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43º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais
Crédito, consumo e desigualdade:
a política de crédito na agenda do Partido dos Trabalhadores
Mariana Falcão Chaise1
ST03 – Capitalismo, reconhecimento e desigualdade
Caxambu (MG) Outubro, 2019
1 Doutoranda em Ciência Política na Universidade de São Paulo (USP). Essa pesquisa contou com o financiamento da Fapesp, sob o processo nº 2019/15010-8. Contato: mariana.chaise@gmail.com.
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Introdução
O presente trabalho compõe uma agenda de pesquisa em andamento, cujo objeto
são políticas de oferta de crédito à pessoa física, ou seja, de crédito destinado
especificamente ao consumo. O crédito é mal compreendido e pouco estudado nas
Ciências Sociais, estando restrito – enquanto tema de pesquisa – a estudos econômicos,
os quais não atentam para as decisões envolvidas quando seu oferecimento se dá por
meios políticos, seja pela via tão somente regulatória, seja pela via de expansão do acesso
aos bancos públicos, seja pela oferta pública de garantias e de estímulos a instituições
financeiras privadas, em vista do cumprimento de demandas que são coletivas. O crédito
é mal compreendido ao mesmo tempo em que políticas creditícias assumem centralidade
na agenda pública a nível internacional. Assim, caberia ao campo compreendê-lo em
termos de: o que são as políticas de crédito? Que papel ocupam no rol de políticas
públicas? Que tipos de disputas estão envolvidas em sua proposição e em seus desenhos?
Este trabalho possui dois propósitos. O primeiro é modesto, buscando indicar
chaves analíticas possíveis para a compreensão de políticas de crédito ao consumo dentro
de debates próprios das Ciências Sociais. Compreendemos este objetivo como a incursão
em um conjunto de literaturas que podem ser úteis ao enquadramento destas políticas. O
segundo propósito do trabalho é empírico e objetiva extrair conclusões. Analisaremos
uma das modalidades de crédito, a qual corresponde, hoje, à maior rubrica de crédito
pessoal livre oferecido no Brasil: o crédito consignado. Este – popular não apenas no
Brasil, como em toda a América Latina – foi regulado pelo Estado brasileiro em 2003,
envolve bancos públicos, os quais competem com instituições privadas por sua oferta, e
promove garantias que não se limitam ao formato de sua regulação: por lei, pode-se usar
como colateral para acesso ao crédito consignado benefícios sociais que envolvem
recursos públicos, como pensões e aposentadorias.
Acerca do primeiro propósito, apresentaremos três chaves analíticas possíveis, em
graus decrescentes de abrangência e, em certo sentido, concatenadas. A primeira busca
compreender o crédito enquanto um tipo de política pública. Tendo a política de crédito o
objetivo de expandir o acesso a empréstimos e ao sistema bancário em geral a
determinadas populações como um meio de garantir a gestão de riscos econômicos
diversos, os quais são raiz para problemas sociopolíticos – como a queda nos
rendimentos, as flutuações nas necessidades de consumo, o desemprego – podem as
políticas creditícias serem compreendidas enquanto políticas de bem-estar social. No
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entanto, fogem ao conceito tradicional, uma vez que não correspondem a gasto público.
De tal forma, seria possível enquadrá-las em arranjos mistos de provisão social, bastante
desenvolvidos em uma literatura recente, os quais incorporam benefícios diretos e
indiretos, de fontes públicas ou privadas, sendo o propósito da transação, mais que sua
origem, sua razão de ser. O conceito chave, neste enquadramento, seria gestão de riscos.
A segunda é a busca de uma hipótese partidária à proposição de políticas de
crédito. Ao enquadrá-las enquanto um tipo de provisão para fins sociais, embora não
correspondendo a gasto público e direto, se poderia perguntar que papel teria a ideologia
em sua proposição e em seu desenho. Nesta via, avançaremos – para fins também
exploratórios – em direção a uma literatura que busca essas respostas, embora apoiada
essencialmente no caso estadunidense e com conclusões ainda genéricas. Por fim,
estando em aberto o proponente destas políticas, também estão em aberto seus reais
beneficiários. Desse modo, uma terceira chave analítica aventada ao longo do trabalho é
a relação entre partidos de esquerda e políticas que beneficiam os insiders, aqueles
inseridos no mercado formal de trabalho, ou os outsiders.
A primeira e a segunda seção do artigo correspondem a este propósito teórico. A
primeira busca enquadrar as políticas de crédito na agenda internacional, explorando a
formulação do conceito de provisão mista de bem-estar e a hipótese partidária. A
segunda busca identificar como se deu a expansão das políticas creditícias na América
Latina. Nesta, desenvolveremos, em particular, o papel que tiveram Organizações
Internacionais, as quais promoveram conceitos de provisão social bastante próximos dos
desenvolvidos pelos autores utilizados na primeira parte. Também nesta seção,
incluiremos brevemente o debate sobre políticas desenhadas em benefício dos insiders ou
dos outsiders. Seu melhor desenvolvimento, no entanto, será pela via empírica, já na
terceira seção do artigo.
Essa terceira seção corresponde ao segundo propósito de nosso trabalho, de modo
que analisaremos a tramitação da política de crédito consignado no Brasil. O crédito
consignado foi proposto no país por um partido de centro-esquerda, no caso, pelo Partido
dos Trabalhadores (PT), ao contrário de outros casos latino-americanos, nos quais a
proposição veio de parte de partidos conservadores e ao inverso do que supunha parte da
literatura internacional. De tal forma, buscaremos analisar os principais atores envolvidos
na tramitação da proposta no Brasil, as mudanças que foram sugeridas e o modo como o
debate foi travado no Parlamento. Para tanto, formulamos quatro bancos de dados nos
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quais foram sistematizados (i) as emendas à Medida Provisória 130 de 2003, criando o
crédito consignado; (ii) os debates parlamentares; (iii) os projetos de lei que trataram do
crédito consignado na sequência de sua aprovação; enfim, (iv) o debate travado na
opinião pública, a partir de pesquisa em acervo digitalizado. Nos três primeiros bancos
foi necessário identificar os partidos políticos envolvidos, sua posição em relação ao
governo, além de uma classificação quanto ao mérito das propostas, com etiquetas
formuladas para fins desta pesquisa, segundo as demandas das chaves analíticas
propostas. Ao final, apresentaremos algumas considerações.
Políticas creditícias na agenda política internacional
Tradicionalmente, as Ciências Sociais se convencionaram a compreender o
Estado de Bem-Estar Social enquanto o conjunto da provisão pública e direta de serviços
sociais, os quais objetivariam dar cobertura a riscos indivíduas e coletivos variados. Parte
do debate internacional a partir dos anos 1990, no entanto, dedicou-se ao propósito de
compreender e – caso concluindo por sua ocorrência – explicar mudanças operadas
nestes regimes de provisão. Alguns autores, inclusive, avançaram ao questionar se a
caracterização tradicional, pressupondo a natureza pública e direta do gasto, serviria
ainda para a designação do mesmo fenômeno outrora observado. Ignorar tal debate pode
resultar em perda de complexidade na análise de determinadas políticas públicas.
Neste braço da literatura referente às mudanças ou mesmo à crise do Estado de
Bem-Estar Social, poderíamos destacar três conjuntos de autores e de obras.
Argumentaremos que tais conjuntos justapostos obedecem a um eixo que vai do maior
otimismo ao maior pessimismo quanto à manutenção futura dos arranjos de bem-estar e
outro paralelo que vai do enfoque às forças sociopolíticas, as quais endógenas e
conjunturais, às forças estruturais, as quais exógenas, enquanto as principais
condicionantes das mutações observadas. Assim, o polo otimista confiaria nas regras e
instituições da democracia, ao mesmo tempo em que o polo pessimista veria nas
dinâmicas do capitalismo e nos interesses de seus atores o potencial para falência.
No polo otimista, argumentando pela preponderância dos incentivos eleitorais
associados à defesa de programas de grande apoio popular e pela importância de arenas
institucionais que obstaculizam mudanças, Paul Pierson e Gosta Esping-Andersen
sustentam que os ajustes de fato operados nos regimes de Bem-Estar Social dos países
avançados se apresentaram – em todos os casos analisados – tão somente marginais”
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(ESPING-ANDERSEN, 1996). Não haveria, portanto, indícios da ocorrência de uma
oposição política crível aos seus compromissos básicos, inclusive durante os governos de
corte neoliberal de Margaret Thatcher e de Ronald Reagan (PIERSON, 1994). A
popularidade dos modelos de provisão social, nesses termos, teria operado enquanto
elemento de contrapeso às pressões por austeridade: por um lado, seus naturais
defensores aceitariam a necessidade de ajustes, dada a ocorrência de mudanças
econômicas e demográficas internas; seus críticos, por outro lado, independente de seu
posicionamento ideológico, reconheceriam a impossibilidade política de se alterarem
seus compromissos fundamentais (PIERSON, 1998, 2002), sendo o núcleo da
argumentação dos autores que estes foram preservados.
