Post on 21-Dec-2015
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Eficiência Energética no Uso de Vapor: Um Estudo de Caso no Aterro Sanitário de
Canhanduba, Itajaí – SC
¹Geizon Laureano
²George Bleyer Ferreira
RESUMO
Aterros sanitários utilizam fontes combustíveis em processos de tratamento térmico de resíduos
de serviços de saúde através da técnica de esterilização por autoclavagem. Os níveis de
eficiência energética desses sistemas são baixos e medidas técnicas viáveis de recuperação de
energia são praticamente inexistentes nesses locais. Diante deste fato, o presente trabalho tem
por objetivo, promover eficiência energética ao aterro sanitário de Canhanduba, através do
reaproveitamento do calor contido no efluente oriundo do processo de autoclavagem. A
metodologia de trabalho esteve baseada na modelagem geométrica do equipamento
desenvolvido para recuperação do calor residual do sistema e utilização de simulações
numéricas computacionais de transferência de calor conjugado para análise de seu desempenho
energético. A viabilidade econômica do projeto foi definida através da relação entre a redução
do custo de aquisição de combustível gerada pelo uso dessa tecnologia em comparação à
operação normal do sistema. Os resultados do projeto demonstraram que o trocador de calor
desenvolvido é viável do ponto de vista técnico e econômico, fato justificado pela sua
flexibilidade de aplicação em sistemas de esterilização com características operacionais
peculiares e por apresentar alta capacidade de recuperação do calor residual de autoclaves.
Palavras-chaves:
Aproveitamento de energia, trocador de calor, tecnologia sustentável.
INTRODUÇÃO
Historicamente, o ser humano sempre necessitou de recursos energéticos para satisfazer
suas necessidades básicas, tanto para alimentação, como para fonte de calor externo, iluminação
e trabalho. À medida que o homem passa a compreender seus benefícios, utiliza-os de forma a
potencializar suas atividades, propiciando assim, maiores expectativas quanto à garantia de
sobrevivência e desenvolvimento das atuais e futuras gerações (GOLDEMBERG; PALETTA,
2012).
Diante da crescente demanda energética proveniente do aumento populacional e
consumo de bens e serviços, o uso mais eficiente de energia passa a ser uma temática
representativa, tendencialmente demonstra ser uma solução adequada para resolução de parte
dos potenciais conflitos pelo uso de energia, num curto período de tempo, com menores
esforços econômicos e impactos ambientais negativos (HODGE, 2011).
A energia é base fundamental para garantia do desenvolvimento de todos os setores da
economia. A forma mais aceitável atualmente para resolução de conflitos pelo uso das fontes
finitas de energia é a racionalização de seu uso, (PEREIRA M.; PEREIRA S., 2009). Para
Nogueira et al. (2005), é importante destacar sob o ponto de vista da racionalização no uso de
energia, a importância que a mesma representa na óptica estratégica e de imagem de uma
empresa, haja vista que o mercado está orientado a dar preferência a produtos e serviços de
empresas comprometidas com ações de conservação do meio ambiente. Nesse sentido,
empresas que pretendem alcançar maior espaço no mercado, não podem admitir o desperdício
de energia, sem utilizá-la de forma eficiente e responsável.
Aterros sanitários utilizam fontes combustíveis em processos de tratamento térmico de
resíduos de serviços de saúde através da técnica de esterilização por autoclavagem. Os níveis
de eficiência energética desses sistemas são baixos e medidas técnicas viáveis de recuperação
de energia são praticamente inexistentes nesses locais. Um sistema de autoclavagem é
composto de uma caldeira estacionária a vapor e uma autoclave. A função da caldeira é produzir
vapor para a autoclave sob alta temperatura e pressão. A autoclave armazena em seu interior os
resíduos a serem tratados e o vapor produzido pela caldeira. Ambos permanecem em contato
no interior da autoclave por um período de tempo predefinido, até que os níveis de
patogenicidade dos resíduos sejam considerados seguros, pois o vapor nessas condições possui
a capacidade de esterilizar objetos. No final desse procedimento, o vapor e o condensado
formado são retirados do interior da autoclave e os resíduos são encaminhados para aterro.
O efluente resultante de um processo de esterilização por sistema de autoclavagem
possui alto teor de energia térmica, passível de recuperação através de trocadores de calor
projetados para atender as peculiaridades técnicas de cada sistema. A energia térmica
recuperada pode ser utilizada para aquecimento da água de alimentação do sistema e
consequentemente reduzir seu consumo de combustível. Nesse sentido, o presente trabalho tem
por objetivo, promover eficiência energética ao aterro sanitário de Canhanduba, através do
reaproveitamento do calor contido no efluente oriundo do sistema de autoclavagem.
