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7/22/2019 Curso de Teoria do Estado e Cincia Poltica
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CURSO DE TEORIADO ESTADO E CINCIAPOLTICA
Celso Ribeiro Bastos
Esta obra que a Saraiva lana nomercado tem tudo para se tornar um dos
grandes xitos bibliogrficos do ano emcurso. Tal antecipao to mais procedente quando se leva em conta que oautor consagrado mestre das letras jurdicas, responsvel pelo Curso de direi-to constitucional, j na 11? edio, reconhecido por muitos como o mais cientfico, preciso e didtico dos livros de cursoatualmente no mercado.
De outra parte, ela a culminao deuma longa caminhada no campo do magistrio exercido principalmente na Pontifcia Universidade Catlica de So Pau
lo, onde coordena os cursos de Ps-Gra-duao em Direito Constitucional e emDireito das Relaes Econmicas Internacionais.
Todas as suas obras anteriores mereceram calorosa acolhida dos leitores:Elementos de direito constitucional, embrio do que veio a ser mais tarde o Curso de direito constitucional, Do manda
do de segurana (2? edio). Interpretao e aplicabilidade das normas consti
tucionais, em co-autoria com o Prof.Carlos Ayres Britto, e, mais recentemente. Lei complementar, teoria e comentrios, obra que lhe valeu o ttulo de Livre-Docente pela PUCSP, e Reflexes, estudos e pareceres, todas editadas pela Saraiva, exceto esta ltima.
0 autor , tambm. Procurador doEstado Assessor Jurdico, alm deDiretor-Geral do Instituto Brasileiro deDireito Constitucional e Vice-Presidentedo Instituto dos Advogados de So Paulo. Fundou a Revista de Direito Consti-
CURSODE TEORIA DO ESTADO
E CINCIA POLTICA
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CELSO RIBEIRO BASTOSProfessor de Direito Constitucional e Internacional da PontifciaUniversidade Catlica de So Paulo. Diretor-Geral do InstitutoBrasileiro de Direito Constitucional. Procurador do Estado de
So Paulo, Assessor Jurdico
C U R S O
D E T E O R I A D O E S T A D O
E C I N C IA P O L T IC A
3 edio1 9 9 5
Ed i t o ra
Saraiva
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ISBN 85- 02 - 00520- 0
Dados Internacionais de Catalogao na Publicao CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Bastos, Celso Ribeiro, 1938-Curso de teoria do Estado e cincia poltica / Celso Ribeiro
Bastos. 3. ed. So Paulo : Saraiva, 1995.
Bibliografia.1. O Estado 2. Estado - Teoria 3. Poltica I. Ttulo.
93-3537 CDD-320.101
ndices para catlogo sistemtico:
1. Estado : Teoria : Cincia poltica 320 .10 1
2. Teoria do Estado : Cincia poltica 320 .1 01
6017
ca EdKoraI SaraivaAvenid a Marqus de So Vicente, 1697 C EP 01139-904 TeL: P ABX (011) 861-3344 Barra Funda
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S TRS MULHERES DA MINHA VIDA
RISOLETA, JULIANA E SABRINA
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AGRADECIMENTOS
Prof.a
Leda Pereira da Mota por ter estado sempre presente,por seu aconselhamento e sugestes.
Ao Dr. Celso Spitzcovsky, cujo trabalho foi inestimvel na coleta
de textos e no arranjo das notas.
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PREFACIO
O que nos animou a escrever o presente trabalho foi um propsito exclusivamente didtico.
H muitos anos exercendo o magistrio regularmente, sempre
nos perseguiu a idia de um dia verter em palavras simples os muitas
vezes complexos e intrincados problemas do Estado.
Simplificar, pois, foi o norte do nosso estudo. Da porque pro
curamos eliminar do texto toda citao excessiva de trechos de outros
autores, de nomes, de lugares e de datas.
Ciframo-nos queles que por se tornarem clssicos so pontos e
marcos cujo desconhecimento absolutamente imperdovel no estudo
do Estado.
A nfase foi toda posta na compreenso ampla dos fenmenos
cuja abordagem se tentou. Afigurou-se-nos mais importante tentar
explicar ao leitor as idias que sempre subjazem aflorao dos
grandes institutos vigorantes no Estado. Todo esforo foi posto no
sentido da compreenso da mecnica do funcionamento do Estado em
detrimento de uma pura tentativa de definir o objeto em anlise como
se ele fosse composto de coisas estticas.
Para aqueles desejosos de mais intimamente se familiarizarem
com os autores trazidos colao, procuramos fornecer um nmero
grande de notas de rodap que se destinam exatamente a cumprir
com esta finalidade de fornecer dados de toda sorte, sem qualquerperigo de se quebrar aquela ligeireza e acessibilidade do texto.
evidente, ante todo o exposto, que a obra no tem qualquer
inteno de revolucionar os fundamentos da Teoria do Estado, para
o que, de resto, nos falta certamente competncia.
Se inovar se intentou foi, to-somente, na modalidade de dizer as
coisas, de que, o leitor, familiarizado com o tema, no ter dificuldade
em rastrear as fontes inspiradoras, inclusive porque, o mais das vezes.
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procuramos atravs das mesmas notas de rodap fazer explcita men
o aos autores e doutrinas de cuja inspirao nos valemos.
Assim sendo, se algum dia algum mrito houver de ser conferido
ao presente trabalho esperamos que ele o seja naquele nico campo
em que aspirou a alguma coisa: o da divulgao e propagao do en
sino, o que, ainda assim, certamente, s se dar se contar com a ex-
trema benevolncia do leitor.
O autor.
NDICE
Agradeci mentos V I I
Prefcio IX
Captulo I Introduo teoria geral do Estado 1
1. Os tipos de sociedade s 2
2. Sociedades polticas 3
Captul o II O Estado. Conceito e natureza 6
Captulo III O territrio 12
Captulo IV O povo 18
Captul o V O poder 24
1. Soberania 25
2. A legalidade e a legitimidade 28
3. Poder constituinte 32
4. Natureza jurdica 35
5. Titularidade e exerccio 36
6. Modalidade s de poder consti tuinte 40
Captulo VI Classificao do Estado 46
1. Monocracia 48
2. Oligarquia 49
3. Democraci a 50
Captulo VII O Estado a partir das foras sociais 59
1. Socie dade de classes 59
2. Sociedade pluralista 63
X I
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Captulo VIII O Estado Totalitrio, Estado Liberal e Estado
Social 66
1. Estado Totalitrio 662. Estado Liberal 68
3. Estado Social 70
Captulo IX Estados de poderes divididos 74
l. As trs funes bsicas do Estado 74
2. A essncia da teoria da separa o de poderes 76
3. Evolu o da teoria 78
Captulo X Principais tipos de Estado 83
1. Parlamentarismo 83
2. Presidencialismo 87
3. Estado marxist a 92
Captulo XI Estado Unitrio e Federao 96
1. Estado Unitr io 962. Desconcentra o, descentralizao e Federao 105
3. O organismo estata l 107
Captulo XII Sistemas eleitorais 109
1. Elei es majorit rias e eleies proporci onais 111
a) Voto majoritrio 111
b) Voto proporcional 112
2. Sistema eleitoral misto 114
Captulo X II I Burocracia 11 6
1. Noes gerais 11 62. Burocraci a e poltica 118
3. Avaliao do papel da burocracia 119
Captulo XIV Os grupos de presso 121
1. Surgime nto dos grupos de presso 121
2. Grupos de interesse e grupos de presso 121
3. Vantag ens e desvantagens dos grupos de presso 123
X I I
4. Grupos de press o e partidos polti cos 12 5
5. Da regula o jurdi ca dos grupos de presso 127
Captulo XV Os partidos polticos 129
1. Part e geral 12 9
2. Classificao 130
3. Partidos de quadros 131
4. Partidos de massas 1315. Siste mas de partidos 13 3
a) Bipartidarismo 133
b) Multipartidarismo 134
6. Sist emas de partidos e sistemas eleit orais 135
7. Os partidos polticos e o seu progressivo enquadramento
pelo direito 136
Captulo XVI Liberdades pblicas 138
1. Histrico 138
2. A Declara o Francesa 140
3. A Declara o Americana 143
4. Evolu o dos direitos individuai s 143
5. Contedo da Declarao Universal dos Direitos do Ho
mem 1476. Eficcia da Declarao 147
Captulo XVII O Estado na ordem jurdica internacional . . . 150
1. A dupla personalidade do Estado: a interna e a externa 150
2. O primado da ordem jur dica estadual 153
3. O primado da ordem jur dica inter nacional 153
4. A teoria dualista 154
5. Organizaes internacionais 155
Bibliogra fia 1 5 9
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CAPTULO I
Introduo teoria geral do Estado
O homem apresenta uma caracterstica fundamental consistente
em depender de outros homens para a realizao plena da sua natu
reza. certo, no h dvida, que outros animais tambm vivem em
bandos ou grupos (abelhas, formigas, castores) numa forma de mani
festao gregria na qual no est ausente, inclusive, uma repartio
de funes que acaba por dar lugar a uma certa organizao. Contu
do, bem de ver, no se fala a da existncia de uma autntica
sociedade. Na verdade, esta resultante da atuao prpria e ex
clusiva do homem. S h, pois, sociedades humanas.
Isoladamente o homem no se basta a si prprio. Na procura da
felicidade envida um esforo permanente no sentido de satisfazer aosseus interesses e, muitas vezes, o atingimento destes depende de uma
atividade coordenada entre diversos homens. Sociedade vem a ser
toda forma de coordenao das atividades humanas objetivando um
determinado fi m e regulada por um conjunto de normas 1.
1. Nelson de Sousa Sampaio, Prlogo teoria do Estado, 2. ed., Forense,p. 240: "No h sociedade que no possua normas de conduta, uma vez que ohomem no um ser anglico e os divergentes interesses individuais no seharmonizam espontaneamente".
O mesmo Nelson de Sousa Sampaio, Prlogo, cit., p. 244: "Todas as manifestaes da vida social e da cultura impem aos indivduos, pelo menos indiretamente, certa maneira de proceder, sob pena de sofrerem determinadas con
seqncias da sua discordncia, inconformismo ou rebeldia. Esta coero, exercida de vrias formas pela sociedade sobre seus membros, foi ressaltada porDurkheim como a caracterstica mxima dos fatos sociais".
