Post on 14-Feb-2019
AS FORÇAS ARMADAS BRASILEIRAS DEFENDEM VALORES E
NÃO APENAS TERRITÓRIO: COMO A REVISTA "EM GUARDA"
RETRATA A PARTICIPAÇÃO DO BRASIL NA SEGUNDA
GUERRA MUNDIAL
Iberê Moreno Rosário e Barros – POLITHICULT- PUC-SP
iberemoreno@gmail.com
As Forças Armadas Brasileiras tiveram dois momentos de intensa estruturação e
fortalecimento, pensando os processos pré-golpe de 1964. A guerra do Paraguai e a
Segunda Guerra Mundial foram episódios de grandes investimentos e incentivo. Em
ambos os casos, além do desenvolvimento técnico, houve movimentações políticas e
conceituais. Os desdobramentos e impactos destes fatos reverberaram até 1964, e
seguem reverberando até hoje. Mesmo que as intensidades e construções tenham se
alterado, ainda é preciso pensar como o exército se entende responsável por uma
construção nacional e não apenas a sua função de defesa das fronteiras.
O presente texto irá trabalhar em 3 etapas distintas mas complementares.
Primeiro iremos elencar, brevemente como o exército se estruturou durante a guerra do
Paraguai, com atenção para como era vista a função das forças armadas neste período. O
segundo momento iremos apresentar a revista “Em Guarda” e como ela retratou as
Forças Armadas Brasileiras durante a Segunda Guerra Mundial. Por fim iremos amarrar
a reflexão e indicar como compreendemos que as influências dos EUA impactaram
nesse modo de entendimento da função do Exército, que por sua vez influenciou no
Golpe de 64.
Não esperamos chegar a conclusões axiomáticas, mas sim realizar um percurso
alternativo de modo a enxergar a história por rastros distintos dos já consagrados.
Esperamos mostrar como os processos se dão sob a influência de matrizes muito
distintas, de maneira que não se pode descartar nenhum fator na construção da
sociedade atual. Sem almejar uma função de justificativa, temos como objetivo trazer
novas perguntas ao tema.
A guerra do Paraguai
O exército brasileiro tem na guerra do Paraguai sua pedra angular de
organização. Foi principalmente em Duque de Caxias que se construiu o imaginário das
forças armadas. Com suas ações rígidas e precisas, transformou as tropas antes difusas
em um corpo coeso e meritocrático. Essas medidas o fizeram, até hoje, o patrono do
exército e por sua vez um exemplo de como se espera que atue um militar.
O que nos interessa para este artigo é indicar justamente o modo como Caxias
lidou com o contexto, em contraposição ao o que o Estado Monárquico queria. Já no
Tratado da Tríplice Aliança, de 1º de Maio de 1865, vê-se que a intenção do Império era
maior do que apenas confrontar o Paraguai por questões geopolíticas. Havia, somado a
isso, a intenção de se posicionar ideologicamente, indicando como o governo brasileiro
entendia que deveriam se organizar os demais países ao seu redor. Francisco Doratioto
nos trás em seu texto, parte da coletânea “História das Guerras”, um trecho que
corrobora esta proposição:
Esse tratado estabelecia a aliança militar contra o Paraguai, mas
afirmava que a guerra era contra Francisco Solano López e não o povo
paraguaio. Determinava que a luta terminaria somente com a
retirada do ditador do país, que a paz não seria tratada isoladamente,
mas em conjunto pelos três países aliados, e somente com o novo
governo que se instalasse em Assunção. (DORATIOTO, 2009. P 261)
É interessante notar que, portanto, a guerra era mais um combate simbólico à um
modelo de governo e de política do que contra um povo. Isso é importante, inclusive,
para justificar a duração da guerra e aumentar a importância de que o combate não era
de interesses simplórios, mas sim de defesa do continente frente uma ameaça de um
individuo. É um movimento muito semelhante ao que ocorre na Segunda Guerra
Mundial, com a diferença do modo como o Estado Maior assimila essa incumbência.
