Post on 05-Jul-2022
CARTOGRAFANDO OS ESPAÇOS NOS COMPASSOS E DESCOMPASSOS
DAS PRÁTICAS DISCURSIVAS
Diana Sueli Vasselai Simão1
Joana Cecília Biss Silva2
Para a criança, o espaço é o que sente, o que vê, o que faz nele.
Portanto o espaço é sombra e escuridão; é grande, enorme ou, pelo contrário,
pequeno; é poder correr ou ter de ficar quieto, é esse lugar onde pode ir olhar,
ler, pensar.
O espaço é em cima, embaixo, é tocar ou não chegar a tocar; é
barulho forte, forte demais ou, pelo contrário, silêncio, são tantas cores, todas
juntas ao mesmo tempo ou uma única cor grande ou nenhuma cor...
O espaço, então, começa quando abrimos os olhos pela manhã em
cada despertar de sono; desde quando, com a luz, retornamos ao espaço.
(FORNEIRO, APUD ZABALZA, 1998, p.231)
1 INTRODUÇÃO:
Meu interesse pelo tema surgiu durante minha experiência profissional nos
espaços de educação infantil. É o que venho me desafiando nesses últimos tempos, olhar para
o espaço e trazer outras possibilidades de experiência, de estética, de materiais, de cuidado
com as pessoas que ali transitam.
Neste artigo apresento uma parte do projeto da dissertação de mestrado ainda
em andamento. Tem como tema: Problematizar as práticas discursivas dos Documentos
Oficiais (Constituição Federal de 1988, LDB de 1996 e DCNEI de 2010) e o cotidiano das
instituições de educação infantil a partir de como os sujeitos organizam os espaços.
1 Coordenadora Pedagógica no Centro de Educação Infantil Hilca Piazera Schnaider em Blumenau – SC
Cursando Mestrado na Universidade Regional de Blumenau FURB. . Grupo de Pesquisa, Politicas de Educação
na Contemporaneidade, Orientadora Profª Drª Gicele Maria Cervi .
2 Professora de Língua Inglesa da Rede Municipal de Blumenau. Mestranda em Educação pela FURB –
Blumenau – SC, Graduada em Letras pela FURB – Blumenau – SC. Grupo de Pesquisa, Politicas de Educação
na Contemporaneidade, Orientadora Profª Drª Gicele Maria Cervi .
Busca-se em Foucault entender a noção de problematização que está na base
de seu pensamento. Termo esse, utilizado em suas pesquisas nos últimos dois anos de sua
vida, e que como observa Revel (2005, p. 81), mostra forte interesse do autor de
problematizar, “não a de reformar, mas de instaurar uma distância crítica, de desprender-se,
de retomar os problemas”.
No desafio de pensar o objeto de pesquisa “espaço” como o diferente, o
singular, o descontínuo, pode-se definir a pesquisa como um método arqueológico, que
segundo Severino (2011, p. 26), se propõe a “resgatar outras dimensões da vivência humana,
supostamente negligenciada pelos filósofos modernos, como o sentimento, a paixão, a
vitalidade, as energias distintas”.
Ainda num enfoque genealógico na obra de Foucault, Revel (2005, p.52) tem
como objetivo “ativar os saberes locais, descontínuos, desqualificados, não legitimados,
contra a instância teórica unitária que pretende hierarquizar, ordená-lo em nome de um
conhecimento verdadeiro”.
A proposta é olhar para os documentos não como um memorial histórico, mas
como uma possibilidade de escavar esses documentos, retirar deles o objeto “espaço” e
perceber como ao longo do tempo fez suas rupturas, não para encontrar um caminho, uma
ordem, uma forma, mas para problematizar buscando multiplicidade, nas suas diferenças.
Com esse olhar atravesso a escrita a partir da criança e o devir-espaço, entre
discursos e práticas, espaços e mecanismos de poder.
O espaço que problematizo é o espaço da instituição de Educação Infantil
Pública. Olho para o espaço e visualizo a criança ou olho para a criança e visualizo o espaço?
Seria preciso fazer o inverso, seria preciso compreender em intensidade. Essa pesquisa pensa
o espaço a partir da criança e o quanto eles estão imbricados. Perceber se os documentos, as
práticas e os discursos acompanham os mecanismos de poder e como as atualizações desses
dispositivos atuam no cotidiano. O instrumento de coleta de dados empíricos foi observação
com registro fotográfico e grupo focal. A pesquisa foi realizada num CEI público de
Blumenau.