Em nosso campo pessimista, o peso da argumentação não se encontra nas forças
políticas que operam domesticamente, mas nas forças estruturais, que modificam as
condições gerais de acumulação capitalista, gerando crises. Nesse enquadramento,
Wolfgang Streeck (2012, 2018) sustenta a hipótese de que o Estado de Bem-Estar Social
fora o resultado de múltiplas concessões nos campos regulatório e redistributivo, em um
contexto de crescente atuação sindical. Paulatinamente, no entanto, as concessões foram
revertidas para serem, enfim, efetivamente extintas, segundo prognóstico.
Os amplos processos de desmercadorização ocorridos na Europa e nos Estados
Unidos, conforme sua narrativa, se valeram – inicialmente – de taxas altas de
crescimento econômico. Estas permitiam a acomodação e a composição política dos
interesses divergentes do “povo do Estado”, aquele dependente do acervo de direitos e de
serviços oferecidos pelo poder público, com os do “povo do mercado”, cuja fórmula de
justiça encontrava-se no funcionamento do mercado privado. A partir deste arranjo – e
apenas por um período de tempo – haveria sido preservada certa paz social.
No entanto, bebendo de um debate levantado por Kalecki (1943), a assimetria
fundamental do capitalismo democrático residiria no feito de que “as reivindicações de
remuneração do ‘capital’ serem consideradas condições empíricas de funcionamento de
todo o sistema, enquanto as correspondentes reivindicações do ‘trabalho’ serem tidas
como fatores de perturbação” (STREECK, 2018, p. 107). Em outras palavras, havendo
um descompasso na capacidade de influir na agenda pública, os capitalistas puderam
reagir com crises econômicas às interferências sociais do Estado que lhes pareceram
excessivas ou que influíam na geração de lucro, reduzindo, de modo deliberado, seus
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investimentos, resultando em desemprego e em baixo crescimento econômico. A partir
de ação de classe, portanto, os capitalistas promoveram problemas de caráter coletivo.
Neste quadro, em vista do acirramento do conflito distributivo decorrente das
taxas de crescimento em queda, o Estado democrático teve que recorrer a outra série de
medidas regulatórias e macroeconômicas, desenhadas para reacomodar as demandas da
base da população, ora por reposição dos salários, na fase inflacionária dos anos 1970,
ora pela manutenção da política social, na fase de endividamento estatal dos anos 1980,
ora pela manutenção dos níveis de consumo, quando a privatização dos serviços já havia
ocorrido, a partir dos anos 1990. Os equilíbrios sociopolíticos momentaneamente
atingidos, contudo, o foram sempre às custas de novos desequilíbrios econômicos, os
quais – com o tempo – apresentaram-se também contra produtivos, tornando-se eles
próprios a causa de renovados desequilíbrios sociais. Nessa espiral de crises, as quais
contribuíram para a deslegitimação da fórmula capitalismo com democracia, ora por
parte dos capitalistas, ora por parte dos próprios trabalhadores, Streeck propõe que não
há mais saída possível que acomode interesses e que preserve a atividade lucrativa,
restando apenas o fim da própria democracia, ou seja, do regime político que permitira a
emergência das demandas da classe trabalhadora. Em outras palavras, o fim do regime
que emergira após o final da Segunda Guerra Mundial.
De um lado, há a hipótese de fim do Estado de Bem-Estar Social (STREECK,
2018), a qual carece de uma dimensão político-institucional para a crise e –
especialmente – de uma hipótese partidária sobre as mudanças indicadas. De outro, há a
descrição de ajustes marginais operados sobre os regimes de provisão, a qual preza pelas
continuidades e tampouco oferece uma hipótese sobre partidos (PIERSON, 1994, 2002).
No intermeio, existe uma literatura bastante heterogênea que trata da natureza das
mudanças, destacando a ocorrência de alterações mais ou menos profundas nos
princípios e nos funcionamentos da proteção social.
Muitos autores incluídos neste terceiro grupo valem-se de neologismos para
descrever o que veem como um novo modelo de provisão, destacando principalmente a
recomodificação2 dos serviços oferecidos e sua parcial privatização. A partir deste
recurso, diferenciam-no do modelo anteriormente vigente, o qual tradicionalmente 2 Para Esping-Andersen (1991), a desmercadorização ocorre com a emancipação do indivíduo em relação ao mercado de trabalho, identificada com o regime de bem-estar social socialdemocrata; a mercadorização seria, portanto, a não emancipação do indivíduo em relação ao trabalho e a recomodificação, a reversão política da desmercadorização.
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descrito. Pode-se citar entre as referidas expressões: o “Estado contratante” 3
(EARDLEY, 1997), o “Estado de trabalho schumpteriano”4 (HOLDEN, 2003; JESSOP,
1993), o “Estado oco”5 (ALDRED, 2012; MILWARD; PROVAN, 2003) ou ainda o
“Estado habilitador”6 (GILBERT, 2002, 2012; GILBERT; GILBERT, 1989).
O argumento de Gilbert (2002, 2012; 1989), em especial, não adentra na
polêmica de identificar o Estado de Bem-Estar Social como uma fórmula morta –
conforme Streeck – ou como um compromisso inalterável – conforme Pierson e Esping-
Andersen. Sua narrativa indica apenas que houve uma mudança importante na estrutura
institucional da proteção social, de modo mais proeminente nos Estados Unidos e na
Inglaterra. Tal mudança apresenta-se, no entanto, importante o suficiente para que se
possa falar de um novo paradigma emergente, de modo que outros países avançariam
também na mesma direção. O novo paradigma, conforme o autor, poderia ser resumido a
um princípio: o “apoio público a responsabilidades privadas”, sendo o “privadas”
referente a indivíduos, empresas ou mesmo organizações da sociedade civil. Percebe-se,
assim, uma inclinação a compreender o fenômeno primeiro pela ótica da oferta dos
serviços por diferentes instituições, as quais – inclusive – competiriam, e, segundo, pelo
apoio de seus beneficiários aos novos procedimentos. Este último ponto complexifica o
debate travado no campo otimista, demonstrando a necessidade de observar as mudanças
no oferecimento dos serviços como o objeto da pesquisa.
O autor defende que houve uma transição do modelo de despesas promovido por
agências governamentais em direção a arranjos mais diversificados, desenhados para
“habilitar pessoas a trabalhar e habilitar o mercado e o setor voluntário a assumir um
papel expandido em prover serviços de proteção social” (GILBERT, 2002, p. 16), fatores
que corresponderiam: o primeiro à recomodificação da vida social e o segundo à
privatização dos serviços, quando assumidos por instituições com finalidades lucrativas.
A narrativa acerca do motivo de emergência deste novo paradigma aproxima-se da de
Streeck acerca da evolução das respostas do Estado ao baixo crescimento econômico:
desde os anos 1980 haveria ocorrido primeiro uma redução da taxa de crescimento das
despesas sociais e, segundo, uma crescente crítica aos arranjos de provisão pública,
3 No original: Contracting State. 4 No original: Schumpeterian Workfare State. 5 No original: Hollow State. 6 No original: Enabling State.
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outrora incontroversos,7 seja porque estes minariam a competição e a inovação, seja
porque inibiriam a poupança e fomentariam o aumento do déficit público.
Para Streeck, com a perda do poder de compra nos Estados Unidos e – em
especial – com a diminuição das prestações sociais em países europeus, a resposta do
Estado foi a generosa concessão de crédito às famílias, possibilitada após a liberalização
dos mercados de capitais. Nessa fase do arranjo de vontades divergentes, antecipou-se o
poder de compra e, portanto, a capacidade de consumo de indivíduos e evitou-se a
diminuição da demanda, a qual deletéria à acumulação capitalista. Foi neste contexto que
houve uma gradual privatização dos serviços, quando o Estado abandonou sua
responsabilidade pela proteção social e as famílias assumiram o risco pela utilização do
novo modelo: no caso, pela tomada de crédito junto a instituições financeiras.8
A relação entre o endividamento privado e as mudanças na provisão pública
também informam Neil Gilbert. O autor sublinha – no entanto – o modo como o crédito
(principalmente crédito subsidiado e empréstimos garantidos) assumiu um formato de
política pública, mesmo que oferecido por instituições privadas. Dá ênfase, portanto, ao
modo como as políticas de crédito se combinaram a outros benefícios indiretos na
conformação de um paradigma novo de provisão, no caso, de um paradigma misto. As
transferências de bem-estar financiadas por meio de crédito derivariam, desde sua
perspectiva, da diferença entre as taxas de juros cobradas pelo governo e aquelas
cobradas pelo mercado para empréstimos similares, do custo da inadimplência, bem
como das garantias públicas existentes (GILBERT; GILBERT, 1989).
