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UMA PROPOSTA PARA AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA QUALITATIVA NO
CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL1
CÁRITA PORTILHO DE LIMA2; MARIA JOSÉ RIBEIRO3
RESUMO
O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de avaliação psicopedagógica qualitativa das queixas escolares relacionadas às dificuldades de aprendizagem na Educação Infantil, com o intuito de colaborar na concepção de uma melhor adaptação do ambiente escolar às necessidades infantis. A construção de uma avaliação psicopedagógica envolve a obtenção de informações significativas a respeito do aluno, sua família e sua escola. É preciso buscar entender o processo de desenvolvimento da criança e conhecer seus interesses e dificuldades. Nesta proposta destacamos a avaliação dos seguintes aspectos: o desenvolvimento emocional e físico, a construção do número, a leitura e escrita. Para a elaboração do trabalho utilizamos tanto a obra de D. W. Winnicott como as pesquisas de Jean Piaget e de seus seguidores, como Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Constance Kamii, que podem contribuir em estudos relacionados a avaliações qualitativas de queixas escolares. Na realização de uma avaliação psicopedagógica é importante lembrar que os problemas no desenvolvimento dos alunos e as dificuldades escolares não devem ser atribuídos apenas às crianças e suas famílias. É necessário ainda que os profissionais se coloquem frente à realidade escolar a partir de uma perspectiva crítica e que a avaliação leve em conta o contexto social e histórico da instituição em que a criança está inserida. Palavras-chave: Avaliação psicopedagógica. Desenvolvimento emocional. Desenvolvimento físico. Construção do número. Leitura e escrita.
1Esta pesquisa foi desenvolvida com o apoio PIBIC/CNPq/UFU. 2Aluna Bolsista – Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, CEP 38405-320, e-mail: caritaportilho@yahoo.com.br 3Professora Orientadora – Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, CEP 38405-320, e-mail: mariajpsi@hotmail.com
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ABSTRATC The aim of this work is to present a qualitive psychopedagogical evaluation of educational complaints related to learning difficulties in Primary Education. It intends to collaborate in the concept of a better adaptation of the school atmosphere to the necessities of children. The construction of a psychopedagogical evaluation involves obtaining significant information in regards to the student his/her family and school. It is necessary to comprehend the process of the development of the child and to know his/her interests and difficulties. In this proposal we highlight the following aspects: emotional and physical, the construction of the number, reading and writing. We use the work of D. W. Winnicott as well as the researches of Jean Piaget and his followers, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, and Constance Kamii, who may contribute to studies related to qualitive assessments of educational complaints. In performing a psychopedagogical evaluation, it is important to remember that the problems in the development of students and educational difficulties must not be attributed to only the children and their families. It is yet necessary that professionals face the reality of the school from a critical perspective and that the assessment considers the social and historical context of the institution that the child is placed. Key words: Psychopedagogical evaluation Avaliação psicopedagógica. Emotional development. Physical Development. Number construction. Reading and Writing.
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Este trabalho tem o objetivo de
apresentar uma proposta de avaliação
psicopedagógica qualitativa para o
contexto da educação infantil. Essa
proposta foi elaborada a partir da análise
dos dados construídos em um estudo
realizado anteriormente com crianças entre
quatro e cinco anos de idade (LIMA;
RIBEIRO, 2006).
Uma avaliação psicopedagógica é
construída a partir da obtenção e
integração de informações significativas
que se pode ter da criança, de sua dinâmica
familiar e de sua escola. É preciso
compreender o momento observado dentro
do processo de desenvolvimento da
criança, atentando para suas habilidades,
interesses e sua capacidade de cooperar.
Como assinalam Bossa e Oliveira (1994),
uma avaliação psicopedagógica objetiva
explicitar as condições de aprendizagem da
criança, identificando suas áreas de
competência e de dificuldade. Gostaríamos
de ressaltar, ainda, a importância de uma
avaliação preventiva que considere o
contexto escolar e leve em conta a
subjetividade de cada situação e a
complexidade de fatores de ordem social,
cultural e política nela envolvidos.
No Brasil, a educação infantil é
uma alternativa muitas vezes indispensável
para as mães pobres e/ou trabalhadoras que
precisam ausentar-se de casa durante o dia
todo. Nesse sentido, o fato de a integridade
física da criança estar resguardada já se
coloca como um fator básico que justifica
uma posição favorável a esse benefício
conquistado por uma parte da população
(RIBEIRO, 2004).
O fato de que a educação infantil
não atenda à maioria da população
brasileira, não nos isenta da
responsabilidade de procurar alcançar uma
realidade educacional que efetivamente
favoreça o desenvolvimento infantil.
A busca pelo direito à educação
infantil iniciou-se com o fortalecimento
dos movimentos populares que ocorreram
a partir de 1970, e se ampliou na década de
1980 com os debates sobre a função das
creches para a sociedade. Nesse contexto,
educar deixava de ser apenas cuidar,
assistir e higienizar, passando a creche a
ser lugar de educação e cuidados coletivos
das crianças de zero a seis anos.
A Constituição Brasileira de 1988
definiu o atendimento em creche e na pré-
escola como direito das crianças menores
de seis anos e como dever do Estado. Este
direito é reafirmado pelo artigo nº 54 do
Estatuto da Criança e do Adolescente, de
1990. Em 1996, foi promulgada a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional –
LDB nº 9.394/96, que inclui efetivamente a
educação infantil no sistema educacional
brasileiro, compondo a primeira parte da
educação básica. Como decorrência os
municípios devem promover a integração
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das instituições de educação infantil aos
seus sistemas de ensino. A partir da LDB
9.394/96 começou a existir uma
preocupação específica com a formação do
profissional de educação infantil, sendo
que até o ano de 2010 todos os professores
deverão ter concluído sua formação em
nível superior.
Pensando sobre a educação nesse
contexto, visamos oferecer uma proposta
que poderá auxiliar na avaliação das
queixas escolares relacionadas ao
aprendizado, destacando os aspectos do
desenvolvimento emocional e físico, a
construção do número e a leitura e escrita.
Enfatizamos que todos estes aspectos do
desenvolvimento – emocional, físico,
cognitivo e social – devem ser percebidos
como inter-relacionados.
Desenvolvimento emocional
Para apresentarmos sugestões
relacionadas à avaliação do
desenvolvimento emocional da criança,
abordaremos a teoria do amadurecimento
emocional de D. W. Winnicott. O referido
autor era pediatra e psicanalista e tem sua
obra situada no campo da teoria do
amadurecimento emocional humano.
Discorrendo sobre a importância das
reflexões deste autor, Ribeiro (2004, p.12)
afirma que “Winnicott proporciona uma
possibilidade de pensar sobre questões do
cotidiano escolar, relacionadas ao
desenvolvimento humano, além disso,
fornece subsídios que permitem avançar na
superação da dicotomia entre o
desenvolvimento intelectual e emocional.”
As reflexões de Winnicott (1994) a
respeito do desenvolvimento infantil dão
ênfase à função estruturante do ambiente
na construção da subjetividade humana.
Para o autor, em cada período do
desenvolvimento infantil o ambiente
assume uma determinada importância,
sendo considerado facilitador quando
oferece condições para o crescimento
pessoal – este ambiente facilitador só pode
ser proporcionado por outro ser humano. É
a partir desta relação de dependência com
o ambiente que ocorre um processo de
amadurecimento emocional. A forma como
se lida com as falhas do ambiente que
acontecem durante o desenvolvimento tem
conseqüências diferentes sobre o
amadurecimento pessoal.
