mais

é do que um meio de exteriorização.

Todos esses componentes do negócio jurídico não bastam por si só para que ele

comece a repercutir na vida das pessoas. Na realidade, são suas adjetivações que o tornam

válidos. São as especificações dos pressupostos de existência que se denomina de plano de

validade. Inicialmente, a manifestação de vontade precisa ser tanto livre quanto entremeada

de boa-fé. O agente não deve apenas existir como também ser capaz civilmente para seus atos

e, portanto, legitimar o que está declarando e a que está se comprometendo. O objeto

necessita ser lícito, possível, determinado ou determinável. Encerrando, a forma deve ser

aquela ordenada pelos preceitos normativos, ou então as não proibidas.

Para o caso do consumidor, o que mais importa a ser estudado na sua prática de

negócio é o conhecimento pleno e mais aprofundado da exposição de vontade permeada pela

boa-fé e liberdade efetiva, visto que o falso motivo da declaração de vontade vicia o

entendimento das partes quando se demonstra como razão determinante.21

20 GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo Curso de Direito Civil, volume IV: contratos,

tomo 1: teoria geral. São Paulo: Saraiva, 2ª edição 2006, p. 63 – 101.

21 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil : Parte Geral. São Paulo: Atlas, 5ª edição 2005, p. 361 – 419.

14

Exatamente nesse ponto que o direito à informação é uma contribuição importante,

posto que sem uma informação precisa e completa por parte do fornecedor, como

demonstrado antes, ausência de boa-fé, tolhe significativamente a liberdade de ação em geral

e de escolha. Essas são essenciais para a condução de políticas públicas e nova prática dos

fornecedores, visto que demonstram exigências do consumidor e, portanto, modificação da

concepção. Sua ausência implica em uma falta da medida de validade dos contratos de

consumo.

IV - RESULTADOS

DIREITO À INFORMAÇÃO NO CASO DO CONSUMO

01 – Informação na era da cultura consumista

As relações de consumo são importantes para o escoamento da produção, que está

subordinada às necessidades. Mas o que se tem observado no período de revolução

consumista é um arranjo da “reciclagem de vontades” para promover o consumismo, um

atributo da sociedade moderna. Esse desejo é ao mesmo tempo o ativo e o risco do sistema,

por isso tão necessário.

Para a manutenção desse mesmo sistema de consumismo, é de extrema importância

um alto movimento das mercadorias. Isso implica em constante descartabilidade e

substituição das coisas em geral. Isso gera reflexos diretos no modo como as informações

passam a circular na comunidade, quando não deturpadas, se mostram em excesso para

promover certa confusão, útil a certa cultura.

No aspecto informacional, Bauman delineia bem a situação de excesso de informação

não assimilada pelo fato de os signos serem apresentados descontextualizadamente22. E esse

entorpecimento causa a dificuldade de diferenciação, sendo todas as coisas consideradas

semelhantes. O excesso de informação e a cobrança por um padrão de consumo levam o

consumidor a ter que escolher necessariamente e não interferir na construção do mesmo

padrão, já que a vida é experimentação constante, ou seja, sem empenho e comprometimento

com os outros e com o planeta, de uma maneira geral.

22 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias; tradução Carlos

Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 54.

15

A informação, nesse caso de produção, passa a estimular as emoções e não a cultivar,

como seria correto, a razão, fazendo com que as pessoas fiquem constantemente não

satisfeitas e em busca da satisfação de seus desejos. Uma das vantagens proporcionadas é a

chance de novos começos sempre, ou seja, passa a haver uma desrotinização da conduta

humana que anula a natural responsabilidade que temos pelo outro.

Nessa dinâmica, o ato de consumir, mais do que se comprometer politicamente nos

desígnios da sociedade, passa a ser um ato de investimento na afiliação social de si próprio.