A observação com registro fotográfico3 foi realizada no espaço externo e
interno do CEI. Com estes dados fez-se a descrição e análise, apresentando alguns
movimentos do espaço externo e interno4.
2 CRIANÇA E DEVIR ESPAÇO
Minha provocação tem sido pensar os espaços junto com as crianças. Arrisco-
me dizer que pensar em espaços enquanto criança, já é mover os pensamentos, por mais que o
adulto organize de acordo com a lógica de gente grande a criança reinventa. Com isso preciso
pensar o impensável, saindo do meu repouso.
E parece que gente grande não entende gente pequena, sua porta de entrada
ainda é para espaços fechados, com grades, carteiras, paredes, filas, num movimento de
silenciar os corpos.
Como disse Foucault (2014, p.132) “É dócil um corpo que pode ser
submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado”. Esses
métodos que permitem esse controle são os que podemos chamar de disciplina. O momento
histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, aumenta
suas habilidades, um mecanismo que o torna tanto mais obediente quanto mais útil. A
disciplina aumenta as forças do corpo ( em termos econômicos de utilidade) e diminui (em
termos políticos de obediência). Foucault (2014).
A análise foucaultiana nos alerta para um olhar mais atento quanto as relações
de poder no cotidiano da escola e os regimes de verdade que se criam e vão se consolidando
nos discursos, nos planejamentos, na ação docente, nas práticas avaliativas, nas brincadeiras,
que buscam regular e controlar as aprendizagens das crianças.
Cabe lembrar que as sociedades disciplinares foram mudando, e Deleuze
(1997, p.223) evidencia outros tempos que marcam a sociedade de controle e nos mostra
isso através de certos tipos de máquina.
3 As fotos utilizadas são do ano de 2014.
4 Pesquisa e análise dos dados em andamento.
“(...) elas exprimem as formas sociais capazes de lhe darem nascimento e utilizá-las.
As antigas sociedades de soberania manejavam máquinas simples, alavancas,
roldanas, relógios; mas as sociedades disciplinares recentes tinham por equipamento
máquinas energéticas, com o perigo passivo da entropia e o perigo ativo da
sabotagem; as sociedades de controle operam por máquinas de uma terceira espécie,
máquinas de informática e computadores, cujo perigo passivo é a interferência, e, o
ativo, a pirataria e a introdução do vírus”,
É toda essa tecnologia que vem sendo incorporada pelos mais recentes projetos
que alimentam a sociedade de controle e atravessam sem mesmo nos dar conta. E o tempo de
viver a infância se esvazia num mundo de tarefas, tempos, documentos, resultados,
compromissos. Outras forças podem se conectar as máquinas de pensar e de viver, numa força
infinita de desterritorializar, de modo a pensar e criar outros movimentos de espaço.
Para dar visibilidade ao conceito de espaço, como possibilidade de sair do
decalque, do que está definido, busca-se o conceito de criança a partir de Larrosa, (2004) que
desafia a pensar a criança como um acontecimento, uma descontinuidade. Mas para isso é
preciso abdicar de um pensar que projeta a criança para o futuro, encaminhando-nos para a
continuidade da vida. E Larrosa (2004, p.192) ainda nos evoca a pensar na contra mão desse
olhar “que poderia resultar da inversão da direção do olhar” de perceber o que de diferente
tem nesse olhar misterioso de uma criança, “de perceber o que, nesse olhar, existe de
inquietante.” Mas isso exige a renúncia a todo modelo de criança que se projeta, e assim
possibilite um espaço múltiplo, fluído, inquietante.
Num exercício de escavar, procurar, e não oferecer uma ideia da qual bastaria
apropriar-se, mas oferecer uma tensão, uma vontade, um desejo. Trago alguns conceitos de
espaço para dialogar sobre essas questões num movimento de perceber como o espaço é
pensado para as pessoas que ali convivem. E com isso trago as palavras de Lima (1987, p.13)
que traduzem com clareza:
Não há espaço vazio, nem de matéria nem de significado; nem há espaço imutável.
Nada é mais dinâmico do que o espaço por que ele vai sendo construído e destruído,
permanentemente, seja pelo homem, seja pelas forças da natureza. Também nada
existe nem se articula fora dele. Justamente porque ninguém escapa à inevitabilidade
de viver e de se relacionar com pessoas e objetos num espaço material e concreto,
carregado de significado.