Resumidamente, o conceito de “Estado habilitador” incorpora benefícios diretos e
indiretos, tanto de fontes públicas, quanto privadas. Assim, não é mais o financiamento
público e direto que define o Estado de Bem-Estar Social, mas a natureza e o propósito
da transação. O mercado econômico stricto sensu teria como motivação o crescimento, o
lucro e a satisfação de seus clientes. O “mercado social”, também tomado isoladamente,
se orientaria, entre outros, pela provisão de bens e serviços que satisfizessem as
7 Gilbert (2002) cita o sociólogo Daniel Bell, para quem a sociedade capitalista haveria chegado ao “fim da ideologia”, em parte devido ao amplo consenso político em torno dos Estados de Bem-Estar Social. Cita igualmente o economista Gunnar Myrdal, para quem as empresas privadas já seriam publicamente controladas, mesmo sem a nacionalização, de modo que o Estado de Bem-Estar, no futuro, desempenharia um papel crescente. 8 Este último fenômeno que Colin Crouch (2009) designou “keynesianismo privado”: o crescimento dos mercados de crédito para os pobres e para a classe média, substituindo o endividamento do governo como o principal estímulo econômico disponível.
9
necessidades básicas dos que não preenchessem os requisitos para trocas no mercado
econômico, bem como pela modificação da estrutura geral de recursos em uma
sociedade. E se os “clientes” fossem os mais pobres? O novo paradigma de provisão, ao
permitir a ação “social” de agentes “de mercado”, ofuscaria tais separações, tornando-as
amorfas: o oferecimento privado de serviços poderia corresponder a uma demanda
pública, substituindo suas responsabilidades. Ademais, o foco nos mais pobres
negligenciaria que tais formas alternativas de provisão social se espalham por uma
população beneficiária mais ampla, especialmente incorporando a classe média.
Contudo, este terceiro grupo de ideias sobre a crise dos Estados de Bem-Estar
Social tampouco apresenta uma hipótese partidária para as mudanças evidenciadas:
foram estas propostas e implementadas por partidos de esquerda ou de direita? Qual o
posicionamento da esquerda – identificada com os interesses dos trabalhadores e dos
mais pobres – em relação às políticas de provimento privado de bem-estar?
Especificamente em vista deste trabalho, qual a perspectiva da esquerda acerca das
políticas de crédito detalhadas por Gilbert e por Streeck? São perguntas estas não
respondidas e que merecem investigação por parte das Ciências Sociais.
Pode-se dizer, cruamente, que créditocorresponde ao avanço de um valor contra
uma promessa de pagamento futuro, mais o incremento. Especificamente o crédito à
pessoa física funciona – segundo a teoria econômica – como um mecanismo de
alargamento dos salários e, portanto, como um recurso para o adiantamento do consumo.
Quando oferecido por meio da política pública, poderia – portanto – ser compreendido
como um tipo de política pró-pobre por gerar, ao menos no curto prazo, benefícios à
população de baixa renda. Ao mesmo tempo, a imposição da contrapartida é uma
especificidade de políticas dessa natureza.A partir dos juros, uma parte dos rendimentos
individuais – que entre o meio e a base da pirâmide de renda, proveem tradicionalmente
de salários e de benefícios sociais – converte-se em lucro financeiro. Da mesma forma, a
depender da taxa de juro estabelecida e do seu desenho, a política de crédito carrega em
si o potencial de causar endividamento continuado, fato que alarga o montante da
contrapartida e pode comprometer o consumo presente. Não está claro, portanto, a fatia
do eleitorado que dela realmente se beneficia.
O potencial dessas políticas de causar endividamento colocou-as no centro do
debate público nos Estados Unidos após a crise financeira de 2008, compreendida
enquanto uma crise no mercado hipotecário estadunidense. Algumas hipóteses foram
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levantadas para explicar por que o governo permitira a facilitação do crédito a famílias
que, ao final, não puderam arcar com os compromissos financeiros decorrentes. Uma
parte das explicações foi calcada no modo como o setor financeiro organizou-se para
influenciar decisões políticas (cf. IGAN; MISHRA; TRESSEL, 2011); outra parte buscou
compreender a expansão do crédito em direção aos mais pobres enquanto estratégias de
governo, ligadas ao funcionamento de instituições, a ideologias e a agendas partidárias
(cf. MCCARTY; POOLE; ROSENTHAL, 2015).
Nesta última linha, Rajan (2010) compreendeu a expansão dos financiamentos
imobiliários como parte da resposta política ao aumento da desigualdade de renda nos
Estados Unidos. Sua análise possui elementos de conexão com Wolfgang Streeck e com
Neil Gilbert, embora adicionando mecanismos eleitorais à explicação do primeiro sobre
endividamento privado e do segundo sobre provimento social misto.
Seguiu a explicação de Rajan a seguinte linha de causalidades: o aumento da
desigualdade salarial observável desde a década de 1980 entre os estadunidenses
manteve o Congresso polarizado, diminuindo a probabilidade de uma coalizão entre os
principais partidos para que fossem empreendidas reformas progressivas na estrutura
tributária e/ou políticas de redistribuição direta de renda, as quais ofereceriam respostas
mais sustentáveis às demandas dos eleitores por consumo. Neste quadro, os políticos
procuraram maneiras alternativas de garantir melhorias nas condições de vida de seu
eleitorado. A resposta mais “eficiente” do ponto de vista político foi a liberalização do
mercado de crédito. Ao final, a pressão alterou o funcionamento do setor financeiro,
distorcendo-o. Tal ocorreu tanto porque agências patrocinadas pelo governo e bancos
privados direcionaram grande volume de recursos para financiar moradias, como por não
ter havido paralela regulação e supervisão dos empréstimos, de modo que foram
beneficiadas famílias com grande potencial de inadimplência: o apoio público às
políticas era tão grande que poucos ousaram se opor, segundo sua análise.
A maior “eficiência”, ou – alternativamente – os menores custos associados à
política creditícia, teriam duas principais fontes. A primeira possuiria caráter eleitoral: os
benefícios da política de crédito seriam imediatos quando comparados às alternativas
disponíveis, dentre as quais a mais saliente, em sua opinião, seria o aumento dos
investimentos em educação. Políticas de crédito estimulariam de modo imediato o
consumo, permitiriam, ainda, a expansão da propriedade imobiliária em si; ademais,
facilitariam a criação de postos de trabalho no setor financeiro, no setor de corretagem e,
11
especialmente, de construção civil, intensivo em mão-de-obra. O segundo motivo possui
um caráter institucional: os conservadores seriam menos reativos às políticas creditícias
quando confrontados com a alternativa de redistribuir-se diretamente renda.
A hipótese de Rajan sobre a política creditícia enquanto resposta pragmática ao
aumento das desigualdades salariais vai de encontro às conclusões das chamadas “teorias
redistributivistas”. Estas podem ser divididas em duas vertentes. Uma primeira vertente,
a chamada Teoria do Eleitor Mediano, argumenta que – em cenários de desigualdade –
todos os partidos, independente de sua posição na escala ideológica, irão se dirigir às
preferencias do eleitor mediano, devido unicamente a mecanismos de natureza eleitoral
(MELTZER; RICHARD, 1981). A segunda adiciona o elemento ideológico. A chamada
Teoria do Governo Partidário argumenta que são os partidos de esquerda que possuem
preferencias pela redistribuição (BRADLEY et al., 2011; ESPING-ANDERSEN, 1985;
HUBER; STEPHENS, 2012). Esses dois conjuntos, no entanto, argumentam que os
partidos políticos respondem a aumentos na desigualdade com redistribuição tributária,
não distribuição via expansão do crédito.
O que Rajan (2010) sustenta como hipótese partidária é que os políticos
americanos, principalmente aqueles associados à centro-esquerda, perseguem políticas de
aumento do consumo baseadas no acesso ao crédito porque não conseguem, pelas vias
institucionais, implementar agendas de redistribuição fiscal, sua preferência
programática. A questão da esquerda, portanto, seria sua relativa fraqueza institucional.
Uma literatura anterior, no entanto, assume uma hipótese partidária ligeiramente distinta,
relacionada a proposição de políticas de crédito menos à condição de força de qualquer
partido dentro do parlamento e mais à suas reais preferências programáticas.
Bickers e Stein (1996, 2000) haviam demonstrado em primeiro lugar, que
representantes do Partido Democrata e representantes do Partido Republicano possuem
preferencias distintos acerca de gastos sociais. A partir de uma perspectiva histórica,
argumentam que desde o New Deal democratas implementaram maior número de
“programas de direitos”, ou seja, programas que provinham benefícios a populações-alvo
– idosos, pobres, grupos minoritários –, os quais seriam também seus potenciais eleitores.
Republicanos, por outro lado, historicamente rejeitaram tais programas. Uma das formas
preferenciais de gasto público de seu partido teria sido os “passivos contingentes”, os
quais incluiriam programas de crédito: empréstimos diretos, empréstimos garantidos,
além de programas federais de seguro. Nestes, o risco estaria subscrito aos indivíduos e
12
às instituições financeiras, de modo que o desembolso federal ocorreria, a depender da
regulamentação, apenas em casos de inadimplência ou de perda dos bens segurados. De
tal forma, “para os representantes republicanos, os passivos contingenciais seriam
politicamente benéficos e ideologicamente compatíveis” (BICKERS; STEIN, 2000, p.
