Post on 11-Jan-2017
Universidade de So Paulo
Instituto de Fsica
Carbonatos em altas presses comopossveis hospedeiros de carbono
no interior da Terra
Michel Lacerda Marcondes dos Santos
Orientadora: Profa. Dra. Lucy Vitria Credidio Assali
Tese apresentada ao Instituto de Fsica da
Universidade de So Paulo para a obteno
do ttulo de Doutor em Cincias
Banca Examinadora:
Profa. Dra. Lucy Vitria Credidio Assali (IFUSP)Prof. Dr. Armando Corbani Ferraz (IFUSP)Profa. Dra. Helena Maria Petrilli (IFUSP)Prof. Dr. Fernando Rei Ornellas (IQUSP)Profa. Dra. Lara Khl Teles (ITA)
So Paulo
2016
Dedico este trabalho ao meu pai Jorge Marcondes dos Santos e minha me Nair
Lacerda Marcondes dos Santos.
Agradecimentos
Os meus agradecimentos:
minha me, minha irm e minha namorada, Tamires,pelo apoio quando mais precisei.
Profa. Lucy V. C. Assali, pela orientao e pacincia emtodos estes anos que trabalhamos juntos.
Ao Prof. Joo Francisco Justo pelas valorosas discusses esugestes.
Profa. Renata Wentzcovitch pela grande contribuio aosupervisionar meu estgio sanduche na universidade de Minnesota.
Ao meu grande amigo Marcelo Meireles dos Santos, que muitome ajudou nessa caminhada, desde os tempos de graduao.
Ao meu amigo Samuel Silva dos Santos, com quem tive diver-sas conversas que proporcionaram muitas ideias para este projeto.
Aos colegas Joelson Cott e Rolando Larico, pelas diversasdicas e sugestes sobre os clculos aqui apresentados.
A todos meus amigos e amigas.
Sandra e Rosana, secretrias do Departamento de F-sica dos Materiais e Mecnica, e ao pessoal da Comisso de Ps-Graduao, Cludia, Andrea, ber, Paula e Renata, pelo suporte narea administrativa.
Ao Laboratrio de Computao Cientfica Avanada (LCCA-USP) e ao Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenhode So Paulo (CENAPAD-SP), pelas facilidades computacionais.Ao Minnesota Supercomputing Institute por grande parte do tempocomputacional.
Ao CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.
ndice
Resumo v
Abstract vii
1 Introduo 1
2 Fundamentos tericos e metodologia 15
2.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
2.2 Aproximao de Born-Oppenheimer . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
2.3 Equao de Schrdinger eletrnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
2.4 Teoria do Funcional da Densidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.4.1 Teoremas de Hohenberg e Kohn . . . . . . . . . . . . . . . 18
2.4.2 Equaes de Kohn - Sham . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.4.3 Mtodos de Pseudopotencial . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.5 Propriedades termodinmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
2.5.1 Clculo de fnons por primeiros princpios . . . . . . . . . . 34
2.6 Teoria elstica de cristais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.6.1 O tensor de deformao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
2.6.2 O tensor de stress . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
2.6.3 Materiais isotrpicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45
2.6.4 Equaes de movimento de um sistema isotrpico . . . . . 49
2.6.5 Materiais anisotrpicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
2.6.6 Equaes de movimento de um sistema anisotrpico . . . . 53
2.7 Equaes de Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55
i
2.8 Detalhes computacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.8.1 Parmetros de convergncia . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
2.8.2 Minimizao estrutural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
2.8.3 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61
3 Propriedades do MgSiO3 63
3.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
3.2 Propriedades estruturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
3.3 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66
3.4 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69
3.5 MgSiO3 sob presso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72
3.5.1 Propriedades estruturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73
3.5.2 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
3.5.3 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77
3.6 Transio de fase estrutural do MgSiO3 . . . . . . . . . . . . . . . 81
3.7 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86
4 Compostos de carbono em altas presses 89
4.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
4.2 Cristal de MgCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90
4.2.1 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93
4.2.2 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94
4.2.3 Comportamento do MgCO3 sob altas presses . . . . . . . 99
4.3 Cristal de CaCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115
4.3.1 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
4.3.2 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118
4.3.3 Comportamento do cristal sob altas presses . . . . . . . . 122
4.4 Cristal de MgCa(CO3)2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
4.4.1 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132
4.4.2 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134
4.4.3 Estabilidade da dolomita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138
ii
4.5 Impurezas de carbono no MgSiO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140
4.6 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148
5 Estabilidade de compostos de carbono em altas presses 153
5.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153
5.2 Compostos de carbono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154
5.2.1 Dixido de carbono em altas presses . . . . . . . . . . . . 154
5.2.2 Oxignio a altas presses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
5.2.3 Interaes de van der Waals . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
5.3 Propriedades termodinmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167
5.3.1 MgCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168
5.3.2 CaCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175
5.4 Propriedades elsticas a altas temperaturas . . . . . . . . . . . . . 184
5.5 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
6 Concluso 197
A Aproximaes LDA e GGA 201
A.1 Aproximao da Densidade Local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202
A.2 Aproximao do Gradiente Generalizado . . . . . . . . . . . . . . . 203
B Constantes elsticas 207
Referncias Bibliogrficas 209
iii
Resumo
O estudo do interior da Terra apresenta diversos desafios, principalmente de-
vido impossibilidade de observaes diretas de suas propriedades. Ondas
ssmicas liberadas por terremotos so a melhor fonte de informao sobre a
estrutura do planeta, mas sua correta interpretao depende do conhecimento
das propriedades de seus elementos constituintes. Entretanto, estes estudos
devem ser feitos nas condies extremas de temperatura e presso do interior
terrestre, condies difceis de serem alcanadas em laboratrio. Neste con-
texto, o estudo terico de materiais tem sido muito importante na elaborao de
modelos sobre a estrutura interna da Terra e na correta interpretao de dados
ssmicos.
Pesquisas recentes tm mostrado que a quantidade de carbono no manto
inferior da Terra maior do que se pensava anteriormente, e importante com-
preender seus efeitos no interior profundo da Terra. Apesar da importncia de
entender os efeitos do carbono no interior da Terra, existem poucos estudos
deste elemento nestas condies extremas de presso e temperatura. Neste
trabalho, utilizamos mtodos e tcnicas da fsica do estado slido para estudar
as propriedades de compostos de carbono nas condies de presso e tempe-
ratura do manto inferior terrestre.
Estudamos, primeiramente, as propriedades estruturais, eletrnicas e elsti-
cas do MgSiO3 nas estruturas perovskita e ps-perovskita, considerado o prin-
cipal mineral do manto inferior. Os resultados obtidos para as velocidades acs-
ticas neste mineral mostraram variaes maiores em relao s direes crista-
linas, quando comparadas com mudanas devido transio de fase estrutural.
Isso indica que uma orientao preferencial dos eixos (anisotropia) pode ajudar
a explicar algumas regies com aumento descontnuo nas velocidades ssmi-
v
cas.
Posteriormente, foram obtidas as propriedades do MgCO3 e do CaCO3 em
suas estruturas mais estveis, em funo da presso. Nossos resultados fo-
ram comparados com os do MgSiO3, mostrando que carbonatos de clcio e de
magnsio so estveis nas condies do manto terrestre e que sua formao
energeticamente favorvel. Resultados dos clculos dos coeficientes elsticos
e das velocidades acsticas nestes minerais mostram que as velocidades so
menores que aquelas no MgSiO3. Dessa forma, em regies ricas em carbono
deve ocorrer a formao destes carbonatos e, por conseguinte, as velocidades
ssmicas seriam menores nessas regies. Isso pode explicar a existncia das
zonas de baixa velocidade na fronteira do manto inferior com o ncleo. Foram
estudadas, tambm, as consequncias da introduo de efeitos trmicos. En-
tretanto, obteve-se que os resultados no apresentam alteraes significativas,
de modo que mesmo nas altas temperaturas do interior da Terra nossas conclu-
ses permanecem vlidas, onde propomos que as regies de baixa velocidade
no manto inferior possam ser provocadas pela presena de carbono na forma
de carbonatos e que a formao destes seria um modelo adicional para explicar
onde e como o carbono pode ser armazenado no manto profundo.
vi
Abstract
Investigations on the Earths interior face several challenges, especially due to
the infeasibility of direct observations of its properties. Earthquake seismic wa-
ves are the best information source about our planets structure, but its correct in-
terpretation depends on the knowledge of its forming elements. However, these
studies must consider the extreme pressures and temperatures of the Earths
interior, hard to achieve experimentally. In this way, theoretical methods have
emerged as an essential tool in elaborating models for the Earth internal struc-
ture and in the correct interpretation of seismic data.
Recent studies have shown that the Earth must have much more carbon
than previous thought, and it is important to understand its effects on the Earths
deep interior. Despite its importance, there are few studies on carbon in these
extreme conditions of pressure and temperature and on its effects in the Earths
interior. In this investigation, we use theoretical solid state physics methods to
investigate the properties of carbon compounds in the pressure and temperature
conditions of Earths deep interior.
First of all, we studied the electronic and elastic properties of MgSiO3 in the
perovskite and post perovskite structures. This silicate is considered the main
mineral in the Earths lower mantle. Our results show that seismic velocities have
a larger variation with respect to the propagation direction than that with the
phase transition. This indicates that a lattice preferred orientation can explain
some seismic discontinuities.
Thereafter, the properties of the MgCO3 and CaCO3 minerals were obtai-
ned in their more stable structures with respect to pressure. The results were
compared with those of the MgSiO3, showing that calcium and magnesium car-
bonates are stable in the Earths mantle and that their formation is energetically
vii
favorable. The elastic coefficients and the acoustic velocities in these carbona-
tes show seismic velocities considerably lower than those in the MgSiO3. In this
way, in regions with high carbon concentration the formation of carbonates could
favorably occur and therefore the seismic velocities would be lower in those re-
gions. This may explain the existence of low velocity zones near the bottom of
Earths lower mantle. We also studied the consequences of the introduction of
thermal effects. However, our results do not show any significant variation with
temperature. Hence, even in the high temperatures of Earths interior, our con-
clusions are still valid where we propose that low velocity regions can be caused
by the presence of carbon in the form of carbonates. Its formation could provide
an additional model to explain where and how carbon can be stored in the deep
mantle.
viii
1 IntroduoScience, my lad, has been built upon many errors; but they are errors which it was
good to fall into, for they led to the truth.
