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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Conjuntos de Aubry-Mather
em mapeamentos twist
Adriano Maurıcio de Almeida Cortes
2006
Universidade Federal do Rio de Janeiro
Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos twist
Adriano Maurıcio de Almeida Cortes
Dissertacao de Mestrado apresentada ao Programa de Pos–graduacao em
Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios a obtencao do
tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.
Orientador: Prof. Ricardo Martins da Silva Rosa.
Rio de Janeiro
Maio de 2006
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos twist
Adriano Maurıcio de Almeida Cortes
Dissertacao de Mestrado apresentada ao Programa de Pos–graduacao em
Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios a obtencao do
tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.
Aprovada por:
Presidente, Prof. Ricardo Martins da Silva Rosa (IM-UFRJ)
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Prof. Leonardo Magalhaes Macarini (IM-UFRJ)
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Prof. Mario Jorge Dias Carneiro (ICEx-UFMG)
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Rio de Janeiro
Maio de 2006
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Cortes, Adriano Maurıcio de Almeida.
Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos
twist/ Adriano Maurıcio de Almeida Cortes. – Rio de
Janeiro: UFRJ/ IM, 2006.
xii, 89f.: il.; 31 cm.
Orientador: Ricardo Martins da Silva Rosa.
Dissertacao (mestrado)—UFRJ/ IM/ Programa de
Pos–graduacao em Matematica Aplicada, 2006.
Referencias Bibliograficas: f. 90 – 91.
1. Sistemas Dinamicos. 2. Mapeamentos twist.
3. Conjunto de Aubry-Mather. I. Rosa, Ricardo Martins
da Silva. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro,
Instituto de Matematica. III. Conjuntos de Aubry-Mather
em mapeamentos twist.
iii
Agradecimentos
Hoje, na fase adulta, reconheco o devotamento e a abdicacao de si proprio
necessarios para se “educar”um filho. Por isso nao poderia deixar de registrar
meu agradecimento, e sobretudo meu reconhecimento, a meus pais Alba e
Marcello, cujos esforcos para que sempre tivesse uma boa formacao moral e
intelectual foram imensuraveis.
Aos meus irmaos Alessandro e Andre agradeco: a infancia divertida, o
companherismo de todas as horas e a influencia na construcao do meu carater,
ao primeiro agradeco tambem as correcoes de portugues. As minhas cun-
hadas, Marcele e Suzana, e principalmente a minha sobrinha Carolina, a
todos peco desculpas pelas horas de ausencia e pela desatencao durante o
mestrado.
Agradeco aos professores Felipe Acker e Rolci Cipolatti, responsaveis pela
minha decisao em estudar matematica. Ao ultimo agradeco tambem a opor-
tunidade da Iniciacao Cientıfica, no Instituto de Matematica da UFRJ. Reg-
istro aqui minha profunda admiracao pelo seu jeito singular de lecionar.
Agradeco ao professor Ricardo Rosa pela atencao e pela paciencia em
meus atrasos durante a orientacao e a preparacao desta dissertacao. Aos de-
mais professores do DMA, em especial os professores: Airton, Bruno, Cassio,
Gregorio, Juan, Marco Aurelio, Paulo Goldfeld; e aos professores do DCC,
em especial a professora Marcia Fampa, meu sincero obrigado por tudo que
consegui aprender de voces.
Sou grato igualmente aos professores Leonardo Macarini e Mario Jorge
Dias Carneiro pelas licoes de ultima hora, sendo que ao ultimo reforco meus
agradecimentos pelo exemplo motivado sobre as Geodesicas no toro, o que
resultou no capıtulo 5 desta dissertacao. A professora Teresinha Stuchi, meu
agradecimento por sua disposicao imediata em aceitar o convite para compor
v
a banca.
Nao posso deixar de reconhecer as pessoas que me acompanharam durante
este trajeto, os amigos do mestrado e do doutorado: Adriane, as Alines,
Andrezinho, Bia (Beatrinowa), Fabio, os Felipes, Marcelo.
A CAPES sou grato pelo suporte financeiro que permitiu minha dedicacao
exclusiva ao mestrado.
Finalmente, de modo especial, agradeco a minha noiva, Ivana. Compan-
hia certa nos momentos alegres, porto seguro nos de tristeza, a seu amor
devo a consciencia de que este sentimento nao deve ser quantificado, e sim
vivenciado.
Adriano Cortes
Maio de 2006
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Resumo
Conjuntos de Aubry-Mather em mapeamentos twist
Adriano Maurıcio de Almeida Cortes
Resumo da dissertacao de Mestrado submetida ao Programa de Pos–
graduacao em Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios
a obtencao do tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.
Resumo. O problema da existencia de curvas rotacionais in-
variantes em mapeamentos do cilindro que preservam area e sat-
isfazem a condicao de twist e um belo capıtulo no estudo dos
sistemas dinamicos ditos conservativos. Tal problema consiste
de uma instancia em baixa dimensao dos problemas abordados
pela teoria KAM, que e uma teoria perturbativa. No inıcio da
decada de 70, dando prosseguimento aos trabalhos iniciados por
Kolmogorov e Arnold, Moser resolveu o problema da existencia
(ou melhor da preservacao) de curvas invariantes em mapeamen-
tos twist para perturbacoes suficientemente pequenas do caso to-
talmente integravel. Porem observacoes numericas posteriores
sinalizavam que para perturbacoes nao muito grandes as curvas
invariantes nao persistiam, portanto a questao natural que surgiu
foi: o que ocorre quando uma curva rotacional invariante se que-
bra, ou seja, deixa de existir ? Essa pergunta foi respondida por S.
vii
Aubry e J. N. Mather, de forma independente, com a descoberta
na decada de 80 dos conjuntos de Aubry-Mather. Entende-se
hoje que a quebra da curva invariante (ver [Mo]) da origem a
um conjunto de Aubry-Mather, que e um conjunto fechado in-
variante, e que tem a estrutura de um conjunto de Cantor. Na
dissertacao faremos a construcao dos conjuntos de Aubry-Mather
usando ambas abordagens. E no ultimo capıtulo vemos como os
mapeamentos twist surgem no estudo das geodesicas em um toro
de revolucao.
Palavras–chave. Mapeamentos twist, Conjunto de Aubry-Mather.
Rio de Janeiro
Maio de 2006
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Abstract
Aubry-Mather sets in twist maps
Adriano Maurıcio de Almeida Cortes
Abstract da dissertacao de Mestrado submetida ao Programa de Pos–
graduacao em Matematica Aplicada, Instituto de Matematica da Universi-
dade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos necessarios
a obtencao do tıtulo de Mestre em Matematica Aplicada.
Abstract. The problem of existence of invariant rotational curves
in mappings of the cyllinder that preserve area and satisfy the
twist condition is a beautiful chapter in conservative dinamical
systems. This problem is a low-dimensional instance of more
general problems treated by the KAM theory, which is a per-
turbative theory. In the beginning of the 70th decade, continuing
the work started by Kolmogorov and Arnold, Moser solved the
problem of the existence of invariant curves in twist mappings for
sufficientlly small perturbations of the completely integrable case.
However, later numeric observations signaled that for not too big
perturbations the invariant curves completely disappeared, so the
natural question posed was: what happen with an invariant rota-
tional curve as it breaks ? This question was answered, indepen-
dently, by S. Aubry and J. N. Mather with tue discovery of the
Aubry-Mather sets. Nowadays we understand that the break of
ix
an invariant curve (see [Mo]) gives raise to an Aubry-Mather set,
which is an invariant closed set with the structure of a Cantor
set. In this dissertation we make the construction of the Aubry-
Mather sets using both approaches. In the last chapter we see
how the twist mappings can help to understand the geodesics in
a torus of revolution.
Keywords. Twist maps, Aubry-Mather set.
Rio de Janeiro
Maio de 2006
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Sumario
1 Introducao 1
2 Homeomorfismos de S1 5
2.1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
2.2 Classificacao das Orbitas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2.1 Numero de rotacao racional . . . . . . . . . . . . . . . 11
2.2.2 Numero de rotacao irracional . . . . . . . . . . . . . . 12
3 Mapeamentos do tipo twist 17
3.1 Mapeamentos twist no plano . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
3.1.1 Funcao Geratriz . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
3.1.2 Interpretacao Geometrica da Funcao Geratriz . . . . . 21
3.2 Mapeamentos twist no cilindro . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
3.3 Mapeamento twist no anel (ou cilindro finito) . . . . . . . . . 24
3.4 Exemplos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
3.4.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-Kontorowa 25
3.4.2 Bilhares convexos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
3.5 Teorema de Extensao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
4 Conjuntos de Aubry-Mather 33
4.1 Princıpio Variacional de S.Aubry . . . . . . . . . . . . . . . . 33
xi
4.1.1 Configuracoes e Orbitas periodicas minimizantes . . . . 40
4.1.2 Numero de Rotacao e Monotonicidade . . . . . . . . . 45
4.2 Princıpio Variacional de J.Mather . . . . . . . . . . . . . . . . 57
4.3 Exemplos (BIS) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
4.3.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-Kontorowa 72
5 Geodesicas no toro, uma aplicacao de mapeamentos twist 76
xii
Capıtulo 1
Introducao
A Mecanica Celeste sempre foi uma fonte de questoes interessantes para os
matematicos, alem de ser de interesse pratico para os astronomos. Alem
disso, ela sempre motivou novos conceitos e definicoes, como podemos veri-
ficar com os trabalhos pioneiros de Henri Poincare sobre o problema dos tres
corpos (um modelo do sistema Sol-Terra-Lua). Muitas ideias e definicoes por
ele introduzidas estao no berco da Teoria dos Sistemas Dinamicos, da qual a
Mecanica Celeste e um exemplo.
Alem disso, uma de suas grandes contribuicoes para a Teoria dos Sistemas
Dinamicos foi a introducao de ferramentas para um estudo qualitativo dos
sistemas. Podemos considerar o Mapeamento de primeiro retorno, tambem
conhecido como Mapeamento de Poincare uma das principais.
Uma das questoes mais importantes consideradas por Poincare, no prob-
lema dos tres corpos (restrito), e a da estabilidade das orbitas periodicas,
que esta relacionada com o problema da estabilidade do Sistema Solar (vide
[Mo]).
O problema dos tres corpos (restrito) e um caso particular dos Sistemas
Hamiltonianos autonomos com dois graus de liberdade. Um tal sistema tem
1
a forma,
q =∂H
∂p(p, q),
p = −∂H∂q
(p, q).
Onde H : R4 → R e de classe Ck, com k ≥ 2.
Denotemos por φt o fluxo gerado pelo sistema acima e seja (q0, p0) tal
que γ = φt(q0, p0), para t ∈ R, e uma orbita periodica. Sabemos que H e
uma integral do sistema acima, logo γ ⊂ H−1(e), onde e e um valor regular,
ou seja, γ esta contida num nıvel de energia (que e uma superfıcie regular
de codimensao um). E sabido que se tomarmos um secao Σe que inter-
secta γ transversalmente em (q0, p0), e contida em H−1(e), o mapeamento
de Poincare da origem a um mapeamento bidimensional (numa vizinhanca
de (q0, p0)) que preserva area (vide [SM]) e tem (q0, p0) como ponto fixo (ver
figura 1.1).
PSfrag replacements
γ
Σe
(q, p)
φt(q, p)
(q0, p0)
Figura 1.1: O espaco ambiente tridimensional representa H−1(e).
Assim procedendo, transformamos o problema da estabilidade da orbita
2
periodica, no problema da estabilidade de um ponto fixo de um mapeamento
em duas dimensoes que preserva area.
Vemos assim uma das motivacoes historicas para estudarmos mapeamen-
tos do plano que preservam area e possuem um ponto fixo. Alem disso,
sob certas condicoes no ponto fixo (ver [CMS] ou [MF] - Forma normal
de Birkhoff) existe uma mudanca de coordenadas em torno do ponto fixo
de tal forma que nessas novas coordenadas temos um mapeamento do anel
(S1 × [a, b], com a, b ∈ R) que preserva area e, alem disso, satisfaz uma
propriedade geometrica conhecida como propriedade twist.
Essa classe de mapeamentos do anel (ou do cilindro S1×R) que preservam
area e satisfazem a propriedade twist e conhecida como Mapeamentos do
tipo twist, ou simplesmente, Mapeamentos twist.
Nesta dissertacao consideramos alguns resultados relativos aos Mapea-
mentos twist:
No Capıtulo 2, consideramos os homeomorfismos de S1, que constituem
ferramenta fundamental no estudo dos mapeamentos twist.
No Capıtulo 3, definimos precisamente o que entendemos por mapea-
mento twist. Vemos, tambem, uma caracterıstica fundamental de tais ma-
peamentos, a de que eles admitem uma funcao geratriz, que nos permitira
compreender certos aspectos de sua dinamica usando uma abordagem varia-
cional. Apresentamos alguns exemplos, ressaltando sua importancia historica
no desenvolvimento da teoria.
No Capıtulo 4, construimos os conjuntos de Aubry-Mather, descobertos
na decada de 80, por S. Aubry (fısico), e independentemente por J. Mather
(matematico). Veremos as duas abordagens para o problema, ambas uti-
lizando argumentos variacionais, sendo a de S. Aubry em dimensao finita, e
a de J. Mather em dimensao infinita.
3
Os conjuntos de Aubry-Mather sao conjuntos fechados invariantes cuja
dinamica neles lembra de perto a dinamica de um homeomorfismo de S1 (com
numero de rotacao irracional). Na verdade conforme veremos, os conjuntos
de Aubry-Mather sao generalizacoes das curvas rotacionais invariantes, que
nada mais sao que circunferencias (S1) mergulhadas no anel (ou no cilindro),
cuja dinamica nelas e conjugada a um homeomorfismo de S1 (com numero
de rotacao irracional).
No Capıtulo 5, seguindo os passos de [Ba], faremos um estudo das
geodesicas de classe A no toro de revolucao. Este tema proposto pela Ge-
ometria Diferencial, e a princıpio disjunto do estudo dos mapeamentos twist,
se revelara uma boa fonte de exemplo de um mapeamento twist. Construıdo
a partir de um mapeamento de primeiro retorno num paralelo particular do
toro de revolucao, tal mapeamento dara informacoes e propriedades funda-
mentais das geodesicas de classe A.
4
Capıtulo 2
Homeomorfismos de S1
2.1 Introducao
Tomemos por definicao de S1 o espaco quociente R/Z, com a metrica e a
orientacao induzida de R (tomado com a orientacao positiva) por π : R →R/Z = S1 (projecao canonica).
Definicao 2.1.1 Sejam X e X espacos topologicos. Uma aplicacao π : X →X e dita uma aplicacao de recobrimento quando cada ponto x ∈ X pertence
a um aberto V ⊂ X tal que π−1(V ) =⋃α Uα e uma reuniao de abertos dois a
dois disjuntos, cada um dos quais se aplica por π homeomorficamente sobre
V . Dizemos que X e um recobrimento de X, e se X e simplesmente conexo,
entao e dito recobrimento universal.
Desta forma π e aplicacao de recobrimento, e R um recobrimento(universal)
de S1. Aqui e nos capıtulos seguintes sera frequente trabalharmos no reco-
brimento.
Definicao 2.1.2 Seja f : S1 → S1 um homeomorfismo, e seja π : R → S1
a aplicacao de recobrimento. Entao uma funcao contınua F : R → R tal que
5
f ◦ π = π ◦ F e dita um levantamento de f .
Exemplo: Um exemplo importante no estudo dos homeomorfismos de S1
sao as rotacoes Rα : S1 → S1, α ∈ R, que podem ser pensadas como os
“rebaixamentos” das translacoes Tα : R → R (x 7→ x+ α), isto e, Rα ◦ π =
π ◦ Tα.Um resultado interessante, que mais tarde sera “generalizado” (num certo
sentido), e conhecido como Teorema de Jacobi.
Definicao 2.1.3 Seja X um espaco topologico, f : X → X um homeomor-
fismo e x ∈ X. Chamamos o conjunto O(x) = {fn(x)|n ∈ Z} de orbita de
x.
Teorema 2.1.1 (Jacobi) As orbitas de Rα sao densas em S1, se e somente
se, α ∈ R\Q.
Prova: Seja α = p/q ∈ Q, com p e q inteiros e primos entre si, e x ∈ [0, 1).
Como T nα (x) = x + nα = x + np/q, entao T qα(x) = x + p, logo Rqα(π(x)) =
π(x+ p) = π(x), consequentemente todas as orbitas de Rα sao periodicas de
perıodo q.
Agora, suponhamos α ∈ R\Q e seja A ⊂ S1 o fecho de uma orbita.
Se a orbita nao e densa, o complemento S1\A e um conjunto invariante
aberto e nao-vazio, que consiste de intervalos disjuntos. Seja I o de maior
comprimento (ou um dos maiores, caso exista mais do que um). Uma vez
que as rotacoes preservam comprimento, as iteracoes RnαI nao se intersectam,
caso contrario S1\A conteria um intervalo maior que I, e ja que α ∈ R\Q
nenhuma iteracao de I pode coincidir, senao terıamos para algum x ∈ I, que
Rnαx = Rm
α x e R(n−m)α x = x, logo (n−m)α ∈ Z.
Assim, os intervalos RnαI sao todos de mesmo comprimento e disjuntos,
mas isso e impossıvel porque S1 tem comprimento finito.
6
Observacoes: Seja f um homeomorfismo de S1. Se F1 e F2 sao levanta-
mentos distintos de f , entao F2 − F1 = k ∈ Z. Se f preserva orientacao,
entao F e um homeomorfismo de R que preserva orientacao (logo preserva
ordem), e e tal que comuta com T = T−1 (translacao unitaria), isto e, sendo
T (x) = x− 1, entao F ◦ T = T ◦ F .
Apresentaremos agora a nocao de numero de rotacao, introduzida por
Poincare. Conforme veremos este permite uma compreensao da dinamica do
homeomorfismo, e consequentemente uma classificacao dos homeomorfismos
de S1.
Teorema 2.1.2 (Poincare) Seja F : R → R um levantamento de um
homeomorfismo de S1 que preserva orientacao. Entao, o limite
ρ(x) = limn→±∞
F n(x) − x
n
existe e independe de x.
Faremos algumas colocacoes antes de demonstra-lo.
Uma vez que o limite acima independe de x, podemos denota-lo por
ρ(F ). Desta forma definimos o numero de rotacao de F como ρ(F ). Em
particular ρ(Tα) = α.
Agora, se F1 e F2 sao levantamentos distintos do mesmo f : S1 → S1,
entao ρ(F1) − ρ(F2) = k ∈ Z. A prova de que ρ(F1) − ρ(F2) = k ∈ Z e
consequencia imediata da relacao F n2 (x) = F n
1 (x + k) + (n − 1)k, que pode
ser provada por inducao, lembrando que F2 = F1 + k.
Assim podemos definir ρ(f) := π(ρ(F )) como o numero de rotacao de
f , para qualquer levantamento F de f .
Voltemos entao nossa atencao para demonstracao do teorema acima.
Seguiremos a demonstracao encontrada em [MacStk] e devida a Mather. Esta
e maior e mais elaborada que as usuais, porem tem importantes subprodutos.
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Lema 2.1.1 Seja F : R → R um levantamento de um homeomorfismo de
S1 que preserva orientacao. Entao existe um unico ρ ∈ R tal que para todo
x ∈ R e para todo (m,n) ∈ Z2\{(0, 0)} temos
nρ > m⇒ F n(x) − x > m,
nρ < m⇒ F n(x) − x < m.
Corolario 2.1.1 Se F e ρ sao como acima. Dado n ∈ Z, e sendo
bnρc = maior inteiro estritamente menor que nρ,
dnρe = menor inteiro estritamente maior que nρ,
temos, entao, bnρc < F n(x) − x < dnρe, para todo x ∈ R.
A prova do Teorema 2.1.2 e uma obvia consequencia do corolario acima.
Para provar o Lema 2.1.1 usaremos os tres lemas seguintes:
Lema 2.1.2 Para todo p, q ∈ Z e n ∈ N temos para todo x ∈ R que
i) F qT p(x) > x, se e somente se, F nqT np(x) > x,
ii) F qT p(x) = x, se e somente se, F nqT np(x) = x,
iii) F qT p(x) < x, se e somente se, F nqT np(x) < x.
Prova:
(⇒) Segue claramente da preservacao da ordem.
(⇐) Segue por eliminacao.
