Post on 23-Mar-2016
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Narrar com “arte”
Alunos do 9ºB e 9ºC
Agrupamento de Escolas de
Montemor-o-Velho
Ano letivo: 2012/2013
…aquilo que nos une e aquilo que nos separa…
Antologia de
Contos e outras histórias
Índice
Turma 9ºB
Em busca da liberdade
Uma vida dolorosa
Vingança por um fio
O Judeu
O rapto
Turma 9ºC
Da dependência à liberdade
O encontro
O sequestro
O roubo sangrento
Um anjo chamado André
Em busca da liberdade
A tensão e agitação que se vivia em
Lisboa era enorme. O
descontentamento era geral. A ditadura
já vira melhores dias.
Na universidade falava-se sobre
uma possível conspiração contra o
governo, embora pela calada, tal era o
temor de que a Pide, que controlava o
país inteiro, efetuasse mais detenções
políticas.
Naquele dia, ao regressar a casa
depois das aulas, fiquei estarrecido ao
ver o péssimo estado em que a polícia a
deixara. Havia papéis e cartas
espalhadas pelo chão, gavetas caídas e
partidas, roupas e sofás rasgados e no
meio do chão algumas peças
decorativas de latão, apenas amolgadas.
A minha mãe e a minha irmã estavam
muito assustadas.
- Que é que se passa? – Perguntei-
lhes – O que é que aconteceu, pai?
O meu pai sem poder falar fez-me
sinal como que a pedir desculpa.
A minha mãe respondeu-me a
chorar:
- Estes homens vieram buscar o teu
pai para o prenderem.
A minha irmã completamente
apavorada, e sem saber o que se estava
a passar, não parava de gritar e as
lágrimas caíam-lhe dos olhos como
águas da cascata. Então percebi que
tinha de a tirar dali. Peguei nela ao colo
e levei-a para o jardim. Mirava-me
com uns olhos inocentes e inquiridores
e soluçando perguntou-me:
- O pai vai ser preso, mano?
- Não te preocupes Joana, o pai vai
ficar bem, e nós vamos ficar sempre
juntos e mais felizes do que nunca. Um
dia ainda nos vamos rir disto.
Quando voltámos para dentro o
nosso pai já tinha sido levado. O
ambiente era aterrador, a minha mãe
estava dominada pelo pânico e a casa
sempre alegre chorava agora a sua
partida.
Mais tarde, um pouco refeitos da
violência da situação, perguntei à
minha mãe o que se tinha realmente
passado.
Afinal tudo aquilo tinha sido por
causa de um artigo que o meu pai
havia publicado no jornal sobre a
política do Estado Novo, publicação
essa que fora, de imediato, censurada.
No dia seguinte, quando os ânimos
estavam mais calmos fomos visitar o
meu pai à prisão de Peniche. Deixámos
a minha irmã aos cuidados de uma tia,
pois não era ambiente para ela e
porque iria ficar ainda mais confusa.
O meu pai encontrava-se num
estado lastimável, tinha sido espancado
e torturado, tinha os olhos negros e a
boca cheia de cortes, o que me deixou
muito preocupado.
- O que é que te fizeram pai? –
Perguntei-lhe.
- Olha para ti! O que é que eles te
fizeram, Santo Deus! – Exclamou a
minha mãe.
- Isto não é nada, eu aguento-me.
Tomás, cuida da tua mãe e da tua irmã,
elas precisam de alguém que as apoie. –
Dizia o meu pai debulhado em
lágrimas.
- Não te preocupes pai, eu vou tirar-
te daqui para depois cuidares delas. –
Sussurrei-lhe ao ouvido.
Partimos dali completamente
destroçados. A viagem de regresso a
casa foi muito melancólica, não
conseguia parar de pensar o quão
gélida e tortuosa era aquela prisão. Nos
dias seguintes, detive-me a arquitetar
um plano para o tirar de lá. Pensei,
pensei, até que tive uma ideia.
Segundo o que o meu pai me havia
contado, as manhãs eram passadas a
trabalhar na jardinagem, sob o controlo
direto de um recluso chamado
Cantante. Fui investigar e descobri que
tinha sócios no exterior da prisão com
quem negociava contrabando.
Consegui arranjar alguém que os
poderia denunciar e, assim, arranjar
forma de o meu pai chantagear o
recluso Cantante.
No dia seguinte, fui visitar o meu
pai, sem a minha mãe saber, e disse-
lhe:
- Pai, descobri uma forma de te tirar
daqui. A única coisa que tens a fazer é
pedires ao Cantante que te deixe entrar
no serviço de jardinagem.
- Mas ele só lá deixa entrar os
“capangas” dele. – Respondeu-me sem
esperança.
- Não te preocupes, diz-lhe apenas
que conheces o polícia Pinto e que ele
pode pôr os amigos dele na prisão, aliás
foi por causa desse Pinto que ele foi
preso.
- Está bem, eu vou arriscar. Então e
depois o que é que eu faço?
- Daqui a dois dias dou-te mais
informações para que possas escapar
são e salvo.
No dia seguinte, vim mais cedo da
universidade para poder planear
melhor as coisas, sempre com a
preocupação de ocultar o meu plano da
minha mãe que já suspeitava de algo.
Fui à biblioteca da Câmara tentar
encontrar as plantas da prisão e
descobrir o local mais propício à fuga.
As plantas eram muito antigas, o papel
muito frágil e tinha de se ter muito
cuidado ao agarrá-lo para não se
rasgar nem danificar. Depois de muito
observar, descobri um grande cano de
esgoto escondido na vegetação
prisional que dava para o mar e que,
antigamente, devia servir para a
drenagem de resíduos.
A rota de fuga estava já planeada só
faltava mesmo avisar o meu pai.
Voltei para casa, a minha mãe tinha
feito lasanha para o jantar, um dos
meus pratos favoritos. Antes de irmos
dormir disse-lhe que o dia seguinte iria
ser inolvidável.
Mal nasceu o primeiro raio de sol,
levantei-me, lavei a cara, vesti-me à
pressa e dirigi-me a Peniche como
tinha prometido ao meu pai.
- Então conseguiste alistar-te?
- Sim, o Cantante nem hesitou mal
lhe falei no Pinto.
- Ótimo. Presta muita atenção. Logo
à noitinha, quando começar o teu turno
de trabalho no pátio, por volta das
21h30m que é quando está maré baixa,
entras no cano escondido atrás do
arbusto ao pé da muralha. Este vai
levar-te direto ao mar. Eu vou estar à
tua espera a uns 100 metros com uma
mota de água, mas tem cuidado porque
o mar em abril ainda está muito
revolto. Fica com esta chave de fendas,
para qualquer eventualidade, mas tem
cuidado com ela para que ninguém a
descubra.
- Não te preocupes, vou cumprir o
plano à risca e já agora obrigado por
tudo o que estás a fazer.
- Não tens que agradecer, tu farias o
mesmo por mim.
Em vez de voltar para casa, fui à loja
do meu amigo Tony e, como ele me
estava a dever um favor, pedi-lhe uma
mota de água emprestada.
Prendi a mota de água ao atrelado
do carro, na garagem, para a minha
mãe não descobrir.
Estava muito nervoso mas sabia que
já não era altura de voltar atrás, não
era altura para vacilar. Estava prestes a
salvar o meu pai da prisão!
Voltei para casa e fingi que nada se
passava, como estava um pouco
cansado, resolvi ir dormir um pouco.
Levantei-me quando a minha mãe já
tinha saído para o trabalho e a minha
irmã ainda se encontrava na escola.
Comecei a preparar uma mochila
com as coisas necessárias ao plano de
fuga.
Foi então que chegou a hora. Era
agora o momento que tanto ansiava,
não podia haver falhas e apesar de
arriscado não havia lugar a hesitações
pois o meu pai estava inocente.
Transportei a mota até ao mar e
deixei o carro no areal da praia. O mar
estava calmo e praticamente sem
ondulação. Era a hora perfeita para
fugir! Não hesitei, peguei na mota e
pus-me no sítio combinado à espera.
Aguardei cerca de dez minutos,
além da hora marcada, e comecei a
desesperar… até que avistei um corpo
a aproximar-se nas águas calmas. Só
podia ser o meu pai, o plano tinha
corrido bem! Aproximei-me, agarrei-o
e dei-lhe um grande abraço como uma
mãe dá a um filho à nascença. Foi um
momento muito especial e que nunca
esquecerei.
Quando regressámos a casa, a
minha mãe e a minha irmã já estavam
a dormir. Escondi o meu pai na cave
para não levantar suspeitas e para
ninguém o encontrar.
No dia seguinte, de manhã, fomos
até ao quarto da minha mãe que ainda
estava a dormir, o meu pai agarrou-a e
deu-lhe um beijo do tamanho do
universo. Ela nem queria acreditar,
pensava que estava a sonhar, como
seria possível?
- O que é que fizeste Tomás? Foste
tu que o salvaste?
- Sim, consegui arranjar um plano e
ninguém se magoou.
Quando ligámos a televisão, a
notícia tinha-se espalhado, só se falava
no Carlos Castanheiro que havia fugido
da prisão de Peniche. Esta notícia deu
um grande incentivo à população e foi
o rastilho da revolta popular contra o
regime de Salazar.