Devemos notar que a figura do Duque de Caxias não era incólume ou nova no
cenário político e militar do Brasil. Era já no período da guerra o general de maior
prestígio, em função da sua atuação em outros conflitos internos, além de um dos
Senadores do partido Conservador. Era, portanto, uma personalidade de destaque, tanto
por suas ações como pela sua função política.
Os combates no Paraguai foram muito impactantes e desestabilizadores para as
forças armadas de todos os países. Não apenas o povo paraguaio foi desestruturado,
como as tropas brasileiras, argentinas e uruguaias, posteriormente passaram por uma
forte reorganização. Uma vez que o Brasil havia desmantelado suas tropas profissionais,
passando para um corpo militar auto financiado, através da Guarda Nacional, a
preparação e o empenho dos soldados eram muito baixos.
Mesmo no caso dos oficiais e praças advindos do Rio Grande do Sul, que por
questões históricas e políticas estavam mais preparados e acostumados ao combate,
ainda eram condições um tanto precárias de manutenção. Como indica a professora
Francisca Carla Santos Ferrer, quanto à estruturação do Exército no período pré
conflito:
Outrossim, o governo não investia no Exército, deixando de arcar com
o fornecimento básico para seu funcionamento, faltava-lhes homens,
armamentos, víveres, ou seja, todas as condições necessárias para
formação e manutenção de uma força militar nacional capaz de
defender a pátria. (FERRER, 2005. P.123)
Por isso as ações e tomadas de decisão do Duque de Caxias foram tão
importantes para o desenrolar do conflito. Mais do que mudanças totalmente decisórias
o então Marquês, empoderou as forças com a meritocracia e com a disciplina,
características pessoais do general e que inspiraram as tropas. Esse impacto pode ser
demonstrado inclusive em seu misticismo enquanto líder, conforme apresentado no site
do exército brasileiro:
Um efeito de sua liderança sobre a tropa relatou Dionízio Cerqueira
em suas "Reminiscências da Guerra do Paraguai", tendo sido o autor
testemunha da atuação de Caxias na conquista da ponte de Itororó:
"Quando (Caxias) passava no seu uniforme de Marechal de Exército,
ereto e elegante, apesar da idade, todos nós nos perfilávamos
reverentes e cheios de fé. Não era somente respeito devido a sua alta
posição hierárquica. Havia mais a veneração religiosa e a admiração
sem limites. Ele poderia fazer dos seus soldados o que quisesse, desde
um heroi até um mártir. Por isso, quando ele passou pela frente do 16
(de Infantaria), com as faces incendidas e a espada curva
desembainhada, foi preciso o nosso comandante comandar - Firme! -
para que não o seguíssemos todos."(BRASIL, 2014)
Esse extremo respeito e reverência eram também fruto do modo como o próprio
general lidou com as tropas. A sua primeira ação ao assumir o comando das tropas foi o
de “reorganizar a força terrestre brasileira, reequipando-a, restabelecendo a disciplina,
substituindo o critério político pelo profissional ao nomear os comandantes de tropas, e
treinando, em plena frente de batalha, civis recém-incorporados ao Exército.”
(DORATIOTO, 2009. P.269)
É em função dessa visão pragmática e objetiva que para Caxias o conflito se
encerrou no momento que as tropas de Solano Lopez estavam exauridas. Uma
contraposição direta ao que compreendia o Estado, que desde o tratado de 1865
mantinha a mesma posição quanto à “caça” ao ditador paraguaio. Tanto que o próprio
general se retira do fronte de batalha e retorna ao Brasil, também sob justificativas
pessoais de saúde, uma vez que no período do Duque já contava com mais de 60 anos.
Enquanto para os comandantes em chefe das forças armadas brasileiras o
conflito estava encerrado, para o Estado ainda havia pelo que batalhar. Doratioto deixa
clara essa dicotomia ao colocar que:
Para o Estado Monárquico brasileiro, vencer López deixara de ser
somente uma necessidade militar, adquirindo significados políticos e
simbólicos. Lendo-se a documentação e a imprensa dos países aliados,
constata-se que no discurso guerreiro não havia rancor contra os
paraguaios; o ódio era canalizado contra a figura de López.