A organização do espaço busca alternativa, se permite experimentar, correr
riscos, esvaziar-se e começar de novo, numa dose de aventura, redescobrindo possibilidades
para encontrar outros saberes, outras sensibilidades. Assim talvez seja possível olhar o espaço
na perspectiva de desafiar a criança num movimento de liberdade e não de opressão, tão
comuns nos espaços de educação infantil.
Para Horn (2004) os espaços devem permitir ao professor um olhar atento e
sensível, portanto, qualquer professor tem, na realidade, uma concepção pedagógica
explicitada no modo como planeja suas aulas, na maneira como se relaciona com as crianças,
na forma como organiza seus espaços na sala de aula.
De acordo com Faria ( 2007, p.79), nas muitas discussões para a infância, o
espaço tem sido uma ferramenta fundamental para se pensar a educação das crianças e suas
aprendizagens.
O espaço, externo e interno, deve permitir o fortalecimento da independência das
crianças: mesmo sendo seguro, não precisa ser ultraprotetor, isto é, em nome da
segurança não deve impedir experiências que favoreçam o autoconhecimento dos
perigos e obstáculos que o ambiente proporciona. Assim, as crianças, vão aprender,
por exemplo, a subir e descer dos móveis que estão na altura do adulto, vão aprender
a tomar cuidado redobrado quando pegarem uma faca ou tesoura com ponta e corte
etc.
Faria neste livro “Educação Infantil Pós-LDB: Rumos e Desafios” apresenta
uma discussão viva para aquele momento histórico. Com as DCNEI (2010), percebe-se uma
consonância com a escrita do documento.
Hoje em Deleuze e Guattari encontro algumas possibilidades de pensar e
escrever o espaço de uma forma que se pretenda inquietar, distanciados de qualquer
pretensão de objetividade, de universalidade e verdade. E Shopke (2012, p. 14) nos atenta:
“precisamos ser cuidadosos na compreensão dos conceitos deleuzianos. Afinal, tal como ele
próprio afirmou, os conceitos precisam ser inventados, e isso não se faz senão no embate, no
confronto”. É preciso mover o olhar abrindo mão de um pensamento territorializado, num
convite de nos desterritorializar
Nos espaços escolares, onde as crianças tentam saídas nos seus movimentos de
fuga, de um olhar não convencional em que o adulto insiste em fixar, em ordenar. Parece que
estamos o tempo todo nos territorializando, procurando caminhos, trajetos, marcando nossos
lugares, programando nossas vidas. Pensar nos espaços é buscar esse emaranhado que às
vezes são raízes e às vezes são rizomas que ainda se apresentam e se confundem, hora são
mapas, horas são decalques.
E assim poderia pensar no espaço liso e estriado – que por vezes se marcam
numa oposição simples, outras vezes mais complexa, lembrando que só existem graças às
misturas entre si: “o espaço liso não para de ser traduzido, transvertido num espaço estriado; o
espaço estriado é constantemente revertido, devolvido a um espaço liso” (...) as razões da
mistura que de modo algum são simétricas, e que fazem com que ora se passe do liso ao
estriado, ora do estriado ao liso, graças a movimentos inteiramente diferentes. Deleuze e
Guattari (1997, p.180). O espaço liso é ocupado por acontecimentos, não busca uma precisão,
um formato, uma propriedade, enquanto que o espaço estriado é algo que pode ser mensurado,
medido.)
3 ENTRE DISCURSOS E PRÁTICAS
É importante ressaltar que as instituições de educação infantil começam a ter
visibilidade e foco de estudo no contexto histórico a partir da abertura política, década de 80
no Brasil, que trouxe um novo ordenamento legal iniciado com a Constituição Federal (CF)
de 1988 que se desmembra através do Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), pela Lei
Orgânica da Assistência Social (1993) e pela lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB,
1996). Marca o reconhecimento da Educação Infantil no atendimento em creches e pré-
escolas, passando a serem respeitados como cidadãos, sujeito de direitos.
A Constituição Federal (CF) de 1988 não traz o termo “espaço” em seu texto,
mas aborda a preocupação com o estabelecimento dos direitos sociais e o atendimento da
criança pequena menor de seis anos de idade. Percebe-se a presença espaço a partir das
organizações das idades, dos tempos, dos materiais, que esquadrinham , classificam e marcam
o lugar de cada criança.