Winnicott (1979) se refere à “escola
maternal” como o período da escolarização
que hoje denominamos de “educação
infantil” e afirma que quando a criança
ingressa na escola, é importante que se
desenvolvam atividades que lhe
proporcionem oportunidades de brincar e
situações que favoreçam a sua
socialização, não priorizando, nesta etapa,
o ensino formal propriamente.
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Na educação infantil a criança
precisa ter liberdade de se movimentar e de
se beneficiar dos recursos que estimulam a
sua imaginação, como brincadeiras,
músicas, jogos, contos de fadas, desenho,
modelagem. Estas atividades são ricas
oportunidades educacionais que favorecem
a capacidade simbólica da criança, a sua
aprendizagem e criatividade. Além disso, é
importante que a criança possa explorar de
maneira mais livre possível tanto o espaço
físico como os móveis e brinquedos
disponíveis no ambiente escolar
(WINNICOTT, 1971).
Para que o desenvolvimento de uma
criança que freqüenta a educação infantil
seja facilitado, é importante que a escola
considere as suas características
psicológicas e a relação de sua família com
a escola. Lembramos que quando a criança
chega à escola já teve importantes
experiências em sua vida e que o ambiente
educacional pode contribuir para
minimizar algumas falhas no ambiente
inicial da criança, se elas não tiverem sido
muito graves (RIBEIRO, 2004, p. 109).
Quanto menor for a criança, mais a
escola precisa estar preparada para se
relacionar com sua família, já que está em
curso o processo de separação da criança
do seu ambiente inicial. Nesse sentido, a
instituição escolar precisa se adaptar às
necessidades da criança, oferecendo-lhe
confiança e continuidade nos cuidados.
Ao buscar oferecer um ambiente
estável e seguro para as crianças da
educação infantil, é importante que os
profissionais da instituição estejam atentos
à singularidade da história de vida de cada
uma das crianças. Nesse sentido, Ribeiro
destaca:
É importante conhecer sobre o desenvolvimento emocional da criança, pois ao lidar com cada criança, a escola herda todo o seu “histórico emocional”, o modo como foi criada até então, o que vai conferir adaptação ao contexto escolar especifico em cada caso. Tanto a boa provisão ambiental inicial, como as inevitáveis falhas serão sentidas no decorrer das vivências escolares (2004, p. 109).
Para que as educadoras da educação
infantil possam tolerar as questões típicas
das crianças desta faixa etária (a
ambivalência de sentimentos, a curiosidade
sexual, o exibicionismo, as disputas e os
comportamentos regressivos), é preciso
que elas gostem de estar com as crianças e
que se identifiquem com elas. Por mais
criativa que seja uma professora, por mais
teorias que ela conheça o que prevalece é o
interesse verdadeiro e genuíno pela criança
(RIBEIRO, 2004).
É importante, ainda, que a
educadora se torne um professor-ambiente,
sendo responsável pelo fornecimento de
um contexto educacional favorável ao
desenvolvimento de cada criança em
especial, tendo condições de perceber o
que seus alunos precisam, mantendo a
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rotina do cotidiano escolar. Tamanha é a
importância que Winnicott (1990) atribui
ao professor no desenvolvimento
emocional da criança que o coloca na
mesma posição de relevância de quem
cuida de um bebê.
Assim, o psicólogo ou o
psicopedagogo que trabalhe em
instituições educacionais destinadas a
crianças pequenas deve estar atento à
importância atribuída por Winnicott ao
início das vivências escolares, considerado
fundamental para um bom futuro
acadêmico dos alunos (RIBEIRO, 2004).
Em nossa proposta de avaliação
psicopedagógica do desenvolvimento
emocional sugerimos a observação da sala
de aula e do recreio, e a realização de
entrevista com a professora. Tais ocasiões
podem fornecer elementos para
conhecermos o desenvolvimento
emocional da criança, como ela se
relaciona com as pessoas, como sente e
expressa as suas experiências.
A seguir, apresentaremos algumas
considerações sobre o desenvolvimento
físico, o segundo aspecto considerado em
nossa proposta de avaliação
psicopedagógica.
Desenvolvimento físico
A partir da revisão bibliográfica
que realizamos sobre a avaliação
psicopedagógica do desenvolvimento
físico infantil detectamos a escassez de
estudos que abordam este assunto.
Acreditamos que este fato pode estar
relacionado à estreita vinculação
estabelecida no passado entre o
desenvolvimento físico e a medicina,
deixando de ser um aspecto estudado e
pesquisado pela psicologia. Incluímos a
avaliação do desenvolvimento físico em
nosso trabalho por acreditarmos que os
psicopedagogos e psicólogos precisam
estar atentos a esse aspecto do
desenvolvimento, pois em alguns contextos
sociais estes profissionais, juntamente com
os educadores, são as pessoas mais aptas a
observar e identificar possíveis
intercorrências no desenvolvimento
orgânico de uma criança e realizar os
encaminhamentos necessários.
Além disso, o fato de estes
profissionais terem um convívio próximo
com as crianças lhes propicia uma grande
vantagem para conhecer o modo de ser de
cada uma e para notar mudanças na
aparência ou na conduta delas
(TEMPORINI, 1988). Essas mudanças
podem denotar indícios de enfermidades
prejudiciais ao desenvolvimento físico da
criança.
É necessário criar dentro da escola
um olhar diferenciado, que esteja atento ao
corpo da criança e aos sinais que ele
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manifesta. Neste sentido, Temporini
destaca:
Embora a instituição educacional não tenha a tarefa de dar atendimento a problemas de saúde dos alunos, existe uma obrigação inerente à profissão de ensinar, no sentido de promover o bem-estar das crianças e criar melhores condições para a sua aprendizagem (1988, p. 411).
É importante lembrar que o
psicólogo deve sempre atuar no sentido de
promover a saúde tanto dos alunos como
dos profissionais da instituição na qual está
inserido, considerando não só os aspectos
psíquicos dos indivíduos, mas também as
questões relacionadas ao desenvolvimento
físico, entre outros aspectos.
Lembramos que a prevenção e a
detecção precoce de alterações no
desenvolvimento infantil são muito
importantes, principalmente no caso das
deficiências sensoriais, pois possibilita a
antecipação da intervenção e garante a
estimulação necessária em todos os
aspectos fundamentais para o
desenvolvimento global da criança (LIMA
et al., 2004). Apesar de ser muito
importante, a prevenção precoce é uma
prática ainda pouco aplicada no Brasil.
Em nossa proposta de avaliação
psicopedagógica, elegemos trabalhar com
quatro tópicos relacionados ao
desenvolvimento físico: visão, audição,
fala/linguagem e desenvolvimento
neuropsicomotor. Destacamos, no entanto,
que muitos outros aspectos podem e devem
ser observados.
1. Visão
Sabemos que a visão contribui
muito para o desenvolvimento da criança,
pois é um fator de motivação, orientação e
controle de movimentos e ações. O
desenvolvimento da visão, assim como o
desenvolvimento de outras funções do
organismo, é permeado por fatores de
maturação neurológica e de aprendizagem,
é determinado por fatores genéticos e
influenciado por fatores ambientais (LIMA
et al., 2004).
Os problemas visuais merecem uma
atenção especial, pois para muitas crianças
eles são a causa de dificuldades no
rendimento escolar. Segundo Temporini
(1982), cerca de 25% das crianças que
estão em idade escolar apresentam algum
tipo de problema ocular. Este autor destaca
ainda que a correção ou minimização de
graves conseqüências futuras pode
acontecer a partir de uma descoberta
precoce de perturbações visuais.
2. Audição
A audição humana possui grande
importância no processo de aquisição e
desenvolvimento da linguagem oral.