Lema 2.1.3 Sejam x ∈ R, p, r ∈ Z, q, s ∈ N, com p/q < r/s tais que
F q(x) − x > p e F s(x) − x > r. Entao, para todo m ∈ Z e n ∈ N, tais que
p/q ≤ m/n ≤ r/s, temos F n(x) − x > m.
8
Prova: Definamos,
N = rq − sq > 0,
a = rn−ms ≥ 0,
b = mq − pn ≥ 0.
Entao, aq + bs = Nn e ap+ br = Nm. Como FNnTNm(x) − x > 0 segue do
Lema 2.1.2 que F nTm(x) − x > 0.
Lema 2.1.4 Suponhamos que existam x, y ∈ R, p, r ∈ Z e q, s ∈ N tais que
F qT p(x) ≥ x e F sT r(y) ≤ y. Entao, p/q ≤ r/s.
Prova: Caso contrario, as orbitas de x e y ficariam fora de ordem, entao
podemos supor sem perda de generalidade que y ≤ x < y+1, logo para todo
k ∈ Z, F k(y) ≤ F k(x) < F k(y)+1. Suponhamos que p/q > r/s. Escolhamos
n ∈ N tal que nps − nrq > 2. Entao, pelo Lema 2.1.2, F nqs(x) ≥ x + nps e
F nqs(y) ≤ y + nrq. Assim, |F nqs(y) − F nqs(x)| ≥ n|p/q − r/s| − |x− y| > 1.
Prova do Lema 2.1.1: Para cada p ∈ Z, q ∈ N definimos αp,q : R → R por
αp,q(x) = F qT p(x) − x. Entao, pelo Lema 2.1.2, para todo n > 0, temos
αp,q(x) > 0, ∀x ∈ R ⇔ αnp,nq(x) > 0, ∀x ∈ R,
αp,q(x) < 0, ∀x ∈ R ⇔ αnp,nq(x) < 0, ∀x ∈ R.
Logo, podemos definir
A+ =
{p
q∈ Q|αp,q(x) > 0, ∀x ∈ R
},
A− =
{p
q∈ Q|αp,q(x) < 0, ∀x ∈ R
}.
Agora, para p0 ∈ N suficientemente grande, temos p0/1 ∈ A− e −p0/1 ∈A+. Assim, ambos A+ e A− sao nao-vazios, e A+ ∩ A− = ∅. Pelo Lema
9
2.1.3, se a, b ∈ A+ com a < b, entao [a, b] ∩ Q ⊂ A+ e igualmente para A−.
Desta forma, p0/1 e uma cota superior para A+ e −p0/1 e uma cota inferior
para A−.
Seja ρ = supA+. Pelo Lema 2.1.4, se p/q ∈ A+ e r/s ∈ A−, entao
p/q < r/s. Assim, inf A− ≥ supA+, e segue igualmente do Lema 2.1.4 que
existe no maximo um p/q ∈ Q tal que αp,q tem um zero ou muda de sinal
em R. De fato, sejam p/q e r/s tais que αp,q e αr,s tem um zero ou muda de
sinal, entao existem x, y, x′, y′ ∈ R tais que F qT p(x) ≥ x e F sT r(y) ≥ y, logo
p/q ≤ r/s, e F qT p(x′) ≤ x′ e F sT r ≥ y′, logo p/q ≥ r/s, isto e, p/q = r/s.
Assim existe no maximo um p/q ∈ Q tal que p/q /∈ A− ∪ A+, logo
[supA+, inf A−] ⊂ R nao contem um intervalo aberto e entao inf A− =
supA+ = ρ. Desta forma, pelo Lema 2.1.3:
{mn
∈ Q | mn< ρ
}⊂ A+,
{mn
∈ Q | mn> ρ
}⊂ A−.
Isso prova o Lema 2.1.1 para o caso n 6= 0. Para o caso n = 0, o Lema e
trivial.
Uma vez que αp,q e contınua, se ela tem uma mudanca de sinal, ela tem
um zero. Em outras palavras, F qT p tem um ponto fixo, se e somente se
p/q ∈ Q\(A− ∪ A+), mais ainda, existe no maximo um tal p/q.
Seja F o levantamento de um homeomorfismo f de S1 que preserva ori-
entacao, e x ∈ R um zero da funcao αp,q, entao π(x) = π ◦ F q(T p(x)) =
f q ◦ π(x), ou seja, O(π(x)) e uma orbita de perıodo q de f .
Como ρ = inf A− = supA+ e A− ∩ A+ = ∅ temos duas opcoes,
1. se ρ ∈ R \Q, entao Q = A− ∪A+ , e nao existem p, q tais que αp,q tem
um zero em R, logo f nao tem orbita periodica,
10
2. Ou, se ρ = p/q ∈ Q, entao p/q /∈ A− ∪ A+. Assim αp,q tem no mınimo
um zero, e entao f tem no mınimo uma orbita periodica de numero de
rotacao p/q.
Vejamos agora as possıveis dinamicas em cada caso.
2.2 Classificacao das Orbitas
2.2.1 Numero de rotacao racional
Seja F : R → R um levantamento de um homeomorfismo de S1 com ρ(F ) =
p/q. Dado x ∈ R, usando o Lema 2.1.2, podemos classificar a orbita O(x)
em relacao a F em tres categorias:
1. periodicas: ∀m ∈ Z, ∃n ∈ N tais que nρ = m, F nTm(x) = x,
2. advancing: ∀m ∈ Z, ∃n ∈ N tais que nρ = m, F nTm(x) > x,
3. retreating: ∀m ∈ Z, ∃n ∈ N tais que nρ = m, F nTm(x) < x.
Como observado acima, existe no mınimo uma orbita periodica. Mais
ainda, se tomarmos p/q com q > 0 e p, q relativamente primos, entao todas
as orbitas periodicas tem perıodo q. Se x ∈ R e periodico, entao x+ n, para
todo n ∈ Z, tambem e.
Se x− < x+ sao dois pontos periodicos tais que nao existe ponto periodico
em (x−, x+), entao
i) ou todas as orbitas em (x−, x+) sao advancing logo, todas essas orbitas
sao assintoticas para a orbita de x+ quando n→ ∞, e para a orbita de
x− quando n → −∞, isto e, ∀y ∈ (x−, x+), F n(y) → F n(x+) quando
n → ∞ e F n(y) → F n(x−) quando n → −∞. A demonstracao desses
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fatos e facil, basta observarmos que F nqT np(y) → x+ = F nqT np(x+),
quando n→ ∞, e que |F nq(y)−F nq(x+)| = |F nqT np(y)−F nqT np(x+)|.O mesmo raciocınio para x−.
ii) ou todas as orbitas em (x−, x+) sao retreating e assintoticas para as
orbitas de x+ e x− quando n→ −∞ e n→ ∞, respectivamente.
2.2.2 Numero de rotacao irracional
Definicao 2.2.1 Um subconjunto C ⊂ S1 e dito um conjunto de Cantor se
ele e perfeito e Int( C ) = ∅ .
O caso dos homeomorfismos com numero de rotacao irracional e descrito
pelo seguinte teorema:
Teorema 2.2.1 Seja f : S1 → S1 um homeomorfismo com ρ(f) ∈ R \ Q.
Dado x ∈ S1, sejam ω(x) o conjunto ω-limite de x e α(x) o conjunto α-limite
de x. Se P (x) := ω(x) ∪ α(x), entao:
i) P (x) e independente de x;
ii) P e f -invariante, onde P := P (x);
iii) P e S1 ou um conjunto de Cantor.
Lema 2.2.1 Seja f como acima. Dado x ∈ S1 e k, l ∈ Z com k 6= l. Seja I
o intervalo [f kx, f lx]. Entao, toda orbita de f passa por I.
Prova: Notemos que para n ∈ N, fn(l−k)I e adjacente a f (n−1)(l−k)I. Assim
consideremos a colecao de intervalos {fn(l−k)I | n ∈ N}. Se essa colecao nao
cobre S1, entao os extremos dos intervalos fn(l−k)I convergem para algum
y ∈ S1, isto e, fn(l−k)(f l(x)) → y e fn(l−k)(f k(x)) → y quando n → ∞.
12
Mas, por continuidade, fn(l−k)(x) → (f−k(y)), novamente por continuidade
fn(l−k)(f l(x)) → f (l−k)(y). Consequentemente, f (l−k)(y) = y, logo y e um
ponto periodico, o que contradiz ρ(f) irracional.
Prova do Teorema 2.2.1:
i) Seja z ∈ P (x). Entao ∃nk → ±∞ tal que fnk(x) → z. Logo, dado
y ∈ S1, pelo lema acima, ∃lk ∈ Z tal que f lk(y) ∈ [fnk(x), fnk+1(x)].
Entao f lk(y) → z, quando k → ∞. Desta forma P (x) ⊂ P (y), para
todo x, y ∈ S1. Portanto, por simetria, P (x) = P (y).
ii) Se y = lim fnk(x) ∈ P , entao por continuidade f(y) = lim fnk+1(x) ∈P . Idem para f−1;
iii) P e fechado, nao-vazio (pela compacidade de S1). P nao tem pontos
isolados. De fato se x ∈ P , entao x = lim fnk(x), para algum nk (por
(i)), mas fnk(x) ∈ P para todo k ∈ N (por (ii)).
Agora, se P contem um conjunto aberto, entao dado x ∈ S1, uma
vez que a orbita de x e densa em P , existem k, l ∈ Z tais que I =
[fk(x), f l(x)] ⊂ P . Assim, sendo In = fn(I), segue do lema acima e
pela f -invariancia de P , que S1 ⊂⋃n∈Z
In ⊂ P , assim P = S1.
Caso contrario, P nao contem nenhum conjunto aberto, isto e, Int(P ) =
∅, portanto P e um conjunto de Cantor
O teorema acima mostra que a estrutura das orbitas dos homeomorfismos
com numero de rotacao irracional e bem diferente dos homeomorfismos com
numero de rotacao racional.
Definicao 2.2.2 Seja X um espaco topologico. Um homeomorfismo f :
X → X e dito topologicamente transitivo se existe x ∈ X tal que sua orbita
13
O(x) e densa em X.
No caso racional, as orbitas ou sao periodicas ou assintoticas para orbitas
periodicas. No caso irracional ha duas possibilidades para as orbitas, ou
as orbitas sao densas em S1 (caso topologicamente transitivo); ou todas as
orbitas sao assintoticas para um conjunto de Cantor invariantes ou estao
neste conjunto de Cantor, ou seja, nao ha nenhuma orbita densa em S1 (caso
nao-transitivo).
Definicao 2.2.3 Sejam X e Y dois espacos topologicos. Dizemos que f :
X → X e g : Y → Y sao topologicamente conjugados se existe um homeo-
morfismo h : X → Y tal que h ◦ f = g ◦ h.
Definicao 2.2.4 Sejam X e Y dois espacos topologicos. Dizemos que f :
X → X e g : Y → Y sao topologicamente semi-conjugados se existe um
mapeamento h : X → Y contınuo e sobrejetivo tal que h ◦ f = g ◦ h.
O proximo teorema da uma classificacao via (semi-)conjugacao topologica
para os dois casos possıveis, mas antes consideremos a seguinte proposicao.
Proposicao 2.2.1 Seja F : R → R um levantamento de um homeomorfismo
f : S1 → S1 que preserva orientacao com numero de rotacao ρ = ρ(F ) ∈R \ Q. Entao para n1, n2, m1, m2 ∈ Z e x ∈ R
F n1(x) −m1 < F n2(x) −m2 ⇒ n1ρ−m1 < n2ρ−m2
Prova: Se n1 = n2, o resultado e obvio. Suponhamos n1 − n2 > 0, observe-
mos que:
F (n1−n2)T (m1−m2)(F n2(x)) − F n2(x) = F n1(x) −m1 − F n2(x) +m2 < 0.
14
Entao, pela demonstracao do Lema 2.1.1 e das ponderacoes que se seguiram,
temos que α(m1−m2),(n1−n2)(x) < 0, ∀x ∈ R, logo (m1 −m2)/(n1 − n2) ∈ A−,
e assim (m1 −m2)/(n1 − n2) > ρ⇒ n1ρ−m1 < n2ρ−m2. Caso n1−n2 < 0,
entao n2 − n1 > 0, e o raciocinio e o mesmo.
Teorema 2.2.2 (da classificacao de Poincare) Seja f : S1 → S1 um
homeomorfismo que preserva orientacao com numero de rotacao irracional.
i) Se f e transitivo, entao f e topologicamente conjugado a rotacao Rρ(f).
ii) Se f e nao-transitivo, entao f e topologicamente semiconjugado a rotacao
Rρ(f).
Prova: Peguemos F : R → R um levantamento de f , e seja ρ = ρ(F ), x ∈ R
e B := {F n(x) − m}n,m∈Z o levantamento da orbita de π(x). Definamos
H : B → R, H(F n(x) − m) = nρ − m = T nρ (−m). A proposicao acima
implica que H e monotona, e notemos tambem que H(B) e denso em R, pelo
Teorema de Jacobi. Observemos que H ◦ F = Tρ ◦H em B, de fato
H ◦ F (F n(x) −m) = H(F n+1(x) −m) = T n+1ρ (−m)
= Tρ(Tnρ (−m)) = Tρ ◦H(F n(x) −m).
Lema 2.2.2 H tem uma extensao contınua no fecho B de B.
Prova: Se y ∈ B, entao existe uma sequencia {xn}n∈N ⊂ B tal que y =
limn→∞ xn. Assim, gostarıamos de definir H(y) = limn→∞H(xn). Para
mostrar que limn→∞H(xn) existe e que independe da escolha da sequencia
que aproxima y, observemos primeiramente que lim infn→∞H(xn) e lim supn→∞H(xn)
existem e sao independentes da sequencia, poisH e monotona. Se lim infn→∞H(xn)
e lim supn→∞H(xn) sao diferentes, entao R\H(B) contem um intervalo, o
que contradiz a densidade de H(B).
15
Agora, podemos facilmente estender H para R, ja que H : B → R e
monotona e sobrejetiva. De fato, seja y ∈ R. Como H(B) e denso em
R, existe {H(xn)}, com {xn} ⊂ B limitada (pela monoticidade de H), tal
que limH(xn) = y. Logo existe {xnk} convergente, e como B e fechado,
lim xnk= x ∈ B. Assim H(x) = limH(xnk
) = y.
Assim, a unica opcao para definir H nos intervalos complementares a
B e fazer H = const. nesses intervalos, escolhendo a constante igual aos
valores nos extremos do intervalo. Temos entao uma funcao H : R → R nao-
decrescente tal que H ◦F = Tρ ◦H e assim uma semiconjugacao h : S1 → S1,
ja que para x ∈ B temos H(x + 1) = H(x) + 1, e essa propriedade persiste
para extensoes contınuas, ou seja, H e o levantamento de h.
Para concluir o teorema, observemos que no caso transitivo nos comecamos
com uma orbita densa, logo B = R e h e uma bijecao.
Temos no caso nao-transitivo que S1\P e a uniao de intervalos abertos
disjuntos, chamados gaps. A orbita de qualquer ponto em algum desses gaps
e homoclınica a P , isso porque como S1 tem comprimento finito e as iteracoes
de um gap sao disjuntas, entao o comprimento de qualquer gap vai a 0 quando
n→ ±∞.
Porem, como vemos pelo seguinte teorema, cuja prova pode ser encon-
trada em [KaHa], o caso nao-transitivo e tido como um caso “patologico”,
pois para que o caso nao-transitivo ocorra e necessario que f tenha um baixo
grau de diferenciabilidade.
Teorema 2.2.3 (Denjoy) : Um difeomorfismo C1, f : S1 → S1 com
numero de rotacao irracional ρ(f) ∈ R\Q e derivada com variacao limitada
e transitivo e, assim, topologicamente conjugado a Rρ(f).
16
Capıtulo 3
Mapeamentos do tipo twist
Optamos por nao traduzir da literatura em ingles o termo twist, que significa
torcer, pois o achamos expressivo e conciso para indicar a ideia geometrica por
tras da definicao. Ate encontramos em alguns textos em lıngua portuguesa
a nomenclatura, que vem do frances, mapeamentos que desviam a vertical
(deviant la verticale). Tambem exprime bem a ideia geometrica, mas nao
sintetiza tanto como twist.
A maior parte do tempo trabalharemos no recobrimento universal do
cilindro, ou seja, no R2, porem antes de introduzirmos mapeamentos twist
no cilindro, falaremos de mapeamentos twist no plano e sua formulacao varia-
cional, seguindo [MacStk].
3.1 Mapeamentos twist no plano
A seguinte definicao e encontrada em [MacStk], [Me] e de forma semelhante
em [CMS].
Definicao 3.1.1 Dizemos que um difeomorfismo F : R2 → R2 de classe
C1 que preserva area e um mapeamento twist (monotono) se existe uma
17
constante K, com 0 < K ≤ 1, tal que
0 < K ≤ ∂F1
∂y≤ 1
K, (3.1)
onde F (x, y) = (F1(x, y), F2(x, y)).
A condicao (3.1) e chamada condicao de twist (uniforme). Ela sera crucial
no desenvolvimento da teoria, pois junto com a condicao da preservacao da
area, permitira a construcao de uma funcao geratriz para o mapeamento
twist. Tal funcao nos levara a uma formulacao variacional da dinamica do
mapeamento.
O significado geometrico da condicao de twist pode ser visto na figura
3.1. Percebemos que F desvia as retas verticais para a direita.
PSfrag replacements
x
yF
F (V )
V = {x = const.}
Figura 3.1: Condicao de twist
Observacao: Notemos que usamos a palavra uniforme acima, isso porque
e possıvel exigirmos condicoes de twist mais fracas, como por exemplo pedir
que para todo x ∈ R fixado, a aplicacao y 7→ F1(x, y) seja um difeomorfismo
sobre R, ou ate mesmo pedir que seja apenas um homeomorfismo, caso nao
exigıssemos a diferenciabilidade. Porem aqui exigiremos a diferenciabilidade.
18
Seja F um mapeamento twist, com (x′, y′) = F (x, y), e seja F−1 seu
inverso, como −1/K ≤ ∂(F−1)1/∂y′ = −∂F1/∂y ≤ −K < 0, claramente
F−1 desvia as verticais na direcao oposta a desviada por F , ou seja, para
esquerda.
3.1.1 Funcao Geratriz
Seja F um mapeamento twist, entao a imagem de cada vertical V = {x =
constante} corta cada outra vertical somente uma vez, isto e, F (V ) e pro-
jetada bijetivamente sobre o eixo x. Notemos que a hipotese ∂F1/∂y > 0
apenas nao nos garantiria a sobrejetividade de F (V ), por isso usamos a esti-
mativa uniforme ∂F1/∂y ≥ K > 0.
Consideremos ϕ : (x, y) → (x, x′) = (x, F1(x, y)). Claramente ϕ e um
homeomorfismo de classe C1; como Jϕ = ∂F1/∂y > 0, segue do teorema
da Funcao Inversa que ϕ e um difeomorfismo de classe C1, ou seja, uma
mudanca de coordenadas (ver figura 3.2).
Como F−1 tambem e um mapeamento twist, definimos igualmente o difeo-
morfismo de classe C1, ψ(x′, y′) = (x, x′). Observemos que F = ψ−1 ◦ ϕ.PSfrag replacements
(x, y)
(x′, y′)
F
F−1
F (V )F−1(V ′)
V = {x = const.} V ′ = {x′ = const.}
Figura 3.2: Construcao das funcoes ϕ e ψ
19
Proposicao 3.1.1 Seja F : R2 → R2 um mapeamento twist, com (x′, y′) =
F (x, y). Entao existe h : R2 → R de classe C2 tal que, denotando ∂1h(x, x′) =
∂h/∂x(x, x′), ∂2h(x, x′) = ∂h/∂x′(x, x′) e ∂12h(x, x
′) = ∂2h/∂x∂x′(x, x′),
temos
y = −∂1h(x, x′),
y′ = ∂2h(x, x′), (3.2)
e −1/K ≤ ∂12h ≤ −K < 0.
Prova: Usando ϕ e ψ construıdas acima, definamos as funcoes g = π2◦ϕ−1 e
g′ = π2 ◦ψ−1, onde π2(a, b) = b. Assim, y = g(x, x′) e y′ = g′(x, x′). Fixemos
um ponto (x0, x′0) ∈ R2 arbitrario e, dado (x, x′) ∈ R2, seja γ : [0, 1] → R2
um caminho C1 por partes com γ(0) = (x0, x′0) e γ(1) = (x, x′).