Jules Verne, A journey into the Interior of the Earth, chap XXXI
A humanidade sempre buscou entender o planeta em que vivemos. Desde a
Grcia antiga vem-se desvendando as caractersticas da Terra. Erastteles, por
exemplo, calculou seu dimetro com uma preciso incrvel para a poca, ob-
tendo o valor de 6237 km [1] (o valor atual 6378,1 km [2]). Conforme o desen-
volvimento das civilizaes, o conhecimento acerca do planeta foi crescendo.
Todavia, todo o conhecimento estava concentrado na superfcie do planeta e
muito pouco era conhecido sobre o interior da Terra, sendo inclusive comum se
pensar que a Terra era oca por dentro.
O estudo preciso da estrutura interna da Terra s se tornou possvel quando
seu volume e sua massa foram bem determinados, pois o conhecimento da den-
sidade do planeta importante para o clculo de diversas outras propriedades,
tais como rigidez, compressibilidade, velocidades ssmicas, entre outras. O di-
metro da Terra j era conhecido, no s pelos clculos de Erastteles, como por
diversos outros [3]. Entretanto, a determinao de sua massa s foi possvel a
partir da teoria da gravitao de Newton. O prprio Newton props um mtodo
para se determinar a massa da Terra a partir da inclinao de um prumo ao lado
de uma montanha. Cavendish, com seu famoso experimento do pndulo de tor-
o calculou a densidade da Terra como sendo = 5, 5 g/cm3 [4]. A densidade
mdia das rochas na crosta terrestre de 2 a 3 g/cm3, assim este resultado
1
Captulo 1: Introduo
mostrou que a densidade do interior da Terra deve ser da ordem de duas ve-
zes a densidade da superfcie. Pode-se chegar mesma concluso atravs
de clculos do momento de inrcia do planeta. O momento de inrcia de uma
esfera perfeita e homognea, de raio r e massa M, 0, 4Mr2. Podemos, em
um modelo aproximado, supor a Terra como uma esfera e considerarmos seu
momento de inrcia mdio na forma I = yMr2, onde y = 0, 4 corresponderia
uma esfera homognea. Atravs de estudos sobre a dinmica do movimento
da Lua e da Terra obtm-se o valor y = 0, 3308 [2], o que implica numa maior
densidade no interior da Terra do que na superfcie. Assim, possvel concluir
que o material existente nas regies profundas deve ter uma densidade rela-
tivamente maior que os encontrados na crosta do planeta. O primeiro clculo
terico da densidade do interior da Terra foi feito por Wiechert [5]. Ele assumiu
que a Terra composta por um ncleo metlico, com densidade praticamente
constante, cercada por um manto rochoso, com densidade tambm no muito
varivel. Com a introduo de mais algumas suposies, ele concluiu que a
razo entre o raio do ncleo e a espessura da crosta deveria estar entre 3 e 4
e, assim, a densidade mdia do ncleo deveria ser um pouco maior do que 8
g/cm3. Esta a densidade esperada se o ncleo for composto for ferro compri-
mido. Deste modo, Wiechert inferiu que a Terra composta por um ncleo de
ferro de cerca de 5000 km cercado por uma crosta de 1400 km.
No entanto, o conhecimento atravs da observao direta s possvel at
alguns kilmetros abaixo da superfcie. Por isso, o conhecimento que se tem do
interior terrestre est essencialmente baseado em estudos geofsicos indiretos.
Isso torna difcil a determinao precisa da estrutura interna da Terra. A maioria
das informaes sobre as propriedades de regies profundas do planeta so
obtidas atravs da observao de fenmenos que ocorrem na superfcie. Por
exemplo, uma das principais fontes de informao da estrutura interna da Terra
so as ondas ssmicas liberadas por terremotos ou causadas por exploses ar-
tificiais. Terremotos irradiam energia ssmica como ondas de vrios tipos que se
movem de diferentes maneiras. Os dois tipos principais de ondas so as ondas
de "corpo ou volume" e as ondas de superfcie. As ondas de superfcie so on-
das de baixa frequncia, propagam-se pela superfcie, a partir do epicentro de
um sismo, e deslocam-se mais lentamente que as ondas de corpo, que so as
2
Captulo 1: Introduo
ondas que se propagam pelo interior da Terra. Atravs do estudo de medidas
de diferentes propriedades destas ondas pode-se obter diversas informaes
sobre o interior do planeta [6].
As ondas de superfcie podem ser de dois tipos, as chamadas ondas de
Rayleigh e as ondas de Love e so utilizadas para estudar a crosta terrestre,
enquanto que as ondas de corpo so as mais importantes para estudos geof-
sicos. Existem dois tipos de ondas de corpo possveis, descritas teoricamente
por Poisson em 1828, em seus estudos sobre elasticidade. Ele descreveu estes
dois tipos de onda, que podem se propagar em um meio isotrpico elstico, que
so chamadas de ondas P (primrias) e ondas S (secundrias). As ondas P so
ondas de compresso e a deformao do meio se d na direo de propagao
da onda. J as ondas S so ondas em que a deformao se d perpendicular-
mente direo de propagao, por isso tambm so chamadas de ondas de
cisalhamento. A caracterstica mais marcante das ondas S o fato delas no
se propagarem em meios lquidos ou gasosos, pois nestes estados fsicos da
matria a tenso de cisalhamento nula.
Estes dois tipos de ondas foram detectadas por Oldham, em 1901, que em
1906 elaborou a primeira tentativa de se determinar a estrutura interior da Terra,
atravs da anlise das ondas ssmicas [7]. Detectando um atraso substancial
no tempo de chegada de ondas P em uma distncia angular maior que 120 do
epicentro de um terremoto, ele concluiu que a Terra possui uma regio central
(ncleo), onde a velocidade das ondas P consideravelmente menor que na
sua vizinhana. Ele ainda estimou que o raio deste ncleo deveria ser de 1600
km. Mais tarde, essa regio ao redor do ncleo foi chamada de manto terrestre.
A figura 1.1 mostra, esquematicamente, a propagao das ondas ssmicas e
como elas tm sido usadas para se inferir a estrutura interna da Terra. Uma
onda P que chega ( detectada) em uma distncia angular de 105 do epicentro
do terremoto no chegou a atravessar o ncleo e sua propagao foi sempre
atravs do manto terrestre. Por outro lado, uma onda P que chega em uma
distncia angular de 140 do epicentro atravessou a fronteira manto-caroo e
se propagou tambm atravs do ncleo. Se o valor da velocidade desta onda
no ncleo for menor do que no manto, ela passar boa parte do tempo se pro-
pagando no ncleo e s ir ser detectada numa regio mais distante do que
3
Captulo 1: Introduo
Ncleo Interno
(Slido)
Ncleo Externo
(Lquido)
Manto
Zona sombreada
para ondas P
Zona sombreada
para ondas P
105105
140 140
Ondas POndas S
Figura 1.1: Representao esquemtica da propagao das ondas ssmicas P e S
no interior da Terra.
aquela que foi detectada em 105 do epicentro, como mostra a figura 1.1. Isso
gera uma zona conhecida como zona sombreada" para ondas P (P-wave sha-
dow zone), definida pelas distncias angulares entre 105 e 140 do epicentro
de um terremoto. Dessa forma sabe-se que estas ondas atravessaram uma
regio de descontinuidade. Por outro lado, como em uma regio na crosta ter-
restre, oposta ao epicentro do terremoto, no so detectadas ondas S, sabe-se
que essas ondas ssmicas encontraram uma interface slido/lquido, implicando
na existncia de um ncleo lquido.
Em 1909, A. Mohorovicic, estudando o tempo de chegada de ondas ssmi-
cas provenientes de um terremoto na regio do vale do rio Kupa, na Crocia,
percebeu que a partir de uma distncia de 300 km do epicentro do terremoto,
4
Captulo 1: Introduo
E
H
300 km 700 km
Crosta
Manto
Figura 1.2: Esquema da descontinuidade de Mohorovii: a partir do epicentro (E)
do terremoto (H), para distncias menores do que 300 km, somente ondas P e S
diretas do sismo chegam superfcie. Entre 300 e 700 km de distncia, dois tipos
de ondas so observadas, tanto ondas diretas como ondas que tambm atravessam
o manto. A partir de 700 km de distncia, apenas as segundas so detectadas.
chegavam na superfcie duas ondas P e duas ondas S distintas. Isto se repetia
at distncias de 700 km do epicentro, distncia a partir da qual chegavamapenas as ondas do segundo tipo, uma onda P e uma S. Segundo Mohorovicic,
impossvel que um terremoto libere duas ondas do mesmo tipo com velocida-
des diferentes. Portanto, ele concluiu que essas duas ondas, na verdade, eram
a mesma onda, mas que chegavam na superfcie se propagando por caminhos
diferentes. Estas observaes levaram concluso de que a Terra no homo-
gnea, ou seja, em uma certa profundidade da superfcie existe uma interface
que separa dois meios com diferentes propriedades elsticas, como mostra a
figura 1.2. Um terremoto no ponto H, com epicentro no ponto E, libera ondas
em diversas direes. A partir de distncias maiores do que 300 km do epi-centro, chegam nas estaes no apenas as ondas diretas (linhas pretas), mas
tambm uma onda que passa pelo manto (linha vermelha), que teve sua dire-
o alterada devido mudana nas propriedades elsticas do meio por onde
se propaga. A partir de 700 km do epicentro, no mais possvel a chegadade ondas diretas e apenas as ondas que atravessam o manto so detectadas
pelas estaes.
Mais tarde, outros trabalhos mostraram que essa descontinuidade glo-
bal [3,8]. Hoje ela conhecida como descontinuidade de Mohorovicic, ou Moho,
5
Captulo 1: Introduo
e uma das maneiras de se dividir a crosta do manto. Sua profundidade varia,
mas est entre 5 km e 10 km no fundo dos oceanos e de 35 km a 40 km sob os
continentes. Os estudos pioneiros de Wiechert, Oldham e Mohorovicic forma-
ram a base para o primeiro modelo para a estrutura interna da Terra, a qual
divida em 3 regies concntricas: a crosta, o manto e o ncleo. Este modelo e
esta nomenclatura so utilizados at hoje como uma primeira aproximao para
descrever o interior do planeta.
Com o desenvolvimento da teoria de ondas ssmicas [9,10], diversas outras
regies de descontinuidade foram encontradas [7,1113]. Por volta de 1940, E.
