Post on 12-Nov-2018
Cirurgia a laser endoscopicamente assistida para correção de palato mole
alongado e de eversão dos sacos laríngeos num bulldog francês Azevedo P (1) ; Aleixo R (2) ; Mauro M (2)1 – OneVetGroup - Clínica Veterinária de Gondomar
2 – Fozcanis – Hospital Veterinário da Figueira da Foz
Caracterização do animal
Esta cirurgia foi desenvolvida numa fêmea inteira de raça Bulldog Francês de 4 anos de idade que se apresentou no
serviço de endoscopia para diagnóstico de SOVAB e cirurgia corretiva. A cadela apresentava-se com uma respiração
ruidosa, com estridores, particularmente na inspiração, e dispneia causada pelo exercício. As análises hematológicas e
bioquímicas pré-anestésicas encontravam-se dentro dos valores normais.
Procedimento
Após indução e num plano leve de anestesia, tracionou-se a língua e recorreu-se ao broncoscópio para avaliar a
nasofarinde, faringe, traqueia e brônquios. Confirmou-se a existência de palato mole alongado cuja extremidade se
estendia para a laringe como se vê na imagem A. Os sáculos laríngeos apareciam como protusões esféricas de tecido
que obstruíam as cordas vocais, portanto confirmou-se também a dos sáculos laríngeos (imagem B), no entanto não
havia colapso ou parálise da laringe nem alterações relevantes das restantes estruturas como se pode observar nas
imagens C – traqueia, D – bifurcação brônquica, E – brônquios principais e F - nasofaringe. Depois, usou-se a um
endoscópio rígido de 2,7mm por 18cm com bainha protetora para observar o palato mole e as estruturas laríngeas e
com a língua relaxada identificou-se o ponto onde a epiglote tocava o palato. Esse ponto foi marcado com o laser por
forma a servir como referência. Tracionou-se o bordo livre do palato mole com uma pinça de Allis e seccionou-se com o
laser em modo continuo com uma potência de 15 watts desde os limites laterais até à marca (imagens G, H e I). Após a
ressecção do palato (imagem J), tracionou-se cada um dos sáculos laríngeos com uma pinça de Allis longa e
seccionaram-se estas estruturas pela base com o laser (imagens K e L). Este procedimento não é realizado
rotineiramente, no entanto considerou-se que a eversão dos sáculos contribuía para o aumento da resistência das vias
aéreas e que o animal iria beneficiar com a sua remoção. A recuperação da anestesia ocorreu sem problemas e a
função respiratória do animal era visivelmente melhor depois da cirurgia, com uma respiração mais tranquila e menos
ruídos respiratórios.
Abstract
As raças braquicéfalas são cada vez mais populares em todo o mundo, quer pela sua aparência quer pelo comportamento amistoso. No entanto as alterações nas proporções do crânio e dos tecidos moles no interior da cavidade nasal e da laringe faz
com que essas raças sejam predispostas a uma dificuldade respiratória acrescida consequência da obstrução das vias aéreas. O termo Síndrome Obstrutivo das Vias Aéreas dos Braquicéfalos (SOVAB) refere-se à combinação de alongamento do
palato mole, narinas estenóticas e eversão dos sáculos laríngeos. Outras alterações que podem estar associadas são: colapso de traqueia e colapso ou parálise da laringe. Embora esta seja uma doença já bem descrita e com tratamento cirúrgico
praticado há vários anos, muitos animais ainda apresenta restrições pós-cirúrgicas e uma qualidade de vida diminuída. O objetivo deste trabalho é evidenciar as vantagens da aplicação da cirurgia laser endoscopicamente assistida na remoção dos
sáculos laríngeos assim como outras aplicações da combinação da endoscopia com a tecnologia laser. Esta cirurgia foi desenvolvida numa fêmea inteira de raça Bulldog Francês de 4 anos de idade que se apresentou no serviço de endoscopia para
diagnóstico de SOVAB e cirurgia corretiva. Neste caso, a combinação entre a técnica endoscópica e o laser permitiu não só o diagnóstico do problema como avançar prontamente para a correção cirúrgica. Além disso facilitou a visualização das
estruturas durante o procedimento. Normalmente, a visualização neste tipo de cirurgia é complicada pela quantidade de tecido mole presente. A recuperação da anestesia ocorreu sem problemas e a função respiratória do animal era visivelmente
melhor depois da cirurgia, com uma respiração mais tranquila e menos ruídos respiratórios. A medicina humana tem usado a tecnologia laser para avanços em procedimentos minimamente invasivos guiados endoscopicamente, especialmente na
artroscopia, rinoscopia, citoscopia e endoscopia. O laser díodo é particularmente útil nestas áreas onde existe ou pode ser fornecido um ambiente fluído o que evita eventos térmicos excessivos e pode ser usado na ablação da maior parte dos
tecidos em modo de contacto. A rápida cauterização e a mínima obstrução do campo visual são possíveis através do uso deste laser. Por outro lado, o facto de ser transmitido através de uma fibra flexível permite chegar a locais de difícil localização e
o uso do endoscópio permite uma visualização direta. A energia laser pode ser aplicada através de um endoscópio para excisar tecido, fazer ablação paliativa de tecidos neoplásicos não excisáveis, colheita de amostras de tecidos, possibilitarhemóstase após biopsia punch ou tru-cut, cauterizar ou coagular tecidos com hemorragia ativa.
