Carbonatos em altas pressões como possíveis hospedeiros de ...

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Universidade de São Paulo Instituto de Física Carbonatos em altas pressões como possíveis hospedeiros de carbono no interior da Terra Michel Lacerda Marcondes dos Santos Orientadora: Profa. Dra. Lucy Vitória Credidio Assali —————————————————— Tese apresentada ao Instituto de Física da Universidade de São Paulo para a obtenção do título de Doutor em Ciências —————————————————— Banca Examinadora: Profa. Dra. Lucy Vitória Credidio Assali (IFUSP) Prof. Dr. Armando Corbani Ferraz (IFUSP) Profa. Dra. Helena Maria Petrilli (IFUSP) Prof. Dr. Fernando Rei Ornellas (IQUSP) Profa. Dra. Lara Kühl Teles (ITA) São Paulo 2016

Transcript of Carbonatos em altas pressões como possíveis hospedeiros de ...

  • Universidade de So Paulo

    Instituto de Fsica

    Carbonatos em altas presses comopossveis hospedeiros de carbono

    no interior da Terra

    Michel Lacerda Marcondes dos Santos

    Orientadora: Profa. Dra. Lucy Vitria Credidio Assali

    Tese apresentada ao Instituto de Fsica da

    Universidade de So Paulo para a obteno

    do ttulo de Doutor em Cincias

    Banca Examinadora:

    Profa. Dra. Lucy Vitria Credidio Assali (IFUSP)Prof. Dr. Armando Corbani Ferraz (IFUSP)Profa. Dra. Helena Maria Petrilli (IFUSP)Prof. Dr. Fernando Rei Ornellas (IQUSP)Profa. Dra. Lara Khl Teles (ITA)

    So Paulo

    2016

  • Dedico este trabalho ao meu pai Jorge Marcondes dos Santos e minha me Nair

    Lacerda Marcondes dos Santos.

  • Agradecimentos

    Os meus agradecimentos:

    minha me, minha irm e minha namorada, Tamires,pelo apoio quando mais precisei.

    Profa. Lucy V. C. Assali, pela orientao e pacincia emtodos estes anos que trabalhamos juntos.

    Ao Prof. Joo Francisco Justo pelas valorosas discusses esugestes.

    Profa. Renata Wentzcovitch pela grande contribuio aosupervisionar meu estgio sanduche na universidade de Minnesota.

    Ao meu grande amigo Marcelo Meireles dos Santos, que muitome ajudou nessa caminhada, desde os tempos de graduao.

    Ao meu amigo Samuel Silva dos Santos, com quem tive diver-sas conversas que proporcionaram muitas ideias para este projeto.

    Aos colegas Joelson Cott e Rolando Larico, pelas diversasdicas e sugestes sobre os clculos aqui apresentados.

    A todos meus amigos e amigas.

    Sandra e Rosana, secretrias do Departamento de F-sica dos Materiais e Mecnica, e ao pessoal da Comisso de Ps-Graduao, Cludia, Andrea, ber, Paula e Renata, pelo suporte narea administrativa.

    Ao Laboratrio de Computao Cientfica Avanada (LCCA-USP) e ao Centro Nacional de Processamento de Alto Desempenhode So Paulo (CENAPAD-SP), pelas facilidades computacionais.Ao Minnesota Supercomputing Institute por grande parte do tempocomputacional.

    Ao CNPq e CAPES pelo apoio financeiro.

  • ndice

    Resumo v

    Abstract vii

    1 Introduo 1

    2 Fundamentos tericos e metodologia 15

    2.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    2.2 Aproximao de Born-Oppenheimer . . . . . . . . . . . . . . . . . 16

    2.3 Equao de Schrdinger eletrnica . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17

    2.4 Teoria do Funcional da Densidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

    2.4.1 Teoremas de Hohenberg e Kohn . . . . . . . . . . . . . . . 18

    2.4.2 Equaes de Kohn - Sham . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

    2.4.3 Mtodos de Pseudopotencial . . . . . . . . . . . . . . . . . 23

    2.5 Propriedades termodinmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    2.5.1 Clculo de fnons por primeiros princpios . . . . . . . . . . 34

    2.6 Teoria elstica de cristais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    2.6.1 O tensor de deformao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37

    2.6.2 O tensor de stress . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41

    2.6.3 Materiais isotrpicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45

    2.6.4 Equaes de movimento de um sistema isotrpico . . . . . 49

    2.6.5 Materiais anisotrpicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51

    2.6.6 Equaes de movimento de um sistema anisotrpico . . . . 53

    2.7 Equaes de Estado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55

    i

  • 2.8 Detalhes computacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    2.8.1 Parmetros de convergncia . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    2.8.2 Minimizao estrutural . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60

    2.8.3 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61

    3 Propriedades do MgSiO3 63

    3.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63

    3.2 Propriedades estruturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64

    3.3 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 66

    3.4 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 69

    3.5 MgSiO3 sob presso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 72

    3.5.1 Propriedades estruturais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73

    3.5.2 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75

    3.5.3 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 77

    3.6 Transio de fase estrutural do MgSiO3 . . . . . . . . . . . . . . . 81

    3.7 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86

    4 Compostos de carbono em altas presses 89

    4.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89

    4.2 Cristal de MgCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90

    4.2.1 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 93

    4.2.2 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 94

    4.2.3 Comportamento do MgCO3 sob altas presses . . . . . . . 99

    4.3 Cristal de CaCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 115

    4.3.1 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117

    4.3.2 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 118

    4.3.3 Comportamento do cristal sob altas presses . . . . . . . . 122

    4.4 Cristal de MgCa(CO3)2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130

    4.4.1 Propriedades eletrnicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 132

    4.4.2 Propriedades elsticas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134

    4.4.3 Estabilidade da dolomita . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 138

    ii

  • 4.5 Impurezas de carbono no MgSiO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . 140

    4.6 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148

    5 Estabilidade de compostos de carbono em altas presses 153

    5.1 Introduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153

    5.2 Compostos de carbono . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 154

    5.2.1 Dixido de carbono em altas presses . . . . . . . . . . . . 154

    5.2.2 Oxignio a altas presses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161

    5.2.3 Interaes de van der Waals . . . . . . . . . . . . . . . . . 164

    5.3 Propriedades termodinmicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 167

    5.3.1 MgCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 168

    5.3.2 CaCO3 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175

    5.4 Propriedades elsticas a altas temperaturas . . . . . . . . . . . . . 184

    5.5 Concluses . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 195

    6 Concluso 197

    A Aproximaes LDA e GGA 201

    A.1 Aproximao da Densidade Local . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202

    A.2 Aproximao do Gradiente Generalizado . . . . . . . . . . . . . . . 203

    B Constantes elsticas 207

    Referncias Bibliogrficas 209

    iii

  • Resumo

    O estudo do interior da Terra apresenta diversos desafios, principalmente de-

    vido impossibilidade de observaes diretas de suas propriedades. Ondas

    ssmicas liberadas por terremotos so a melhor fonte de informao sobre a

    estrutura do planeta, mas sua correta interpretao depende do conhecimento

    das propriedades de seus elementos constituintes. Entretanto, estes estudos

    devem ser feitos nas condies extremas de temperatura e presso do interior

    terrestre, condies difceis de serem alcanadas em laboratrio. Neste con-

    texto, o estudo terico de materiais tem sido muito importante na elaborao de

    modelos sobre a estrutura interna da Terra e na correta interpretao de dados

    ssmicos.

    Pesquisas recentes tm mostrado que a quantidade de carbono no manto

    inferior da Terra maior do que se pensava anteriormente, e importante com-

    preender seus efeitos no interior profundo da Terra. Apesar da importncia de

    entender os efeitos do carbono no interior da Terra, existem poucos estudos

    deste elemento nestas condies extremas de presso e temperatura. Neste

    trabalho, utilizamos mtodos e tcnicas da fsica do estado slido para estudar

    as propriedades de compostos de carbono nas condies de presso e tempe-

    ratura do manto inferior terrestre.

    Estudamos, primeiramente, as propriedades estruturais, eletrnicas e elsti-

    cas do MgSiO3 nas estruturas perovskita e ps-perovskita, considerado o prin-

    cipal mineral do manto inferior. Os resultados obtidos para as velocidades acs-

    ticas neste mineral mostraram variaes maiores em relao s direes crista-

    linas, quando comparadas com mudanas devido transio de fase estrutural.

    Isso indica que uma orientao preferencial dos eixos (anisotropia) pode ajudar

    a explicar algumas regies com aumento descontnuo nas velocidades ssmi-

    v

  • cas.

    Posteriormente, foram obtidas as propriedades do MgCO3 e do CaCO3 em

    suas estruturas mais estveis, em funo da presso. Nossos resultados fo-

    ram comparados com os do MgSiO3, mostrando que carbonatos de clcio e de

    magnsio so estveis nas condies do manto terrestre e que sua formao

    energeticamente favorvel. Resultados dos clculos dos coeficientes elsticos

    e das velocidades acsticas nestes minerais mostram que as velocidades so

    menores que aquelas no MgSiO3. Dessa forma, em regies ricas em carbono

    deve ocorrer a formao destes carbonatos e, por conseguinte, as velocidades

    ssmicas seriam menores nessas regies. Isso pode explicar a existncia das

    zonas de baixa velocidade na fronteira do manto inferior com o ncleo. Foram

    estudadas, tambm, as consequncias da introduo de efeitos trmicos. En-

    tretanto, obteve-se que os resultados no apresentam alteraes significativas,

    de modo que mesmo nas altas temperaturas do interior da Terra nossas conclu-

    ses permanecem vlidas, onde propomos que as regies de baixa velocidade

    no manto inferior possam ser provocadas pela presena de carbono na forma

    de carbonatos e que a formao destes seria um modelo adicional para explicar

    onde e como o carbono pode ser armazenado no manto profundo.

    vi

  • Abstract

    Investigations on the Earths interior face several challenges, especially due to

    the infeasibility of direct observations of its properties. Earthquake seismic wa-

    ves are the best information source about our planets structure, but its correct in-

    terpretation depends on the knowledge of its forming elements. However, these

    studies must consider the extreme pressures and temperatures of the Earths

    interior, hard to achieve experimentally. In this way, theoretical methods have

    emerged as an essential tool in elaborating models for the Earth internal struc-

    ture and in the correct interpretation of seismic data.

    Recent studies have shown that the Earth must have much more carbon

    than previous thought, and it is important to understand its effects on the Earths

    deep interior. Despite its importance, there are few studies on carbon in these

    extreme conditions of pressure and temperature and on its effects in the Earths

    interior. In this investigation, we use theoretical solid state physics methods to

    investigate the properties of carbon compounds in the pressure and temperature

    conditions of Earths deep interior.

    First of all, we studied the electronic and elastic properties of MgSiO3 in the

    perovskite and post perovskite structures. This silicate is considered the main

    mineral in the Earths lower mantle. Our results show that seismic velocities have

    a larger variation with respect to the propagation direction than that with the

    phase transition. This indicates that a lattice preferred orientation can explain

    some seismic discontinuities.