Giorgio Del Vecchio, Lies de filosofia do direito, trad. Antnio Jos Bran-do, 2. ed., Coimbra, 1951, p. 329: "Complexo de relaes pelo qual diversosindivduos vivem e operam conjuntamente de modo a formarem uma nova esuperior unidade".
Ataliba Nogueira, Lies de teoria geral do Estado, Revista dos Tribunais,1969, p. 19: "Sociedade a coordenao estvel da atividade de dois ou maishomens para atingirem um escopo unitrio comum".
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A normatividade um elemento importante para caracterizar asociedade e distingui-la de determinados grupos que, embora consa
grem uma forma de convivncia humana, no so tidos em geral por
sociedade s. Estas necessitam de normas explci tas e conscien tes s
vezes, as normas existem mas s no inconsciente das pessoas. Isto
se pode ilustrar com o exemplo de um indivduo que se envolve numa
multido e, em conseqncia, passa a receber a sua influncia, atravs
de um processo psicolgico de poder social. A psicologia social estuda
este poder e demonstra que o indivduo imerso na multido sofre ainterferncia destes fenmenos multitudinrios e chega at a perdera sua individualidade.
H outros agrupamentos que se podem prestar a confuses. Um
pblico de urna conferncia, ou de um espetculo teatral ou cinema
togrfico, por exemplo. Embora irmanados por um interesse comum
e por uma circunstncia de fato precisa, a de estarem presentes no
mesmo momento e local, no constituem sociedade porque ainda
no adotaram objetivos comuns a serem perseguidos de forma mais
ou menos permanente.
Para configurao plena da sociedade trs elementos bsicos
havero de estar sempre presentes: os membros, os objetivos e as
regras
1 OS TIPOS DE SOCIEDADES
A mais difundida de todas a sociedade familiar. O homem
nela nasce e, em regra, dela s se retira para fundar um novo ncleo
jacq ues Leclere, citad o por Mach ado Paupe rio, Teoria geral do Estado,1. ed., Forense, p. 35: "Sociedade uma unio durvel em vista de um fimcomum".
2. Pedro Salvetti Netto. Curso de teoria do Estado, 3. ed., Saraiva, p. 24:"Os elementos constitutivos da sociedade assim se mostram: homem, base fsica,normas jurdicas, poder. ( . . . ) Normas j urdicas So os meios pelos quais associedades se organizam e disciplinam o comportamento dos seus associados.Pelas normas estabelecem-se os direitos e os deveres dos associados para que.de tal sorte vinculados, componham a forma necessria convivncia socialsuperando os conflitos originados da vida comum".
3. Ataliba Nogueira, Lies, cit., p. 20: "A necessidade de atingir determinado objetivo, fim, que d origem a uma sociedade. Importa disciplinar ocomportamento dos membros da sociedade para que ela atinja a sua finalidade.So precisas regras de comportamento".
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dessa natureza. tida por natural porque o nascer nesta ou naquela
famlia no um ato de vontade. A sua finalidade precpua
a reproduo da espcie embora no deixe de ter fins de ordemafetiva, assistencial, educativa e, at mesmo, econmica. ela con
siderada a clula mater da sociedade numa equiparao com as c
lulas dos organismos vivos, que so as menores partes em que pode
ser decomposto o ser vivo sem perder a sua natureza. A despeito de
vir historicamente perdendo importncia, sobretudo pela reduo das
suas dimenses, a famlia ainda , no mundo moderno, a entidadeem que se d, por excelncia, a socializao do homem pelo apren
dizado dos seus valores e das suas regras fundamentais.
O fenmeno associativo ultrapassa de longe a existncia da fa
mlia para corporificar-se num sem-nmero de entidades com fins e
formas dos mais variados. Na verdade, o homem agrupa-se para rea-
lizar toda sorte de tarefas econmicas, culturais, recreativas, religio-
sas, esportivas, filantrpicas, polticas etc. Algumas tm dimenses
territoriais muito pequenas (uma sociedade de amigos de bairros),
outras transcendem os limites do prprio Estado. o caso das empre-
sas multinacionais, da Cruz Vermelha Internacional, por exemplo.
Essas sociedades que se situam intermediariamente entre o indi
vduo e a organizao estatal foram, por ocasio da Revoluo Fran
cesa, o mais das vezes, proibidas. Sobretudo as de cunho sindical,
partidrio ou profissional. Hoje elas no fazem seno crescer e no
sofrem qualquer restrio sua existncia. O certo que o indivduo,
nada obstante o fato de continuar sendo a razo de ser de todas as
sociedades, cada vez mais impotente para realizar as tarefas de uma
sociedade tecnolgica e altamente complexa.
Mas h mais ainda. que a unio multiplica as foras que a
integram. Uma sociedade atinge objetivos que no seriam alcanveis
pela mera soma dos seus membros. As vantagens da associao so,
pois, manifestas. At mesmo para delinqir o homem moderno pre
fere as quadrilhas, que so sociedades de fins ilegais, o que no sig
nifica dizer que no tenham as suas normas. H at mesmo organiza-
es internacionais do crime, como o caso da mfia.
2 SOCIEDADES POLTICAS
Desde os tempos mais remotos, assim que a sociedade atingiu
um nvel mnimo de diferenciao e especializao das suas funes,
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surgiu um tipo especial de poder, que no se confundia com aquele
existente dentro das diversas sociedades, ao qual passou tambm a
corresponder uma forma societria especfica. Aparecia, assim, a so
ciedade poltica, que tem por notas caracterizadoras o fato de ser
mais abrangente, pela amplitude dos seus fins, que as demais e, tam
bm, por encerrar dentro de si mesma essas ltimas.
O fato que tendo atingido um certo nvel de complexidade as
diversas sociedades existentes entravam a requerer uma organizaomais ampla, que disciplinasse o seu mtuo relacionamento, assim como
passasse a zelar pelos interesses emergidos do conjunto das diversas
sociedades. A tais interesses denominou-se "bem comum" ou "interes
se pblico". A defesa contra o inimigo comum, a prestao de servios
indispensvei s convi vnci a de todos (estradas, portos et c) , a manu
teno da ordem, tudo isso no podia ficar relegado ao plano do indi
vduo ou das suas mltiplas sociedades de fins especficos. Cumpria
que algum provesse acerca deles. Da o surgimento dos governantes,
que eram pessoas que em razo da fora ou da destreza pessoal, ou
em virtude de faculdades mgicas, ou de um invocado relacionamento
especial com Deus, se alavam em detentores de um poder que sobre
pairava a todos e cujos fins iam-se amoldando s necessidades da
poca. Era a poltica que surgia com uma dimenso inestirpvel do
prprio homem.
Sociedade poltica , desta rte, aq uela que tem em mira a reali
zao dos fins daquelas organizaes mais amplas que o homem teve
necessidade de criar para enfrentar o desafio da naturez a e das outras
sociedades rivais.
As sociedades polticas sempre estiveram circunscritas ao terri
trio sob sua jurisdio. So tidas por tais: as tribos, as cidades-esta-
dos gregas, o Imprio Romano, a sociedade feudal e o Estado.
No mundo atual h organizaes de Estados que colaboram no
processo de criao de condies de uma convivncia harmnica entreos pases, mas no h uma sociedade poltica internacional porque
no existe um poder ou uma fora superiores aos do prprio Estado.
Existem, sem dvida, sociedades de Estados ou sociedades interna
cionais, o que significa dizer que seus membros se encontram em
mais de um Estado e seus fins tambm se cumprem num mbito
espacial mais amplo que o da sociedade estatal, mas a ausncia de
um poder poltico internacional impede a formao de uma autntica
sociedade poltica internacional.
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Constata-se, pois, que o poder poltico, embora no seja diferente
sob muitos aspectos do poder em geral, visto que se traduz tambm
na possibilidade de obter a obedincia de outrem, no menos certo,
contudo, que ostenta algumas marcas caracterizadoras. Em primeiro
lugar, ele no se confunde com outras formas de poder dentro da
sociedade (econmico, militar, religioso etc), embora sofra, no resta
dvida, o influxo destas. Nas sociedades mais primitivas, o mais das
vezes, o poder poltico era exercido por autoridades religiosas ou
militares.
O poder poltico se caracteriza, tambm, pelo fato de estar vol
tado para o atingimento dos fins ltimos de toda a sociedade, o que
acaba por fazer com que procure uma ascendncia e uma supremacia
sobre todos os demais. Embora seja notria a influncia que o poder
poltico recebe das estruturas econmicas sobre as quais pretende
incidir, no menos certo, tambm, que essas estruturas econmicas
procuram o controle do prprio poder poltico como forma de perdu
rarem no tempo. O poder poltico o ponto para o qual convergem
os demais poderes na medida em que pretendam influir nos destinos
da sociedade. ainda este poder, por encerrar em si as funes de
editar as normas gerais a que a sociedade dever obedincia (leis)
e tambm a de aplicar estas mesmas normas atravs da administraoe da jurisdio, que se traduz na via por excelncia de conformao,
no sentido de dar forma a, da sociedade.
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CAPTULO II
0 Estado. Conceito e natureza
O Estado a mais complexa das organizaes criadas pelo ho
mem. Pode-se at mesmo dizer que ele sinal de um alto estgio de
civi liza o, Nesse sentido o Estado aparece num momento histri co
bem preciso (sculo X VI ) . No se nega que a Antigidade Clssica
(as cidades gregas e o Imprio Romano) j apresentasse sinais pre
cursores dessa realidade. Todavia, preferem os autores localizar o seu
aparecimento no incio dos tempos modernos, uma vez que s ento,
em ltima anlise, se renem, nas entidades polticas assim denomi
nadas, todas as caractersticas prprias do Estado.
Embora todos ns vivamos dentro de um Estado qualquer e com
ele travemos a todo instante relaes (quando sofremos a tributao,quando frumos de um servio pblico, quando chamamos a polcia
ou os bombeiros em nosso socorro), nem por isso podemos com
facilidade e com o acordo de todos dizer o que ele seja. A principal
razo dessa dificuldade de conceituao repousa no fato de que o
Estado um ser altamente heterogneo resultante de realidades de
diversas naturezas 1. Conforme nos impressionemos mais por esta ou
aquela faceta deste ser polimrfico chegaremos a concluses diversas
sobre sua essncia. No se trata, pois, de um imperfeito ou insatis-
1. Dalmo Dallari, O futuro do Estado, Saraiva, 1972, p. 104: "Em face de
todas as razes at aqui expostas, e tendo em conta a possibilidade e a convenincia de se acentuar o componente jurdico do Estado, sem perder de vistaa presena necessria dos fatores no jurdicos, parece-nos que se poder conceituar o Estado como a ordem jurdica soberana, que tem por fim o bem comum de um povo situado em um determinado territrio. Nesse conceito, seacham presentes todos os elementos que compem o Estado e s esses elementos.A noo de poder est implcita na de soberania, que, no entanto, referidacomo caracterstica da prpria ordem jurdica. A politicidadc do Estado afirmada na referncia expressa do bem comum, com a vinculao deste a umcerto povo e, finalmente, a territorialidade limitadora da ao jurdica e polticado Estado est presente na meno a determinado territrio".
