Post on 30-Nov-2018
CORPOS EM HETEROTOPOS1: AÇÃO, PROJEÇÃO, OCUPAÇÃO.
BORGES, Niúra (UFRGS)2
BRUM, Rosemary FRITSCH (UFRGS)3
A presente comunicação apresenta aspectos conceituais, questões técnicas e
metodológicas de um projeto artístico que vem sendo desenvolvido pelo coletivo
Grupo de Pesquisa da Performance de Porto Alegre/RS, GEPERFORMANCEPOA,
para uma proposta de ocupação à distância.
O projeto propõe explorar relações entre o distante e próximo, presença e a
não-presença, buscando criar uma zona transitiva onde os espaços se interpenetram e
se condensam.
No processo de pesquisa destaca-se para o grupo a problemática que envolve
as concepções de corpo/espaço/tempo/presença/ocupação, aproximando a produção
artística da acepção de espaço a que o filósofo Michel Foucault define o termo:
espaços outros, indefiníveis e experimentáveis.
O coletivo geperformancepoa constitui-se de um grupo de pesquisa de
performance, sediado em Porto Alegre, que integra na sua formação artistas, teóricos
e pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, das artes visuais, teatro,
dança, história e antropologia. Neste projeto, participam do processo de criação e
pesquisa as artistas/teóricos Niura Borges, Patrícia Soso, Rosemary Brum e Márcio
Pizarro.
O coletivo formou-se no verão de 2009 pelo anseio de colocar a prática e a
pesquisa de performance no cruzamento das linguagens. Em junho o coletivo foi
convidado a participar do edital de exposição do Museu de Arte Contemporânea
(MAC) de Jataí, GO, no Programa de Exposições do edital 2009, para ocupação de
suas dependências.
1 O termo é utilizado a partir da acepção de Michel Foucault: a heterotopia como um espécie de organização espacial dotada de uma certa propriedade de estar em relação com todas as outras organizações espaciais e com uma certa sinergia capaz de produzir um campo espacial nômade. Foucault, Michel. Of other spaces:uf utopias and heterotopias. In LEACH,Neil. Rethinking architeture: a reader in cultural theory. London: Routledge, 2002.2 Mestre em Artes Visuais com ênfase em Poéticas Visuais pela UFRGS. Pesquisadora do Grupo INTERARTES: Processos e Sistemas Interartísticos e Estudos de Performance. Membro e produtora executiva do coletivo geperformancepoa. Desde 2003 a artista vem explorando as relações entre a imagem video, o corpo e o lugar.3 Doutora em História pela PUCRS. Socióloga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, atuando no Núcleo de Pesquisa em História do IFCH, no Laboratório de História Oral. Líder e Pesquisadora do Grupo INTERARTES: Processos e Sistemas Interartísticos e Estudos de Performance.* Texto realizado com a colaboração da atriz e performer Patrícia Soso. Diplomada pela Scuola Internazionale Arsenale, em Milão/Itália. Membro do coletivo geperformancepoa Pesquisa sobre bodypainting.
Nas discussões acerca do tema OCUPAÇÃO, a distância geográfica tornou-se
um elemento de destaque e motivador, instigando o coletivo a promover a
OCUPAÇÃO a partir do distanciamento geográfico.
Mas como ocupar um espaço à distância? Este foi o ponto de partida do
projeto, a questão principal que movimentou o coletivo e desencadeou questões como
“como realizar uma performance à distância? ou “como promover ações à distância?,
“como estar presente à distância?”, motivando à realização de pesquisa e criação
artística em torno de ações e formas de ocupação à distância chegando-se a um
consenso que deu origem ao presente projeto artístico.
A escolha do espaço em Porto Alegre - Museu Joaquim Felizardo, foi
direcionada pela busca de elementos similares que pudessem possibilitar
proximidades: semelhanças arquitetônicas – o estilo colonial; condições de outrora -
espaço privado, residência particular. Outro fator que também pesou na escolha deste
topos, foi a qualidade afetiva do espaço, um local de presença e concentração da
memória histórica da cidade de Porto Alegre.
Percebemos durante o processo investigativo que estávamos diante de uma
situação/condição de espelhamento. O espaço na cidade de Porto Alegre refletia, tal
qual uma imagem diante do espelho, o seu duplo, qual seja, o Museu de Arte
Contemporânea de Jataí. Surge então, através deste espelhamento como que uma
nova figura, fruto da simbiose entre dois espaços distantes geograficamente, mas
próximos diante de suas qualidades afetivo arquitetônicas. Este será o palco para as
ações presenciais do coletivo.
Neste sentido, desloca-se o conceito de ocupação vinculado a um determinado
espaço físico estático e integra a este conceito uma nova dimensão de ocupar, que
insere a ocupação na qualidade de estar em relação com outros espaços – espaço
relacional, ou seja, com todas as outras formas de espaço e com uma ‘certa sinergia
capaz de produzir um campo espacial nômade. ’ Campo este capaz de promover
migrações ocupacionais, deslocamentos, trânsito, passagem, ao mesmo tempo aqui e
lá, como um vai e vem. Uma topografia semelhante à fita de Moebius, uma zona
intersticial de encontros e troca, onde o espaço adere ao tempo simultaneamente
modificado pela ação.