Quando ocorre alguma falha no processo
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de ouvir, o indivíduo pode apresentar
dificuldades na fala, leitura ou escrita.
Nesse sentido, reiteramos a
necessidade da detecção precoce de
qualquer deficiência auditiva, tendo em
vista a importância que esta detecção
possui na prevenção ou diminuição dos
possíveis riscos e desvios que possam
surgir no desenvolvimento global da
criança (OLIVEIRA, et al., 1998).
A identificação precoce da
deficiência auditiva possibilita uma
intervenção imediata no sentido de
proporcionar melhores condições para o
desenvolvimento da fala, da linguagem,
das interações sociais, e assim ampliar as
oportunidades educacionais da criança
(RABINOVICH, 1997).
3. Fala/Linguagem
A linguagem envolve um processo
altamente complexo, uma vez que está
relacionada à elaboração, simbolização e
organização do pensamento humano.
A linguagem inicia-se muito
precocemente na vida humana e sua
aquisição tem papel importante no
desenvolvimento infantil. O ritmo que uma
criança apresenta em seu processo de
aquisição da fala também pode constituir
um indicador da integridade geral de seu
desenvolvimento. Qualquer dificuldade
que uma criança apresenta é, na maioria
das vezes, um indício de algum tipo de
problema de desenvolvimento subjacente
(LIMA et al., 2004).
4. Desenvolvimento neuropsicomotor
O desenvolvimento
neuropsicomotor está relacionado com as
mudanças nas ações habilidosas, em
padrões de movimento, que acontecem ao
longo da vida de um indivíduo. As crianças
desenvolvem suas habilidades motoras em
uma seqüência e devem atingir certo nível
de maturação fisiológica antes de estarem
prontas para exercitar uma habilidade.
Conhecer o comportamento motor de uma
criança também pode ser um importante
indicativo do desenvolvimento global desta
(CONNOLLY, 2000).
Amaral, Tabaquim e Lamônica
(2005) consideram que a criança
desenvolve-se a partir de um intercâmbio
com o ambiente, da exploração ativa por
meio da manipulação dos objetos, da
repetição das ações, pelo domínio do
próprio corpo e controle do esquema
corporal e pelas relações que estabelece no
ambiente. Estes autores destacam ainda
que quando acontece algum atraso no
desenvolvimento neuropsicomotor de uma
criança, este desenvolvimento costuma
seguir uma seqüência própria,
desorganizada, dependente da etiologia
específica que levou a este atraso, trazendo
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conseqüências importantes nas interações
que a criança faz no seu ambiente.
Apresentaremos a seguir algumas
considerações sobre o terceiro ponto
contemplado em nossa proposta de
avaliação psicopedagógica: a construção
do número.
Construção do número
O número é um conhecimento
lógico-matemático que é construído pela
criança em interação com o seu meio
social. Podemos avançar no entendimento
de como a criança constrói o conhecimento
lógico-matemático, a partir dos estudos de
Piaget e seus seguidores (PIAGET, 1978;
KAMII, 1987). A teoria utilizada por
Piaget para explicar a gênese de todo o
conhecimento foi nomeada construtivismo.
O construtivismo considera que o
conhecimento é engendrado pela
elaboração contínua das operações
exercidas pelo ser humano e das novas
estruturas formadas a partir destas
operações. Esta teoria está embasada na
idéia de que nada está pronto, acabado, e
que o conhecimento não é dado, em
nenhuma instância, como algo terminado.
Ele se constitui pela interação do indivíduo
com o meio físico e social, com o
simbolismo humano, com o mundo das
relações sociais; e se constitui por força de
sua ação e não por qualquer dotação
prévia, hereditária ou no meio, de tal modo
que podemos afirmar que, para o
construtivismo não se desenvolve o
pensamento sem a ação (BECKER, 1992).
Em relação à construção do
número, a teoria piagetiana postula que a
criança realiza este processo a partir de
todos os tipos de relações que ela cria
mentalmente entre os objetos. Quando a
criança consegue estabelecer relações entre
vários conteúdos, seu pensamento se torna
mais móvel, e um dos resultados desta
mobilidade é a estrutura lógico-matemática
de número.
Jean Piaget distingue três tipos de
conhecimento: físico, lógico-matemático e
social. Kamii explica: “o conhecimento
físico é o conhecimento dos objetos da
realidade externa; o conhecimento lógico-
matemático consiste na coordenação de
relações e o conhecimento social é o
convencionalmente transmitido pela
cultura” (1987, p.14). Desse modo, a
estrutura lógico-matemática de número não
pode ser ensinada diretamente, uma vez
que a criança tem que construí-la por si
mesma.
A construção dos conhecimentos
físico e lógico-matemático é feita por
diferentes tipos de abstração: o primeiro é
construído através da abstração empírica
(abstração das propriedades a partir dos
objetos) e o segundo, através da abstração
reflexiva. Na abstração empírica, tudo o
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que a criança faz é focalizar certa
propriedade em detrimento de outras; já a
abstração reflexiva envolve a construção
de relações entre os objetos pela mente de
um indivíduo. A esse respeito, lemos em
Kamii (1987, p.17):
Para Piaget não é possível que exista, no âmbito psicológico da criança, um tipo de abstração isolado do outro. A criança não poderia construir o conhecimento físico se ela não tivesse um sistema de referência lógico-matemático que lhe possibilitasse relacionar novas observações com um conhecimento já existente. Portanto, um sistema de referência lógico-matemático (construído pela abstração reflexiva) é necessário para a abstração empírica, porque nenhum fato poderia ser “lido” a partir da realidade externa se cada fato fosse um pedaço isolado do conhecimento, sem nenhuma relação com o conhecimento já construído numa forma organizada.
Através da abstração reflexiva a
criança constrói o número, e para esta
construção ela deve criar dois tipos de
relações entre os objetos: a ordem e a
inclusão hierárquica. A ordem é uma
necessidade lógica da criança de colocar os
objetos em uma determinada organização
para assegurar-se de que não salta nenhum
objeto e não conta o mesmo duas vezes. A
inclusão hierárquica diz respeito à
habilidade da criança em coordenar os
aspectos qualitativos e quantitativos de
uma classe e uma subclasse.
É importante enfatizar que apesar
de o conhecimento lógico-matemático ser
construído pela criança, há certas coisas
que o professor pode fazer para encorajá-la
a pensar ativa e espontaneamente,
estimulando o desenvolvimento desta
estrutura mental. Um princípio
fundamental para o “ensino” do
conhecimento lógico-matemático é o de
evitar o reforço da resposta certa e a
correção das respostas erradas e, ao invés
disso, estimular a troca de idéias entre as
crianças (KAMII, 1987, p.48).
Apresentamos como um exemplo de
situação a ser aproveitada em sala de aula
pelo docente, para favorecer a construção o
conhecimento lógico-matemático: a
negociação entre os alunos em situações de
conflito. Estas situações são
particularmente boas para estabelecer a
relação entre os fatos e desenvolver a
mobilidade e a coerência do pensamento;
para negociar soluções, a criança precisa
imaginar como é que a outra pessoa está
pensando.
O professor pode criar um ambiente
no qual a criança tenha um papel
importante e a possibilidade de decidir por
si mesma. Para Piaget, a autonomia é a
maior finalidade da educação e a criança
deve ser encorajada a agir de acordo com
suas concepções, ao invés de agir com
docilidade e obediência (KAMII, 1987, p.
50).
A seguir, faremos algumas
considerações sobre o último aspecto do
desenvolvimento infantil que está
envolvido em nossa proposta de avaliação
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psicopedagógica: a leitura e a escrita.