(DORATIOTO, 2009. P 274)
É importante também mostrar que a influência da opinião pública assim como a
mobilização. Neste caso, citando Doratioto, “A febre anti-López se disseminou entre os
brasileiros e foi instrumento de mobilização popular no esforço de guerra.”
(DORATIOTO, 2009. P 274). Portanto um encerramento da disputa sem esse resultado
seria uma derrota para o poder monárquico. Vê-se, portanto, a disparidade entre os
comandantes em chefe e o Estado.
A influência e a consequência da Guerra do Paraguai foi muito grande em
diversos pontos. “Criou, ainda, um Exército forte, que adquiriu, nos campos de batalha,
identidade própria, desvinculada da Monarquia, depondo-a com o golpe republicano de
15 de Novembro de 1889.” (DORATIOTO, 2009. P 282).
Segunda Guerra Mundial
Tendo como pano de fundo comparativo este contexto acima
apresentado, dedicaremos esta seção para podermos analisar o nosso objeto central.
Entendemos que o contato do exército brasileiro com um novo confronto internacional,
de proporções como a Segunda Guerra Mundial, teve um impacto considerável nos
valores e na moral do oficialato.
Principalmente quando nos referimos aos Generais Mascarenhas e Dutra, que
tiveram contato direto com os militares do Estado Maior dos EUA, a representação das
imagens das tropas e de seus comandantes sem dúvida criou um precedente para a
compreensão de missão nas turmas posteriores. Principalmente em consequência do
estreitamento de laços acadêmicos e preparatórios que desembocaram no aumento do
anticomunismo entre os militares.
O que queremos mostrar, com maior atenção, é o modo como uma revista
americana apresentou as forças armadas brasileiras, para o Brasil, durante a Segunda
Guerra Mundial. Isso nos servirá para mostrar como os EUA enxergavam o potencial
militar brasileiro além do convencional e como um parceiro preferencial na América.
Isso fez com que os americanos tivessem uma atenção ainda maior ao Brasil, e
incentivando a responsabilidade de defesa de valores por parte do Exército.
A revista em questão é a “Em Guarda”. Publicada entre os anos de 1941 e 1945,
pelo governo americano através do Office of the Coordinator of Interamerican
Affais(OCIAA), a revista tinha uma função muito específica: divulgar e difundir o
americanismo e facilitar a Política de Boa Vizinhança. O responsável pelo OCIAA e
peça fundamental nessa estruturação foi Nelson Rockefeller, herdeiro da família mais
rica dos EUA e de grande influência política e cultural.
A revista, através de matérias diversas que vão desde a divulgação do
desenvolvimento bélico americano até a publicação de notícias sobre moda
interamericana, tenta criar esse laço de aproximação. Escrita em português para o caso
brasileiro, e com edições em espanhol e até em francês para os demais países do
continente, a revista tinha um custo de compra muito baixo, mostrando que se esperava
que sua circulação fosse alta.
Inicialmente a revista tem um foco quase que estritamente de informação sobre a
evolução e o potencial militar americano. Porém, com o passar das edições, a
publicação vai ganhando uma função mais noticiosa, apresentando reportagens sobre o
combate no front, assim como matérias sobre os diferentes países do continente. É
interessante ainda chamar a atenção para o fato de a revista em diversos momentos se
preocupar em mostrar como é o modo de vida americano, nas suas mais diferentes
regiões, como uma propaganda do american way of life.
A publicação conta com 788 matérias, no total dos 4 anos. Como parte da
pesquisa que temos realizado, categorizamos todos os textos em 7 temas, sendo um
deles o de “América Latina”. Nele foram colocadas matérias que se referissem a
qualquer país do continente, com exceção dos anglófonos, sem subdividir em qual era o
subtema. Dentro dessa divisão encontramos 26 matérias que se referem às forças
armadas brasileiras, tanto o exército como a marinha e a aeronáutica.