A B C D
E F
G H I
J K L
Comentário
A Síndrome braquicéfala refere-se a uma obstrução das vias aéreas superiores devida a uma
combinação de anomalias anatómicas observadas nas raças braquicéfalas. A hipoplasia
traqueal concorrente ou o colapso laríngeo avançado assim como outras anomalias
contribuem frequentemente para o stress respiratório. Os animais braquicéfalos têm uma face
achatada, frequentemente com narinas mal desenvolvidas e uma nasofaringe distorcida. A
estenose das narinas é uma malformação congénita das cartilagens nasais que resulta em
colapso medial e oclusão parcial das narinas externas. O fluxo de ar para a cavidade nasal é
restringido e há um maior esforço inspiratório. À medida que uma pressão negativa cada vez
maior ocorre na ventilação, as pressões intratraqueal e intrafaríngea podem se tornar altas o
suficiente para causar colapso dos tecidos circundantes. O palato mole alongado é um dos
componentes que ocorre mais frequentemente nesta síndrome e é frequentemente
diagnosticado. O palato mole alongado é puxado cranialmente durante a inspiração,
obstruindo dorsalmente a glote. Devido ao fluxo de ar turbulento, a mucosa laríngea fica
inflamada e edematosa. A eversão dos sáculos laríngeos é diagnosticada menos
frequentemente e é incomum que ocorra em isolado. O aumento na resistência à passagem do
ar e na pressão negativa gerada exteriorizam os sáculos das suas criptas e causam o seu
edema. Os sáculos obstruem o aspeto ventral da glote e causam ainda mais impedimento ao
fluxo de ar.
Embora a SOVAB seja uma doença já bem descrita e com tratamento cirúrgico praticado há vários anos, muitos animais
ainda apresentam restrições pós-cirúrgicas e uma qualidade de vida diminuída. A correção do palato mole alongado é
uma técnica relativamente simples e não requer o uso de endoscopia uma vez que essa estrutura é facilmente
visualizada. Por outro lado, a recessão dos sáculos laríngeos evertidos é relativamente simples, mas é necessário obter
uma boa visualização das estruturas da laringe e da glote. Para além disso, a manipulação excessiva destes tecidos
pode causar edema obstrutivo pós-operatório. Normalmente, a visualização neste tipo de cirurgia é complicada pela
quantidade de tecido mole presente.
Os endoscópios flexíveis que são principalmente usados para o exame detalhado de estruturas
tubulares sinuosas (intestino, árvore brônquica e uretra do canídeo macho) e os endoscópios rígidos
que são mais convenientes para explorar estruturas não tubulares como a cavidade abdominal,
torácica e o espaço articular. Neste caso, o uso de um endoscópio flexível permitiu a avaliação
completa da nasofaringe, da traqueia e da arvore brônquica. Uma avaliação inicial da faringe e laringe
pode ser realizada com um endoscópio rígido. Esta abordagem permite identificar um palato mole
alongado uma vez que esse se pode sobrepor à epiglote por uns milímetros ou até um centímetro. As
vantagens do uso da endoscopia prendem-se com a abordagem minimamente invasiva, o que permite
reduzir o trauma nos tecidos, a dor pós-operatória e o tempo de recuperação. Para além disso, na
impossibilidade de completar o procedimento cirúrgico pode se sempre recorrer à abordagem
tradicional e realizar uma cirurgia mais invasiva, sendo que a única desvantagem neste caso será o
maior tempo de anestesia do animal. Por outro lado, os endoscópios permitem o uso de acessórios
como instrumentos para biopsia, aspiração, infusão de fluidos, amostragem citológica, electrocirurgia
e cirurgia laser que melhoram a funcionalidade, a capacidade terapêutica ou diagnóstica e a
documentação dos achados.