    Thereafter, the properties of the MgCO3 and CaCO3 minerals were obtai-

    ned in their more stable structures with respect to pressure. The results were

    compared with those of the MgSiO3, showing that calcium and magnesium car-

    bonates are stable in the Earths mantle and that their formation is energetically

    vii

  • favorable. The elastic coefficients and the acoustic velocities in these carbona-

    tes show seismic velocities considerably lower than those in the MgSiO3. In this

    way, in regions with high carbon concentration the formation of carbonates could

    favorably occur and therefore the seismic velocities would be lower in those re-

    gions. This may explain the existence of low velocity zones near the bottom of

    Earths lower mantle. We also studied the consequences of the introduction of

    thermal effects. However, our results do not show any significant variation with

    temperature. Hence, even in the high temperatures of Earths interior, our con-

    clusions are still valid where we propose that low velocity regions can be caused

    by the presence of carbon in the form of carbonates. Its formation could provide

    an additional model to explain where and how carbon can be stored in the deep

    mantle.

    viii

  • 1 IntroduoScience, my lad, has been built upon many errors; but they are errors which it was

    good to fall into, for they led to the truth.

    Jules Verne, A journey into the Interior of the Earth, chap XXXI

    A humanidade sempre buscou entender o planeta em que vivemos. Desde a

    Grcia antiga vem-se desvendando as caractersticas da Terra. Erastteles, por

    exemplo, calculou seu dimetro com uma preciso incrvel para a poca, ob-

    tendo o valor de 6237 km [1] (o valor atual 6378,1 km [2]). Conforme o desen-

    volvimento das civilizaes, o conhecimento acerca do planeta foi crescendo.

    Todavia, todo o conhecimento estava concentrado na superfcie do planeta e

    muito pouco era conhecido sobre o interior da Terra, sendo inclusive comum se

    pensar que a Terra era oca por dentro.

    O estudo preciso da estrutura interna da Terra s se tornou possvel quando

    seu volume e sua massa foram bem determinados, pois o conhecimento da den-

    sidade do planeta importante para o clculo de diversas outras propriedades,

    tais como rigidez, compressibilidade, velocidades ssmicas, entre outras. O di-

    metro da Terra j era conhecido, no s pelos clculos de Erastteles, como por

    diversos outros [3]. Entretanto, a determinao de sua massa s foi possvel a

    partir da teoria da gravitao de Newton. O prprio Newton props um mtodo

    para se determinar a massa da Terra a partir da inclinao de um prumo ao lado

    de uma montanha. Cavendish, com seu famoso experimento do pndulo de tor-

    o calculou a densidade da Terra como sendo = 5, 5 g/cm3 [4]. A densidade

    mdia das rochas na crosta terrestre de 2 a 3 g/cm3, assim este resultado

    1

  • Captulo 1: Introduo

    mostrou que a densidade do interior da Terra deve ser da ordem de duas ve-

    zes a densidade da superfcie. Pode-se chegar mesma concluso atravs

    de clculos do momento de inrcia do planeta. O momento de inrcia de uma

    esfera perfeita e homognea, de raio r e massa M, 0, 4Mr2. Podemos, em

    um modelo aproximado, supor a Terra como uma esfera e considerarmos seu

    momento de inrcia mdio na forma I = yMr2, onde y = 0, 4 corresponderia

    uma esfera homognea. Atravs de estudos sobre a dinmica do movimento

    da Lua e da Terra obtm-se o valor y = 0, 3308 [2], o que implica numa maior

    densidade no interior da Terra do que na superfcie. Assim, possvel concluir

    que o material existente nas regies profundas deve ter uma densidade rela-

    tivamente maior que os encontrados na crosta do planeta. O primeiro clculo

    terico da densidade do interior da Terra foi feito por Wiechert [5]. Ele assumiu

    que a Terra composta por um ncleo metlico, com densidade praticamente

    constante, cercada por um manto rochoso, com densidade tambm no muito

    varivel. Com a introduo de mais algumas suposies, ele concluiu que a

    razo entre o raio do ncleo e a espessura da crosta deveria estar entre 3 e 4

    e, assim, a densidade mdia do ncleo deveria ser um pouco maior do que 8

    g/cm3. Esta a densidade esperada se o ncleo for composto for ferro compri-

    mido. Deste modo, Wiechert inferiu que a Terra composta por um ncleo de

    ferro de cerca de 5000 km cercado por uma crosta de 1400 km.

    No entanto, o conhecimento atravs da observao direta s possvel at

    alguns kilmetros abaixo da superfcie. Por isso, o conhecimento que se tem do

    interior terrestre est essencialmente baseado em estudos geofsicos indiretos.

    Isso torna difcil a determinao precisa da estrutura interna da Terra. A maioria

    das informaes sobre as propriedades de regies profundas do planeta so

    obtidas atravs da observao de fenmenos que ocorrem na superfcie. Por

    exemplo, uma das principais fontes de informao da estrutura interna da Terra

    so as ondas ssmicas liberadas por terremotos ou causadas por exploses ar-

    tificiais. Terremotos irradiam energia ssmica como ondas de vrios tipos que se

    movem de diferentes maneiras. Os dois tipos principais de ondas so as ondas

    de "corpo ou volume" e as ondas de superfcie. As ondas de superfcie so on-

    das de baixa frequncia, propagam-se pela superfcie, a partir do epicentro de

    um sismo, e deslocam-se mais lentamente que as ondas de corpo, que so as

    2

  • Captulo 1: Introduo

    ondas que se propagam pelo interior da Terra. Atravs do estudo de medidas

    de diferentes propriedades destas ondas pode-se obter diversas informaes

    sobre o interior do planeta [6].

    As ondas de superfcie podem ser de dois tipos, as chamadas ondas de

    Rayleigh e as ondas de Love e so utilizadas para estudar a crosta terrestre,

    enquanto que as ondas de corpo so as mais importantes para estudos geof-

    sicos. Existem dois tipos de ondas de corpo possveis, descritas teoricamente

    por Poisson em 1828, em seus estudos sobre elasticidade. Ele descreveu estes

    dois tipos de onda, que podem se propagar em um meio isotrpico elstico, que

    so chamadas de ondas P (primrias) e ondas S (secundrias). As ondas P so

    ondas de compresso e a deformao do meio se d na direo de propagao

    da onda. J as ondas S so ondas em que a deformao se d perpendicular-

    mente direo de propagao, por isso tambm so chamadas de ondas de

    cisalhamento. A caracterstica mais marcante das ondas S o fato delas no

    se propagarem em meios lquidos ou gasosos, pois nestes estados fsicos da

    matria a tenso de cisalhamento nula.

    Estes dois tipos de ondas foram detectadas por Oldham, em 1901, que em

    1906 elaborou a primeira tentativa de se determinar a estrutura interior da Terra,

    atravs da anlise das ondas ssmicas [7]. Detectando um atraso substancial

    no tempo de chegada de ondas P em uma distncia angular maior que 120 do

    epicentro de um terremoto, ele concluiu que a Terra possui uma regio central

    (ncleo), onde a velocidade das ondas P consideravelmente menor que na

    sua vizinhana. Ele ainda estimou que o raio deste ncleo deveria ser de 1600

    km. Mais tarde, essa regio ao redor do ncleo foi chamada de manto terrestre.

    A figura 1.1 mostra, esquematicamente, a propagao das ondas ssmicas e

    como elas tm sido usadas para se inferir a estrutura interna da Terra. Uma

    onda P que chega ( detectada) em uma distncia angular de 105 do epicentro

    do terremoto no chegou a atravessar o ncleo e sua propagao foi sempre

    atravs do manto terrestre. Por outro lado, uma onda P que chega em uma

    distncia angular de 140 do epicentro atravessou a fronteira manto-caroo e

    se propagou tambm atravs do ncleo. Se o valor da velocidade desta onda

    no ncleo for menor do que no manto, ela passar boa parte do tempo se pro-

    pagando no ncleo e s ir ser detectada numa regio mais distante do que

    3

  • Captulo 1: Introduo

    Ncleo Interno

    (Slido)

    Ncleo Externo

    (Lquido)

    Manto

    Zona sombreada

    para ondas P

    Zona sombreada

    para ondas P

    105105

    140 140

    Ondas POndas S

    Figura 1.1: Representao esquemtica da propagao das ondas ssmicas P e S

    no interior da Terra.

    aquela que foi detectada em 105 do epicentro, como mostra a figura 1.1. Isso

    gera uma zona conhecida como zona sombreada" para ondas P (P-wave sha-

    dow zone), definida pelas distncias angulares entre 105 e 140 do epicentro

    de um terremoto. Dessa forma sabe-se que estas ondas atravessaram uma

    regio de descontinuidade. Por outro lado, como em uma regio na crosta ter-

    restre, oposta ao epicentro do terremoto, no so detectadas ondas S, sabe-se

    que essas ondas ssmicas encontraram uma interface slido/lquido, implicando

    na existncia de um ncleo lquido.

    Em 1909, A. Mohorovicic, estudando o tempo de chegada de ondas ssmi-

    cas provenientes de um terremoto na regio do vale do rio Kupa, na Crocia,

    percebeu que a partir de uma distncia de 300 km do epicentro do terremoto,

    4

  • Captulo 1: Introduo

    E

    H

    300 km 700 km

    Crosta

    Manto

    Figura 1.2: Esquema da descontinuidade de Mohorovii: a partir do epicentro (E)

    do terremoto (H), para distncias menores do que 300 km, somente ondas P e S

    diretas do sismo chegam superfcie. Entre 300 e 700 km de distncia, dois tipos

    de ondas so observadas, tanto ondas diretas como ondas que tambm atravessam

    o manto. A partir de 700 km de distncia, apenas as segundas so detectadas.

    chegavam na superfcie duas ondas P e duas ondas S distintas. Isto se repetia

    at distncias de 700 km do epicentro, distncia a partir da qual chegavamapenas as ondas do segundo tipo, uma onda P e uma S. Segundo Mohorovicic,

    impossvel que um terremoto libere duas ondas do mesmo tipo com velocida-

    des diferentes. Portanto, ele concluiu que essas duas ondas, na verdade, eram

    a mesma onda, mas que chegavam na superfcie se propagando por caminhos

    diferentes. Estas observaes levaram concluso de que a Terra no homo-

    gnea, ou seja, em uma certa profundidade da superfcie existe uma interface

    que separa dois meios com diferentes propriedades elsticas, como mostra a

    figura 1.2. Um terremoto no ponto H, com epicentro no ponto E, libera ondas

    em diversas direes. A partir de distncias maiores do que 300 km do epi-centro, chegam nas estaes no apenas as ondas diretas (linhas pretas), mas

    tambm uma onda que passa pelo manto (linha vermelha), que teve sua dire-

    o alterada devido mudana nas propriedades elsticas do meio por onde

    se propaga. A partir de 700 km do epicentro, no mais possvel a chegadade ondas diretas e apenas as ondas que atravessam o manto so detectadas

    pelas estaes.