Bullen introduziu a nomenclatura A, B, C, D, E, F e G para 7 regies concntricas
na Terra, com descontinuidades conhecidas [14, 15]. A regio A corresponde
crosta terrestre, acima da descontinuidade Moho. As regies B e C, juntas,
constituem o manto superior. A regio D o manto inferior, enquanto que as
regies E, F e G constituem o ncleo. Bullen, mais tarde, percebeu que a regio
D, correspondente ao manto inferior, representava duas regies distintas. Ele a
subdividiu no que hoje so conhecidas como regio D (D prime) e D (D double
prime) [16]. O modelo proposto por Bullen usado, at hoje, para descrever o
interior do planeta e est esquematizado na figura 1.3.
Alm dessas, existem outras regies que apresentam anomalias nas ondas
ssmicas. Na regio em torno de 660 km de profundidade existe um aumento
sbito nas velocidades destas ondas, em geral atribudo mudana de fase es-
trutural nos materiais constituintes. Outra regio com anomalia ssmica ocorre
no topo do manto superior, onde verifica-se uma diminuio na velocidade de
propagao, principalmente das ondas S. Estas so chamadas zonas de baixa
velocidade (Low Velocity Zone, LVZ ) e tm sido atribudas fuso parcial dos
elementos, nessa parte do manto. Algumas regies do manto inferior, prin-
cipalmente prximas fronteira com o ncleo, tambm exibem propriedades
ssmicas anmalas. Nelas, tanto as ondas P como as S sofrem uma reduo
de velocidade da ordem de 10% e por isso so chamadas zonas de ultra baixa
velocidade (Ultra Low Velocity Zone, ULVZ ) [1720]. Apesar dessa reduo al-
gumas vezes ser consistente com o modelo de fuso parcial, diversos estudos
tm mostrado que apenas consideraes termodinmicas no so capazes de
explicar essas anomalias [17, 21]. A ausncia das ULVZ em vrias regies da
6
Captulo 1: Introduo
A
B e C
Zona de transio
D e D
E e F
G
Figura 1.3: modelo proposto por E. Bullen para o interior da Terra, onde A corres-
ponde crosta terrestre, B e C ao manto superior, D e D ao manto inferior, E e
F correspondem ao ncleo externo e G ao ncleo interno.
fronteira do manto inferior com o ncleo tem sugerido que alguma diferenciao
qumica deve ser considerada para explicar estas regies. Estas atribuies
tm motivado estudos na direo de se utilizar estas ULVZ para mapear reser-
vatrios de diversos elementos no manto inferior [17].
Recentemente, grande ateno tem sido dada regio D (manto inferior),
devido observao de um aumento descontnuo nas velocidades de ondas
ssmicas. Bullen introduziu a designao D para especificar a regio na base
do manto inferior, pois esta apresenta uma reduo da velocidade de ondas
ssmicas. Assim, utiliza-se a nomenclatura D para designar a regio baixa do
manto inferior, com velocidade de ondas menores que a regio pouco acima,
denominada como regio D. A terminologia descontinuidade D utilizada para
referenciar o aumento anmalo da velocidade de ondas ssmicas que, em geral,
7
Captulo 1: Introduo
coincide com o topo da regio D [22]. O motivo da existncia desta descontinui-
dade ainda no claro, mas algumas teorias propem que ela consequncia
de interaes entre o manto e o ncleo, ou de materiais remanescentes de
zonas de subduco (afundamento de uma placa tectnica sob outra) ou ainda
de transies de fase nos materiais componentes desta regio [23].
A estrutura interna da Terra determinada por sua composio qumica
como funo da posio geogrfica e da profundidade. Propriedades como
a densidade e a elasticidade tm importncia indireta, pois no fornecem dire-
tamente informaes sobre a origem, composio e evoluo do planeta. En-
tretanto, dados geofsicos, como velocidades ssmicas e campo gravitacional,
proporcionam informaes sobre essas propriedades, ao invs da composio
qumica e temperatura. Portanto, no h meios diretos nos quais a estrutura
composicional do interior da Terra possa ser determinada atravs dos dados
geofsicos disponveis. Por isso, um grande desafio extrapolar informaes
sismolgicas a fim de se identificar a composio qumica do manto terrestre.
Para tanto, associa-se as propriedades obtidas por meio de ondas ssmicas
quelas de materiais conhecidos e estudados em laboratrio, em condies
equivalentes de presso e temperatura s do manto terrestre. Isto feito em um
processo de duas etapas. Primeiro, modelos para a densidade e elasticidade
so derivados dos dados sismolgicos. Segundo, atravs do estudo terico e
experimental relativos s propriedades de materiais terrestres, modelos para a
composio qumica da Terra podem ser obtidos. O conhecimento desta com-
posio qumica importante para a determinao de diversas propriedades,
tais como a evoluo das placas tectnicas, a transmisso de radiao e o ciclo
do carbono [24,25]. Alm disso, inferir a composio qumica importante para
entender a evoluo e dinmica da Terra e de planetas semelhantes.
Um ponto de partida para se estabelecer a constituio do interior da Terra
so as rochas encontradas na crosta [6, 26]. Entretanto, uma anlise destas
rochas, assim como estudos petrolgicos e geoqumicos, mostram que elas
no podem ser representativas do interior da Terra, por causa de suas peque-
nas densidades mdias, mesmo quando efeitos de compresso so considera-
dos [26]. Durante a formao do planeta, a Terra sofreu processos de diferenci-
ao qumica, como por exemplo por fuso parcial, e cada camada do planeta
8
Captulo 1: Introduo
deve reproduzir estes processos. Portanto, o interior do planeta deve ter uma
composio diferente do que a crosta. Por isso, uma teoria para a diferenciao
qumica na Terra pode servir de base para um modelo de composio, baseado
nos minerais encontrados na superfcie. Ringwood props um modelo desse
tipo [26, 27]. Uma das rochas mais ambundantes na crosta o basalto. Assim,
o ponto de partida deste modelo a noo de que a formao de basalto por
fuso parcial de materiais do manto a atividade vulcnica mais importante na
Terra. Por isso, os minerais do manto devem ser capazes de produzir basalto.
Atravs deste raciocnio, Ringwood props uma rocha hipottica, chamada py-
rolite, capaz de produzir basalto ocenico por fuso parcial e portanto a maior
parte do manto deve ser composta por este elemento hipottico. Neste mo-
delo, amostras tpicas do manto encontradas na superfcie so interpretadas
como resduos dessa fuso parcial da pyrolite. Assim, Ringwood sugeriu que a
composio qumica tanto do manto superior como do manto inferior deve ser
similar composio da pyrolite e a variao das propriedades elsticas e da
densidade devem ser explicadas como resultado de transformaes de fase,
compresso e expanso trmica deste mineral [26].
Um outro modelo prope que a Terra possui a mesma constituio qumica
da composio mdia do sistema solar. A teoria aceita para a formao do
sistema solar de que o Sol e os planetas foram formados por um colapso
gravitacional de uma nbula solar primitiva [26, 28]. Portanto, a composio
tanto do Sol como dos outros planetas deve ser similar. Uma das fontes de
informao da composio qumica do sistema solar so os meteoritos, pois
estes so considerados fragmentos de materiais que falharam em se tornar
planetas. Dentre todos os tipos de meteoritos, os condritos carbonceos so
um tipo nico, pois sua idade da ordem de 4,56 bilhes de anos os torna um dos
objetos mais antigos do sistema solar. Por isso so considerados como material
remanescente do sistema solar primitivo e sua composio representativa da
composio de todo sistema. Alguns cientistas consideram que a composio
qumica da Terra deve ser similar destes meteoritos, o que d origem ao mo-
delo condrito para a composio da Terra [26,28].
Estes dois modelos fornecem uma composio parecida para o planeta.
Uma diferena significativa entre eles a razo (Mg + Fe)/Si. No modelo con-
9
Captulo 1: Introduo
drito, a quantidade de silcio no manto maior do que no modelo pyrolite. Algu-
mas fontes de informao estimam que a composio qumica do manto supe-
rior muito parecida com o modelo pyrolite. Portanto, se a Terra de fato possui
uma composio qumica parecida com a de meteoritos condritos, a quantidade
de silcio no manto inferior deve ser bem maior [26].
Diversos outros modelos mais complexos foram propostos [2931]. Entre-
tanto, importante salientar que todos estes modelos possuem diversas in-
certezas [8, 26]. Sua principal funo no estabelecer uma ideia definitiva da
composio da Terra, mas sim fornecer hipteses testveis. De qualquer forma,
todos os modelos consideram que o manto formado basicamente por olivina.
Dependendo da razo Mg/Fe, este mineral pode formar a forsterita (Mg2SiO4)
ou a faialita (Fe2SiO4). Em altas presses a olivina possui uma transio estru-
tural, assumindo uma estrutura conhecida como ringwoodita, que forma a maior
parte do manto superior. Um grande avano no entendimento da estrutura da
Terra se deu na dcada de 1970, quando se descobriu a estrutura perovskita
ortorrmbica do MgSiO3 [32]. Logo em seguida, foi demonstrado que, para va-
lores de presso em torno de 25 GPa, a ringwoodita se dissocia em MgSiO3 +
MgO [33, 34]. Essa presso corresponde zona de transio e explica a des-
continuidade em 660 km, sendo esta a interpretao atual para a separao do
manto em regies inferior e superior. Atualmente, consenso na comunidade
cientfica que o manto inferior formado principalmente por MgSiO3 perovskita,
com uma certa concentrao de ferro, ainda no bem determinada, mas da or-
dem de 20%. Este composto Mg1xFexO3 ocupa entre 75% e 80% do manto
inferior, tornando-o o mineral mais abundante na Terra. O resto do manto
formado por MgO e outros elementos.
Um elemento extremamente importante, no s para o estudo da Terra como
para diversas outras reas do conhecimento, o carbono, pois um dos com-
ponentes chave da vida na Terra. O ciclo do carbono na superfcie do planeta
influencia o clima, o fornecimento de combustveis fsseis e a sade de todo
ecossistema. Nenhum outro elemento possui tantas possibilidades de ligaes
qumicas, formando estruturas com diversas hibridizaes e configuraes mi-
croscpicas. O comportamento qumico do carbono no interior profundo da
Terra resume os processos dinmicos que diferenciam nosso planeta dos de-
10
Captulo 1: Introduo
mais. Como j mencionado, o modelo condrito para a formao do planeta
sugere que a Terra tenha uma composio similar destes tipos de meteori-
tos. Os condritos carbonceos possuem uma alta concentrao de carbono,
cerca de duas ordens de grandeza superior quela encontrada na Terra. Se
estes modelos esto corretos, uma pergunta pertinente onde est escondido
este carbono. Isso nos leva a concluir que boa parte do carbono deve estar no
manto e no ncleo da Terra. Atualmente, estima-se que cerca de 90% de todo
o carbono do planeta esteja em regies profundas da Terra [35, 36]. Recen-
tes estudos em diamantes mostram incluses provenientes do manto inferior
da Terra [37]. Essas incluses so incorporadas na formao do diamante, o
que indica que eles foram formados em regies bem mais profundas. Esses
estudos mostram a presena de carbono no manto inferior. Entretanto, nosso
conhecimento do carbono em tais regies limitado e diversas questes ainda
permanecem em aberto.