Definamos h(x, x′) =∫γg′(ξ, ξ′)dξ′ − g(ξ, ξ′)dξ. Afirmamos que h esta
bem definida, ou seja, independe do caminho γ escolhido. De fato, se γ
e outro caminho ligando (x0, x′0) a (x, x′), segue do teorema de Stokes e da
preservacao da area (dy∧dx = dy ′∧dx′) que∫γ−γ
g′(ξ, ξ′)dξ′ =∫γ−γ
−g(ξ, ξ′)dξ.Entao, por construcao, ∂1h(x, x
′) = −g(x, x′) = −y e ∂2h(x, x′) = g′(x, x′) =
y′. Finalmente, ∂2h(x, x′) = g(x, x′) = π2 ◦ ψ−1(x, x′) implica que (∂2h ◦
ϕ)(x, y) = (π2 ◦ψ−1 ◦ϕ)(x, y) = (π2 ◦F )(x, y) = F2(x, y). Como det DF = 1,
obtemos −(∂2h/∂x)(∂F1/∂y) = 1. Logo ∂12h = −(∂F1/∂y)−1 e segue o
resultado proposto.
Definicao 3.1.2 A funcao h definida acima e chamada funcao geratriz
para o mapeamento twist F .
Reciprocamente,
Proposicao 3.1.2 Dada uma funcao de classe C2, h : R2 → R tal que
−1/K ≤ ∂12h ≤ −K < 0 para alguma constante K > 0, entao, usando as
equacoes (3.2), h gera um mapeamento twist.
20
Prova: Fixemos x ∈ R. Como ∂12h ≤ −K < 0, podemos inverter y =
−∂1h(x, x′), para todo y ∈ R (como funcao de x′), obtendo x′ = α(x, y).
Nesse caso, definimos F : R2 → R2 por
F (x, y) = (α(x, y), ∂2h(x, α(x, y)).
Desta forma,
DF (x, y) =
−∂11h
∂12h− 1∂12h
∂21h− ∂22h∂11h∂12h
−∂22h∂12h
,
onde as derivadas de h sao avaliadas em (x, α(x, y)). Assim temos det DF =
1. Entao F preserva area, e ∂F1/∂y = ∂α/∂y = −1/∂12h. Logo 0 < K ≤∂F1/∂y ≤ 1/K. Mostramos portanto que F e um mapeamento twist.
E um exercıcio simples mostrar que duas funcoes geratrizes para um
mesmo mapeamento twist diferem de uma constante, ou seja, a funcao ger-
atriz e unica, a nao ser por uma constante.
3.1.2 Interpretacao Geometrica da Funcao Geratriz
Que a funcao geratriz definida como integral de linha tenha algum sentido
geometrico, nao e difıcil supor. Reconsideremos a mudanca de coordenadas
ϕ−1. Obviamente ϕ−1(x, x′) = (x, u(x, x′)), onde u = π2 ◦ ϕ−1.
Seja γ : [0, 1] → R2 uma curva C1 por partes (nas coordenadas (x, x′)),
com γ(0) = (x0, x′0) e γ(1) = (x1, x
′1). Supondo sem perda de generalidade
que x0 ≤ x1, entao da definicao de h temos
h(x1, x′1) − h(x0, x
′0) =
∫
bγ
−gdx+ g′dx′.
Consideremos γ = ϕ−1 ◦ γ, logo γ(0) = (x0, y0) e γ(1) = (x1, y1). Usando
um calculo simples obtemos que∫
bγ
gdx =
∫
γ
ydx,
21
nas coordenadas (x, y), de maneira que a integral de linha acima e igual a
”area” embaixo da curva γ. Igualmente temos que
∫
bγ
g′dx′ =
∫
F◦γ
y′dx′,
nas coordenadas (x′, y′), e da mesma forma a integral de linha acima e igual
a ”area” embaixo da curva F ◦ γ, ou seja, a iteracao de γ por F .
Resumindo, se γ e uma curva qualquer C1 por partes nas coordenadas
(x, y) e tal que γ(0) = (x0, y0) e γ(1) = (x1, y1), entao, sendo x′0 = F1(x0, y0)
e x′1 = F1(x1, y1), temos
h(x1, x′1) − h(x0, x
′0) =
∫
F◦γ
y′dx′ −∫
γ
ydx = A′ − A.
PSfrag replacements
A A′
FF ◦ γγ
x
y
x0 x1 x′0 x′1
Figura 3.3: Interpretacao geometrica da funcao Geratriz
3.2 Mapeamentos twist no cilindro
Definicao 3.2.1 Seja f : S1 × R → S1 × R um homeomorfismo e seja
π : R2 → S1 × R a aplicacao de recobrimento. Entao um levantamento de f
e uma funcao contınua F : R2 → R2 tal que f ◦ π = π ◦ F .
Definicao 3.2.2 Um mapeamento twist (monotono) do cilindro C = S1×R
e um difeomorfismo f : C → C de classe C1, que preserva area, orientacao
22
e os fins topologicos de C e que satisfaz a condicao de twist (uniforme),
0 < K ≤ ∂F1
∂y≤ 1
K,
onde F = (F1, F2) e um levantamento de f e K uma constante.
Seja T : R2 → R2 a translacao unitaria T (x, y) = (x + 1, y), temos
F ◦ T = T ◦ F . Desta forma, levantamentos diferentes de f : C → C
diferem por uma potencia de T, ou seja, se F e F ′ sao levantamentos de f ,
F ′ = T n ◦ F , para algum n ∈ Z. Isso nos garante que a definicao acima e
valida, uma vez que ∂F1/∂y independe do levantamento escolhido de f .
Observemos que se f e um mapeamento twist no cilindro, e F sendo um
levantamento de f , logo F e um mapeamento twist no plano.
Definicao 3.2.3 Seja h : R2 → R a funcao geratriz de F conforme definida
na Proposicao 3.1.1, entao chamemos h tambem de funcao geratriz de f .
Consideremos novamente a mudanca de coordenadas ϕ. Como F ◦ T =
T ◦ F temos ϕ ◦ T = T2 ◦ ϕ, onde T2(x, x′) = (x + 1, x′ + 1). Portanto,
T ◦ ϕ−1 = ϕ−1 ◦ T2 e π2 ◦ T = π2 implicam que g = g ◦ T2.
Igualmente para ψ obtemos g′ = g′ ◦ T2, assim a funcao h(x, x′) = h(x+
1, x′+1) tambem define uma funcao geratriz, e conforme mencionamos acima
temos h(x+ 1, x′ + 1) − h(x, x′) = C, onde C e constante.
Definicao 3.2.4 A constante C acima e conhecida como ”net flux”, e de-
notada por Flux(F).
Seja γ uma curva C1 por partes (nas coordenadas (x, y)) ligando (x, y) a
(x + 1, y). Temos x′ = F1(x, y) e x′ + 1 = F1(x + 1, y), pela interpretacao
geometrica da funcao geratriz, Flux (F ) = h(x+1, x′ +1)−h(x, x′) = A′−A
(ver figura 3.4).
23
PSfrag replacements
A A′
FF ◦ γγ
x x + 1 x′ x′ + 1
Figura 3.4: F lux(F ) = A′ − A
Pediremos assim uma condicao adicional nos mapeamentos twist do cilin-
dro, que eles tenham Flux (F ) = 0, ou seja, que h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′).
De agora em diante estaremos assumindo esta condicao adicional.
3.3 Mapeamento twist no anel (ou cilindro
finito)
Definimos por A = S1 × [a, b] o anel (ou cilindro finito). Denotaremos o
recobrimento universal de A por S = R × [a, b] e por π: S → A a aplicacao
de recobrimento.
Definicao 3.3.1 Um mapeamento twist (monotono) do anel A = S1 × [a, b]
e um difeomorfismo f : A → A de classe C1, que preserva area, orientacao
e a fronteira de A e que satisfaz a condicao de twist,
∂F1
∂y> 0,
onde F = (F1, F2) : S → S e um levantamento de f .
Igualmente aos mapeamentos twist do cilindro, se f e um mapeamento
twist no anel, entao F e um mapeamento twist na faixa S = R× [a, b]. Isto e,
F : S → S e um difeomorfismo de classe C1 com as seguintes propriedades:
24
1. F2(x, a) = a, F2(x, b) = b, ∀x ∈ R
2. ∂F1/∂y > 0
3. det DF = 1
4. F ◦ T = T ◦ F , onde T (x, y) = (x + 1, y)
Podemos da mesma forma criar uma funcao geratriz h para F , porem o
domınio de h nao e mais R2, e sim W = {(x, x′)|F1(x, a) ≤ x′ ≤ F1(x, b)} ⊂R2.
Cabe observarmos que a curva γ, dada por γ(x) = (x, b) para x ∈ R,
e invariante por F , o que implica F lux(F ) = 0, e consequentemente h(x +
1, x′ + 1) = h(x, x′). Temos tambem ∂12h < 0.
3.4 Exemplos
3.4.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-
Kontorowa
Este exemplo tem uma importancia historica, pois ele motiva grande parte
do trabalho desenvolvido por Aubry et al. ([Au], [Au-LeD]) e culmina com o
desenvolvimento da teoria de Aubry-Mather no contexto dos mapeamentos
twist.
O modelo de Frenkel-Kontorowa e um modelo da Fısica do estado solido
usado para entender a formacao de cristais em um reticulado unidimensional
de partıculas.
Consideremos uma cadeia unidimensional de partıculas. A interacao entre
partıculas vizinhas e dada por um potencial elastico tipo mola com constante
1. Sendo xi a posicao da i-esima partıcula, entao a energia de interacao
25
entre partıculas vizinhas e (xi+1 − xi)2/2 + (xi − xi−1)
2/2. Alem disso cada
partıcula sofre a acao de uma forca dada por um potencial (externo) periodico
U(x) = (k/4π2) cos(2πx). Desta forma, a “energia da cadeia”e dada por
W ((xi)i∈Z) =∑
i∈Z
1
2(xi+1 − xi)
2 +k
4π2cos(2πxi) =
∑
i∈Z
h(xi, xi+1),
onde h(x, x′) = (x′ − x)2/2 + (k/4π2) cos(2πx).
Neste modelo um cristal e representado por um elemento x = (xi)i∈Z ∈ RZ
que minimiza a energia∑∞
i=−∞ h(xi, xi+1).
Como∑∞
i=−∞ h(xi, xi+1) e raramente convergente, a nocao de minimizar
energia e definida da seguinte forma: x ∈ RZ minimiza a energia se temos
∞∑
i=−∞
(h(xi + ξi, xi+1 + ξi+1) − h(xi, xi+1)) ≥ 0
para todo ξ = (ξi)ı∈Z com ξi nulo para |i| suficientemente grande.
Agora, observemos que h : R2 → R e de classe C∞ e que ∂12h = −1, logo
pela Proposicao 3.1.2 podemos considerar o mapeamento twist dado por
yi = −∂1h(xi, xi+1) = xi+1 − xi +k
2πsen(2πxi),
yi+1 = −∂2h(xi, xi+1) = xi+1 − xi. (3.3)
Isto e,
xi+1 = xi + yi+1 = xi + yi − k2π
sen(2πxi),
yi+1 = yi − k2π
sen(2πxi),
ou seja, (xi+1, yi+1) = Fk(xi, yi), onde Fk(x, y) = (x+y−(k/2π) sen(2πx), y−(k/2π) sen(2πx)).
A famılia de mapeamentos Fk e chamada de mapeamentos standard, e
h(x, x′) = (x′ − x)2/2 + (k/4π2) cos(2πx) e sua funcao geratriz.
26
Definicao 3.4.1 Chamamos (xi)i∈Z de configuracao do sistema. Uma
configuracao e dita estacionaria se
∂2h(xi−1, xi) + ∂1h(xi, xi+1) = 0, ∀i ∈ Z.
Segundo Mather, em [MF], a condicao acima pode ser obtida (ou melhor
pensada) diferenciando W ((xi)i∈Z) =∑
i∈Zh(xi, xi+1) formalmente e igua-
lando o resultado a zero. Claramente tal procedimento nao tem um sentido
matematico, porem podemos ver que uma configuracao que e um cristal no
modelo (que no Capıtulo 3 sera o que tomaremos como definicao de con-
figuracao minimizante) e uma configuracao estacionaria no sentido acima.
Observemos que se {(xi, yi)}i∈Z e uma orbita de Fk, entao (xi)i∈Z e uma
configuracao estacionaria para o modelo de Frenkel-Kontorowa. A recıproca
tambem e verdadeira, dada (xi)i∈Z estacionaria, usando (3.3) para obter
(yi)i∈Z, temos que {(xi, yi)}i∈Z e orbita para Fk. Logo, as configuracoes esta-
cionarias estao em correspondencia com as orbitas dos mapeamentos stan-
dard. Esta correspondencia, que conforme veremos nao e uma exclusividade
dos mapeamentos standard, e fundamental em ambas abordagens do Capıtulo
3.
Por ultimo, observemos que Fk ◦ T = T ◦ Fk, logo Fk e o levantamento
de um mapeamento twist fk : S1 × R → S1 × R, tambem denominado
mapeamento standard.
Apos desenvolvermos parte da teoria do Capıtulo 3 retomaremos este
exemplo.
3.4.2 Bilhares convexos
Este exemplo tambem tem sua importancia historica. Dando continuidade
aos trabalhos de Poincare, Birkhoff [Bi] observou que a dinamica em uma
27
mesa de bilhar convexa pode ser reduzida a dinamica de um mapeamento
que preserva area, chamado mapeamento do bilhar. Como veremos, tal ma-
peamento tem a propriedade twist. Em [Bi], Birkhoff usando o “Teorema
geometrico de Poincare”, demonstra a existencia de orbitas periodicas para
o mapeamento do bilhar. Este exemplo, devido a seu forte apelo geometrico,
permite uma boa visualizacao dos resultados obtidos.
Consideremos a dinamica de uma bola em uma regiao U ⊂ R2 estri-
tamente convexa, limitada por uma curva γ simples (sem auto-intersecao),
regular, fechada, de classe Ck(k ≥ 2). Suporemos, sem perda de generali-
dade, que o comprimento de γ e 1, e que γ e parametrizada por comprimento
de arco, orientada positivamente.
A dinamica da bola em U e sujeita a uma simples lei: a bola viaja em linha
reta com velocidade constante, e quando rebate em γ o angulo da incidencia
e igual ao angulo de reflexao. (ver figura 3.5)
PSfrag replacements
θ
θ
θ′
θ′
p
p′
U
γ
Figura 3.5: Bilhar convexo
Definamos entao o mapeamento do bilhar associada a esta dinamica. Para
cada ponto p ∈ γ tomemos a reta r(p, θ) que passa por p e faz angulo θ com
o vetor tangente a γ em p. Ao par (p, θ) associemos o par (p′, θ′) formado
28
pelo ponto p′ ∈ γ, intersecao de r(p, θ) com γ e o angulo θ′ entre r(p, θ) e
o vetor tangente a γ em p′. Identificando γ com S1, definimos entao um
mapeamento f : S1 × (0, π) → S1 × (0, π).
Assim, sendo x o parametro comprimento de arco, o mapeamento de
bilhar (ou melhor, seu levantamento), e uma aplicacao F (x, θ) = (x′, θ′),
tal que se θ e o angulo entre γ ′(x) e γ(x′) − γ(x), entao θ′ e o angulo entre
γ(x′)−γ(x) e γ′(x′), nesta ordem. Desta forma ficamos com F : R×(0, π) →R× (0, π), ou equivalentemente considerando a mudanca de coordenada y =
− cos θ teremos F : R × (−1, 1) → R × (−1, 1).
Agora consideremos h(x, x′) = −||γ(x)− γ(x′)||, onde || · || e a norma eu-
clidiana. Observemos que h(x+1, x′+1) = h(x, x′) e Dom(h) = {(x, x′) | x <x′ < x + 1}. Como h(x, x′)2 =
⟨γ(x) − γ(x′), γ(x) − γ(x′)
⟩, temos que
2h∂1h = −2⟨γ′(x), γ(x′) − γ(x)
⟩,
2h∂2h = 2⟨γ′(x′), γ(x′) − γ(x)
⟩.
Logo,
∂1h =⟨γ′(x),
γ(x′) − γ(x)
||γ(x′) − γ(x)||⟩
= cos θ
∂2h =⟨γ′(x′),
γ(x) − γ(x′)
||γ(x) − γ(x′)||⟩
= − cos θ′
Desta forma teremos,
y = −∂1h(x, x′),
y′ = ∂2h(x, x′).
29
Provemos que ∂12h < 0:
∂12h(x, x′) =
⟨γ′(x′);
d
dx
(γ(x′) − γ(x)
h
)⟩=
= −
⟨γ′(x′); γ′(x)
⟩
h− ∂1h
h
⟨γ′(x′);
γ(x) − γ(x′)
||γ(x) − γ(x′)||⟩
= −cos(θ + θ′)
h+
cos θ cos θ′
h
=sen θ sen θ′
h< 0
pois θ, θ′ ∈ (0, π) e h < 0.
Vemos entao que h e uma funcao geratriz para o mapeamento do bilhar,
o que nos permite concluir que F e de classe C1 e que:
1. ∂F1/∂y > 0: de fato, como γ e estritamente convexa, entao fixado
x, a aplicacao θ 7→ F1(x, θ) e estritamente crescente, o que equivale
a condicao ∂F1/∂θ > 0, mas ∂F1/∂y = (1/senθ)∂F1/∂θ > 0, para
θ ∈ (0, π)
2. dx∧dy = dx′∧dy′, ou seja, F preserva area. De fato, d(y′dx′−ydx) = 0,
pois y′dx′ − ydx = ∂1hdx+ ∂2hdx′ = dh(x, x′).
Assim o mapeamento do bilhar e um mapeamento twist.
3.5 Teorema de Extensao
Podemos encontrar o seguinte teorema em [MF] e [CMS]. Nossa apresentacao
segue de perto a feita em [CMS]. Sua importancia se deve ao fato que ele nos
permite estender um mapeamento twist no anel, para um mapeamento twist
no cilindro. Este resultado sera particularmente util no capitulo seguinte,
pois evitando problemas com as fronteiras do anel, a abordagem de S. Aubry
e feita para mapeamentos twist no cilindro.
30
Teorema 3.5.1 (de Extensao) Sejam β−, β+ : R → R difeomorfismos de
classe Cr−1, r ≥ 1, que satisfazem β− < β+ e β±(x + 1) = β±(x) + 1. Seja
W = {(x, x′)|β−(x) ≤ x′ ≤ β+(x)}. Se h : W → R e uma funcao de classe
Cr+1 tal que h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′) e ∂12h < 0, entao h possui uma
extensao h de classe Cr+1 em R2 que satisfaz h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′) e
−1/k ≤ ∂12h ≤ −k, onde k > 0 e uma constante.
Prova: Observemos inicialmente que W e invariante pela translacao
T (x, x′) = (x + 1, x′ + 1) e consideremos W[0,1] = {(x, x′)|x ∈ [0, 1], β−(x) ≤x′ ≤ β+(x)}. Como W[0,1] e compacto, temos obviamente que ∃k > 0, tal que
−1/k ≤ ∂12h ≤ −k em W[0,1] e pela invariancia de W temos −1/k ≤ ∂12h ≤−k em W .
Tomemos uma extensao ρ(x, x′) de ∂12h em R2, tal que ρ(x+ 1, x′ + 1) =
ρ(x, x′) e −1/k ≤ ρ ≤ −k. Definamos ∂21h(u, u′) = ρ(u, u′) de modo que
∂1h(u, x′) =
∫ x′
0
ρ(u, u′)du′ + τ(u).
A condicao de fronteira
∂1h(u, β−(u)) =
∫ β−(u)
0
ρ(u, u′)du′ + τ(u) = ∂1h(u, β−(u)),
define a funcao τ de modo que
∂1h(u, x′) =
∫ x′
β−(u)
ρ(u, u′)du′ + ∂1h(u, β−(u)).
Observemos que ρ|W = ∂12h implica que ∂1h|W = ∂1h, em particular
∂1h(u, β+(u)) = ∂1h(u, β+(u)) e satisfeita.
Integrando em relacao a u:
h(x, x′) =
∫ x
0
[∂1h(u, x′)]du+ γ(x′).
31
Observemos que pelo fato de β− ser difeomorfismo, a condicao de fron-
teira h(x, β−(x)) = h(x, β−(x)) e equivalente a condicao h((β−)−1(x′), x′) =
h((β−)−1(x′), x′), logo obtemos a funcao γ(x′) e ficamos com
h(x, x′) =
∫ x
(β−)−1(x′)
[∂1h(u, x′)]du+ h((β−)−1(x′), x′).