6
fatrio desenvolvimento cientfico, mas sim de uma dificuldade que
reside no prprio mago do objeto estudado. Assim sendo, duas fa
mlias principais de pensamento surgem. Uma primeira que se prope
mais a ver no Estado um agrupamento humano que se organiza sobre
um dado territrio. Assim abordados, os elementos de cunho mais
material como a populao e o territrio ganham o primeiro plano.
Para a segunda corrente, impressiona mais o terceiro elemento do
Estado: a sua organizao normativa, ou, at mesmo, a fora ou
poder que empresta obrigatoriedade a esse direito, se bem que paraesses autores tambm no possa existir Estado sem populao e sem
territrio; o certo que pretendem eles ver nestes to-somente os
pr-requisitos ou as condies que tornam possvel o funcionamento
de uma ordem juridicamente soberana na qual residiria a essncia
derradeira do Estado.
No fundo, no entanto, o Estado simultaneamente as duas coi
sas e s por convenincia de estudo, ou em virtude das limitaes
da cincia que no consegue dar conta do real seno seccionando-o
ou restringindo-o a uma nica dimenso, que se h de reduzi-lo a
alguma das suas mltiplas manifestaes. Mas a verdade que o
Estado simultaneamente um fato social e como tal passvel de estudo pela sociologia, como tambm um fenmeno normativo e, nessas
condies, conhecvel e estudvel pelo Direito.
Seu nascimento prende-se s vicissitudes polticas por que passou
a sociedade no incio dos tempos modernos. Deflagrou-se, ento, um
violento processo de lutas religiosas instaurando a insegurana no
prprio meio social e relativamente qual as instituies jurdicas
da poca medieval eram absolutamente impotentes. Urgia o surgi
mento de um poder que se colocasse acima das faces em pugna.
Era necessrio, em outras palavras, que o rei deixasse de ser to-so
mente um aliado de um dos grupos rivais do qual tiraria a fora
para subjugar o outro. Cumpria que a fundamentao do poder real
se desvinculasse da mera fora que ele pudesse trazer em seu auxlio.Em uma palavra era mister tornar o rei soberano e acima das pr
prias leis (legibus solutus).
Ao cabo desse processo de fortalecimento do poder real advm
o Estado moderno, cuja tnica precisamente a existncia de uma
ordem jurdica soberana, o que significa dizer que ela suprema e a
origem de toda autoridade dentro do Estado. No mundo exterior no
reconhece este nenhuma entidade que lhe esteja acima, com todas
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se relacionando num nvel, ao menos, de coordenao. dizer de
poderes dotados da mesma hierarquia. V-se, assim, que o poder se
concentra na mo da autoridade rgia que repele a intromisso de
qualquer outra advinda do exterior, assim como subjuga todas as
existentes no interior do territrio sob sua jurisdio 2.
2. Alexandre Groppalli, Doutrina do Estado, Saraiva, p. 265: "Colocando-nos no ponto de vista objetivo dos elementos que o integram, para dar uma
definio de Estado, devemos dizer que ele um ente social constitudo de umpovo organizado sobre um territrio, sob o comando de um poder supremo,para fins de defesa, ordem, bem-estar e elevao. ( . . . ) Sob outro critrio, pode-se definir o Estado como uma ordenao jurdica na qual um complexo denormas gerais e coercitivas regulam os rgos e os poderes do Estado bem comoas relaes dos cidados entre si, e a deles com o mesmo Estado. ( . . . ) Colo-cando-nos finalmente no ltimo ngulo visual, pode definir-se o Estado comouma corporao territorial ou como uma instituio territorial, conforme os cidados sejam ou no admitidos na sua administrao e governo. Unindo agoraem uma nica definio sinttica todas estas definies analticas sucessivas,pode-se dizer que o Estado a pessoa jurdica soberana constituda de um povoorganizado, sobre um territrio, sob o comando de um poder supremo, parafins de defesa, ordem, bem-estar e progresso social".
Santi Romano, Princpios de direito constitucional geral, trad. Maria HelenaDiniz, Revista dos Tribunais, 1977, p. 92: "De uma forma lapidar a definiodo Estado mais ampla e sinttica que se pode formular a seguinte: Estadotoda ordenao jurdica territorial soberana, isto , originria. O termo ordenao jurdica, quando for conveniente ressaltar mais explicitamente certos aspectos do conceito, pode ser substitudo por outros substancialmente equivalentes,como 'ente', 'comunidade' ou 'instituio'. O Estado que seja pessoa, alm domodo precedente, pode tambm definir-se a fim de pr em relevo esta suaqualidade como 'pessoa jurdica territorial soberana' ".
Georges Scelle, Curse de droit internationel public, p. 104: "O Estado uma ordem jurdica imediatamente subordinada ordem jurdica internacional,dotada das atribuies de regulamentar a quase-totalidade dos interesses geraisde uma coletividade poltica institucionalmente organizada e fixada sobre umterritrio determinado, e cujos governantes dispem da competncia maior, talcomo o direito internacional a estabelece".
Nelson de Sousa Sampaio, Prlogo, cit., p. 265: "Embora cnscios dos pe
rigos de uma definio aventuremo-nos tambm a reunir as notas distintivas doEstado em uma frmula que, pelos motivos expostos, no se pode exigir sejamuito concisa ou elegante. Cremos aproximar-nos mais da realidade, se definirmos o Estado como uma associao poltica, de base territorial com capacidade
jurdi ca inter na e exte rna, cujo govern o dotado do poder originr io de san odireta e incondicionada, bem como da atribuio de conferir a pessoas e bensa condio de nacionalidade que os distingue na rbita internacional".
Oreste Ranelletti, Istituzioni di diritto pubblico, Milano, Giuffr, 1955, p. 88:"Dopo quanto abbiamo exposto in questo capitolo, passiamo a dare una nozionesociale dello Stato in genere, avendo riguardo alia sua struttura, cio ai suoi
8
Esses so os traos que at hoje informam o Estado moderno,
embora, preciso que se diga, no seja ele hoje idntico ao do
sculo XV I . que desde aquela poca at os nossos dias foi possvel,
em certa medida, controlar o exerccio do poder absoluto do Estado
sem que ele deixasse, todavia, de ser soberano.
Mesmo o Estado constitucional moderno, aquele que se submete
a leis que limitam o exerccio do seu poder, no abdicou das suas
prerrogativas de sober ania/ Essa a razo pela qual continua ele agerir os seus negcios com independncia em face dos demais Esta
dos e, internamente, com uma ascendncia sobre todos os demais
interesses, que lhe assegurada pelo monoplio da fora. Dentro do
Estado s este pode fazer uso legtimo da coao fsica. Em situaes
extremas ele autoriza o uso desta aos particulares, o que no renega
o princpio de ser ele o titular exclusivo desse privilgio.
elementi costitutivi. Lo Stato un popolo stanziato su un territrio, e organiz-zato sotto un potere supremo originrio d'impero, per attuare con azione unitria i propri fini collettivi: nello Stato moderno, e in particolare nel nostroStato, difesa di fronte all'estero, ordine, nel diritto, allinterno, elevazione progressiva, del popolo, secondo un alto principio di solidariet sociale.
Tale ordinamento, nelle forme pi alte di Stato, giuridico, poich rego-lato da norme di diritto: lo Stato l'organizzazione giuridica di un popolosopra un territrio, sotto un potere supremo.
E nel campo del diritto lo Stato si pone come persona: la persona giuri-dica pubblica per eccellenza, e persona giuridica pubblica territoriale, perchha come suo elemento costitutivo un territrio".
Oscar George Fischbach, Teoria general del Estado: "La esencia jurdicadel Estado puede cifrarse en el hecho de constituir una organizacin que aspiraa la regulacin de la convivncia en un pueblo determinado asentado sobre uncierto territrio, mediante la creacin de una voluntad dominante sobre la tota-lidad de los ciudadanos".
Hely Lopes Meirelles, Direito administrativo brasileiro, 6. ed., Revista dosTribu nais, p. 37: " O concei to de Esta do varia segundo o ngulo em que considerado. Do ponto de vista sociolgico, corporao territorial dotada deum poder de mando originrio (Jellinek); sob o aspecto poltico comunidadede homens, fixada sobre um territrio, com potestade superior de ao demando e coero (Malberg); sob o prisma constitucional pessoa jurdica territorial soberana (Biscaretti di Ruffia); na conceituao do nosso Cdigo Civil, pessoa jurdica de direito pblico interno. Como ente personalizado, o Estadotanto pode atuar no campo do direito pblico como no do direito privadomantendo sempre sua nica personalidade de direito pblico, pois a teoria dadupla personalidade do Estado se acha definitivamente superada. Esse o Estadode Direito, ou seja, o Estado juridicamente organizado e obediente s suasprprias leis".
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De outra parte, todas as demais sociedades que viscejam no seio
do Estado nele vo haurir a fonte da sua autoridade, da qual tambem
necessitam para atingir os seus fins sociais. Mas a todas o Estado
sobreleva na medida em que ele que define os mbitos vlidos de
sua atuao, assim como as acode com a sua fora no caso de terem
necessidade.
Diante de todo o exposto de concluir-se que o Estado a or-
ganizao poltica sob a qual v ive o homem moderno. Ela caracteriza-se por ser a resultante de um povo vivendo sobre um territrio
delimitado e governado por leis q ue se fundam num poder no so
brepujado por nenhum outro externamente e supremo internamente.
Algumas vezes a palavra Estado utilizada para designar, to-
somente, o conjunto dos governantes mais o seu aparato organizacio
nal. Assim, identificamos o Estado com o Poder Executivo, o Legis-
lativo ou o Judicirio. At mesmo expresses menores suas, como a
polcia, o Exrcito, as reparties burocrticas, so tidas como a ma
nifestao da totalidade do Estado.