Um dos grandes desafios entender o ciclo geolgico do carbono, ou seja,
seu transporte da superfcie para o interior da Terra e vice-versa. O estudo do
ciclo do carbono tem se concentrado em seus efeitos na superfcie do planeta,
mas pouco ainda conhecido sobre o ciclo do carbono profundo [35]. Para se
construir modelos mais precisos para a composio do planeta, importante
determinar quanto e como o carbono est armazenado no manto e no ncleo.
Como a solubilidade do carbono nos minerais do manto baixa, uma das for-
mas em que o carbono pode se encontrar no manto em carbonatos, tais como
o MgCO3 e o CaCO3.
Entretanto, para uma correta compreenso dos efeitos do carbono no interior
do planeta, necessrio o estudo destes carbonatos nas condies extremas
de presso e temperatura do interior da Terra. Nas ltimas duas dcadas, o
estudo de materiais a altas presses permitiu a compreenso de diversas pro-
priedades geofsicas. Entretanto, estes experimentos so limitados, pois estas
condies no so facilmente alcanveis em laboratrio. Neste contexto, o es-
tudo terico de materiais, baseado em simulaes atomsticas, se torna muito
importante, pois pode ser a nica forma de se obter as propriedades de mate-
riais nessas condies extremas. Assim, clculos tericos, baseados em mto-
dos da fsica do estado slido, tm sido fundamentais na elaborao de modelos
11
Captulo 1: Introduo
da estrutura interna no s da Terra como tambm de outros planetas [3843].
Com isso exposto, o objetivo de nosso trabalho utilizar mtodos de primei-
ros princpios para tentar elucidar o efeito da presena de carbono no manto
inferior. Como a maior parte do manto composta por MgSiO3, comeare-
mos obtendo suas propriedades, comparando-as com resultados disponveis
na literatura. Estes resultados serviro para validar os mtodos utilizados e
tambm como um molde dessa parte do planeta. Posteriormente, calcularemos
as propriedades de diversos carbonatos, possveis minerais a fazerem parte da
composio do interior da Terra. Calcularemos suas propriedades eletrnicas
e estruturais a fim de inferir sua possvel influncia nas propriedades ssmicas
do manto, comparando-as com as do MgSiO3. Estudaremos ainda, do ponto de
vista da estabilidade, as formas mais estveis para o carbono se encontrar nas
condies extremas do manto. Comearemos com clculos estticos e com
efeitos de presso e, por fim, iremos incluir efeitos trmicos, a fim de se verificar
se as concluses permanecem vlidas em altas temperaturas. Como o carbono
capaz de formar diversos compostos, estudaremos a estabilidade dos carbo-
natos com relao formao de CO2 e diamante, determinando se, de fato, a
presena dos carbonatos energeticamente favorvel.
No captulo 2, apresentamos a metodologia utilizada, primeiro apresentando
a teoria do funcional da densidade (DFT), mtodo utilizado neste trabalho. Pos-
teriormente, descrevemos a teoria elstica de cristais, necessria para o estudo
de velocidades acsticas em qualquer material. Neste captulo tambm descre-
vemos os mtodos utilizados para clculos de propriedades termodinmicas
de materiais. No captulo 3, apresentamos os resultados para as proprieda-
des eletrnicas e estruturais da clula primitiva do MgSiO3, onde calculamos
as velocidades acsticas no cristal e validamos os resultados com outros dis-
ponveis na literatura. Tambm estudamos a fase ps-perovskita deste mineral,
calculando a presso de transio e as propriedades elsticas desta fase. No
captulo 4, apresentamos os resultados para os carbonatos MgCO3, CaCO3e MgCa(CO3)2, onde estudamos suas propriedades eletrnicas, estruturais e
elsticas. Estudamos a estabilidade destes minerais com respeito a diversas
estruturas, a fim de se corroborar resultados tericos recentes. Calculamos as
velocidades acsticas nestes minerais em diversas fases e comparamos com as
12
Captulo 1: Introduo
velocidades no MgSiO3. Com isso inferimos a modificao que a presena des-
tes carbonatos pode provocar no manto inferior. Por fim, no captulo 5, estuda-
mos a estabilidade destes carbonatos com relao sua dissociao formando
CO2 e diamante. Verificamos se, sob estas condies, as estruturas permane-
cem estveis. Neste captulo tambm inclumos efeitos trmicos, utilizando a
aproximao quase-harmnica, a fim de verificar alguma alterao, em resul-
tados precedentes, devido s altas temperaturas do manto. Por fim, quando
possvel, estudamos os efeitos trmicos nas propriedades elsticas de alguns
cristais. No captulo 6, apresentamos as principais concluses referentes a este
trabalho.
13
2 Fundamentos tericos e metodologiaThe underlying physical laws necessary for the mathematical theory of a large part
of physics and the whole of chemistry are thus completely known, and the difficulty is
only that the exact application of these laws leads to equations much too complicated
to be soluble. It therefore becomes desirable that approximate practical methods of
applying quantum mechanics should be developed.
Paul Dirac, Proc. Royal Soc. London, 123, 714 (1929)
2.1 Introduo
Uma das principais maneiras de se estudar o interior de planetas comparar
resultados obtidos em medidas de ondas ssmicas com propriedades de mate-
riais medidas em laboratrio. A composio qumica da Terra no conhecida
a priori de tal forma que diversos experimentos so necessrios, inclusive para
se determinar a composio do planeta. Alm disso, as altas presses e tem-
peraturas que o interior da Terra atinge limitam estes estudos. Dessa forma,
clculos de primeiros princpios tm se tornado fundamentais para elucidar di-
versas propriedades de materiais nessas condies extremas.
Os estudos desenvolvidos neste trabalho englobam dois grandes temas: es-
tabilidade de cristais a altas presses e propriedades elsticas. Neste captulo,
so apresentadas a fundamentao terica e a metodologia de clculo utiliza-
das nesta pesquisa.
15
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
2.2 Aproximao de Born-Oppenheimer
Os blocos fundamentais de construo da matria so os ons e os eltrons. A
descrio destes elementos feita pela equao de Schrdinger
H = E (2.1)
em que a hamiltoniana H dado por
H = Te + TN + VeN + Vee + VNN (2.2)
em que Te e TN so os operadores energia cintica dos eltrons e dos ncleos
atmicos, respectivamente, VeN a interao entre os ncleos atmicos e os
eltrons, Vee o potencial coulombiano entre os eltrons e VNN o potencial
entre os ncleos. A soluo completa da equao (2.1) uma funo de onda
(~r , ~R) dependente das posies dos eltrons ~r e dos ncleos ~R, no conhe-
cida mesmo para os slidos mais simples. Uma primeira aproximao para se
solucionar esta equao considerar que os ncleos atmicos so muito mais
pesados que os eltrons e, por isso, se movem mais lentamente. Assim, pode-
se desacoplar as funes de onda dos eltrons e dos ncleos
(~r , ~R) = R(~R)(~r, ~R) (2.3)
em que R(~R) uma funo de onda que descreve o movimento dos ons e
(~r , ~R) a funo de onda eletrnica, que depende parametricamente das posi-
es atmicas ~R. Esta funo de onda eletrnica obedece equao[
Te + VeN + Vee(~R)]
n(~r, ~R) = En(~R)n(~r , ~R). (2.4)
J a funo de onda R(~R) obedece equao[
TN + VNN + En(~R)]
R(~R) = R(~R). (2.5)
Esta chamada aproximao de Born-Oppenheimer. Ela desacopla os
graus de liberdade dos eltrons dos ons e desconsidera a excitao eletrnica
induzida pelo movimento inico.
16
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
2.3 Equao de Schrdinger eletrnica
Na aproximao de Born-Oppenheimer, descrita na seo anterior, considera-
do que o movimento dos ons muito mais lento do que o dos eltrons. Pode-se
extrapolar esta aproximao e dizer que os ons esto estticos e contribuem
apenas como um potencial externo. Este movimento inico o que d origem
temperatura de um sistema, de tal forma que esta aproximao corresponde
temperatura de 0 K e desconsidera efeitos da energia de ponto zero. Este
nvel de aproximao suficiente para diversas aplicaes, principalmente para
descrever sistemas na temperatura ambiente, onde a energia trmica menor.
A soluo apenas da parte eletrnica fornece diversas informaes teis e o
primeiro passo para qualquer clculo de primeiros princpios, por isso descre-
veremos os mtodos de soluo em detalhes.
A equao (2.4) pode ser escrita da forma
Hel(~r) = E(~r) (2.6)
em que a hamiltoniana eletrnica Hel dada por
Hel = ~2
2
i=1
2rime 140
i 6=j
Zi e2
|~Ri ~rj |+1
80
i 6=j
e2
|~ri ~rj |, (2.7)
onde ~ri (i = 1, ...Ne) denotam as posies dos eltrons de massa me e ~Ri as
posies dos ncleos com nmeros atmicos Zi . Como estamos considerando
uma rede esttica, esta hamiltoniana no contm a energia cintica dos ncleos
atmicos. No sistema de unidades atmicas em Rydbergs, a hamiltoniana pode
ser escrita como
Hel =
i
2ri
i 6=j
2Zi
|~Ri ~rj |+
i 6=j
1
|~ri ~rj |. (2.8)
Mesmo com a aproximao de Born-Oppenheimer, ainda ficamos com uma
equao de muitas partculas interagentes, sem possibilidade prtica de reso-
luo. A teoria do funcional da densidade (DFT) [44, 45] um esquema que
permite resolver este problema de muitos corpos utilizando, como parmetro
principal a ser determinado, a densidade eletrnica do sistema. A primeira teo-
ria a utilizar a densidade eletrnica como varivel bsica, ao invs da funo de
17
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
onda, estabelecendo uma relao implcita entre o potencial externo e a densi-
dade eletrnica do sistema, foi a do tomo de Thomas-Fermi, em 1937 [46,47].