Desta forma, usando os fatos de que ∂1h|W = ∂1h e queW = {(x, x′)|(β+)−1(x) ≤x ≤ (β−)−1(x′)}, temos h|W = h.
Assim recorrendo a Proposicao 3.1.2 podemos usar a extensao de h dada
pelo resultado acima para estender o mapeamento twist do anel para o cilin-
dro.
32
Capıtulo 4
Conjuntos de Aubry-Mather
4.1 Princıpio Variacional de S.Aubry
Seguindo Aubry et al.([Au], [Au-LeD]) e Bangert [Ba], introduziremos um
princıpio variacional (em dimensao finita) que nos permitira obter uma classe
importante de orbitas para os mapeamentos do tipo twist.
Conforme ja mencionamos, essas ideias foram, em grande parte, moti-
vadas pelo exemplo 1 do Capıtulo 2 nos trabalhos de Aubry et al.([Au],
[Au-LeD]).
Antes de prosseguirmos gostariamos de destacar que nossa exposicao as-
sim como sua ordem e em grande parte influenciada pelas referencias [CMS],
[Go], [MF] e [MacStk].
Definicao 4.1.1 Uma configuracao e um elemento x = (xi)i∈Z ∈ RZ. Um
segmento de uma configuracao e uma subsequencia finita xmn = {xi ∈R | m ≤ i ≤ n}. As vezes denotaremos sem distincao x e xmn.
Definicao 4.1.2 (Princıpio variacional) Seja h : R2 → R de classe Ck,
com k ≥ 2, e m,n ∈ Z com m < n. Definimos a acao W de um segmento
33
xmn por
W (x) = W (xm, . . . , xn) =
n−1∑
i=m
h(xi, xi+1).
Dizemos que um segmento xmn e estacionario se xmn e ponto crıtico de
W com respeito as variacoes fixando os extremos xm e xn, isto e, ∂W/∂xi(x) =
∂2h(xi−1, xi) + ∂1h(xi, xi+1) = 0, para todo m < i < n.
Definicao 4.1.3 Uma configuracao x e dita estacionaria se todos os seus
segmentos sao estacionarios, ou seja, se ∂2h(xi−1, xi)+∂1h(xi, xi+1) = 0 para
todo i ∈ Z.
A proposicao abaixo estabelece a relacao entre o princıpio variacional e
as orbitas de um mapeamento twist.
Proposicao 4.1.1 Seja F um mapeamento do tipo twist em R2, e h sua
funcao geratriz. Se {(xi, yi) | m ≤ i ≤ n} e o segmento de uma orbita de F ,
isto e, (xi+1, yi+1) = F (xi, yi), entao {xi | m ≤ i ≤ n} = xmn e estacionario.
Reciprocamente, se xmn e estacionario, definindo:
yi = −∂1h(xi, xi+1), m ≤ i < n,
yn = ∂2h(xn−1, xn),
entao {(xi, yi) | m ≤ i ≤ n} satisfaz (xi+1, yi+1) = F (xi, yi) para m ≤ i < n.
Prova:
(⇒) Observemos que ∂2h(xi−1, xi) = yi = −∂1h(xi, xi+1) para todo m < i <
n. Assim, ∂W/∂xi = ∂2h(xi−1, xi) + ∂1h(xi, xi+1) = 0, para todo m < i < n.
(⇐) Lembremos que F (x, y) = (α(x, y), ∂2h(x, α(x, y)), onde α satisfaz x′ =
34
α(x,−∂1h(x, x′)) (ver Proposicao 3.1.2), teremos
F (xi, yi) =(α(xi,−∂1h(xi, xi+1)), ∂2h(xi, α(xi,−∂1h(xi, xi+1)))
)
= (xi+1, ∂2h(xi, xi+1))
=
(xi+1,−∂1h(xi+1, xi+2)); m ≤ i < n− 1
(xn, yn) i = n− 1
= (xi+1, yi+1),
para todo m ≤ i < n.
Como consequencia da proposicao acima, temos
Corolario 4.1.1 Seja F um mapeamento do tipo twist em R2. Existe uma
correspondencia 1 − 1 entre as orbitas de F , {(xi, yi) = F i(x0, y0) | i ∈ Z},e as configuracoes (xi)i∈Z estacionarias.
Observacao: Lembremos que esta incluıda na proposicao acima o caso em
que F e o levantamento de um mapeamento twist em C = S1 × R, e esse e
o principal caso que consideraremos.
Dentre as configuracoes estacionarias estaremos interessados naquelas que
satisfazem uma certa condicao de minimalidade, que definimos a seguir:
Definicao 4.1.4 Um segmento xmn = (xm, . . . , xn) e dito h-minimal se
para todo segmento (ξm, . . . , ξn) tal que xm = ξm e xn = ξn, temos
W (xm, . . . , xn) ≤ W (ξm, . . . , ξn)
Definicao 4.1.5 Uma configuracao x ∈ RZ e dita h-minimal se todos os
seus segmentos sao h-minimais. Denotaremos o conjunto das configuracoes
h-minimais por M ou Mh.
35
Desta forma, pelo Corolario 4.1.1, temos que as configuracoes h-minimais
estao em correspondencia com um subconjunto das orbitas de um mapea-
mento twist F , as quais chamaremos orbitas minimais ou minimizantes.
Definicao 4.1.6 Uma orbita {(xi, yi)}i∈Z de um mapeamento twist F e dita
minimal ou minimizante se a configuracao (xi)i∈Z associada e h-minimal(onde
h e a funcao geratriz de F ).
Vemos assim a importancia de estudarmos as propriedades das configuracoes
h-minimais. Aubry et al.([Au], [Au-LeD]) desenvolveram a teoria das con-
figuracoes h-minimais no contexto do modelo de Frenkel-Kontorowa, onde
neste caso h(x, x′) = (x′ − x)2/2 + (k/4π2) cos(2πx). Bangert, em [Ba], gen-
eralizou a teoria das configuracoes h-minimais para o caso em que a funcao
h satisfaz condicoes mais fracas.
Seguindo Mather e Forni em [MF], chamaremos essas condicoes de Condicoes
de Bangert.
Definicao 4.1.7 (Condicoes de Bangert) Seja h : R2 → R contınua.
Dizemos que h satisfaz as Condicoes de Bangert se
(H1) Condicao de periodicidade: h(x + 1, x′ + 1) = h(x, x′);
(H2) Condicao de crescimento: h(x, x′) → +∞ quando |x− x′| → +∞;
(H3) Condicao de ordem: Se ξ < x e ξ ′ < x′ entao h(ξ, ξ′) + h(x, x′) <
h(ξ, x′) + h(x, ξ′);
(H4) Condicao de transversalidade: Se (x−1, x0, x1) 6= (ξ−1, ξ0, ξ1) sao
h-minimais e x0 = ξ0 entao (x−1 − ξ−1)(x1 − ξ1) < 0.
36
Para o nosso caso de interesse, mostraremos que uma funcao geratriz
h associada a um mapeamento twist f : C → C satisfaz as Condicoes de
Bangert.
Lembremos que neste caso h e de classe C2 e −1/k ≤ ∂12h ≤ −k, onde
k > 0. A condicao (H1) e satisfeita, pois estamos tomando como hipotese
flux(F ) = 0. As outras seguirao dos lemas abaixo.
Lema 4.1.1 (Condicao de crescimento) A funcao geratriz h de um ma-
peamento twist f : C → C satisfaz:
h(x, x′) ≥ α− β|x− x′| + γ|x− x′|2,
onde β e γ sao constantes estritamente positivas.
Prova: Seja ξs = (1 − s)x + sx′, podemos escrever entao
h(x, x′) = h(x, x) +
∫ 1
0
∂2h(x, ξs)(x′ − x)ds
Fazendo o mesmo processo com ∂2h teremos
h(x, x′) = h(x, x) +
∫ 1
0
∂2h(ξs, ξs)(x′ − x)ds−
∫ 1
0
ds
∫ 1
0
∂12h(ξr, ξs)(x′ − x)2dr
Definamos α = minx∈R h(x, x), β = maxx∈R |∂2h(x, x)| e γ = k > 0, como α
e β existem pela condicao de periodicidade (H1) o resultado segue.
Lema 4.1.2 (Condicao de ordem) Seja h uma funcao geratriz de um ma-
peamento twist f : C → C. Se ξ < x e ξ ′ < x′ entao h(ξ, ξ′) + h(x, x′) <
h(ξ, x′) + h(x, ξ′).
Prova: Observemos que,
h(ξ, ξ′) + h(x, x′) − h(ξ, x′) − h(x, ξ′)
=
∫ x′
ξ′
∫ x
ξ
∂12h(u, u′)dudu′ ≤ −k(x′ − ξ′)(x− ξ).
Logo, h(ξ, ξ′) + h(x, x′) − h(ξ, x′) − h(x, ξ′) < 0.
37
Lema 4.1.3 (Condicao de transversalidade) Seja h uma funcao gera-
triz de um mapeamento twist f : C → C. Sejam x e ξ configuracoes esta-
cionarias. Se xn−1 = ξn−1 e xn = ξn entao x = ξ. Caso contrario se x 6= ξ e
xn = ξn, entao (xn−1 − ξn−1)(xn+1 − ξn+1) < 0.
Prova: Sejam O(x) = {(xi, yi)}i∈Z e O(ξ) = {(ξi, ηi)}i∈Z as orbitas as-
sociadas a x e ξ. Como yn = ∂2h(xn−1, xn) = ∂2h(ξn−1, ξn) = ηn, temos
(xn, yn) = (ξn, ηn), logo O(x) = O(ξ) e x = ξ. Agora seja x 6= ξ e xn = ξn,
claramente pelo que acabamos de provar xn−1 6= ξn−1, e yn = ∂2h(xn−1, xn) 6=∂2h(ξn−1, ξn) = ηn. Pela condicao de twist de F e F−1, se yn < ηn, entao
xn+1 < ξn+1 e xn−1 > ξn−1, e analogamente se yn > ηn.
Provamos assim que a funcao geratriz de um mapeamento twist do cilin-
dro satisfaz as Condicoes de Bangert. Assumiremos daqui em diante que h
sempre satisfaz as Condicoes de Bangert.
Vejamos agora uma simples, porem importante, consequencia das pro-
priedades (H3) e (H4) conhecida como Lema Fundamental de Aubry.
Definicao 4.1.8 Seja x = (xi)i∈Z uma configuracao. Denotaremos por G(x)
o grafico de Aubry,onde G(x) e a uniao dos segmentos de reta em R2
ligando (i, xi) a (i+ 1, xi+1).
Definicao 4.1.9 Diremos que duas configuracoes x ∈ RZ e ξ ∈ RZ se
cruzam se G(x) ∩G(ξ) 6= ∅.
Pela condicao de transversalidade (H4) temos dois tipos de cruzamentos
possıveis para x ∈ Mh e ξ ∈ Mh: em um inteiro k ∈ Z, ou seja, xk = ξk e
(xk−1−ξk−1)(xk+1−ξk+1) < 0; ou fora de um inteiro, ou seja, (xk−ξk)(xk+1−ξk+1) < 0.
Lema 4.1.4 (Lema Fundamental de Aubry) Duas configuracoes h-minimais
distintas se cruzam no maximo uma vez.
38
Prova: Suponhamos, por contradicao, que x ∈ Mh e ξ ∈ Mh sejam duas
configuracoes que se cruzam duas vezes. Existem tres casos para consider-
armos: (i) ambos cruzamentos sao fora de um inteiro, (ii) apenas um cruza-
mento e em um inteiro, (iii) ambos cruzamentos sao em inteiros.
Caso (i): Sejam i, j ∈ Z tais que os cruzamentos ocorrem entre (i, i + 1) e
(j, j+1). Sem perda de generalidade podemos considerar ξi > xi. Definamos
entao os segmentos ξ ′ = (ξi, xi+1, . . . , xj, ξj+1) e x′ = (xi, ξi+1, . . . , ξj, xj+1), e
consideremos
W (x′) +W (ξ′) = h(xi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, xj+1)
+ h(ξi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj, ξj+1)
< h(xi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj , xj+1)
+ h(ξi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, ξj+1)
= W (x) +W (ξ).
A desigualdade acima segue da condicao (H3), e contradiz a minimalidade
de pelo menos um dos segmentos.
Caso (ii): Agora suponhamos que um cruzamento ocorre em i ∈ Z e o outro
entre (j, j + 1). Supondo, sem perda de generalidade, que ξj+1 > xj+1, e
definindo, igualmente ao caso anterior, os segmentos ξ ′ e x′, chegaremos a
mesma contradicao.
Caso (iii): Sejam i, j ∈ Z, com i < j, onde ocorrem os cruzamentos. Supon-
hamos, sem perda de generalidade, que ξi−1 > xi−1, e definamos os segmentos
39
ξ′ = (ξi−1, xi, . . . , xj, ξj+1) e x′ = (xi−1, ξi, . . . , ξj, xj+1). Observemos que
W (ξ′) +W (x′) = h(ξi−1, xi) +W (xi, . . . , xj) + h(xj, ξj+1)
+ h(xi−1, ξi) +W (ξi, . . . , ξj) + h(ξj, xj+1)
= W (ξ) +W (x),
pois xi = ξi e xj = ξj. Como W (ξ′) ≤ W (ξ) e W (x′) ≤ W (x), temos que
W (ξ′) = W (ξ) e W (x′) = W (x), ou seja, concluımos que ξ ′ e x′ sao segmen-
tos minimais, o que contradiz (H4), pois (ξi−1, xi, xi+1) 6= (xi−1, ξi, ξi+1) sao
minimais com xi = ξi, mas (ξi−1 − xi−1)(xi+1 − ξi+1) > 0.
Observacao: O mesmo resultado e valido para segmentos h-minimais, e a
demonstracao e similar a feita acima.
4.1.1 Configuracoes e Orbitas periodicas minimizantes
Seja F o levantamento de um mapeamento twist f : C → C fixado. Supon-
hamos que uma orbita {(xi, yi)}i∈Z de F satisfaz, para algum (p, q) perten-
cente a Z × N, a condicao
xi+q = xi + p,
para todo i ∈ Z, ou seja, F q(xi, yi) = T p(xi, yi) para todo i ∈ Z, onde
T (x, y) = (x+ 1, y). Entao f q(π(xi, yi)) = π(xi, yi),vemos assim que a orbita
de (x0, y0) e o levantamento de uma orbita periodica de f .
Definicao 4.1.10 Dizemos que uma configuracao x = (xi)i∈Z que satisfaz
xi+q = xi + p, para todo i ∈ Z e para algum (p, q) em Z × N (nao necessari-
amente primos entre si), e uma configuracao periodica do tipo (p, q).
Denotaremos por Xp,q ⊂ RZ o subconjunto das configuracoes periodicas do
tipo (p, q).
40
Definicao 4.1.11 Uma orbita {(xi, yi)}i∈Z, tal que (xi)i∈Z ∈ Xp,q e chamada
uma (p, q)-orbita ou uma orbita periodica do tipo (p, q).
Entao, apos q iteracoes de F , um ponto em uma (p, q) orbita e transladado
por p na direcao x, ou seja, sua projecao no cilindro da p voltas em q iteracoes.
A fim de trabalharmos com configuracoes periodicas do tipo (p, q), intro-
duziremos uma versao periodica do funcional acao W . Consideremos entao
Wp,q(x) = Wp,q(x0, . . . , xq−1) =
q−1∑
i=0
h(xi, xi+1), onde xq = x0 + p.
Lembremos, no caso em que h e uma funcao geratriz para F , que se x =
(x0, . . . , xq−1) e ponto crıtico de Wp,q, entao estendendo o segmento x para
uma configuracao segundo a regra xi+q = xi + p, teremos, pela periodicidade
de h, que x e uma configuracao do tipo (p, q) estacionaria. Obtemos assim
uma orbita periodica do tipo (p, q) para F (ver Corolario 4.1.1).
A discussao acima nos motiva a procurar pontos crıticos para Wp,q.
Proposicao 4.1.2 A funcao Wp,q possui um mınimo global.
Prova: Consideremos inicialmente a seguinte mudanca de coordenadas s =
x0; η1 = x1 − x0; η2 = x2 − x1; . . .; ηq−1 = xq−1 − xq−2. Obtemos assim
Wp,q(s, η1, . . . , ηq−1) = h(s, η1 + s) + h(η1 + s, η1 + η2 + s) + . . .
+ h(η1 + . . .+ ηq−1 + s, p+ s).
Fica evidente, da condicao de periodicidade (H1) em h, que Wp,q(s, η)
e 1-periodica na variavel s. Portanto Wp,q(s, η) define uma funcao Wp,q no
cilindro Cq = {(θ, η)|θ ∈ S1, η ∈ Rq−1}.Afirmamos que dado c ∈ R, Fc = {(θ, η)|Wp,q(θ, η) ≤ c} e compacto.
De fato, pela continuidade de Wp,q temos que Fc e fechado. Observemos,
sendo π : R → S1 a aplicacao de recobrimento, que Wp,q(θ, η) = Wp,q(s, η),
41
onde s ∈ π−1(θ)∩ [0, 1). Agora, se nao existir R > 0 tal que ||η||1 ≤ R em Fc,
onde || · ||1 e a norma da soma, entao teremos |ηi| crescendo indefinidamente
para algum i ∈ {1, . . . , q − 1}, e como 0 ≤ s < 1, teremos pela propriedade
(H2) que Wp,q → +∞, ou seja, Wp,q → +∞. Desta forma, temos Fc ⊂S1 × BR(0), para algum R > 0, logo Fc e compacto. Segue, entao, pela
continuidade da funcao, que Wp,q possui um mınimo global em Cq, o que
consequentemente implica que Wp,q possui um mınimo global.
Desta forma, conforme observamos antes da proposicao acima, sendo
(x0, . . . , xq−1) um ponto de mınimo global, h e uma funcao geratriz para
F , entao (x0, . . . , xq−1) e ponto crıtico de Wp,q, e obtemos assim um orbita
periodica do tipo (p, q).
Quando h e de classe C2, podemos obter um segundo ponto crıtico de
Wp,q, ou equivalentemente de Wp,q. Observemos que este e o caso quando h
e uma funcao geratriz de um mapeamento twist. Em princıpio, para darmos
prosseguimento ao objetivo de obtermos os conjuntos de Aubry-Mather, nao
se faria necessario a obtencao deste segundo ponto crıtico.
De qualquer forma, com o intuito de mantermos o texto o mais completo
possıvel, este resultado e enunciado abaixo. Ele se encontra em [CMS], assim
como sua demonstracao que faz uso de um princıpio Mini-max.
Proposicao 4.1.3 (Mini-max) A funcao Wp,q possui um segundo ponto
crıtico distinto do mınimo global.
Como corolario das proposicoes acima temos o Teorema de Poincare-
Birkhoff.
Corolario 4.1.2 (Teorema de Poincare-Birkhoff) Seja F o levantamento
de um mapeamento twist f : C → C, entao F tem pelo menos duas orbitas
distintas do tipo (p, q), para todo (p, q) ∈ Z×N com p, q primos entre si, i.e.,
f tem pelo menos duas orbitas periodicas distintas de perıodo q.
42
Mostraremos agora que a configuracao periodica do tipo (p, q) obtida
estendendo-se o mınimo global de Wp,q e uma configuracao h-minimal. Logo
a orbita periodica do tipo (p, q) obtida desta configuracao, quando h e uma
funcao geratriz para F , e uma orbita minimizante.
Observacao: Se x ∈ Xp,q e minimiza Wp,q(x) =∑q−1
i=0 h(xi, xi+1), entao x
minimiza W (x) =∑k+q−1
i=k h(xi, xi+1) para todo k ∈ Z.
Lema 4.1.5 Duas configuracoes periodicas do tipo (p, q) que correspondem
a mınimos de Wp,q nunca se cruzam.
Prova: Sejam x, ξ ∈ Xp,q tais configuracoes. Se G(x) e G(ξ) se cruzassem
entre (k, k + 1] para algum k ∈ Z, entao outro cruzamento teria de ocorrer
antes do ındice q+k. De fato podemos supor sem perda de generalidade que
xk > ξk, logo xk+1 ≤ ξk+1, mas xq+k > ξq+k, ou seja, algum cruzamento deve
ocorrer antes do ındice q + k. Agora, pela observacao acima, os segmentos
obtidos restringindo-se a configuracao x e ξ aos ındices {k, . . . , q + k} sao
segmentos minimais. Logo pelo Lema Fundamental de Aubry, nao podem
se cruzar mais de uma vez. Portanto, G(x) e G(ξ) nao podem se cruzar
nenhuma vez.