Mais uma vez Bauman conceitua, chama ele de “colonização da vida pelo mercado”.23

Disso, verifica-se uma transferência da espontânea preocupação moral pelo outro por

uma auto-realização egoística, uma responsabilidade consigo próprio. Uma postura

desprendida dessas exime as pessoas de responsabilidade em caso de ações prejudiciais

porque pressupõe falta de intencionalidade das mesmas.

02 – Papel do Estado social e o direito à informação

O Estado, a partir de suas funções, de realizar a dominação estatal sobre a sociedade

bem como ter a sociedade impondo seus próprios limites, não pode ser executor da soberania

do mercado, dessa maneira. Um estado social adequado deve substituir a ordem de egoísmo

pela da igualdade material, a qual, necessariamente, abrange a exigência da confiança e da

solidariedade.

Essa postura igualitária é capaz e busca elevar as pessoas à condição de cidadãos, ou

seja, instaura a situação comunitária na qual as pessoas têm compromisso com os outros, com

o destino da natureza, através de suas ações, por um comum sentimento de pertença.

Posto isso, é possível perceber que há uma tensão existente entre o Estado social e a

globalização econômica, na qual o direito à informação se inseriu no contexto de reforço do

Estado social, sendo uma contrapartida à livre iniciativa e um busca de humanização dos

sujeitos.

Paulo Lôbo encontra nas citações de Antônio Monteiro definições precisas sobre o

tema. Para esse:

23 BAUMAN, Zygmunt. Vida para consumo: a transformação das pessoas em mercadorias; tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2008, p. 82.

16

a defesa do consumidor seria uma luta pela qualidade do

relacionamento humano, no que ele implica de respeito pela

dignidade do homem e pelo seu poder de auto-determinação, e no

que ele significa de uma solidária e responsável participação na vida

da comunidade.24

Essa transformação da prática habitual e monótona do consumo em um assunto para se

pensar, encontra no princípio da transparência e direito à informação importantes aliados,

posto que liga o consumidor às etapas da produção. Imediatamente o responsabiliza com os

delineamentos produtivos determinados pelo produtor e mediatamente o liga com a própria

coletividade.

O Código de Defesa do Consumidor, como fruto de uma determinação constitucional,

de um texto em conformidade com as teorias mais recentes de Estado Constitucional Social,

visa reequilibrar as relações entre consumidores e fornecedores, já que, como fora visto, a

circunstância de intenso consumismo é extremamente lesiva ao consumidor, o qual é levado a

agir, em muitos momentos, em desconformidade com a sua natureza humana reflexivo-ética,

mesmo porque, lhe falta condição técnica para tal.

Como um dos elementos do negócio jurídico é a vontade e é ela, no consumo, que

confere a teórica autonomia da vontade do consumidor, o Estado, no movimento de resgatar a

igualdade contratual, enfoca a qualidade da vontade exprimida25, com fins a resguardá-la de

manipulações. É uma maneira de visar atingir a autonomia racional desprendida das pressões

sociais ou publicitárias.

A boa-fé e seus decorrentes princípios, a transparência e solidariedade, são o que o

novo direito civil visa ver instaurado na sociedade pós-moderna, que passa por crise de

valores comunitários. Tais condições, criadas pela aplicação dos princípios, conferem a

expressão de uma vontade legítima, que é a manifestação correta da liberdade contratual.

Tais princípios visam uma relação mais sincera entre os produtores e consumidores,

possibilitando uma informação clara e precisa sobre o produto e conseqüentemente a chance

24 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.

25 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 4ª edição 2002, p. 591.

17

do consumidor de ponderar e escolher individual e socialmente sobre o produto sem estar

sendo estimulado em suas emoções, evitando aquilo que não pode suportar ou mesmo não

deseja26, além de não ter sua escolha excluída da sociedade, considerando que, se for assim,

essa sofrerá as externalidades de uma produção escolhida por cada um.