1073)9: benéficos porque agradariam seus eleitores, entre os quais fazendeiros, pequenos
produtores e empresários em geral; compatíveis ideologicamente porque não oneraria os
cofres públicos, sendo seu efeito orçamentário praticamente inexistente.
A questão empírica que orientou os autores em artigo de 2000, no entanto, teve
uma fundamentação mais pontual. Em 1994, produziu-se a primeira maioria republicana
em ambas as casas legislativas em mais de quarenta anos. Abria-se, portanto, uma
oportunidade para se verificar se – de fato – a formação da maioria republicana resultaria
na redução das políticas distributivas, conforme estava teoricamente previsto. Assim, os
autores compararam a distribuição dos gastos federais do 104º Congresso, controlado
pelos republicanos, com os do 103º Congresso, controlado pelos democratas. A primeira
conclusão os aproxima do argumento de Pierson: programas de direito, nos quais os
beneficiários são indivíduos, dificilmente recebem oposição pública e direta. No entanto,
o que o Congresso republicano poderia fazer – e, de fato, fez – seria mudar a composição
dos gastos, sem autorizar novos programas, nem eliminar antigos. Por meio do manejo
orçamentário, se aumentaria a dotação e/ ou a utilização de programas já existentes, mais
compatíveis, porém, com a agenda republicana. A partir desta estratégia, o controle
republicano do congresso não alterou a política de gastos em si, mas seu conteúdo.
A partir deste quadro de referências, chegamos à conclusão que políticas de
crédito são indeterminadas em três níveis: (i) em seu efeito redistributivo, ou seja, se
contribuem para diminuir a pobreza ou para aumentar a desigualdade (ii) em termos de
seus reais beneficiários, se são os mais pobres ou se são bancos e instituições financeiras;
(iii) nos seus partidos proponentes, se são partidos de esquerda – em estratégia
pragmática – ou partidos de direita – em estratégia programática.
A política creditícia na agenda política latino-americana
A partir dos anos 1990, o Banco Mundial promoveu um conceito de proteção
social, formulado a partir de requerimento do G7. Havia, então, duas preocupações em 9 No original: For Republican representatives, the contingent liability is politically beneficial and ideologically compatible.
13
pauta: no caso dos países desenvolvidos, o diagnóstico da insustentabilidade do aumento
no nível de gastos públicos; no caso dos países em desenvolvimento, a carência de
recursos e a consequente incapacidade financeira dos Estados em proverem seguridade
social, fato alarmante em vista dos altos níveis de pobreza ali verificados. Dentro do
conceito de “Gestão de Risco Social” a intervenção pública no formato de auxílio direto
seria necessária apenas quando direcionada aos criticamente pobres, ao mesmo tempo em
que se deveria estimular a criação de mecanismos que capacitassem indivíduos e famílias
a gerirem por si sós riscos econômicos. Entre tais mecanismos, destacaram-se a
instituição de programas de microfinanças10 e acordos de crédito direcionados aos mais
pobres, às mulheres ou a populações de áreas remotas (HOLZMANN; JORGENSEN,
2000). Assim, ao invés do conceito tradicional de Bem-Estar Social, que pressupunha a
intervenção direta do Estado na geração de bem-estar, o que propunha o Banco Mundial
era um Estado que promovesse a emancipação por meio da inserção dos indivíduos no
mercado: era o “Estado Habilitados” descrito por Gilbert (LAVINAS; FERRAZ, 2010):
Indivíduos com acesso aos serviços financeiros podem satisfazer demandas não usuais e inesperadas por renda, ou ter salvaguardas contra períodos de baixa-renda ou de flutuações inesperadas na renda. Acesso a poupança e a empréstimos podem também ter implicações de bem-estar de longo prazo, permitindo às pessoas tomar empréstimos quando jovens para construir capital humano e depois poupar para aposentadoria quando estiverem mais velhas (KUMAR, 2005, p. 30).11
Nos anos 2000, ao mesmo tempo em que o Banco Mundial chamava a atenção
para a premência da “democratização das finanças”, no caso dos países desenvolvidos, e
da “inclusão financeira”, no caso dos países em desenvolvimento, as Nações Unidas
incluíram o “acesso não-discriminatório” ao sistema financeiro entre seus Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio. O objetivo era melhorar as condições de vida dos mais
pobres, por meio da oferta de (i) depósitos seguros para suas poupanças, (ii) mecanismos
eficientes para recebimentos e pagamentos, finalmente, (iii) acesso ao crédito (BECK;
DEMIRGÜÇ-KUNT; LEVINE, 2004; KUMAR, 2005). Logo em 2005, o prêmio Nobel
10 Refere-se ao oferecimento de serviços financeiros à população de baixa renda, que não teria acesso ao serviço financeiro tradicional. 11 No original: Individuals with access to financial services can meet unusual or unexpected demands for income, or safeguard against periods of low income or unexpected fluctuations in income. Access to savings and borrowings could also have longer-term welfare implications, permitting people to borrow when young for building human capital, and then save for retirement when they are older.
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da Paz foi oferecido a Muhammad Yunus por sua experiência pioneira no oferecimento
de créditos aos mais pobres por intermédio do Grameen Bank, em Bangladesh.
A inclusão financeira e a democratização do crédito seriam métodos eficientes –
segundo Organizações Internacionais – de assistir aos mais pobres, reduzindo a pobreza
por meio do crescimento e da estabilidade econômica. Por outro lado, o acesso ao
sistema financeiro aumentaria o bem-estar desta camada populacional, ao prevenir crises
e ao dar liberdade aos indivíduos para que deliberassem entre opções alocativas. Segundo
Yunus, a partir da expansão do acesso ao crédito, as gerações futuras conheceriam a
pobreza apenas como artefato museológico (YUNUS, 1997).
Foi neste contexto que a oferta de crédito à pessoa física ganhou centralidade.
Centralidade observável não apenas na cartela de serviços oferecidos por bancos e
instituições financeiras, na qual o Estado teria o papel de regulador, mas no rol de
políticas públicas “inclusivas”, tendo o Estado o papel de provedor indireto: seja por
meio do oferecimento de garantias, seja por meio de bancos públicos. Como resultado,
mercados emergentes assistiram também a grande incremento no volume de crédito
familiar. Bahadir e Gumus (2016) demonstram, por exemplo, como o crédito às famílias
cresceu exponencialmente como proporção do PIB a partir de meados dos anos 1990 em
oito economias em desenvolvimento. Entre os casos latino-americanos: Brasil, de modo
mais expressivo, além de Argentina, Chile e México.12 Neste grupo de países, no
entanto, o acesso ao crédito se deu por intermédio de inúmeras modalidades, não sendo
restrito ao crédito imobiliário, rubrica que se popularizou com o episodio estadunidense e
muito elevada entre os países desenvolvidos (MIAN; SUFI; VERNER, 2017).
Destas as várias modalidades, a que melhor se desenvolveu na América Latina foi
o crédito consignado. Este surgiu nos Estados Unidos no início dos anos 1990, por meio
de uma iniciativa privada. Sua feroz expansão foi diversas vezes explicada como uma
resposta empreendedora à indisponibilidade de alternativas de crédito de curto prazo e à
recusa no oferecimento de cartões de crédito a determinados seguimentos populacionais
por parte das tradicionais instituições bancárias (STEGMAN, 2007). Estudos mostram
que os empréstimos de tipo consignado não atingem os americanos extremamente
pobres, aqueles que se encontram abaixo da linha de pobreza, os quais não preenchem
seus requisitos mínimos. Este segmento se apoia em instituições informais, como casas 12 Os outros quatro casos são Coreia do Sul, que observou o maior crescimento entre todos os casos, África do Sul, Tailândia e Turquia.
15
de penhores. Empréstimos consignados são característicos do segmento que possui
alguma fonte de rendimento, seja salário, sejam benefícios governamentais, embora seu
cotidiano seja marcado por altos níveis de insegurança econômica. Entre estes, são
subpopulações-alvo nos Estados Unidos as mulheres (especialmente mães solteiras), os
afro-americanos e os latinos (SOEDERBERG, 2014).
Destes dados, extraímos duas conclusões: essa modalidade de crédito, mesmo
que, no caso estadunidense, apenas regulada pelo Estado, cabe bem no paradigma de
bem-estar promovido pelo Banco Mundial: apoio estatal direto restrito aos criticamente
pobres e capacitação dos demais a gerirem individualmente riscos.13 Ao mesmo tempo,
existiria uma outra dimensão analítica possível para compreender-se essa modalidade
creditícia. Quando oferecida por meio de política pública, como ocorreu na América
Latina, a política de crédito consignado afetaria os insiders, aqueles inseridos no mercado
formal de trabalho, em detrimento dos outsiders, os quais não seriam elegíveis na
maioria dos desenhos da política. Se poderia questionar, portanto, no contexto latino-
americano de alta informalidade e de alta desigualdade de renda, o potencial que teria
esta política de efetivamente relegar a pobreza ao passado.