Corolario 4.1.3 Duas configuracoes minimais periodicas do tipo (p, q) nunca
se cruzam.
Lema 4.1.6 Se x ∈ Xkp,kq minimiza Wkp,kq para algum k ≥ 1, entao x ∈Xp,q, ou seja, x e do tipo (p, q).
Prova: Suponhamos por contradicao que x /∈ Xp,q, entao sem perda de
generalidade podemos supor xq > x0 + p. Definamos entao ξ ∈ RZ por ξi =
xi+q−p, claramente observamos que ξ ∈ Xkp,kq, de fato ξi+kq = x(i+q)+kq−p =
xi+q − p + kp = ξi + kp, e que ξ minimiza Wkp,kq, pela periodicidade de h e
43
pela observacao acima. E como ξ0 = xq− p > x0, segue do Lema 4.1.5 acima
que ξi > xi, para todo i ∈ Z. Entao,
xkq = ξ(k−1)q + p > x(k−1)q + p = ξ(k−2)q + 2p > x(k−2)q + 2p = . . . > x0 + kp
Logo, x /∈ Xkp,kq, o que e uma contradicao.
Lema 4.1.7 x minimiza Wp,q, se e somente se, x minimiza Wkp,kq para todo
k ≥ 1.
Prova: Pela Proposicao 4.1.2, existe ξ ∈ Xkp,kq tal que ξ e um mınimo global
de Wkp,kq. Pelo Lema 4.1.6 acima, ξ ∈ Xp,q. Para provar o corolario e sufi-
ciente que mostremos que Wp,q(x) = Wp,q(ξ) e Wkp,kq(x) = Wkp,kq(ξ). Como
ξ ∈ Xp,q e ξ minimiza Wkp,kq, entao kWp,q(ξ) = Wkp,kq(ξ) ≤ Wkp,kq(x) =
kWp,q(x). E como xminimizaWp,q, entao (Wkp,kq(x))/k = Wp,q(x) ≤ Wp,q(ξ) =
(Wkp,kq(ξ))/k. Desta forma Wp,q(x) = Wp,q(ξ) e Wkp,kq(x) = Wkp,kq(ξ) como
querıamos.
Corolario 4.1.4 Seja x ∈ Xp,q que minimiza Wp,q, entao x e uma con-
figuracao h-minimal.
Prova: Observemos a sequencia de implicacoes. Se x minimiza Wp,q ⇒ x
minimiza Wkp,kq, para todo k ≥ 1 ⇒ x minimiza W (x0, . . . , xkq), para todo
k ≥ 1 ⇒ x minimiza W (xn, . . . , xn+kq) para todo k ≥ 1 e para todo n ∈ Z.
Desta forma x e uma configuracao h-minimal, pois todo segmento de x e
h-minimal.
Como consequencia dos resultados obtidos acima temos o seguinte teo-
rema, que desempenha um papel fundamental na teoria.
Teorema 4.1.1 Existe configuracao h-minimal periodica do tipo (p, q), para
todo (p, q) ∈ Z × N.
44
4.1.2 Numero de Rotacao e Monotonicidade
Sejam F um levantamento de um mapeamento twist fixado, O = {(xi, yi)}i∈Z
uma orbita de F e x = (xi)i∈Z a configuracao associada. Assim como fizemos
com os homeomorfismos de S1, associaremos um numero a O, ou melhor a
x, que exprima seu comportamento.
Definicao 4.1.12 Definimos o numero de rotacao associado a configuracao
x = (xi)i∈Z como o limite
ρ(x) = limi→±∞
xi − x0
i= lim
i→±∞
xii,
caso este exista.
Vemos assim que se x ∈ Xp,q, entao ρ(x) = p/q, ou seja, uma configuracao
periodica do tipo (p, q) possui numero de rotacao racional p/q.
Consideremos em RZ a topologia produto. Portanto, convergencia de uma
sequencia {xn}n∈N ⊂ RZ para x ∈ RZ significa convergencia pontual, ou seja,
limn→∞(xn)i = (x)i para cada i ∈ Z. Observemos que pela continuidade de
h, M e fechado em RZ.
Dando continuidade a teoria, adicionaremos a RZ mais dois ingredientes:
uma relacao parcial de ordem e uma acao do grupo Z2.
Definicao 4.1.13 Sejam x, ξ ∈ RZ. Entao x ≺ ξ, se e somente se, xi < ξi
para todo i ∈ Z.
Definicao 4.1.14 Seja (a, b) ∈ Z2. Definimos Ta,b : RZ → RZ por Ta,b(x) =
ξ, onde ξi = xi−a + b. Chamaremos as funcoes Ta,b de translacoes (ver figura
4.1).
Observemos que fixado (a, b) ∈ Z2, temos que Ta,b e um homeomorfismo
que preserva a ordem ≺ e que W (Ta,b(x)) = W (x), logo Ta,b(M) = M, ou
seja, M e invariante por Ta,b.
45
4 8 9
3
2
1
7651 100
2 3
4PSfrag replacements
i
xiG(x)
G(ξ)
Figura 4.1: Graficos de Aubry de x e ξ = T−3,1(x)
Definicao 4.1.15 Seja x ∈ RZ. Dizemos que a configuracao x e monotona
ou ciclicamente ordenada (CO) se para quaisquer inteiros i, j, k temos que
xi < xj + k implica xi+1 < xj+1 + k.
Equivalentemente, duas translacoes de x ou nunca se cruzam ou coinci-
dem, ou seja, o conjunto O(x) = {Ta,b(x) | (a, b) ∈ Z2} (a orbita de x pelo
grupo {Ta,b}) e totalmente ordenado.
Observacao: Se x = (xi)i∈Z e a orbita de F , um levantamento de um
homeomorfismo f de S1 que preserva orientacao, entao x e monotona (CO).
Proposicao 4.1.4 Toda configuracao minimal periodica do tipo (p, q) e monotona.
Prova: De fato, se x ∈ Xp,q ∩M, temos que Ta,b(x) ∈ Xp,q ∩M para todo
(a, b) ∈ Z2, logo segue do Corolario 4.1.3 que duas translacoes de x nunca se
cruzam.
Definicao 4.1.16 Dizemos que x ∈ RZ e ξ ∈ RZ sao
i) α-assintotico se limi→−∞ |xi − ξi| = 0,
ii) ω-assintotico se limi→∞ |xi − ξi| = 0,
46
iii) assintotico se eles sao α-assintotico e ω-assintotico.
O lema seguinte mostra que o fato de duas configuracoes minimais serem
α- ou ω-assintotico, sob certas condicoes, conta como se fosse um cruzamento.
Lema 4.1.8 Suponhamos que x ∈ M e ξ ∈ M sao α(resp. ω)-assintotico e
|xi+1 −xi| e limitado para i→ −∞ (resp. i→ ∞). Entao G(x)∩G(ξ) = ∅,
ou seja, x e ξ nao se cruzam.
Prova: Provaremos o caso quando x e ξ sao ω-assintoticos e assumindo que
x e ξ se cruzam em i ∈ Z. Os outros casos sao provados de forma semelhante.
Por causa de (H4) e (xi−1 − ξi−1)(xi+1 − ξi+1) < 0, nem (xi−1, xi, ξi+1),
nem (ξi−1, xi, xi+1) podem ser minimais. Entao existem xi e ξi que
W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi−1, ξi, xi+1) < W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi−1, xi, xi+1).
Mas observemos queW (xi−1, xi, ξi+1)+W (ξi−1, xi, xi+1) = W (xi−1, xi, xi+1)+
W (ξi−1, ξi, ξi+1), logo
W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi−1, ξi, xi+1)
< W (xi−1, xi, xi+1) +W (ξi−1, ξi, ξi+1). (4.1)
Por outro lado a minimalidade de (xi−1, . . . , xj+1) e (ξi−1, . . . , ξj+1) im-
plica em
W (xi−1, xi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, xj+1)
≥ W (xi−1, xi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj, xj+1) (4.2)
e
W (ξi−1, ξi, xi+1) +W (xi+1, . . . , xj) + h(xj, ξj+1)
≥ W (ξi−1, ξi, ξi+1) +W (ξi+1, . . . , ξj) + h(ξj, ξj+1). (4.3)
47
Somando (4.2) e (4.3) obtemos uma contradicao com (4.1) se tivermos
que
limj→∞
|h(ξj, xj+1) − h(ξj, ξj+1)| = 0 = limj→∞
|h(xj, ξj+1) − h(xj, xj+1)|.
Vejamos a prova da primeira igualdade, a da segunda e analoga. Ob-
servemos inicialmente, que temos tambem |ξi+1−ξi| limitado quando i→ ∞.
Usando (H1) podemos escrever
|h(ξj, xj+1) − h(ξj, ξj+1)| = |h(ξj − kj, xj+1 − kj) − h(ξj − kj, ξj+1 − kj)|,
com kj ∈ Z e tal que 0 ≤ ξj − kj < 1. Pelas hipoteses temos que |xj+1 − kj|e |ξj+1 − kj| sao limitados para j → ∞. Desta forma,
limj→∞
|h(ξj, xj+1) − h(ξj, ξj+1)| = 0
segue do fato que limj→∞ |xj − ξj| = 0 e h e uniformemente contınua em
conjuntos compactos.
O lema acima nos permite obter uma das propriedades fundamentais das
configuracoes minimais, a saber, que as configuracoes minimais sao monotonas
(CO).
Teorema 4.1.2 Seja x ∈ Mh, entao para qualquer (a, b) ∈ Z2, x e Ta,b(x) ∈M nao se cruzam, ou seja, O(x) = {Ta,b(x) | (a, b) ∈ Z2} e totalmente
ordenado. Isto e, se x e h-minimal, entao x e monotona.
Prova: A afirmacao e trivial se a = 0. Entao sendo a 6= 0, suponhamos que
x e ξ = Ta,b(x) se cruzam. Sem perda de generalidade, podemos assumir que
o cruzamento acontece em [0, 1), de fato bastaria aplicar uma translacao as
configuracoes. Entao pelo Lema Fundamental de Aubry, x e ξ nao se cruzam
mais. Trocando x com ξ se necessario podemos assumir que
ξj < xj para j < 0 e ξj > xj para j > 0.
48
Faremos a prova para a > 0 claramente o caso a < 0 e analogo. As
desigualdades acima implicam que, para todo j ≤ 0 fixado, a sequencia
n ∈ N 7→ (Tna,nb(x))j = xj−na + nb,
e decrescente e para todo j > 0 fixado, a sequencia
n ∈ N 7→ (T−na,−nb(x))j = xj+na − nb,
tambem e decrescente.
De fato, fixado j ≤ 0, tomemos n1, n2 ∈ N com n1 < n2, e observemos
que j ≤ 0 < n1a < n2a, logo pelas desigualdades acima temos xj−n2a + b <
xj−(n2−1)a, logo xj−n2a +n2b < xj−(n2−1)a + (n2 − 1)b < . . . < xj−n1a + n1b. O
argumento quando fixamos j > 0 e semelhante.
Agora iremos comparar x com uma configuracao x ∈ M∩Xa,b que satisfaz
x0 < x0. Ja provamos, no Teorema 4.1.1, que existe x em M∩ Xa,b, agora
basta fazer uma translacao T0,k se necessario. (No caso em que a < 0 obtemos
sequencias crescentes e entao tomemos x ∈ M ∩ Xa,b com x0 > x0). Pelo
Lema Fundamental de Aubry temos que xi < xi para i ≤ 0 ou xi < xi para
i ≥ 0.
Assumamos sem perda de generalidade que estamos com xi < xi para i ≤0; o outro caso e analogo. Entao dado j ≤ 0, observemos que xj−na+nb = xj
para todo n ∈ N. Desta forma, a sequencia n 7→ xj−na + nb e decrescente e
limitada inferiormente por xj. Definamos, entao,
ηj := limn→∞
(xj−na + nb) = limn→∞
(Tna,nb(x))j.
Notemos que ηj−a + b = ηj. Pela periodicidade de {ηj}j≤0, podemos
concluir que x e ξ sao α-assintoticas para {ηj}j≤0, logo sao α-assintoticas
entre si, e que |xi+1 − xi| e limitado para j → −∞. Portanto pelo lema
acima obtemos uma contradicao com a suposicao de que x e ξ se cruzam.
49
Denotaremos por pri : RZ → R, para i ∈ Z, a projecao x 7→ xi. Clara-
mente, pri e contınua, aberta e preserva a ordem.
Proposicao 4.1.5 Seja x ∈ Mh, entao O(x) ⊂ RZ, o fecho do conjunto
O(x) = {Ta,b(x) | (a, b) ∈ Z2}, tambem e totalmente ordenado. E a projecao
pr0 e um homeomorfismo entre O(x) e um subconjunto fechado de R .
Prova: A primeira afirmacao e consequencia imediata do teorema anterior.
Denotemos O(x) simplesmente por O. Temos que pr0|O e injetiva e que
pr0|O : O → pr0(O) e um homeomorfismo. Falta provarmos que pr0(O) e
fechado.
Suponhamos que {xn}n∈N ⊂ O seja uma sequencia tal que (xn)0 =
pr0(xn) converge. Sejam a ∈ Z e b ∈ Z tal que x0 + a < (xn)0 < x0 + b
para todo n ∈ N. Como O e totalmente ordenado, temos que T0,a(x) ≺xn ≺ T0,b(x) para todo n ∈ N. Entao segue do Teorema de Tychonoff que
existe uma subsequencia convergente de {xn}, que denotaremos igualmente
por {xn}. Desta forma lim xn = x ∈ O e pr0(x) = lim pr0(xn).
Enunciaremos o principal resultado desta secao, que tem importantes
consequencias.
Recordemos o seguinte fato: se uma funcao contınua G : R → R e estri-
tamente crescente e G − Id e 1-periodica, entao G e o levantamento de um
homeomorfismo g de S1 que preserva orientacao.
Teorema 4.1.3 Para todo x ∈ M existe um levantamento G : R → R de
um homeomorfismo g de S1 tal que xi+1 = G(xi), para todo i ∈ Z.
Prova: Denotemos O(x) simplesmente por O, onde O(x) e como definido
na proposicao acima.
Primeiramente, definiremos G no conjunto fechado A = pr0(O) por G =
pr1 ◦ (pr0|O)−1, ou equivalentemente, por G(ξ0) = ξ1, se ξ ∈ O. Pela
50
proposicao acima G e um homeomorfismo estritamente crescente de A so-
bre si mesmo. E claramente G satisfaz G(t + 1) = G(t) + 1, para todo
t ∈ A.
Agora estendendo G de A para R de maneira afim, isto e, sendo R\A =
∪n(an, bn), entao G((1 − t)an + tbn) := (1 − t)G(an) + tG(bn) para t ∈ [0, 1],
vemos claramente que G e contınua, estritamente crescente e G − Id e 1-
periodica. Desta forma, G e o levantamento de um homeomorfismo g de
S1 que preserva orientacao. Para finalizar basta observarmos que G(xi) =
G((T−i,0(x))0) = (T−i,0(x))1 = xi+1.
Conforme mencionamos, esse teorema tem importantes consequencias,
por exemplo, ρ(x) existe para todo x ∈ M.
De fato, ρ(x) = ρ(G), onde G e dado pelo teorema acima, e ρ(G) e o
numero de rotacao, conforme definido no Capıtulo 1. Temos, tambem, o
seguinte resultado
Corolario 4.1.5 Se x ∈ M, entao
(a) |xi − x0 − iρ(x)| < 1, para todo i ∈ Z;
(b) A funcao ρ : M → R e contınua.
Prova: Para provar (a), tomemos G como no teorema acima. Temos pelo
Corolario 2.1.1 do Capıtulo 2, que iρ(x)− 1 < F i(x0)−x0 < iρ(x)+ 1, o que
implica |xi − x0 − iρ(x)| < 1.
Agora, seja {xn}n∈N ⊂ M convergente para x, isto e, limn(xn)i = (x)i
para todo i ∈ Z. Como M e fechado em RZ, temos que x ∈ M. Logo para
todo i ∈ N e ε > 0, temos, por (a), que,
|ρ(xn) − ρ(xm)| ≤∣∣∣ρ(xn) − (xn)i − (xn)0
i
∣∣∣ +∣∣∣(x
n)i − (xn)0
i− (xm)i − (xm)0
i
∣∣∣
+∣∣∣(x
m)i − (xm)0
i− ρ(xm)
∣∣∣ < 2
i+ ε,
51
para n,m sao suficientementes grandes. Desta forma {ρ(xn)}n∈N ⊂ R e uma
sequencia de Cauchy, portanto convergente. Entao usando (a) novamente
obtemos que limn ρ(xn) = ρ(x).
Ja provamos no Teorema 4.1.1, que existem configuracoes h-minimais
com todos os numeros de rotacao racional. Mostraremos, agora, que existem
configuracoes h-minimais com todos os numeros de rotacao.
Teorema 4.1.4 Para todo ρ ∈ R, o conjunto Mρ := {x ∈ M | ρ(x) = ρ} e
nao-vazio.
Prova: Basta provarmos o caso quando ρ ∈ R\Q. Sejam {ρn}n∈N ⊂ Q uma
sequencia de racionais com ρn → ρ e {xn}n∈N ∈ M tal que xn ∈ Mρncom
(xn)0 ∈ [0, 1] (aplicando uma translacao a xn caso seja necessario). Como
|ρn| ≤ C para algum C > 0, temos, pelo item (a) do corolario acima, que
|(xn)i| ≤ 2 + |i|C, para todo n ∈ N, i ∈ Z.
Entao pelo Teorema de Tychonoff, {xn} possui uma subsequencia conver-
gente para algum x ∈ M, e pela continuidade de ρ, temos ρ(x) = lim ρ(xn) =
lim ρn = ρ.
Aplicaremos os resultados obtidos ate agora sobre as configuracoes h-
minimais para o nosso caso de interesse, isto e, quando h e a funcao geratriz
de um mapeamento twist do cilindro. E vejamos como surgem os conjuntos
de Aubry-Mather.
Para tal fixemos um levantamento F = (F1, F2) de um mapeamento twist
f : C → C (que suporemos desvia a vertical para direita), onde C = S1 ×R,
e seja h sua funcao geratriz.
Definicao 4.1.17 (Conjunto invariante monotono) Um conjunto M ⊂R2, invariante por F , e dito monotono quando ele possui a seguinte pro-
priedade: se (x, y) e (x′, y′) sao pontos deM tais que x < x′ entao π1(F (x, y)) <
52
π1(F (x′, y′)), onde π1 : R2 → R e a projecao na primeira coordenada, ou seja,
a ordem da coordenada x dos pontos de M e preservada por F .
Daremos dois exemplos de conjuntos invariantes monotonos, porem antes
precisamos de uma definicao.
Definicao 4.1.18 Dizemos que uma orbita {(xi, yi)}i∈Z de F e monotona ou
ciclicamente ordenada (CO) se (xi)i∈Z e monotona ou ciclicamente ordenada
(CO).
Desta forma o conjunto de pontos em uma orbita monotona e de todos
suas translacoes inteiras, isto e, o conjunto ∪k∈ZTk(O), onde O e uma orbita
CO e T (x, y) = (x + 1, y), e um conjunto invariante monotono.
A segunda definicao que daremos trata de uma classe importante de con-
juntos invariantes para os mapeamentos twist.
Definicao 4.1.19 Dizemos que Γ ⊂ S1 ×R (resp. S1 × [a, b]) e uma curva
rotacional invariante para um mapeamento twist f se Γ = γ(S1), onde
γ : S1 → S1 × R (resp. S1 × [a, b]) e um mergulho topologico(eventualmente
de classe Ck, com k ≥ 1), γ e homotopicamente nao-trivial, ou seja, Γ da
uma volta no cilindro (resp. anel), e e tal que f(Γ) = Γ
Um caso particular de curva rotacional invariante e o das curvas que
satisfazem π1 ◦γ = id, onde π1 e a projecao na primeira coordenada, ou seja,
as curvas que sao graficos de funcao.
Portanto nosso segundo exemplo de conjunto invariante monotono e o das
curvas rotacionais invariantes que sao graficos de funcao.
Cabe aqui um ressalva. Por um teorema demonstrado primeiramente
por Birkhoff, o caso particular acima e na verdade o caso geral. Birkhoff
53
demonstrou que toda curva rotacional invariante e grafico de uma funcao
definida em S1.