No primeiro ano encontramos 6 matérias sob a categorização. Gostaríamos de
chamar a atenção para a edição número 12, na qual encontramos justamente o texto que
se refere à entrada do Brasil no conflito. O destaque é tamanho que a matéria se inicia
na contra capa e se estende até a página 4. Sempre o texto exortando a capacidade e a
coragem brasileira com o ato. Tanto que Vargas é intitulado “Líder do Brasil em
guerra”, não apenas como presidente, conforme vemos na reprodução abaixo.
Figura 1 - Getúlio Vargas
A imagem da primeira página apresenta uma manifestação popular em apoio à
participação do Brasil no conflito. Podemos identificar com facilidade, em meio às
bandeiras brasileiras, uma bandeira dos EUA. E a legenda indica como o desejo da
entrada na guerra era de clamor público, e não apenas uma motivação estratégica do
governo: “Como era de esperar, os protestos do povo brasileiro contra as barbaridades
alemães, fazem-se ouvir energicamente na praça pública, clamando pela guerra” (EM
GUARDA, 1942).
Figura 2 - Manifestação Popular em prol da Guerra
É interessante, nesse mesmo ano, ressaltar a matéria “Programa de amizade” da
edição número 11. Nela é relatada uma troca de saudações entre os cadetes da Escola
Militar do Realengo e da Academia Militar de West Point. Há predominantemente
imagens de ambas as escolas e seus cadetes e oficiais, mostrando como são semelhantes
ambos os espaços e os aspirantes. Na parte inferior das páginas 16 e 17 encontramos
imagens que mostram cadetes de ambas as instituições realizando adestramentos de
precisão, e as imagens, se não fossem pelas legendas, poderiam ser facilmente
confundidas.
No texto é exaltada diversas vezes a capacidade militar brasileira e seu avanço
técnico e tecnológico. Há uma atenção especial, inclusive ao evento, por se tratar o
momento da mudança da escola brasileira para Rezende, onde se localiza até hoje, sob o
nome de Academia Militar das Agulhas Negras. O texto adquire um tom romanceado ao
falar dessa mudança:
Da antiga Escola Preparatória Tática e Prática do Realengo, onde
iniciaram sua carreira tantos oficiais ilustres do exército, à escola
modêlo de Rezende, há um grande progresso no ensino da ciência
militar no Brasil. A inauguração dêsse moderno estabelecimento que,
em muitos aspectos é o melhor aparelhado não somente nas Américas
como no mundo inteiro, vem coincidir com a situação de
extraordinário destaque em que a guerra colocou o Brasil, como nação
Figura 3 - Cadetes Brasileiros de Villegaignon
Figura 4 - Cadetes americanos da Escola de Anápolis
forçada pelas circunstâncias, a tornar-se verdadeira potência militar
(EM GUARDA, 1942, p.16)
Já no segundo ano são encontradas 6 matérias sobre o tema. Três delas chamam
atenção especial, sendo elas: sobre a marinha brasileira, na edição número 1; sobre a
Escola Naval do Brasil, na edição número 2; e sobre as bases em Natal e Recife, na
edição número 11. Os textos, nos três casos, sempre ressaltam a capacidade brasileira e
o empenho no desenvolvimento nacional, além de como se dá a relação das Forças
Armadas Brasileiras com as dos demais países.