Com esta pesquisa visamos explorar relações entre o distante e próximo,
presença e a não-presença, criar uma zona transitiva onde os espaços se
interpenetração e se condensam.
A proposta de ocupação à distância será articulada através de dispositivos4 de
conexidade visando interligar duas cidades e dois espaços: Jataí, GO - Museu de Arte
Contemporânea e Porto Alegre, RS - Museu Joaquim Felizardo. Este dispositivos
serão operacionalizados em três modos de fazer/ser ocupação: INTERVENÇÕES,
DOCUMENTOS DE PERFORMANCE E LIVEPERFORMANCE.
Este projeto artístico tem como objetivos:promover a ocupação à distância;-
explorar relações entre o distante e o próximo; Investigar o conceito de performance
no cruzamento com o documento e o efêmero; explorar as possibilidades artísticas em
rede de comunicação via internet; explorar a relação entre o orgânico (corpo) e a
máquina (video).
Museu Arte Contemporânea Jataí/GO
4 o dispositivo é tratado aqui como considera Giorgio Agamben: “Chamarei de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres vivos”. AGAMBEN, Giorgio. Qu’est-ce qu’un dipositif? Rivage Poche, 2007.
Museu de Porto Alegre Joaquim José Felizardo
O projeto artístico configura-se em três modos de fazer/ser ocupação:
INTERVENÇÕES, DOCUMENTOS DE PERFORMANCE E LIVEPERFORMANCE. As
intervenções serão realizadas em três formatos: adesivagem, ação pedagógica e
inserção na programação da rádio local. Neste formato serão elaborados cartazes, em
preto e branco, que deverão ser afixados em locais públicos permitidos nas cidades de
Jataí,GO e Porto Alegre,RS. A imagem do Cartaz apresenta um ponto gráfico
circundado pela frase “eu estou aqui”, a assinatura do coletivo “geperformancepoa”, o
local do acontecimento das ações “Porto Alegre/RS – Museu Joaquim Felizardo e
Jataí/GO – Museu de Arte Contemporânea”, e data e hora da liveperformance “ (a
definir). Este trata-se de um dispositivo sinalizador da presença e tem como objetivo
indicar tanto a presença do sujeito que se encontra em frente ao cartaz e lê a frase
“eu estou aqui”, como da presença do coletivo na cidade. Quanto à Ação pedagógica,
neste formato as ações serão realizadas nas dependências das escolas da rede
municipal da cidade de Jataí,GO. Serão fornecidos mapas das cidades de Porto
Alegre,RS e de Jataí,GO, apresentando os entorno geográfico/espacial onde se
localizam os respectivos museus. Será solicitado que a criança, a partir da análise
destes dois topos distintos, retire destes elementos que considerou
interessante/instigante/diferente e com eles construa um outro mapa, topos, o seu
topos, o seu mapa. A inserção na programação da rádio local neste terceiro formato
de intervenção serão inseridos na programação local de rádio da cidade de Jataí, GO,
arquivos sonoros orais de 1 a 2 minutos de duração. Seu conteúdo conterá trechos de
músicas, poesias e obras literárias relativas aos conceitos de
corpo/espaço/tempo/presença/ocupação. Os arquivos sonoros conterão também, sons
do cotidiano urbano de Porto Alegre.Ex:
“ (...)a janela some na paredea palavra de água se dissolvena palavra sede, a boca cedeantes de falar, e não se ouve (...)”Os Buracos do Espelho - Arnaldo Antunes
“ (...) O corpo se cortado espirra um líquido vermelho. O corpo tem alguém como recheio.” Corpo - Arnaldo Antunes
“Quarto de não dormirSala de não estarPorta de não abrirPátio de sufocar (...)” Espaço – Vitor Ramil
A acão documental e documentos de performance trata de uma videoperformance que será realizada no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo pelas artistas Niúra Borges e Patrícia Soso e que se constituirá de ações que serão
documentadas em imagem video pela videoartista Niúra Borges, que estará operando a câmera de vídeo e pela atriz Patrícia Soso.
A gravação/filmagem será operacionalizada através de plano de filmagem de
ação contínua, isto é, utilizando o plano seqüência, sem cortes.
Os documentos originários da ação documental serão levados para ocupação
do MAC Jataí. Neste Museu as imagens desta ação deverão ser projetadas sobre A
JANELA frontal do MAC/Jataí.
Planta Baixa Mac – Jataí/GOVista interna e externa Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo
A LIVEPERFORMANCE constitui-se de uma performance que será realizada
pelas artistas Niúra Borges e Patrícia Soso em um espaço específico do Museu de
Porto Alegre Joaquim Felizardo, o Torreão.
A performance será realizada com transmissão de imagem em tempo real, “ao
vivo”, via sistemas de comunicação da internet. Esta proposição propõe integrar à
proposta de ocupação diferentes localizações, cidades, estados ou países, que
conectados à internet, possam acompanhar, através de convite, o evento a ser
realizado no Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo.