Leitura e escrita
Com relação à linguagem escrita, a
criança constrói noções que vão desde os
rabiscos, passando pela tentativa de escrita
e noções rudimentares do sistema escrito,
até chegar à produção e compreensão dos
símbolos do sistema escrito e a produção e
leitura de textos. Em seu cotidiano, uma
criança pequena tem contato com a escrita
mesmo que, em casa, não tenha acesso a
livros, revistas ou jornais. Isso pode
acontecer quando ela observa placas,
outdoors, rótulos de produtos ou outros
veículos de textos convencionais (GÓES,
1984).
Assim, ao entrar em uma instituição
de educação infantil, a criança que vive em
uma sociedade letrada já domina
razoavelmente a linguagem oral e já teve
oportunidades de algum contato com
sistemas escritos.
No processo de aquisição da língua
escrita (psicogênese da alfabetização) a
criança possui duas grandes tarefas
(FERREIRO; TEBEROSKY, 1985):
entender o caráter simbólico da língua
escrita e a independência da dimensão
sonora em relação ao significado (apesar
de estarem relacionados).
Grossi (1990) descreve os
diferentes níveis pelos quais a criança
passa em seu processo de alfabetização:
pré-silábico, silábico, alfabético e dois
níveis intermediários. Estes níveis são
caracterizados pela forma como a criança
vivencia os problemas encontrados em seu
processo de aprendizagem.
No nível pré-silábico, as categorias
lingüísticas (letras, palavras, frases e
textos) não são claramente definidas e seus
significados são entrelaçados. A criança
escreve com desenhos, condiciona a
quantidade de letras e o tamanho da
palavra às características do ente cuja
grafia está representando, ou seja, uma
criança nesta fase pode utilizar um maior
número de letras para escrever “boi” e um
número menor para representar a palavra
“formiguinha”. Uma outra característica da
escrita de uma criança que esteja passando
por este nível é a não vinculação entre a
pronúncia e a escrita (GROSSI, 1990).
O nível que sucede ao pré-silábico
é o intermediário I. Um nível intermediário
é o momento em que a criança passa de
uma fase de menor complexidade para uma
outra de maior, é um estágio caracterizado
por um conflito que é gerado pelo fato de a
criança perceber que não consegue resolver
os problemas que a língua escrita lhe
apresenta. Neste momento a criança toma
consciência de que suas hipóteses são
incoerentes em relação aos dados da
realidade (GROSSI, 1990). O nível
intermediário I é caracterizado pela tomada
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de consciência, por parte da criança, da
ligação entre a pronúncia e a escrita. A
escrita começa a se desvincular da imagem
e os números podem se distinguir das
letras. O conflito deste nível é descobrir
como vincular a pronúncia à escrita.
Para resolver este conflito
(vinculação entre a pronúncia e a escrita), a
criança cria a hipótese de que a cada sílaba
corresponde uma letra, e a partir disso ela
entra no nível silábico. Neste nível começa
a se esboçar a necessidade de uma certa
ordem das letras em uma palavra. Pode
acontecer de a criança, ao escrever uma
frase, utilizar uma letra para cada palavra,
em vez de uma letra para cada sílaba, o que
demonstra como as categorias lingüísticas
ainda não estão claramente definidas, ainda
se mostrando instáveis (GROSSI, 1990).
Neste sentido, o aluno de nível silábico
conseguiu resolveu temporariamente o
problema da escrita, mas vai se defrontar
futuramente com o problema da leitura,
porque ele sabe escrever, mas não pode ler
o que foi escrito, e isto é o fator gerador do
conflito que o leva a avançar para o nível
intermediário II.
Para Azenha (1993), o conflito
enfrentado pela criança no nível
intermediário II é o da superação da
hipótese silábica, que deve acontecer
porque sua grafia não produz uma leitura
que seja socializável, isto é, os outros não
podem ler o que a criança escreveu. É
comum que nesta fase a criança perca a
confiança nos esquemas que construiu
anteriormente, e muitas vezes ela regride
para condutas do nível pré-silábico ou
intermediário I. Isto acontece porque para
superar o nível silábico a criança tem que
negá-lo, e se ainda não tiver construído
uma hipótese consistente para substituí-lo
ela pode regredir. Esta experiência é difícil
de ser vivida tanto pela criança como pelo
professor, mas somente ela permite pode
permitir a passagem para o nível
alfabético.
Aos poucos, a criança começa a
perceber que escrever é representar
progressivamente as partes sonoras das
palavras (ainda que ela não consiga fazê-lo
corretamente) e, assim, entra na última fase
da psicogênese da alfabetização que é o
nível alfabético. Neste momento, a criança
já entendeu a lógica alfabética da escrita,
ou seja, já conhece o valor sonoro da maior
parte das letras e consegue uni-las para
formar sílabas e palavras. Podemos dizer
que neste estágio a criança realiza uma
análise sonora mais sistemática dos
fonemas das palavras que vai escrever. A
criança que se encontra no nível alfabético
começa a escrever fazendo relação entre
som e letra, no entanto ela ainda não
domina as regras normativas da ortografia.
Isto acontecerá gradativamente a partir do
seu contato com produções escritas e das
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oportunidades de assistir e realizar atos de
leitura e de escrita (GROSSI, 1990).
A entrada no nível alfabético deve
ser seguida pela aprendizagem das formas
ortográficas de nossa língua que nem
sempre são lógicas.
Salientamos que compreender
como se dá o desenvolvimento físico das
crianças, entender as questões relacionadas
ao desenvolvimento emocional e conhecer
os processos de construção do número e da
leitura e escrita é indispensável para que a
avaliação psicopedagógica constitua um
recurso para uma compreensão efetiva do
que se passa com a criança.
METODOLOGIA
Para a elaboração desta proposta de
avaliação psicopedagógica, foi realizada
uma nova análise dos dados construídos
em estudo anterior com crianças entre
quatro e cinco anos de idade (LIMA;
RIBEIRO, 2006), do qual participaram
duas escolas de Uberlândia-MG, sendo
uma particular e outra pública. A pesquisa
envolveu no total duas equipes
psicopedagógicas e sete professoras do
segundo período da educação infantil. Os
dados foram analisados à luz das teorias de
D. W. Winnicott, das pesquisas de Jean
Piaget (1978) e seguidores seus, como
Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985),
Constance Kamii (1987), que podem
contribuir em estudos relacionados a
avaliações qualitativas de queixas
escolares. Inspiramo-nos na proposta de
avaliação psicopedagógica qualitativa
sugerida por Ribeiro, Silva e Ribeiro
(1998) para avaliação de queixas escolares
no contexto do ensino fundamental.
Apoiamo-nos ainda nas idéias de avaliação
psicopedagógica de Bossa (1994) e
Krechevsky (2001).
Além disso, realizamos uma
pesquisa bibliográfica a respeito dos
aspectos do desenvolvimento infantil que
serão avaliados: o desenvolvimento
emocional e físico, a construção do número
e da escrita. Esta pesquisa bibliográfica foi
feita através de consultas a bancos de
dados eletrônicos como, por exemplo, o
Scielo e o Lilacs, que disponibilizam
artigos publicados nas mais diversas
periódicos.
A partir desta nova análise e da
pesquisa bibliográfica, realizamos a
proposta de avaliação psicopedagógica.
Com o objetivo de avaliar e enriquecer o
nosso trabalho, encaminhamos o material
para ser apreciado por profissionais
envolvidos com esta temática: psicólogos e
psicopedagogos das duas escolas onde
realizamos o primeiro estudo, a equipe
psicopedagógica de outras duas
instituições que oferecem educação
infantil, sendo uma pública e outra privada,
14
e também foram consultados pesquisadores
da área em questão de duas instituições
acadêmicas de ensino superior de
Psicologia.