No primeiro texto, que trata da Marinha, lemos que: “O problema da marinha do
Brasil prende-se aos seus recursos; são pequenos, relativamente às proporções desta
guerra.” (EM GUARDA, 1942, p.23). Ou seja, o autor vê que o treinamento e a
capacidade são elevadas, porém a estrutura é baixa. Vai mais a frente justificar que isso
se deve à falta de investimento em uma siderurgia. Vemos assim que a revista
compreende como uma força de grande potencial para se responsabilizar pelo país,
sendo que a falta de atenção deste âmbito de investimento, por parte dos dirigentes,
levou a essa deterioração:
Há cem anos, a esquadra brasileira era uma das maiores do mundo,
mas a substituição do navio de madeira pelo de aço, ocorrida em
meiados do século passado, veiu colocar os grandes países fabricantes
de aço na vanguarda em matéria de superioridade naval. (EM
GUARDA, 1942, p.23)
O segundo texto trata especificamente da Escola Naval de Villegaignon. Mostra
de maneira clara como a capacidade de seus egressos é de grande excelência e
qualidade. E justifica isso em função de parcerias históricas com os EUA, que também
imbuíram estes de uma responsabilidade com os ideias americanos. Vemos isso no
seguinte trecho:
A íntima cooperação que de há muito tempo tem existido entre as duas
marinhas, a do Brasil e a dos Estados Unidos, torna-se neste histórico
momento, uma das garantias para a realização definitiva dos
consagrados ideais americanos que as suas grandes nações têm
animado com verdadeiros exemplos. (EM GUARDA, 1942, p.30)
Por fim, o terceiro texto trata da criação das bases no Brasil. Fato que já foi
tratado como um influenciador da cultura brasileira pelo professor Tota no seu livro
“Imperialismo Sedutor”, como vemos aqui ao dizer desse processo na base aérea de
Parnamirim: “Quando o primeiro tabaréu, observando os aviões e os pilotos americanos
com seus gestos, mimetizou o ‘positivo’, com o dedão pra cima, o Brasil já estava
americanizado”(TOTA, 2001, p.10).
Essa influencia, que repercute inclusive em atos cotidianos, tem um impacto
muito forte nas forças armadas. Por ser o grupo social com o qual os americanos
tiveram maior contato, podemos compreender que foi o mais influenciado também.
Fazendo com que eles absorvessem o dever proteger dos valores, e não apenas a sua
função original de proteger o espaço nacional. Essa convivência pode ser mostrada com
imagens como esta abaixo, na qual mostra um sargento brasileiro aprendendo com um
sargento americano a manutenção de um motor.
Figura 5 - A relação entre brasileiros e americanos
Por sua vez, no terceiro ano são encontradas 8 matérias que tratam sobre o
exército brasileiro. Três matérias atraem nossa atenção em especial: uma sobre o
exército brasileiro, que se encontra na segunda edição, e trata da expansão do exército
brasileiro para integrar as forças de guerra; uma sobre a chegada das tropas brasileiras
em solo europeu e seu impacto simbólico, encontrada na edição número 11; e por fim,
na edição número 12, aparece a primeira reportagem de Frank Norral, que foi
correspondente da OCIAA junto às Forças Expedicionárias do Brasil (FEB).
Na primeira matéria destacada, a preocupação é de mostrar como a preparação
do exército brasileiro é algo primoroso. Remete principalmente à aproximação com os
países das Nações Unidas, com destaque para os EUA, como vemos aqui:
No desenvolvimento de seu poder combativo tem havido um íntima
cooperação entre o Exército brasileiro e dos Estados Unidos. Oficiais
brasileiros têm visitado os Estados Unidos, percorrendo campos de
provas e arsenais de guerra interessados na seleção de armas e de
ensinamentos mais aplicáveis às necessidades militares de sua pátria.
(EM GUARDA, 1943, p.29)
É interessante como a própria revista faz a aproximação que fizemos no início
do texto ao rememorar Duque de Caxias enquanto modelo de militar, como podemos
ver no seguinte trecho: “Os oficiais, quer sejam os oriundos da Escola Militar do
Realengo ou dos Centros de Preparação de Oficiais da Reserva, têm emulado o espírito
realizado de Duque de Caxias, que, há 122 anos, foi um produto do ensino militar no
Brasil” (EM GUARDA, 1943, p.26).