Conclusão
Neste caso, a combinação entre a técnica endoscópica e o laser permitiu não só o diagnóstico do problema como avançar prontamente para a correção cirúrgica. Além disso facilitou a visualização das estruturas durante o procedimento, o que
normalmente é complicado pela quantidade de tecido mole presente. A medicina humana tem usado a tecnologia laser para avanços em procedimentos minimamente invasivos guiados endoscopicamente, especialmente na artroscopia, rinoscopia,
cistoscopia e endoscopia. O laser díodo está especialmente indicado na cirurgia minimamente invasiva e é particularmente útil em áreas onde existe ou pode ser fornecido um ambiente fluído o que evita eventos térmicos excessivos e pode ser
usado na ablação da maior parte dos tecidos em modo de contacto. A rápida cauterização e a mínima obstrução do campo visual são possíveis através do uso deste laser. Por outro lado, o facto de ser transmitido através de uma fibra flexível permite
chegar a locais de difícil localização e o uso do endoscópio permite uma visualização direta das estruturas. A energia laser pode ser aplicada através de um endoscópio para excisar tecido, fazer ablação paliativa de tecidos neoplásicos não
excisáveis, colheita de amostras de tecidos, possibilitar hemóstase após biopsia punch ou tru-cut, cauterizar ou coagular tecidos com hemorragia ativa. A fibra permite a aplicação de energia laser através de vários dispositivos endoscópicos e
videoscopicos. Muitos destes procedimentos são ampliados ou ocorrem em ambiente fluido. A absorção preferencial por tecidos pigmentados permite que estes sistemas sejam usados enquanto emersos, durante a irrigação. Os lasers díodo
expandem vastamente as aplicações terapêuticas e de diagnóstico dos procedimentos minimamente invasivos. O tempo de recobro e o desconforto pós-operatório são mínios. À medida que o público toma maior conhecimento da cirurgia
minimamente invasiva, a procura por este tipo de serviços vai aumentar. O laser díodo produz pode ser usado com endoscópios rígidos e flexíveis, tanto na endoscopia como na laparoscopia e esta cirurgia foi só um exemplo da aplicação da energia
laser na endoscopia e realçou algumas das vantagens da combinação destas duas técnicas.
Os lasers díodo que são usados na cirurgia geram energia laser através de voltagem aplicada
sobre um chip semicondutor geralmente composto de alumínio, gálio e arsénio que emite fotões.
Este tipo de laser já é popular entre os profissionais de grandes animais devido ao seu preço
comparativamente baixo e por isso o uso de lasers díodo em cirurgia endoscópica de equinos está
bem relatada. Os lasers díodo mais usados na cirurgia de pequenos animais têm comprimentos de
onda na ordem dos 810 nm aos 980 nm e tem outputs de 10 watts a 60 watts (comprimentos de
onda próximos da região infravermelha do espectro eletromagnético). Estes comprimentos de
onda são absorvidos preferencialmente pela hemoglobina, oxihemoglobina e melanina. Em
comparação com os lasers de CO2, criam zonas de coagulação periférica maiores (450 µm aos
600 µm) pelo que as estruturas subjacentes ao local cirúrgico devem ser consideradas durante o
planeamento do tratamento. A profundidade da interação laser tecido depende do tipo de tecido,
do tempo de exposição, do diâmetro da fibra, da potência aplicada, do tempo de exposição e do
modo de exposição (contínuo vs pulsátil). A energia laser díodo é conduzida através de uma fibra
de sílica flexível com diâmetro entre 300 microns a 1000 microns com um revestimento de plástico
ou silicone que podem ser re-esterilizadas através de técnicas de esterilização a frio ou com gás e
que permitem que a energia laser seja aplicada através de vários tipos de aparelhos
videoscópicos. A hipótese de aplicar energia laser através destes aparelhos aumentou
grandemente as opções terapêuticas para o cirurgião veterinário.
Tabela 1 - Potenciais aplicações da energia laser díodo nas técnicas cirúrgicas minimamente invasivas
Endoscopia
gastrointestinal
Remoção de pólipos pedunculados; tratamento do
tecido anormal após remoção de massa com pinça
de biópsia; controlo de ulceras hemorrágicas no
estomago e trato gastrointestinal
Endoscopia rígida
(otoendoscopia, rinoscopia,
cistoscopia, artroscopia)
Incisão e ablação de tecidos com
excelente hemóstase; excisão de massas
com instrumento de biopsia sendo o leito
tumoral posteriormente tratado com laser
ou por excisão direta; excisão de massas
polipoides; excisão massas auriculares e
tecido hipertrofiado com pouca ou
nenhuma debilitação para o paciente.
Terapia fotodinâmica Forma de tratamento de cancro que recorre ao uso
de um agente fotossensibilizante, que se concentra
selectivamente nas células tumorais, administrado
por via endovenosa, e à exposição do tecido a
energia laser. Esta exposição causa uma reação
fotoquímica que causa morte celular.
Tratamento de dor crónica Laparoscopia Hemóstase, excisão de tecidos ; terapia
intersticial (ILT) de neoplasias não
excisáveis
1
2
3
4
5
AgradecimentosUm especial agradecimento ao colega Dr. João Sampaio do Centro
Veterinário de Felgueiras + Lixa por ter permitido assistir ao procedimento
descrito e capturar as imagens usadas ao longo deste trabalho.
BibliografiaFossum T W et al. Small Animal Surgery 4th ed Elsevier 2013 ; Berger N, Eeg P Veterinary Laser Surgery A Pratical Guide Blackwell Publishing 2006 ; Tams T R, Rawlings C A Small Animal Endoscopy 3rd ed Elsevier 2011 ; Img 1 - https://thehappypuppysite.com/dog-breeds-8-things-to-avoid-when-choosing-your-puppy/ ; Img 2 -https://baggybulldogs.wordpress.com/2014/11/10/soft-elongated-pallet/ ; Img 3 - Tams T R, Rawlings C A Small Animal Endoscopy 3rd ed Elsevier 2011 ; Img 4 -http://www.medicalexpo.com/pt/prod/gigaa-laser/product-70558-491260.html ; Img 5 cortesia do Dr. João Sampaio