Essa tendncia traz o grande inconveniente de descurar o papel
do prprio indivduo na composio da sociedade poltica. Esta a
resultante da conjugao dos governantes com os governados. Embora
a ttulo profissional apenas algumas pessoas cumpram funes esta
tais, no menos certo, todavia, que cada cidado tem deveres para
com o Estado. Antes de mais nada o dever de votar, para o que
dever manter-se inteirado do andamento das coisas pblicas. pre
ciso, pois, que todos se instruam sobre as realidades polticas do
momento, mas preciso tambm que externem a sua opinio colabo
rando, destarte, para a formao de uma slida opinio pblica sem
o que a democracia autntica dificilmente viscejar. imperioso, em
conseqncia, denunciar a falta de interesse pelas coisas pblicas
que parte da populao demonstra na falsa convico de que basta
cuidar dos seus assuntos pessoais para se alcanar o xito. Todos
ns nesse sentido temos uma dimenso poltica. Nem mesmo o alheamento ou o desinteresse podem ofuscar essa realidade. Todos aqueles
que se omitem esto, na verdade, colaborando para a manuteno
do status quo. O Estado no , pois, uma abstrao. Ele gere os
recursos da sociedade. O bem-estar e o sucesso pessoais esto na
estrita dependncia de uma sociedade regida por pessoas competentes
e dentro de princpios mnimos de tica e moralidade. Ns todos
somos o Estado da mesma forma que um clube esportivo no for-
10
mado to-somente pelo seu conselho e diretoria, mas sim por todos os
associados. Isso no significa dizer que o Estado absorva todas as
atividades. Sobretudo nos Estados de economia capitalista a atividade
econmica exercida pelos indivduos a quem tambm cabe um papel
importante na cultura, na sade, na educao etc. Mas isto ficar
mais bem explicado quando se examinar as modalidades de Estado.
Antes, contudo, conviria passar em revista o estudo dos trs
elementos em que normalmente se decompe o Estado: territrio,
povo e poder.
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CAP TULO III
0 territrio
O territrio a base geogrfica do Estado. dizer, aquela par
cela do globo terrestre que se encontra sob sua jurisdio. elemento,
sem dvida, essencial do Estado. No se conhece nenhum ente estatal
sem territrio. O inverso tambm verdadeiro. A parte slida do
globo terrestre est toda ocupada por Estados, com exceo, to-
somente, da Antrtida 1.
I. Carlo Lavagna, Istituzioni di diritto pubblico, UTET, 1970, v. 1, p. 100:"Volendome dare una definizione si pu dire dunque che il territrio quellaparte geograficamente limitata dellemisfero che sede Stabile del popolo e,salvo casi eccezionali, del governo, el quale vi deve esercitare, comunque, la
sua potest d'impero. Sarebbe perci inesatto, e potrebbe portare, come spessoa accaduto a confusioni, far discendere il concetto di territrio, come elementoessenziale dello Stato, dai rapporti esistenti fra il territrio stesso ed uno solodegli altri elementi costitutivi".
Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, A personalidade do Estado, RDP, 7:23:"S nos tempos modernos distinguiram-se perfeitamente os elementos componentes do prprio Estado, que se no realiza nem no territrio, nem na populao, e menos ainda nos governantes. Ele havido, ento, como uma unidadeno tempo, mas distinto deles, considerados isoladamente, pela concepo de umser parte. Corresponde na verdade organizao moral de um povo, em dadoterritrio, sob um poder supremo, para realizar o bem comum dos seus membros. O territrio e o povo podem ser, segundo o aspecto considerado, objetose partes integrantes do Estado como sujeito de direito. Como objeto, o territrio a base indispensvel do Estado, onde se encontram as pessoas a ele
subordinadas e, como participao do sujeito, se considera a zona interditadaa outra entidade poltica para exercer qualquer atividade sobre esse espao,independente do consentimento dele".
Themstocles Brando Cavalcanti, Teoria geral do Estado, 3. ed., Revista dosTribunais, p. 122: "Territrio apenas a expresso fsica do espao, dentro doqual se exerce a soberania do Estado".
Ferruccio Pergolesi, Diritto costituzionale, 15. ed., Padova, 1962, v. 1, p. 94:"Territrio a parte do globo terrestre na qual se acha efetivamente fixado oelemento populacional, com excluso da soberania de qualquer outro Estado".
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No territrio de cada Estado vige, to-somente, a sua ordem jur
dica. Em outros termos, a nenhum pas estrangeiro lcito praticar
atos coativos dentro do territrio nacional. A este fenmeno d-se
o nome de impenetrabilidade da ordem jurdica estatal. Da a im
portncia assumida pelo territrio na configurao do Estado. pre
cisamente a circunstncia de dispor ele de uma poro de terra
sobre a qual apenas o seu poder reconhecido que permite ao
Estado ser soberano 2.
Normalmente, a idia de territrio vincula-se apenas superfcie
do solo. No h dvida ser esta a sua base essencial. A ela acresce-
se, ainda, contudo, o espao que lhe vem acima, assim como aquele
2. Martn Kriele, Introduccin a la teoria del Estado, Depalma, 1980, p. 127:"Jurisdiccin territorial significa exclusividad del poder estatal dentro del territorio del Estado. A este principio corresponde exactamente el principio reflejo:la presuncin de que el poder estatal no puede realizar actos jurisdicionales enel territorio de un Estado extranjero (pues all vale la presuncin en favor dela exclusividad del otro poder estatal)".
Jellinek, Teora general del Estado, Ed. Albatros, 1973, p. 298: "El terri
torio es, en segundo lugar, fundamento espacial para que el Estado pueda desplegar su autoridad sobre todos los hombres que viven en l, ya sean ciudadanos propios, o de un pas extrao. Los mandamientos de autoridad del Estado
deben realizarse dentro de su territorio, bien traten de asegurar la situacin deste, bien de modificarla. Slo en este sentido se puede hablar del territoriocomo de un objeto del dominio del Estado. Sin embargo, a menudo se sacade lo antedicho una consecuencia falsa, cual es la de que el territorio mismoest sometido al dominio inmediato del Estado, y que, por conseguiente, existeun Derecho real estatista".
Pedro Salvetti Netto, Curso, cit., p. 47: "Territrio a poro limitada doglobo terrestre, onde o Estado exerce, com exclusividade, seu poder de imprio.Poder-se-ia dizer que o Territrio a limitao espacial da soberania. Da se concluir que o conceito possui contedo de natureza poltica, no se reduzindoa mero significado geogrfico. O que lhe d, naturalmente, a especificao ne
cessria para constituir-se elemento do Estado, , por assim dizer, 'esse sentidopoltico da terra', relacionado com o prprio exerccio da soberania".
Arthur Machado Pauperio, Teoria geral do Estado, 7. ed.. Forense, p. 133:"O territrio a parte do universo em que um determinado governo tem competncia para organizar a vida pblica e fazer funcionar os diversos serviospblicos, de tal modo que nenhum governo estrangeiro se possa opor ao livreexerccio desse poder poltico. Cada Estado est, portanto, garantido pelas normas do direito internacional, que estabelece, de modo geral, o princpio dano-interveno".
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que desce s profundezas da terra. Este ltimo encontra o seu limite
nas prprias possibilidades tecnolgicas de explorao : l .
O espao areo apresenta maiores problemas. certo que o
Estado pode fazer valer a sua soberania sobre toda poro area
situada acima da sua base geogrfica. Tal regra, contudo, vem sendo
constantemente infirmada pela supervenincia dos satlites artificiais
que na verdade sobrevoam todos os pases sem pedir autorizao.
V-se, do exposto, que o chamado territrio , na verdade, umvolume de espao ostentando alm da extenso a altura e a profun
didade.
Os limites da extenso do territrio podem-se dar no ponto em
que ele esbarre com o territrio de outro Estado ou ento com o
mar. Na primeira hiptese as linhas demarcatrias ganham o nome
de fronteiras, que podem ser naturais ou artificiais. Naturais so as
que coincidem com acidentes geogrficos, como cumeeiras de mon
tanhas, rios etc. Artificiais quando criadas pelo homem sem qualquer
compromisso com ditos acidentes.
Os limites com o mar apresentam certos problemas basicamente
consistentes na demarcao de uma poro de guas ocenicas que
passam a ser consideradas como integrantes do territrio. o cha
mado mar territorial, cuja dimenso tem variado historicamente. At
os nossos dias no foi possvel adotar um critrio unificado.
Variam as naes entre aquelas que se contentam com um mar
territorial de doze milhas, enquanto h outras, sobretudo na Amrica
3. Marcello Caetano, Direito constitucional, Forense, 1977, v. 1, p. 162:"O territrio formado por um certo solo, com toda profundidade do respectivo subsolo, e toda a altura do espao areo que lhe corresponder. Quandoo pas seja banhado pelo mar, considera-se ainda pertencente ao territrio afaixa das chamadas guas territoriais, que abrange umas tantas milhas martimas, a contar da costa, bem como o solo que prolonga a costa, subjacente aomar, at que se abra o plago profundo (plataforma submarina ou continental).Os limites do territrio so as fronteiras, linhas naturais ou convencionais deseparao".
Pedro Salvetti Netto (Curso, cit., p. 48), analisando os ensinamentos deDonato Donati: "Donati, cumpre notar, considerou unicamente uma parcela doterritrio, j que a este encontram-se integrados, alm do solo, o subsolo, oespao areo, o mar territorial, os navios e as aeronaves de guerra onde seencontrem, os navios mercantes em alto-mar, as aeronaves comerciais sobrevoando o espao livre e ainda as embaixadas".
14
Latina, entre as quais se insere o prprio Brasil, que pretendem esten
der o mar territorial at duzentas milhas.
Os pases tomam essas atitudes fundados em atos unilaterais de
soberania, mas bvio que tal comportamento acaba por conflitar
com as posies assumidas por outros pases. Da porque a matria
ficar, em ltima anlise, na dependncia de uma soluo interna
cional. o que, no momento, se procura atravs da realizao de
convenes com a participao de todos os interessados. Nada obs
tante a dificuldade do tema, uma vez que os interesses postos emjogo so de gra nde mon ta , tud o ind ica que se ac ab ar por encont ra r
uma soluo que harmonize as convenincias dos pases vizinhos com
o oceano, com aqueles Estados no contguos ao mar ou inseridos
em rea que no permite a apropriao de grande extenso de guas
marinhas, por exemplo os pases com costas para o mar do Norte.
considerada tambm parte do territrio a plataforma continen
tal, que consiste no solo coberto pelo mar em estreita continuao s
terras continentais. Em outras palavras, a plataforma continental
aquela poro do solo marinho que apresenta idntica constituio
geolgica dos terrenos no cobertos pelas guas.