Essa conexão nos indica, portanto, como os americanos entendem no militar a
responsabilidade maior do que exclusivamente a defesa do território nacional. Assim
como fez Duque de Caxias, que encabeçou os movimento para a criação da República,
espera-se que os militares sigam defendendo valores e modelos de governo. É neste
ponto de conexão que o artigo pretende desenvolver seus pontos finais mais a frente.
A segunda matéria, que tem como título “As forças brasileiras na Europa: e a
grande significação que o fato encerra para a História da América”, reconta agora da
atuação brasileira em solo europeu, dando atenção especial para as diferentes
manifestações pró essa participação, por parte tanto de brasileiros como de estrangeiros.
Reproduzimos aqui a fala de Mascarenhas que consta no texto: “Estamos ansiosos de
entrar em combate ao lado dos nossos irmãos de armas e lutar contra o nosso inimigo
comum.” (EM GUARDA, 1944, p.1)
Chama-nos atenção que a matéria dedica um parágrafo a parte apenas para trazer
a declaração de Nelson Rockefeller, o Coordenador de Assuntos Interamericanos. É
interessante pois são poucas as outras vezes na qual ele é citado ou referenciado
diretamente, e essa fala mostra justamente o alinhamento quanto à idéia de que o
exército brasileiro abarca maiores responsabilidades além da defesa do território
nacional. Segue:
Para o Sr. Nelson A. Rockefeller, Coordenador de Assuntos
Interamericanos, o desembarque das tropas brasileiras foi “um
símbolo dos supremos sacrifícios que os nossos bons vizinhos e
amigos já têm feito e estão prontos para fazer afim de derrotar nosso
inimigo comum” (EM GUARDA, 1944, p.2)
O parágrafo final, que sumariza boa parte do que é tratado ao longo do texto,
fica um tanto deslocado, uma vez que a imagem que segue logo abaixo contradiz, ao
menos parcialmente, a fala. Segue o texto:
O exército que o Brasil envia para as frentes de combate na Europa é,
portanto, um conjunto perfeito de aparelhamento militar moderno. E
na tropa se refletem todas as qualidades de coragem, de iniciativa e de
disciplina que bem caracterizam a elite que compõe a sua oficialidade.
(EM GUARDA, 1944, p.4)
A imagem, por sua vez, mostra apenas jovens soldados, em sua maior parte
franzinos, carregando os sacos com seus pertences. É ainda mais patente o fato da foto
ter em destaque dois negros, que por questões históricas de opressão e exclusão, não
compunham a elite que o texto se referencia. Isso, mesmo que indiretamente, mostra
como havia uma segregação entre o oficialato e os soldados. Mas ao mesmo tempo trás
a tona a idéia de que mesmo os corpos mais baixos das forças teriam a mesma vocação
de defensores de ideais, e não apenas de territórios.
Figura 6 - uma contraposição com o texto
Por fim, a terceira matéria do terceiro ano, tem um destaque em especial por se
tratar da primeira reportagem feita por Frank V. Norral. O correspondente se torna
responsável por acompanhar e relatar sobre a participação brasileira no front. Tem,
portanto, mais três matérias publicadas na revista, todas no quarto ano, nas quais narra
sobre a atuação e acomodação das tropas brasileiras. Na primeira matéria, em especial,
se ocupa em relatar sobre o excelente preparo que as tropas já tinham antes do
desembarque e em como os soldados brasileiros são um exemplo.
Veteranos combatentes das forças dos Estados Unidos, já
experimentados nos campos de batalha da África e da Europa, são
unânimes em considerar a Fôrça Expedicionária Brasileira como um
conjunto de tropas que os nazistas terão que respeitar. Sua preparação
tática no Brasil e aqui lhe tem aprimorado todas as qualidades
indispensáveis a uma tropa de primeira ordem. Por isso, os oficiais,
inferiores e praças do Exército americano que vieram das frentes de
batalha especialmente para porem os soldados brasileiros ao par dos
últimos detalhes técnicos desta guerra de vigoroso movimento sentem-
se verdadeiramente orgulhosos da honra que lhes foi conferida. (EM
GUARDA, 1944, p.16)
Como vemos, o correspondente exalta a capacidade brasileira de maneira
fervorosa. Como parte da política de boa vizinhança, na qual o Brasil teria um papel
fundamental por se tornar uma conexão entre os EUA e a América Latina, essa
representação da imagem de uma grande proximidade e de uma similaridade é
importante. Apesar de não podermos comprovar como isso impacta diretamente na
população, podemos ver que a integração entre as tropas ocorreu, e neste ponto
podemos compreender uma influência que posteriormente se torna um dos fatores para
o Golpe de 64.