O evento tem dia previsto para transmissão em 22 de outubro de 2009, e sua
ocorrência com início para as 17 horas e término às 17h30min.
O Torreão como o nome diz é uma pequena torre localizada onde outrora
podia-se ver a longa distância, nas águas do lago Guaíba, as embarcações.
Usaremos a janela como elemento metafórico, que remete ao contato com o
outro, à comunicação, ao se dar a ver...
A ação consistirá na relação das duas performers entre si, e também com a
janela e o espaço circundante.
Detalhe janela do Torreão – Museu de Porto Alegre Joaquim Felizardo
Espaço do Torreão
Quanto aos referenciais artísticos, em termos de aproximação das distâncias
espaciais adota-se a obra Good Morning Mr. Orwell, de 1984, do videoartista Nam
June Paik é uma referência. Homenagendo o escritor George Orwell e seu livro 1984.5
Paik abriu a noite de Ano-Novo, de 1984, enviando, ao vivo, de Nova York a
Paris( Pampidou) e de Paris a Nova York, a imagem em tempo real do bailarino Merce
Cunningham e de vários artistas que participaram do evento entre eles Laurie
Anderson, Jonh Cage, entre outros.
Igualmente adota-se as pesquisas do Grupo Corpos informáticos que realiza
pesquisas artísticas em performance, videoarte, videoinstalação, vídeo-perfomance,
intervenções urbanas, performance em telepresença e web-arte. Seu objetivo primeiro
é interrogar as possíveis relações entre, por um lado, o corpo real, o corpo presença,
do outro lado, a tecnologia, principalmente a rede mundial de computadores.
Quanto aos referenciais teóricos, parte-se de Michel Foulcault, quando coloca
que a heterotopia é uma espécie de espaço que tem qualidade de situar-se em
5 O livro 1984 foi publicado no final da Segunda Guerra Mundial. Trata-se de uma obra visionária na qual Orwell previa o futuro da sociedade telecontrolada pelo Big Brother.
relação a todas as outras organizações espaciais. É um campo espacial que se
desloca por todos os outros espaços contra-organizando, desafiando, rompendo com
as organizações reais estáveis. FOUCAULT, Michel. Of other spaces:uf utopias and
heterotopias. In LEACH,Neil. Rethinking architeture: a reader in cultural theory.
London: Routledge, 2002.
Igualmente adota-se Gastón Bachelard, para quem “A imensidão está em nós.
Está ligada a uma espécie de expansão de ser que a vida refreia, que a prudência
detém, mas que retorna na solidão. Quando estamos imóveis, estamos algures;
sonhamos num mundo imenso. A imensidão é o movimento do homem imóvel.”
BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço.São Paulo:Martins Fontes. 2000.
E ainda Mark Hansen, onde “Nós não podemos mais confinar a corporificação
ao corpo, não podemos mais contê-la dentro da pele orgânica, porque as técnicas
contemporâneas facilitam a distinção mundo-corpo (uma não divisão) que é
fundamentalmente informacional em sua imaterialidade e porque a atividade humana
corporificada é, de alguma maneira, o agente desta dissolução. HANSEN, Mark. B. N.
Bodies in Code. Interfaces with digital media. New York, London. Routledge, Taylor
and Francis Group. 2006. p.94.
Os materiais necessários serão - (1) Projetor multimídia. – para apresentação
de documentos de performance; (2) Computadores PC. Op. Windows XP. um para
ser usado no Museu de Porto Alegre para ser usado no MAC Jataí; (1) DVD player –
para os documentos de performance; Sistemas de comunicação via internet; webcam
ou câmera de vídeo.
LEVANTAMENTO DE BIBLIOGRAFICO
BACHELARD, Gaston. A Poética do Espaço.São Paulo:Martins Fontes. 2000.
COUCHOT, Edmond. A tecnologia na arte: da fotografia à realidade virtual. Porto
Alegre: Ed. da UFRGS, 2003.
COHEN, Renato. Performance como linguagem. São Paulo, Perspectiva, 1989
FOUCAULT, Michel. Outros Espaços. In: Ditos e Escritos – Vol. III. Trad.: Inês A. D.
Barbosa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001.
GOLDBERG, Roselee. A arte da performance: do futurismo ao presente. São Paulo:
Martins Fontes, 2006.
HANSEN, Mark. B. N. Bodies in Code. Interfaces with digital media. New York,
London. Routledge, Taylor and Francis Group. 2006.
MACHADO, Arlindo. A arte do vídeo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1990.
___________. Máquina e imaginário. O desafio das poéticas tecnológicas. São Paulo:
Edusp, 1998.
MEDEIROS, Maria Beatriz de; MONTEIRO, Marianna F.M. Espaço e performance.
Brasília: Editora da Pós Gradução em Arte da Universidade de Brasília. 2007.
PARENTE, André (org.) Imagem máquina: a era das tecnologias do virtual. 3. ed. Rio
de Janeiro: Editora 34, 1999.