O interesse econmico na explorao dessas regies muitogrande, uma vez que a fina lmina de gua que cobre essa poro
da terra no impede uma explorao econmica das riquezas a
existentes.
A determinao exata das dimenses que podem ser assumidas
pela plataforma continental est tambm entregue a uma discusso de
nvel internacional, nada obstante o fato de os Estados, unilateral
mente, como o fazem com o mar territorial, fixarem os seus prprios
critrios.
compreensvel que o problema ganha proporo to-somente
na medida em que a plataforma continental ultrapassa os limites do
mar territorial. Neste o Estado j exerce um poder quase que desoberania plena, incluindo a, portanto, a prerrogativa de explorar o
solo e o subsolo marinhos. O direito explorao da plataforma
continental permite ao seu detentor a possibilidade de explorar a
fauna e a flora e os minrios do solo e subsolo dessa plataforma
sem embargo de j no lhe pertencerem as guas que ficam acima.
Como j ficou visto, num dado territrio, s vige uma ordem
ju rdi ca . o chamado pri nc pio da ter rit ori ali dad e. ) se foi o tem po.
15
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anterior consolidao do Estado, em que numa mesma rea geogr
fica conviviam pessoas leais a diferentes ordens jurdicas. Hoje, o
ente estatal submete todos que se encontrem no seu territrio ao seu
prprio direito. Isso no quer dizer que ele no assujeite mais acen
tuadamente uns do que outros. o que se d, por exemplo, com a
distino entre nacionais e estrangeiros. Mas mesmo esses ltimos,
pelo s fato de se encontrarem no seu territrio, j se submetem s
leis do pas, nada obstante, nem sempre possam utilizar todos os
seus direitos
4
.O princpio da territorialidade no sofre restrio pelo s fato
de o Estado, por vezes, preferir a aplicao de um direito estrangeiro
em detrimento do seu prprio. que, ainda aqui, a fora cogente do
direito nacional no negada, uma vez que pela sua prpria vonta
de que se d preferncia lei de outro pas. No existe caso em que
o Estado aplique lei estrangeira pela fora prpria dela.
H situaes em que o direito de um Estado dispe sobre fatos
ocorridos em outro. Isto possvel desde que, contudo, ele tenha,
por ocasio da execuo da lei, condies de torn-la eficaz, o que,
normalmente, pressupe a utilizao de medidas coercitivas, quer
sobre o patrimnio, quer sobre a liberdade do indivduo, e esta coer-
4. Marcello Caetano, Direito, cit., p. 162: "Hoje, as grandes sociedades polticas a que chamamos Estados implicam necessariamente a existncia de umterritrio, onde o povo seja senhor de se reger segundo suas leis, executadas porautoridade prpria com excluso da interveno de outros povos. A coletividadeorganizada em Estado exerce, assim, sobre o territrio, um senhorio que setraduz no poder de jurisdio (imperium) quanto s pessoas e s coisas quenele se encontrem e no domnio das partes no individualmente apropriadasque sejam imprescindveis utilidade pblica".
Martn Kriele, Introduccin, cit., p. 126: "Jurisdiccin territorial significa:dominacin del Estado sobre todas las personas y cosas que estn dentro desu territorio.
Con esto se quiere decir, en primer lugar, que el poder del Estado no se
extiende tan slo a los ciudadanos o nacionales. Tambien el extranjero y elviajero que est de paso estn sometidos al poder del Estado. Lo obligan lasleyes del Estado dentro del territorio estatal y queda sometido a la jurisdiccinpolicial y penal. Hablando jurdicamente: el Estado no es una corporacin personal, sino territorial.
Con esto no se excluye que el Estado puede dictar regulaciones especialespara los extranjeros; los puede exceptuar de obligaciones (como, por ejemplo,de la obligacin de prestar servicio militar) y los derechos (por ejemplo, derechoal voto).
16
o, no h negar-se, s pode ser aplicada dentro dos limites do
territrio.
Cumpre, agora, fazer referncia ao chamado fenmeno da extra-
territorialidade. Sob tal nome designam-se aquelas situaes em que,
em virtude de tratados ou de costumes internacionais, h uma tole
rncia dos Estados em reconhecer as Embaixadas e as Represen
taes Diplomticas em geral, assim como as belonaves, como uma
extenso do prprio territrio a que pertencem. Por fora desse re-
conhecimento aplica-se sobre elas o direito dos pases a que sevinculam e no o daqueles em que se encontram. Esta analogia
sempre relativa, no havendo condies para ser levada s suas lti
mas conseqncias. Uma Embaixada, por exemplo, nunca chega a
fazer parte integrante do territrio a que pertence. certo, no en
tanto, que dentro dela no se aplica o direito local.
Para finalizar, assinale-se que s aeronaves e aos navios, quando
em espao internacional, se aplica o direito dos pases a que se
vinculam.
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CAPITULO IV
0 povo
Povo o conjunto de pessoas que fazem parte de um Estado.
Se o territrio o elemento material do Estado, o povo o
seu substrato humano. No pode, obviamente, haver Estado sem
povo. O que determina se algum faz ou no parte do povo de um
Estado o direito. Da porque ser a nacionalidade um vnculo jur
dico. por ela que o Estado considera algum como seu membro.
Tem-se, destarte, uma outra forma de conceituar povo, qual
seja, o conjunto de nacionais de um Estado 1. Lamentavelmente, no
se chegou, ainda, possibilidade de estabelecerem-se normas jur
dicas de direito internacional fixando critrios uniformes para a ou
torga da nacionalidade. Isso significa dizer que o Estado, soberana
mente, define as pessoas que ele vai considerar como seus nacio
nais. certo que em termos prticos esses critrios no costumam
variar alm de dois fundamentais: o do jus sanguinis e o do jus soli.
Pelo primeiro nacional todo aquele que filho de pais nacio
nais. um critrio que leva em conta, como se v, a paternidade.
O segundo consiste em considerar nacional todo aquele que
nasce no territrio do Estado. Os pases que exportam populao,
ou, se se preferir, pases de emigrao, preferem adotar, em regra, o
1. Marcello Caetano, Direito, cit., p. 159: "O termo populao tem um significado econmico, que corresponde ao sentido vulgar, e que abrange o con
junto de pessoas residentes num terr itr io, quer se trat e de naciona is quer deestrangeiros. Ora, o elemento humano do Estado constitudo unicamente pelosque a ele esto ligados pelo vnculo jurdico que hoje chamamos nacionalidade.( . . . ) A palavra povo designa a coletividade humana que, a fim de realizar umideal prprio de justia, segurana e bem-estar, reivindica a instituio de umpoder poltico privativo que lhe garanta o direito adequado s suas necessidades e aspiraes. ( . . . ) O povo constitudo apenas pelos nacionais, resulta ques estes podem intervir no exerccio do poder constituinte (originrio) e ques estes em princpio gozam em geral dos direitos polticos (embora nem todoseles, pois os menores, os dementes. . .) . isto , podem ser cidados ativos".
18
critrio do jus sanguinis, que lhes permite considerar como jurisdicio-
nados seus mesmo pessoas que vivam no estrangeiro, bastando serem
filhas de pais nacionais. J os pases de imigrao inclinam-se pelo
critrio do jus soli, pelo qual eles mais rapidamente integram os con
tingentes estrangeiros no conjunto dos seus nacionais.
'Como a nacionalidade unilateralmente concedida, dizer, cada
Estado individualmente dita a legislao por fora da qual se con
fere a algum a condio de nacional, resultam da alguns inconve
nientes, tais como pessoas com dupla nacionalidade (por exemplo,filho de pais oriundos de pas que adote o jus sanguinis nascido em
Estado que adota o jus soli) e outras sem nenhuma, denominadas
aptridas (algum que perde sua nacionalidade antes de adquirir outra
nova). Tais situaes so manifestamente indesejveis, sobretudo a
ltima: a aptrida priva o indivduo de filiao a qualquer Estado
e, em conseqncia, da tutela jurdica que lhe resultaria da naciona
lidade. H um esforo internacional no sentido de fazer cessar esta
anomalia. O remdio definitivo para este mal s surgir, contudo,
quando os Estados uniformizarem sua legislao sobre nacionalidade,
o que nada deixa entrever deva acontecer em breve.
Perante o Estado todos so, pois, nacionais, estrangeiros ou ap
tridas. A todos ele submete com igual fora exigindo-lhes obedincia ao seu ordenamento jurdico. Vincular-se a um Estado, entretan
to, no apenas fonte de submisso, mas tambm fato gerador de
direitos, to mais amplos estes quanto for alto o teor de democracia
na sua organizao do poder poltico. Esta fruio de direitos no
assegurada, todavia, a todos na mesma proporo. Prestigiam-se os
nacionais, a quem, em regra, se confere em carter exclusivo o des
frute dos direitos polticos (aqueles que dizem respeito participao
do indivduo na formao da vontade estatal). Procura-se, por outro
ludo, estender aos estrangeiros e aptridas ao menos o gozo dos
direitos humanos. Ao assegurarem pessoa humana as condies
mnimas de sua expresso e dignidade repele o estgio atual da civi
lizao que o Estado discrimine no seu exerccio entre nacionais eestrangeiros.
Ante tudo at aqui exposto, infere-se ser a idia de povo cons-
lituda pelo direito. este que 2 diz quais so aqueles que o inte-
2. Paulo Bonavides, Cincia poltica, 5. ed., Forense, p. 68: "S o direitopode explicar plenamente o conceito de povo. Se h um trao que o caracteriza.