Como antecipado, o crédito consignado desenvolveu-se como política pública em
toda a América Latina ao longo dos anos 2000, tendo apresentado uma expansão bastante
acelerada (CALVO et al., 2016; GUTHRIE, 2013). Brasil e México, que correspondem
às principais economias da região, viram o crédito consignado tornar-se a principal
modalidade de crédito pessoal e, em ambos, um dos principais motores do endividamento
das famílias (GERBER et al., 2018; GUTIÉRREZ; MUÑOZ; URIBE, 2013). No caso do
Brasil, porém, arranjos de microfinanças e a política de crédito consignado foram
reguladas – em 2003 – por um partido de centro-esquerda: o Partido dos Trabalhadores
(PT); no caso do México – em 2001 –, por um partido de direita: o Partido de Ação
Nacional (PAN). Assim, ao incluir-se a América Latina, a hipótese partidária acerca de
quem proporia e de quem implementaria políticas desta natureza seguiria indeterminada.
A hipótese redistributiva, da mesma maneira.
Sobre esta última e acerca da diferenciação entre políticas promovidas em
13 Outro dado interessante sobre o modelo estadunidense para empréstimos consignados é que as leis de usura são reguladas por meio de legislação estadual. Assim, são os estados que possuem jurisdição sobre essas instituições não-bancárias, particularmente no que diz respeito à regulação das taxas de juros (SOEDERBERG, 2014). Alguns estados americanos, inclusive, proibiram empréstimos consignados, por considerarem prática financeira predatória.
16
benefício dos insiders ou dos outsiders, Rueda (2005) argumenta que, entre os países
desenvolvidos, os partidos de esquerda implementaram historicamente políticas que
beneficiaram os insiders, aqueles com empregos formais, ao mesmo tempo em que
tenderam a ignorar as demandas dos outsiders. Arretche (2018), por outro lado,
argumenta que, especificamente no Brasil, a esquerda trabalhou pelo favorecimento dos
ousiders. A análise da política de crédito consignado e – em especial – dos Projetos de
Lei (PL) que lhe foram subsequentes poderia nos indicar novas considerações.
O crédito consignado na agenda do Partido dos Trabalhadores
O Brasil possui o sistema financeiro mais desenvolvido da América Latina. A
modalidade de crédito em consignação, a já qual bastante popular no país (COSTA,
2014), foi estendida em 2003: do acesso restrito ao funcionalismo público estadual, para
trabalhadores do setor privado em geral e aposentados e pensionistas do INSS. Passou,
assim, a corresponder à maior fatia de todo o crédito pessoal livre oferecido, tanto por
parte de bancos públicos como por parte de bancos e instituições financeiras privadas.
Analisando, no entanto, o reverso da política – por meio de microdados do Banco Central
– Gerber et ali (2018) apontam para a importância do crédito consignado na composição
do endividamento das famílias brasileiras entre 2003 e 2014, significativamente mais
relevante que empréstimos não-consignados e dívidas em cartões de crédito. Igualmente,
demonstram os autores como o endividamento familiar decresceu com o aumento da
renda, o que seria compatível com a inclusão financeira verificada a partir de 2003.
Políticas creditícias foram bastante debatidas nas Ciências Econômicas em razão
de sua capacidade de gerar ora maior crescimento, ora maior produtividade, ora
endividamento familiar e, portanto, bloqueio à demanda. Igualmente, o crédito
consignado foi um tema importante no âmbito jurídico, devido a registros de abuso por
parte de instituições consignatárias, em particular contra idosos aposentados. Na Ciência
Política, no contraponto, políticas creditícias praticamente não foram discutidas, a
despeito de sua importância na cartela de políticas empreendidas no Brasil e na América
Latina e da série de contrassensos teóricos que levantam. Como já dito, não existem
conclusões robustas acerca do sentido redistributivo destas políticas – as quais nos
indicariam a fatia do eleitorado que dela realmente se beneficia. Tampouco há uma
hipótese partidária forte – que indicasse a posição destas políticas na agenda dos partidos
e a ação da ideologia sobre sua proposição e sobre seu desenho. Finalmente, não há uma
17
tentativa de enquadrar as políticas de crédito em conceitos mistos de bem-estar social, em
voga no campo, embora seja um tipo de política pública já bastante popularizado.
Este trabalho não pretende preencher todas estas lacunas. Além de haver indicado
chaves analíticas possíveis ao estudo das políticas de crédito, nos propomos a analisar a
tramitação da Medida Provisória 130/2003, que instituiu o crédito consignado no Brasil,
bem como projetos de lei subsequentes que buscaram modifica-la. A MP 130 foi editada
pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva, no primeiro ano de seu primeiro mandato. A
proposição, portanto, veio de parte de um partido de centro-esquerda quando no exercício
do Poder Executivo, embora tivesse o PT – naquele ano – minoria parlamentar.
O governo Lula alterou o paradigma vigente acerca da concessão de crédito no
Brasil. Durante os dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), a tônica havia
sido dada ao oferecimento de crédito para fins produtivos. 14 No governo Lula,
compreendeu-se a inclusão financeira da população de baixa renda como um objeto de
políticas públicas (BARONE; SADER, 2008). Em janeiro de 2003, logo nos primeiros
dias do governo, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, já havia declarado
ser sua prioridade “melhorar a regulamentação de mecanismos que ampliam o acesso da
população ao sistema financeiro” (MEIRELLES, In: KUMAR, 2005, p. 33). Em junho
do mesmo ano, foi lançado pelo Governo Federal um pacote de medidas de
microfinanças, cujo objetivo era explicitamente o anunciado.15
A lei do crédito consignado veio na sequência, tendo sua MP sido editada em
setembro, a partir de sugestão da Central Única dos Trabalhadores (CUT). Enquanto
justificativas, a colateralização do salário em até 30% da remuneração líquida (i)
promoveria o acesso ao crédito, uma vez que (ii) acarretaria em presumível diminuição
das taxas de juros, devido à (iiii) promoção da competição entre instituições bancarias e
financeiras, (iv) fomentando-se crescimento econômico sustentado, sem comprometer-se
o equilíbrio e a responsabilidade fiscal (PODER EXECUTIVO, 2003).
A colateralização de até 30% dos salários líquidos, além da possibilidade de
serem utilizados como colateral aposentadorias e outros benefícios sociais e trabalhistas
14 A literatura, sem que haja consenso, costuma utilizar o termo “microcrédito” para crédito produtivo, destinado a microempreendedores (pessoas jurídicas), ao passo que “microfinanças” se referiria a serviços financeiros (poupança, seguros) e de crédito destinados a populações de baixa renda (pessoas físicas), normalmente para fins de consumo. 15 Entre essas medidas incluídas no pacote de junho, destacam-se a lei 10.075/2003, de caráter regulatório, e a lei 10.735/2003, de criação do Banco Popular do Brasil, instituição que atenderia populações sem acesso ao sistema financeiro por meio de empréstimos de pequeno valor e a taxas de juros fixadas a 2%.
18
(tais como pensões e verbas rescisórias), reduziria a praticamente zero o risco de
inadimplência, em benefício das instituições consignatárias. Já o benefício aos mutuários
seriam os juros baixos, embora não houvesse no desenho da lei o estabelecimento de um
teto à taxa de juros, confiando sua regulação a mecanismos de preço a cargo do mercado.
Aos sindicatos era autorizada a celebração de acordos coletivos junto às empresas e às
instituições financeiras, o que também poderia influir na redução dos juros. Observa-se,
contudo, nas justificativas à MP, a mesma retórica que a apontada por Bickers e Stein
(2000) como a atratividade de medidas de crédito para os conservadores nos Estados
Unidos: gerar crescimento econômico sem onerar os cofres públicos, ao mesmo tempo
em que provendo – indiretamente - serviços. Nesta interpretação, por que um partido de
centro-esquerda implementou uma política considerada por parte da literatura como a
alternativa conservadora ao aumento dos gastos sociais? Seria uma atitude programática,
ou seja, ideologicamente orientada, ou pragmática, em vista de conjunturas?
Para analisar a tramitação da MP 130/2003, posteriormente Lei nº10.820, foram
formulados três bancos de dados. O primeiro correspondeu à sistematização das emendas
apresentadas pela comissão mista da Câmara de Deputados e das emendas apresentadas
pelo Senado Federal por parte do revisor-relator. Neste, o principal interesse foi
identificar os proponentes das emendas por partidos, bem como sua orientação ideológica
e sua posição em relação ao governo: situação ou oposição. Ademais, analisar o conteúdo
das emendas, as quais foram classificadas segundo o mérito, a partir de classificações
formuladas pela pesquisa. Finalmente, foi de interesse verificar se as emendas tiveram
como preocupação específica o potencial de endividamento da medida ou qualquer
potencial de prejuízo ao caráter alimentar do salário a partir de sua implementação. O
mesmo foi feito com o conteúdo dos comentários do relator para avaliação das emendas.