Na manhã seguinte, era o dia 25 de
abril de 1974, um grupo de soldados
do MFA, conduziu ao derrube do
regime ditatorial salazarista e à
implementação de um regime
democrático. Foi a revolução dos
cravos. As pessoas saíram às ruas e
celebravam a queda do governo. Todos
os presos políticos foram libertados. A
liberdade há muito tirada fora agora
devolvida. Foi o dia mais feliz da minha
vida!
O ambiente que se vivia nas ruas era
alucinante, todos festejavam como se
não houvesse um amanhã.
Portugal fora finalmente libertado!
Trabalho realizado por:
Bernardo Loureiro nº 5 9ºB
Diana Maia nº7 9ºB
Joana Breda nº13 9ºB
Joana Rodrigues nº14 9ºB
Uma vida dolorosa
Aqui, estou eu, ligado a estas
máquinas, observando o que se passa
lá fora, através da pequena e única
janela que tenho no quarto, esperando
pelo momento em que tudo acabará.
Nada mais há para fazer se não
relembrar as coisas horríveis que sofri
no passado.
Estava-se no auge do período nazi,
na pequena cidade da Baviera. Apesar
de ser banqueiro, era uma pessoa
simples, humilde e respeitadora. Era o
típico indivíduo a quem davam o nome
“ bicho-do-mato”, pois limitava – me a
fazer o meu trabalho, não me metendo
nas vidas alheias como muitos outros
faziam, tendo sempre a preocupação de
não ser capturado pelos alemães
adeptos do novo líder, visto que, nas
outras cidades se vivia um clima de
medo e tensão, pois os ataques dos
generais de Hitler já tinham começado,
e, como era de esperar, não tardaram
em chegar à minha cidade.
Certo dia, quando me dispunha a
entrar no meu escritório para
trabalhar, reparei que a porta tinha
sido arrombada. Um pânico súbito e
incontrolável instalou – se em mim.
Olhei para a frente e deparei – me com
a minha maior fobia, os soldados nazis.
De seguida, ordenaram – me que os
acompanhasse, levando – me para um
quartel da Gestapo perto dali e onde
encontrei muitos dos meus colegas e
amigos que tal como eu eram judeus
alemães. Dali, fomos transportados
para um campo de concentração em
Auschwitz.
Fomos recebidos pelo próprio
Führer, que aguardava a locomotiva
atulhada de prisioneiros. Depois fomos
separados de acordo com o sexo e a
faixa etária e, de seguida, levaram – nos
para um campo de trabalho forçados.
Assim que chegámos, experimentei
uma dor profunda, ao imaginar como
iria ser a minha vida a partir dali.
Encaminharam – nos para os nossos
quartos, onde iríamos ficar durante a
nossa longa, e talvez, interminável
estadia. Nunca tinha pensado como
aquele sítio era miserável, assustador e
sombrio. Desejava dormir para tentar
esquecer o que estava a acontecer, e
assim fiz, até ser interrompido.
- Olá! És novo por estas bandas não
és? – Perguntou-me o desconhecido.
Era um homem alto e musculado,
que, provavelmente, havia pertencido
ao exército. Tinha um sotaque
estrangeiro que me parecia ser de um
país latino.
- Sim, sou. Tu já cá andas há muito
tempo?
De repente, ouvimos o som do
megafone, ordenando – nos que nos
dirigíssemos para a parte central do
campo, onde nos dispuseram alinhados
para nos fuzilarem. De seguida,
começou aquilo a que designo de
episódio de terror, pois para onde quer
que olhasse, via pessoas a esvair – se
em sangue como se de animais se
tratassem. O chão, momentos antes
amarelo, encontrava – se agora coberto
de sangue e o meu pavor não parava de
aumentar. Eu era dos poucos que tinha
sobrevivido, debaixo de um cadáver
que, já inerte, continuava a proteger –
me. Sentimentos de culpa, alívio e
alguma frustração magoavam – me.
Passados dois anos, de tortura e
sofrimento, o governo nazi, que dava
indícios de algumas dificuldades
financeiras, mandou – me chamar para
ajudar na logística do exército. Para
além disso, eu e o Cooper, o
desconhecido, tínhamo – nos tornado
amigos, muito próximos, e vi nisso uma
oportunidade de o ajudar a ele e a
todos ou outros que ali se encontravam.
Comecei por rever as finanças
daquele campo e acabei por encontrar
um sítio longe dali, ideal, para nos
refugiarmos. Preocupava – me em
arranjar um plano, pois quanto mais
organizado fosse, mais judeus
conseguiria salvar do jugo nazi. E,
assim foi, depois de pensar durante uns
dias, cheguei à tão esperada decisão:
sairíamos de noite e arranjaríamos
cordas para conseguirmos escapar por
cima das vedações que não haviam sido
eletrificadas.
E, assim foi, no dia 19 à noite,
combinámos encontrarmo – nos no
recinto. Antes tínhamos a arriscada
missão de amarrar os guardas, para
que estes não nos impedissem de sair.
Reunidos no recinto, metemos em ação
o nosso plano e escalámos as grades.
Sentia – me orgulhoso, pois estava a
salvar a vida de muitas pessoas, porém
continuava com receio que fossemos
apanhados ou que algo corresse mal, o
que veio a acontecer, pois o Cooper ao
saltar a vedação para o outro lado, caiu
mal e não conseguia sentir as pernas.
Naquele momento, eu só pensava o
pior, mas agarrando – o herculeamente
pu – lo às costas e evaporámo – nos
dali.
Passadas algumas horas de viagem e
de muito cansaço à mistura, chegámos
a uma fábrica velha e abandonada,
onde passámos a noite e os dias que se
seguiram, dias estes que foram bastante
duros devido à falta de comida e de
água.
Permanecemos naquele local
durante duas semanas, até que, por
milagre, apareceu um indivíduo que
nos ofereceu comida e abrigo, em troca
de trabalho. Acolheu – nos na sua
moradia, uma casa de campo com
muitos compartimentos, onde foi
possível alojar todos.
A minha preocupação com o estado
de saúde de Cooper aumentava e com a
ajuda do nosso anfitrião levámo – lo a
um hospital próximo dali, onde lhe foi
diagnosticado uma paraplegia dos
membros inferiores.
Passaram – se os anos e, felizmente,
o pesadelo nazi terminou. Cooper,
acabou por morrer devido às sequelas
da queda. Os outros, que estavam
connosco, seguiram com as suas vidas.
Eu agora, acometido de uma doença
degenerativa, vivo ou penso que vivo
ligado a estas máquinas teimosas.
Olho pela janela e vislumbro um
mundo escuro e silencioso que me
despreza.
Fecho os olhos e adormeço para
nunca mais acordar.
Trabalho realizado por:
Alexandre nº1
Ana Patrícia nº2
Ana Raquel nº3
Filipe nº9
Mafalda nº17
Vingança por um fio
Agora sento-me na cadeira, que
em tempos fora de meu pai, e relembro
os preconceitos que as gentes, desta
pequena vila, nunca conseguiram
ultrapassar.
António de Albuquerque,
nascido no seio de uma família
aristocrata do interior alentejano, foi
estudar para a capital, onde ficou a
viver na moradia de um tio. Era uma
casa antiga, talvez do século XIX, com
as paredes cobertas por heras, onde
apenas se via refletido o brilho dos
vidros das janelas e da porta principal.
No interior, erguiam-se móveis de
carvalho, cobertos por uma película
fina de pó. O quarto ficava ao fundo do
corredor, tinha uma janela grande, que
dava para a varanda onde, dos vasos,
com terra, cresciam flores, apreciadas
por todos os que aí passavam. Era um
quarto espaçoso … e até demais!
O meu pai
namorava uma rapariga de Sintra,
também estudante. Tinham feito planos
para viverem juntos, mas assim que
soube que era traído, cometeu uma
loucura. Encontrara a pobre rapariga a
trocar carícias com outro rapaz, em sua
casa, e, num ato de frieza, assassinou-
os, com a navalha que sempre trazia
consigo no bolso das calças. Após dois
meses de investigação foi detido e
levado para a prisão de Peniche, de
onde fugiu pouco depois, durante um
tumulto que se levantara entre os
presidiários.
Após esta tragédia, não teve
coragem de enfrentar ninguém, nem
mesmo a própria família, que lhe
apontava o dedo acusador. Embarcou
numa vida de fora da lei e de
criminalidade, tendo, por isso,
falsificado a sua identidade para
emigrar para o Brasil, de forma a dar
outro rumo à sua vida.
Ao desembarcar naquele país
além-mar, sentiu que ainda tinha uma
vida pela frente. Desta vez, teve sorte
no amor, ao encontrar para par uma
jovem indígena. O seu rosto belo e
ternurento, a pele morena e suave e os
negros e encaracolados cabelos, faziam
dela uma mulher belíssima. Entretanto
nasci, fruto desta nova e fogosa paixão.
Pouco me recordo da minha mãe …
faleceu ainda jovem, num acidente de
carro. Triste destino o dela! Joaquim
Pina, nome pelo qual era agora
conhecido o meu pai, depois de viúvo,
foi ganhando prestígio no pequeno
povoado onde habitávamos.
Passaram anos, tornei-me
homem e o meu pai havia-se tornado
Presidente da Câmara, na sequência de
umas disputadas eleições. Uma vila tão
pobre, só precisava de desenvolvimento,
para a melhoria da sua qualidade de
vida e assim fez o prestigiado
presidente.
Porém, um dia chegou à aldeia o
Sr. Jacinto, um velho curvado pelo peso
da idade, apenas suportado pela
bengala que trazia sempre consigo.