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gram, do que, em conseqncia, decorre um sentimento de pertinn
cia a uma mesma sociedade poltica. Acontece, entretanto, que as
pessoas, em razo dos traos comuns que possam apresentar (raa,
religio, descendncia, lngua, cultura), cultivam por vezes um senti
mento de pertinncia ao grupo, resultante da confluncia dos mesmos
caracteres unificadores. Surge, ento, a nao. Por esta, entende-se
um conjunto de seres humanos, aglutinados em funo de um elemen
to agregador, que pode ser tanto histrico, cultural, quanto biolgico
e que, cnscios das suas peculiaridades, desejam preserv-las no
futuro3
.
bem de ver que o conceito de nao extravasa dos limites
do jurdico. Pertence, isto sim, rea sociolgica. a sociologia que
procura explicar os fenmenos relativos s naes. Isto no quer
dizer que no interfiram elas na vida do Estado. Pelo contrrio so
em grande parte responsveis pela sua formao e pela manuteno
de sua coeso. que desde os fins do sculo XV I I I a consc incia
nacional, despertada pelas guerras contra Napoleo, procurou tradu
zir-se no mbito das organizaes polticas, dando lugar ao que hoje
conhecemos por Estado nacional. O princpio ento vigorante era o
de que a cada nao deve corresponder um Estado e a cada Estado
uma nao. Sem embargo de reconhecer-se a importncia do princpio das nacionalidades na gerao e transformaes do Estado mo
derno (sobretudo aps a Primeira Guerra Mundial, quando ardoro
samente encampado pelo presidente dos Estados Unidos de ento,
Woodrow Wilson, influenciou sensivelmente na fixao das novas
fronteiras de alguns pases da Europa). Ainda assim no h recusar-se
o fato de que ele jamais encontrou vigncia integral. No desceu pois
do seu nvel de ideal libertrio e generoso para implementar-se na
realidade concreta. Esta continua regida por outros princpios, entre
os quais o da convenincia e dos interesses dos Estados existentes
esse trao sobretudo jurdico e onde ele estiver presente, as objees no
prevalecero. Com efeito, o povo exprime o conjunto de pessoas vinculadas, deforma institucional, e estvel a um determinado ordenamento jurdico, ou, segundo Ranelletti, 'o conjunto de indivduos que pertencem ao Estado, isto , oconjunto de cidados' ".
3. Raul Pederneiras, Direito internacional compendiado, 11. ed., FreitasBastos, p. 92: "A nao no figura virtualmente no Direito Internacional, umorganismo natural, formado pelos laos de sangue, de idioma, de tradio, detendncias, que estabelecem uma certa unidade de carter moral, sem precisardo elemento coercitivo do governo".
20
que o mais das vezes no vem com bons olhos os movimentos se
paratistas de minorias nacionais porventura existentes no seu seio.
H sem dvida uma tendncia das minorias em manifestarem-se, quer
para fundarem um novo Estado, quer para incorporarem-se a Estados
j existentes e afins do ponto de vista nacional. De qualquer forma,
at hoje no foi possvel encontrar-se uma soluo definitiva para as
minorias nacionais, nada obstante se tenha por vezes chegado a utili
zar -se de meios desumanos, como a emigrao, a troca de populaes
c a expulso do territrio4
.
Enquanto no resolvido problema das minorias nacionais, os
Estados democrticos procuram assegurar-lhes uma proteo que im
pea sejam reduzidas a uma situao de dominao pela maioria.
Isto feito tanto assegurando-se-lhes igualdade de direitos, quanto
propiciando-se-lhes oportunidade para que cultivem as suas peculia
ridades culturais. Nesse particular, a prerrogativa de usar o prprio
idioma, inclusive nele ministrando o ensino, ocupa papel de relevo.
O ponto mximo que se pode caminhar neste sentido, antes da outor
ga de emancipao plena, a concesso de uma certa dose de com
petncia administrativa para que as minorias organizem-se e adminis
trem-se autonomamente, dentro, contudo, da organizao estatal em
que esto inseridas.
No havendo exata sobreposio espacial entre as fronteiras do
Estado e os confins da nao, inexiste, de igual forma, simultanei
dade ou coincidncia temporal na sua gerao. Por vezes a nao
antecede ao Estado. Nos tempos modernos, temos o exemplo do povo
jud eu, que , con sti tu do secul arment e em na o , s se est abi liz ou co m
a criao do Estado de Israel ( 19 48 ). Em outros casos, o Estado pre
cede a nao. So exemplos deste fenmeno muitos dos atuais Esta
dos africanos sados da situao de ex-colnias europias. As reali
dades tribais a ainda existentes impedem a formao de uma nacio
nalidade prpria a cada Estado. O Brasil tambm poderia ser
invocado como exemplo. Tornado independente de Portugal porum processo eminentemente poltico, no se podia nessa ocasio falar
4. Raul Pederneiras, Direito, cit., p. 95: "A definio do Estado como nao politicamente organizada no admissvel. Uma nao pode eventualmenteformar um Estado, mas o Estado no precisa nunca de uma nao para seestabelecer. Basta o exemplo da Sua. A nao nasce do instinto, constri-senaturalmente com os elos que formam uma famlia de famlias, tendo a origemcomum por principal elemento".
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na existncia de uma nao brasileira. Foi a identidade do destinopoltico que, gradualmente, permitiu a emergncia de um sentimento nacional. Verifica-se, assim, que o prprio desenrolar das
vicissitudes polticas de um Estado, dando lugar a uma comunhode vivncias histricas, no pode ser menosprezado como fator deter
minante da apario das naes 5 .
Vimos mais acima que, diante do Estado, todos so basicamente
nacionais ou estrangeiros. Cumpre aqui adensar um tanto o conceitode nacional, introduzindo uma distino usualmente feita entre
aqueles que desfrutam dos direitos polticos e aqueles outros a quem
no so conferidas tais prerrogativas. Aos primeiros d-se o nome
de cidados. A cidadania implica a nacionalidade, na medida em quetodo cidado tambm nacional. Nem todo nacional todavia cida
do. Basta que no esteja no gozo dos direitos polticos, quer ativos,consistentes na prerrogativa de eleger seus representantes para inte
grar os rgos do Estado, quer passivos, substanciados na possibi
lidade de ser eleito. certo que a distino ignorada na linguagem
comum e at mesmo por alguns ordenamentos jurdicos, que denominam cidados todos os que integram o Estado, sem considerar o
problema dos direitos polticos. A melhor doutrina agasalha esta dife
renciao, assim como o nosso direito constitucional, que registra uma
ntida separao entre direitos extensveis a todos os nacionais e di
reitos restritos ao cidado 6.
5. Marcello Caetano, Direito, cit., p. 159: "Embora a nao tenda a ser umEstado, no h necessariamente coincidncia entre nao e Estado: h naesque ainda no so Estados (pela sua pequenez por exemplo) ou que esto repartidas por vrios Estados, e Estados que no correspondem a naes, comogeralmente acontece nos pases novos, aonde ocorrem todos os dias imigrantesprovenientes dos mais diversos cantos do globo, cada qual com seu facies nacional prprio. que, em muitos casos, em vez de ser a nao que d origemao Estado, o Estado que, depois de fundado, vai, pelo convvio dos indivduose pela unidade de governo, criando a comunidade nacional".
6. Paulo Bonavides, Cincia, cit., p. 69: "Na terminologia do Direito Constitucional Brasileiro, ao invs da palavra cidadania, que tem uma acepo maisrestrita, emprega-se com o mesmo sentido o vocbulo nacionalidade. A matriase acha regulada no artigo 12 da Constituio Federal, que define quem brasileiro e por conseguinte, face s nossas leis, quem constitui nosso povo".
Martin Kriele, Introduccin, cit., p. 130: "Nacionalidad es un status queda lugar a derechos y deberes recprocos entre el Estado y el nacional dondela extensin de los derechos del nacional puede ser muy diferente: en las democracias liberales es amplia, en dictaduras puede reducirse a la nada".
2 2
Reinhold Zippelius, Teoria geral do Estado, 3. ed., Fund. Calouste Gulben-
kian, 1971, p. 39: "Com a definio progressiva do princpio da territorialidade,o estranho que se encontra no territrio equiparado pouco a pouco aos cidados da comunidade poltica. Isso no exclui que o prprio direito interno dis-tinga (dentro do campo de aplica o do princ pio da terr itori alidade ) entre ossditos e os no sditos do Estad o. ( . . . ) Os direitos fundamentais modernosso vlidos t ambm em benefci o dos estra ngeiros , sempre que aqueles const i-tuam direitos do homem e no meramente direitos do cidado. O estrangeiro,
durante a sua estadia no territrio de um Estado, no fundamentalmente de-tentor de direito algum, a no ser que o Estado lhe conceda asilo".
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CAP TULO V
0 poder
O poder social um fenmeno presente nas mais diversas mo
dalidades do relacionamento humano. Ele consiste na faculdade de
algum impor a sua vontade a outrem. O poder no se confunde com
a mera fora fsica porque esta suprime no seu destinatrio a prpria
vontade, o que no significa dizer que no exerccio do poder no
exista coercitividade. Pelo contrrio, ela est sempre presente embora
possam ser muito diferentes as sanes em que pode incidir aquele
que enfrenta o poder. Se no houver, contudo, ao menos a virtua
lidade do exerccio da coero, o que se tem , na verdade, a mera
persuaso, na qual predomina a tcnica argumentativa. De outra par
te, aquele que se persuade se convence das razes do persuasor, en
quanto no poder o que h uma sujeio da vontade do dominadopor temor das conseqncias da no-sujeio l .
O poder, como vimos, pode estar presente em todo tipo de
relacionamento humano. O prprio pai tem poder sobre o filho; omdico sobre o paciente; nas prprias relaes amorosas no infre-
quente ver-se que um parceiro domina o outro.
Assim amplamente entendido o poder extravasa os campos da
teoria do estado para interessar mais sociologia e at mesmo
psicologia. Para a compreenso do Estado, interessa mais diretamente
1. Mrio Stoppino. O poder, jornal da Tarde, 14 jan. 1975 : " Em seu significado mais geral, a palavra poder designa a capacidade ou a possibilidade deagir, de produzir efeitos. Tanto pode ser referida a indivduos e a grupos humanos como a objetos e a fenmenos naturais (exemplo: poder do calor, poderde absoro). Se a entendermos em sentido especificamente social, ou seja, nasua relao com a vida do homem em sociedade, o poder torna-se mais preciso,e seu espao conceituai pode ir desde a capacidade geral de agir at a capacidade do homem em determinar o comportamento do homem: poder do homemsobre o homem. O homem no s o sujeito mas tambm o objeto do podersocial. poder social a capacidade que um pai tem para dar ordens aos seusfilhos ou a capacidade de um governo de dar ordens aos cidados".
24
o poder poltico. Para a inteligncia deste urge lembrar que em toda
organizao ou sociedade h de comparecer uma certa dose de auto
ridade para impor aqueles comportamentos que os fins sociais esto
a exigir. Neste sentido o poder poltico no outro seno aquele
exercido no Estado e pelo Estado. H inegavelmente algumas notas
individualizadoras do poder estatal. A que chama mais ateno a
supremacia do poder do Estado sobre todos os demais que se encon
tram no seu mbito de jurisdio. A criao do Estado no implica
a eliminao desses outros poderes sociais: o poder econmico, opoder religioso, o poder sindical.