    Mais tarde, outros trabalhos mostraram que essa descontinuidade glo-

    bal [3,8]. Hoje ela conhecida como descontinuidade de Mohorovicic, ou Moho,

    5

  • Captulo 1: Introduo

    e uma das maneiras de se dividir a crosta do manto. Sua profundidade varia,

    mas est entre 5 km e 10 km no fundo dos oceanos e de 35 km a 40 km sob os

    continentes. Os estudos pioneiros de Wiechert, Oldham e Mohorovicic forma-

    ram a base para o primeiro modelo para a estrutura interna da Terra, a qual

    divida em 3 regies concntricas: a crosta, o manto e o ncleo. Este modelo e

    esta nomenclatura so utilizados at hoje como uma primeira aproximao para

    descrever o interior do planeta.

    Com o desenvolvimento da teoria de ondas ssmicas [9,10], diversas outras

    regies de descontinuidade foram encontradas [7,1113]. Por volta de 1940, E.

    Bullen introduziu a nomenclatura A, B, C, D, E, F e G para 7 regies concntricas

    na Terra, com descontinuidades conhecidas [14, 15]. A regio A corresponde

    crosta terrestre, acima da descontinuidade Moho. As regies B e C, juntas,

    constituem o manto superior. A regio D o manto inferior, enquanto que as

    regies E, F e G constituem o ncleo. Bullen, mais tarde, percebeu que a regio

    D, correspondente ao manto inferior, representava duas regies distintas. Ele a

    subdividiu no que hoje so conhecidas como regio D (D prime) e D (D double

    prime) [16]. O modelo proposto por Bullen usado, at hoje, para descrever o

    interior do planeta e est esquematizado na figura 1.3.

    Alm dessas, existem outras regies que apresentam anomalias nas ondas

    ssmicas. Na regio em torno de 660 km de profundidade existe um aumento

    sbito nas velocidades destas ondas, em geral atribudo mudana de fase es-

    trutural nos materiais constituintes. Outra regio com anomalia ssmica ocorre

    no topo do manto superior, onde verifica-se uma diminuio na velocidade de

    propagao, principalmente das ondas S. Estas so chamadas zonas de baixa

    velocidade (Low Velocity Zone, LVZ ) e tm sido atribudas fuso parcial dos

    elementos, nessa parte do manto. Algumas regies do manto inferior, prin-

    cipalmente prximas fronteira com o ncleo, tambm exibem propriedades

    ssmicas anmalas. Nelas, tanto as ondas P como as S sofrem uma reduo

    de velocidade da ordem de 10% e por isso so chamadas zonas de ultra baixa

    velocidade (Ultra Low Velocity Zone, ULVZ ) [1720]. Apesar dessa reduo al-

    gumas vezes ser consistente com o modelo de fuso parcial, diversos estudos

    tm mostrado que apenas consideraes termodinmicas no so capazes de

    explicar essas anomalias [17, 21]. A ausncia das ULVZ em vrias regies da

    6

  • Captulo 1: Introduo

    A

    B e C

    Zona de transio

    D e D

    E e F

    G

    Figura 1.3: modelo proposto por E. Bullen para o interior da Terra, onde A corres-

    ponde crosta terrestre, B e C ao manto superior, D e D ao manto inferior, E e

    F correspondem ao ncleo externo e G ao ncleo interno.

    fronteira do manto inferior com o ncleo tem sugerido que alguma diferenciao

    qumica deve ser considerada para explicar estas regies. Estas atribuies

    tm motivado estudos na direo de se utilizar estas ULVZ para mapear reser-

    vatrios de diversos elementos no manto inferior [17].

    Recentemente, grande ateno tem sido dada regio D (manto inferior),

    devido observao de um aumento descontnuo nas velocidades de ondas

    ssmicas. Bullen introduziu a designao D para especificar a regio na base

    do manto inferior, pois esta apresenta uma reduo da velocidade de ondas

    ssmicas. Assim, utiliza-se a nomenclatura D para designar a regio baixa do

    manto inferior, com velocidade de ondas menores que a regio pouco acima,

    denominada como regio D. A terminologia descontinuidade D utilizada para

    referenciar o aumento anmalo da velocidade de ondas ssmicas que, em geral,

    7

  • Captulo 1: Introduo

    coincide com o topo da regio D [22]. O motivo da existncia desta descontinui-

    dade ainda no claro, mas algumas teorias propem que ela consequncia

    de interaes entre o manto e o ncleo, ou de materiais remanescentes de

    zonas de subduco (afundamento de uma placa tectnica sob outra) ou ainda

    de transies de fase nos materiais componentes desta regio [23].

    A estrutura interna da Terra determinada por sua composio qumica

    como funo da posio geogrfica e da profundidade. Propriedades como

    a densidade e a elasticidade tm importncia indireta, pois no fornecem dire-

    tamente informaes sobre a origem, composio e evoluo do planeta. En-

    tretanto, dados geofsicos, como velocidades ssmicas e campo gravitacional,

    proporcionam informaes sobre essas propriedades, ao invs da composio

    qumica e temperatura. Portanto, no h meios diretos nos quais a estrutura

    composicional do interior da Terra possa ser determinada atravs dos dados

    geofsicos disponveis. Por isso, um grande desafio extrapolar informaes

    sismolgicas a fim de se identificar a composio qumica do manto terrestre.

    Para tanto, associa-se as propriedades obtidas por meio de ondas ssmicas

    quelas de materiais conhecidos e estudados em laboratrio, em condies

    equivalentes de presso e temperatura s do manto terrestre. Isto feito em um

    processo de duas etapas. Primeiro, modelos para a densidade e elasticidade

    so derivados dos dados sismolgicos. Segundo, atravs do estudo terico e

    experimental relativos s propriedades de materiais terrestres, modelos para a

    composio qumica da Terra podem ser obtidos. O conhecimento desta com-

    posio qumica importante para a determinao de diversas propriedades,

    tais como a evoluo das placas tectnicas, a transmisso de radiao e o ciclo

    do carbono [24,25]. Alm disso, inferir a composio qumica importante para

    entender a evoluo e dinmica da Terra e de planetas semelhantes.

    Um ponto de partida para se estabelecer a constituio do interior da Terra

    so as rochas encontradas na crosta [6, 26]. Entretanto, uma anlise destas

    rochas, assim como estudos petrolgicos e geoqumicos, mostram que elas

    no podem ser representativas do interior da Terra, por causa de suas peque-

    nas densidades mdias, mesmo quando efeitos de compresso so considera-

    dos [26]. Durante a formao do planeta, a Terra sofreu processos de diferenci-

    ao qumica, como por exemplo por fuso parcial, e cada camada do planeta

    8

  • Captulo 1: Introduo

    deve reproduzir estes processos. Portanto, o interior do planeta deve ter uma

    composio diferente do que a crosta. Por isso, uma teoria para a diferenciao

    qumica na Terra pode servir de base para um modelo de composio, baseado

    nos minerais encontrados na superfcie. Ringwood props um modelo desse

    tipo [26, 27]. Uma das rochas mais ambundantes na crosta o basalto. Assim,

    o ponto de partida deste modelo a noo de que a formao de basalto por

    fuso parcial de materiais do manto a atividade vulcnica mais importante na

    Terra. Por isso, os minerais do manto devem ser capazes de produzir basalto.

    Atravs deste raciocnio, Ringwood props uma rocha hipottica, chamada py-

    rolite, capaz de produzir basalto ocenico por fuso parcial e portanto a maior

    parte do manto deve ser composta por este elemento hipottico. Neste mo-

    delo, amostras tpicas do manto encontradas na superfcie so interpretadas

    como resduos dessa fuso parcial da pyrolite. Assim, Ringwood sugeriu que a

    composio qumica tanto do manto superior como do manto inferior deve ser

    similar composio da pyrolite e a variao das propriedades elsticas e da

    densidade devem ser explicadas como resultado de transformaes de fase,

    compresso e expanso trmica deste mineral [26].

    Um outro modelo prope que a Terra possui a mesma constituio qumica

    da composio mdia do sistema solar. A teoria aceita para a formao do

    sistema solar de que o Sol e os planetas foram formados por um colapso

    gravitacional de uma nbula solar primitiva [26, 28]. Portanto, a composio

    tanto do Sol como dos outros planetas deve ser similar. Uma das fontes de

    informao da composio qumica do sistema solar so os meteoritos, pois

    estes so considerados fragmentos de materiais que falharam em se tornar

    planetas. Dentre todos os tipos de meteoritos, os condritos carbonceos so

    um tipo nico, pois sua idade da ordem de 4,56 bilhes de anos os torna um dos

    objetos mais antigos do sistema solar. Por isso so considerados como material

    remanescente do sistema solar primitivo e sua composio representativa da

    composio de todo sistema. Alguns cientistas consideram que a composio

    qumica da Terra deve ser similar destes meteoritos, o que d origem ao mo-

    delo condrito para a composio da Terra [26,28].

    Estes dois modelos fornecem uma composio parecida para o planeta.

    Uma diferena significativa entre eles a razo (Mg + Fe)/Si. No modelo con-

    9

  • Captulo 1: Introduo

    drito, a quantidade de silcio no manto maior do que no modelo pyrolite. Algu-

    mas fontes de informao estimam que a composio qumica do manto supe-

    rior muito parecida com o modelo pyrolite. Portanto, se a Terra de fato possui

    uma composio qumica parecida com a de meteoritos condritos, a quantidade

    de silcio no manto inferior deve ser bem maior [26].

    Diversos outros modelos mais complexos foram propostos [2931]. Entre-

    tanto, importante salientar que todos estes modelos possuem diversas in-

    certezas [8, 26]. Sua principal funo no estabelecer uma ideia definitiva da

    composio da Terra, mas sim fornecer hipteses testveis. De qualquer forma,

    todos os modelos consideram que o manto formado basicamente por olivina.

    Dependendo da razo Mg/Fe, este mineral pode formar a forsterita (Mg2SiO4)

    ou a faialita (Fe2SiO4). Em altas presses a olivina possui uma transio estru-

    tural, assumindo uma estrutura conhecida como ringwoodita, que forma a maior

    parte do manto superior. Um grande avano no entendimento da estrutura da

    Terra se deu na dcada de 1970, quando se descobriu a estrutura perovskita

    ortorrmbica do MgSiO3 [32]. Logo em seguida, foi demonstrado que, para va-

    lores de presso em torno de 25 GPa, a ringwoodita se dissocia em MgSiO3 +

    MgO [33, 34]. Essa presso corresponde zona de transio e explica a des-

    continuidade em 660 km, sendo esta a interpretao atual para a separao do

    manto em regies inferior e superior. Atualmente, consenso na comunidade

    cientfica que o manto inferior formado principalmente por MgSiO3 perovskita,

    com uma certa concentrao de ferro, ainda no bem determinada, mas da or-

    dem de 20%. Este composto Mg1xFexO3 ocupa entre 75% e 80% do manto

    inferior, tornando-o o mineral mais abundante na Terra. O resto do manto

    formado por MgO e outros elementos.