Raros cabelos brancos semeavam a sua
cabeça e na cara tinha vincado os
traços que a vida deixara. Vinha de
Portugal e trazia notícias. Conhecia o
meu pai dos tempos de escola, quando
frequentara diariamente a taberna
onde o vira servir à mesa com o seu avô
e conhecia todo o seu passado.
Não era possível! Como poderia
um velho vir desencantar o meu pai no
interior do Brasil? Além disso, estava
disposto a desmascarar o Presidente.
Não tardou muito para que o segredo
corresse de boca em boca por toda a
vila. Ficaram todos escandalizados com
o sucedido e pretendiam condenar o
meu pai … à morte.
Numa noite, cercaram a nossa
casa. O meu pai escondeu-me no sótão
e disse-me que ficasse calado e
esperasse até ao dia seguinte para fugir.
Abraçou-me e despediu-se de mim,
com a cara lavada em lágrimas,
dizendo “Nunca te esquecerei, filho!”.
Foi preso durante uns dias e depois
enforcado, num dia chuvoso de inverno.
Já naquele tempo a justiça brasileira
era implacável com os homicídios!
Nesse dia, eu já tinha chegado à cidade
do Cabo, disposto a abandonar o país.
Talvez tivesse sido melhor não assistir
ao seu julgamento, pois não aguentaria
tal dor.
No ponto mais a sul de África, a
vida era totalmente diferente. Os
negros eram discriminados pela
minoria branca, o que não era
agradável de presenciar. A pobreza
imperava e a cada esquina viam-se
crianças a pedir esmola. Era uma
verdade desoladora, um ideal
inaceitável para uma minoria que
usufruía de todas as comodidades.
Passei muitos anos a relembrar e a
preparar a vingança daquele povo que
havia sido impiedoso com o meu
progenitor.
Depois de juntar algumas
poupanças, regressei à terra que me
vira nascer. Com mais alguma
experiência, consegui tornar-me
Presidente da Câmara, tal como meu
pai. Ninguém me reconheceu, mas eu
reconhecia todos aqueles que o haviam
condenado. Sem dúvida que a
povoação evoluíra com a política do
anterior presidente visto que a maioria
dos habitantes estavam empregados e
tinham um considerável nível de vida.
Tinha que fazê-los pagar pelo
lamentável passado! Incrementei uma
política que visava a sua ruína.
Durante anos fiz aquele povo afundar-
se.
Continuo a viver desta obsessão
e agora, sentado, espero a visita do Sr.
Amílcar, o candidato eleitoral
derrotado pelo meu pai. Não sei o que
me destinará.
Agora, a maçaneta da porta
roda devagar e uma sombra inunda a
sala. Uma voz grave irrompe na tarde
soalheira.
- Bom dia!
Assustado, recosto-me na
cadeira e observo o homem alto e forte
já com alguma idade que tenho na
minha frente.
- Bom dia! O que o traz aqui?
O Sr. Amílcar com ar rude,
explica-me que me recorda dos tempos
de infância. Fico estupefacto e mal
consigo reagir às suas palavras. Diz
também que se não pedir a exoneração
do cargo de político, me denunciará, tal
como sucedeu com meu pai. Sem se
despedir sai, irado, descerrando a porta
violentamente.
Não tenho escapatória possível e
decido abandonar o cargo em favor do
Sr. Amílcar.
Passaram anos. Passei a viver
nos arredores da vila, numa tranquila
casa. Nas noites tempestuosas e escuras
como o bréu, o vento faz bater
violentamente as portadas das janelas
deixando-as escancaradas e o ruído da
chuva a fustigar as telhas são gravilhas
arremessadas contra o meu corpo.
Tranco as portas e corro as cortinas.
Acendo o candeeiro junto do cadeirão e
sento-me a desfolhar o álbum de
fotografias da família. É triste ver
deitado por terra, um sonho de
vingança! Afinal, não valeu de nada!
Porém, sei agora que esse princípio que
sempre me norteou me causa
insatisfação e algum mal estar.
Fecho os olhos, por momentos, e
acompanhado da melodia melancólica
das gotas da chuva que se despedem,
relembro as memórias que guardo da
minha infância.
Daniel Dias nº6 9ºB
Gonçalo Coelho nº6 9ºB
Inês Santos nº6 9ºB
José Regala nº6 9ºB
Ano Letivo 2012/2013
O Judeu
Passou mais um dia e eu continuo aqui, fechado nesta cela sombria e gélida, sem saber bem porquê. Vim parar a esta prisão faz hoje dois meses. Um lugar horrendo e escuro! Por todos os cantos ouvem-se gemidos, os reclusos imploram piedade e justiça, gritam e, de um modo discreto, choram desalmadamente.
Eu nem sei bem por que razão aqui estou. Será que é porque sou de outra religião? Ou será que eu fiz alguma coisa de errado? Isso não sei, só sei que me encontro confinado a estas quatro paredes.
Neste momento, apenas desejo voltar a ver a minha família, os meus filhos, a minha mulher e os meus amigos mais próximos. Tenho saudades de acordar e de ver a minha linda esposa, com os seus grandes olhos azuis que fazem inveja a qualquer mulher, e o seu sincero sorriso a olhar para mim, e a dizer-me o seu habitual “Bom dia amor!”. Também sinto a falta de ver os meus queridos filhos, a correr pela casa com a sua alegria contagiante, e todos os que simplesmente ouvem a sua gargalhada.
Como será que eles estão? Será que sentem a minha falta? Espero bem que sim, porque eu estou deveras saudoso.
Finalmente anoiteceu e o jantar é servido: um bocado de pão e água, como se isso fosse alimento para alguém que não comeu o dia inteiro!
Um silêncio pesado cai sobre este horrível cácere e cerra as minhas pálpebras.
Encontrava-me mergulhado numa enorme escuridão quando, de repente, uma luz forte incidiu sobre mim. Os meus olhos fecharam-se e quando os abri encontrei-me num jardim repleto de flores. Havia um silêncio reconfortante que logo foi ocupado por uma sonora e cristalina gargalhada que me era familiar e agradável. Virei-me e vi a minha linda mulher e os meus adorados filhos a correrem na minha direção com os braços abertos, prontos para me dar o abraço que eu tanto desejava. Sentia saudades. Será que finalmente estava livre daquela prisão?
Finalmente, depois de dois meses passados eu sentia o gosto da liberdade.
Já não era perseguido ou torturado por ser judeu e amar outro Deus que não era o deles.
Nunca me sentira tão bem como agora, estava com os meus filhos, a minha maravilhosa mulher e não enclausurado naquela medonha prisão. Os gemidos, os choros e os gritos haviam sido substituídos pelo chilrear dos pássaros e pelo som do vento a bater nas folhas das árvores.
Passei o dia a brincar com os meus rebentos, a matar saudades do que ficara para trás, quando fora detido. Brincámos na relva, nadámos num admirável lago de água cristalina e corremos pelo monte que se erguia sumptuoso à nossa frente.
Também recuperei das saudades da minha esposa pois falámos e namorámos durante o dia inteiro. Tudo era bom demais para ser verdade e eu não queria acreditar no que estava a vivenciar, no regozijo que me causava aquela súbita liberdade.
No final do dia, regressámos a casa com a satisfação plena de um dia bem vivido, estava, porém, receoso de que pudesse acabar e não passasse de um sonho.
Vivíamos num bairro onde a maior parte das pessoas eram judias como
nós. O quarteirão estava irreconhecível, já não se avistavam polícias a perseguir e a espancar pessoas, agora só havia crianças pela rua a brincar e uma alegria preenchia aquele lugar.
Constatava, feliz, que não era só eu que experimentava uma vida nova e cheia de liberdade, mas também todos os meus amigos e familiares.
Logo que entrámos, a minha esposa dispôs-se a cozinhar. Ah! Que saudades da sua comida e do aroma dos cozinhados orientais. Presenteou-me com a minha comida favorita e eu saboreei-a com um sorriso no rosto, tentando olvidar as míseras refeições do cárceres.
Depois daquela extraordinária refeição aprontámo-nos para ir à Sinagoga, onde eu iria agradecer-Lhe a sua infinita misericórdia ao permitir-me regressar ao meu lar e aliviar todos os habitantes do bairro da intolerância religiosa em que o país se encontrava. Rezei durante toda a noite e depois voltei para casa para finalmente ter uma boa noite de sono. Porém, deitado no leito de casal, não conseguia fechar os olhos, pois os gemidos e os gritos ecoavam horrendos na minha cabeça fazendo-me perguntar se a bem-aventurança que agora experimentava havia sido proporcionada a todos os
que como eu haviam sido aprisionados pelos mesmos motivos. Na verdade, eu desejava que tal tivesse acontecido, visto que fizera alguns amigos e não gostaria de os ver sofrer e até morrer naquelas condições deploráveis.
Finalmente, fechei os meus olhos e a mesma luz intensa de antes voltou a perturbar-me e logo ouvi aquela voz encorpada que todos os dias me fazia saltar, sobressaltado, da cama.
- Ó Judeu! Acorda!- era a voz de um dos militares que guardavam a cela. Abri os olhos e não podia acreditar que o que havia vivido, que aquela liberdade aprazível não passara de um mero sonho.
- Podes sair Judeu! Estás em liberdade.- Gritava aquele vulto atlético entusiasmado enquanto fazia saltar para o chão os reduzidos trapos que me cobriam.