METODOLOGIA
O local objeto de estudo do presente trabalho é o aterro sanitário de Canhanduba,
localizado no município de Itajaí, estado de Santa Catarina. O setor analisado foi o de
tratamento de resíduos de serviços de saúde, (Figura 01).
Figura 01 – Representação do setor de tratamento de resíduos de serviços de saúde.
Fonte: (AUTOR, 2015).
Os programas computacionais utilizados para o desenvolvimento da tecnologia de
recuperação de calor residual foram o Autodesk AutoCAD 2015, utilizado para a elaboração
dos desenhos técnicos e o COMSOL Multiphysics 4.4, utilizado para a modelagem geométrica
e simulação de desempenho energético do equipamento projetado.
Os módulos empregados no acoplamento multifísico do programa COMSOL
Multiphysics foram os de escoamentos em condutos e o de transferência de calor em sólidos e
fluídos, em regime espacial tridimensional e bidimensional axissimétrico para tempos
transientes e estacionários. O acoplamento realizado resultou em equações que relacionam
grandezas hidrodinâmicas de distribuição de vazão e pressão e termodinâmicas com processos
de transferência de calor por condução e convecção, (Equação 01), (COMSOL, 2013).
𝜌A𝐶𝑝𝜕𝑇
𝜕𝑡 𝜌A𝐶𝑝𝐮 ∙ ∇𝑇 = ∇ ∙ A𝑘∇𝑇 + 𝑓𝐷
𝜌A
2𝑑ℎ
|𝐮|3 + Q (01)
𝜌 = Massa específica, [kg/m³]
𝐴 = Área, [m²]
𝐶𝑝 = Capacidade térmica, [J/(kg.K)]
𝑇 = Temperatura, [K]
𝑡 = Tempo, [s]
𝐮 = Velocidade, [m/s]
𝑘 = Condutividade térmica, [W/(m.K)]
𝑓𝐷 = Fator de atrito de Darcy
𝑑ℎ = Diâmetro hidráulico, [m]
Q = Dissipação de energia, [W/m]
As perdas de carga e alterações de vazão ocasionadas pela rugosidade do material
empregado na geometria do equipamento foi determinada utilizando o coeficiente de fricção de
Darcy, (Equação 02) e a correlação de Reynolds para regimes de escoamento, (Equação 07).
𝑓𝐷 = 8
[
(8
Re)12
+ ( [−2,457ln((7
Re)0,9
+ 0,27 (𝑒
𝑑ℎ))]
16
+ (37530
Re)16
)
−1,5
]
112
(02)
Para determinação do termo de transferência de calor por condução e convecção
(Equações 03), o modelo relaciona grandezas como o coeficiente global de transferência de
calor, (Equação X) ao qual é alimentado pelos coeficientes de condução e convecção (Equações
04 à 06).
Q = ℎ𝑍(𝑇ext − 𝑇) (03)
ℎ𝑍 = 2π
1𝑟0ℎ𝑖nt
+1
𝑟𝑁ℎext+ ∑ (
𝑙𝑛 (𝑟n
𝑟n − 1)
𝑘n)𝑁
n=1
(04)
ℎ𝑖nt = Nuint
𝑘
𝑑ℎ (05) ℎext = Nuext
𝑘
𝑑ℎ (06)
O conjunto de números adimensionais de Reynolds, Prandtl, Nusselt e Grashof,
(Equações 07 à 12) foram utilizados nas equações do modelo, pois representam as relações
existentes entre as forças inerciais e viscosas, difusões térmicas e de momento nas simulações
realizadas.
Re =𝜌𝐮𝑑ℎ
μ (07) Pr =
𝐶𝑝μ
𝑘 (08)
Nuint = (𝑓𝐷8
) (Re − 1000)Pr
1 + 12,7√𝑓𝐷8 (Pr
23 − 1)
(09) Nuext =
(
0,6 +0,387(PrGr)
16
(1 + 0,559
Pr916
))
(10)
Gr =𝑔𝛽|∆𝑇|𝑑ℎ
3
(μ𝜌)
2 (11) 𝛽 = −1
𝜌(𝜕𝜌
𝜕𝑇)|
p
(12)
𝑒 = Rugosidade superficial, [m]
ℎ = Coeficiente de convecção, [W/(m².K)];
𝑍 = Perímetro molhado, [m]
μ = Viscosidade dinâmica, [Pa.s]
Re = Número de Reynolds
Nu = Número de Nusselt
Pr = Número de Prandtl
Gr = Número de Grashof
O período de amortização do investimento, (Equações 13 à 15) foi definido com base
na redução do custo de aquisição de combustível gerado pelo uso dessa tecnologia em
comparação à operação normal do sistema.