No entanto, at 1964 o uso da densidade era considerada apenas um modelo,
quando Hohenberg e Kohn propuseram um mtodo prtico e poderoso para
descrever um sistema de eltrons interagentes. Na DFT, as partculas so trata-
das atravs do mapeamento de um sistema auxiliar, no interagente, no qual se
movem em um potencial efetivo local de partcula nica. Os resultados obtidos
neste trabalho utilizam um esquema prtico para resolver as equaes de Kohn-
Sham (KS), provenientes da DFT, conhecido como mtodo de pseudopotenci-
ais [4852], implementado no cdigo computacional Quantum ESPRESSO [53],
e constitui uma poderosa ferramenta na descrio das propriedades fsicas de
materiais. Esta metodologia est descrita nas prximas sees.
2.4 Teoria do Funcional da Densidade
Teoremas de Hohenberg e Kohn
Os teoremas de Hohenberg e Kohn (HK) [44] so:
Teorema 1: A energia total de um sistema quntico de vrios eltrons
um funcional nico do potencial externo.
Teorema 2: A correta densidade eletrnica para o estado fundamental
aquela que minimiza o funcional energia total do sistema.
O primeiro teorema diz que o potencial externo um funcional nico da densi-
dade eletrnica do sistema, estabelecendo uma relao biunvoca entre a den-
sidade eletrnica e o potencial externo. O segundo teorema o princpio varia-
cional de Rayleight-Ritz aplicado densidade eletrnica, ao invs de funo
de onda, e pode ser considerado como uma maneira formal de tornar exata a
teoria de Thomas-Fermi. Assim, o teorema 1, ao estabelecer que existe uma
correspondncia nica entre a densidade (~r) do estado fundamental de um sis-
tema de muitos eltrons e o potencial externo Vext , ela estabelece que o valor
esperado, no estado fundamental, para um observvel descrito pelo operador
18
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
O, um funcional nico da densidade eletrnica do estado fundamental do sis-
tema, que depende de Vext . Isto leva ao teorema 2, pois se o operador O for a
hamiltoniana H, ento existe um funcional energia total, do estado fundamental
de um sistema de eltrons interagentes, que um funcional da densidade de
carga eletrnica, que depende de Vext .
Equaes de Kohn - Sham
Utilizando os teoremas de HK, Kohn e Sham (KS) [45] desenvolveram um m-
todo eficaz para se calcular as propriedades de um sistema de muitos corpos.
Utilizando o primeiro teorema de HK, o funcional energia total escrito como
E[(~r)] = Vext [(~r )] + G[(~r )] , (2.9)
com G[(~r )] sendo um funcional universal, independente do sistema considera-
do, e pode ser escrito em termos do funcional energia cintica e do funcional
energia de interao eletrnica do sistema
G[(~r)] = T [(~r)] + Vee[(~r)] . (2.10)
A forma analtica do funcional G[(~r )] no conhecida, mas os teoremas de
HK garantem que ele um funcional da densidade. Em 1965, Kohn e Sham
[45] propuseram uma maneira de escrever este funcional, o qual denominamos
FKS[(~r)], que trata as partculas interagentes do sistema em termos de um
sistema efetivo no interagente, com a mesma densidade total do problema de
muitos corpos. A expresso proposta para o funcional de KS tem a seguinte
forma
FKS[(~r)] =
(~r) (~r )
|~r ~r | d~r d~r + Ts [(~r)] + Exc [(~r)] , (2.11)
em que o primeiro termo do segundo membro da equao (2.11) define as inte-
raes eltron-eltron puramente coulombianas, Ts [(~r)] representa o funcional
energia cintica de um gs de eltrons no interagentes e Exc [(~r)] corresponde
ao funcional energia de troca e correlao e incorpora o termo de troca (devi-
do ao princpio de excluso de Pauli) e parte do funcional T [(~r)] da equao
19
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
(2.10), desprezado em Ts[(~r )]. Assim, o funcional energia total do sistema fica
E[(~r )] =
(~r) Vext(~r) d~r +
(~r) (~r )
|~r ~r | d~r d~r+Ts [(~r)]+Exc [(~r )] . (2.12)
Utilizando o segundo teorema de HK, a correta densidade para o estado
fundamental a que minimiza o funcional energia total do sistema, dado pela e-
quao (2.12), com a restrio de que o nmero total de partculas N, expresso
por
N =
(~r) d~r , (2.13)
deva ser constante. Sendo um multiplicador de Lagrange, a condio de m-
nimo obtida por meio de
{
E[(~r )] N}
= 0 . (2.14)
Substituindo as expresses (2.12) e (2.13) na equao (2.14), obtemos
{
(~r) Vext(~r)d~r +
(~r)(~r )
|~r ~r | d~r d~r + Ts [(~r)] + Exc [(~r)]
(~r) d~r
}
=0.
(2.15)
Explicitando a variao, separadamente, de cada um dos termos da equao
(2.15), temos
{
(~r) Vext(~r) d~r
}
=
Vext(~r) (~r) d~r ; (2.16)
{(~r)(~r )
|~r ~r | d~r d~r
}
= 2
(~r )
|~r ~r | (~r) d~r ; (2.17)
Ts [(~r)] =
[Ts
]
(~r) d~r ; (2.18)
Exc [(~r)] =
[Exc
]
(~r) d~r ; (2.19)
{
(~r) d~r
}
=
(~r) d~r . (2.20)
Substituindo as equaes (2.16)-(2.20) na equao (2.15) obtemos
20
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
d~r
{
Vext(~r) + 2
(~r )
|~r ~r | d~r +
Ts+Exc
}
(~r) = 0 . (2.21)
Como a variao (~r) arbitrria, ento a expresso entre parnteses, na
equao acima, deve ser nula, levando
Vext(~r) + 2
(~r )
|~r ~r | d~r +
Ts+Exc = 0 . (2.22)
Podemos expressar a densidade eletrnica do sistema em termos de um con-
junto de N funes ortonormais, de modo que
(~r ) =
N
k=1
k(~r )k(~r ) . (2.23)
Com isso, podemos, no processo variacional anterior, substituir a variao em
(~r ) por variaes nas funes k(~r ) e k(~r ). Iremos variar k(~r ) e, portanto
(~r ) = [k(~r )]k(~r ). No caso considerado de um sistema auxiliar de eltrons
no interagentes, o funcional energia cintica tambm pode ser expresso em
termos do conjunto de N funes ortonormais, como
Ts [] =
N
i=1
k(~r) k(~r)d~r (2.24)
Desse modo, a variao do funcional energia cintica fica
Ts [(~r)] =
[k(~r )] k(~r ) d~r
=
[k(~r )k(~r )] d~r
k(~r )2k(~r )d~r
=
k(~r )k(~r )d ~S
= 0
k(~r )2k(~r )d~r (2.25)
em que a integral de superfcie, na equao (2.25), nula, pois ou k nula
no infinito ou temos condies peridicas de contorno. Utilizando a definio de
derivadas funcionais, temos que a equao (2.25) fica
Ts []
=
k(~r)2k(~r)d~r = 2k(~r) . (2.26)
21
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
Usando essa expresso na equao (2.22), chegamos s equaes de Kohn-
Sham:
{
2 + 2
(~r)
|~r ~r |d~r + Vext(~r) + Vxc(~r)
}
k(~r) = k k(~r) (2.27)
em que, por definio, Vxc(~r) =Exc
o potencial de troca e correlao.
A teoria do funcional da densidade relaciona um sistema de eltrons intera-
gentes com um de eltrons no interagentes que possua a mesma densidade
(~r ) no estado fundamental. Estas equaes so muito semelhantes s equa-
es de Hartree, mas contm o termo Vxc(~r ), que representa o potencial de
troca mais o de correlao, os quais derivam do funcional energia de troca e
correlao Exc [(~r )]. O termo de troca e correlao contm todos os efeitos
de muitos corpos no incorporados na teoria de Hartree. As equaes de KS
so exatas. No entanto, a atribuio de qualquer significado fsico s funes de
onda j(~r ) e aos auto-valores j deve ser feita de modo judicioso, pois, em prin-
cpio, as auto-funes obtidas pela soluo das equaes de KS so aquelas
utilizadas como base para determinar a densidade eletrnica do estado funda-
mental do sistema eletrnico. No entanto, todos os j e j(~r ) possuem um valor
semi-quantitativo pois contm os efeitos de troca e correlao e so consisten-
tes com a densidade fsica exata (~r ). Para se obter os estados eletrnicos
de um sistema, atravs da utilizao das equaes de KS, encontramos dois
problemas:
(a) Como o potencial efetivo deste sistema fictcio auxiliar depende de um fun-
cional da densidade eletrnica, as equaes de KS devem ser resolvidas
de maneira autoconsistente;
(b) Deve-se tomar uma forma aproximada para o funcional energia de troca e
correlao pois, na prtica, para a maior parte das densidades, ele no
conhecido exatamente.
O primeiro destes problemas superado, hoje em dia, de maneira trivial,
at o grau de preciso desejado, dentro de um critrio pr-estabelecido. Para o
22
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
segundo problema, a soluo no trivial mas, atualmente, existem vrias apro-
ximaes para o funcional de troca e correlao. A aproximao mais comum
a chamada aproximao da densidade local (LDA - Local Density Approxima-
tion) [45]. Nesta aproximao supe-se que a contribuio de troca-correlao
de todo o volume infinitesimal dependa apenas da densidade local daquele vo-
lume. Apesar de simples, ela fornece resultados satisfatrios para uma grande
variedade de sistemas, sendo amplamente utilizada na fsica da matria con-
densada. No entanto, em alguns casos, a aproximao LDA no descreve muito
bem os sistemas e o passo seguinte foi fazer com que a contribuio de troca-
correlao de todo o volume infinitesimal no dependesse apenas da densidade
local daquele volume, mas tambm da densidade nos volumes vizinhos, ou seja,
incluindo a dependncia do gradiente da densidade. Esta aproximao cha-
mada de aproximao do gradiente generalizado (GGA - Generalized Gradient
Approximation) [54]. Aproximaes deste tipo vm sendo amplamente utiliza-
das na fsica da matria condensada e esto descritas brevemente no apndice
A.