Radiante constatava que acordara de um sonho que se tinha tornado realidade.
De:
Lúcia Ramos n.º 16
Emília Pinto n.º 8
Ariano Ângelo n.º 4
Mariana Bernardo n.º 18
9ºB
2012/2013
O Rapto
Naquele dia, eu e Miká, estávamos prontos para assaltar um banco apinhado de gente, no centro de Praga.
Entrámos e roubámos tudo o que pudemos, antes da chegada da polícia.
Entretanto, fizemos uma refém para termos a certeza de que saíamos em segurança.
Escapámo-nos a correr. Entrámos no carro e dirigimo-nos para uma estação a poucos quilómetros dali. Apanhámos o primeiro comboio que apareceu e se dirigia para Berlim.
Já perto da fronteira, depois de muito pensar no sucedido, olhei para Miká e perguntei assustado:
-O que vamos fazer com a refém?
-Deixamo-la na próxima paragem. – Respondeu-me.
Olhei-a fixamente e interroguei-me porque havíamos cometido tal atrocidade.
Era ainda uma menina. Tinha uns belos olhos verdes rasgados, uns cabelos finos de seda, loiros como raios de sol, e uma pele clara e macia. Reparei que, embora muito jovem, já tinha um corpo bem definido.
Entretanto, ela apercebeu-se de que a olhava, e perguntou com ar curioso:
-O que querem de mim?
-Só queríamos garantir a nossa segurança, desculpa pelo que fizemos, já podes telefonar à tua família.
Quando o comboio parou numa pequena estação, Miká ordenou-lhe que se fosse embora. Vi-a sair e comecei a pensar no que havíamos cometido: o roubo, o rapto, a fuga desenfreada, o dinheiro ilícito, a vida comprometida. O comboio arrancou mas parou logo de seguida. Era a polícia. Vinha-nos prender! Entraram, de rompante, na nossa carruagem com as pistolas apontadas às nossas cabeças. Obrigaram-nos a levantar e algemaram-nos. A primeira coisa em que pensei foi que ela nos tinha denunciado. Seria possível?!
Já no tribunal fomos acusados de assalto à mão armada e rapto.
Aguardámos o julgamento na esquadra, onde as condições eram miseráveis e deprimentes pois dormíamos mal, comíamos mal, e sentíamo-nos mal.
Depois do julgamento, fomos transferidos para a prisão de Praga, onde iríamos permanecer a cumprir sete anos de cativeiro.
A prisão estava repleta de pessoas, umas arrependidas, outras com sede de vingança. Algumas fortes e musculadas, apresentavam muitas cicatrizes no rosto e nos braços. Estavam vestidos com macacões cor de laranja e nos seus olhares vislumbrava-se um sentimento de ódio.
Uma semana depois, Romenova, a nossa refém, apareceu para nos visitar. Miká, inquieto, começou por julgá-la, dizendo que tinha sido ela a denunciar-nos, porém não fora bem assim, e ela começou então a explicar:
-Enquanto falavam no comboio, eu roubei-vos algumas centenas de euros. Não perceberam porque estavam a decidir o que iam fazer comigo. Quando saí do comboio a policia já lá
estava à espera que se desfizessem de mim, eles já vos perseguiam desde a saída do banco. Tentei avisar-vos, mas quando me apercebi de tudo, o comboio já estava em andamento. A única coisa que posso fazer é pagar-vos a caução para que possam sair em liberdade.
Eu não sabia se deveríamos aceitar, mas na verdade, ela não tinha culpa de nada, e não merecia ter passado por tanto. Miká aceitou logo, sem pensar duas vezes:
-Claro, não fazes mais do que a tua obrigação, e com o dinheiro que nos roubaste!
Miká estava a ser egoísta. Eu só pensava na pobre rapariga e ainda me lembrava de quão assustada a deixara naquele dia. Afinal, o seu crime fora estar no sítio errado, à hora errada. E então, qual a verdadeira razão da sua atitude?
Passados uns dias, saímos em liberdade, graças a Romenova. Ela voltou para casa, em segurança, mas Miká não tinha aprendido a lição. Ele quis assaltar a casa de uma senhora, mas eu recusei-me a ajudá-lo. Aquela rapariga tinha-me feito repensar o rumo da minha vida.
O meu companheiro decidiu efetuar um assalto sozinho, mas na fuga acabou por morrer.
Ele havia sido um grande amigo e, inexplicavelmente, acabei por me sentir um pouco culpado pela sua morte.
Agora eu estava sozinho, apenas com Romenova, a única pessoa que me continuava a apoiar depois destes acontecimentos. Era nela que eu confiava, era com ela que eu me sentia bem.
Os dias foram passando e apaixonámo-nos. Chegou então a altura de a pedir em casamento, para viver feliz com ela, o resto da minha vida.
Semanas depois do casamento, que foi lindo e maravilhoso, recebi a agradável notícia de que íamos ter o nosso primeiro filho. Chegaria na altura certa, pois a nossa situação económica e social era estável. Com o cadastro limpo, tinha conseguido arranjar trabalho numa empresa de automóveis, um dos meus sonhos de criança. Romenova já tinha trabalho
num café bar perto de casa e os dois salários somados davam para as despesas e ainda sobrava o suficiente para as compras e para as roupas do bebé que estava para vir.
Passaram-se dois anos e a nossa pequena Belia já frequentava um infantário onde fizemos alguns casais amigos.
No verão desse ano, fomos passar férias ao sul de Itália, a Nápoles, cidade costeira de praias de areia branca, quentes e de água transparente. Estávamos dispostos a passar duas semanas, mas tive de regressar mais cedo a Praga, pois tinha de substituir um colega meu que se havia lesionado no trabalho.
Aquele era o dia da chegada delas de Itália e eu tinha flores para as duas. Já tinham aterrado três voos e elas não chegavam. Comecei a inquietar-me. Entretanto Romenova telefonou-me:
-Foi raptada! – Dizia-me ela com a voz trémula e num choro convulsivo.
-O quê? Quem? – Exclamei aflito.
-A nossa filha… - e chorava ainda mais.
-Não pode ser, eu vou já para aí!
Marquei voo, parti e desembarquei. Durante a viagem só pensava no episódio que vivêramos, no banco e no comboio, depois do assalto em Praga. Romenova esperava-me, ansiosa, na cidade napolitana.
Recebi uma mensagem que dizia ‘’Temos a tua filha, dá-nos 200.000 € até ao final do mês e tê-la-ás de volta’’.
Eu não sabia onde arranjar tal quantia já que a nossa conta bancária era muito inferior. Tive a ideia de pedir um empréstimo no banco de Praga, mas sem êxito. Resolvi hipotecar a casa, o que me deu dinheiro suficiente para o resgate. Depois de ter o dinheiro na mão, enviei ao raptor uma mensagem que dizia ’’Já tenho o dinheiro, nada revelei à polícia, só falta o local de encontro’’. Alguns minutos depois recebi a resposta. A troca ia ser feita no cais de Nápoles. Disse a Romenova que ia buscar a nossa filha e saí. Passei mais de vinte minutos à procura de número do cais referido na mensagem e, por fim, encontrei-o.
A menina estava no colo de um dos raptores. De súbito, percebi que estava perante a máfia italiana. Avisei Novak, um dos amigos de Miká e gritei-lhe:
-Aqui têm o dinheiro, agora devolvam-me a minha filha, por favor!
-Vá, vai- disse o raptor que segurava a menina.
Deixei o dinheiro, peguei na minha filha e vim-me embora sem olhar para trás. Cheguei ao hotel para ir buscar a bagagem e parti para o aeroporto com a minha mulher que nos aguardava nervosa.
Quando chegámos a Praga decidimos não viajar mais para fora do país e, sobretudo, nunca abandonar a nossa filha, por mais que a razão fosse urgente.
Trabalho realizado por:
Inês Martins nº12
Pedro Teixeira nº19
Sara Santos nº20
Xia Wei Wei nº 21
Vou contar-vos a história de um grande amigo meu, um exemplo de vida para muita gente.
Conheci o Vasco há quase dez anos, num bairro muito famoso, conhecido por todos os lisboetas como “o bairro das gentes sem alma”.
Só pelo nome se percebe de que não era um lugar para ir, pois as ruas estavam sempre repletas de gente duvidosa e conflituosa, pertencente ao mundo do tráfico da droga e da prostituição.
Comecei a fumar para vivenciar novas experiências, pois não sabia que quando se entra nessa vida é quase impossível sair. Mas sei de alguém que conseguiu libertar-se desse flagelo e é isso que vos vou contar.
Conheci a Raquel, a traficante que me vendeu as primeiras doses e as seguintes. Estava acompanhada pelo Vasco, aparentemente seu namorado.
O Vasco era um rapaz simpático e despreocupado. Cedo me aproximei dele e passei a conhecê-lo melhor. Apercebi-me de que não era feliz com a vida que levava e isso levou-me a pensar que talvez eu também eu não o fosse, mas depois olhava para a Raquel
e via-a feliz com o tipo de vida que levava. Foi por causa dela que o Vasco tinha começado e daí a consumir estupefacientes regularmente foi um pequeno passo. Ela oferecia-lhe as drogas simplesmente para lhe testar os limites e quando começaram a namorar já ele estava dependente das drogas leves.
Quando Vasco percebeu que se tornara num toxicodependente veio desabafar comigo. Logo me apercebi que algo não estava bem quando apareceu à minha porta.
- Posso entrar?