mco−f =mv(hv − haf + heq − hef) − ∑Pe
η Pc (13)
E$ = (mco−i − mco−f) ∙ PC$ ∙ n°p (14)
n =− log (1 −
C$ ∙ iE$
)
log(1 − i) (15)
mco−f = Consumo de combustível utilizando água quente, [kg/Ciclo]
mco−i = Consumo de combustível utilizando água fria, [kg/Ciclo]
mv = Demanda de vapor, [kg/Ciclo]
haf = Entalpia da água fria, [kJ/kg]
haq = Entalpia da água quente, [kJ/kg]
hef = Entalpia do efluente frio, [kJ/kg]
heq = Entalpia do efluente quente, [kJ/kg]
Pe = Perdas energéticas, [kJ/Ciclo]
PC$ = Preço do combustível, [R$/kg]
Pc = Poder calorífico, [kJ/kg]
η = Eficiência energética da caldeira
C$ = Custo do projeto, [R$]
n°p = Ciclos de esterilização
i = Taxa de juros
RESULTADOS
A tecnologia de recuperação de calor residual do efluente oriundo do sistema de autoclavagem,
consiste em um trocador de calor do tipo serpentina helicoidal com regime de fluxo em batelada.
O formato do equipamento é cilíndrico e possui dois compartimentos internos, um para
armazenar efluente provindo da autoclave e outro para armazenar a água de alimentação da
caldeira estacionária a vapor. No compartimento de efluente localiza-se a serpentina de troca
de calor, a entrada e saída do tubo é conectada ao compartimento de água.
A medida que a água percorre o interior do tubo de cobre da serpentina, ocorre a transferência
do calor contido no efluente para a água de alimentação do sistema. Ambos os reservatórios são
termicamente isolados com poliuretano e revestidos de aço inox 316L para redução de efeitos
intempestivos. Um esquema de automação foi previsto de forma a interligar o trocador de calor
com o sistema de autoclavagem. Esse procedimento ocorrerá através de válvulas solenoides
controladas pelo CLP da caldeira e da autoclave a medida que for necessário a troca de calor
ou o uso de água para alimentação da caldeira.
A água entra na caldeira a uma temperatura de 20°C e é utilizada para produzir 250kg/h de
vapor, sob uma pressão absoluta de 10 kgf/cm², utilizando combustível gasoso GLP. A
demanda de vapor da autoclave é de 180 kg/h, na temperatura de 137°C e pressão absoluta de
3,3 kgf/cm². Nessas condições operacionais, o efluente resultante do processo de esterilização
permanece a 107,5°C.
Os resultados de desempenho energético do trocador de calor, mostram que o equipamento para
as condições de contorno supracitadas, é capaz de pré-aquecer a água de alimentação do sistema
de autoclavagem para 87,5°C, atingindo um nível de eficiência energética da ordem de 51%. O
gráfico a seguir, (Figura 01) mostra a distribuição espaço-temporal de temperatura na serpentina
de troca térmica. Com base nesses resultados, observa-se que a taxa de troca de calor é
evidenciada nos momentos iniciais de simulação, pois o diferencial de temperatura elevado
supera as resistências térmicas existentes no limiar entre o efluente, o material da serpentina e
a água em aquecimento.
Figura 01 - Distribuição espaço-temporal de temperatura na serpentina de troca térmica.
Fonte: (AUTORES, 2015).
No intuito de compreender o processo de resfriamento do efluente no interior do trocador de
calor, o gráfico a seguir, (Figura 02) apresenta os resultados da simulação realizada no
compartimento de armazenamento de efluente. Como pode ser observado, o fato da descarga
de efluente no trocador de calor ser em batelada, influencia diretamente na efetividade de troca
térmica do equipamento, pois o modelo leva em consideração um efluente estático, que
transfere sua energia térmica somente na camada limite termodinâmica.
O gradiente térmico do efluente nesse componente é heterogêneo, (Figura 02) e não permite a
recuperação integral do calor residual do efluente. Essa limitação técnica pode ser superada
através do uso de um componente hidráulico interno que promova a recirculação do efluente e
favoreça a troca de calor por processo de convecção forçada, um artifício a ser adotado para
superar as resistências térmicas existentes na camada limite termodinâmica.