Art. 227 – É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-la salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, CF, 1988, art.208)
Observa-se que após a Constituição Federal, a criança passou a ser concebida
como sujeito de direitos e destaca-se ainda que é dever do estado oferecer atendimento
educacional em creches e pré-escolas às crianças menores de seis anos, através de ações
complementares que envolvam a família, a sociedade e o estado.
Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB)- Lei nº 9.394 de
1996 percebe-se que foi ela que trouxe, pela primeira vez, o termo educação infantil como
instrumento legal. A tradução deste direito em diretrizes e normas, no âmbito da educação
nacional, representa um marco para a educação infantil em nosso país.
Art. 29º. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem como
finalidade o desenvolvimento integral da criança até seis anos de idade, em seus
aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família
e da comunidade.
Art. 30º. A educação infantil será oferecida em: I - creches, ou entidades
equivalentes, para crianças de até três anos de idade; II - pré-escolas, para as
crianças de quatro a seis anos de idade.
Art. 31º. Na educação infantil a avaliação far-se-á mediante acompanhamento e
registro do seu desenvolvimento, sem o objetivo de promoção, mesmo para o acesso
ao ensino fundamental. (Brasil, LDB, 1996)
Como aponta Cerisara (2002) “a partir das deliberações encaminhadas dessas
duas leis e das suas consequências para a área que os desafios e perspectivas têm sido
colocados”. Dentro deste contexto das reformas educacionais situo o RCNEI como mais
uma ação do governo FHC. Vale ressaltar que esse documento produzido pelo MEC integra
a série de documentos Parâmetros Currriculares Nacionais. A fim de orientar as concepções
e práticas, o Ministério da Educação (MEC) lança a Resolução nº 5, de 17 de dezembro de
2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
Algumas observações sobre o Relatório do Parecer do CNE/CEB nº 20/2009
da revisão das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil.
As instituições de Educação Infantil devem tanto oferecer espaço limpo, seguro e
voltado para garantir a saúde infantil quanto se organizar como ambientes
acolhedores, desafiadores e inclusivos, plenos de interações, explorações e
descobertas partilhadas com outras crianças e com o professor. Elas ainda devem
criar contextos que articulem diferentes linguagens e que permitam a participação,
expressão, criação, manifestação e consideração de seus interesses. (Parecer do
CNE/CEB nº 20/2009 MEC 2009, p. 12)
Também podemos perceber a ideia de proteção à infância presente na
legislação, embora parece natural é preciso fazer um olhar, pois a infância historicamente tem
se revelado como uma categoria que necessita ser controlada e regulada.
Na disciplina, os elementos são intercambiáveis, pois cada um se define pelo lugar
que ocupa na série, e pela distância que o separa dos outros. A unidade não é
portanto nem o território (unidade de dominação), nem o local (unidade de
residência), mas a posição na fila: o lugar que alguém ocupa numa classificação, o
ponto em que se cruzam uma linha e uma coluna, o intervalo numa série de
intervalos que se pode percorrer sucessivamente. A disciplina, arte de dispor em fila,
e de técnica para a transformação dos arranjos. Ela individualiza os corpos por uma
localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de
relações... (FOUCAULT, 2004a, p.125).
Analisando os documentos percebe-se que as concepções de infância são
reflexos dos discursos que se anunciam sobre ela e que tem orientado as práticas cotidianas
de atenção e de cuidados para a criança. Gondra (2010) em seus estudos ajuda a mostrar as
visões que naturalizam a vida e a infância.
É certo que o saber médico organizou uma representação da vida e da infância,
construindo uma grade de inteligibilidade para ambas que, em muito colonizou
nosso pensamento, instaurando uma espécie de verdade no que se refere à vida e à
infância, em relação à qual é muito difícil instaurar uma diferença. (...) o
aparecimento e o desenvolvimento das potências da vida parece não obedecer ao
doce e monótono ritmo do relógio e de nossa forma tradicional de contabilizar o
tempo. (GONDRA, 2010, p.201)
4 ESPAÇOS E MECANISMOS DE PODER
Num desejo de cartografar, de pensar como os espaços foram organizados a partir da abertura
política é que trago o que vivi na década de 1990 como coordenadora pedagógica nos espaços
de educação infantil5. Assim a pesquisadora pode adentrar numa viagem ao tempo, reativando
a memória, buscando sentidos, recuperando práticas, num movimento de desconstrução de um
5 Nomenclaturas utilizadas pela Secretaria de Educação no município de Blumenau. Nos anos 80: Centro Social; nos anos 90 Unidade Pré Escolar e a partir de 1995 Centro de Educação Infantil.
sistema de regras e critérios, assumindo o papel que perpassa por um olhar criterioso, secreto,
não visto.