Por fim, no quarto ano, encontramos 6 matérias que falam do exército brasileiro.
Destacamos três fatos, três das matérias foram escritas por Frank V. Norral e duas delas,
as quais daremos maior atenção neste texto, são exaltações à FEB. A primeira é um
texto sobre o General Mascarenhas de Moraes, que se encontra na terceira edição deste
ano, e a segunda é análise do General Greely à atuação brasileira, que se encontra na
quinta edição do mesmo ano.
No relato sobre o comandante brasileiro, são constantemente ressaltadas as suas
atitudes enquanto um homem do front. Apesar de suas funções serem concentradas em
tomadas de decisão, o general, de acordo com o relato, é um individuo que se preocupa
com o bem estar e com a manutenção do vigor das tropas. Essa imagem de liderança
que a revista passa é interessante pois reforça a idéia de que os militares estariam
preocupados com todos, independentemente da patente ou da posição que ocupam, mas
que jamais ignoram a importância e a seriedade do que fazem.
O seguinte parágrafo ilustra muito claramente essa imagem de um comandante
que se preocupa e cuida das suas tropas:
Afim de se certificar da situação entre a sua tropa, o general, desde
que chegaram as forças brasileiras à Itália, em Julho último, visita
diariamente as posições avançadas, frequentemente com grave risco
pessoal. É de acordo com as suas próprias observações que então
decide quando as tropas de combate devem descansar e serem
substituídas por outras. (EM GUARDA, 1945, P.15)
Por fim, a última matéria que gostaríamos de destacar, é a análise de Greely
sobre as tropas brasileiras. É interessante notar que o ufanismo exacerbado, apresentado
até então, nesta matéria é bem arrefecido. Uma vez que a análise é mais técnica, o
general se preocupa em indicar inclusive as dificuldades com as roupas e as adaptações
climáticas. Mesmo ponderando essas questões e as colocando como um empecilho
brasileiro, fica claro que o comandante americano acredita nas tropas da FEB.
No segundo parágrafo o autor já demonstra esse respeito e admiração, mesmo
que posteriormente ele passe a ponderar e elencar as deficiências brasileiras. Segue:
As forças brasileiras estão na Itália, e isto quer dizer que na Itália
contamos com mais um respeitável exército. Não se trata de um
conjunto militar meramente simbólico que haja atravessado o
Atlântico para reunir a constelação do emblema nacional brasileiro às
faixas e estrelas do pavilhão norte-americano na Itália.[...] Porque com
sua força expedicionária na Europa o Brasil mostra ao mundo inteiro
que é uma potência com que se pode contar – em tempo de guerra e de
paz. (EM GUARDA, 1945, p.34)
Avançando no texto o general vai então elencar que todas as forças
expedicionárias enfrentam grandes problemas, tanto de comando como de adaptação.
Fala então da questão do baixo arsenal e da alimentação, que precisou ser enviada do
Brasil, uma vez que as rações americanas não atendiam ao paladar brasileiro. É
interessante que o autor dedica um parágrafo inteiro para tratar da questão das roupas,
ressaltando que foi graças a uma ação do General Clark que essa dificuldade foi
suplantada: “Eram muito leves para uma campanha de inverno nas montanhas da Itália.