Com a norma protetora, o consumidor passou a ter um direito subjetivo de informação,

que integra as manifestações pré-contratuais e também o conteúdo do mesmo. Tudo para

garantir que a vontade não seja viciada e também que dê margem à manifestação de vontade

do homem político.

03 – Atuação do direito à informação

Didaticamente, o professor Paulo Luiz Netto Lôbo divide o direito à informação entre

o direito da comunicação, que envolve comunicação visual, audiovisual, informática,

telecomunicação e publicidade e o direito do consumidor, que é a própria prestação positiva

exigível de todos aqueles que fornecem produtos e serviços no mercado27, sendo, pois, um

direito subjetivo do consumidor, como já expresso.

No caso em discussão, a importância está no âmbito do consumidor. Entretanto, a

publicidade, mesmo estando inserida na comunicação, deve ser examinada, tendo em vista

que hoje ela é um relevante meio de proposta contratual lançada à observância daquele que irá

escolher algo para consumir. Nas palavras de Cláudia Lima Marques, a publicidade se mostra

como basilar para o próprio “escoamento da produção”.28

O aspecto originário é que a pessoa que inicia a prática de uma atividade econômica

atrai para si alguns encargos decorrentes dessa opção. Um deles é assumir o risco de sua

atividade sem dividi-lo com os seus trabalhadores, com as empresas com as quais se relaciona

e, tampouco, com os consumidores que irão adquirir o que é produzido. Um dos encargos é

primar pela qualidade do que é produzido, devendo preservá-la mesmo em situações que não

lhes seja favorável.

26 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª edição 2002, p. 595. 27 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.

28 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 4ª edição 2002, p. 627.

18

Essa qualidade envolve dois elementos: a escolha que o próprio produtor faz no

momento de criação do produto ou serviço, sabendo o que vai ser utilizado

fundamentalmente, como será feito, as etapas de transformação pelas quais passará e como

será distribuído; secundariamente, o dever objetivo de demonstrar isso ao potencial receptor

da criação, tendo em vista que esse também deverá ser responsável pelas próprias escolhas,

podendo, para isso, recusar produtos com cujas procedências não concorda.

Sobre essa informação, que é de interesse coletivo, ou seja, tem uma função social de

esclarecimento a todos os destinatários, é preciso entender que deve ser sempre simples e

acessível a todos os consumidores típicos do produto em discussão. Mais que esses dois

conceitos genéricos, há três reflexos específicos para esclarecer e materializar o que fora dito,

cada um em vínculo constante com a determinação dos incisos I a IV do artigo 6º da lei

8.078/90.

Inicialmente, trata-se da adequação, a informação deve ser compatível com o produto

e também com o consumidor que habitualmente se utiliza dele. Está diretamente relacionado

com o inciso II, do artigo citado, em que se demonstra a busca de possibilitar correta instrução

e divulgação do que for ser ofertado por uma linguagem acessível ao público específico,

concisa ao mesmo tempo com destaque do que é relevante.

Posteriormente, há a regra da suficiência, que nada mais é que a “integralidade da

informação”, conforme o professor Netto Lôbo.29Essa totalidade é devido às determinações

do inciso III, no qual diz importância da quantidade, características, composição, qualidade,

preço e risco, lembrando que a falta de conhecimento sobre as conseqüências não exime o

produtor de ter que falar sobre os riscos detalhadamente e, quando se referencia às

características, a circunstância de produção está invariavelmente atrelada para garantir a

precisão.

Por fim, a imposição se refere à veracidade da exposição, o que nos remete ao fato de

uma demonstração parcial ou totalmente inverídica, inexata, ser considerada enganosa, nos

moldes da norma extraída do inciso IV. Nesse caso, especificamente, é prudente ressaltar que

a informação como gênero envolve as espécies informação objetiva e a publicidade, desse

29 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.