O segundo banco de dados correspondeu à sistematização dos debates
parlamentares, tanto na Câmara de Deputados, quanto no Senado Federal. Novamente,
foi interesse da pesquisa identificar o(a) deputado(a) ou o(a) senador(a) que fez uso da
palavra, a orientação ideológica e a posição de seu partido em relação ao Executivo.
Igualmente, buscou-se analisar o teor dos discursos, os quais também categorizados.
Mais uma vez, a preocupação com o endividamento foi uma dimensão de interesse.
O terceiro banco de dados correspondeu a uma pesquisa da opinião pública.
Foram sistematizadas toda as notícias veiculadas sobre a proposta entre janeiro de 2003 e
dezembro de 2003, utilizando-se “crédito consignado”, “empréstimo consignado” e
19
“consignação” como palavras-chave na busca em acervos digitalizados. Os veículos de
imprensa analisados foram os jornais Folha de São Paulo e O Estado de São Paulo,
ambos de circulação nacional e que possuem acervos completos. O interesse foi detectar
a possível ação de grupos de interesse, seja por meio de artigos de opinião, quanto de
reportagens. Especificamente, é um objetivo da pesquisa alargar este terceiro banco, de
modo a incluir veículos não restritos ao estado de São Paulo e revistas de negócios.
Como uma primeira conclusão empírica a partir da análise dos bancos de dados, o
tema do crédito consignado não foi amplamente politizado no Brasil. Em primeiro lugar,
extrai-se essa conclusão do fato de todos os partidos terem orientado suas bancadas
favoravelmente à medida. Em segundo lugar, pois houve um número relativamente
pequeno de emendas apresentadas. Em terceiro lugar, porque a política teve pouco
espaço de debate na opinião pública durante sua tramitação. No entanto, foi bastante
claro que se mobilizaram principalmente três atores partidários, cada qual representante
de um eixo ideológico, fato este que implicou outro conjunto de conclusões: (i) o Partido
dos Trabalhadores (PT), proponente da matéria e representante da esquerda; (ii) o Partido
da Frente Liberal (PFL), de oposição ao governo e representante da direita; (iii) o Partido
da Social Democracia Brasileira (PSDB), também de oposição ao governo e mais ao
centro.16 Acerca do PT, especificamente, também ficou patente o descolamento de em
uma ala do partido, a qual manteve com este divergências, composta por deputados que o
abandonariam a partir de 2005, principalmente em vista da criação do Partido Socialismo
e Liberdade (PSOL). Sobre outros atores, ficou clara a ação da Federação Brasileira de
Bancos (Febraban) durante a tramitação.
Sobre os três atores partidários, cada qual teve um papel relativamente bem
definido durante a análise da matéria. O PT foi responsável por sua defesa, tendo
ressaltado seus benefícios aos trabalhadores privados, excetuando-se – como dito – a ala
opositora, a qual denunciou o favorecimento aos bancos e ao sistema financeiro que
estaria sendo promovido, com resultados dúbios para os trabalhadores. O PFL, de direita,
foi o responsável pela politização do endividamento, tendo proposto, no formato de
emendas, uma série de medidas que provinham um desenho diferente à política,
16 Para indicar a orientação ideológica dos partidos, utilizo o banco de dados de Powell e Zucco para o ano de 2005 Considerei, para este trabalho, que um valuepe menor que -0,5 corresponderia à esquerda. Entre -0,5 e 0,5, corresponderia ao centro. Um valuepe maior que 0,5, corresponderia à direita. Utilizei o ano de 2005 uma vez que a pesquisa anterior, de 2001, reflete um período temporal em que a esquerda, sob o PT, ainda não assumira o Executivo Federal. Considero, portanto, que 2005 reflete melhor as posições de 2003.
20
pressionando durante os debates por sua adoção. O PSDB foi o responsável por politizar
a participação sindical, ora propondo sua exclusão, ora buscando enfraquecer sua posição
nos arranjos. Sobre este ponto, logo após a edição da MP, foram divulgados acordos
entre bancos e a CUT, os quais previam tarifas diferenciadas para sindicalizados e não-
sindicalizados; igualmente, com a Força Sindical, os quais previam o repasse ao sindicato
de um percentual do valor das operações intermediadas. Tais acordos seriam fortemente
denunciados pelo PSDB ao longo de toda a tramitação.
Iniciamos pelas emendas. Foram apresentadas 41 emendas na comissão mista e
03 emendas no Senado Federal. Apenas uma emenda da comissão mista foi acatada, de
autoria do PSDB, uma das medidas no interesse das instituições financeiras, aumentando
suas garantias de retorno. Das emendas propostas no Senado, também apenas uma foi
acatada, vedando a cobrança de taxas pela celebração dos acordos entre empregadores e
entidades sindicais: o acordo da Força Sindical, bastante denunciado na Câmara.
A maior parte das 44 emendas foi proposta ou pelo PFL (19 emendas), ou pelo
PSDB (17 emendas).17 Dos seis artigos presentes da MP, o que recebeu o maior número
de emendas foi o artigo 4º (25 emendas), o dispositivo mais denso, que tratava: da
previsão de anuência da entidade sindical aos acordos de consignação; das condições de
negociação para os empréstimos; das obrigações das instituições consignatárias; das
obrigações dos empregadores; dos direitos dos empregados/mutuários. Destas 25
emendas, 14 foram propostas pelo PFL e 04 pelo PSDB.18 Nestas, fica já patente o papel
desempenhado pelos dois atores partidários no processo, uma vez que 12 das 14 emendas
do PFL versavam sobre a taxa de juros a ser cobrada pelas instituições financeiras ou
sobre taxas operacionais e impostos incidentes sobre as operações de consignação. Das
04 emendas do PSDB, 03 eram contrárias à participação dos sindicatos nos arranjos.
O PFL articulou uma manobra bastante interessante. Nove de suas 14 emendas ao
artigo 4º buscavam politizar a temática do teto ao juro. Essas emendas, sendo 05 de
autoria do mesmo deputado, propunham limitar sua taxa (por vezes incluindo-se o custo
operacional) a 50%, 45%, 40%, 35% ou 30% da cobrada pelas instituições financeiras
em outras modalidades de empréstimos à pessoa física, argumentando que os
empréstimos consignados teriam garantia de pagamento, de modo que o juro – como 17 Além destas, o PMDB apresentou 01 emenda; o PP, 01 emenda; o PPS, 01 emenda; o PT, 01 emenda; e o PTB, 04 emendas, sendo 03 destas no Senado Federal, por parte do relator-revisor. 18 Além destas, o PMDB apresentou 01 emenda ao artigo 4º; o PP, 01 emenda; o PT, 01 emenda; o PTB, 04 emendas, sendo 03 destas no Senado Federal, por parte do relator-revisor.
21
preço – deveria refletir essa maior segurança. O objetivo do deputado do PFL era
claramente reivindicar para si a pauta, oferecendo alternativas de arranjos com diferentes
composições de incentivos a bancos e a mutuários. A este conjunto argumentou
contrariamente o relator, Nelson Meurer (PP-PR), dado que a adoção de qualquer destes
dispositivos limitaria a liberdade conferida às partes para negociar os valores e as
condições do acordo, benefício também objetivado pela MP 130, em sua análise.
Das 04 emendas do PSDB ao artigo 4º, 03 tratavam da participação sindical. Uma
propunha a retirada do imperativo de anuência das entidades aos acordos, praticamente
eliminado sua participação. O argumento é que haveria uma espécie de tratamento não
igualitário às partes, dado que, ao passo que os empregadores necessitavam de anuência
do sindicato para os acordos serem firmados, estes os firmariam sem qualquer
assentimento daqueles. As outras duas emendas buscavam incluir a possibilidade de a
anuência ser dada pelas associações de trabalhadores das empresas, as quais – segundo
um dos proponentes – funcionariam inclusive melhor. Para o relator, uma vez que a
inclusão das sindicais contribuiria na redução das taxas de juros, via aumento do poder
de negociação do trabalhador, nenhuma das emendas se justificaria.
Utilizaram-se as seguintes etiquetas para categorizar as justificativas dadas pelos
parlamentares às emendas: (i) no interesse do trabalhador ou mutuário; (ii) no interesse
da instituição consignatária; (iii) no interesse do funcionalismo público; (iv) pela
eliminação/enfraquecimento da participação sindical. A primeira foi a categoria na qual a
maior parte das justificativas se enquadrou, 31 das 44 emendas: 17 propostas pelo PFL,
12 pelo PSDB, além de uma única emenda apresentada pelo PT e de outra pelo PPS.