Sejam x = (xi)i∈Z uma configuracao h-minimal com ρ(x) ∈ R\Q, cuja
existencia e garantida pelo Teorema 4.1.4, e O = {(xi, yi)}i∈Z a orbita mini-
mizante de F associada a x.
Seja TO o conjunto formado pelos pontos de O mais suas translacoes
inteiras, ou seja, TO = ∪k∈ZTk(O), onde T (x, y) = (x + 1, y). Tomemos
entao o fecho do conjunto TO, que denotaremos por M .
Observemos queM e um conjunto fechado e invariante por F . Mostraremos
agora que M e monotono, e veremos algumas propriedades que M possui.
Lema 4.1.9 O conjunto M e monotono e π2(M) e limitado, onde π2 : R2 →R e a projecao na segunda coordenada.
Prova: A primeira afirmacao e consequencia da Proposicao 4.1.5, observando
que π1(M) ⊂ pr0(O(x)), onde π1 e a projecao na primeira coordenada. Escol-
hamos (x0, y0) ∈M , seja (x′0, y′0) = F (x0, y0) e K = |x0 −x′0|+1. Definamos
X = {(x, x′) ∈ R2 | |x− x0| ≤ 1 e |x− x′| ≤ K}, entao ∂1h(x, x′) e limitado
em X, digamos |∂1h| ≤ C.
Agora se (x, y) ∈ M , denotemos (x′, y′) = F (x, y) e escolhamos m ∈ Z tal
que x0 ≤ x−m ≤ x0 +1. Como M e monotono temos x′0 ≤ x′ −m ≤ x′0 +1,
entao |x−m− (x′ −m)| ≤ |x0 − x′0| + 1 = K. Assim (x−m, x′ −m) ∈ X,
e |y| = |∂1h(x, x′)| = |∂1h(x−m, x′ −m)| ≤ C.
Os conjuntos invariantes monotonos por F possuem a seguinte propriedade.
Proposicao 4.1.6 Seja M um conjunto invariante monotono, entao nao
existem dois pontos de M sobre a mesma vertical.
E, supondo que M esta contido entre {y = a} e {y = b} se (x0, y0) e
54
(x1, y1) sao dois pontos distintos quaisquer de M , entao
|y1 − y0| < L|x1 − x0|.
Prova: Sejam (x′, y′) e (x′, y′) dois pontos de M , com x′ = x′ e y′ < y′, mas
isto implicaria x < x, o que contradiz a monotonicidade de M .
Agora, sem perda de generalidade, suponhamos que x0 < x1, e supon-
hamos primeiramente que y0 < y1. Como M ⊂ R × [a, b], segue da con-
tinuidade e da periodicidade de ∂1F1 que existe α > 0 tal que |∂1F1| ≤ α,
logo
|F1(x1, y1) − F1(x0, y1)| ≤ α|x1 − x0|.
Usando a propriedade de twist, ∂2F1 ≤ 1/K, obtemos
F1(x0, y1) − F1(x0, y0) =
∫ y1
y0
∂2F1(x0, s)ds ≤ 1/K(y1 − y0).
Portanto pela condicao de monotonicidade de M temos
0 < F1(x1, y1) − F1(x0, y0) = F1(x1, y1) − F1(x0, y1) + F1(x0, y1) − F1(x0, y0)
≤ |F1(x1, y1) − F1(x0, y1)| + 1/K(y1 − y0) ≤ α|x1 − x0| + 1/K(y1 − y0),
que nos fornece um dos lados da desigualdade. O outro e obtido de forma
analoga, com y0 > y1 e trocando F por F−1, lembrando que F−1 e um
mapeamento twist que desvia a vertical para a esquerda a constante L do
enunciado e tomado como o maior das constantes de ambos os caso.
Temos em particular, pela proposicao acima e pelo lema anterior, que
os pontos de M satisfazem a estimativa Lipschitz acima, e sua projecao na
primeira coordenada e injetiva.
Lembremos que pelo Teorema 4.1.3 existe um levantamento G : R → R
de um homeomorfismo g de S1 tal que xi+1 = G(xi) para todo i ∈ Z, com
ρ(G) = ρ(x) ∈ R/Q.
55
Portanto a primeira coordenada da orbita O, e uma orbita de um levan-
tamento de um homeomorfismo de S1.
Seja θi := π(xi), com π : R → S1 aplicacao de recobrimento. Desta forma
θi+1 = g(θi). Tomemos a uniao do conjunto ω-limite com o conjunto α-limite
de tal orbita que denotaremos por P (lembremos que P independe da orbita
de g).
Pelos resultados discutidos no Capıtulo 2 sobre homeomorfismos de S1
com numero de rotacao irracional, sabemos que P e g-invariante e pode se
apresentar de duas formas: P = S1, ou P e um conjunto de Cantor.
Agora observando que π1(M) ⊃ π−1(P ), onde π1 : R2 → R e a projecao na
primeira coordenada, teremos entao duas possibilidades para π1(M): π1(M) =
R ou π1(M) e um conjunto de Cantor invariante com (possivelmente) orbitas
homoclınicas a ele.
Assim o conjunto invariante monotono M pode se apresentar de duas
formas:
Como um grafico de uma funcao Lipschitz cuja projecao no cilindro e uma
curva rotacional invariante;
Ou, como um conjunto de Cantor invariante com (possivelmente) orbitas ho-
moclınicas a ele, contido no grafico da funcao x 7→ y = −∂1h(x,G(x)).
A este conjunto de Cantor invariante e que damos o nome de conjunto
de Aubry-Mather
Cabe aqui observarmos que como M foi obtido como limite de orbitas
minimizantes, todas orbitas em M sao minimizantes, pois o conjunto Mh das
configuracoes h-minimais e fechado. Alguns autores definem como conjunto
de Aubry-Mather a projecao no cilindro do conjunto que definimos acima.
56
4.2 Princıpio Variacional de J.Mather
A abordagem inicial de Mather [Ma] tambem faz uso de um princıpio varia-
cional, porem segue uma linha distinta de Aubry et al., ate mesmo porque
a epoca da publicacao de [Ma], os trabalhos de Aubry et al. eram descon-
hecidos no mundo matematico (ver comentario final de A. Katok em [Ka1]).
Recordemos algumas definicoes e fixemos algumas notacoes, antes de enun-
ciarmos os resultados.
Seja f : A → A um mapeamento twist definido no anel A = S1 × [0, 1].
Fixemos um levantamento F : S → S de f , onde S = R × [0, 1], e seja F0 =
π1◦F |R×{0}, e F1 = π1◦F |R×{1}, onde π1 e a projecao na primeira coordenada.
Recordemos tambem do Capıtulo 2 a definicao de W = {(x, x′) ∈ R2|F0(x) ≤x′ ≤ F1(x)} (com um certo abuso de notacao). Deste modo temos uma funcao
geratriz h : W → R, de F .
Consideremos entao o principal resultado de [Ma]:
Teorema 4.2.1 Dado ω com ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1), entao existe uma funcao
nao-decrescente φ : R → R tal que φ(t+ 1) = φ(t) + 1 e
F (φ(t), η(t)) = (φ(t+ ω), η(t+ ω)),
onde η(t) = −∂1h(φ(t), φ(t+ ω)).
Uma observacao importante e que, por construcao, φ nao e necessaria-
mente contınua. De todo modo, φ possui duas propriedades importantes,
cujas provas podem ser encontradas em [Ma]:
1. se φ e contınua em t, entao tambem o e em t− ω e t+ ω;
2. e se ω /∈ Q, entao φ nao e constante em nenhum intervalo.
57
O significado do teorema depende se ω e racional ou irracional. Se ω =
p/q, com p e q relativamente primos, entao o teorema garante a existencia de
uma (p, q)-orbita para F . De fato, se (x, y) = (φ(t), η(t)), para algum t ∈ R,
entao F q(x, y) = (x + p, y).
Agora, quando ω e irracional, o teorema garante a existencia de um con-
junto fechado invariante, a saber, o fecho do conjunto {(φ(t), η(t)) | t ∈ R},denotado por Mφ, de tal forma que a restricao de F a este conjunto e con-
jugada a translacao Tω. Equivalentemente, a restricao de f ao conjunto
Σφ := π(Mφ), onde π : S → A e aplicacao de recobrimento, e conjugada a
rotacao Rω.
Se φ e contınua, entao η tambem e contınua, portanto o conjunto invari-
ante obtido pelo teorema e uma curva invariante cuja projecao no cilindro e
uma curva rotacional invariante.
Se nao, φ e descontınua. Como φ e nao-decrescente, seus pontos de de-
scontinuidade formam no maximo um conjunto enumeraveis; portanto Mφ e
um conjunto fechado invariante que contem buracos. Desta formaMφ contem
um conjunto de Cantor invariante, isto e, um conjunto de Aubry-Mather.
A prova do teorema sera feita em alguns passos, mas antes de enuncia-los
faremos um “rascunho”da demonstracao, aproveitando para fixarmos mais
algumas notacoes.
Denotaremos uma funcao φ : R → R contınua a esquerda (resp. direita)
por φ(t−) = φ(t) (resp. φ(t+) = φ(t)). Definamos entao o conjunto,
Yω =
φ : R → R
∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣∣
φ e nao-decrescente,
φ(t+ 1) = φ(t) + 1,
F0(φ(t)) ≤ φ(t+ ω) ≤ F1(φ(t)),
φ(t−) = φ(t).
58
Para φ ∈ Yω definamos o funcional:
Fω(φ) =
∫ 1
0
h(φ(t), φ(t+ ω))dt.
Deste modo, definindo uma metrica d em Yω, mostraremos a continuidade
de Fω em relacao a d, e usando um argumento de compacidade, provaremos
que Fω assume seu maximo em algum φ ∈ Yω.
O passo mais elaborado da demonstracao sera a prova de que o maximo
φ ∈ Yω de Fω satisfaz a equacao de diferencas
E(φ(t)) = ∂2h(φ(t− ω), φ(t)) + ∂1h(φ(t), φ(t+ ω)) = 0,
para todo t ∈ R.
Lembrando que a funcao geratriz satisfaz y = −∂1h(x, x′) e y′ = ∂2h(x, x
′),
teremos assim provado o teorema, pois se (φ(t), η(t)) ∈ S, entao
F (φ(t), η(t)) = F (φ(t),−∂1h(φ(t), φ(t+ ω)))
= (φ(t+ ω), ∂2h(φ(t), φ(t+ ω)))
= (φ(t+ ω),−∂1h(φ(t+ ω), φ(t+ 2ω)))
= (φ(t+ ω), η(t+ ω)).
Consideremos uma ultima notacao: denotar por Xω o subconjunto de Yω
tal que φ(t) ≥ 0 para t > 0 e φ(t) ≤ 0 para t ≤ 0.
1o.Passo: Xω 6= ∅, se e somente se, ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1).
Prova:
(⇒) Seja φ ∈ Yω. Se n > 0, entao F n0 (φ(t)) ≤ φ(t+ nω) ≤ F n
1 (φ(t)), entao
limn→∞
F n0 (φ(t))
n≤ lim
n→∞
φ(t+ nω)
n≤ lim
n→∞
F n1 (φ(t))
n,
logo,
ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1).
59
(⇐) Para 0 ≤ s ≤ 1, seja Gs : R → R definido por
Gs(t) = sF1(t) + (1 − s)F0(t).
Claramente, Gs e um homeomorfismo de R e Gs(t + 1) = Gs(t) + 1.
A funcao s 7→ ρ(Gs) e uma funcao nao-decrescente de s e contınua, pela
continuidade do numero de rotacao, logo existe s0 tal que ρ(Gs0) = ω, pois
ρ(G0) = ρ(F0) ≤ ω ≤ ρ(F1) = ρ(G1). Denotemos G = Gs0 .
Construiremos φ ∈ Xω de duas maneiras diferentes, dependendo se ω e
racional ou irracional. Suponhamos inicialmente que ω e racional, digamos
ω = p/q com p, q ∈ Z e primos entre si. Conforme vimos no Capıtulo
1, o conjunto P dos pontos periodicos (do tipo (p, q)) de G e nao-vazio.
Definamos φ(0) como o maior elemento nao-positivo de P . Dado t ∈ R,
podemos escreve-lo na forma
t = n(pq
)+m+ r,
onde n,m ∈ Z e −1/q < r ≤ 0. Desta forma, definamos
φ(t) = gn(φ(0)) +m.
Como φ(0) ∈ P , temos Gq(φ(0)) = φ(0) + p, segue que φ esta bem definida.
Usando ρ(G) = p/q, vemos que φ e nao-decrescente. Com efeito, supon-
hamos, por contradicao que n(p/q) + m > n′(p/q) + m′ e Gn(φ(0)) + m ≤Gn′
(φ(0)) + m′. Entao Gn−n′ ≤ m′ − m. No caso em que n − n′ > 0,
temos ρ(G) ≤ (m′ − m)/(n − n′) < p/q. No caso em que n − n′ < 0,
temos ρ(G) ≥ (m′ −m)/(n − n′) > p/q. Em ambos os casos obtemos uma
contradicao.
Por definicao, φ(0) ≤ 0, mas como φ e nao-decrescente, entao φ(t) ≤ 0,
para t ≤ 0. Agora, para t > 0, temos que φ(t) ∈ P e φ(t) = φ(0), porem
como φ e nao-decrescente e φ(0) e o maior elemento nao-positivo de P , temos
60
φ(t) > 0. Segue diretamente da definicao de phi que G(φ(t)) = φ(t + p/q),
entao F0(φ(t)) ≤ φ(t + p/q) ≤ F1(φ(t)). E como definimos φ de forma que
ele seja contınua a esquerda, temos φ ∈ Xp/q.
No caso em que ω e irracional, recordemos do Capıtulo 1, que existe
uma funcao nao-decrescente H : R → R, com H(t + 1) = H(t) + 1, tal
que H ◦ G = Tω ◦ H. Como H e o levantamento de um homeomorfismo
de S1, podemos, sem perda de generalidade, somar uma constante inteira a
H. Podemos entao supor que H(0) ≤ 0. Definamos φ(t) = inf H−1(H(t)),
entao claramente φ e nao-decrescente e φ(t + 1) = φ(t) + 1. Por definicao,
φ(0) ≤ 0, e 0 e o maior numero t tal que φ(0) ≤ 0, entao φ(0) ≤ 0, para
t ≤ 0 e φ(0) ≥ 0, para t > 0. Da propriedade H ◦ G = Tω ◦ H, temos que
G(φ(t)) = φ(t+ ω). Desta forma, a definicao de G implica que
F0(φ(t)) ≤ G(φ(t)) = φ(t+ ω) ≤ F1(φ(t)).
Da definicao da funcao φ temos que ela e contınua a esquerda, logo φ ∈ Xω.
2o.Passo: Fω e invariante por translacoes.
De fato, lembremos que h satisfaz h(x+ 1, x′ + 1) = h(x, x′), desta forma
a funcao t 7→ h(φ(t), φ(t + ω)) e 1-periodica. Seja Ta : R → R a translacao
Ta(x) = x+ a, entao para todo a ∈ R, temos φ ◦ Ta ∈ Yω e
Fω(φ ◦ Ta) =
∫ a+1
a
h(φ(t), φ(t+ ω))dt = Fω(φ),
onde a primeira igualdade e obtida com uma mudanca de coordenada na
integral.
3o.Passo: Definindo uma metrica em Yω.
61
Seja φ : R → R uma funcao nao-decrescente. Definimos o conjunto
graf φ = {(x, y) ∈ R2 | φ(x−) ≤ y ≤ φ(x+)}.
Assim, se ψ : R → R e outra funcao nao-decrescente definiremos
d(φ, ψ) = max{supξ
infζ||ξ − ζ||, sup
ζinfξ||ξ − ζ||}, (4.4)
onde ξ varia sobre graf φ e ζ varia sobre graf ψ, e || · || e a norma euclidiana
de R2. Claramente temos que d(φ, ψ) = d(ψ, φ) e a desigualdade triangular.
Observemos que d pode ser infinito. Mostraremos, porem, que d < +∞ em
Yω.
Se φ ∈ Xω, entao (0, 0), (1, 1) ∈ graf φ, e φ(t + 1) = φ(t) + 1. Con-
sequentemente, para φ, ψ ∈ Xω, temos que d(φ, ψ) e dado por (4.4), onde
agora ξ varia sobre [0, 1]2∩graf φ e ζ varia sobre [0, 1]2∩graf ψ. Desta forma
obtemos d(φ, ψ) ≤ 1 para φ, ψ ∈ Xω.
Claramente, d(φ ◦ Ta, φ) ≤ a, para qualquer a ∈ R. Uma vez que para
qualquer φ ∈ Yω, existe a ∈ R (a saber, a = supφ−1(−∞, 0)) tal que φ ◦Ta ∈ Xω, obtemos pela desigualdade triangular que d(φ, ψ) < +∞ para todo
φ, ψ ∈ Yω, de fato d(φ, ψ) ≤ d(φ, φ ◦ Ta) + d(φ ◦ Ta, ψ ◦ Ta′) + d(ψ ◦ Ta′ , ψ) ≤a + 1 + a′ < +∞.
Resta-nos agora verificar que d(φ, ψ) = 0, se e somente se, φ = ψ em Yω.
Sejam φ, ψ ∈ Yω, com d(φ, ψ) = 0. Portanto,
infζ∈graf ψ
||ξ − ζ|| = 0, ∀ξ ∈ graf φ,
infξ∈graf φ
||ξ − ζ|| = 0, ∀ζ ∈ graf ψ.
Fixado ξ ∈ graf φ, temos, pela primeira condicao acima, que existe uma
sequencia {ζn} ⊂ graf ψ tal que lim ζn = ξ. Como graf ψ e fechado em
R2, temos ξ ∈ graf ψ, ou seja, graf φ ⊂ graf ψ. Analogamente obtemos que
62
graf φ ⊃ graf ψ, logo graf φ = graf ψ. Mas como φ e ψ sao contınuas a es-
querda, temos φ = ψ.
4o.Passo: Xω e compacto, com respeito a d.
Seja (X, ρ) um espaco metrico e seja F (X) o conjunto dos subconjuntos
fechados de X. Introduziremos a metrica de Hausdorff em F (X),
Definicao 4.2.1 A metrica de Hausdorff e definida por
dH(A,B) := max
{supx∈A
ρ(x,B), supy∈B
ρ(A, y)
}
para quaisquer A,B ⊂ X fechados.
Lema 4.2.1 A metrica de Hausdorff nos subconjuntos fechados de um espaco
metrico compacto define uma topologia compacta.
Prova: Precisamos verificar a limitacao total e a completude de dH em F (X).
Seja Λ = {x1, x2, . . . , xn} ⊂ X finito tal que as ε/2-bolas centradas nos xi’s
cobrem X (tal fato e possıvel pela compacidade de X). Um conjunto fechado
qualquer A ⊂ X e coberto pela uniao de ε-bolas centradas em Λ e o fecho
dessa uniao tem distancia de Hausdorff no maximo ε de A. Como o con-
junto das ε-bolas centradas em Λ e finito, segue que (F (X), dH) e totalmente
limitada. Mostremos agora que (F (X), dH) e completo. Consideremos uma
sequencia de Cauchy (com respeito a metrica de Hausdorff) de conjuntos
fechados An ⊂ X. Seja A := ∩k∪n≥kAn ∈ F (X), vemos entao claramente
que dH(An, A) → 0.
Mostremos agora que Xω e compacto. Tomemos {φn}n ⊂ Xω. Temos
que φn([0, 1]) ⊂ [−1, 1]. Definamos R = [0, 1]× [−1, 1] e F (R) o conjunto dos
subconjuntos fechados de R. Consideremos a sequencia de fechados Gn =
graf φn ∩ R em F (R). Pela compacidade de (F (R), dH) temos que existe
63
uma subsequencia {Gnk}k tal que Gnk
dH−→ G ∈ F (R). Assim sendo para
t ∈ (0, 1), definamos φ(t) = inf{y ; (t, y) ∈ G}, claramente φ(t) > −∞ e
como G e fechado, temos (t, φ(t)) ∈ G.
Teorema 4.2.2 φ e nao-decrescente em (0, 1).