19

modo, mais uma vez asseverado por Paulo Luiz, há intensa força obrigatória nos documentos

publicitários.30

Isso significa que ambas integram o contrato e obrigam o fornecedor. No caso da

informação estrita, o valor está especialmente no objeto. Já no caso da publicidade, ele incide

sobre a confiança encorajada no consumidor.

Trata-se de algo tão real a necessidade de tutelar nos mínimos detalhes a realização

dos princípios da transparência e boa-fé, regentes do Código de Defesa do Consumidor, que

quando há a possibilidade deste exigir a prestação à força, aceitar um produto ou serviço

equivalente ao oferecido, ou até mesmo rescindir o contrato por descumprimento do

prometido, o objeto principal muda, mas a responsabilidade sobre os anexos, que envolvem a

relação toda, permanece.

Todos esses requisitos são importantes porque garantem, através da liberdade e

igualdade, a proteção da vida, saúde e segurança do consumidor, retratados no inciso I, e que

são direitos fundamentais constitucionalmente previstos no artigo 5º, caput.

Além disso, em realidade o que ocorre, com a aplicação do dever de informar, é a

recuperação da humanização dissolvida no mercado, tornando realizável o direito de escolha e

autonomia do consumidor,31 capaz de retomá-lo à condição de ser político.

CASO ESPECIAL DO CONSUMO ALIMENTAR DE ANIMAIS

A alimentação, processo intrincado necessário à manutenção da vida, passou por uma

grande transição ao longo do tempo. Da escolha dos alimentos puramente direcionada pelos

instintos passou a uma escolha que leva em consideração a cultura, a capacidade de pensar do

ser humano, já que o estado civilizatório atual, em que não se produz diretamente o que se

come, afasta as pessoas das etapas e precisões da produção.

Trata-se da situação em que a cultura assume a condição de limitadora da alimentação.

No entanto, o avanço da comercialização consegue silenciar essas duas naturezas, a biológica

30 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.

31 LÔBO, Paulo Luiz Netto. A informação como direito fundamental do consumidor. Revista de Direito do

Consumidor, São Paulo, n. 37, p. 59 – 76.

20

e a cultural. Essa simplificação comercial da busca pelos alimentos causa vulnerabilidade

porque o quê e o quanto a ser consumido passa a não se restringir ao que o organismo tolera e

nem mesmo aos costumes, rituais ou convenções, mas sim à compreensão nutricional e às

artimanhas do marketing, um aparato, hoje, essencial à alocação da comida produzida.

O marketing da alimentação, especialmente, se funda sobremaneira sobre a falta de

uso dos instintos e pensamento para prosperar, porque, dessa forma, permite o

desenvolvimento capitalista sobreposto à natureza e a cultura.

Dessa maneira, as pessoas diretamente vinculadas e interessadas no modo como a

produção ocorre, os consumidores, não têm apenas a sua liberdade cuidadosamente tolhida,

em favor das regras do mercado, mas também se vêem em uma situação de desigualdade

frente a quem decide o padrão alimentar do grupo social, os produtores.

Nesse contexto, dilemas éticos vivenciados naturalmente pelas pessoas racionais

quando prestes a escolher a alimentação cotidiana e, conseqüentemente, o modelo alimentar

da sociedade, acabam por ser apresentados e, propriamente, superados, adequadamente ou

não, sem que as pessoas tomem ciência, discutam e decidam.

Um dos dilemas mais relevantes, mas pouco discutido, visto que tantas vezes oculta-se

no discurso da tradição, é o da conformidade ou não do consumo alimentar de animais. Sobre

esse tema, diversos estudos passaram a ser feitos, tanto para compreender o grau de

necessidade para o organismo humano, como para auferir o seu grau de moralidade, posto

que, ultimamente, as pessoas, ao menos dispostas a pensar a respeito, viram a problemática

moral do ato.