RESULTADOS
Apresentaremos a seguir algumas
situações que consideramos importantes
para serem investigadas em uma avaliação
psicopedagógica realizada no contexto da
educação infantil, envolvendo o
desenvolvimento emocional e físico, a
construção do número, a leitura e a escrita.
1. Desenvolvimento emocional
A proposta de avaliação da criança,
que aborda o seu desenvolvimento
emocional relacionando-o aos demais
aspectos escolares, está baseada nas
discussões e resultados construídos em
trabalho anterior (LIMA; RIBEIRO, 2006).
Assim, sugerimos um pequeno roteiro que
orienta a realização de observações em
situações de aula e no recreio, e uma
entrevista com a professora da criança
encaminhada. Tal roteiro possibilita
conhecer o processo de socialização da
criança, a organização do ambiente
educacional e a visão do professor sobre a
criança.
1.1 As observações em sala de aula
Entendemos como suficiente a
realização de três observações em sala de
aula com a duração de ao menos cinqüenta
minutos cada, tendo em vista a dinâmica
própria desse período escolar, que
demanda um certo tempo para o
transcorrer de cada atividade realizada.
Lembramos que é importante observar
também a rotina de como a professora
recebe e se despede dos alunos a cada dia.
É necessário conhecer o funcionamento da
sala de aula como um todo, especialmente
a criança com queixa escolar em tal
contexto. Sendo assim, sugerimos alguns
pontos a serem observados, lembrando que
o avaliador deve sempre focar e registrar
cuidadosamente os dados da criança
encaminhada para avaliação. Destacamos
abaixo alguns itens a serem averiguados no
decorrer das observações:
• Espaço físico, mobiliário e
decoração: A luminosidade e a ventilação
favorecem o bem-estar das crianças? É
fácil o acesso aos sanitários? Os móveis
são adaptados e confortáveis para a faixa
etária em questão? As paredes e o piso são
adequados para propiciar liberdade na
realização das atividades sem deixar de ser
aconchegantes? Fornecem segurança à
integridade física das crianças de modo
que elas possam se movimentar
livremente? A decoração é tipicamente
15
infantil? Existe um exagero de estímulos
que possa sobrecarregar a criança?
• A organização espacial da sala:
Como a sala de aula é organizada? A
disposição das crianças favorece a
interação entre os pares e com a
professora? O tamanho da sala é adequado
ao número de alunos de modo que eles
possam circular pelo ambiente com
tranqüilidade? É possível o remanejamento
dos objetos com vistas à adequação a
procedimentos educacionais
diversificados?
• Relacionamento com a professora:
Como é o acesso dos alunos à professora?
As crianças podem aproximar-se
fisicamente desta, em que momentos,
como são tratadas nessas ocasiões? A
professora demonstra interesse pelos
assuntos infantis? Como é o seu tom de
voz? Como a docente interfere nos
conflitos entre as crianças? Como conduz
as questões disciplinares? Como oferece
consolo? A professora demonstra bom
humor diante dos fatos corriqueiros na sala
de aula?
• Relacionamento entre as crianças:
As crianças demonstram vivacidade e
contentamento no convívio? Em que
momento as crianças brincam? Quais as
brincadeiras preferidas? Em quais não se
envolvem? Como interagem em uma
situação de brincadeira menos dirigida? E
nas dirigidas? Como o grupo acolhe seus
membros? Notam-se preferências e/ou
exclusões entre as crianças? A quem elas
recorrem nos momentos de conflito,
tristeza ou dor? Os alunos realizam
atividades coletivas? Como se posicionam
em tais ocasiões? Como se portam em
situações de partilha? Como as crianças
convivem com as regras e os limites? As
crianças se apóiam nos momentos de
alguma dificuldade? Ocorre agressão física
entre os alunos, em quais ocasiões e com
que freqüência? E expressões de afeto?
• O ensino: Como as atividades são
propostas e conduzidas? São adequadas à
faixa etária em questão, no que se refere ao
conteúdo e ao tempo destinado às mesmas?
Quais os conteúdos privilegiados? Quais
recursos de ensino encontram-se
disponíveis e quais são utilizados? Como é
a linguagem da professora? Ela parece
entusiasmada ao trabalhar cada atividade?
Como a educadora envolve as crianças
desinteressadas pelo tema proposto? Como
atende às solicitações das crianças? São
estabelecidos limites nas situações de
ensino, de que modo? Como a docente lida
com o erro e com os diferentes ritmos dos
alunos para executar as atividades? Como
se conduz o trabalho com as crianças com
dificuldades de aprendizado, e com os
“bons alunos”? Como as atividades são
corrigidas e/ou avaliadas, privilegia-se o
processo ou os resultados finais?
16
1.2 Observação do recreio
Consideramos o recreio um tempo e
espaço necessários para a convivência e a
brincadeira entre as crianças, além de um
horário destinado especificamente para o
lanche. Tendo em vista que tais momentos
são indispensáveis para o exercício da
imaginação, expressão corporal,
manifestação espontânea das afinidades
pessoais, o recreio é fundamental para a
saúde das crianças na escola especialmente
quanto menores elas forem. Dadas as
especificidades de cada instituição no
modo de proporcionar esse momento,
assim como a sua duração, entendemos que
a observação nesses horários permite-nos
conhecer a concepção de infância da
escola, assim como a maneira como a
criança aproveita e se comporta em tal
situação. Elegemos alguns elementos que
podem contribuir para o processo de
avaliação e são mais facilmente detectados
em situações livres como o recreio escolar:
• Qual o espaço físico destinado para
o recreio?
• Quanto tempo é destinado ao
recreio?
• Quais as brincadeiras são mais
comuns entre as crianças? Há brinquedos
disponíveis?
• Existe possibilidade de brincadeiras
que envolvem o corpo, como bola, piscina
e duchas? São efetivamente utilizadas?
Com que freqüência?
• Quantas crianças participam juntas
do recreio? Qual é a faixa etária?
• Como as crianças interagem
durante o recreio? Existem crianças que se
isolam ou são excluídas pelas demais?
Como são manejadas tais situações?
• Qual o papel do adulto no recreio?
1.3 Entrevista com a professora
O objetivo da entrevista com o
professor é coletar informações a respeito
de sua percepção sobre a criança
encaminhada para avaliação. É importante
também que se procure detectar no
discurso do docente as concepções de
desenvolvimento e aprendizagem que
norteiam seu trabalho, as expectativas em
relação a seus alunos e à criança avaliada.
A seguir, sugerimos um pequeno roteiro de
entrevista já proposto parcialmente em
trabalho anterior sobre avaliação
psicopedagógica de crianças maiores
(RIBEIRO, SILVA; RIBEIRO, 1998,
p.78). Essa entrevista deve ser adaptada à
especificidade da situação a ser avaliada:
• Qual a sua percepção sobre a
criança? Como foi o processo de adaptação
da criança ao contexto escolar?
• Como é a alimentação dela na
escola? Tem bom apetite? Como interage
17
com os demais nos momentos da
alimentação?
• Ela cuida de si mesma ou aceita
cuidados? Controla os esfíncteres? É muita
preocupada em estar limpa? É
excessivamente organizada?
• A criança dorme em horário
escolar?
• Qual é a participação da família na
escola?
• Em que áreas a criança apresenta
facilidades?
• Em que áreas a criança apresenta
dificuldades? Como enfrenta as
dificuldades inerentes ao processo de
aprendizagem?
• A criança tem confiança em suas
possibilidades nas tarefas habituais?