Ao entrar nos espaços de educação infantil nos anos 90 o que se via eram salas
com muitas crianças, com poucos objetos o, apenas com ganchos para pendurar mochilas de
roupas, armários que eram guardados os materiais das professoras e das crianças.
Com a passar dos anos as salas foram se modificando, com espaços para guardar
brinquedos, cantos para casinha, para salão de beleza, lembrar que os cantos, espaços estes,
em que as brincadeiras mais utilizadas eram de reproduzir atividades domésticas, como lavar,
passar, cozinhar, etc. Esses cantos às vezes permaneciam na sala o ano inteiro e com os
mesmos cenários.
Figura 1: Canto das bonecas na Turma de 4 a 5 anos
Fonte: Arquivo pessoal
Esse canto possuem vários brinquedos como: bonecas, banheiras, que estão dentro
de caixas fixadas na parede. O que chama a atenção, que está na caixa mais ao alto são loucinhas
de barro ao alcance das crianças. Na prateleira enfeitada com fios de malha são brinquedos e
jogos. O acesso de entrada das crianças não tem porta e sim uma cortina feita de tecido
simbolizando a porta.
E nas palavras de Lima (1989, p. 38 e 39) os espaços escolares buscam: “uma
padronização na forma e na organização das salas, fechando as crianças para o mundo,
policiando-as, disciplinando-as”. “(...) assim a infância é tratada como uma doença a ser
curada, um estado de desvio a ser corrigido.” E cada vez mais estratégias são utilizadas para
manter o corpo sem movimento, se busca um controle, um domínio para deter os corpos.
Também posso lembrar as salas, tudo muito claro, paredes brancas, os cheiros de
produto de limpeza era o que predominava naquele ambiente, o chão com piso de madeira
sempre tinha um brilho, janelas muito altas para que as crianças não pudessem alcançar,
impedindo assim o olhar curioso das crianças, a mesa da professora no fundo da sala ainda se
encontra nos dias de hoje.
Confirmando as afirmações de Lima (1989, p.58) “todo o esquema espacial
reflete a relação de autoridade, de disciplina” (...) o condicionamento a disciplina dá o tom
geral dos espaços escolares.
Nas salas das crianças até três anos de idade, com nomenclatura creches, que
acompanhava essa subdivisão: Berçário – 0 a 1 ano; Maternal I – 1 a 2 anos; e Maternal II – 2
a 3 anos, se diferenciavam da sala dos maiores principalmente porque ficava quase o tempo
inteiro dentro da sala (alimentação, higiene, recreação). A sala do Berçário era o espaço com
o maior cuidado quanto à higiene e posso lembrar de uma das regras de que para entrar na
sala dos bebês tinha que fazer uso do propé ( material feito de malha ou tnt para calçar)
utilizado contra a propagação de microorganismos e sujidades. E os berços, eram muitos, um
para cada criança, diminuindo assim o espaço para a criança movimentar-se. Eram poucos os
brinquedos e a maioria de borracha, só eram disponibilizados nos momentos que a professora
desejasse. Espaços mais preocupados em domesticar do que libertar.
Figura 2: Portão da turma dos bebês
Fonte: Arquivo pessoal
Nesta sala tem porta e portão, na maioria do tempo a porta está aberta, e o
portão sempre se encontra fechado.
Na sala do Maternal I e II, muitos eram os pinicos, numa concepção de que
todas as crianças tivessem vontade na mesma hora de suas necessidades fisiológicas. Quanto
aos brinquedos eram sempre os mesmos e com um número bem reduzido, e o critério de
escolha era para que fossem bem fortes, assim impediam a criança de estragar.
As salas de pré-escolas, para as crianças de quatro a seis anos que contavam
com turmas em Jardim I, Jardim II Jardim III, essas salas não se diferenciavam muito, então
descrevo para as três. Com mobiliário de mesas e carteiras de madeira, as crianças sentavam
em grupos de quatro crianças. Brinquedos eram em número pequeno e o que se via eram
bonecas, carrinhos, bolas. Alguns jogos, brinquedos, revistas vinham das famílias, da
comunidade, eram materiais que não serviam mais e a creche era o espaço para receber esses
materiais, em bom ou mau estado. Todos esses materiais ficavam em espaços que as crianças
não tinham acesso, a professora é que decidia quando utilizar com as crianças.