    Um elemento extremamente importante, no s para o estudo da Terra como

    para diversas outras reas do conhecimento, o carbono, pois um dos com-

    ponentes chave da vida na Terra. O ciclo do carbono na superfcie do planeta

    influencia o clima, o fornecimento de combustveis fsseis e a sade de todo

    ecossistema. Nenhum outro elemento possui tantas possibilidades de ligaes

    qumicas, formando estruturas com diversas hibridizaes e configuraes mi-

    croscpicas. O comportamento qumico do carbono no interior profundo da

    Terra resume os processos dinmicos que diferenciam nosso planeta dos de-

    10

  • Captulo 1: Introduo

    mais. Como j mencionado, o modelo condrito para a formao do planeta

    sugere que a Terra tenha uma composio similar destes tipos de meteori-

    tos. Os condritos carbonceos possuem uma alta concentrao de carbono,

    cerca de duas ordens de grandeza superior quela encontrada na Terra. Se

    estes modelos esto corretos, uma pergunta pertinente onde est escondido

    este carbono. Isso nos leva a concluir que boa parte do carbono deve estar no

    manto e no ncleo da Terra. Atualmente, estima-se que cerca de 90% de todo

    o carbono do planeta esteja em regies profundas da Terra [35, 36]. Recen-

    tes estudos em diamantes mostram incluses provenientes do manto inferior

    da Terra [37]. Essas incluses so incorporadas na formao do diamante, o

    que indica que eles foram formados em regies bem mais profundas. Esses

    estudos mostram a presena de carbono no manto inferior. Entretanto, nosso

    conhecimento do carbono em tais regies limitado e diversas questes ainda

    permanecem em aberto.

    Um dos grandes desafios entender o ciclo geolgico do carbono, ou seja,

    seu transporte da superfcie para o interior da Terra e vice-versa. O estudo do

    ciclo do carbono tem se concentrado em seus efeitos na superfcie do planeta,

    mas pouco ainda conhecido sobre o ciclo do carbono profundo [35]. Para se

    construir modelos mais precisos para a composio do planeta, importante

    determinar quanto e como o carbono est armazenado no manto e no ncleo.

    Como a solubilidade do carbono nos minerais do manto baixa, uma das for-

    mas em que o carbono pode se encontrar no manto em carbonatos, tais como

    o MgCO3 e o CaCO3.

    Entretanto, para uma correta compreenso dos efeitos do carbono no interior

    do planeta, necessrio o estudo destes carbonatos nas condies extremas

    de presso e temperatura do interior da Terra. Nas ltimas duas dcadas, o

    estudo de materiais a altas presses permitiu a compreenso de diversas pro-

    priedades geofsicas. Entretanto, estes experimentos so limitados, pois estas

    condies no so facilmente alcanveis em laboratrio. Neste contexto, o es-

    tudo terico de materiais, baseado em simulaes atomsticas, se torna muito

    importante, pois pode ser a nica forma de se obter as propriedades de mate-

    riais nessas condies extremas. Assim, clculos tericos, baseados em mto-

    dos da fsica do estado slido, tm sido fundamentais na elaborao de modelos

    11

  • Captulo 1: Introduo

    da estrutura interna no s da Terra como tambm de outros planetas [3843].

    Com isso exposto, o objetivo de nosso trabalho utilizar mtodos de primei-

    ros princpios para tentar elucidar o efeito da presena de carbono no manto

    inferior. Como a maior parte do manto composta por MgSiO3, comeare-

    mos obtendo suas propriedades, comparando-as com resultados disponveis

    na literatura. Estes resultados serviro para validar os mtodos utilizados e

    tambm como um molde dessa parte do planeta. Posteriormente, calcularemos

    as propriedades de diversos carbonatos, possveis minerais a fazerem parte da

    composio do interior da Terra. Calcularemos suas propriedades eletrnicas

    e estruturais a fim de inferir sua possvel influncia nas propriedades ssmicas

    do manto, comparando-as com as do MgSiO3. Estudaremos ainda, do ponto de

    vista da estabilidade, as formas mais estveis para o carbono se encontrar nas

    condies extremas do manto. Comearemos com clculos estticos e com

    efeitos de presso e, por fim, iremos incluir efeitos trmicos, a fim de se verificar

    se as concluses permanecem vlidas em altas temperaturas. Como o carbono

    capaz de formar diversos compostos, estudaremos a estabilidade dos carbo-

    natos com relao formao de CO2 e diamante, determinando se, de fato, a

    presena dos carbonatos energeticamente favorvel.

    No captulo 2, apresentamos a metodologia utilizada, primeiro apresentando

    a teoria do funcional da densidade (DFT), mtodo utilizado neste trabalho. Pos-

    teriormente, descrevemos a teoria elstica de cristais, necessria para o estudo

    de velocidades acsticas em qualquer material. Neste captulo tambm descre-

    vemos os mtodos utilizados para clculos de propriedades termodinmicas

    de materiais. No captulo 3, apresentamos os resultados para as proprieda-

    des eletrnicas e estruturais da clula primitiva do MgSiO3, onde calculamos

    as velocidades acsticas no cristal e validamos os resultados com outros dis-

    ponveis na literatura. Tambm estudamos a fase ps-perovskita deste mineral,

    calculando a presso de transio e as propriedades elsticas desta fase. No

    captulo 4, apresentamos os resultados para os carbonatos MgCO3, CaCO3e MgCa(CO3)2, onde estudamos suas propriedades eletrnicas, estruturais e

    elsticas. Estudamos a estabilidade destes minerais com respeito a diversas

    estruturas, a fim de se corroborar resultados tericos recentes. Calculamos as

    velocidades acsticas nestes minerais em diversas fases e comparamos com as

    12

  • Captulo 1: Introduo

    velocidades no MgSiO3. Com isso inferimos a modificao que a presena des-

    tes carbonatos pode provocar no manto inferior. Por fim, no captulo 5, estuda-

    mos a estabilidade destes carbonatos com relao sua dissociao formando

    CO2 e diamante. Verificamos se, sob estas condies, as estruturas permane-

    cem estveis. Neste captulo tambm inclumos efeitos trmicos, utilizando a

    aproximao quase-harmnica, a fim de verificar alguma alterao, em resul-

    tados precedentes, devido s altas temperaturas do manto. Por fim, quando

    possvel, estudamos os efeitos trmicos nas propriedades elsticas de alguns

    cristais. No captulo 6, apresentamos as principais concluses referentes a este

    trabalho.

    13

  • 2 Fundamentos tericos e metodologiaThe underlying physical laws necessary for the mathematical theory of a large part

    of physics and the whole of chemistry are thus completely known, and the difficulty is

    only that the exact application of these laws leads to equations much too complicated

    to be soluble. It therefore becomes desirable that approximate practical methods of

    applying quantum mechanics should be developed.

    Paul Dirac, Proc. Royal Soc. London, 123, 714 (1929)

    2.1 Introduo

    Uma das principais maneiras de se estudar o interior de planetas comparar

    resultados obtidos em medidas de ondas ssmicas com propriedades de mate-

    riais medidas em laboratrio. A composio qumica da Terra no conhecida

    a priori de tal forma que diversos experimentos so necessrios, inclusive para

    se determinar a composio do planeta. Alm disso, as altas presses e tem-

    peraturas que o interior da Terra atinge limitam estes estudos. Dessa forma,

    clculos de primeiros princpios tm se tornado fundamentais para elucidar di-

    versas propriedades de materiais nessas condies extremas.

    Os estudos desenvolvidos neste trabalho englobam dois grandes temas: es-

    tabilidade de cristais a altas presses e propriedades elsticas. Neste captulo,

    so apresentadas a fundamentao terica e a metodologia de clculo utiliza-

    das nesta pesquisa.

    15

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    2.2 Aproximao de Born-Oppenheimer

    Os blocos fundamentais de construo da matria so os ons e os eltrons. A

    descrio destes elementos feita pela equao de Schrdinger

    H = E (2.1)

    em que a hamiltoniana H dado por

    H = Te + TN + VeN + Vee + VNN (2.2)

    em que Te e TN so os operadores energia cintica dos eltrons e dos ncleos

    atmicos, respectivamente, VeN a interao entre os ncleos atmicos e os

    eltrons, Vee o potencial coulombiano entre os eltrons e VNN o potencial

    entre os ncleos. A soluo completa da equao (2.1) uma funo de onda

    (~r , ~R) dependente das posies dos eltrons ~r e dos ncleos ~R, no conhe-

    cida mesmo para os slidos mais simples. Uma primeira aproximao para se

    solucionar esta equao considerar que os ncleos atmicos so muito mais

    pesados que os eltrons e, por isso, se movem mais lentamente. Assim, pode-

    se desacoplar as funes de onda dos eltrons e dos ncleos

    (~r , ~R) = R(~R)(~r, ~R) (2.3)

    em que R(~R) uma funo de onda que descreve o movimento dos ons e

    (~r , ~R) a funo de onda eletrnica, que depende parametricamente das posi-

    es atmicas ~R. Esta funo de onda eletrnica obedece equao[

    Te + VeN + Vee(~R)]

    n(~r, ~R) = En(~R)n(~r , ~R). (2.4)

    J a funo de onda R(~R) obedece equao[

    TN + VNN + En(~R)]

    R(~R) = R(~R). (2.5)

    Esta chamada aproximao de Born-Oppenheimer. Ela desacopla os

    graus de liberdade dos eltrons dos ons e desconsidera a excitao eletrnica

    induzida pelo movimento inico.

    16

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    2.3 Equao de Schrdinger eletrnica

    Na aproximao de Born-Oppenheimer, descrita na seo anterior, considera-

    do que o movimento dos ons muito mais lento do que o dos eltrons. Pode-se

    extrapolar esta aproximao e dizer que os ons esto estticos e contribuem

    apenas como um potencial externo. Este movimento inico o que d origem

    temperatura de um sistema, de tal forma que esta aproximao corresponde

    temperatura de 0 K e desconsidera efeitos da energia de ponto zero. Este

    nvel de aproximao suficiente para diversas aplicaes, principalmente para

    descrever sistemas na temperatura ambiente, onde a energia trmica menor.

    A soluo apenas da parte eletrnica fornece diversas informaes teis e o

    primeiro passo para qualquer clculo de primeiros princpios, por isso descre-

    veremos os mtodos de soluo em detalhes.

    A equao (2.4) pode ser escrita da forma

    Hel(~r) = E(~r) (2.6)

    em que a hamiltoniana eletrnica Hel dada por

    Hel = ~2

    2

    i=1

    2rime 140

    i 6=j

    Zi e2

    |~Ri ~rj |+1

    80

    i 6=j

    e2

    |~ri ~rj |, (2.7)

    onde ~ri (i = 1, ...Ne) denotam as posies dos eltrons de massa me e ~Ri as

    posies dos ncleos com nmeros atmicos Zi . Como estamos considerando

    uma rede esttica, esta hamiltoniana no contm a energia cintica dos ncleos

    atmicos. No sistema de unidades atmicas em Rydbergs, a hamiltoniana pode

    ser escrita como

    Hel =

    i

    2ri

    i 6=j

    2Zi

    |~Ri ~rj |+

    i 6=j

    1

    |~ri ~rj |. (2.8)

    Mesmo com a aproximao de Born-Oppenheimer, ainda ficamos com uma

    equao de muitas partculas interagentes, sem possibilidade prtica de reso-

    luo. A teoria do funcional da densidade (DFT) [44, 45] um esquema que

    permite resolver este problema de muitos corpos utilizando, como parmetro

    principal a ser determinado, a densidade eletrnica do sistema. A primeira teo-

    ria a utilizar a densidade eletrnica como varivel bsica, ao invs da funo de

    17

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    onda, estabelecendo uma relao implcita entre o potencial externo e a densi-

    dade eletrnica do sistema, foi a do tomo de Thomas-Fermi, em 1937 [46,47].