Demonstra desejo de superação de seus
próprios limites?
• Como é o relacionamento com a
professora e com os colegas? Ela expressa
seus sentimentos e emoções? Aceita
demonstrações de afeto? Como reage em
situações de conflito?
• Quais atividades você desenvolveu
e a criança respondeu bem?
• Em quais ela não se envolveu?
• Quais as dificuldades que você
encontra para lidar com essa criança?
• Quais as oportunidades para o
brincar na escola?
• Qual o papel da educação infantil
na preparação para o ensino fundamental?
• Quais os aspectos que você
considera necessários para serem
trabalhados com a criança, mas tem
impedimentos para fazê-lo?
• Como está sua turma em termos de
aprendizagem? A maioria dos alunos
acompanha a proposta pedagógica da
escola para a faixa etária? E o aluno em
questão?
• Que resultados você espera para sua
turma até o final do ano?
• Para você, o que é uma criança com
dificuldade de aprendizagem?
2. Desenvolvimento físico
Para avaliarmos o desenvolvimento
físico da criança nos valeremos de um
importante instrumento que é a
observação. É necessário que o psicólogo
ou psicopedagogo esteja atento à
integridade física da criança e a algumas
possíveis dificuldades relacionadas à visão,
à audição, à fala, ao desenvolvimento
neuropsicomotor, que ela possa apresentar.
Greenspan e Greenspan (1993) nos
lembram a importância de estarmos atentos
a aspectos como a postura, a marcha, o
equilíbrio, a coordenação motora fina e
coordenação motora grossa, a fala, a
qualidade e o tom de voz. É importante
18
também observar o bem-estar físico geral
da criança: peso, altura, tonalidade da pele,
o cabelo e as unhas.
Para conduzir a avaliação do
desenvolvimento físico realizada por um
psicólogo ou psicopedagogo, sugeriremos
a seguir algumas perguntas.
2.1 Visão
No que se refere à visão é
importante que o psicólogo ou
psicopedagogo esteja atento ao modo como
a criança se comporta em situações que
têm exigências específicas como:
• A criança esforça-se muito para ler?
• Apresenta dor de cabeça ou mal-
estar durante ou após um esforço visual?
• A criança franze a testa para
enxergar longe?
• Aproxima muito o caderno ou livro
para ler e escrever? Vira o rosto ou o
caderno?
• Demonstra desinteresse por leitura?
• A criança esfrega os olhos com
freqüência? Há secreção ou os olhos ficam
vermelhos com freqüência?
2.2 Audição
Para auxiliar na detecção de
dificuldades auditivas que a criança
possa ter, sugerimos que o avaliador
esteja atento às seguintes questões:
• A criança apresenta
dificuldades na fala, na leitura ou na
escrita?
• Usa tom de voz alto para
falar?
• A criança perturba-se
demasiadamente com a presença de
sons fortes ou de ruídos de fundo no
ambiente?
• Olha quando é chamada?
• A criança se distrai
facilmente com sons?
• Identifica o local de onde os
sons se originam?
• Solicita a repetição de
informações auditivas?
• A criança apresenta
dificuldade de compreensão em
ambiente um pouco mais ruidoso?
2.3 Fala/Linguagem
Lembramos que em qualquer
processo de avaliação da aquisição da
linguagem é preciso que o profissional
esteja atento ao contexto social e cultural
no qual as falas foram produzidas, pois
cada contexto possui suas normas
lingüísticas e convenções sociais.
Para a avaliação da fala fazemos as
seguintes sugestões:
19
• A criança se comunica verbalmente
com os outros?
• A fala é compreendida pelas demais
crianças? E pelos adultos?
• Ocorre troca de letras? Quais?
• O vocabulário da criança é
partilhado pelas demais? Domina mais ou
menos o mesmo número de palavras que as
crianças de sua idade?
• A fala é muito infantilizada em
relação à dos colegas?
• Como a família conversa com a
criança?
2.4 Desenvolvimento neuropsicomotor
Para a avaliação do
desenvolvimento neuropsicomotor é
importante observar:
• A criança cai muito?
• Esbarra repetidas vezes em objetos
da sala?
• Como ela come, anda, senta-se?
• Queixa-se de dores nas pernas,
costas, cansaço?
• A criança é sonolenta?
• É bem disposta? Brinca? Participa
das atividades propostas?
3. Construção do número
No que se refere à avaliação do
número, proporemos algumas atividades já
discutidas em trabalho anterior
(LINHARES; RIBEIRO; LIMA, 2006)
para serem desenvolvidas nas turmas da
educação infantil. As atividades podem ser
sugeridas à professora e o avaliador deve
estar presente na sala de aula durante a
realização das mesmas. As questões que
apontaremos a seguir dizem respeito a
todos os alunos da turma da criança
encaminhada para avaliação.
Recomendamos que o avaliador fique
atento aos comportamentos desta e que
perceba também como é o ambiente da sala
em geral, o modo como as outras crianças
e a professora posicionam-se frente às
atividades realizadas.
3.1 A primeira atividade relaciona-
se ao princípio de quantificar objetos
logicamente (atribuir valores quantitativos
aos objetos) e comparar conjuntos. Esta
tarefa auxiliará na avaliação da capacidade
que a criança tem de relacionar a
quantidade de diferentes elementos
pertencentes a classes distintas. Ao realizar
esta comparação, a criança estabelece
correspondência entre um objeto de um
grupo com um objeto de outro grupo.
Procedimento: Na sala de aula, a
professora instrui um aluno de cada mesa
que pegue na estante de materiais uma
quantidade suficiente de giz de cera, lápis
de cor, ou outro de material, de modo que
cada colega de seu grupo receba um. Na
20
seqüência o professor deve avaliar com
cada grupo como o colega realizou a
tarefa, que caminho seguiu para executar a
atividade, o número de tentativas
necessárias para que a criança obtivesse
êxito na distribuição. É importante
questionar as outras crianças do grupo se
alguma delas resolveria a tarefa de forma
diferente. Esta atividade poderá auxiliar os
alunos a desenvolver as relações de
contagem, ordem (necessidade lógica da
criança de colocar os elementos em uma
determinada organização) e inclusão
hierárquica (capacidade da criança em
coordenar as características de uma classe
e uma subclasse), pois estará estabelecendo
relações entre os passos da execução da
tarefa e também com as projeções dos
colegas.
Nesta situação o avaliador deve
observar atentamente:
Quais estratégias a criança utiliza
para resolver a tarefa?
O que as estratégias utilizadas
comunicam a respeito de seu conhecimento
lógico-matemático? Ela conta primeiro os
colegas em seu grupo? (se o faz é porque já
quantifica). Vai buscando um giz para cada
colega, sem se preocupar com o todo?
(então não quantifica e nem é capaz de
estabelecer comparação). A criança
incluiu-se no grupo?
No momento em que o grupo é
questionado, as outras crianças conseguem
fazer comparações e estabelecer relações?
Algum aluno demonstra saber quantificar?
As crianças já superam o presente
imediato, levantando hipóteses a partir das
estratégias usadas pelo aluno que executou
a tarefa?
3.2 A segunda atividade é indicada
para avaliar a capacidade que a criança já
possui de estabelecer ordem (necessidade
de organizar os objetos para que cada um
seja considerado apenas uma vez) e
classificação (organizar objetos a partir de
características comuns, a fim de formar
classes, categorias, conjuntos ou grupos).