- Claro, está tudo bem contigo?
-Não, ter entrado neste bairro foi o maior erro da minha vida, já não amo a Raquel e ela não merece que eu me tenha sacrificado por ela! Ela faz-me tanto mal como o que consumo!
- O que vais fazer? Já não há volta a dar e tu sabes disso!
- Eu sei, estou encurralado, tenho a Raquel e o bairro inteiro em cima de mim, preciso da tua ajuda!
Da dependência à liberdade
- Esquece amigo, já foste! Mentaliza-te disso, continua a tua vida como antes e não levantes poeira.
- Obrigado a sério, pensava que podia contar contigo, és uma perda de tempo!
Saiu da minha casa, furioso, sem me dar tempo de reagir.
Ao cair da noite, ouvi tiros na rua, saí a correr preocupada com o Vasco, mas quando o encontrei tinha sido baleado. O som da ambulância ecoou na minha cabeça durante dias.
Não podia ir visitar o meu colega, pois não o conseguia encarar depois do que lhe dissera. Desde que ele se afastou dentro daquela ambulância perdi-lhe o rasto.
Passados anos, encontrei-o perto do bairro e mal o reconheci. Não era o mesmo Vasco. Tinha uma boa aparência, estava bem vestido, sem aquele olhar vidrado que o caracterizava quando consumia estupefacientes. Parecia levar uma boa vida e o mais surpreendente é que estava acompanhado por uma criança. Aproximei-me dele sem saber o que dizer pois, a última vez que lhe falara, ele estava bastante irritado comigo.
Vasco, percebendo que era eu, abraçou-me comovido.
- Como estás? Pensei que tivesses morrido! – Exclamei.
- Não, apenas descobri a força que faltava para me livrar da vida que levava. Estive internado durante três meses e durante a minha convalescença conheci a Carolina, uma enfermeira que me tratou e me fez acreditar que eu conseguiria sair do perverso mundo das drogas. Ela foi o meu baluarte quando a família e os amigos me faltaram.
- Eu não sabia do teu paradeiro, assim não me era possível ajudar-te.
- Eu compreendo, talvez se tivesses ido eu tivesse voltado para aqui, por isso agradeço-te… Quando tive alta, a Carolina acolheu-me. Tivemos uma grande empatia desde o início do tratamento e, por isso, ela decidiu ajudar-me. No início dava-me comida, roupa, atenção e ajudava-me na recuperação, na medicação, em tudo. Quando recuperei totalmente, decidi que queria um emprego para contribuir com as despesas. Era a forma de a recompensar por tudo o que fizera por mim. Um dia parti, dois meses mais tarde, encontrei-a por acaso. Decidi
convidá-la para um jantar em minha casa que logo se tornou num jogo de sedução. Deste jantar surgiu o verdadeiro motivo para mudar de vida, o Sebastião.
Foi, nesse momento que olhou para baixo e acariciou a cabeça do pequeno rapaz que estava consigo.
- És um homem de grande coragem e valor, mereces tudo o que tens nesta vida! – Disse-lhe sorrindo.
Voltámos a encontrar-nos perto do bairro, alguns anos mais tarde.
Conto realizado por:
- Beatriz Martinho nº6
- Bruna Oliveira nº7
- Bruno Carvalho nº8
- Cátia Barros nº9
- Diogo Mendes nº13
O encontro
Numa noite chuvosa houve uma grande discussão entre a Filomena e os pais. Muito nervosa a jovem saiu de casa e foi dormir para debaixo da ponte do rio. No dia seguinte, a Filomena resolveu regressar a casa disposta a falar com os pais, pois reconhecia que tinha agido de cabeça quente. Mal lhe abriram a porta, dispuseram-se a esclarecer a situação. - Porque fizeste isto? – Perguntou-lhe muito séria a mãe. - Eu quero ter a minha própria liberdade! – Respondeu-lhe revoltada. - Mas tu tens tudo o que tu queres! – Afirmava o pai. - Mas vocês não entendem que não é isso que eu quero?! Quero poder ir ter com os meus amigos, ir ao cinema com o meu namorado, divertir-me, vocês sabem! Aquelas coisas normais que os adolescentes fazem! Os pais da menina resolveram pô-la de castigo pela asneira que tinha cometido! A jovem ficou muito indignada, mas aceitou a punição. Passado um mês … os pais começaram a ficar angustiados porque reparavam que a filha estava triste e não reagia a nada.
Resolveram conversar com ela no quarto, mas quando entraram viram a janela aberta e a filha pronta a descer por uns lençóis que amarrara à cama. Os pais indignados gritaram-lhe: - Filomena!!! Onde é que vais? - Paizinhos, estou a descer, eheheh! - Filomena Maria, volta já aqui! Olha que vais para um colégio interno! – Disse o pai. A Filomena toda, contente, fugiu para casa do namorado, disposta a ter a vida que desejava. Os pais ficaram surpresos, pois não era aquela a educação que lhe tinham dado. Depois de tanto discutir o assunto, aperceberam-se de que ela talvez tivesse razão e que haviam agido de uma forma muito prepotente. Os pais decidiram procurar a filha em casa das amigas que haviam decidido não trair o segredo da Filomena. No dia seguinte, como a filha não os contactava decidiram ir à polícia para tentar descobrir o seu paradeiro. Na esquadra disseram-lhes que tinha de passar 48 horas para poderem averiguar o desaparecimento da filha.
Os pais tentaram ficar calmos e pensar positivo, pois a filha poderia estar bem. Lamentavam-se por terem sido demasiado severos com Filomena. No dia seguinte foram novamente à polícia participar o desaparecimento da filha, visto que já tinha passado o tempo indicado. No trajeto para casa pensaram em ir ao
supermercado. Aí encontraram a Filomena e o namorado, felizes, às compras. Entretanto, os pais ligaram à polícia para encerrar o caso, porque a filha tinha aparecido.
Em casa conversaram até concordarem que deviam ser mais tolerantes uns com os outros.
Grupo:
- Micaela Cardoso - Patrícia Alexandra Matado da Silva - Paulo Alexandre Neves Leal - Rúben Silva Neves
O Sequestro
Era uma tarde como todas as outras, uma tarde de Inverno, em que chovia torrencialmente. Vi os meus colegas a sair pelo portão da escola agarrados aos pais debaixo dos chapéus de chuva, enquanto eu aguardava pela minha mãe.
As horas passavam e a rua começava a ficar deserta, até que o dia se sumiu e a noite estendeu o seu manto de escuridão. Como a minha mãe não aparecia decidi meter-me a caminho de casa.
De repente, dois homens vestidos de escuro, forçaram-me a entrar numa carrinha e levaram-me para longe. Arrastaram-me para dentro de um velho armazém. Era um local escuro e grande. A lua brilhava através dos vidros partidos e ouviam-se ruídos assustadores. Quando entrei fazia muito frio. Os meus raptores amarraram-me a uma cadeira de madeira. Os dois indivíduos tentaram-me molestar, agredi-os pontapeando-os violentamente. Consegui fugir em direção à entrada, mas os homens apanharam-me de novo e violaram-me. Eu fiquei sem reação, em estado de
choque, estupefacta a olhar para eles, sem saber o que fazer. Eles
pareciam não estar preocupados, pois só se riam e falavam alto, olhando para mim com um ar concupiscente. Eu, num pranto silencioso, só pensava na forma de fugir dali.
Lembrava-me de já ter ouvido relatos de raparigas que haviam sido sequestradas e violadas durante anos a fio.
Ao mesmo tempo que pensava em fugir, sentia uma imensa raiva de ter saído da escola sem a minha mãe. Odiava-a por se ter esquecido de mim. Naquele instante, lembrei-me dos momentos que tinha com a minha família, de tudo o que me fazia feliz até àquele terrível momento, pois pensava que não ia sobreviver que, mais cedo ou mais tarde, iriam acabar com a minha vida.
De repente, um telemóvel tocou e um dos homens atendeu e saiu disparado do armazém. O outro indivídou limitou-se a ficar sentado no chão a vigiar-me. Passaram-se horas até que o homem adormeceu e senti ali uma oportunidade para fugir. Lentamente, fui desenrolando as cordas à volta das mãos e dos pés e tirei o pano que amordaçava a minha boca. Levantei-me devagar e, em passos pequenos e silenciosos, alcancei a porta do armazém. Abri-a e, imediatamente, disparei a correr em direção à vila mais próxima, pois precisava de ajuda.
Encontrei uma casa e reparei que havia luz. Bati à porta e, de imediato, as pessoas chamaram a polícia e uma ambulância, pois estava num estado deplorável. Logo que as autoridades chegaram, disse-lhes onde ficava o armazém. A polícia identificou e prendeu os raptores e eu fui levada para o hospital onde permaneci até me fazerem exames e ligarem aos meus pais.
Ainda no mesmo dia, a minha mãe aflita, chegou ao hospital à minha procura.
-Filha, desculpa não te ter ido buscar à escola. Atrasei-me numa reunião.
-Não faz mal mãe, já está tudo bem!
Abraçámo-nos emotivamente e chorámos, mas eram lágrimas de alegria.
Retomei a casa. Aos detidos foi aplicada a pena máxima por tortura, violação, rapto e danos psicológicos.
Trabalho realizado por:
Cristiana Filipa, nº11
Daniela Roxo, nº12
Diogo Palmeira, nº15
Diogo Pereira, nº14
Inês Oliveira, nº17
9ºC
O roubo sangrento
Depois da morte do meu trisavô fui encarregue de tirar toda a tralha do sótão da casa onde vivíamos.