    No entanto, at 1964 o uso da densidade era considerada apenas um modelo,

    quando Hohenberg e Kohn propuseram um mtodo prtico e poderoso para

    descrever um sistema de eltrons interagentes. Na DFT, as partculas so trata-

    das atravs do mapeamento de um sistema auxiliar, no interagente, no qual se

    movem em um potencial efetivo local de partcula nica. Os resultados obtidos

    neste trabalho utilizam um esquema prtico para resolver as equaes de Kohn-

    Sham (KS), provenientes da DFT, conhecido como mtodo de pseudopotenci-

    ais [4852], implementado no cdigo computacional Quantum ESPRESSO [53],

    e constitui uma poderosa ferramenta na descrio das propriedades fsicas de

    materiais. Esta metodologia est descrita nas prximas sees.

    2.4 Teoria do Funcional da Densidade

    Teoremas de Hohenberg e Kohn

    Os teoremas de Hohenberg e Kohn (HK) [44] so:

    Teorema 1: A energia total de um sistema quntico de vrios eltrons

    um funcional nico do potencial externo.

    Teorema 2: A correta densidade eletrnica para o estado fundamental

    aquela que minimiza o funcional energia total do sistema.

    O primeiro teorema diz que o potencial externo um funcional nico da densi-

    dade eletrnica do sistema, estabelecendo uma relao biunvoca entre a den-

    sidade eletrnica e o potencial externo. O segundo teorema o princpio varia-

    cional de Rayleight-Ritz aplicado densidade eletrnica, ao invs de funo

    de onda, e pode ser considerado como uma maneira formal de tornar exata a

    teoria de Thomas-Fermi. Assim, o teorema 1, ao estabelecer que existe uma

    correspondncia nica entre a densidade (~r) do estado fundamental de um sis-

    tema de muitos eltrons e o potencial externo Vext , ela estabelece que o valor

    esperado, no estado fundamental, para um observvel descrito pelo operador

    18

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    O, um funcional nico da densidade eletrnica do estado fundamental do sis-

    tema, que depende de Vext . Isto leva ao teorema 2, pois se o operador O for a

    hamiltoniana H, ento existe um funcional energia total, do estado fundamental

    de um sistema de eltrons interagentes, que um funcional da densidade de

    carga eletrnica, que depende de Vext .

    Equaes de Kohn - Sham

    Utilizando os teoremas de HK, Kohn e Sham (KS) [45] desenvolveram um m-

    todo eficaz para se calcular as propriedades de um sistema de muitos corpos.

    Utilizando o primeiro teorema de HK, o funcional energia total escrito como

    E[(~r)] = Vext [(~r )] + G[(~r )] , (2.9)

    com G[(~r )] sendo um funcional universal, independente do sistema considera-

    do, e pode ser escrito em termos do funcional energia cintica e do funcional

    energia de interao eletrnica do sistema

    G[(~r)] = T [(~r)] + Vee[(~r)] . (2.10)

    A forma analtica do funcional G[(~r )] no conhecida, mas os teoremas de

    HK garantem que ele um funcional da densidade. Em 1965, Kohn e Sham

    [45] propuseram uma maneira de escrever este funcional, o qual denominamos

    FKS[(~r)], que trata as partculas interagentes do sistema em termos de um

    sistema efetivo no interagente, com a mesma densidade total do problema de

    muitos corpos. A expresso proposta para o funcional de KS tem a seguinte

    forma

    FKS[(~r)] =

    (~r) (~r )

    |~r ~r | d~r d~r + Ts [(~r)] + Exc [(~r)] , (2.11)

    em que o primeiro termo do segundo membro da equao (2.11) define as inte-

    raes eltron-eltron puramente coulombianas, Ts [(~r)] representa o funcional

    energia cintica de um gs de eltrons no interagentes e Exc [(~r)] corresponde

    ao funcional energia de troca e correlao e incorpora o termo de troca (devi-

    do ao princpio de excluso de Pauli) e parte do funcional T [(~r)] da equao

    19

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    (2.10), desprezado em Ts[(~r )]. Assim, o funcional energia total do sistema fica

    E[(~r )] =

    (~r) Vext(~r) d~r +

    (~r) (~r )

    |~r ~r | d~r d~r+Ts [(~r)]+Exc [(~r )] . (2.12)

    Utilizando o segundo teorema de HK, a correta densidade para o estado

    fundamental a que minimiza o funcional energia total do sistema, dado pela e-

    quao (2.12), com a restrio de que o nmero total de partculas N, expresso

    por

    N =

    (~r) d~r , (2.13)

    deva ser constante. Sendo um multiplicador de Lagrange, a condio de m-

    nimo obtida por meio de

    {

    E[(~r )] N}

    = 0 . (2.14)

    Substituindo as expresses (2.12) e (2.13) na equao (2.14), obtemos

    {

    (~r) Vext(~r)d~r +

    (~r)(~r )

    |~r ~r | d~r d~r + Ts [(~r)] + Exc [(~r)]

    (~r) d~r

    }

    =0.

    (2.15)

    Explicitando a variao, separadamente, de cada um dos termos da equao

    (2.15), temos

    {

    (~r) Vext(~r) d~r

    }

    =

    Vext(~r) (~r) d~r ; (2.16)

    {(~r)(~r )

    |~r ~r | d~r d~r

    }

    = 2

    (~r )

    |~r ~r | (~r) d~r ; (2.17)

    Ts [(~r)] =

    [Ts

    ]

    (~r) d~r ; (2.18)

    Exc [(~r)] =

    [Exc

    ]

    (~r) d~r ; (2.19)

    {

    (~r) d~r

    }

    =

    (~r) d~r . (2.20)

    Substituindo as equaes (2.16)-(2.20) na equao (2.15) obtemos

    20

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    d~r

    {

    Vext(~r) + 2

    (~r )

    |~r ~r | d~r +

    Ts+Exc

    }

    (~r) = 0 . (2.21)

    Como a variao (~r) arbitrria, ento a expresso entre parnteses, na

    equao acima, deve ser nula, levando

    Vext(~r) + 2

    (~r )

    |~r ~r | d~r +

    Ts+Exc = 0 . (2.22)

    Podemos expressar a densidade eletrnica do sistema em termos de um con-

    junto de N funes ortonormais, de modo que

    (~r ) =

    N

    k=1

    k(~r )k(~r ) . (2.23)

    Com isso, podemos, no processo variacional anterior, substituir a variao em

    (~r ) por variaes nas funes k(~r ) e k(~r ). Iremos variar k(~r ) e, portanto

    (~r ) = [k(~r )]k(~r ). No caso considerado de um sistema auxiliar de eltrons

    no interagentes, o funcional energia cintica tambm pode ser expresso em

    termos do conjunto de N funes ortonormais, como

    Ts [] =

    N

    i=1

    k(~r) k(~r)d~r (2.24)

    Desse modo, a variao do funcional energia cintica fica

    Ts [(~r)] =

    [k(~r )] k(~r ) d~r

    =

    [k(~r )k(~r )] d~r

    k(~r )2k(~r )d~r

    =

    k(~r )k(~r )d ~S

    = 0

    k(~r )2k(~r )d~r (2.25)

    em que a integral de superfcie, na equao (2.25), nula, pois ou k nula

    no infinito ou temos condies peridicas de contorno. Utilizando a definio de

    derivadas funcionais, temos que a equao (2.25) fica

    Ts []

    =

    k(~r)2k(~r)d~r = 2k(~r) . (2.26)

    21

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    Usando essa expresso na equao (2.22), chegamos s equaes de Kohn-

    Sham:

    {

    2 + 2

    (~r)

    |~r ~r |d~r + Vext(~r) + Vxc(~r)

    }

    k(~r) = k k(~r) (2.27)

    em que, por definio, Vxc(~r) =Exc

    o potencial de troca e correlao.

    A teoria do funcional da densidade relaciona um sistema de eltrons intera-

    gentes com um de eltrons no interagentes que possua a mesma densidade

    (~r ) no estado fundamental. Estas equaes so muito semelhantes s equa-

    es de Hartree, mas contm o termo Vxc(~r ), que representa o potencial de

    troca mais o de correlao, os quais derivam do funcional energia de troca e

    correlao Exc [(~r )]. O termo de troca e correlao contm todos os efeitos

    de muitos corpos no incorporados na teoria de Hartree. As equaes de KS

    so exatas. No entanto, a atribuio de qualquer significado fsico s funes de

    onda j(~r ) e aos auto-valores j deve ser feita de modo judicioso, pois, em prin-

    cpio, as auto-funes obtidas pela soluo das equaes de KS so aquelas

    utilizadas como base para determinar a densidade eletrnica do estado funda-

    mental do sistema eletrnico. No entanto, todos os j e j(~r ) possuem um valor

    semi-quantitativo pois contm os efeitos de troca e correlao e so consisten-

    tes com a densidade fsica exata (~r ). Para se obter os estados eletrnicos

    de um sistema, atravs da utilizao das equaes de KS, encontramos dois

    problemas:

    (a) Como o potencial efetivo deste sistema fictcio auxiliar depende de um fun-

    cional da densidade eletrnica, as equaes de KS devem ser resolvidas

    de maneira autoconsistente;

    (b) Deve-se tomar uma forma aproximada para o funcional energia de troca e

    correlao pois, na prtica, para a maior parte das densidades, ele no

    conhecido exatamente.

    O primeiro destes problemas superado, hoje em dia, de maneira trivial,

    at o grau de preciso desejado, dentro de um critrio pr-estabelecido. Para o

    22

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    segundo problema, a soluo no trivial mas, atualmente, existem vrias apro-

    ximaes para o funcional de troca e correlao. A aproximao mais comum

    a chamada aproximao da densidade local (LDA - Local Density Approxima-

    tion) [45]. Nesta aproximao supe-se que a contribuio de troca-correlao

    de todo o volume infinitesimal dependa apenas da densidade local daquele vo-

    lume. Apesar de simples, ela fornece resultados satisfatrios para uma grande

    variedade de sistemas, sendo amplamente utilizada na fsica da matria con-

    densada. No entanto, em alguns casos, a aproximao LDA no descreve muito

    bem os sistemas e o passo seguinte foi fazer com que a contribuio de troca-

    correlao de todo o volume infinitesimal no dependesse apenas da densidade

    local daquele volume, mas tambm da densidade nos volumes vizinhos, ou seja,

    incluindo a dependncia do gradiente da densidade. Esta aproximao cha-

    mada de aproximao do gradiente generalizado (GGA - Generalized Gradient

    Approximation) [54]. Aproximaes deste tipo vm sendo amplamente utiliza-

    das na fsica da matria condensada e esto descritas brevemente no apndice

    A.