Procedimento: A professora pede a
ajuda das crianças para organizar a sala
depois da hora do brinquedo, a turma
observa algumas crianças guardarem os
objetos que ficaram espalhados pela sala
em seus devidos cantos temáticos. Assim,
os alunos devem saber onde colocar os
lápis de cor, os lápis de escrever, as
tesouras, bem como as peças de encaixe,
carrinhos, bonecas, fantasias e livros. Ao
final da tarefa a docente questiona a turma
se ela foi realmente cumprida. Outras
perguntas também são pertinentes para esta
ocasião: Quais objetos o colega guardou
primeiro? Qual a ordem que ele usou? Os
objetos foram colocados nos lugares
certos? Quem faria diferente? Como o
faria? Qual outra ordem usaria?
Aqui o avaliador precisa observar:
21
As crianças colocam os materiais
em seus devidos lugares, ou seja, são
capazes de classificar ou respeitar a
classificação que está proposta na sala?
A criança adota outro critério de
classificação?
As crianças conseguem perceber
qual a ordem foi seguida por quem
executou a tarefa?
Alguma criança já propõe uma
ordem diferente da que foi seguida?
3.3 A terceira atividade envolve
quantificação, ordem e operação inversa
(habilidade de realizar mentalmente ações
opostas simultaneamente como, por
exemplo, comparar o todo de um grupo e
suas partes componentes).
Procedimento: Usando fichas com
os nomes das crianças e letras do alfabeto
móvel, a professora orienta as crianças a
observarem suas fichas e montar com as
letras soltas o seu nome. A docente conta,
juntamente com cada criança, quantas
letras foram usadas; o nome é
desorganizado e o aluno deve descobrir
quais letras havia utilizado anteriormente.
Em seguida a professora orienta as
crianças a trocarem suas fichas com um
colega próximo e repetir a atividade
montando o nome deste colega. As
crianças podem comparar a quantidade de
letras de seu nome com a quantidade do
nome do colega. Qual nome tem mais
letras? Quantas letras a mais?
Nesta situação o avaliador precisa
verificar:
A criança se preocupa em contar e
ordenar as letras para formar o nome?
Percebe que há uma ordem para
escrever as letras ou vai colocando-as
aleatoriamente?
Depois que desorganiza o nome é
capaz de identificar as letras que o
compõem para montá-lo novamente?
O aluno consegue comparar o
agrupamento de letras de seu nome com o
agrupamento que forma o nome de seu
colega? (estabelece relações com o seu
nome e outros nomes, por exemplo: Ana
começa com a mesma letra de meu nome,
ou termina com letra igual).
3.4 A quarta atividade pode ser
utilizada para avaliar a compreensão que a
criança já construiu em relação à ordem
estabelecida entre os objetos.
Procedimento: Usando contas
grandes e coloridas e fio elástico, montar
com as crianças um colar e uma pulseira,
ou um anel e uma pulseira. Instruí-las para
seguir uma seqüência de cores proposta
pelo grupo ou propor que cada aluno crie a
sua própria seqüência. Depois de prontos,
contar quantas contas foram usadas para o
colar e para a pulseira. Questionamentos:
Qual foi a ordem criada pelas crianças (por
22
exemplo, para montar uma pulseira um
grupo estabeleceu como seqüência a
utilização de duas contas brancas e três
verdes)? Qual ornamento precisou de mais
contas? Quantas contas a mais foram
usadas? Por quê? Qual o maior colar do
grupo? Qual o menor? Quantas contas há
em cada um?
Durante a realização desta atividade
o avaliador deve observar:
As crianças seguem a ordem das
cores proposta?
Adotam uma ordem diferente, mas
coerente com a tarefa proposta?
Relacionam os diferentes tamanhos
dos objetos?
Quantificam e comparam as contas
do colar e da pulseira?
Os alunos dominam expressões
como “mais que” e “menos que”?
3.5 Na quinta tarefa a criança irá
relacionar quantidade de elementos ao
símbolo numérico.
Procedimento: A professora oferece
às crianças dois dados grandes e sugere
que cada uma jogue os dados e diga quanto
saiu. Usando números que podem ser
confeccionados em E.V.A., a criança
deverá mostrar qual o número (símbolo)
corresponde àquela quantidade que saiu
nos dois dados e, na seqüência, deve pegar
em uma caixa o mesmo número de
tampinhas. Em seguida, cada aluno pode
registrar no papel o símbolo numérico e
desenhar a mesma quantidade com
bolinhas ou traços. Esta atividade poderá
ser feita com os alunos dispostos em uma
rodinha, de forma que a professora
oportunize a participação de todos. A
realização desta atividade em grupo
favorecerá o estabelecimento de
comparações entre os números que cada
criança tirou em relação aos demais
colegas. A partir desta tarefa, a docente
pode realizar os seguintes
questionamentos: Qual o menor número é
possível obter com um dado? E com dois
dados? Qual o maior número é possível
obter com um dado? E com dois dados?
O avaliador deve atentar para o
seguinte:
Quais crianças representam
quantidades pelo desenho?
Quais crianças usam desenho e
símbolos numéricos?
As crianças já são capazes de
representar quantidades através de
símbolos numéricos (os algarismos)?
Já reconhecem os algarismos e os
relacionam às quantidades corretamente?
3.6 A sexta atividade proposta é o
“Tiro ao alvo”; nela o psicólogo ou
psicopedagogo pode perceber como a
criança está lidando com os valores
qualitativos dos números, ou seja, se
compreende que os valores atribuídos aos
23
símbolos numéricos são distintos e que uns
são maiores ou menores que os outros.
Procedimento: A professora propõe
o jogo e desenha o alvo na lousa com a
ajuda das crianças. Devem ser feitos
círculos de tamanho crescente com o
mesmo ponto central e os números maiores
devem ficar mais próximos ao centro. A
docente não deve fazer referência à
demarcação de um limite para o arremesso,
as crianças podem utilizar massinha de
modelar para atirar. Após a participação de
todas as crianças, a docente pode fazer
perguntas como: Qual é o número maior do
jogo? Qual é a sua localização? Por quê?
Qual criança acertou o maior número?
O avaliador pode observar:
As crianças conhecem o jogo?
Estabelecem o mesmo número de
arremessos para cada criança?
As crianças demarcam uma
distância para atirar?
Conseguem estabelecer relação
entre o número maior e sua posição no
jogo?
Identificam qual criança acertou o
número maior?
Quais os comentários que fazem
durante o jogo?
3.7 A última atividade sugerida
deve ser realizada pelo psicólogo ou
psicopedagogo individualmente com a
criança; a partir desta tarefa podemos
conhecer a capacidade que a criança possui
de formar conjuntos e quais são os critérios
escolhidos para fazê-lo:
Procedimento: Selecionar quatro
grupos contendo três elementos cada,
como por exemplo, lápis de cor, borrachas,
bolas, peças de encaixe. Entregar os
objetos misturados à criança e pedir que
ela os separe nos grupos existentes. Em
seguida, pedir que ela faça duas coleções
de modo a incluir todos os elementos.
Podemos solicitar, também, que ela
coloque os objetos em ordem crescente de
tamanho.
No decorrer desta atividade, o
avaliador deve estar atento às estratégias
adotadas pela criança e aos comentários
feitos durante a realização da tarefa. Caso a
criança cometa algum equívoco, o
psicólogo ou psicopedagogo deve fazer um
breve comentário a respeito e observar a
reação do aluno frente à ressalva.
4. Leitura e escrita
Durante a realização das atividades
relacionadas à avaliação do letramento, o
psicólogo ou psicopedagogo deve estar
atento para o grau de interlocução da
criança com a escrita nas situações da vida
diária, ou seja, em que medida a criança
percebe a existência e a importância da
língua escrita nas atividades cotidianas.