Mtodos de Pseudopotencial
As funes de onda para descrever eltrons livres em um cristal peridico po-
dem ser expandidas em ondas planas. Se o potencial devido aos ons for des-
considerado, as ondas planas sero a soluo exata. Se o potencial for suave,
ento ele pode ser tratado como uma pertubao. Entretanto, o potencial de-
vido aos ons est longe de ser suave e por isso uma base de ondas planas
invivel para descrever todos os eltrons em um cristal, principalmente as
funes de onda eletrnicas das regies prximas aos ncleos atmicos, pois
seriam necessrias muitas componentes para representar adequadamente as
variaes rpidas que as funes apresentam. Slater sugeriu uma maneira
de solucionar este problema [55], propondo que a expanso em ondas planas
fosse aumentada com a soluo das funes de onda atmicas nas regies
esfricas prximas aos ncleos, assumindo que o potencial esfericamente
simtrico dentro das esferas atmicas e nulo na regio intersticial. Este co-
nhecido como mtodo APW (Augmented Plane Wave) e o potencial chamado
23
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
de potencial muffin-tin. Em 1940, Herring [56] props um mtodo alternativo
com o intuito de superar a aproximao muffin-tin do potencial. Nesta aproxi-
mao, as funes de onda dos eltrons de valncia so construdas como uma
combinao linear de ondas planas com funes atmicas. Com uma escolha
apropriada dos coeficientes da expanso, estas funes de onda so ento,
por construo, ortogonais aos estados de caroo e, por isso, este mtodo
conhecido como OPW (Orthogonalized Plane Wave).
Em um cristal, difcil descrever convenientemente os estados dos eltrons
de caroo enquanto que a descrio dos estados dos eltrons de valncia
apropriadamente descrita por uma expanso de ondas planas, pois esto sujei-
tos a um potencial muito mais suave do que os eltrons do caroo. O passo pos-
terior foi remover completamente os estados de caroo, substituindo sua ao
por um pseudopotencial. Entretanto, este pseudopotencial precisa ser cons-
trudo de maneira a representar adequadamente as propriedades de ligao do
potencial verdadeiro. Desse modo, vamos analisar as caractersticas essenciais
dos estados eletrnicos de um tomo, dividindo-os em trs espcies:
ESTADOS DE CAROO: altamente localizados e no participam ativamente das
ligaes qumicas.
ESTADOS DE VALNCIA: extensos e responsveis pelas ligaes qumicas.
ESTADOS DE SEMICAROO: localizados e polarizveis, mas geralmente no
contribuem diretamente para as ligaes qumicas.
Os estados de valncia, devido ortogonalizao com os estados de caroo,
possuem um comportamento oscilatrio caracterstico. O nmero de ns
n1, onde n o nmero quntico principal e o momentum angular. Quandoas funes de base escolhidas so ondas planas, o clculo dos elementos de
matriz da hamiltoniana precisa das componentes de Fourier dessas funes de
onda. Fortes picos na funo de onda necessitam de um grande nmero de
ondas planas para serem corretamente descritos, com um grande custo com-
putacional.
Como os estados de caroo no so essenciais para a correta descrio
das ligaes qumicas e uma boa descrio das funes de onda de valncia
24
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
no so estritamente necessrias, no perdemos nenhuma informao se a
soluo dentro de um raio especfico (raio de cutoff ) for substituda por uma
funo suave, sem ns. No possuindo nenhum n, esta funo correspon-
de ao estado fundamental de um problema atmico efetivo, onde o potencial
verdadeiro substitudo por um pseudopotencial.
Philips e Kleinman [57] mostraram que possvel construir uma funo de
onda suave de estados de valncia v , no ortonormal aos estados de caroo
c , combinando os estados de caroo com as funes de onda de valncia
verdadeiras v da seguinte forma
|v = |v +
c
|c (2.28)
em que cv = c |v 6= 0. Esta pseudofuno de onda satisfaz a equao deSchrdinger modificada
[
H +
c
(v c) |c c |]
|v = v |v (2.29)
em que H = T + V ; V = (Zc/r)I o potencial nuclear e I o operador identidade.
Assim, possvel construir uma pseudo-hamiltoniana da forma
HPS = H +
c
(v c)|cc | (2.30)
com os mesmos autovalores da hamiltoniana original mas com funes de onda
mais suaves e sem ns. O potencial associado a esta pseudo-hamiltoniana
VPS =ZcrI +
c
(v c)|cc | (2.31)
e chamado de pseudopotencial.
H uma grande liberdade na construo de pseudopotenciais. Este um
problema inverso, dada uma pseudofuno de onda que aps alguma distncia
decai exatamente como a funo de onda total; e um autoestado de uma
pseudo-hamiltoniana com os mesmos autovalores da funo de onda total, o
pseudopotencial obtido invertendo a equao de Schrdinger radial{
~2
2m
d2
dr2+(+ 1)
2r2+ V (r)
}
rR(, r) = rR(, r) (2.32)
25
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
para a pseudofuno de onda. Esta uma equao diferencial de segunda
ordem. Uma vez fixado , sua soluo univocamente determinada pelo valor
da funo de onda R(, r) e sua derivada R(, r) em qualquer ponto r0. Estas
duas condies podem ser igualmente realizadas se especificarmos o valor da
derivada logartmica radial da funo de onda em r0
cot () [d
drlnR(, r)
]
r0
=1
R(, r0)
[dR(, r)
dr
]
r0
(2.33)
junto com uma condio de normalizao. Isto pode ser feito para qualquer valor
de . Portanto, se o potencial total e o pseudopotencial forem os mesmos fora
de algum raio rC (raio de cutoff ), ento estas funes de onda so proporcionais
entre si se as derivadas logartmicas correspondentes so as mesmas, ou seja
1
RAE(, rC)
[dRAE(, r)
dr
]
rC
=1
RPS(, rC)
[dRPS(, r)
dr
]
rC
(2.34)
em que AE significa All Electron e PS pseudopotencial. A proporcionalidade se
torna uma igualdade apenas quando requerido que a pseudofuno de onda
preserve sua norma dentro do raio de cutoff rC
0
r2[RPS(, r
]2dr =
rC
0
r2[RAE(, r
]2dr. (2.35)
Estes so chamados de pseudopotenciais de norma conservada [58]. Conside-
rando a regra de soma de Friedel
12
{[
rR(, r)]2 d
d
d
drlnR(, r)
}
rC
=
rC
0
r2[
R(, r)]2
dr (2.36)
a conservao da norma impe, em primeira ordem nos autovalores, que a
derivada logartmica das funes de onda total e das pseudofunes de onda
variam da mesma forma. Ou seja, uma pequena mudana nos autovalores de-
vido uma alterao no potencial externo produz uma mudana de segunda
ordem na derivada logartmica. Portanto, a condio (2.34), que por constru-
o vlida apenas para o valor de usado para obter as funes de onda, se
torna aproximadamente vlida em uma faixa de autovalores ao redor de . Por
isso, pseudopotenciais derivados de clculos atmicos podem ser utilizados em
26
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
outros ambientes, o que garante uma alta transferibilidade ao pseudopotencial.
Quando um tomo faz parte de uma molcula ou de um cristal, seus eltrons so-
frem influncia dos outros tomos. Isso implica que os autovalores eletrnicos
so deslocados de seus valores atmicos, mas a propriedade de transferibili-
dade garante que as funes de onda total e as pseudofunes de onda ainda
coincidam fora do raio de cutoff . Por isso, a restrio de conservao da norma
garante que o pseudopotencial til, pelo menos em ambientes tais que os
autovalores no sejam significativamente diferentes dos valores usados em sua
construo.
Apesar da conservao da norma ser importante para que o pseudopoten-
cial tenha alta transferibilidade, esta restrio o torna "duro" (hard), de tal forma
que so necessrias vrias ondas planas para a descrio dos estados eletr-
nicos. Entretanto, independentemente de se respeitar o critrio de transferibili-
dade, embutido na equao (2.36), no estritamente necessrio que a norma
da funo de onda total e da pseudofuno de onda coincidam. Assim, esfor-
os para se reduzir a quantidade de ondas planas foram feitos na direo de
se abrandar a condio de conservao da norma, se generalizando a regra
de soma na equao (2.36). Isso foi feito em 1990 por Vanderbilt [52], dando
origem aos pseudopotenciais ultrasoft (ultrasuaves).
A essncia do mtodo APW original o fato das funes de onda prximas
ao ncleo serem similares s funes atmicas, sendo fortemente variveis,
mas aproximadamente esfricas. Ao contrrio, na regio intersticial entre os
tomos tanto o potencial como as funes de onda so mais suaves. Dessa
forma, o espao divido em duas regies e diferentes funes de base so
usadas para expandir a funo de onda em cada regio: solues da equao
de Schrdinger radial dentro de esferas centradas nos tomos e ondas planas
na regio intersticial remanescente. Um dos problemas deste mtodo a e-
quao radial de Schrdinger depender de um parmetro de energia E, no
conhecido a priori. As APWs so solues da equao de Schrdinger dentro
das esferas apenas na energia E, dessa forma as bandas de energia no po-
dem ser obtidas com uma nica diagonalizao, sendo necessrio resolver um
determinante secular como funo de E e determinar suas razes, o que de-
manda alto custo computacional. O mtodo LAPW uma modificao no APW,
27
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
no qual a funo de base dentro das esferas depende no apenas da equao
de radial, mas tambm da sua derivada com relao a E. Com isso, as LAPWs
possuem uma maior liberdade variacional que as APWs, pois os parmetros Ediferem levemente das bandas de energia. Isto leva a uma enorme simplifica-
o com relao ao mtodo APW, pois todas as bandas de energia podem ser
obtidas de maneira precisa com uma nica diagonalizao, enquanto no APW
necessrio uma por banda.
Em 1994, Blochl props uma abordagem entre o mtodo LAPW e o de pseu-
dopotenciais [59], chamada Projected Augmented Wave (PAW). Esta aborda-
gem mantm caractersticas do LAPW, em que todos os eltrons so conside-
rados (All Electron AE), mas usa uma decomposio da funo de onda total
em termos de uma pseudofuno de onda suave e uma contribuio localizada
que varia bruscamente na regio do ncleo (as esferas muffin tin, na linguagem
do APW). Mostraremos a metodologia PAW da maneria original proposta por
Blochl [59].