Apenas 03 emendas enquadraram-se na segunda categoria, uma das quais acatada pelo
relator, de autoria do PSDB; as restantes foram de autoria do PFL. A única emenda que
se enquadrou na terceira categoria foi também do PSDB, buscando qualificar
funcionários públicos federais para o recebimento do benefício. Finalmente, 09 emendas
se enquadraram na quarta categoria: 04 do PTB (embora 03 tenham sido no Senado
Federal, de parte do revisor-relator), 03 do PSDB, 01 do PMDB e 01 do PP.
A justificativa à proposição da emenda – objeto da caracterização– situa-se no
terreno da retórica política, de modo que muitas vezes o dispositivo proposto contraria o
conteúdo da justificação. Ainda assim, foi interessante perceber que, no âmbito da
participação sindical, o PSDB foi o ator preponderante já nesta etapa inicial. Ademais,
foi importante observar que nenhuma das emendas que visavam a aumentar as garantias
22
ou a incluir novos direitos aos trabalhadores – mesmo que majoritárias em seu volume –
foi aprovada pelo relator, que na maior parte das vezes argumentava que tais propostas
acarretariam em encarecimento da operação para a instituição financeira, fato que
pressionaria a taxa de juros: o benefício ao trabalhador como refém de “condições
empíricas” de funcionamento do mercado financeiro (cf. STREECK, 2018), a despeito
das propostas de regulamentação do juro vindas da direita pefelista.
Neste tema, 13 do total das emendas possuíam uma preocupação específica com o
potencial da MP em gerar endividamento familiar, ou uma preocupação com o caráter
alimentar do salário. Destas, 10 eram de autoria de deputados do PFL, embora –
conforme já ressaltado – 09 sobre o artigo 4º. Outras 02 foram de autoria do PSDB e a
última de autoria do PPS. A única emenda proposta pela esquerda (no caso: pelo próprio
PT) apenas demandava que a anuência sindical se realizasse em até 05 dias da celebração
do acordo. Havia, na comissão mista, 1/3 de representantes ideologicamente à esquerda,
embora todos da base de apoio ao governo, os quais – nesta etapa – não politizaram o
tema do endividamento ou qualquer dimensão de justiça.
O banco de dados sobre a tramitação da MP engloba as duas sessões realizadas na
Câmara dos Deputados e a sessão deliberativa no Senado Federal. Foram reunidos todos
os pronunciamentos dos parlamentares, excetuando-se os não diretamente relacionados à
matéria. Também esta etapa foi protagonizada por PFL – politizando o endividamento –,
PSDB – politizando a participação sindical – e PT. Entre os petistas, ficou bastante
evidenciado o descolamento do grupo opositor, composto por deputados que se
posicionaram contrariamente à matéria, divergindo, portanto, da posição de seu partido.
Além destes protagonistas, PTB e PDT, ambos da base aliada, defenderam a medida,
sendo o PDT o único partido de esquerda a manifestar-se, excetuando-se o partido
mandatário do Poder Executivo. A despeito dos debates, conforme já dito, todos os
partidos – da situação e da oposição – orientaram suas bancadas favoravelmente.
Das falas de representantes do PFL, 3/5 contiveram citação ao potencial de
endividamento das famílias a partir da adoção da política. Alguns deputados
acrescentaram, ainda, que a medida poderia resultar na geração de uma bolha de
consumo de curto prazo, a qual inflaria artificialmente a economia, indicando – inclusive
– ser a aprovação da MP parte de uma estratégia eleitoral do PT. No longo prazo, no
entanto, o resultado não seria outro que não o endividamento, em suas avaliações. No
caso dos representantes do PSDB, todas as falas, exceto de um único deputado,
23
demandaram mudanças no papel dos sindicatos nos acordos para a consignação.
Entre a base aliada, o PTB – indicando preocupação com o trabalhador
desempregado – sugeriu a possibilidade de consignação do seguro-desemprego, o que
alargaria o escopo da MP proposta. O PDT, por meio de um de seus deputados, indicou
que a medida seria amplamente benéfica ao trabalhador, não apenas devido à redução dos
juros que seguramente promoveria, quanto devido à eliminação de “atravessadores
financeiros”: agiotas. O deputado argumenta, a partir desta compreensão, que o limite da
consignação seria ainda bastante conservador, de modo que esperava que – no futuro –
fosse aumentado de 30% a 50% do salário líquido. Novamente, portanto, avançando na
pauta do alargamento da política do crédito consignado.
O ponto sobre a eliminação da agiotagem será uma das pautas levantadas com
maior frequência pelos petistas que defenderam a matéria. A maioria dos deputados e
senadores que se pronunciaram eram ligados ao sindicalismo, tendo havido a indicação
de que o tema do acesso ao crédito seria uma demanda sindical bastante antiga: o agiota
de porta de fábrica era chamado de “FMI” devido aos altos juros cobrados. Uma matéria
de dezembro de 2003 veiculada pelo jornal Folha de São Paulo, após – portanto – a
aprovação da lei do crédito consignado, apresenta um estudo feito pelo Santander entre
seus clientes. Neste, o principal motivo pelo qual os trabalhadores estariam buscando
empréstimo consignado seria justamente o pagamento de dívidas com agiotas (ROLLI,
2003).19 Ainda neste tema, a senadora Ideli Salvatti (PT-SC) fez uma fala contrariando os
senadores do PFL. Segundo a parlamentar, a denúncia do potencial de a MP gerar
endividamento das famílias não levaria em conta o fato de os juros escorchantes estarem
justamente no lado informal da economia, ao qual os mais pobres estariam vinculados.
Ainda entre os defensores petistas da MP, a fala mais interessante para fins de
nossa pesquisa veio do deputado Tarcísio Zimmermann (PT-RS). Seu pronunciamento
nos apontou para a possibilidade de a política de crédito consignado refletir menos uma
agenda programática e mais uma posição pragmática da esquerda: Confesso que não é nosso sonho os trabalhadores utilizarem créditos do sistema financeiro, porque as taxas de juros são extremamente elevadas. Essa perspectiva não pode ser universalizada, nem apontada como solução para os problemas de consumo e de financiamento sustentável para os trabalhadores brasileiros. No entanto, muito mais grave do que esse tipo de empréstimo são o cheque especial e os financiamentos
19 Os outros dois foram consumo e o pagamento de dívidas de cartão de crédito ou de cheque especial.
24
paralelos ao do sistema financeiros - agiotas ou outro nome qualquer - do qual milhões de trabalhadores dependem (PODER EXECUTIVO, 2003, p. [s.n], grifo da autora).
A oposição dentro do próprio partido é uma evidência suplementar de que o tema
não fazia parte de uma agenda histórica do petismo. Os deputados opositores,
aproximando-se da retórica do PFL, levantaram a denúncia de que – antes de benefício
aos trabalhadores – o que o presidente Lula estaria promovendo seria um favorecimento
ao sistema financeiro e aos grandes bancos. A deputada Luciana Genro (PT-RS) acusou o
PT de estar cumprindo a agenda do Fundo Monetário Internacional (FMI), induzindo os
brasileiros ao endividamento para que se aumentasse o lucro dos bancos. A melhor forma
de melhorar a vida dos trabalhadores, em sua visão, seria elevando-se o valor do salário
mínimo, que era à época R$ 240,00, anteriormente – portanto – à sua tendência de
aumento. O deputado Babá (PT-PA) argumenta que a consignação dos rendimentos seria
parte de um projeto de “capitalismo de risco zero”. Para a deputada Dra. Clair (PT-PR),
ao invés de o governo estar propondo a diminuição efetiva do juro e a democratização
efetiva do crédito, estaria estimulando “o endividamento dos trabalhadores com garantias
jamais concedidas ao sistema financeiro” (PODER EXECUTIVO, 2003, p. [s.n]).20
Os pronunciamentos foram também sistematizados por meio de seis etiquetas.
Cada uma nos indica uma temática, a qual pode ou não ter sido levantada pelo(a)
representante. Assim, a mesma fala pode conter mais de uma etiqueta e pode ter ocorrido
que outra não contenha nenhuma. As etiquetas foram: (i) a medida favorece/contraria os
interesses dos trabalhadores; (ii) a medida aumenta/diminui a desigualdade; (iii) a
medida gera crescimento econômico; (iv) a medida gera redução nas taxas de juro; (v) a
medida favorece os bancos e o sistema financeiro; (vi) a medida gera endividamento.
A maioria dos pronunciamentos foi etiquetada com a indicação de ser a medida
favorável aos interesses dos trabalhadores. Apenas 06 indicaram o oposto, que a medida
seria contrária, 04 dos quais de parte dos deputados petistas opositores. A etiqueta do
favorecimento aos bancos coube também aos petistas opositores, além de PSDB e PFL.
A etiqueta do endividamento apenas foi atribuída a pronunciamentos de deputados do
20 Lena Lavinas (2017) levanta a tese da captura do PT pelos grandes bancos. Segundo a autora, a ação política do PT foi, desde o início, focada na inserção dos cidadãos brasileiros pela via do consumo, sem – no entanto – buscar a transformação das relações sociais e sem atentar contra os privilégios dos melhor situados na distribuição de renda. Sua compreensão é similar à promovida por outros autores que sustentaram que os governos petistas possuíam forte marca neoliberal.