Todos eles continuam vivos na organizao poltica. Acontece,
entretanto, que esses poderes no podem exercer a coero mxima,
vale dizer, a invocao da fora fsica, por autoridade prpria. Eles
tero sempre de chamar em seu socorro o Estado. Nessa medida so
poderes subordinados.
1 SOBERANIA
Isto fica bem claro quando se estuda o surgimento desta su
premacia do poder estatal. Vai-se ver, de resto, que o advento do
prprio Estado moderno coincide, precisamente, com o momento em
que foi possvel, num mesmo territrio, haver um nico poder com
autoridade originria. Vale dizer, sem ser necessrio chamar o poder
de outrem em seu socorro.
Na Idade Mdia no existia esta supremacia inconteste de uma
pessoa, de uma classe ou de uma organizao. Adversamente, eram
mltiplos os entes que reclamavam poderes originrios : o Papa , o
Sacro Imprio Romano-Germnico, os reis, a nobreza feudal, as ci
dades e as corporaes de artes e ofcios, todos pretendiam exercer
competncias no derivadas de outrem, o que era o mesmo que dizer
que no se reconhecia reciprocamente nenhuma soberania.A partir do sculo X V I um fenmeno muito curio so deu-se na
Europa. Os reis, atravs de diversas batalhas e de tramas polticas,
ganharam uma ascendncia inconteste dentro do territrio de cada
reino excluindo, inclusive, no campo externo as pretenses temporais
do papado e do Sacro Imprio Romano-Germnico. Destarte, formou-
se uma sorte de poder que alguns querem, at mesmo, diferente da
quele vigorante na Grcia e em Roma. De qualquer forma, era,
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sem dvida, completamente diverso do que existiu no milnio compreendido pela Idade Mdia.
No campo terico, quem forneceu as premissas filosficas sob
as quais se deu a apario do poder monrquico foi Jean Bodin.Este autor via no poder monr quic o uma fac ul da de incontestvel de
mando. A esta caracterstica passou-se a conferir o nome de soberania. Soberano , pois, todo poder que no encontra limites, quer na
ordem interna, quer na externa. Traduz-se na possibilidade de impor
unilateralmente deveres aos cidados e conferir competncias ao Estado, sendo certo ainda que estas competncias podem ser redefinidas
a qualquer tempo 2.
Este foi o apogeu da noo de soberania. A necessidade de en
carecer a primazia do poder monrquico sobre os demais, exatamente
para que estes pudessem ser reduzidos submisso, levou, sem d
vida, a que se cometessem certos exageros. No entanto bom que
se frise que nem mesmo para ]ean Bodin a soberania era absoluta,
porque o monarca continuaria, segundo ele, submetido s chamadas
Leis do Reino (por exemplo, aquelas que estatuem sobre a sucesso
do trono) e aos princpios do direito natural.
Em termos prticos o poder monrquico acabava sendo absoluto
porque no havia ningum em condies de responsabilizar o rei.
Se por soberania quisermos entender um poder absolutamente
irrefreado, o mais sensato reconhecer que essa noo no mais
til nos tempos modernos e mesmo historicamente e, o mais pro
vvel, que ela no tenha sido a expresso de nenhuma realidade
objetiva. Um poder absolutamente infrene jamais existiu a comear
pela bvia razo de que todo exerccio do poder est condicionado
a circunstncias de ordem econmica, social, demogrfica, at mesmo
2. Celso Lafer, Os dilemas da soberania, Digesto Econmico, 3:155: "Ateoria tradicional de soberania foi construda tendo como princpio, de um
lado, a concepo de um poder originrio, que no resulta de nenhum outrodo qual teria obtido seu ttulo; e de outro a concepo de um poder supremo,que no teria outro poder igual ou concorrente. A teoria tradicional da soberania, portanto, significa o carter supremo do poder estatal que se traduzexternamente pela ausncia de subordinao a qualquer autoridade estrangeira,a no ser por via de consentimento, expresso em tratado, e internamente pelapredominncia do Estado sobre o poderio de quaisquer grupos ou indivduosdentro do mbito do seu territrio. Em sntese, portanto, um poder incondicionado (dimenso positiva), que no se subordina a nenhum outro (dimensonegativa)".
2b
tecnolgica, que no podem ser alteradas por manifestaes unilate
rais do poder. Na ordem externa os Estados tambm se limitam re
ciprocamente na medida em que o prprio respeito soberania de
outrem implica uma limitao do seu prprio poder. Contudo, ne
cessrio salientar que a evoluo da ordem jurdica estatal no tem
feito seno restringir a margem de atuao livre e incondicionada
do seu poder. Surgem, nos Estados, limitaes constitucionais ao exer
ccio do poder. O Estado constitucional aquele que s pode atuar
nos limites das competncias que lhe so referidas pela Lei Maior.
certo que se poder dizer que a soberania no pertence aos
poderes constitudos, mas sim ao poder constituinte. Este, no h
negar-se, tem virtualmente condies para desvincular-se dos manda
mentos constitucionais e, portanto, de elaborar uma nova partilha das
competncias entre o Estado e o povo. Embora teoricamente possvel,
na prtica isto quase de todo excludo. Os tempos modernos no
mais aceitariam um retorno ao absolutismo monrquico. De outra
parte o princpio da soberania fortemente corrodo pelo avano
da ordem jurdica internacional. A todo instante reproduzem-se tra
tados, conferncias, convenes, que procuram traar as diretrizes
para uma convivncia pacfica e para uma colaborao permanente
entre os Estados. Os mltiplos problemas do mundo moderno: alimentao, energia, poluio, guerra nuclear, represso ao crime or
ganizado etc, ultrapassam as barreiras do Estado, impondo-lhes, desde
logo, uma interdependncia de fato.
pergunta que formulamos de se o termo soberania ainda
til para qualificar o poder do Estado, deve ser dada uma resposta
condicionada. Estar caduco o conceito se por ele entendermos uma
quantidade certa de poder que no possa sofrer contraste ou restri
o. Ser termo atual se com ele estivermos significando uma quali
dade ou atributo da ordem jurdica estatal. Neste sentido ela ainda
6 soberana porque embora exercida com limitaes no foi igualada
por nenhuma ordem de direito interna, nem superada por nenhuma
outra externa. Veremos este ponto mais adiante, mas o certo quea comunidad e jur dica in ternac ional destituda de poderio. Os Es
tados continuam, portanto, a ocupar uma posio de destaque invul-
gur na organiz ao poltic a do mundo 3 .
3. Roque Antnio Carrazza, Princpio federativo e tributao, RDP, 71:174:"Soberania o poder pblico supremo, absoluto e incontrastvel, que noreconhece, acima de si. nenhum outro poder. Bem por isto, o poder que
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2 A LEGALIDADE E A LEGITIMIDADE
O direito e o poder no se confundem. Acontece, entretanto,
que no Estado eles se apresentam de forma interligada. A fora
presta-se manuteno da ordem jurdica da mesma forma que o
direito serve ao poder. Isto fica bem claro quando se atenta para a
diferena existente entre a fora fsica e o poder. Toda vez que um
homem ou um grupo de homens, uma classe ou mesmo a totalidade
do povo assumem o controle do Estado sinal de que eles se encontram em condies de sufocar qualquer movimento rebelde s suas
ordens.
Esta situao decorrente duma supremacia momentnea de fora
fsica no teria condies de perdurar caso no viesse o direito em
seu socorro. Em outras palavras, quem quer que assuma o poder do
Estado automaticamente o converte em direito. As ordens expedidas
deixam de ser cumpridas to-somente porque vm acompanhadas da
sano coercitiva e passam a ganhar eficcia, na verdade, porque
vm seguidas da noo de que existe um dever de obedincia. A este
fenmeno d-se o nome de institucionalizao da fora. s por ele
que se entende o funcionamento do Estado em que de um incomen
survel nmero de atos imperativos s alguns necessitam, para sua
efetivao, do real exerccio da fora. bvio que se o Estado ti
vesse de garantir com o seu aparato policial militar todas as circuns-
sobrepaira toda e qualquer autoridade. (Da: supra, supramus, soberano, soberania.)
Atualmente, o Estado a nica instituio soberana, porquanto 'superio-rem non recognocens'. De fato, dentre as vrias pessoas que convivem noterritrio estatal, apenas ele detm a faculdade de reconhecer outros ordenamentos e de disciplinar as relaes com eles, seja em posio de igualdade(na comunidade internacional), seja em posio de ascendncia (por exemploem relao s entidades financeiras), seja at em posio de franco antago
nismo (v. g. com as associaes subversivas).
A soberania como qualidade jurdica do imperium apangio exclusivodo Estado. Se ele no tivesse um efetivo predomnio sobre as pessoas que ocompem, deixaria de ser Estado. Da concluirmos que a soberania inerente prpria natureza do Estado (Giorgio Del Vecchio). Ou, como queira Blunts-chili 'o Estado a encarnao e a personificao do poder nacional. Essepoder, considerado na sua fora e majestade supremas, se chama soberania'.E continua este incomparvel mestre: ' . . . a soberania supe o Estado, nopodendo estar nem fora, nem acima dele'. (. . . ) Temos, pois, que, juridica-
28
tncias em que sua autoridade pudesse se r posta em cau sa, no se
riam jamais suficientes todos os efetivos armados de que dispe.
Na verdade, este recurso violncia feito em rarssimas oca
sies se levarmos em conta a atuao ampla e abrangente do Estado
moderno.
O de que desfruta o Estado, portanto, no do mero monoplio
da fora fsica, mas sim da faculdade de expedir comandos genricos
voltados a muitos destinatrios, ordens estas denominadas leis. poreste recurso, portanto, pela utilizao do direito, enfim, que o Estado
se viabiliza. Noutro dizer, ainda, o Estado manifestao de um
poder institucionalizado.