    Mtodos de Pseudopotencial

    As funes de onda para descrever eltrons livres em um cristal peridico po-

    dem ser expandidas em ondas planas. Se o potencial devido aos ons for des-

    considerado, as ondas planas sero a soluo exata. Se o potencial for suave,

    ento ele pode ser tratado como uma pertubao. Entretanto, o potencial de-

    vido aos ons est longe de ser suave e por isso uma base de ondas planas

    invivel para descrever todos os eltrons em um cristal, principalmente as

    funes de onda eletrnicas das regies prximas aos ncleos atmicos, pois

    seriam necessrias muitas componentes para representar adequadamente as

    variaes rpidas que as funes apresentam. Slater sugeriu uma maneira

    de solucionar este problema [55], propondo que a expanso em ondas planas

    fosse aumentada com a soluo das funes de onda atmicas nas regies

    esfricas prximas aos ncleos, assumindo que o potencial esfericamente

    simtrico dentro das esferas atmicas e nulo na regio intersticial. Este co-

    nhecido como mtodo APW (Augmented Plane Wave) e o potencial chamado

    23

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    de potencial muffin-tin. Em 1940, Herring [56] props um mtodo alternativo

    com o intuito de superar a aproximao muffin-tin do potencial. Nesta aproxi-

    mao, as funes de onda dos eltrons de valncia so construdas como uma

    combinao linear de ondas planas com funes atmicas. Com uma escolha

    apropriada dos coeficientes da expanso, estas funes de onda so ento,

    por construo, ortogonais aos estados de caroo e, por isso, este mtodo

    conhecido como OPW (Orthogonalized Plane Wave).

    Em um cristal, difcil descrever convenientemente os estados dos eltrons

    de caroo enquanto que a descrio dos estados dos eltrons de valncia

    apropriadamente descrita por uma expanso de ondas planas, pois esto sujei-

    tos a um potencial muito mais suave do que os eltrons do caroo. O passo pos-

    terior foi remover completamente os estados de caroo, substituindo sua ao

    por um pseudopotencial. Entretanto, este pseudopotencial precisa ser cons-

    trudo de maneira a representar adequadamente as propriedades de ligao do

    potencial verdadeiro. Desse modo, vamos analisar as caractersticas essenciais

    dos estados eletrnicos de um tomo, dividindo-os em trs espcies:

    ESTADOS DE CAROO: altamente localizados e no participam ativamente das

    ligaes qumicas.

    ESTADOS DE VALNCIA: extensos e responsveis pelas ligaes qumicas.

    ESTADOS DE SEMICAROO: localizados e polarizveis, mas geralmente no

    contribuem diretamente para as ligaes qumicas.

    Os estados de valncia, devido ortogonalizao com os estados de caroo,

    possuem um comportamento oscilatrio caracterstico. O nmero de ns

    n1, onde n o nmero quntico principal e o momentum angular. Quandoas funes de base escolhidas so ondas planas, o clculo dos elementos de

    matriz da hamiltoniana precisa das componentes de Fourier dessas funes de

    onda. Fortes picos na funo de onda necessitam de um grande nmero de

    ondas planas para serem corretamente descritos, com um grande custo com-

    putacional.

    Como os estados de caroo no so essenciais para a correta descrio

    das ligaes qumicas e uma boa descrio das funes de onda de valncia

    24

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    no so estritamente necessrias, no perdemos nenhuma informao se a

    soluo dentro de um raio especfico (raio de cutoff ) for substituda por uma

    funo suave, sem ns. No possuindo nenhum n, esta funo correspon-

    de ao estado fundamental de um problema atmico efetivo, onde o potencial

    verdadeiro substitudo por um pseudopotencial.

    Philips e Kleinman [57] mostraram que possvel construir uma funo de

    onda suave de estados de valncia v , no ortonormal aos estados de caroo

    c , combinando os estados de caroo com as funes de onda de valncia

    verdadeiras v da seguinte forma

    |v = |v +

    c

    |c (2.28)

    em que cv = c |v 6= 0. Esta pseudofuno de onda satisfaz a equao deSchrdinger modificada

    [

    H +

    c

    (v c) |c c |]

    |v = v |v (2.29)

    em que H = T + V ; V = (Zc/r)I o potencial nuclear e I o operador identidade.

    Assim, possvel construir uma pseudo-hamiltoniana da forma

    HPS = H +

    c

    (v c)|cc | (2.30)

    com os mesmos autovalores da hamiltoniana original mas com funes de onda

    mais suaves e sem ns. O potencial associado a esta pseudo-hamiltoniana

    VPS =ZcrI +

    c

    (v c)|cc | (2.31)

    e chamado de pseudopotencial.

    H uma grande liberdade na construo de pseudopotenciais. Este um

    problema inverso, dada uma pseudofuno de onda que aps alguma distncia

    decai exatamente como a funo de onda total; e um autoestado de uma

    pseudo-hamiltoniana com os mesmos autovalores da funo de onda total, o

    pseudopotencial obtido invertendo a equao de Schrdinger radial{

    ~2

    2m

    d2

    dr2+(+ 1)

    2r2+ V (r)

    }

    rR(, r) = rR(, r) (2.32)

    25

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    para a pseudofuno de onda. Esta uma equao diferencial de segunda

    ordem. Uma vez fixado , sua soluo univocamente determinada pelo valor

    da funo de onda R(, r) e sua derivada R(, r) em qualquer ponto r0. Estas

    duas condies podem ser igualmente realizadas se especificarmos o valor da

    derivada logartmica radial da funo de onda em r0

    cot () [d

    drlnR(, r)

    ]

    r0

    =1

    R(, r0)

    [dR(, r)

    dr

    ]

    r0

    (2.33)

    junto com uma condio de normalizao. Isto pode ser feito para qualquer valor

    de . Portanto, se o potencial total e o pseudopotencial forem os mesmos fora

    de algum raio rC (raio de cutoff ), ento estas funes de onda so proporcionais

    entre si se as derivadas logartmicas correspondentes so as mesmas, ou seja

    1

    RAE(, rC)

    [dRAE(, r)

    dr

    ]

    rC

    =1

    RPS(, rC)

    [dRPS(, r)

    dr

    ]

    rC

    (2.34)

    em que AE significa All Electron e PS pseudopotencial. A proporcionalidade se

    torna uma igualdade apenas quando requerido que a pseudofuno de onda

    preserve sua norma dentro do raio de cutoff rC

    0

    r2[RPS(, r

    ]2dr =

    rC

    0

    r2[RAE(, r

    ]2dr. (2.35)

    Estes so chamados de pseudopotenciais de norma conservada [58]. Conside-

    rando a regra de soma de Friedel

    12

    {[

    rR(, r)]2 d

    d

    d

    drlnR(, r)

    }

    rC

    =

    rC

    0

    r2[

    R(, r)]2

    dr (2.36)

    a conservao da norma impe, em primeira ordem nos autovalores, que a

    derivada logartmica das funes de onda total e das pseudofunes de onda

    variam da mesma forma. Ou seja, uma pequena mudana nos autovalores de-

    vido uma alterao no potencial externo produz uma mudana de segunda

    ordem na derivada logartmica. Portanto, a condio (2.34), que por constru-

    o vlida apenas para o valor de usado para obter as funes de onda, se

    torna aproximadamente vlida em uma faixa de autovalores ao redor de . Por

    isso, pseudopotenciais derivados de clculos atmicos podem ser utilizados em

    26

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    outros ambientes, o que garante uma alta transferibilidade ao pseudopotencial.

    Quando um tomo faz parte de uma molcula ou de um cristal, seus eltrons so-

    frem influncia dos outros tomos. Isso implica que os autovalores eletrnicos

    so deslocados de seus valores atmicos, mas a propriedade de transferibili-

    dade garante que as funes de onda total e as pseudofunes de onda ainda

    coincidam fora do raio de cutoff . Por isso, a restrio de conservao da norma

    garante que o pseudopotencial til, pelo menos em ambientes tais que os

    autovalores no sejam significativamente diferentes dos valores usados em sua

    construo.

    Apesar da conservao da norma ser importante para que o pseudopoten-

    cial tenha alta transferibilidade, esta restrio o torna "duro" (hard), de tal forma

    que so necessrias vrias ondas planas para a descrio dos estados eletr-

    nicos. Entretanto, independentemente de se respeitar o critrio de transferibili-

    dade, embutido na equao (2.36), no estritamente necessrio que a norma

    da funo de onda total e da pseudofuno de onda coincidam. Assim, esfor-

    os para se reduzir a quantidade de ondas planas foram feitos na direo de

    se abrandar a condio de conservao da norma, se generalizando a regra

    de soma na equao (2.36). Isso foi feito em 1990 por Vanderbilt [52], dando

    origem aos pseudopotenciais ultrasoft (ultrasuaves).

    A essncia do mtodo APW original o fato das funes de onda prximas

    ao ncleo serem similares s funes atmicas, sendo fortemente variveis,

    mas aproximadamente esfricas. Ao contrrio, na regio intersticial entre os

    tomos tanto o potencial como as funes de onda so mais suaves. Dessa

    forma, o espao divido em duas regies e diferentes funes de base so

    usadas para expandir a funo de onda em cada regio: solues da equao

    de Schrdinger radial dentro de esferas centradas nos tomos e ondas planas

    na regio intersticial remanescente. Um dos problemas deste mtodo a e-

    quao radial de Schrdinger depender de um parmetro de energia E, no

    conhecido a priori. As APWs so solues da equao de Schrdinger dentro

    das esferas apenas na energia E, dessa forma as bandas de energia no po-

    dem ser obtidas com uma nica diagonalizao, sendo necessrio resolver um

    determinante secular como funo de E e determinar suas razes, o que de-

    manda alto custo computacional. O mtodo LAPW uma modificao no APW,

    27

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    no qual a funo de base dentro das esferas depende no apenas da equao

    de radial, mas tambm da sua derivada com relao a E. Com isso, as LAPWs

    possuem uma maior liberdade variacional que as APWs, pois os parmetros Ediferem levemente das bandas de energia. Isto leva a uma enorme simplifica-

    o com relao ao mtodo APW, pois todas as bandas de energia podem ser

    obtidas de maneira precisa com uma nica diagonalizao, enquanto no APW

    necessrio uma por banda.

    Em 1994, Blochl props uma abordagem entre o mtodo LAPW e o de pseu-

    dopotenciais [59], chamada Projected Augmented Wave (PAW). Esta aborda-

    gem mantm caractersticas do LAPW, em que todos os eltrons so conside-

    rados (All Electron AE), mas usa uma decomposio da funo de onda total

    em termos de uma pseudofuno de onda suave e uma contribuio localizada

    que varia bruscamente na regio do ncleo (as esferas muffin tin, na linguagem

    do APW). Mostraremos a metodologia PAW da maneria original proposta por

    Blochl [59].