As funes de onda possuem comportamento diferente em diversas regies
do espao. Em regies prximas ao ncleo, h uma rpida oscilao devido
grande atrao coulombiana, mas na regio de ligao, a funo de onda
bem suave. Portanto, consideramos o espao de Hilbert de todas as funes
de onda ortogonais aos estados de caroo. As funes de onda fisicamente
relevantes neste espao de Hilbert possuem um comportamento altamente os-
cilatrio, o que torna o tratamento numrico bem trabalhoso. Uma maneira de
se enfrentar este problema considerar um espao de Hilbert auxiliar, chamado
pseudo-espao de Hilbert. Mapeamos ento as funes de onda de valncia
da funo de onda AE neste novo espao fictcio. Este mapeamento deve ser
linear e devem transformar as funes de onda AE em pseudofunes de onda
computacionalmente convenientes.
Conhecendo esta transformao T das pseudofunes de onda para a fun-o de onda AE, qualquer observvel, representado pelo valor esperado Ode algum operador O, das pseudofunes de onda | pode ser obtido. Istopode ser feito obtendo-se a funo de onda real como | = T | e calcu-lando |O|. Outra maneira calcular o valor esperado O = |O| de umpseudo-operador O = T OT no espao de Hilbert das pseudofunes de onda.
28
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
Da mesma forma, a energia total pode ser calculada diretamente como um fun-
cional das pseudofunes de onda. O estado fundamental das pseudofunes
de onda pode ser obtido como
E[T |]|
= T T |. (2.37)
necessrio escolher uma forma para a transformao. Como iremos explo-
rar caractersticas de tipos atmicos particulares, consideramos apenas trans-
formaes que diferem da identidade por uma soma de contribuies TR locais,centrada nos tomos, tais que
T = 1 +
R
TR. (2.38)
Cada contribuio local TR age somente dentro de alguma regio aumen-tada, ao redor de um tomo. Isto implica que a funo de onda AE e a pseudo-
funo de onda coincidem fora desta regio. Os termos locais TR so definidospara cada regio aumentada individualmente por
|i = (1 + TR)|i (2.39)
em que se deve especificar a funo alvo |i da transformao T , para con-juntos de funes iniciais |i. Estas funes so ortogonais aos estados decaroo e completas na regio aumentada. Os estados iniciais |i so cha-mados pseudo-ondas parciais e as correspondentes funes alvo |i ondasparciais AE. Uma escolha natural para as funes das ondas parciais AE so
as solues da equao de Schrdinger radial para o tomo isolado, ortogona-
lizadas em relao aos estados de caroo, se necessrio. O ndice i refere-se
ao stio atmico R, ao nmero quntico do momento angular L = (,m) e a
um ndice adicional n para rotular diferentes ondas parciais no mesmo stio e
momento angular.
Para cada onda parcial AE , escolhe-se uma pseudo-onda parcial denotada
por i . Estas pseudo-ondas parciais devem ser idnticas onda parcial AE
correspondente fora da regio aumentada e devem elas mesmas constituir um
conjunto completo de funes dentro desta regio. Os graus de liberdade res-
tantes na escolha das pseudo-ondas parciais so usados para se otimizar as
pseudofunes de onda.
29
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
Com estas definies, pode-se construir uma expresso fechada para o ope-
rador da transformao T . Dentro da regio aumentada, cada pseudofuno deonda parcial pode ser expandida nas pseudo-ondas parciais
| =
i
|ici . (2.40)
Como |i = T |i, as funes de onda AE correspondentes so da forma
| = T | =
i
|ici (2.41)
com coeficientes ci idnticos nas duas expanses. Assim, podemos expressar
a funo de onda AE como
| = |
i
|ici +
i
|ici (2.42)
em que os coeficientes da expanso das ondas parciais ainda devem ser deter-
minados.
Como esta transformao deve ser linear, os coeficientes ci devem ser fun-
cionais lineares das pseudofunes de onda. Portanto, os coeficientes so pro-
dutos escalares
ci = pi |i (2.43)
das pseudofunes de onda com alguma funo fixa pi |, chamadas funesprojetoras. Existe exatamente uma funo projetora para cada pseudo-onda
parcial. As funes projetoras so localizadas na regio aumentada, apesar
de, em princpio, funes projetoras mais estendidas possam ser escolhidas. A
forma mais geral para a funo projetora, segundo Blochl,
pi | =
j
({fk |l
})1
i jfj | (2.44)
em que fk forma um conjunto arbitrrio e linearmente independente de funes.
As funes projetoras so localizadas se as funes |fi tambm o forem.Resumindo, a transformao linear (2.38)
T = 1 +
i
(|i |i) pi | (2.45)
30
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
entre as funes de onda parciais de valncia e as pseudofunes de onda foi
estabelecida. Usando esta transformao, as funes de onda AE podem ser
obtidas das pseudofunes de onda por
| = |+
i
(|i |i) pi |i. (2.46)
Esta transformao determinada por trs quantidades: as ondas parciais AE
|i obtidas por uma integrao radial da equao de Schrdinger de um con-junto de energias atmicas 1i e ortogonalizadas com os estados de caroo; uma
pseudo-onda parcial |i, que coincide com a onda parcial AE; e uma funoprojetora para cada pseudo-onda parcial localizada dentro da regio aumentada
e que obedea relao pi |j = i j .As ondas parciais so funes radiais multiplicadas por harmnicos esfri-
cos. Em geral, as pseudofunes de onda so expandidas em ondas planas,
mas outras escolhas so igualmente possveis. As funes projetoras tambm
so radiais multiplicadas por harmnicos esfricos, mas em seguida so trans-
formadas nas mesmas representaes das pseudofunes de onda.
Os estados de caroo |c so decompostos de uma maneira similar aosde valncia. Eles possuem trs contribuies: uma pseudofuno de onda de
caroo |c, idnticas aos estados verdadeiros fora da regio aumentada e umacontinuao suave dentro; uma onda parcial AE |c que so idnticas aos es-tados de caroo AE |c e so expressas como funes radiais multiplicadas porharmnicos esfricos; e uma pseudo-onda parcial de caroo, que so idnticas
aos pseudoestados de caroo |c, mas representadas tambm como funesradiais multiplicadas por harmnicos esfricos. Dessa forma, os estados de
caroo so expressos na forma
|c = |c+ |c |c. (2.47)
Ao contrrio dos estados de valncia, no so necessrias funes projeto-
ras para os estados de caroo. Alm disso, os estados de caroo so importa-
dos do tomo isolado.
Portanto, no mtodo PAW tambm se tem uma diviso do espao, assim
como no LAPW, e a funo de onda AE decomposta em termos de uma pseu-
dofuno de onda suave mais uma contribuio localizada. A funo de onda
31
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
AE (verdadeira) e a pseudofuno de onda so relacionadas por uma transfor-
mao linear, dada pela equao (2.42). Apesar de no ser estritamente ne-
cessrio, o mtodo PAW congela os orbitais de caroo em uma configurao de
referncia, funcionando apenas para os estados de valncia, exatamente como
no mtodo de pseudopotencial. Por isso, todos os mtodos de pseudopotenci-
ais podem ser utilizados no PAW. At o presente, o mtodo PAW parece ser um
dos mtodos mais poderosos para os clculo de estrutura eletrnica de cristais,
pois combina a eficincia dos pseudopotenciais com a preciso dos mtodos
baseados no APW, sendo a metodologia utilizada neste trabalho. O mtodo
PAW uma abordagem geral, possuindo o APW como um caso particular [60]
e o mtodo de pseudopotenciais como uma aproximao bem definida [61].
2.5 Propriedades termodinmicas
A metodologia descrita at agora utiliza uma rede esttica (aproximao de
Born-Oppenheimer) para descrever o cristal. Como os ons esto parados, to-
das as propriedades calculadas dessa forma so independentes da temperatu-
ra. A Terra apresenta um gradiente de temperatura elevado, atingindo milhares
de Kelvin no manto superior e inferior, podendo chegar a temperaturas de at
6000 K no ncleo, de tal forma que a incluso de efeitos trmicos nas simu-
laes pode influenciar os resultados. Dentro da aproximao adiabtica, os
graus de liberdade associados ao movimento dos ons so separados dos da
parte eletrnica. A metodologia apresentada at o momento trata apenas desta
ltima. Entretanto, para a incorporao de efeitos trmicos, deve-se conside-
rar tambm o movimento dos ncleos atmicos, descritos pela equao (2.5).
Nesta equao, os ons esto sujeitos ao potencial devido aos outros ons VNNe ao potencial devido aos eltrons do sistema. Se no h foras agindo sobre
os ons, o que corresponde rede esttica, ento o cristal est em equilbrio.
Deste modo, pode-se considerar que os ons descrevem um movimento osci-
latrio ao redor de uma posio de equilbrio. Isto corresponde a um potencial
harmnico agindo sobre os ons.
De acordo com a mecnica estatstica, os nveis de energia de um sistema
32
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
determinam completamente suas funes termodinmicas. Em particular, a e-
nergia livre de Helmholtz dada, de maneira geral, por
F = kBT lnZ, (2.48)
em que kB a constante de Boltzmann, T a temperatura e Z a funo de parti-
o, que a soma de todos os fatores de Boltzmann correspondentes a todos
os nveis de energia possveis do sistema
Z =
n
exp
[
nkBT
]
, (2.49)
sendo n os autovalores do operador energia. Os ncleos atmicos, sendo muito
mais pesados que os eltrons, realizam um movimento oscilatrio ao redor de
suas posies de equilbrio, de tal forma que pode-se aproximar a interao
entre os ons por um potencial harmnico. Assim, se considerarmos o slido
como um conjunto de osciladores independentes, os autovalores de energia do
sistema so dados por
n =
(
n +1
2
)
~. (2.50)
Com a utilizao das equaes (2.48), (2.49) e (2.50), a energia livre se escreve
Fi =1
2~i + kBT ln
{
1 exp[
~ikBT
]}
. (2.51)
Para uma rede cristalina com modos normais de vibrao i ,
i Fi nos d a par-
cela da energia livre associada com a vibrao do sistema. A energia livre total
inclui tambm a parcela da energia da rede esttica, na qual os ons ocupam
sua posio de equilbrio. Assim, pode-se escrever a energia livre de Helmholtz
como
F (V, T ) = E(V ) +1
2
q,i
~q,i(V ) + kBT
q,i
ln
{
1 exp[
~q,i(V )kBT
]}
, (2.52)
em que q so vetores do espao recproco. Nesta expresso o segundo e o
terceiro termos do lado direito so a energia de ponto zero e a energia trmica
do sistema, respectivamente, enquanto E(V ) a energia interna esttica do sis-
tema, calculada atravs da DFT e cuja metologia foi descrita na seo anterior.