Após uma demorada discussão com a minha mãe, que me gritava para que me comportasse como um menino de 13 anos, refugiei-me no sótão a remexer nos antiquíssimos baús. De repente, no meio das heranças descobri um velho diário. Comecei a lê-lo e não me apercebi da passagem do tempo. Começava assim:
“Senti-me na necessidade de escrever este diário para que outras pessoas não caiam no mesmo erro.
Esta história remonta ao século XV, quando a minha família, os Fénix detestava os Malcoon. Esta rivalidade familiar prolongou-se durante muitos séculos e espero que o seu desenrolar sirva para acabar com as discórdias entre as espécies.
A última batalha de que me lembro foi demasiada sangrenta: fez com que a terra tremesse, o chão abrisse, o céu escurecesse, as plantas sobreviventes crescessem como sangue derramado e que despertassem os abutres esfomeados por todo o
território da Califórnia. Toda aquela área que outrora fora verdejante agora não passava de uma mera zona obscura, sombria, seca e abandonada.
Naquele tempo dividíamos o território com outra espécie não menos assustadora que nós vampiros, os centauros. Apesar de termos uma grande agilidade e força não éramos indiferentes ao poder dos centauros Malcoon, velozes, fortes e espertos.
Esta rivalidade toda provinha do facto dos vampiros e dos centauros nunca se terem dado bem. Há séculos que era assim, batalhas atrás de batalhas, guerras atrás de guerras, mortes atrás de mortes, tudo isto só causava destruição atrás de destruição.
Finalmente, chegara-se a um consenso, foi feito um tratado de paz, claro e preciso, no qual as cláusulas impediam quer a destruição dos
territórios quer as relações interpessoais entre vampiros e centauros.
No dia dos meus 118 anos, decidi visitar o lugar que há muito me era proibido visitar, a sagrada cascata dos diamantes.
Era um lugar deslumbrante e radiante, onde o brilho dos diamantes se refletia nas águas cristalinas. Eu havia cometido um crime que ninguém perdoara, nem mesmo os deuses: retirar um diamante da cascata.
Por consequência, pouco faltava para que tudo voltasse aquela era das trevas. Crescera, agora, em mim, um sentimento estranho, incontrolável e que não era aceitável pelas famílias. Sentia-me atraída por Gustav e ele por mim, ele era um centauro e qualquer relação entre um vampiro e um centauro acabava com o tratado de paz e a guerra recomeçaria.
Após descobrirmos esta atração, eu e o Gustav começámos a encontrarmo-nos com alguma frequência. Passaram-se meses, até que as famílias começaram a desconfiar dos nossos desaparecimentos à mesma hora e todos os dias. De dia para dia tornava-se cada vez mais difícil ocultar
a nossa relação. Um dia, Richard, um membro da Fénix, que me detestava por ser a filha do líder, seguiu-me sorrateiramente na esperança de me ver a fazer algo de errado. Como não dei conta da sua presença, devido à minha cega atração, as suas palavras devastaram-me:
- Traidora! Como ousas embaraçar a nossa espécie e, a tua família, que sempre te ajudou?!- gritava Richard, com um olhar maquiavélico.
- Calma, não é nada do que estás a pensar, ouve por favor! – Dizia eu, medrosa com as consequências e o rumo que tudo aquilo podia tomar.
- A tua morte já foi sentenciada. Agora, já não és mais uma Fénix!
- Por favor, não contes! - Dizia eu na esperança do segredo eterno, mas ele rapidamente se foi. Pouco tempo demorou para que todos soubessem, por isso dei um beijo de despedida a Gustav e do nada apareceram uns vampiros prontos para nos atacar. Gritei-lhe para que se salvasse e, pegando na navalha que trazia no bolso, esquartejei-os impiedosamente.
Para impedir que chegassem ao centauro, tive de os matar, ciente das
consequências que a morte dos da minha espécie me acarretaria. Quando matei o último, com um golpe mortífero, apareceram muitos mais que rapidamente me amarraram com correntes de aço. O meu pai assumiu um ar de desilusão pela deslealdade da filha.
Entretanto corriam rumores de que Gustav também estava aprisionado e de que a guerra na Califórnia recomeçara. Sentia-me impotente perante aquele desfecho.
Passara uma semana e com febres altas, alucinações e constantes enjoos julgava ter chegado o fim dos meus dias. Entretanto, o líder dos Malcoon a fim de evitar mais mortes reuniu com o líder dos Fénix. Apesar de muito fraca e vulnerável ouvi-os a conversar no andar de cima. As falas eram determinados, porém dignas de dó porque Gustav e eu eramos filhos deles.
- O meu povo apontou para uma solução, que acho correta para manter um entendimento razoável entre nós- dizia o centauro.
-O sucedido não deve custar mais vidas, e por muito que me possa
doer a situação, apresenta a tua proposta!
-Vou ser direto. Amanhã estarei na arena abandonada para travar contigo um duelo até à morte.- disse convicto o pai de Gustav.
Ao ouvir isto, decidi convocar a minha madrinha de transformação, a Clarisse. Bastava-me dizer o seu nome três vezes para ela aparecer. Expliquei-lhe o meu envolvimento com Gustav e a necessidade de ele viver. Depois de refletir decidiu ajudar-me. Contactou o centauro e explicou-lhe o plano que engendrara. Era simples, teríamos de mastigar uma erva que parava o músculo do coração e uma outra que o faria voltar a bater. Sem certezas de que esta última teria o efeito desejado e, mesmo correndo o risco, aceitámos.
Assim que a noite do dia seguinte caiu, centauros e vampiros partilhavam um lugar nas bancadas da arena. Quando a lua atingiu o seu ponto máximo, espalhou-se no ar o som de uma trompa. Centauros e vampiros acotovelavam-se ansiosos de que a sua criatura ganhasse.
Consegui mastigar as ervas, deixadas por Clarisse debaixo da taça velha da carne. Via no horizonte uma
luz ténue e mortífera que iluminava o campo da morte. Ouviam-se distantes os risos e as apostas dos adeptos inflamados.
Abriram o portão que me separava da arena e para lá me dirigi com passos lentos e duvidosos. Sabia que se não houvesse duelo a guerra entre centauros e vampiros continuaria. Ao aproximar-me do portão, senti cair sobre mim os olhos reprovadores e acusadores de todos. Ao fundo, Gustav esperava assustado, com a ideia de não me voltar ver no caso de as ervas não funcionarem.
Antes de a planta começar a produzir o efeito desejado fiz um sinal com a mão, na tentativa de dizer adeus a Gustav se não regressasse dos mortos. Ele correspondeu ao meu aceno e, de repente, a mistura começou a fazer efeito pretendido. Os meus olhos desfocaram a imagem do centauro, sentia dificuldades em respirar, parecia que o meu coração estava a parar de bater até que perdi a força e caí por terra, naquela areia antes calcada por muitos guerreiros em guerra. Ainda vislumbrei Gustav que corria para junto de mim, mas antes de me alcançar caiu inerte na areia.
O público mostrou-se, satisfeito porque nós, traidores, tínhamos perecido e, de imediato, os nossos corpos foram atirados para a mata, pois segundo eles, não tínhamos a dignidade de ser enterrados. Quando acordei, constatei, aliviada, que estava numa mata dos Fénix e dos Malcoon, no entanto, reparei que o corpo de Gustav não estava ao meu lado. Será que o tinham morto, será que ele fugira sem mim?
De repente, ouvi o barulho dos Fénix, que deviam estar a patrulhar as imediações. Subi a uma árvore na esperança de que não me descobrissem. A falta de energia fez-me cair e, quando abri os olhos, vi Gustav à minha frente com um veado morto.
Combinámos em fugir para o sul. Ficaríamos no deserto uns dias e depois iriamos para o oriente para uma zona nunca antes habitada pelas nossas espécies. Levámos carne e plantas suficientes para sete dias. No início de nossa fuga para a liberdade tudo parecia estar a correr bem. O primeiro dia foi o mais excitante, estávamos felizes porque nos tínhamos um ao outro. Passámos por muitos perigos antes de chegarmos ao deserto, mas
superámo-los juntos. O sol já estava no alto do céu e parámos para fazer uma pausa breve. Antes de continuarmos caminho, comemos algo rápido e deitámo-nos para descansar perto de um poço junto a uma grande e velha árvore, que teria de certeza mais de 300 anos. Tudo à volta me fazia lembrar a Califórnia, com efeito notava-se em mim uma réstia de saudade.
Depressa a nossa pequena sesta se tornou num longo sono sombrio e cansado. Acordámos sobressaltados com o som de uma trombeta flamejante e, de seguida, uns gritos familiares. Mal abri os olhos não queria acreditar no que estava à minha frente! Gustav estava ao meu lado e não parava de se questionar sobre o que tinha acontecido para nós estarmos, de volta à arena, em pleno dia!!
Quando tomámos completa consciência daquilo que nos rodeava ouviu-se novamente aquele som irritante e inesquecível seguido de uma voz velha e rouca:
-Soltem o elefantossauro!