    As funes de onda possuem comportamento diferente em diversas regies

    do espao. Em regies prximas ao ncleo, h uma rpida oscilao devido

    grande atrao coulombiana, mas na regio de ligao, a funo de onda

    bem suave. Portanto, consideramos o espao de Hilbert de todas as funes

    de onda ortogonais aos estados de caroo. As funes de onda fisicamente

    relevantes neste espao de Hilbert possuem um comportamento altamente os-

    cilatrio, o que torna o tratamento numrico bem trabalhoso. Uma maneira de

    se enfrentar este problema considerar um espao de Hilbert auxiliar, chamado

    pseudo-espao de Hilbert. Mapeamos ento as funes de onda de valncia

    da funo de onda AE neste novo espao fictcio. Este mapeamento deve ser

    linear e devem transformar as funes de onda AE em pseudofunes de onda

    computacionalmente convenientes.

    Conhecendo esta transformao T das pseudofunes de onda para a fun-o de onda AE, qualquer observvel, representado pelo valor esperado Ode algum operador O, das pseudofunes de onda | pode ser obtido. Istopode ser feito obtendo-se a funo de onda real como | = T | e calcu-lando |O|. Outra maneira calcular o valor esperado O = |O| de umpseudo-operador O = T OT no espao de Hilbert das pseudofunes de onda.

    28

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    Da mesma forma, a energia total pode ser calculada diretamente como um fun-

    cional das pseudofunes de onda. O estado fundamental das pseudofunes

    de onda pode ser obtido como

    E[T |]|

    = T T |. (2.37)

    necessrio escolher uma forma para a transformao. Como iremos explo-

    rar caractersticas de tipos atmicos particulares, consideramos apenas trans-

    formaes que diferem da identidade por uma soma de contribuies TR locais,centrada nos tomos, tais que

    T = 1 +

    R

    TR. (2.38)

    Cada contribuio local TR age somente dentro de alguma regio aumen-tada, ao redor de um tomo. Isto implica que a funo de onda AE e a pseudo-

    funo de onda coincidem fora desta regio. Os termos locais TR so definidospara cada regio aumentada individualmente por

    |i = (1 + TR)|i (2.39)

    em que se deve especificar a funo alvo |i da transformao T , para con-juntos de funes iniciais |i. Estas funes so ortogonais aos estados decaroo e completas na regio aumentada. Os estados iniciais |i so cha-mados pseudo-ondas parciais e as correspondentes funes alvo |i ondasparciais AE. Uma escolha natural para as funes das ondas parciais AE so

    as solues da equao de Schrdinger radial para o tomo isolado, ortogona-

    lizadas em relao aos estados de caroo, se necessrio. O ndice i refere-se

    ao stio atmico R, ao nmero quntico do momento angular L = (,m) e a

    um ndice adicional n para rotular diferentes ondas parciais no mesmo stio e

    momento angular.

    Para cada onda parcial AE , escolhe-se uma pseudo-onda parcial denotada

    por i . Estas pseudo-ondas parciais devem ser idnticas onda parcial AE

    correspondente fora da regio aumentada e devem elas mesmas constituir um

    conjunto completo de funes dentro desta regio. Os graus de liberdade res-

    tantes na escolha das pseudo-ondas parciais so usados para se otimizar as

    pseudofunes de onda.

    29

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    Com estas definies, pode-se construir uma expresso fechada para o ope-

    rador da transformao T . Dentro da regio aumentada, cada pseudofuno deonda parcial pode ser expandida nas pseudo-ondas parciais

    | =

    i

    |ici . (2.40)

    Como |i = T |i, as funes de onda AE correspondentes so da forma

    | = T | =

    i

    |ici (2.41)

    com coeficientes ci idnticos nas duas expanses. Assim, podemos expressar

    a funo de onda AE como

    | = |

    i

    |ici +

    i

    |ici (2.42)

    em que os coeficientes da expanso das ondas parciais ainda devem ser deter-

    minados.

    Como esta transformao deve ser linear, os coeficientes ci devem ser fun-

    cionais lineares das pseudofunes de onda. Portanto, os coeficientes so pro-

    dutos escalares

    ci = pi |i (2.43)

    das pseudofunes de onda com alguma funo fixa pi |, chamadas funesprojetoras. Existe exatamente uma funo projetora para cada pseudo-onda

    parcial. As funes projetoras so localizadas na regio aumentada, apesar

    de, em princpio, funes projetoras mais estendidas possam ser escolhidas. A

    forma mais geral para a funo projetora, segundo Blochl,

    pi | =

    j

    ({fk |l

    })1

    i jfj | (2.44)

    em que fk forma um conjunto arbitrrio e linearmente independente de funes.

    As funes projetoras so localizadas se as funes |fi tambm o forem.Resumindo, a transformao linear (2.38)

    T = 1 +

    i

    (|i |i) pi | (2.45)

    30

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    entre as funes de onda parciais de valncia e as pseudofunes de onda foi

    estabelecida. Usando esta transformao, as funes de onda AE podem ser

    obtidas das pseudofunes de onda por

    | = |+

    i

    (|i |i) pi |i. (2.46)

    Esta transformao determinada por trs quantidades: as ondas parciais AE

    |i obtidas por uma integrao radial da equao de Schrdinger de um con-junto de energias atmicas 1i e ortogonalizadas com os estados de caroo; uma

    pseudo-onda parcial |i, que coincide com a onda parcial AE; e uma funoprojetora para cada pseudo-onda parcial localizada dentro da regio aumentada

    e que obedea relao pi |j = i j .As ondas parciais so funes radiais multiplicadas por harmnicos esfri-

    cos. Em geral, as pseudofunes de onda so expandidas em ondas planas,

    mas outras escolhas so igualmente possveis. As funes projetoras tambm

    so radiais multiplicadas por harmnicos esfricos, mas em seguida so trans-

    formadas nas mesmas representaes das pseudofunes de onda.

    Os estados de caroo |c so decompostos de uma maneira similar aosde valncia. Eles possuem trs contribuies: uma pseudofuno de onda de

    caroo |c, idnticas aos estados verdadeiros fora da regio aumentada e umacontinuao suave dentro; uma onda parcial AE |c que so idnticas aos es-tados de caroo AE |c e so expressas como funes radiais multiplicadas porharmnicos esfricos; e uma pseudo-onda parcial de caroo, que so idnticas

    aos pseudoestados de caroo |c, mas representadas tambm como funesradiais multiplicadas por harmnicos esfricos. Dessa forma, os estados de

    caroo so expressos na forma

    |c = |c+ |c |c. (2.47)

    Ao contrrio dos estados de valncia, no so necessrias funes projeto-

    ras para os estados de caroo. Alm disso, os estados de caroo so importa-

    dos do tomo isolado.

    Portanto, no mtodo PAW tambm se tem uma diviso do espao, assim

    como no LAPW, e a funo de onda AE decomposta em termos de uma pseu-

    dofuno de onda suave mais uma contribuio localizada. A funo de onda

    31

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    AE (verdadeira) e a pseudofuno de onda so relacionadas por uma transfor-

    mao linear, dada pela equao (2.42). Apesar de no ser estritamente ne-

    cessrio, o mtodo PAW congela os orbitais de caroo em uma configurao de

    referncia, funcionando apenas para os estados de valncia, exatamente como

    no mtodo de pseudopotencial. Por isso, todos os mtodos de pseudopotenci-

    ais podem ser utilizados no PAW. At o presente, o mtodo PAW parece ser um

    dos mtodos mais poderosos para os clculo de estrutura eletrnica de cristais,

    pois combina a eficincia dos pseudopotenciais com a preciso dos mtodos

    baseados no APW, sendo a metodologia utilizada neste trabalho. O mtodo

    PAW uma abordagem geral, possuindo o APW como um caso particular [60]

    e o mtodo de pseudopotenciais como uma aproximao bem definida [61].

    2.5 Propriedades termodinmicas

    A metodologia descrita at agora utiliza uma rede esttica (aproximao de

    Born-Oppenheimer) para descrever o cristal. Como os ons esto parados, to-

    das as propriedades calculadas dessa forma so independentes da temperatu-

    ra. A Terra apresenta um gradiente de temperatura elevado, atingindo milhares

    de Kelvin no manto superior e inferior, podendo chegar a temperaturas de at

    6000 K no ncleo, de tal forma que a incluso de efeitos trmicos nas simu-

    laes pode influenciar os resultados. Dentro da aproximao adiabtica, os

    graus de liberdade associados ao movimento dos ons so separados dos da

    parte eletrnica. A metodologia apresentada at o momento trata apenas desta

    ltima. Entretanto, para a incorporao de efeitos trmicos, deve-se conside-

    rar tambm o movimento dos ncleos atmicos, descritos pela equao (2.5).

    Nesta equao, os ons esto sujeitos ao potencial devido aos outros ons VNNe ao potencial devido aos eltrons do sistema. Se no h foras agindo sobre

    os ons, o que corresponde rede esttica, ento o cristal est em equilbrio.

    Deste modo, pode-se considerar que os ons descrevem um movimento osci-

    latrio ao redor de uma posio de equilbrio. Isto corresponde a um potencial

    harmnico agindo sobre os ons.

    De acordo com a mecnica estatstica, os nveis de energia de um sistema

    32

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    determinam completamente suas funes termodinmicas. Em particular, a e-

    nergia livre de Helmholtz dada, de maneira geral, por

    F = kBT lnZ, (2.48)

    em que kB a constante de Boltzmann, T a temperatura e Z a funo de parti-

    o, que a soma de todos os fatores de Boltzmann correspondentes a todos

    os nveis de energia possveis do sistema

    Z =

    n

    exp

    [

    nkBT

    ]

    , (2.49)

    sendo n os autovalores do operador energia. Os ncleos atmicos, sendo muito

    mais pesados que os eltrons, realizam um movimento oscilatrio ao redor de

    suas posies de equilbrio, de tal forma que pode-se aproximar a interao

    entre os ons por um potencial harmnico. Assim, se considerarmos o slido

    como um conjunto de osciladores independentes, os autovalores de energia do

    sistema so dados por

    n =

    (

    n +1

    2

    )

    ~. (2.50)

    Com a utilizao das equaes (2.48), (2.49) e (2.50), a energia livre se escreve

    Fi =1

    2~i + kBT ln

    {

    1 exp[

    ~ikBT

    ]}

    . (2.51)

    Para uma rede cristalina com modos normais de vibrao i ,

    i Fi nos d a par-

    cela da energia livre associada com a vibrao do sistema. A energia livre total

    inclui tambm a parcela da energia da rede esttica, na qual os ons ocupam

    sua posio de equilbrio. Assim, pode-se escrever a energia livre de Helmholtz

    como

    F (V, T ) = E(V ) +1

    2

    q,i

    ~q,i(V ) + kBT

    q,i

    ln

    {

    1 exp[

    ~q,i(V )kBT

    ]}

    , (2.52)

    em que q so vetores do espao recproco. Nesta expresso o segundo e o

    terceiro termos do lado direito so a energia de ponto zero e a energia trmica

    do sistema, respectivamente, enquanto E(V ) a energia interna esttica do sis-

    tema, calculada atravs da DFT e cuja metologia foi descrita na seo anterior.