Além disso, o avaliador deve observar
24
alguns outros aspectos importantes para a
avaliação das noções da criança não-
alfabetizada em relação à língua escrita,
como por exemplo: Qual é o nível de
compreensão que a criança demonstra ter
acerca do caráter simbólico do sistema
escrito? A criança percebe que a dimensão
fonológica (os sons) é independente do
significado de uma palavra? Qual é o nível
de apreensão que a criança demonstra
possuir das funções da língua escrita?
Para avaliar o desenvolvimento do
letramento em crianças da educação
infantil, elegemos apenas situações para o
psicólogo ou psicopedagogo realizar em
momentos individuais com a criança, mas
que podem e devem ser adaptadas para
situações coletivas. Descrevemos abaixo as
atividades propostas para a avaliação
individual:
4.1 Para estabelecer o vínculo com
o aluno propõe-se um jogo de memória. O
jogo deve conter em torno de sete pares e
pode ser confeccionado a partir de
elementos que fazem parte do cotidiano da
criança; sugerimos a utilização de recortes
de panfletos de supermercados, que são
ilustrados com produtos de uso
domésticos, como por exemplo, sabonetes,
óleo de cozinha, arroz e outros. Observar
quais são as estratégias utilizadas pela
criança para formação dos pares? Ela
utiliza as ilustrações ou também demonstra
estar utilizando os códigos escritos para a
formação dos pares?
4.2 Através da utilização de
portadores de textos como contas de luz,
água etc., bula de remédio, bilhete, receita
culinária, oração, notícia de jornal ou
revista, gibi e livro, pode-se verificar se a
criança consegue estabelecer relações entre
os diferentes estilos de textos e se
identifica e diferencia cada um dos
materiais apresentados.
4.3 Rótulos e embalagens: utilizar
embalagens de produtos como bolachas,
chocolates, chá-mate, refrigerante,
sabonete, pasta de dentes, e pedir para que
a criança identifique os nomes escritos nos
rótulos dos produtos. É importante
observar se a criança apenas identifica
produtos que conhece ou se já se arrisca a
identificar os rótulos a partir da leitura.
Nesta atividade podemos perguntar à
criança o que ela pensa sobre a função da
escrita e em que lugares de uma cidade
existem coisas escritas.
4.4 Confeccionar cartões com
letras, sílabas e palavras em cores
diferentes, indagar à criança o que é cada
um dos cartões. Observar como ela
estabelece relações. Esta atividade também
oferece possibilidade de se saber a respeito
25
da construção do conhecimento lógico-
matemático pela criança.
4.5 Pedir para a criança escrever e
desenhar palavras que contenham uma,
duas, três e quatro sílabas. Caso a criança
apresente dificuldades, oferecer figuras de
palavras que correspondam à atividade e
pedir que ela o nome de cada gravura.
DISCUSSÃO
É muito freqüente no contexto
educacional que os problemas no
desenvolvimento dos alunos e as
dificuldades escolares sejam atribuídos
apenas às crianças e suas famílias. Alguns
profissionais da educação têm a tendência
de atribuir apenas ao aluno a origem de
algum problema, encaminhando-o para
psicólogos sem questionar sua prática
pedagógica e as situações que precisariam
ser melhoradas na instituição escolar
(OLIVEIRA; REGO; SOUZA, 2002).
Muitas vezes, a escola, apoiada por
psicólogos, apresenta explicações sobre as
dificuldades escolares relacionando-as
exclusivamente às dificuldades da criança,
de sua família, a sua origem social, cultural
ou econômica, isentando-se de qualquer
responsabilidade.
Reiteramos a importância dos
profissionais se colocarem diante realidade
escolar a partir de uma perspectiva crítica.
Neste sentido, a avaliação psicopedagógica
deve ser utilizada considerando levando-se
em conta o contexto social e histórico da
instituição na qual a criança se insere. A
escola, se excluída do processo de
avaliação, tende a se eximir da sua parcela
de responsabilidade na produção e/ou
manutenção da queixa. Isso pode
minimizar o importante papel da
instituição como facilitadora do
crescimento pessoal dos alunos nos seus
diversos aspectos: emocional, cognitivo,
social. Em uma avaliação psicopedagógica,
o contexto escolar precisa ser investigado,
uma vez que o crescimento está em
processo e deve ser favorecido. É
importante que em qualquer campo de
atuação o profissional contextualize os
conhecimentos e técnicas nos quais irá se
apoiar (RIBEIRO, 2004).
Isso posto, não podemos descartar a
necessidade de os profissionais que atuam
como especialistas de ensino busquem uma
formação que lhes possibilite identificar
possíveis intercorrências na escolarização
do aluno relacionadas ao seu processo de
desenvolvimento e aprendizagem.
Lembramos que tais profissionais precisam
conhecer as teorias e pesquisas sobre o
desenvolvimento e a aprendizagem, bem
como a estreita relação entre eles, para que
os roteiros das avaliações possam fazer um
verdadeiro sentido e serem realmente
26
norteadores dos encaminhamentos e/ou
procedimentos a serem adotados com os
alunos.
Enfatizamos que o objetivo de um
psicólogo e/ou psicopedagogo ao realizar
uma avaliação psicopedagógica deve ser o
de indicar como o ambiente atual pode se
organizar para atender a criança no sentido
de facilitar o seu desenvolvimento, não se
tornando mais uma classificação que sirva
para rotular os alunos e/ou eximir a escola
das suas responsabilidades (RIBEIRO,
2004, p.193). Assim, quando se investiga
determinada dificuldade, o objetivo
primeiro deve ser buscar alternativas para
que o contexto escolar seja o mais
adaptativo possível ao aluno no sentido de
propiciar o seu crescimento.
Tanto o aluno como sua família
podem e devem ser incluídos diretamente
na situação de avaliação, caso seja
necessário ampliar os cuidados com a
criança e a escola seja a instituição
disponível para nortear os
encaminhamentos necessários. Podem ser
feitas algumas entrevistas com a criança e
a família, procurando conhecer de um
modo mais direto a visão de todos acerca
das dificuldades que estão ocorrendo. No
presente trabalho evitamos propostas
identificadas com a Psicologia Clínica,
procurando enfatizar o papel do ambiente
escolar. Isso não exime o profissional de
ampliar suas investigações e recorrer a
estratégias da clínica quando for
necessário.
De acordo com os pareceristas que
contribuíram com esta proposta de
avaliação, o presente trabalho foi
considerado pertinente à realidade do
ensino infantil e se mostra fértil no sentido
de fortalecer a importância da
fundamentação teórica no processo de
avaliação psicopedagógica.
Consideramos que é necessária uma
interlocução crescente da Psicologia com
outras áreas do conhecimento quando se
trata de avaliação psicopedagógica. Isso
nos pareceu evidente quando discorremos,
por exemplo, sobre o desenvolvimento
físico e o emocional, em que caberia um
diálogo ampliado com a Medicina e a
Psicanálise, respectivamente. Não se trata
de subverter o espaço pedagógico
(MOYSÉS; COLLARES, 1992), mas de
fortalecer a formação do especialista de
ensino inclusive para que ele discrimine
com maior clareza possível a etiologia das
dificuldades de aprendizagem e os
caminhos – em que se incluem os
pedagógicos – para superá-las: o contexto
educacional é um ambiente privilegiado
para o desenvolvimento humano e
inequivocamente responsável pelo ensino,
independente do estágio de
desenvolvimento que cada criança esteja
vivendo.
27
Entendemos que a avaliação
psicopedagógica é uma área importante na
formação dos especialistas de ensino,
requerendo aprofundamento e ampliação
constantes.
REFERÊNCIAS
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