Tentei correr ou fazer uso da minha força para me tentar livrar das correntes que me prendiam ao chão. Rapidamente caí por terra ao aperceber-me de que tinha perdido os meus poderes todos. Sentia-me fraca e vulnerável, um alvo fácil à vista de todos. Do outro lado, via Gustav na mesma situação degradante em que eu me encontrava. Todos os nossos planos de fuga tinham desaparecido, já não havia nada a fazer. Os gritos nas bancadas aumentaram entusiásticos, mais uma vez levantei a cabeça e vi um grande portão a abrir-se devagar e a sair dele um elefantossauro furioso. Era uma mistura de elefante normal, mas com o dobro do tamanho, no dorso tinha uma grande armadura natural cheia de espinhos, era coberto de pelo, como um mamute e o pior era que cada vez que respirava parecia cuspir fogo. Mesmo que não o fizesse, os seus grandes olhos vermelhos fitavam o centauro que, fraco, tentou levantar-se para enfrentar o monstro que se erguia agora à sua frente. A sua velocidade assustava qualquer um, e quanto mais corria em direção a Gustav mais o seu peso fazia tremer o chão. E bastou um golpe com os seus grandes e afiados dentes de marfim para perfurar o corpo do centauro e desfazê-lo em mil
pedaços, partindo assim, o meu pobre coração em pedacinhos! De repente, ouço uma voz vinda de longe cada vez mais nítida e clara, era a voz de Gustav a chamar-me:
-Vitória, Vitória!-dizia dentro da minha cabeça com uma voz preocupada e doce.
Num momento a imagem da arena desapareceu e senti-me cegar, como se estivesse a olhar diretamente para o sol. Quando consegui abrir os olhos, a muito custo, reparei que estava outra vez no bosque debaixo daquela árvore velha onde tinha adormecido, ao meu lado estava Gustav. Tudo não passara de um terrível pesadelo. O dia estava a amanhecer e o mundo passou de negro a anil e a verde à medida que a alvorada rastejava por campos e florestas. Chegara a hora de partir, de prosseguir a nossa caminhada, Chegámos ao deserto, horas mais tarde. Já não havia rasto de árvores, sombras e água, o céu estava limpo, só havia aquele sol quente e rigoroso que nos vigiava constantemente sem folga. Aquela tortura iria agora piorar. Num abrir e fechar de olhos, avistámos, vindo do nada, algo de dimensões monstruosas e com consequências
devastadoras. Era uma tempestade de areia, como eu nunca vira, e toda a gente sabe que não se pode fugir de uma tempestade que corre para nós. Montámos uma espécie de tenda rudimentar feita de pano, para ficarmos minimamente abrigados. Não esperávamos encontrar uma tempestade naquela altura do ano, por isso, não estávamos devidamente preparados para tal desafio. Mesmo assim fizemos o nosso melhor para nos proteger. A tempestade foi devastadora. Ficámos desorientados e sem comida.
Cedo, a nossa situação começou a afetar o meu comportamento. Já haviam passado 5 dias desde a tempestade e nada mais se via além de areia e mais areia. Comecei a ter momentos de descontrolo, os momentos críticos aconteciam agora com mais frequência e agressividade, e a situação começou a agravar-se. Os dias e as noites passavam lentamente numa espécie de melodia melancólica e triste com sons graves capazes de ferir qualquer um. Certo dia, pusemo-nos a caminho antes que a temperatura aquecesse demasiado. A direcção que tomávamos decerto nos conduziria a algum lado: o mundo não podia ser só areia e mais areia. Esta era a esperança
que nos movia a continuar até ao limite das nossas forças. O sol atingia o seu Zénite quando, Gustav me fez sinal para pararmos um bocado para descansar. Não falávamos com o objetivo de não gastar energias. Do nada comecei a sentir algo dentro de mim, um mau estar alucinante, algo incontrolável. Quando Gustav me viu assim correu para mim. O meu instinto vampiresco apoderou-se de mim e sem uma vacilação devorei Gustav, que foi incapaz de se defender do meu ataque impiedoso. Estava esfomeada e parecia um animal cuja fome era insaciável, por incrível que parecesse aquilo dava-me prazer e angústia ao mesmo tempo, parecia que algo me estava a controlar e eu não conseguia parar a catástrofe que estava a causar.
Quando finalmente caí em mim e tomei consciência do que tinha feito já era tarde, não havia nada a fazer que trouxesse Gustav de volta. Senti-me um monstro. Como teria eu sido capaz de lhe fazer aquilo, depois de tudo o que havíamos passados juntos? Então percebi que o amor que sentia por ele não era verdadeiro. Tínhamos sido um joguete na mão dos deuses, destinado a nunca dar certo.
Passaram anos e um dia decidi registar neste diário a minha atribulada história de amor. Espero que nunca ignorem o quão cruéis podem ser os deuses e que aprendam a retirar lições da vida e assim termino a minha narrativa”.
Quando finalmente terminei a leitura deste diário percebi que já era noite e que a minha mãe há muito que devia estar preocupada com a minha ausência. Não sabia o que pensar daquela singular narrativa! Ana Saltão nº 2 Ana Rita nº 4 Andreia Oliveira nº 5 João Moio nº 21
“Um anjo chamado André”
De todas as imagens que me saltam à
mente, não sei porquê, sempre me
tocam as de antigas igrejas e de
conventos. Quando leio um poema, um
conto ou qualquer texto que me remete
a estas imagens, sinto como se estivesse
falando para mim. Dizem que é coisa
de vidas passadas, lembranças de
outras existências. Não sei se realmente
isto existe, mas a minha imaginação
está cheia destas imagens. Muitas vezes,
nos meus sonhos, passeio por ruínas de
conventos. Quando me dou conta, estou
diante de um portal de entrada, com
mais de três metros de altura, uma
porta enorme de madeira entalhada no
cimo de uma monumental escadaria.
Já sonhei em colocar um hábito, em
levar uma vida entre quatro paredes,
mas há sempre o mistério das freiras na
clausura.
Sentada à janela do meu quarto,
imagino a vida no convento. Sempre
que penso nisso há algo que me diz que
é lá o meu
lugar,
afastada
do mundo
real, onde vivo, do ódio, da mentira e
do sofrimento, do que me faz pensar
em desistir e abandonar tudo o que me
rodeia.
Finalmente, o dia em que o meu sonho
se tornou realidade chegou. Sorri e
corri para a roda. Era ali o verdadeiro
sítio onde realmente queria estar.
Despedi-me de tudo sem olhar para
trás, não pensei na mentira em que
vivia lá fora e enfrentei a realidade que
me esperava lá dentro.
Entrei, olhei à minha volta, era tudo tão
diferente… Não sei se era o que eu
esperava ver, mas gostei do que vi.
Acho que me ia sentir bem, era mesmo
ali onde eu queria ficar. Nunca tinha
pensado no que ia sentir quando aquele
momento chegasse. Pousei as malas,
sentei-me no singelo catre, tudo era
novo para mim, não conhecia nada,
nem ninguém.
Os dias passaram, nem dei por isso, o
que sentia era mais do que aquilo que
consigo explicar. Não havia palavras
para descrever o que estavam a fazer
por mim. Entrei neste convento e
consegui mudar a minha vida.
Agora, os meus dias estão totalmente
preenchidos, mas de vez enquanto
ainda tenho tempo para pensar um
pouco. Penso no que deixei lá fora,
penso se fiz mesmo o que queria. Lá
fora, não estava bem, mas foi lá que me
apaixonei e que me entreguei àquele
amor. Passámos momentos felizes,
chorei por ele me ter desiludido.
Mas visto de outra maneira, é aqui que
estou bem, aqui não me esqueço de
viver por amar alguém, aqui não troco
Deus pelo rapaz que está no coração.
Aqui apenas me entrego a um homem e
Este ama-me de verdade e nunca me
vai trair, a Ele posso-me entregar
totalmente que nunca me vai fugir nem
abandonar.
Definitivamente, o convento é o lugar
onde quero permanecer até morrer.
Todos os dias ponho a mesa, lavo a
louça e a roupa, há muito trabalho a
cumprir e a aceitar. É habitual pensar-
se que é tempo de clausura e oração,
mas não é bem assim, o principal é isso,
mas não chega. Se queremos aqui
continuar temos de nos esforçar para o
conseguir e fazer o que nos é pedido.
No fim do trabalho feito e de termos
jantado, é hora de recolher e irmos
para os quartos. Todas nós rezamos um
terço antes de adormecer. Uma das
vezes em que me deitei tive um sonho,
não sei se posso dizer que foi um
sonho, acho que foi mais um pesadelo,
tal era a ânsia de acordar. Sonhei que a
minha vida tinha voltado a dar um
grande volta, desisti do meu sonho e
voltei para o universo que durante
algum tempo me cativara, quando
estava apaixonada. Mal acordei não
acreditava, não podia ser verdade!
Como era possível ter eu sonhado com
aquilo? Não podia estar em mim.
Quando recuperei a normalidade,
vesti-me e corri para a igreja, tinha de
falar com Deus, Ele iria perceber a
minha posição, então não esperei mais.
Foi então no fim daquele tempo
passado na igreja que tive todas as
certezas, que era naquele local que eu
queria permanecer. Ali sentia-me livre
e estava afastada dos meus medos.
Aquelas 24 horas passaram e mais
dias como aquele vieram. Fui
aprendendo com as outras freiras a arte
da doçaria, pois era a produção de
doces e a exploração agrícola das
propriedades que pertenciam ao
convento que nos sustentavam.