25
PFL e da senadora Dra. Clair (PT-PR). Este último foi o único de todo o banco a receber
a etiqueta da desigualdade, sendo a indicação da senadora que a MP a alargaria. O tema
da desigualdade na política creditícia, portanto, não foi amplamente politizado, nem pela
direita, nem pela esquerda durante a tramitação da lei em questão.
Exatos três dias após a edição da MP pelo Poder Executivo, o jornal O Estado de
São Paulo veiculou uma matéria em que bancos – tanto públicos, quanto privados –
anunciavam sua entrada no segmento de crédito consignado (Bradesco, Santander, Itaú e
Unibanco) ou o alargamento de suas operações e sua adaptação às novas regras (Banco
do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco VR e HSBC). Nesta mesma reportagem, o
presidente da Caixa Econômica Federal afirmou já contar com 30 mil empresas pré-
aprovadas, o que indica a antecipação do setor à medida (RAMON, 2003).
Figura 01: Anúncio de acordo para crédito consignado entre CUT e Bradesco
Fonte: Estado de São Paulo (26 de outubro de 2003).
Em paralelo, a Febraban cobrava das centrais sindicais a divulgação das regras de
concorrência para que os bancos se organizassem, demostrando grande interesse da
federação nos arranjos, a partir do diagnóstico de que a lei do crédito consignado elevaria
o volume de crédito oferecido no Brasil (LAMUCCI, 2003). Um mês após a edição da
MP, o banco Itaú publicou propaganda de seu crediário com consignação. Quatro dias
depois do Itaú, o banco Bradesco publicou anúncio de seu acordo com a CUT (Figura
26
01). Em dezembro de 2003, a CUT já havia assinado acordos com 19 bancos, com taxas
diferenciadas para sindicalizados e não-sindicalizado, o que não fora proibido em lei,
apesar da denúncia do PSDB (BARBOSA, 2003). O presidente do Bradesco afirmou
que, em comparação com outras medidas de microfinanças lançadas pelo Governo
Federal naquele ano, o crédito consignado levava vantagem na preferência dos bancos,
uma vez que a inadimplência era praticamente nula e as taxas de juro, ainda atraentes. O
Bradesco anunciou que pretendia destinar 10 bilhões a esse mercado, enquanto aplicou
apenas 220 milhões em outros programas (FREGONI, 2003).21
A Medida Provisória 681/2015, já no governo Dilma Rousseff (PT), permitiu a
ampliação do limite de consignação de 30% para 35% dos rendimentos líquidos.
Ademais, desde 2004, uma série de Projetos de Lei tiveram o objetivo de reduzir ou de
ampliar o escopo da concessão de crédito consignado:
Figura 02: Projetos de lei sobre crédito consignado por partido proponente
Fonte: Câmara dos Deputados (elaboração da autora).
Entre 2004 e 2019, foram encontrados 62 PLs tratando exclusivamente do crédito
consignado, embora apenas 16 propondo alguma modalidade de alargamento. Deste
21 Falava especificamente do microcrédito oferecido pela lei 10.735 (ver: nota de rodapé nº15).
27
último conjunto, o projeto mais recente data de junho de 2016, quando Dilma Rousseff
(PT) era ainda Presidenta da República. Nove dos 16 PLs vinham de partidos que – no
momento da proposição – eram base do governo petista, embora nenhum considerado
ideologicamente à esquerda. Outros 03 eram de autoria do próprio PT: dois apoiando a
colateralização do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e um buscando incluir
trabalhadores rurais e empregados domésticos como beneficiários da política.
Além destes 03 projetos, representantes petistas propuseram outros 04, os quais
buscavam justamente o oposto: restringir a política. No entanto, deste subconjunto, 02
PLs eram de autoria de Dra. Clair (PT-PR), quem sempre foi contrária à medida. A
parlamentar buscava, em 2006, limitar a taxa de juro a 0,5% ao mês. Logo no ano
seguinte, deixou o partido. Os outros 02 PLs de autoria de petistas e que buscavam a
restrição da consignação tinham uma preocupação específica com práticas abusivas
aplicadas contra idosos, sendo que um dele data já de 2018, ano em que o partido já não
ocupava o Poder Executivo. Assim, é possível dizer, com base neste quarto banco de
dados analisado, que o PT e sua base de apoio mais conservadora buscaram atrair
também os trabalhadores não celetistas, os outsiders, à política de crédito consignado.
Finalmente, nenhum outro partido considerado de esquerda, na base do governo
ou fora dele, propôs até 2019 qualquer medida que pretendesse alargar a política de
crédito consignado: uma evidência adicional de que políticas creditícias não contém
atratividade programática para partidos à esquerda do espectro político.
Considerações Finais
O artigo buscou indicar caminhos pelos quais pudéssemos compreender políticas
de crédito destinadas ao consumo desde uma perspectiva das Ciências Sociais.
Igualmente, buscou testar algumas hipóteses levantadas em conjuntos de literaturas a
partir da análise da tramitação de uma destas políticas de crédito, no caso, a maior em
termos de volume de recursos no Brasil: o crédito consignado. O tema do crédito é pouco
estudado no campo, a despeito de políticas creditícias terem ganho centralidade na
agenda pública internacional e latino-americana.
De tal modo, as políticas de crédito levantam uma série de perguntas às quais as
Ciências Sociais não provieram respostas suficientemente robustas. Em primeiro lugar,
não conhecemos o efeito redistributivo das políticas creditícias, de modo que não
sabemos quem são seus principais beneficiários, se são os mais pobres – conforme a
28
agenda das Organizações Internacionais revisada –, se são os trabalhadores formais ou se
é o sistema financeiro e agentes correlatos. Em segundo lugar, não sabemos quais são os
partidos proponentes destas políticas, o que envolveria um debate sobre a relação entre a
proposição de políticas públicas e ideologia. Enfim, falta um enquadramento adequado
para que possamos compreender que tipo de política pública são as políticas creditícias.
A partir da análise da tramitação da política de crédito consignado no Brasil, no
entanto, aprendemos algumas lições. Em primeiro lugar, o proponente das políticas de
crédito pode também ser um partido de esquerda, o que contraria parte da literatura
internacional. Se assumimos que o Partido dos Trabalhadores propôs tal medida em um
cenário em que não possuía maioria parlamentar, ou seja, em que não tinha capacidade
institucional de implementar sua agenda programática, nos aproximamos das conclusões
de Rajan (2010) aqui descritas. Além da hipótese institucional, contudo, poderíamos
considerar uma série de outras hipóteses. Partidos de esquerda poderiam instituir
políticas de crédito porque estas são, de fato, eleitoralmente atraentes a uma determinada
fatia da população ou porque sofrem menos resistência por parte dos opositores. Esta
última teria como evidência o baixo grau de politização da matéria. Já o fato de ter
havido um racha no próprio PT durante a tramitação é uma evidência de pragmatismo na
proposição da política.
Existem, porém, algumas questões anteriores que precisam ser melhor
compreendidas. Em primeiro lugar, a questão do desenho da política de crédito
consignado no Brasil. Coube à oposição parlamentar à direita pautar a questão do
endividamento, propondo um desenho à política que contivesse um limite fixado à taxa
de juros. O juro baixo era uma das justificativas do governo à MP e uma sinalização à
sua base sindical, que apresentava uma demanda bastante específica, relacionada ao
problema da agiotagem nas fábricas. O governo, no entanto, prefere deixar o tema do
juro à cargo da regulação do próprio mercado de empréstimos. Outro ponto que precisa
ser melhor compreendido é o fato de a temática da desigualdade não ter sido politizada
durante a tramitação do texto, nem à esquerda e nem à direita. O quadro que havia era de
um país profundamente desigual, no qual a ascensão de um partido de centro-esquerda ao
Poder Executivo levantara uma série de análises muito positivas quanto às possibilidades
de efetivas transformações sociais (PANIZZA, 2006).
A questão dos insiders/outsiders também merece reflexões futuras. O crédito
consignado toca nos trabalhadores celetistas, enquanto outras políticas de crédito
29
propostas pelo partido direcionavam-se aos muito pobres. A partir de 2004, no entanto, o
PT tenta incluir também os outsiders ao crédito consignado, com propostas de
alargamento que partiram de sua base no Congresso, todavia, de sua base conservadora.
Nenhuma proposta de alargamento foi pautada por partidos de esquerda, nem
provenientes da base do governo, nem da oposição.
Este estudo, portanto, tem uma agenda de perguntas a serem ainda respondidas. O
que o artigo subsidia é uma aproximação preliminar do objeto, embora se argumente que
a compreensão das políticas de crédito enquanto um tipo de política pública,
identificando-se variáveis políticas à sua proposição, adiciona camadas de complexidade
ao seu entendimento, bem como à análise do sentido dos governos petistas no Brasil.
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