Figura 3: A cabana do espaço externo
Fonte: Arquivo pessoal
Uma cabana feita de estrutura de madeira, com duas trepadeiras que cobriram o
teto da mesma. Embaixo possui brinquedos e muitos materiais como: tijolos, tocos, pedaços
de madeira, papelão, potes variados, chaleira, panelas grandes e pequenas, algumas colheres
de plástico, bacias, baldes, etc.
4 PROBLEMATIZANDO OS ESPAÇOS
Por meio de uma análise das fotos procuro problematizar os espaços a partir da
sociedade disciplinar que se reatualiza para a sociedade de controle. A disciplina tenta
resolver os problemas através do confinamento dos espaços, e podemos perceber isso na sua
arquitetura, investe cada vez mais em espaços que disciplinam, hierarquizam, individualizam
(cada criança na sua cadeira, no seu berço, nas brincadeiras de competição). A escola é uma
instituição que tem articulado com eficiência as relações de saber e poder e utiliza
dispositivos disciplinares que visam, segundo Foucault, tornar o exercício do poder menos
custoso. Para esse autor, “São espaços que realizam a fixação e permitem a circulação;
recortam segmentos individuais e estabelecem ligações operatórias; marcam lugares e
indicam valores, garantem a obediência dos indivíduos, mas também uma melhor economia
dos tempos e dos gestos.” (Foucault, 2014, p.142).
Na foto 1 - Banheira em prateleira de ferro, espaços com cantos, cortina de fios,
canto da fantasia com caixas, roupas de adultos, perucas, bijuterias. Neste espaço não tem
porta, a cortina inibi a passagem. A criança mesmo sabendo que pode entrar, não entra, qual
o controle que exerce sobre ela? Segundo Deleuze ( 1997, p. 223) Há uma mudança de
natureza do próprio poder, que não é mais hierárquico, e sim disperso numa rede planetária,
difuso. “O homem da disciplina era um produtor contínuo de energia, mas o homem do
controle é antes ondulatório, funcionando em órbita, num feixe contínuo”.
Na foto 2 – Criança, portão, adulto do lado oposto onde permite sair. Segundo
Foucault as sociedades disciplinares, esquadrinham, demarcam.. Ao descrever essa foto os
dispositivos disciplinares de Foucault (2014) se mostram na infância. “Os lugares
determinados se definem para satisfazer não só a necessidade de vigiar, de romper as
comunicações perigosas, mas também de criar um espaço útil. Este espaço útil serve para
controlar os corpos, para demarcar as hierarquias do saber e do poder nas instituições
escolares.”
Nos espaços escolares, onde as crianças tentam saídas nos seus movimentos de
fuga, de um olhar não convencional em que o adulto insiste em fixar, em ordenar. Busco um
movimento de inquietação para pensar outros percursos e outras contribuições para
construção dos espaços.
5 Tentando concluir
Penso que não cheguei ao fim, portanto não concluo, não encerro, muitas
reticências. Como me propus na introdução do artigo busco no conceito de rizoma algo que
não está pronto, que vai se fazendo, provocando um olhar diferente sobre aquilo que está
dado. No rizoma são múltiplas as linhas de fuga, portanto as possibilidades são múltiplas.
Assim o espaço pode ser pensado a partir de um rizoma, como nos aponta Deleuze e Guatari
(1997, p.48).
Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre coisas,
inter-ser, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente
aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção
“e... e... e...”. Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo
ser. Para onde vai você? De onde você vem? Aonde quer chegar? São questões
inúteis.
Há nesta conjunção força suficiente para sacudir e desenraizar o verbo ser.
Espaços esses que não buscam uma rota, um caminho, uma repetição, um trajeto, mas se
aventuram nos descaminhos, fazendo emergir novos movimentos, querendo ir mais
longe, ou seja, passamos a vê-lo de forma diferente.
Problematiza-se sobre a necessidade de participação das crianças no
planejamento, nas brincadeiras, valorizando como seres ativos, capazes de questionar,
criar, investigar. Pressupõem-se que a criança, juntamente com os adultos, pode ser
protagonista na tomada de decisões e nas ressignificações dos modos como o espaço vai
se (re)construindo.
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