    33

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    Esta maneira de introduzir-se efeitos trmicos conhecida como aproximao

    quase-harmnica e possibilita o clculo da energia livre de Helmholtz do sis-

    tema e, assim, a determinao de todas propriedades termodinmicas, para

    sistemas em que o acoplamento eltron-fnon desprezvel.

    Clculo de fnons por primeiros princpios

    O clculo da energia livre de Helmholtz, equao (2.52), dentro da aproximao

    quase-harmnica, requer o conhecimento da energia interna esttica do siste-

    ma, E(V ), e das frequncias de vibrao (fnons) do cristal [62]. De acordo

    com a equao (2.5), o potencial efetivo Vef a que os ons esto sujeitos dado

    por

    Vef = VNN + En(~R). (2.53)

    Considere, ento, um cristal com n tomos por clula unitria e seja u(k)

    o deslocamento do tomo k na clula . Assumindo que o potencial Vef uma

    funo da posio instantnea de todos os tomos, pode-se expandir Vef , em

    uma srie de Taylor, em potncias do deslocamento u(k), do tomo [62],

    como

    Vef = V0 +

    k

    Vefu(k)

    0

    u(k) +1

    2

    k,k

    (k, k )u(k)u(

    k ) + . . .

    (2.54)

    em que V0 o valor do potencial na posio de equilbrio e

    (k, k ) =

    2Vefu(k)u(k )

    0

    . (2.55)

    O primeiro termo na equao (2.54) uma constante, podendo ser conside-

    rada nula. O segundo termo a fora em cada tomo e, portanto, tambm nula

    na configurao de equilbrio. Na aproximao harmnica, termos de ordem

    maiores que dois (termos quadrticos) no so considerados na expanso e

    tem-se

    Vharm =1

    2

    k,k

    (k, k )u(k)u(

    k ). (2.56)

    Pode-se, ento, escrever a equao de movimento para os ons [62]

    mk u(k) =

    k

    (k, k )u(

    k ), (2.57)

    34

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    em que mk a massa do k-simo tomo, = x, y , z , e a matriz de fora

    interatmica, em que (k, k ) representa a fora linear negativa em um

    tomo (k) na direo , devido a um deslocamento do tomo (k ) na direo

    . Devido simetria de translao, a matriz de constantes de fora pode ser

    escrita como

    (k, k ) = (0k, (

    )k ) (2.58)

    e a equao (2.57) pode ser escrita como

    mk u(k) =

    k

    (0k, k )u(

    k ). (2.59)

    Para resolver esta equao, supomos uma soluo da forma

    u(k) =1mk

    q

    U(q, k) exp [i(q.x(l) t)], (2.60)

    em que x() o vetor posio de equilbrio da -sima clula unitria e U(q, k)

    no depende de . Substituindo essa soluo na equao (2.59), tem-se

    2U(q, k) =

    k

    D(kk|q)U(q, k ), (2.61)

    cuja soluo no trivial obtida solucionando o determinanteD(kk

    |q) 2kk = 0. (2.62)

    Nesta expresso, D a matriz dinmica do sistema e dada por

    D(kk|q) = 1

    mkmk

    (0k, k ) exp (iq.x()). (2.63)

    A matriz dinmica uma matriz hermitiana 3n 3n. Por isso, possui 3nautovalores reais, correspondentes aos 3n graus de liberdade da clula unit-

    ria com n tomos. Como D uma matriz hermitiana, seus autovalores 2

    so reais e esta uma condio necessria (mas no suficiente) para o cristal

    ser considerado estvel. As frequncias de vibrao de um cristal, necessrias

    para se construir a energia livre de Helmholtz na equao (2.52), podem ser

    obtidas diagonalizando-se a matriz dinmica, dada pela equao (2.62). Deve-

    mos ento calcular essa matriz para obter as propriedades termodinmicas do

    cristal.

    35

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    Dentro do formalismo descrito, o clculo da matriz dinmica pode ser feito

    diretamente, deslocando-se um tomo da clula e calculando as foras que

    aparecem no sistema atravs do teorema de Hellman-Feynman. Entretanto,

    este mtodo requer a utilizao de superclulas grandes o suficiente para que

    os elementos (0k, k ) sejam pequenos o bastante nas bordas da clula.

    Alm disso, podem ser necessrios muitos deslocamentos para clculos das

    foras em todos os tomos. Por exemplo, uma estrutura a ser estudada neste

    trabalho descrita por uma clula monoclnica de bases centradas, com uma

    base de 30 tomos. Nesta estrutura so necessrios 51 deslocamentos, ou

    seja, 51 clculos de estrutura eletrnica, mostrando que este mtodo invivel

    para se estudar fnons de cristais que apresentam clulas com baixa simetria e

    com uma base com um nmero grande de tomos. Uma alternativa o uso da

    teoria de pertubao do funcional da densidade. Este foi o mtodo usado neste

    trabalho e que passaremos a expor a seguir.

    Considere que o potencial externo dependa de algum parmetro , tal que

    V(~r) V (~r) + V (~r)

    +1

    22

    2V (~r)

    2+ . . . (2.64)

    em que todas as derivadas so calculadas em = 0. Podemos tambm ex-

    pandir, em potncias de , a densidade de carga e a energia do sistema, tal

    que

    n(~r) n(~r) + n(~r)

    +1

    22

    2n(~r)

    2+ . . . (2.65)

    E E + E

    +1

    22

    2E

    2+ . . . (2.66)

    Pelo teorema de Hellman-Feynman, a derivada de primeira ordem da energia

    (E/) no depende de nenhuma derivada da densidade n(~r), de modo que

    E

    =

    n(~r)V (~r)

    d~r . (2.67)

    Portanto, a derivada de segunda ordem da energia (2E/2) depende de deri-

    vadas de primeira ordem da densidade como

    2E

    2=

    V (~r)

    n(~r)

    d~r +

    n(~r)2V (~r)

    2d~r , (2.68)

    36

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    resultado este que pode ser generalizado para variveis mistas, de modo que

    2E

    =

    V (~r)

    n(~r)

    d~r +

    n(~r)2V (~r)

    d~r . (2.69)

    De maneira geral, a derivada de ordem (2n + 1) da energia depende apenas

    de derivadas at ordem n da densidade de carga (teorema (2n+ 1)) [6365]. A

    derivada de primeira ordem da densidade de carga pode ser obtida de maneira

    tradicional atravs da teoria de resposta linear, aplicando a teoria de pertubao

    na hamiltoniana de Kohn-Sham temos

    v(~r)

    =

    c

    c(~r)1

    v c

    c

    VKS

    v

    =1

    v HKSPcVKS(~r)

    v(~r), (2.70)

    em que v denota estados ocupados e c estados vazios e Pc o operador pro-

    jetor sobre estados vazios. A resposta autoconsistente do potencial

    VKS(~r)

    =V (~r)

    +

    1

    |~r ~r |n(~r )

    d~r +

    Vxc(~r)

    n(~r )

    n(~r )

    d~r (2.71)

    depende da variao em primeira ordem da densidade de carga

    n(~r )

    = 2Re

    v

    v(~r)v(~r)

    . (2.72)

    Assim, v(~r)/ e todas outras quantidades necessrias podem ser deter-

    minadas, de maneira autoconsistente, resolvendo-se um conjunto de equaes

    lineares.

    2.6 Teoria elstica de cristais

    O tensor de deformao

    A teoria da elasticidade trata da relao entre as mudanas no volume e na

    forma em um material sob ao de foras. Quando foras so aplicadas sobre

    um slido, este sofre deformaes em alguma extenso. Estas deformaes

    podem ser explicadas matematicamente considerando-se um corpo em um re-

    ferencial cartesiano em trs dimenses. Um ponto do corpo pode ser descrito

    37

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    pela coordenada (x1, x2, x3). Uma transformao linear impe ao corpo uma

    rotao e uma mudana tanto de orientao quanto de forma [66,67], de modo

    que suas coordenadas apresentam a transformao

    x i = i0 + (i j + i j)xj , (2.73)

    em que os x i representam as novas coordenadas do ponto originalmente em

    xi , i0 representa uma translao, i j so os elementos de uma transformao

    linear e a conveno de soma de Einstein foi utilizada.

    Considere um segmento de linha no interior do corpo submetido a uma trans-

    formao da forma apresentada na equao (2.73). Impondo a restrio de que

    o comprimento x desse elemento de linha permanea inalterado, devemos ter

    xixi = xix

    i (2.74)

    e substituindo a equao (2.73) na (2.74), obtemos

    xixi = [(i j + i j)xj ] [(ik + ik)xk]

    = i jikxjxk + i jikxjxk + iki jxjxk

    = xixi + ikxixk + i jxjxi == i jxixj = 0, (2.75)

    ou seja,

    11 (x1)2 + 22 (x2)

    2 + 33 (x3)2 + (23 + 32) x2x3 +

    + (31 + 13) x3x1 + (12 + 21) x1x2 = 0 . (2.76)

    A equao (2.76) s pode ser satisfeita para um elemento arbitrrio xi se

    11 = 22 = 33 = 0 e

    23 + 32 = 0 23 = 3231 + 13 = 0 31 = 1312 + 21 = 0 12 = 21

    (2.77)

    isto ,

    i j = j i (2.78)

    38

  • Captulo 2: Fundamentos tericos e metodologia

    Dessa forma, impondo a restrio de que o comprimento do elemento de linha

    seja inalterado, a transformao linear representa uma rotao e uma trans-

    lao do elemento de linha. Considerando todos os possveis elementos de

    linha de um corpo e efetuando a transformao (2.73), com a restrio dada em

    (2.74), e com i0 e i j os mesmos para todos os elementos, ento todos os ele-

    mentos de linha sero transladados e rotacionados de tal forma que o volume e

    a forma do corpo permanecem inalterados. Isso idntico ao deslocamento de

    um corpo rgido obtido na mecnica clssica. Note que h 3 componentes da

    translao i0 e 3 da matriz antissimtrica i j . Ou seja, 6 graus de liberdade,

    como na mecnica clssica.

    Considere, agora, uma transformao geral, de tal forma que o comprimento

    do elemento de linha seja alterado. Devemos ter, ento, pela equao (2.73),

    que

    x i = (i j + i j) xj ,

    = i j xj + i j xj

    = xi + i j xj == x i xi = i j xj . (2.79)

    A equao (2.79) nos d a variao de cada elemento de linha, quando o corpo

    submetido transformao (2.73). Podemos tambm escrever esta equao

    em termos das partes simtrica e antissimtrica de i j

    x i xi =1

    2

    [(

    i j + j i

    )

    +(

    i j j i)]

    xj . (2.80)

    Por esta equao, percebe-se que a restrio (2.74) impe que a parte simtrica

    de i j seja nula e podemos identificar a parte antissimtrica com as rotaes do

    corpo

    i j =1

    2

    (

    i j j i)

    . (2.81)

    Assim, se montarmos uma expresso para a mudana no quadrado do compri-

    mento, obteremos exatamente o lado esquerdo da equao (2.76)