Inicialmente, conforme descreve bem Michael Pollan:

a ciência vem desmontando a pretensão humana de se constituir em

uma espécie única e especial, descobrindo que elementos como

cultura, produção de ferramentas, linguagem e até, possivelmente,

consciência, não são propriedades exclusivas do homo sapiens.32

Diante disso, admitindo a capacidade dos animais de sofrer, e partindo do pressuposto

que a igualdade é uma idéia moral e, portanto, os interesses de todos devem receber a mesma

32 POLLAN, Michael. O dilema do onívoro: uma história natural de quatro refeições; tradução Cláudio

Figueiredo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2007, p. 327.

21

consideração, é possível julgar a tamanha injustiça cometida contra os animais todos os dias

para que eles se destinem à alimentação.

Pacífico fica que devemos consideração de ordem moral aos animais33. Porém, tolera-

se tal brutalidade para a transformação do animal em coisa consumível porque saiu do nosso

campo de visão e, assim, ninguém é levado, constantemente, a refletir a respeito do ato de

comer animais não-humanos, por parecer trivial e, até, natural.

O princípio da igual consideração de interesses nunca intencionou destinar um

tratamento igual aos envolvidos no conflito de interesses, mas pressupõe sim igual

consideração dos interesses colidentes. Assim, a igualdade estaria mais atrelada aos interesses

que as características. Esse princípio implica que a nossa preocupação com os outros não deve

depender de como são, ou das aptidões que possuem34. A capacidade de sofrimento é que

deve ser característica fundamental para a igual consideração de interesses.

Diante do fato que tirar a vida não é banal, se faz necessário o “direito de olhar”. A

informação precisa, correta sobre a real procedência da carne, revestida, hoje, por tamanho

descaso ético, é um modo de contribuição para a reformulação do nosso processo produtivo

de alimentos à medida que pode levar as pessoas a escolherem efetivamente o quê e como

comer, conscientemente.

E essa mudança é possível, posto que conforme expresso nas exatas palavras de Peter

Singer:

os cidadãos das sociedades industrializadas podem facilmente

conseguir uma alimentação adequada sem que seja preciso recorrer à

carne animal. E se os animais são importantes por si mesmos, o uso

alimentar que deles fazemos torna-se questionável – sobretudo

quando a carne é um luxo e não necessidade.35

V - CONCLUSÃO

33 POLLAN, Michael. O dilema do onívoro: uma história natural de quatro refeições; tradução Cláudio

Figueiredo. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2007, p. 333.

34 SINGER, Peter. Ética Prática; tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 3ª edição 2002, p. 66. 35 SINGER, Peter. Ética Prática; tradução Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 3ª edição 2002, p. 72.

22

Percebe-se, com essa breve exposição, que a tutela do consumidor, superiormente no

que tange ao direito de ser informado, expressa a característica peculiar da organização social

em que o Estado, além de se responsabilizar por prestações positivas, busca inibir práticas

abusivas de acumulação de riquezas e subtração da liberdade como ocorria no período

monopolista.

O ideal social que se materializa na teleologia do direito à informação é o tratamento

igual e digno dado aos cidadãos, para que esses consigam, depois de se formar politicamente,

exercer genuinamente seu papel de agente político-transformador da realidade, posto que o

apoio que a situação incorreta em que se vive atualmente precisa é o hábito, mas a liberdade

dada a cada pessoa pra pensar criteriosamente pode mudar a direção do padrão consumista.

Com essa garantia, há o resgate da humanidade nas relações de comércio, que

proporciona a capacidade do consumidor de pensar e agir livremente para a construção de um

mundo diferente, ao menos no que se refere aos seus interesses e suas responsabilidades que,

somadas e consolidadas culturalmente, podem mudar o perfil de desenvolvimento existente.

VI - REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Relatório Final da Bolsa Institucional de Iniciação Científica

Convênio FAPEMIG-UFU

Anuênio 2008-2009

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Mariana Spacek Alvim – Aluna Bolsista

__________________________________

Alexandre Walmott Borges – Professor Orientador

Uberlândia, 27 de Fevereiro de 2009