Figura 02 - Distribuição espaço-temporal de temperatura na serpentina de troca térmica.
Fonte: (AUTORES, 2015).
As perdas energéticas nas linhas hidráulicas de distribuição de água e efluente quente, e no
envoltório do trocador de calor, foram contabilizadas nas simulações numéricas e resultaram
em perdas de aproximadamente 90 kJ de energia térmica a cada processo de esterilização. A
figura 03, mostra a distribuição de temperatura no envoltório do equipamento, com intuito de
verificar a eficiência do isolamento térmico utilizado em sua estrutura, os resultados mostram
que a temperatura externa permanecerá em cerca de 50°C, devendo ser tomado as medidas
cabíveis de segurança para evitar a ocorrência de queimaduras nos colaboradores da empresa.
Por fim, os resultados da análise de viabilidade econômica demonstraram que o custo total de
aquisição do trocador de calor, componentes de instalação e prestação de serviços técnicos,
resultariam em 8030 R$, mas promoveria uma redução mensal no consumo de combustível de
aproximadamente 975 R$, retornando o investimento em um período de 9 meses e gerando uma
economia da ordem de 42%. Com relação a viabilidade técnica, é evidente que as peculiaridades
operacionais do sistema devem ser levadas em consideração, pois este fator pode limitar a
viabilidade do projeto à medida que os custos com componentes de instalação e mão de obra
especializada superem a economia financeira promovida pelo uso dessa tecnologia.
Figura 03 - Distribuição de temperatura no envoltório do trocador de calor.
Fonte: (AUTORES, 2015).
CONCLUSÕES
O desenvolvimento e adoção de tecnologias eficientes de energia, demonstra ser uma
das estratégias mercadológicas de melhor relação custo benefício, pois reduz custos
operacionais e minimiza aspectos e impactos ambientais negativos decorrentes da prestação de
serviços, além de transparecer diante de clientes e colaboradores, ações ambientalmente
sustentáveis em locais produtivos.
No tocante a este trabalho, a tecnologia de recuperação de calor residual mostra-se eficaz
no aumento dos níveis de eficiência energética do aterro sanitário de Canhanduba. O modelo
de trocador de calor proposto para uso no sistema de autoclavagem é adequado para o
aproveitamento da energia térmica oriunda do processo de esterilização, visto que o
equipamento recuperou cerca de 51% do calor residual do sistema. Além disso, sua viabilidade
econômica foi comprovada através de um período de retorno de investimento relativamente
curto, em que a economia de energia promovida pelo uso dessa tecnologia se auto amortizaria.
As particularidades técnicas do local estudado se mostraram de extrema importância na
definição da viabilidade técnica e econômica do equipamento projetado, pois os custos
decorrentes da prestação de serviços, aquisição de materiais e acessórios a serem utilizados em
conjunto com o trocador de calor, constituem aproximadamente metade dos custos totais do
projeto e podem limitar a adoção dessa tecnologia em sistemas para tratamento térmico de
resíduos de serviços de saúde.
O desempenho termodinâmico obtido com o projeto do trocador de calor, foi
prejudicado pelo fato do efluente, principal fonte de energia térmica do equipamento, ser
descarregado em batelada e permanecer estático, essa situação faz com que a transferência de
calor ocorra somente na interface da camada limite termodinâmica compreendida entre a água
e o efluente. Logo, propõe-se o uso de um componente hidráulico interno, que promova a
recirculação do efluente e favoreça o transporte de energia por convecção forçada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
COMSOL. Heat Transfer Module: User Guide. 4.4 Estocolmo: COMSOL, 2013. 394 p.
COMSOL. Pipe Flow Module: User Guide. 4.4 Estocolmo: COMSOL, 2013. 126 p.
GOLDEMBERG, José; PALETTA, Francisco Carlos. Série Energia e Sustentabilidade:
Energias Renováveis. São Paulo: Blucher, 2012. 110 p.
HODGE, B. K. Sistemas e Aplicações de Energia Alternativa. Alabama: LTC, 2011. 324 p.
NOGUEIRA, Luiz Augusto Horta; ROCHA, Carlos Roberto; NOGUEIRA, Fábio José H.
Eficiência Energética no Uso de Vapor. Rio de Janeiro: Procel Info, 2005. 196 p.
PEREIRA, Mario Jorge; PEREIRA, Sostenes. Energia: Eficiência e Alternativas. São Paulo:
Ciência Moderna, 2009.