Chegou o dia de decidir o meu
futuro, como não queria voltar a sofrer
como anteriormente, decidi seguir em
frente e procurar a ministra. Sabia que
era chegado o momento de mudar o
meu nome, de Maria Luísa para
Francelina de Jesus. Era o nome que
nunca pensaria vir a ter, mas não tinha
outra escolha. Depois de me tornar
freira, fui auxiliar de cozinha, durante
algum tempo. Confecionavamos as
refeições para as crianças órfãs que
haviam sido entregues ao nosso
cuidado. Durante esse tempo, várias
crianças foram entrando, mas só uma
me tocou de verdade, o André. Num
dos meus sonhos, alguém tocou no meu
ombro e me disse que aquela criança
era especial. Não era diferente das
outras, mas algo me disse, naquele
sonho, que a devia tratar de maneira
diferente.
Sempre que o André ia à cozinha
buscar o almoço, olhava-me nos olhos
como se sentisse o mesmo que eu.
Um dia, quando me encontrava no
mirante decidi falar com ele. Estava
triste. Abracei-o e senti que não o
deveria largar, o que sentia era tão
forte que parecia que ele me
pertencera.
No domingo seguinte, preparámo-nos
para ir à missa, as crianças vestiram-se
e vieram ter connosco. O André deu-
me a mão, durante o tempo em que
assistíamos à missa, parecia ter medo
que eu fugisse e não voltasse. Não sabia
como havia de reagir, mas nunca o
larguei.
Os dias foram passando, ele estava
cada vez maior e o que sentíamos um
pelo outro não cessava de aumentar. A
partir do dia em que aquele rapaz
entrou no convento, alguém passara a
deixar alimentos na roda, talvez a
desculparem-se por o terem
abandonado.
Um dia, deixaram um bilhete, num
cesto de batatas que me era dirigido.
Não fazia a mínima ideia de quem
poderia ser, abri-o a medo e fui lê-lo
junto à madre, pois algo me dizia que
aquele seria o sítio certo para eu ler
aquele papel tão importante.
“Não aguentei, tive de te escrever, sinto
a tua falta. Sei que estás a tratar bem o
rapaz que entrou aí e de quem não te
consegues separar. Se calhar não fazes
a menor ideia de quem ele é! Não há
outra forma de o dizer, mas tu tens de
saber a verdade. Não sei qual será a tua
reação, mas penso que ficarás feliz. O
menino de quem tu tanto gostas é mais
do que um simples rapaz que não tem
mãe para cuidar dele, ele é o teu irmão.
Espero que este bilhete não tenha
mudado o que sentes por ele, pois ele
precisa bastante de ti. Precisa de
alguém que lhe dê carinho, já que eu
não lho posso dar. Beijos da tua mãe,
que te adora”
Depois de ler este bilhete fiquei
alvoraçada, não ia mudar o que sentia
pelo André, mas sim gostar ainda mais
dele. Como era possível ter sentido uma
atração inexplicável pelo André?
Debato-me com este dilema: o que
fazer em relação a esta situação. Devo,
fingir que o André não me é nada
quando ele é meu irmão ou devo
contar-lhe a verdade. Decidi não lhe
contar nada. Se calhar faço mal e
quando quiser falar com ele já não vou
a tempo, mas ele não vai conseguir
perceber o que se passou.
Num dos dias em que olhei pela
janela, vi a minha mãe, estava sentada
mesmo em frente ao convento, com
lágrimas na cara. A minha vontade era
correr até ela, abraçá-la e dizer-lhe
que se eu somasse todas as estrelas do
céu, todos os grãos de areia da praia,
todas as rosas do mundo e todos os
sorrisos que já foram dados na nossa
história, começaria a ter uma ideia do
quanto a queria ver de novo.
Não podia fazer isso, então chamei o
meu irmão, abracei-o e dei-lhe um
beijo na testa. Uma lágrima caiu-lhe do
canto do olho. Será que ele também
sentia o mesmo? Não tinha resposta
para esta pergunta, pois era impossível
adivinhar o que ele sentia
Então decidi deixar-me ficar a olhar
para a minha mãe, pois era assim a
única hipótese de matar as saudades.
Não posso dizer que lhe estou a
“mentir”, porque eu não o estou a fazer,
eu apenas estou a omitir a verdade.
Mas mesmo assim ele não merece! Eu
já passei por isso quando vivia lá fora e
não é nada fácil, acreditem custa e
muito. É como parecer que somos
insignificantes, quando nos omitem
algo ou não nos querem contar o que se
está a passar e nós percebemos que
alguma coisa não está bem, é um dos
sentimentos que é mais difícil de
suportar.
Queria muito correr até ao André e
contar-lhe tudo o que sabia, mas não
podia fazer isso, assim, de qualquer
maneira. Então, decidi ir ter com uma
das freiras com quem tinha mais
confiança, tinha a certeza de que ela
me iria dar os melhores conselhos para
eu seguir.
Dirigi-me ao André, com toda a
coragem que tinha. Era chegado o
momento de lhe contar.
- Olá André, tudo bem?
- Sim, tudo bem- disse ele.
-Então, o que andas a fazer?
-Estou a brincar.
-Preciso de falar contigo! Eu tenho de
te dizer uma coisa muito importante.
Falei com o André, não aguentei, e
acabei por dizer toda a verdade.
Olhou-me surpreso não esperava
aquela revelação. Questionei-o quanto
aos sentimentos que experimentava.
Sentia-me aliviada, já sabia que éramos
irmãos, já não havia nada a esconder. O
André sentia o mesmo que eu e gostava
muito de estar comigo, não podia estar
mais contente.
A partir do dia em que vi a minha
mãe em frente ao convento nunca mais
me esqueci e não parava de pensar
nisso. Qual a razão de se encontrar ali?
Seria para trazer alimentos para mim e
para o André.
Voltei a ir falar com a freira, ela sabia
sempre o que fazer e o que me dizer
quando eu tinha problemas. Era como
uma segunda mãe ali no convento.
A conversa com a freira tinha corrido
bem. Era importante provar ao André
que, apesar de a nossa mãe se ter
afastado por não ter possibilidade de
cuidar de nós, continuava a ver-nos
como filhos.
Os dias passaram e a senhora não
voltou a aparecer. Passava a maior
parte do meu tempo livre, lá em cima,
no mirante à espera daquela pessoa. Já
tinha contado ao André que tinha visto
uma senhora que me parecia ser a
nossa mãe e ele ficou entusiasmado
com a ideia de a poder ver, mas eu não
lhe quis dar muitas esperanças.
Até que, uma vez em que eu estava no
mirante, à espera daquele momento,
aquela senhora apareceu de novo.
Corri pelas escadas e chamei a freira,
esta correu o mais que podia para
chegar até lá acima, mas quando nós
chegámos tivemos uma grande
desilusão. Ela já não estava lá, já se
tinha ido embora, certamente para
casa.
Estava ansiosa de confirmar se era a
minha mãe, mas não foi desta. Também
não desisti, todo o tempo que eu tinha
desocupado era passado no mirante a
olhar a rua. Ainda tinha uma certa
esperança de que a senhora ia voltar.
Entretanto, André crescia e eu estava
cada vez mais triste por não rever
aquela pessoa. Até que, um dia, em que
o sol brilhava e não havia nuvens no
céu, me senti um pouco mais animada.
Já tinha o trabalho da cozinha
despachado, então decidi voltar para o
mirante como era habitual passar as
minhas horas de recolhimento. A
senhora voltou a aparecer, pedi ao
André que estava ao meu lado para ir
procurar a freira o mais rápido possível
e correr até mim. Ele todo contente
correu o mais que pôde e felizmente a
freira chegou a tempo de ver a senhora
que mais uma vez chorava ali em
frente. Depois daquela conversa e
alegria, senti uma vontade enorme,
dentro de mim, de desistir do sonho do
convento, levar o André comigo, viver
livre lá fora e dar um abraço enorme à
minha mãe. Sim, porque, naquele
momento, eu tinha a certeza de que
ainda tinha a minha mãe e de que ela
sentia a minha falta, pois se não
sentisse não tinha vindo até ali e não
estava chorando. Naquela noite, sentia
que o melhor para mim era sair
daquelas quatro paredes que me
impediam de estar todos os dias com a
pessoa que mais amo.
Pesei muito se valia a pena sair dali e
como é óbvio levar o André comigo.
Depois de tanto pensar decidi seguir
em frente com a minha escolha. A
freira encarou a minha proposta com
um sorriso nos lábios, pois sabia que
era mesmo isso que eu queria e o
sacerdote concedeu-me a autorização
de saída do convento.
O último dia de clausura foi cheio de
emoções, era a despedida da minha
segunda família e todos os bons e maus
momentos passados naquele convento.
Dei uma última vista de olhos pelo
mirante e pelos corredores que durante
anos foram a minha casa, deixei aquele
lugar e abri portas a uma nova vida.
Quando cheguei cá fora olhei para
aquele edifício alto e despedi-me com
um suspiro forte. Procurei a minha mãe
por todos os cantos da vila e, quando a
encontrei mostrei-lhe todo o meu
sentimento por ela. Agora eu já tinha
conhecimento de tudo, sabia que a
minha mãe estava bem e toda a minha
família restante também, exceto que o
nosso pai havia falecido. Aprendi que a
vida deve ser vivida sem atropelos e
com serenidade. Agora posso dizer que
a liberdade e a família completam-me.
Cláudio Filipe nº10 João Paulo nº19 Luís Filipe nº22 Mariana Maia nº23 Rúben Almeida nº28
FIM