Se uma caracterstica de toda organizao poltica o editar
leis, a relao destas com o Estado varia muito segundo circunstn
cias de espao e de tempo. At durante o advento das Revolues
Francesa e Inglesa, os Estados faziam as leis, mas no se submetiam
u elas. A sujeio do prprio Estado vontade dimanada de um de
seus rgos, o Legislativo, s foi possvel ao termo de um longo
processo de corroso do absolutismo monrquico. Foi, portanto, o
advento do Estado constitucional que tornou possvel falar-se de um
autntico princpio da legalidade. Por este quer-se significar que ao
Estado no lcito exigir que o particular faa ou deixe de fazer
algo se no com fundamento na lei. O princpio da legalidade ainda
compreende mais. O prprio comportamento do Estado h de estar
mente, o Estado soberano porque, seno de sua conduta, s ele decide sobrea eficc ia do seu direito (K else n). Insist imos que a soberani a inadmissvelnum Estado dependente. A independncia, como toda negao, repele grause, bem por isto. a comunidade que est subordinada a outra, ainda que emparte, no possui soberania (Marnoco e Souza). (. . . ) Portant o, o trao distintivo e especfico do Estado a soberania, entendida como o poder supremo,autnomo e originrio. No passado, este poder era chamado 'maiestas, impe-
rium, supremitas etc.'.
Hodiernamente, conhecido por soberania, para como refere CarloCeretti distingui-lo dos poderes das outras pessoas, mesmo de direito pblico, que no se impem a todos, sem possibilidade de resistncia (a no ser(ION abusos, na forma do direito), nem muito menos usam de coao, parafazerem atuar seus prprios comandos. Por tais fundamentos, conclumos queo listado se distingue das demais pessoas pela soberania que lhe inerente.S ele detm a faculdade de autodeterminar-se, demarcando, sponte propria,seu campo de atuao".
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calcado em lei. Procura-se o mais possvel substituir o arbtrio dos
homens pela objetividade da lei, havendo-se chegado a falar em subs
tituio do governo dos homens pelo governo das leis. certo que
isto tomado ao p da letra nunca tenha chegado mais do que a
expressar uma generosa inspirao. Jamais houve um Estado que se
governasse pela s fora das leis. Faz-se sempre necessrio o impulso
da vontade humana para movimentar a mquina do Estado. No h
negar-se, todavia, que naqueles pases onde vige o princpio da lega
lidade, todos os atos, para serem vlidos, ho de estar em conformidade com a lei. O juzo de legalidade , na verdade, tcnico-formal.
Ele nos diz, to-somente, se dado comportamento legal ou ilegal,
a partir de uma interpretao, tanto quanto possvel, lgica e imune
a valores. Trata-se, apenas, de examinar a subsuno de um fato
norma, procedimento este que levado a efeito aplicando-se preceitos
da lgica jurdica.
Ocorre, entretanto, que o homem no se contenta em saber da
legalidade ou ilegalidade dos seus comportamentos. Muitas vezes no
se resigna ilegalidade e passa a questionar o prprio valor fundante
da norma. Diante do confronto da norma com o fato investe contra
a norma taxando-a de invlida. Para estes casos reserva-se o nomede falta de legitimidade. Uma ordem jurdica pode ser legtima ou
ilegtima conforme seja a expresso de valores com os quais esteja
mos ou no de acordo. Houve poca em que o poder monrquico
era tido por legtimo porque estava de acordo com a convico do
minante ento de que os reis eram os depositrios das prerrogativas
de soberania. A evoluo social, cultural, poltica e filosfica privou
o princpio monrquico de legitimidade que foi substitudo pelo da
soberania popular, hoje o nico tido por legtimo.
Uma ordem jurdico-positiva pode ser, como visto, mais ou me
nos legtima. No se deve, contudo, da inferir que por falta de
legitimidade ela seja ilegal. Trata-se de conceitos voltados a realidades diversas. O direito com um mnimo de eficcia tem, por si s,
o condo de categorizar os comportamentos em legais e ilegais. Exem
plos gritantes dos descompassos entre a legalidade e a legitimidade
encontramos no caso da ascenso do nazismo ao poder na Alemanha,
que se deu pela utilizao de instrumentos inteiramente legais. No
entanto implantou um regime que suscitou uma reao quase mun
dial pela violao que provocava de princpios j conquistados no
30
grau de civilizao por que passa a humanidade. De outra parte,
o caso dos golpes e revolues que eram inicialmente ilegais, porque
praticados com quebra da ordem jurdica vigente, mas tidos, muitas
vezes, por legtimos, porque portadores de um iderio poltico mais
afiado com as crenas e valores da sociedade 4.
H, tambm, o exemplo notrio fornecido pela crtica dirigida
pelo pensamento marxista democracia ocidental. Esta seria ilegtima
porque consagradora da supremacia da classe burguesa contra o que
investem os marxistas propugnando pela ascendncia do proletariado,a nica legtima a seus olhos.
O que parece importante notar que este conflito entre legali
dade e legitimidade no fundo sempre existir ao menos enquanto o
homem for um ser sonhador e idealizador de novas realidades. que
sempre ser possvel tentar superar a ordem jurdica vigente questio
nando seus fundamentos e perquirindo-lhe os fins. De outra parte, a
legalidade ser sempre necessria porque s esta pode oferecer a
segurana e a previsibilidade, sem o que os comportamentos sociais
se inviabilizam.
Outro ponto importante o seguinte: uma crise profunda de
legitimidade implica uma perda de eficcia do poder que necessitasempre de um mnimo de consensualidade. A no-operacionalidade
da ordem jurdica, por sua vez, conspira no sentido da sua substi
tuio de forma revolucionria. A ausncia profunda de legitimidade
4. Norberto Bobbio, A legalidade, Jornal da Tarde, 15 jan. 1975: "Na linguagem poltica, 'legalidade' um atributo e requisito do poder; diz-se queum poder legal ou age legalmente, ou tem carter de legalidade, quando exercido no mbito das leis estabelecidas ou aceitas, ou de conformidadecom elas. Embora originariamente e at no uso tcnico, nem sempre se distingue a 'legalidade' da 'legitimidade', invoca-se a 'legalidade' a propsito doexerccio do poder e a 'legitimidade' a propsito do seu ttulo. Assim diz-seque um poder legtimo, quando seu ttulo tem fundamentao jurdica; que legal, quando exercido de acordo com as leis. O contrrio de um poderlegtimo um poder de fato; o contrrio de um poder legal um poder arbitrrio. Nem sempre quem tem um poder de fato o exerce arbitrariamente;da mesma forma, nem sempre quem exerce o poder arbitrariamente tem sum poder de fato. C om base nesta ac epo do termo 'legalidade' entende-seque o 'princpio da legalidade' aquele segundo o qual todos os rgos doEsta do isto , todos os rgos que exe rce m o poder pblico - devem agirno mbito das leis, salvo em casos excepcion ais, expr essamente determinadose tambm legalizados".
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um convite constante para a emergncia do poder constituinte, que
a forma por excelncia pela qual se pode dar uma reorganizao
da legalidade com vistas a uma maior legitimidade
3 PODER CONSTITUINTE
Poder constituinte consiste na faculdade que todo povo possui
de fixar as linhas mestras e fundamentais sob as quais deseja viver.
Como toda organizao poltica dispe de princpios fundamen
tais foroso concluir que o poder constituinte sempre houve. Ocor
re, entretanto, que a expresso s foi cunhada nos fins do sculo
XVIII na obra do abade Sieys. . .".
No por acaso que s ento a conscincia terica despertou
para a existncia desse poder. A causa profunda que se vivia uma
5. Raimundo Faoro, Assemblia constituinte, a legitimidade recuperada,Brasiliense, p. 44 (col. Primeiros Vo s): "A autori dade e o poder, a legitimidade e a legalidade, longe de se exclurem, se complementam. Se a legiti
midade est ausente, h um governo de fato, por mais leis que edite e publique. Sua validade social est comprometida, uma vez que depende davontade de quem comanda, no da conscincia de quem o obedece e se submete. Mas, se h ausncia de fora no poder, sua justificao perece. A impotncia compromete o poder que, na ausncia de uma anrquica predominncia de uma fora superior, tem necessidade de recorrer legitimidade.Essa hiptese ocorre sempre que o Estado, para atuar, tem que recorrer a umapoio externo a si mesmo, seja s foras de ocupao, ou a grupos internosdesvinculados do consentimento majoritariamente prestado. Os prprios ditadores, pobres de autoridade, insones com a equao de poder, que deve serdiariamente articulada para justific-los, se socorrem da legitimidade fictcia,em homenagem que o vcio presta verdade, como ocorre sempre que ahipocrisia entra em cena. Sair da legalidade para entrar na falsa legitimidadeconstitui recurso retrico comum, geralmente inspirado no carisma, o carismareal e o carisma forjado pelas eleies manipuladas".
6. Celso Bastos, Curso de direito constitucional, 3. ed., Saraiva, p. 14:"Em ltima anlise, ao procurar fundamentar juridicamente as reivindicaesda classe burguesa, Sieys foi buscar fora do ordenamento jurdico positivo(que era injusto) um direito superior, o direito natural do povo de auto-constituir-se a fim de justificar a renovao da mesma ordem jurdica. O seupensamento desenvolveu-se aprioristicamente nos moldes do racionalismo iluminista, do contratualismo e da ideologia liberal da poca. Construiu umconceito racional de Poder Constituinte, levantando o problema da sua natureza e da sua titularidade bem como apresentando a sua soluo".
32
forte crise da legitimidade monrquica abalada pelo pensamento ra
cionalista da poca e pela Revoluo Francesa e Independncia Ame
ricana. Era ento muito importante demonstrar a diferena que existia
entre o poder exercido pelos rgos do Estado e, portanto, poderes
constitudos, e aquele outro poder mais transcendente, de difcil
apreenso mas sempre existente, ao menos em carter virtual, de a
qualquer tempo o povo tornar nas suas mos o destino prprio refor
mulando de maneira incondicionada e desvinculada da situao ante
rior a estrutura de sua orde m - jurd ica, social , eco nmica e polti ca.
J vimos anteriormente as afinidades que existem entre as no
es de soberania e de poder constituinte. Com efeito, este ltimo
aquele que exerce o poder soberano com todos os atributos que
normalmente se lhe conferem.
No funcionamento normal do Estado no se nota o exerccio da
soberania porque os rgos que o compem exercem todos eles par
celas do poder total e acabam por, reciprocamente, controlarem-se e
limitarem-se. Veja-se o que se d com o Legislativo, o Executivo e o
Judicirio, todos eles adstritos a atuarem no mbito de suas prprias
competncias. H mais ainda. Todo Estado descentraliza territorial
mente o seu poder, do que surgem municpios, comunas, provncias,Estados-membros ou federados, tudo contribuindo para a diviso do
poder, con