33
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
Esta maneira de introduzir-se efeitos trmicos conhecida como aproximao
quase-harmnica e possibilita o clculo da energia livre de Helmholtz do sis-
tema e, assim, a determinao de todas propriedades termodinmicas, para
sistemas em que o acoplamento eltron-fnon desprezvel.
Clculo de fnons por primeiros princpios
O clculo da energia livre de Helmholtz, equao (2.52), dentro da aproximao
quase-harmnica, requer o conhecimento da energia interna esttica do siste-
ma, E(V ), e das frequncias de vibrao (fnons) do cristal [62]. De acordo
com a equao (2.5), o potencial efetivo Vef a que os ons esto sujeitos dado
por
Vef = VNN + En(~R). (2.53)
Considere, ento, um cristal com n tomos por clula unitria e seja u(k)
o deslocamento do tomo k na clula . Assumindo que o potencial Vef uma
funo da posio instantnea de todos os tomos, pode-se expandir Vef , em
uma srie de Taylor, em potncias do deslocamento u(k), do tomo [62],
como
Vef = V0 +
k
Vefu(k)
0
u(k) +1
2
k,k
(k, k )u(k)u(
k ) + . . .
(2.54)
em que V0 o valor do potencial na posio de equilbrio e
(k, k ) =
2Vefu(k)u(k )
0
. (2.55)
O primeiro termo na equao (2.54) uma constante, podendo ser conside-
rada nula. O segundo termo a fora em cada tomo e, portanto, tambm nula
na configurao de equilbrio. Na aproximao harmnica, termos de ordem
maiores que dois (termos quadrticos) no so considerados na expanso e
tem-se
Vharm =1
2
k,k
(k, k )u(k)u(
k ). (2.56)
Pode-se, ento, escrever a equao de movimento para os ons [62]
mk u(k) =
k
(k, k )u(
k ), (2.57)
34
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
em que mk a massa do k-simo tomo, = x, y , z , e a matriz de fora
interatmica, em que (k, k ) representa a fora linear negativa em um
tomo (k) na direo , devido a um deslocamento do tomo (k ) na direo
. Devido simetria de translao, a matriz de constantes de fora pode ser
escrita como
(k, k ) = (0k, (
)k ) (2.58)
e a equao (2.57) pode ser escrita como
mk u(k) =
k
(0k, k )u(
k ). (2.59)
Para resolver esta equao, supomos uma soluo da forma
u(k) =1mk
q
U(q, k) exp [i(q.x(l) t)], (2.60)
em que x() o vetor posio de equilbrio da -sima clula unitria e U(q, k)
no depende de . Substituindo essa soluo na equao (2.59), tem-se
2U(q, k) =
k
D(kk|q)U(q, k ), (2.61)
cuja soluo no trivial obtida solucionando o determinanteD(kk
|q) 2kk = 0. (2.62)
Nesta expresso, D a matriz dinmica do sistema e dada por
D(kk|q) = 1
mkmk
(0k, k ) exp (iq.x()). (2.63)
A matriz dinmica uma matriz hermitiana 3n 3n. Por isso, possui 3nautovalores reais, correspondentes aos 3n graus de liberdade da clula unit-
ria com n tomos. Como D uma matriz hermitiana, seus autovalores 2
so reais e esta uma condio necessria (mas no suficiente) para o cristal
ser considerado estvel. As frequncias de vibrao de um cristal, necessrias
para se construir a energia livre de Helmholtz na equao (2.52), podem ser
obtidas diagonalizando-se a matriz dinmica, dada pela equao (2.62). Deve-
mos ento calcular essa matriz para obter as propriedades termodinmicas do
cristal.
35
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
Dentro do formalismo descrito, o clculo da matriz dinmica pode ser feito
diretamente, deslocando-se um tomo da clula e calculando as foras que
aparecem no sistema atravs do teorema de Hellman-Feynman. Entretanto,
este mtodo requer a utilizao de superclulas grandes o suficiente para que
os elementos (0k, k ) sejam pequenos o bastante nas bordas da clula.
Alm disso, podem ser necessrios muitos deslocamentos para clculos das
foras em todos os tomos. Por exemplo, uma estrutura a ser estudada neste
trabalho descrita por uma clula monoclnica de bases centradas, com uma
base de 30 tomos. Nesta estrutura so necessrios 51 deslocamentos, ou
seja, 51 clculos de estrutura eletrnica, mostrando que este mtodo invivel
para se estudar fnons de cristais que apresentam clulas com baixa simetria e
com uma base com um nmero grande de tomos. Uma alternativa o uso da
teoria de pertubao do funcional da densidade. Este foi o mtodo usado neste
trabalho e que passaremos a expor a seguir.
Considere que o potencial externo dependa de algum parmetro , tal que
V(~r) V (~r) + V (~r)
+1
22
2V (~r)
2+ . . . (2.64)
em que todas as derivadas so calculadas em = 0. Podemos tambm ex-
pandir, em potncias de , a densidade de carga e a energia do sistema, tal
que
n(~r) n(~r) + n(~r)
+1
22
2n(~r)
2+ . . . (2.65)
E E + E
+1
22
2E
2+ . . . (2.66)
Pelo teorema de Hellman-Feynman, a derivada de primeira ordem da energia
(E/) no depende de nenhuma derivada da densidade n(~r), de modo que
E
=
n(~r)V (~r)
d~r . (2.67)
Portanto, a derivada de segunda ordem da energia (2E/2) depende de deri-
vadas de primeira ordem da densidade como
2E
2=
V (~r)
n(~r)
d~r +
n(~r)2V (~r)
2d~r , (2.68)
36
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
resultado este que pode ser generalizado para variveis mistas, de modo que
2E
=
V (~r)
n(~r)
d~r +
n(~r)2V (~r)
d~r . (2.69)
De maneira geral, a derivada de ordem (2n + 1) da energia depende apenas
de derivadas at ordem n da densidade de carga (teorema (2n+ 1)) [6365]. A
derivada de primeira ordem da densidade de carga pode ser obtida de maneira
tradicional atravs da teoria de resposta linear, aplicando a teoria de pertubao
na hamiltoniana de Kohn-Sham temos
v(~r)
=
c
c(~r)1
v c
c
VKS
v
=1
v HKSPcVKS(~r)
v(~r), (2.70)
em que v denota estados ocupados e c estados vazios e Pc o operador pro-
jetor sobre estados vazios. A resposta autoconsistente do potencial
VKS(~r)
=V (~r)
+
1
|~r ~r |n(~r )
d~r +
Vxc(~r)
n(~r )
n(~r )
d~r (2.71)
depende da variao em primeira ordem da densidade de carga
n(~r )
= 2Re
v
v(~r)v(~r)
. (2.72)
Assim, v(~r)/ e todas outras quantidades necessrias podem ser deter-
minadas, de maneira autoconsistente, resolvendo-se um conjunto de equaes
lineares.
2.6 Teoria elstica de cristais
O tensor de deformao
A teoria da elasticidade trata da relao entre as mudanas no volume e na
forma em um material sob ao de foras. Quando foras so aplicadas sobre
um slido, este sofre deformaes em alguma extenso. Estas deformaes
podem ser explicadas matematicamente considerando-se um corpo em um re-
ferencial cartesiano em trs dimenses. Um ponto do corpo pode ser descrito
37
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
pela coordenada (x1, x2, x3). Uma transformao linear impe ao corpo uma
rotao e uma mudana tanto de orientao quanto de forma [66,67], de modo
que suas coordenadas apresentam a transformao
x i = i0 + (i j + i j)xj , (2.73)
em que os x i representam as novas coordenadas do ponto originalmente em
xi , i0 representa uma translao, i j so os elementos de uma transformao
linear e a conveno de soma de Einstein foi utilizada.
Considere um segmento de linha no interior do corpo submetido a uma trans-
formao da forma apresentada na equao (2.73). Impondo a restrio de que
o comprimento x desse elemento de linha permanea inalterado, devemos ter
xixi = xix
i (2.74)
e substituindo a equao (2.73) na (2.74), obtemos
xixi = [(i j + i j)xj ] [(ik + ik)xk]
= i jikxjxk + i jikxjxk + iki jxjxk
= xixi + ikxixk + i jxjxi == i jxixj = 0, (2.75)
ou seja,
11 (x1)2 + 22 (x2)
2 + 33 (x3)2 + (23 + 32) x2x3 +
+ (31 + 13) x3x1 + (12 + 21) x1x2 = 0 . (2.76)
A equao (2.76) s pode ser satisfeita para um elemento arbitrrio xi se
11 = 22 = 33 = 0 e
23 + 32 = 0 23 = 3231 + 13 = 0 31 = 1312 + 21 = 0 12 = 21
(2.77)
isto ,
i j = j i (2.78)
38
Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia
Dessa forma, impondo a restrio de que o comprimento do elemento de linha
seja inalterado, a transformao linear representa uma rotao e uma trans-
lao do elemento de linha. Considerando todos os possveis elementos de
linha de um corpo e efetuando a transformao (2.73), com a restrio dada em
(2.74), e com i0 e i j os mesmos para todos os elementos, ento todos os ele-
mentos de linha sero transladados e rotacionados de tal forma que o volume e
a forma do corpo permanecem inalterados. Isso idntico ao deslocamento de
um corpo rgido obtido na mecnica clssica. Note que h 3 componentes da
translao i0 e 3 da matriz antissimtrica i j . Ou seja, 6 graus de liberdade,
como na mecnica clssica.
Considere, agora, uma transformao geral, de tal forma que o comprimento
do elemento de linha seja alterado. Devemos ter, ento, pela equao (2.73),
que
x i = (i j + i j) xj ,
= i j xj + i j xj
= xi + i j xj == x i xi = i j xj . (2.79)
A equao (2.79) nos d a variao de cada elemento de linha, quando o corpo
submetido transformao (2.73). Podemos tambm escrever esta equao
em termos das partes simtrica e antissimtrica de i j
x i xi =1
2
[(
i j + j i
)
+(
i j j i)]
xj . (2.80)
Por esta equao, percebe-se que a restrio (2.74) impe que a parte simtrica
de i j seja nula e podemos identificar a parte antissimtrica com as rotaes do
corpo
i j =1
2
(
i j j i)
. (2.81)
Assim, se montarmos uma expresso para a mudana no quadrado do compri-
mento, obteremos exatamente o lado esquerdo da equao (2.76)