Por isto, o General Clark Mandou fornecer roupas de baixo, de lã, dos estoques do
Quinto Exército dos Estados Unidos [...]” (EM GUARDA, 1945, p.36)
Ou seja, apesar das forças receberem a chancela de serem excelentes, ainda
dependiam da ajuda americana. Isso quando transplantado para o Golpe de 1964 nos faz
compreender por que havia a preocupação do governo americano de se preparar e apoiar
as movimentações dos militares no Brasil. Mesmo tendo confiança na sua interpretação
do dever impedir uma ascensão comunista, os EUA não tinham total segurança se o
exército brasileiro saberia lidar plenamente com a situação, enviando assim a ajuda e
mantendo a tutela.
Greely encerra seu texto mais uma vez trazendo às tropas brasileiras a idéia de
que eles devem defender não apenas interesses pontuais ou de estadistas, mas sim um
conjunto de valores. O exército brasileiro é colocado como uma das forças para alcançar
o objetivo, conforme segue: “[...] a impressão que me deixou esse contato traduz a
verdadeira significação da presença do numeroso exército brasileiro na guerra:
impulsionar a vitória.” (EM GUARDA, 1945, p.37)
Considerações Finais
Como pudemos ver desde a sua primeira movimentação de maior organização,
as forças armadas assumiram uma responsabilidade que extrapolava apenas o dever de
proteger. Isso é reforçado pelo discurso apresentado pelo governo americano na revista
Em Guarda, que foi um recurso oficial da política de Boa Vizinhança. Fica então
ressaltado que o exército, ao contrário do que deveríamos esperar, assume
responsabilidades morais e de valor.
Essa carga de responsabilidade, que extrapola a sua função pragmática, tem seus
dois momentos de destaque nas principais guerras que o Brasil participou, a do Paraguai
e a Segunda Guerra. Esse movimento seria algo esperado, uma vez que há um aumento
considerável de contingente e de investimento. Mas nos chama a atenção como os
próprios militares se vêem, posteriormente, imbuídos de responsabilidades que não
deveriam caber às forças armadas.
O Golpe de 1964, apesar da distância de 20 anos em relação à participação do
Brasil na Segunda Guerra, também foi influenciado pela lógica implantada para o
conflito. O medo do comunismo já era algo concreto durante o embate, mesmo sendo o
inimigo em comum o nazismo. A disputa pelos campos de influência ideológica já
estavam sendo arquitetados, e essa aproximação dos EUA com o Brasil também tinha
essa intenção.
Os discursos apresentados na revista, representando a FEB e as forças armadas
como exemplares e responsáveis, tem uma função maior para a população brasileira do
que para os americanos. E essas falas ganham ainda maior destaque por partirem de um
emissor hegemônico e reconhecidamente defensores das américas. O imperialismo
sedutor queria também mostrar como nossos militares também eram fortes e preparados
para nos defender.
Sabemos que uma pesquisa de um tema de tamanha magnitude não pode se
encerrar apenas a este artigo ou à estas reflexões. Esperamos que os questionamentos
aqui levantados e as proposições colocadas levem a novos trabalhos. Entendemos
também que as fontes é que carregam as reais informações, sendo as nossas
interpretações plausíveis de questionamento e de debate, pensando numa lógica
dialética de construção de conhecimento.
Bibliografia
DORATIOTO, Francisco. Guerra do Paraguai. In: MAGNOLI, Demátrio.
História das Guerras. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2009. Cap. 11. p. 253-285.
TOTA, Antonio Pedro. Imperialismo Sedutor: A americanização do Brasil na
época da Segunda Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2000. 235 p.
EM GUARDA. Washington, D.C.: Business Publishers International
Corporation, 1941-1945, Mensal.
BRASIL. Exército Brasileiro. Exército Brasileiro. Caxias - O Cidadão:
Aspectos da Personalidade do Duque de Caxias. Disponível em:
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cidadao?p_p_id=noticias_WAR_noticiasportlet_INSTANCE_r6Qm&p_p_lifecy
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uts.portlet.action=/view/arquivo!viewJournalArticle&_noticias_WAR_noticiasp
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