Prova: Suponhamos por contradicao que existam t1, t2 com t1 < t2 tais que
φ(t2) < φ(t1). Tomemos ε = min{t2 − t1, φ(t1) − φ(t2)}, e Bε/3(t1, φ(t1))
e Bε/3(t2, φ(t2)) bolas de raio ε/3 centradas em (t1, φ(t1)) e (t2, φ(t2)) re-
spectivamente. Como Gnk
dH−→ G, temos que existe K ∈ N tal que p1 ∈Bε/3(t1, φ(t1))∩GnK
e p2 ∈ Bε/3(t2, φ(t2))∩GnK. Mas φnK
e nao-decrescente,
logo
φnK(t) ≥ φ(t1) −
ε
3, ∀t > t1 +
ε
3,
φnK(t) ≤ φ(t2) +
ε
3, ∀t < t2 −
ε
3.
Desta forma segue que φnK(t) ≤ φ(t2) + ε/3 < φ(t1) − ε/3 ≤ φnK
(t), para
todo t ∈ (t1 + ε/3, t2 − ε/3) 6= ∅, o que claramente e uma contradicao.
Teorema 4.2.3 φ e contınua a esquerda
Prova: Suponhamos por contradicao que exista t tal que φ(t−) 6= φ(t).
Como sabemos pelo teorema acima que φ e nao-decrescente, entao existe ε >
0 tal que φ(s) < φ(t)− ε, para todo s ∈ (0, t) e lembremos que (s, φ(s)) ∈ G,
para todo s ∈ (0, t). Como Gnk
dH−→ G, temos que existe K ∈ N tal que
φnk(s) < φ(t) − ε/2, para todo s ∈ (0, t) e para todo k ≥ K. Como φnk
e
contınua a esquerda temos φnk(t) ≤ φ(t) − ε/2, para todo k ≥ K, e como
{φnk(t)} ⊂ [−1, 1], temos φnkj
(t) → y, com y ≤ φ(t) − ε/2. Mas (t, y) ∈ G,
logo φ(t) ≤ y ≤ φ(t) − ε/2, o que e claramente uma contradicao.
64
Definimos desta forma,
φ(t) =
φ(t), t ∈ (0, 1),
lims→1− φ(s), t = 1,
φ(t+ 1) = φ(t) + 1, t /∈ (0, 1].
Observemos que φ e nao-decrescente em R, e contınua a esquerda e satisfaz
φ(t + 1) = φ(t) + 1. Alem disso temos graf φ ∩ R = G e φ ∈ Xω. Logo
φnk→ φ em Xω. Concluımos assim que Xω e compacto.
5o.Passo: Continuidade de Fω com relacao a d.
Teorema 4.2.4 Fω : (Yω, d) → R e contınua.
Prova: Seja
M = sup(x,x′)∈W
max{1, |∂1h(x, x′)|, |∂2h(x, x
′)|}.
Segue da periodicidade de h que M < +∞. Da definicao de Fω e do teorema
do valor medio segue que
|Fω(φ) − Fω(ψ)| ≤ M
∫ 1
0
( |φ(t) − ψ(t)| + |φ(t+ ω) − ψ(t + ω)| )dt. (4.5)
Seja 1 ≥ ε > 0, e δ = ε2/1000M2. Suponhamos que d(φ, ψ) < δ. Mostraremos
que |Fω(φ) − Fω(ψ)| < ε.
Do fato que d(φ, ψ) < δ < 10−3, das propriedades de periodicidade φ(t+1) =
φ(t)+1 e ψ(t+1) = ψ(t)+1, e do fato que φ e ψ sao nao-decrescentes segue
que |φ(t) − ψ(t)| < 1 + δ < 2 para todo t ∈ R.
Suponhamos a ∈ R. Denotemos por πa o conjunto de todos os t ∈(a, a+1) tais que |φ(t)−ψ(t)| ≥ ε/5M . Como ϕ e ψ sao mensuraveis, temos
que πa e mensuravel. Da hipotese que d(φ, ψ) < δ, obtemos
φ(t+ δ) ≥ φ(t) +199ε
1000M, (4.6)
65
no caso em que ψ(t) ≥ φ+ ε/5M , e
φ(t− δ) ≤ φ(t) − 199ε
1000M, (4.7)
no caso em que ψ(t) ≤ φ− ε/5M .
Denotemos por π′a (resp. π′′
a) o conjunto dos t ∈ (a, a + 1) tais que (4.6)
(resp. (4.7)) e satisfeita. Entao
πa ⊂ π′a ∪ π′′
a .
Em qualquer ponto t ∈ π′a, a variacao de φ em [t, t + δ] e maior ou igual
a 199ε/1000M . Uma vez que a variacao total de φ em (a, a+ 1) e menor ou
igual a 1, segue que π′a pode ser coberto por no maximo d1000M/199εe <
1000M/199ε+ 1 ≤ 7Mε
intervalos de comprimento δ = ε2/1000M2.
Assim a medida de Lebesgue µ(π′a) de π′
a e limitada por 7Mδ/ε < ε/100M .
Analogamente, µ(π′′a) ≤ ε/100M , logo
µ(πa) ≤ µ(π′a) + µ(π′′
a) ≤ ε/50M.
Como |φ(t) − ψ(t)| ≤ 2 para todo t ∈ R e |φ(t) − ψ(t)| ≤ ε/5M para
t ∈ (0, 1)\π0 e para t ∈ (ω, ω + 1)\πω, obtemos de (4.5) que
|Fω(φ) −Fω(ψ)| ≤M(2µ(π0) + 2µ(πω) +2ε
5M)
≤M(4ε
50M+
2ε
5M) < ε.
Corolario 4.2.1 Fω assume um valor maximo em Yω em um ponto perten-
cente a Xω.
Prova: Como Fω e um funcional contınuo no espaco compacto Xω, ele as-
sume um valor maximo em Xω. Como Fω e invariante por translacao e
Yω = ∪a∈RTaXω, onde TaXω = {φ ◦ Ta | φ ∈ Xω}, o valor maximo de Fω em
66
Xω tambem e um valor maximo para Fω em Yω.
6o.Passo: Calculo da variacao de Fω.
Lema 4.2.2 Seja a ≤ 0 ≤ b e a < b. Suponhamos uma famılia φs de Yω,
onde a ≤ s ≤ b, tal que φs(t) e uma funcao de classe C1 em s, para cada
t fixado, e ∂φs(t)∂s
e uniformemente limitada e mensuravel, para a ≤ s ≤ b e
t ∈ R. Entao,d
dsFω(φs)
∣∣∣s=0
=
∫ 1
0
E(φ(t))φ(t)dt, (4.8)
onde φ(t) = φ0(t) = φ(t, 0) e φ(t) = ∂φ0
∂s(t) = ∂φ
∂s(t, 0).
Prova: Consideremos,
F (s) = Fω(φs) =
∫ 1
0
h(φ(t, s), φ(t+ ω, s))dt =
∫ 1
0
f(t, s)dt,
onde f(t, s) = h(φ(t, s), φ(t+ω, s)). Como φ(t, s) e uma funcao de classe C1
em s para cada t fixado, entao ∂f∂s
(t, s) existe em R × [a, b] e,
∂f
∂s(t, s) = ∂1h(φ(t, s), φ(t+ ω, s)) · ∂φ
∂s(t, s)
+ ∂2h(φ(t, s), φ(t+ ω, s)) · ∂φ∂s
(t+ ω, s).
Como ∂φ/∂s(t, s) e uniformente limitada e max{|∂1h|, |∂2h|} emW tambem
e uniformemente limitada (segue da continuidade e periodicidade de h) ,
temos que |∂f/∂s(t, s)| ≤ K, para algum K > 0. Logo, temos como corolario
do Teorema da Convergencia Dominada que
d
dsFω(φs) =
d
dsF (s) =
∫ 1
0
∂
∂sf(t, s)dt =
∫ 1
0
∂1h(φ(t, s), φ(t+ω, s))·∂φ∂s
(t, s)
+
∫ 1
0
∂2h(φ(t, s), φ(t+ ω, s)) · ∂φ∂s
(t+ ω, s).
67
Desta forma fazendo uma mudanca de variavel na segunda integral e
tomando s = 0, obtemos
d
dsFω(φs)
∣∣∣s=0
=
∫ 1
0
[∂1h(φ(t), φ(t+ ω)) + ∂2h(φ(t− ω), φ(t))] · φ(t)dt
=
∫ 1
0
E(φ(t))φ(t)dt.
Observemos que eventualmente a derivada acima deve ser pensada como
derivada a direita (caso b = 0), ou a esquerda (caso a = 0).
7o.Passo: Famılias a 1-parametro de variacoes.
Sejam t0 ∈ R e φ ∈ Yω dados. Construiremos tres famılias a 1-parametro,
a saber φs, ψs e ξs. A construcao depende da escolha de uma funcao ρ :
S1 → [0, 1] de classe C∞ tal que ρ seja identicamente 1 em uma vizinhanca
de π(t0), onde π : R → S1 e a projecao canonica.
Seja us : R → R a unica familia de difeomorfismos, definida para s ∈ R,
dada por (∂/∂s)us(t) = ρ ◦ π(us(t)), u0 = id. Tal famılia existe e e unica
pelo teorema de existencia e unicidade das equacoes diferenciais ordinarias.
Mais ainda, como ρ ◦ π e suave e 1-periodica, tal famılia tem dependencia
suave em s ∈ R e t ∈ R, e us e nao-decrescente (de fato e crescente, pois
duas solucoes nao podem se cruzar) e us(t+ 1) = us(t) + 1.
Definamos, entao, φs = us◦φ. Observemos que temos φs nao-decrescente,
φs(t + 1) = φs(t) + 1, e φs(t−) = φs(t), porem, nao necessariamente temos
φs ∈ Yω para |s| suficientemente pequeno. Contudo, se para algum a ≤ 0 ≤ b
(com a < b), tivermos φs ∈ Yω para a ≤ s ≤ b, entao as hipoteses do lema
do 6o.Passo sao satisfeitas e, de (4.8), temos
d
dsFω(φs)
∣∣∣s=0
=
∫ 1
0
E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt. (4.9)
68
Agora, seja t1 = supφ−1(φ(t0)). Definamos, entao,
ψs(t) =
us ◦ φ(t), se existe n ∈ Z, t0 + n < t ≤ t1 + n,
φ(t), caso contrario,
e
ξs(t) =
φ(t), se existe n ∈ Z, t0 + n < t ≤ t1 + n,
us ◦ φ(t), caso contrario.
Novamente, nao necessariamente temos ψs e ξs em Yω para |s| suficien-
temente pequeno. Contudo, se para algum a ≤ 0 ≤ b (com a < b) tivermos
φs(resp. ξs)∈ Yω para a ≤ s ≤ b, entao as hipoteses do lema do 6o.Passo sao
satisfeitas e, de (4.8), temos
d
dsFω(ψs)
∣∣∣s=0
=
∫ 1
0
E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt, (4.10)
d
dsFω(ξs)
∣∣∣s=0
=
∫ 1
0
E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt. (4.11)
8o.Passo: Condicoes que nao podem ser satisfeitas em um maximo.
Mostraremos que se alguma das condicoes abaixo e satisfeita em t = t0,
e se t0 − ω, t0 e t0 + ω sao pontos de continuidade de φ, entao Fω nao pode
assumir seu maximo em φ. As condicoes sao
φ(t) = F0(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) > F0(φ(t)), (4.12)
φ(t) < F1(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) = F1(φ(t)), (4.13)
φ(t) > F0(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) = F0(φ(t)), (4.14)
e
φ(t) = F1(φ(t− ω)) e φ(t+ ω) < F1(φ(t)). (4.15)
69
Lema 4.2.3 Se (4.12) ou (4.13) e satisfeita, entao E(φ(t)) < 0. Se (4.14)
ou (4.15) e satisfeita, entao E(φ(t)) > 0.
Prova: Lembremos que y = −∂1h(x, x′) e y′ = ∂2h(x, x
′), logo temos 0 ≤∂2h ≤ 1 e 0 ≤ −∂1h ≤ 1, ou seja, −1 ≤ ∂1h ≤ 0. Observemos tambem que
x′ = F0(x) ⇔ ∂1h(x, x′) = 0 ⇔ ∂2h(x, x
′) = 0,
x′ = F1(x) ⇔ ∂1h(x, x′) = −1 ⇔ ∂2h(x, x
′) = 1.
Desta forma observando que E(φ(t)) = ∂2h(φ(t−ω), φ(t))+∂1h(φ(t), φ(t+
ω)), temos que o resultado segue imediatamente.
Suponhamos que {t0} = φ−1φ(t0) e que ρ tenha suporte em um vizinhanca
suficientemente pequena em torno de πφ(t0). Se (4.12) ou (4.13) (resp. (4.14)
ou (4.15)) e satisfeita para t = t0, entao φs ∈ Yω para s ≥ 0 suficientemente
pequeno (resp. s ≤ 0 suficientemente pequeno em valor absoluto). Assim,
pelo lema acima e por (4.9), temos dFω(φs)/ds∣∣∣s=0
< 0 (resp. > 0), logo Fω
nao pode assumir seu maximo em φ = φ0.
Agora, suponhamos que {t0} 6= φ−1φ(t0). Entao φ−1φ(t0) e um inter-
valo. Sejam α, β seus extremos, com α < β. Se (4.12) ou (4.13) e satisfeita
para t = t0, entao temos ψs ∈ Yω para s ≥ 0 suficientemente pequeno,
desde que tenhamos ρ com suporte em um vizinhanca suficientemente pe-
quena em torno de πφ(t0). Deste modo, pelo lema acima e por (4.10), temos
dFω(ψs)/ds∣∣∣s=0
< 0, logo Fω nao pode assumir seu maximo em φ = ψ0.
Da mesma forma, se (4.14) ou (4.15) e satisfeita para t = t0, entao pelo
mesmo raciocınio anterior temos ξs ∈ Yω para s ≤ 0 suficientemente pequeno
em valor absoluto. Pelo lema acima e por (4.11), temos dFω(ξs)/ds∣∣∣s=0
> 0,
logo Fω nao pode assumir seu maximo em φ = ξ0.
70
9o.Passo: Prova de que o maximo satisfaz a equacao de diferencas E(φ(t)) =
0 para todo t ∈ R.
Suponhamos que Fω assume seu maximo em φ. Observemos que sera
suficiente provarmos que E(φ(t)) = 0 quando t− ω, t, e t+ ω sao pontos de
continuidade de φ (logo, t e ponto de continuidade de E(φ(t))), ja que φ e
descontınua no maximo numa quantidade enumeravel de pontos e E(φ(t)) e
contınua a esquerda.
Do 8o.Passo acima, sabemos que nenhuma das condicoes ((4.12)-(4.15))
pode ser satisfeita quando t − ω, t, e t + ω sao pontos de continuidade de
φ. Isso significa que φ(t) = F0(φ(t − ω)) ⇔ φ(t + ω) = F0(φ(t)) e φ(t) =
F1(φ(t − ω)) ⇔ φ(t + ω) = F1(φ(t)), e se alguma dessas igualdades e
satisfeita, temos que E(φ(t)) = 0, pelo mesmo raciocınio usado na prova do
lema no 8o.Passo.
Em vista disso, e suficiente considerarmos um ponto t0 ∈ R tal que
F0(φ(t0 − ω)) < φ(t0) < F1(φ(t0 − ω)) e F0(φ(t0)) < φ(t0 + ω) < F1(φ(t0)), e
t0 − ω, t0, e t0 + ω sejam pontos de continuidade de φ.
Suponhamos t0 = φ−1φ(t0). Entao, se ρ tem suporte numa vizinhanca
suficientemente pequena em torno de πφ(t0), temos que φs ∈ Yω para s
suficientemente pequeno. Logo (4.9) e satisfeita. E a hipotese de que Fω
assume seu maximo em φ = φ0 implica dFω(φs)/ds∣∣∣s=0
= 0. Como E(φ(t))
e contınua em t = t0 e φ(t) e contınua em t = t0, o fato de que∫ 1
0
E(φ(t))ρ ◦ π(φ(t))dt = 0,
para todo ρ do tipo que estamos considerando, implica E(φ(t0)) = 0.
Agora, se t0 6= φ−1φ(t0), entao φ−1φ(t0) e um intervalo. Sejam α e β,
com α < β, os extremos desse intervalo. Observemos que se ρ tem suporte
em uma vizinhanca suficientemente pequena de π(φ(t0)), entao ψs ∈ Yω,
para s ≥ 0 suficientemente pequeno e ξs ∈ Yω, para s ≤ 0 suficientemente
71
pequeno. Desta forma, (4.10) e (4.11) sao satisfeitas. A hipotese que Fω
assume seu maximo em φ = ψ0 = ξ0 implica que
d
dsFω(ψs)
∣∣∣s=0
≤ 0,
d
dsFω(ξs)
∣∣∣s=0
≥ 0.
Agora, como E(φ(t)) e crescente em (α, β), temos que (4.10) implica que
E(φ(t0)) ≤ 0 e (4.11) implica que E(φ(t0)) ≥ 0. Logo, E(φ(t0)) = 0.
Isso entao completa a demonstracao do teorema principal.
4.3 Exemplos (BIS)
4.3.1 Mapeamentos standard e o modelo de Frenkel-
Kontorowa
Retomemos a famılia Fk de mapeamentos standard, dada por
x′ = x + y′ = x + y − k2π
sen(2πx),
y′ = y − k2π
sen(2πx),
ou seja, (x′, y′) = Fk(x, y), onde Fk(x, y) = (x + y − (k/2π) sen(2πx), y −(k/2π) sen(2πx)).
Quando k = 0, F0 e dado por
x′ = x+ y,
y′ = y.
Neste caso a dinamica de F0 e facil de ser compreendida. Como a segunda
coordenada e invariante, vemos que o plano fica todo folheado por retas
horizontais {y = const.} invariantes, e em cada reta os pontos se deslocam
pela translacao Ty(x) = x+ y (ver figura 4.2).
72
Figura 4.2: Mapeamento standard com k = 0.
Levando para o cilindro, temos o seguinte quadro para f0: o cilindro e
folheado por curvas rotacionais invariantes, graficos de funcoes constantes, e
os pontos se deslocam nas curvas invariantes pela rotacao Ry.
Deste modo quando y = p/q ∈ Q, a curva S1 × {y}, e toda formada por
orbitas q-periodicas. Quando y ∈ R/Q, toda orbita em S1 × {y} e densa.
Quando algo assim ocorre dizemos que o mapeamento e integravel. Tambem
sao integraveis os mapeamentos twist,
x′ = x + α(y),
y′ = y,
onde α : R → R e uma funcao estritamente crescente.
Quando aumentamos k acima (ver figura 4.3), nao temos garantias de
que as curvas rotacionais invariantes sejam preservadas. Em verdade, um
73
problema importante nas aplicacoes dos mapeamentos twist e saber quando
ocorre a preservacao das curvas rotacionais invariantes. Este e o problema
basico da teoria KAM, em suas instancias de baixa dimensao. Ela garante
que as curvas com numero de rotacao Diofantino sao preservadas, desde que
k seja suficientemente pequeno (ver [CMS], [MF]).
Figura 4.3: Mapeamento standard com k = 0.05.
Uma segunda pergunta relevante e: e quando uma curva nao e preservada,
o que ocorre ? Esta pergunta foi em parte respondida pelos conjuntos de
Aubry-Mather. Sabe-se atualmente que a quebra de curvas irracionais dao
origem a conjuntos de Aubry-Mather. Nesse sentido os conjuntos de Aubry-
Mather sao generalizacoes das curvas rotacionais invariantes irracionais.
De fato, toda orbita (ou melhor, seu levantamento para o plano) em uma
curva rotacional invariante e uma orbita minimizante. Este resultado pode
74
ser encontrado em [CMS] e em [MF].
Uma ultima consideracao a ser feita e sobre a possibilidade de inexistencia
de curvas rotacionais invariantes em um mapeamento twist. Mather provou
no caso da famılia de mapeamentos standard que para |k| > 4/3 nao existem
mais curvas rotacionais invariantes (ver [MF]).
75
Capıtulo 5
Geodesicas no toro, uma
aplicacao de mapeamentos
twist
Seguindo os passos encontrados em [Ba], veremos como os mapeamentos twist
ajudam a compreender o comportamento das geodesicas em uma superfıcie de
revolucao homeomorfa a um toro, gerada pela rotacao de uma curva fechada,
a qual chamaremos de toro de revolucao.
Para tal, consideremos γ(s) = (r(s), z(s)), s ∈ R, uma curva fechada
simples, parametrizada pelo comprimento de arco, tal que r(s) > 0; nesse
caso r e z sao funcoes periodicas, que suporemos de perıodo 2π. Seja S o
toro de revolucao gerado pela rotacao do traco de γ em torno do eixo z, e
x(θ, s) = (r(s) cos θ, r(s) sen θ, z(s))
uma parametrizacao de S.
76
Calculando os coeficientes da 1a. forma fundamental obtemos:
E(θ, s) = 〈xθ,xθ〉
= 〈(−r(s) sen θ, r(s) cos θ, 0), (−r(s) sen θ, r(s) cos θ, 0)〉
= r2(s),
F (θ, s) = 〈xθ,xs〉
= 〈(−r(s) sen θ, r(s) cos θ, 0), (−r′(s) cos θ, r′(s) sen θ, z′(s))〉
= 0,
G(θ, s) = 〈xs,xs〉
= 〈(−r′(s) cos θ, r′(s) sen θ, z′(s)), (−r′(s) cos θ, r′(s) sen θ, z′(s))〉
= (r′(s))2 + (z′(s))2 = 1.
Observemos que a ultima igualdade e valida pois γ esta parametrizada
pelo comprimento de arco.
Sejam p ∈ U ⊂ S, onde U e uma vizinhanca coordenada da parametrizacao
x, e v ∈ TpS. Consideremos o Lagrangiano,
L(p, v) =1
2||v||2 =
1
2〈v, v〉.
Como v = v1xθ + v2xs, entao o Lagrangiano L, escrito nas coordenadas
da parametrizacao e
L(θ, s, v1, v2) =1
2〈v1xθ + v2xs, v1xθ + v2xs〉,
=1
2
(E v2
1 +G v22
),
=1
2
(r2(s)v2
1 + v22
).
77
Desta forma, as equacoes de Euler-Lagrange, dadas por
d
dt
(Lv1
)= Lθ,
d
dt
(Lv2
)= Ls,
ficam expressas como
d
dt
(r2(s)v1
)= 0,
d
dt(v2) = r(s)r′(s)v2
1.
(5.1)
Manipulando a primeira equacao de (5.1) e observando que θ = v1 e
s = v2, obtemos um sistema de primeira ordem com 4 variaveis:
θ = v1,
s = v2,
v1 = −2r′(s)r(s)
v1v2,
v2 = r(s)r′(s)v21.
(5.2)
Chamaremos as orbitas do sistema acima de geodesicas. Em verdade,
estamos cometendo um abuso de definicao, pois as geodesicas sao objetos
definidos no toro de revolucao, neste caso, as geodesicas sao a imagem pela
parametrizacao x das coordenadas (θ, s) das orbitas do sistema (5.2).
Uma propriedade conhecida das geodesicas e que a norma do seu vetor
velocidade e constante. Concluımos, assim, que o Lagrangiano L e conservado
sobre as solucoes do sistema acima, ou seja, o Lagrangiano L e uma integral
primeira para o sistema. Agora, observando a primeira equacao do sistema
(5.1), vemos que a funcao I(θ, s, v1, v2) = r2(s)v1 tambem e um integral
primeira para o sistema em questao.
Ha uma importante consequencia da propriedade de conservacao de I que
e conhecida como relacao de Clairaut e que e uma ferramenta fundamental
78
para o estudo das geodesicas em superfıcies de revolucao, principalmente
devido ao seu forte apelo geometrico.
Para encontrarmos essa relacao, consideremos ϕ o angulo entre a geodesica
e os paralelos. Entao
cosϕ =〈xθ, v1xθ + v2xs〉
||xθ|| ||v1xθ + v2xs||,
=v1〈xθ,xθ〉||xθ||
√2L,
=r2(s)v1
r(s)√
2L,
=r(s)v1√
2L.
Vemos assim que a grandeza√
2L r(s) cosϕ e conservada, mas como o La-
grangiano tambem e conservado, temos entao que r(s) cosϕ = const.. Esta
e a equacao conhecida como relacao de Clairaut. Vamos elucidar sua im-
portancia com um exemplo.
Exemplo: Consideremos o hiperboloide de revolucao (ver figura 5.1), dado
implicitamente pela equacao x2 + y2 − z2 = 1. Seja p um ponto da parte
de cima do hiperboloide (z > 0), e γ uma geodesica iniciando em p, com
vetor velocidade v0. Se o angulo ϕ0 entre v0 e o paralelo que passa por p
satisfizer a equacao cosϕ0 = 1/r0, onde r0 e a distancia de p ao eixo z,
entao acompanhando γ na direcao dos paralelos decrescentes, teremos que γ
aproxima assintoticamente o paralelo x2 + y2 = 1, z > 0.
De fato, acompanhando γ nessa direcao, temos que r e decrescente. Como
r cosϕ = 1 ao longo de toda geodesica (relacao de Clairaut) segue que ϕ
tambem decresce. Observemos, agora, que nao podemos ter r = 1 em algum
ponto dessa geodesica, pois neste caso ϕ = 0 e γ tangenciaria o paralelo
x2 + y2 = 1, z > 0, que e igualmente uma geodesica, contrariando assim o
79
Figura 5.1: Hiperboloide de revolucao.
resultado de unicidade das geodesicas. Entao r > 1 sempre, o que implica
em ϕ 6= 0, logo r e monotona decrescente e limitada inferiormente. Isso
implica em ϕ → 0 assintoticamente. Como r cosϕ = 1, segue que r → 1
assintoticamente.
A introducao da variavel ϕ nos permite reduzir o sistema (5.2) para um
sistema com 3 variaveis. Como√
2L cosϕ = r(s)v1 e√
2L senϕ = v2, o
sistema (5.2) pode ser reescrito como
θ =√
2Lcosϕ
r(s),
s =√
2L senϕ,
ϕ =√
2Lr′(s)
r(s)cosϕ,
onde −π/2 < ϕ < π/2.
Deste modo, a menos de uma reparametrizacao na variavel independente,
que denotamos por t, as solucoes dos sistemas acima sao identicas para difer-
entes valores de L. Podemos portanto nos restringir ao estudo da hiperfıcie de
nıvel L = 1/2, o que equivale a considerar as geodesicas com vetor velocidade
80
de norma 1. Entao ficamos com
θ =cosϕ
r(s),
s = senϕ,
ϕ =r′(s)
r(s)cosϕ.
(5.3)
Percebemos no sistema acima que a 2a. e a 3a. equacoes estao desacopladas
da primeira. Por esse motivo estudaremos inicialmente o comportamento
qualitativo do sistema
s = senϕ,
ϕ =r′(s)
r(s)cosϕ.
(5.4)
Observemos que a funcao h(s, ϕ) = r(s) cosϕ, que define a relacao de
Clairaut, e uma integral primeira para tal sistema. Em vista disso, as orbitas
de (5.4) sao subconjuntos das curvas de nıvel de h.
Para esbocarmos essas curvas de nıvel, calculemos os pontos crıticos de
h, dados por
∇h(s, ϕ) = (∂h/∂s, ∂h/∂ϕ) = (r′(s) cosϕ,−r(s) senϕ) = (0, 0).
Como r(s) > 0 e −π/2 < ϕ < π/2, vemos que os pontos crıticos de h sao
da forma (sc, 0), onde sc e ponto crıtico da funcao r. Avaliemos a natureza
dos pontos crıticos, calculando a Hessiana de h,
Hh(s, ϕ) =
r′′(s) cosϕ −r′(s) senϕ
−r′(s) senϕ −r(s) cosϕ
.
Assim, det Hh(s, ϕ) = −r(s)r′′(s) cos2 ϕ−(r′(s))2 sen2 ϕ, portanto ∆(sc) :=
det Hh(sc, 0) = −r′′(sc)r(sc).Faremos aqui uma hipotese adicional sobre r, que consideramos nao ser
muito restritiva. Pediremos que os pontos crıticos de r tenham a segunda
derivada nao nula, isto e, se r′(sc) = 0, entao r′′(sc) 6= 0.
81
Sendo r periodica, as hipoteses sobre r garantem que entre dois maximos
existe um mınimo, ou equivalentemente, entre dois mınimos existe um maximo.
Ha duas possibilidades para os pontos crıticos de h(s, ϕ) = r(s) cosϕ:
1. se r′′(sc) > 0, ou seja, se sc e um mınimo local de r, entao ∆(sc) < 0 e
(sc, 0) e um ponto de sela de h;
2. senao, r′′(sc) < 0 e sc e um maximo local de r, de modo que ∆(sc) > 0
e ∂2f/∂s2(sc, 0) < 0, com (sc, 0) sendo um ponto de maximo local de
h.
Um esboco do diagrama de fases do sistema (5.4) e dado na figura 5.2:
PSfrag replacements
π2
−π2
s
ϕ
Figura 5.2:
Passemos a analise do sistema (5.3).
Lembremos que a funcao r(s) cosϕ tambem e uma integral deste sis-
tema. Assim, o fluxo gerado pelo sistema (5.3) fica restrito as superfıcies
r(s) cosϕ = const., ditas superfıcies de Clairaut. Para termos uma ideia de
tais superfıcies, basta estendermos as curvas de nıvel no plano (s, ϕ) (ver
figura 5.2) para o espaco (θ, s, ϕ), formando cilindros com as curvas fechadas
82
(tendo como um caso singular as curvas fechadas que contem os pontos fixo
tipo sela) e “calhas”com as demais curvas (ver figura 5.3).
Figura 5.3: Esboco das superfıcies de Clairaut.
Observando que θ = cosϕ/r(s) > 0, vemos que as orbitas do sistema
(5.3): ou enroscam indefinidamente nos cilindros, quando este nao contem
nenhum ponto de sela; ou sao assintoticos para as orbitas que passam pelo
ponto de sela; ou deslizam indefinidamente sobre as “calhas”.
Concentraremos nossa atencao nas geodesicas que deslizam sobre as cal-
has, o que equivale a dizer que deslizam sobre graficos de funcoes definidas
no plano (θ, s). Veremos que tais geodesicas pertencem a uma classe especial
de geodesicas, ditas A-geodesicas ou geodesicas de classe A.
Definicao 5.0.1 Dizemos que uma geodesica e de classe A ou uma A-geodesica
se seu levantamento para o plano tem a propriedade de minimizar o compri-
mento entre dois pontos quaisquer dela.
Seja smin um mınimo global da funcao r, logo (s, ϕ) = (smin, 0) e um
ponto de sela para funcao r(s) cosϕ. Consideremos a superfıcie de Clairaut
que contem o ponto (θ, s, ϕ) = (0, smin, 0), isto e, a superfıcie dada pela
equacao r(s) cosϕ = hmin, onde hmin := r(smin).
83
Desta forma, qualquer superfıcie de nıvel com valor abaixo de hmin e
uniao disjunta de calhas, isto e, qualquer superfıcie de Clairaut da forma
r(s) cosϕ = h, com 0 < h < hmin, e a uniao disjunta dos graficos das funcoes
G±(θ, s) = (θ, s,± arccos(h/r(s))).
A fim de fixarmos uma notacao, denotemos por G+(h) o grafico da parte
da superfıcie de Clairaut r(s) cosϕ = h, com 0 < h < hmin, acima do plano
ϕ = 0, e por G−(h), a parte abaixo do plano ϕ = 0.
Por questoes de simetria consideraremos inicialmente as geodesicas em
G+(h), onde 0 < h < hmin.
Para uma geodesica em G+(h) onde ϕ > 0, temos senϕ =√
1 − cos2 ϕ =√
1 − h2/r2(s) =√r2(s) − h2/r(s), e podemos reduzir ainda mais o sistema
(5.3), de forma a obter um novo sistema de duas variaveis:
θ =h
r(s)2,
s =
√r(s)2 − h2
r(s)= g(s, h).
(5.5)
Percebamos que a segunda equacao do sistema acima e totalmente de-
sacoplada da primeira, podendo ser resolvida de forma independente da
primeira. No entanto, o que precisamos saber das solucoes s(t) dessa equacao
e que elas sao estritamente crescentes. Para tanto, como g e 2π-periodica em
s e g(s, h) > 0, para todo h (0 < h < hmin) fixado, g e limitada inferior-
mente por uma constante estritamente positiva, ou seja, existe Kh > 0 tal
que g(s, h) ≥ Kh > 0, para todo s ∈ R. Segue portanto que as solucoes s(t)
sao estritamente crescentes.
Segue dessas observacoes que s(t) e uma funcao invertıvel. Portanto, pela
regra da cadeia, temos
dθ
ds=dθ
dt
dt
ds=
h
r(s)2
r(s)√r(s)2 − h2
=h
r(s)√r(s)2 − h2
= f(s, h),
84
onde 0 < h < hmin.
Como a funcao f nao depende de θ, as solucoes podem ser obtidas por
integracao direta, ou seja, θ(s) =∫ sf(·, h) + c. Deste modo, as solucoes
da equacao acima formam uma famılia de graficos crescentes (projecoes, no
plano ϕ = 0, das geodesicas sobre as calhas G+(h), com 0 < h < hmin), e
paralelos (quando h esta fixado).
Observemos tambem, que o quociente (θ(s + 2π) − θ(s))/2π e igual a
(1/2π)∫ 2π
0f(ξ, h)dξ, pois f e 2π-periodica na primeira variavel, e portanto
e constante (para cada h fixado). Vemos assim que as solucoes θ(s) pos-
suem uma inclinacao media (positiva), dada por (1/2π)∫ 2π
0f(ξ, h)dξ, ja que
f(ξ, h) > 0.
Tais solucoes nos permitirao obter um mapeamento twist na faixa S =
R × (0, π/2).
Inicialmente, faremos a construcao do mapeamento sem nos preocupar
com as questoes tecnicas. Antes, porem, fixemos as notacoes usadas na
construcao. Recordemos que a curva θ 7→ (smin, θ) e a projecao (no plano
ϕ = 0) de uma geodesica, cujo traco denotaremos por G0. Como r e 2π-
periodica podemos supor sem perda de generalidade que smin ∈ [0, 2π). A
curva θ 7→ (smin+2kπ, θ) tambem e a projecao de uma geodesica, onde k ∈ Z,
cujo traco denotaremos por Gk.
Construamos o mapeamento do seguinte modo: peguemos um ponto θ
sobre G0 e um angulo y ∈ (0, π/2) como na figura 5.4. Tomemos a solucao
que passa por θ e faz um angulo y com G0 em θ. Avaliemos o contato
de tal solucao com G1, isto e, avaliemos a coordenada θ′ da interseccao da
solucao com G1 e o angulo y′ que a solucao faz em G1. Definimos assim o
mapeamento F (θ, y) := (θ′, y′).
Argumentaremos porque o contato usado na construcao acima existe.
85
PSfrag replacements
G0 G1
smin smin + 2π
θ
θ
s
y
θ′y′
Figura 5.4:
Em seguida, mostraremos que F define um mapeamento twist na faixa S =
R × (0, π/2).
Percebamos que a solucao considerada acima satisfaz o problema de valor
inicial
dθ
ds=
h
r(s)√r(s)2 − h2
= f(s, h),
θ(smin) = θ ∈ R,
(5.6)
onde o parametro h ainda nao foi escolhido. Sua escolha sera determinada
pelo angulo y.
Observemos que,
y = arctan(dθ/ds(smin)) = arctan f(smin, h) = arctan(h/(hmin
√h2
min − h2)),
onde h ∈ (0, hmin). Notemos que h/(hmin
√h2
min − h2) e uma bijecao cres-
cente entre (0, hmin) e (0,∞), logo y(h) = arctan(h/(hmin
√h2
min − h2)) e
uma bijecao crescente entre (0, hmin) e (0, π/2), cuja inversa denotamos por
h(y).
Pelas consideracoes acima, e pelo fato de f(s, h) ser 2π-periodico em s, o
86
mapeamento F e dado por
F (θ, y) =
(θ +
∫ smin+2π
smin
f(ξ, h(y))dξ, y
)= (θ + α(y), y),
onde α(y) =∫ 2π
0f(ξ, h(y))dξ.
Temos, ainda, que det DF = 1, isto e, F preserva area. A condicao de
twist segue imediatamente da observacao de que α(y) e uma funcao estrita-
mente crescente.
Podemos entao afirmar que F e um mapeamento twist na faixa S = R×(0, π/2), ou, equivalentemente, que F e o levantamento de um mapeamento
twist no anel A = S1×(0, π/2). Cabe ressaltar que aqui estamos considerando
S1 como R/(2πZ).
Em verdade, podemos afirmar mais ainda: F e um mapeamento twist
integravel, e sua dinamica e de facil entendimento. Podemos ver que a faixa
S e toda folheada por retas horizontais invariantes (cujas projecoes no anel
A sao curvas rotacionais invariantes) e em cada reta os pontos se deslocam
por uma translacao (rotacoes).
Portanto todas suas orbitas sao orbitas minimizantes e monotonas, isto e,
se O = {(θi, yi)}i∈Z e uma orbita de F , entao θ = (θi)i∈Z e uma configuracao
minimal e monotona (CO) e yi = y e constante em i.
Podemos, assim, aplicar resultados sobre as configuracoes minimais para
obtermos resultados sobre as geodesicas de classe A. Estes resultados sao
classicos e se encontram em [He], a novidade esta na forma de obte-los.
Primeiramente, podemos definir a inclinacao assintotica de uma geodesica
de classe A no plano como sendo o limite lims→+∞ θ(s)/s, pois este limite
sempre existe. Vejamos, escrevendo s = 2kπ + r, com k ∈ Z e 0 ≤ r < 2π,
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teremos
θ(s)
s=
1
s
(∫ s
0
f(ξ, h)dξ + θ0
)=
1
2kπ + r
∫ 2kπ+r
0
f(ξ, h)dξ +θ0s
r∈[0,2π)=
1
2kπ
2kπ
2kπ + r
(∫ 2kπ
0
f(ξ, h)dξ +
∫ 2kπ+r
2kπ
f(ξ, h)dξ
)+θ0s
r∈[0,2π)=
1
2kπ
2kπ
2kπ + r
(k
∫ 2π
0
f(ξ, h)dξ +
∫ r
0
f(ξ, h)dξ
)+θ0s
r∈[0,2π)=
1
2π
2kπ
2kπ + r
∫ 2π
0
f(ξ, h)dξ +1
2kπ + r
∫ r
0
f(ξ, h)dξ +θ0s.
Portanto quando s→ ∞, temos k → ∞, e
lims→∞
θ(s)
s=
1
2π
∫ 2π
0
f(ξ, h)dξ.
Percebemos assim que o conceito de inclinacao media coincide com o
conceito de inclinacao assintotica. Agora, tomando o limite lims→∞ θ(s)/s
atraves da sequencia limi→+∞ θi/2πi que define o numero de rotacao da con-
figuracao θ = (θi)i∈Z, teremos lims→+∞ θ(s)/s = limi→+∞ θi/2πi = ρ(θ).
Vemos assim que a inclinacao media (igualmente a assintotica) e dada pelo
numero de rotacao da configuracao associada.
Um fato interessante e que as solucoes associadas as (p, q)-orbitas de F ,
ou equivalentemente, as solucoes associadas as configuracoes minimais com
numero de rotacao p/q se projetam no toro de revolucao dando origem a
geodesicas de classe A fechadas.
Observemos que o fato da funcao f(s, h) ser monotona na variavel h,
implica que o grafico de duas solucoes do problema de valor inicial (5.6),
para valores distintos de h, se intersectam no maximo um vez no plano (s, θ).
Este resultado e similar ao Lema Fundamental de Aubry quando aplicado as
configuracoes associadas as solucoes de (5.6).
Uma propriedade geometrica relevante das geodesicas de classe A e que
elas nao possuem auto-interseccoes transversais no toro de revolucao. Com
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efeito, seja θ(s) uma solucao de (5.6), cujo grafico se projeta numa A-
geodesica no toro de revolucao e possui uma auto-interseccao transversal. Isto
implicaria numa interseccao transversal entre o grafico de θ(s) e o grafico da
funcao s 7→ θ(s−a)+ b, para algum (a, b) ∈ (2πZ)2, o que por sua vez impli-
caria num cruzamento entre o grafico de Aubry da configuracao θ = (θi)i∈Z,
associada a solucao θ(s), e o grafico de Aubry da configuracao Ta,b(θ), con-
trariando a monotonicidade e a minimalidade da configuracao θ = (θi)i∈Z.
Para finalizar vale observar que todos os calculos realizados para as geodesicas
em G+(h), podem ser realizados para as geodesicas em G−(h), com 0 < h <
hmin, porem obterıamos um mapeamento twist integravel na faixa {(θ, y)|(θ, y) ∈R × (−π/2, 0)}. Cabe ressaltar que quando y = 0, a A-geodesica no plano
(s, θ) e um reta horizontal (inclinacao media nula), que no toro corresponde
a um meridiano.
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