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51 Anais do II Seminário de Pesquisa do NUPEPE Uberlândia/MG p. 51-65 21 e 22 de maio 2010
CONSTITUIR-SE PROFESSOR: A INFLUÊNCIA DA HISTÓRIA DE VIDA E
DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA FORMAÇÃO DOCENTE
Ana Clara Gomes
(Mestranda em Educação UFU – clara_educa@yahoo.com.br)
“Gosto de ser homem, de ser gente, porque não está dado como certo,
inequívoco, irrevogável que sou ou serei decente, que testemunharei
sempre gestos puros, que sou e que serei justo, que respeitarei os
outros, que não mentirei escondendo o seu valor porque a inveja de
sua presença no mundo me incomoda e me enraivece. Gosto de ser
homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo
não é predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é
um dado, mas algo que precisa ser feito e de cuja responsabilidade
não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História em que me
faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de
possibilidades e não de determinismo. Daí que insista tanto na
problematização do futuro e recuse sua inexorabilidade. Gosto de ser
gente porque, inacabado, sei que sou um ser condicionado mas,
consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele.”
(Paulo Freire)
1 - INTRODUÇÃO
Este artigo tem como objetivo promover uma auto-reflexão sobre a história de
vida e práticas pedagógicas na constituição do jeito de ensinar, mediante a leitura dos
autores da área de Educação utilizados na disciplina, assim como a correlação com
outros referenciais.
Na atualidade muitos estudos se propõem a discutir como se constitui o “ser
professor”. Segundo Tardif e Raymond (2000) uma boa parte do que os professores
sabem sobre o ensino, sobre os papéis do professor e sobre como ensinar provém de sua
própria história de vida. Para os autores a formação temporal, compreendida também
como as experiências formadoras vividas na família e na escola ocorrem antes mesmo
que a pessoa tenha desenvolvido um aparelho cognitivo aprimorando para nomear e
qualificar o que ela retém dessas experiências. Neste sentido a temporalidade estrutura a
memorização de experiências educativas marcantes para a construção do Eu profissional
e constitui o meio privilegiado de formar-se/constituir-se. Para Tardif e Gauthier (2001,
p.196)
(...) os saberes dos professores são temporais. Dependem estreitamente das
condições sociais e históricas nas quais ele exerce seu oficio e, mais
concretamente, das condições que estruturam seu próprio trabalho em um
lugar social dado. Nesse sentido, a questão dos saberes, para nós, está
estreitamente ligada à questão do trabalho de ensinar no meio escolar, à sua
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organização, à sua diferenciação, à sua especialização, às restrições objetivas
e subjetivas que ele impõe aos práticos, etc.
Fonseca (2002) também destaca que os saberes sendo singulares, pessoais,
finitos, provisórios e subjetivos, relativos, parciais e incompletos, possuem uma
historicidade, e são situados e contextualizados em determinados tempos, espaços e
condições históricas.
Desta maneira apoiamos a idéia de Tardif e Raymond (2000) de que os saberes
(esquemas, regras, hábitos, procedimentos, tipos, categorias, etc.) não são inatos, mas
produzidos pela socialização, isto é, através do processo de imersão dos indivíduos nos
diversos mundos socializados (famílias, grupos, amigos, escolas, etc.) nos quais
constroem-se em interação com os outros, a identidade pessoal e social.
Ao longo da história de vida pessoal e escolar, supõe-se que o futuro professor
interioriza um certo número de conhecimentos, de competências, de crenças, de valores
etc., os quais estruturam a sua personalidade e as suas relações com os outros e são
atualizados e utilizados, na prática de seu ofício. Assim, os saberes experiências do
professor, decorreriam de concepções do ensino e da aprendizagem herdadas da história
escolar.
De acordo com Pimenta (1999 apud NUNES, 2001) é imprescindível destacar a
importância da mobilização dos saberes da experiência para a construção da identidade
profissional do professor. Neste sentido, são identificados três tipos de saberes da
docência: a) da experiência, que seria aquele aprendido pelo professor desde quando
aluno, com os professores significativos etc., assim como o que é produzido na prática
num processo de reflexão e troca com os colegas; b) do conhecimento, que abrange a
revisão da função da escola na transmissão dos conhecimentos e as suas especialidades
num contexto contemporâneo e c) dos saberes pedagógicos, aquele que abrange a
questão do conhecimento juntamente com o saber da experiência e dos conteúdos
específicos e que será construído a partir das necessidades pedagógicas reais. A autora
enfatiza ainda que a fragmentação entre os diferentes saberes deve ser superada,
considerando a prática social como objetivo central, possibilitando, assim, uma re-
significação dos saberes na formação dos professores.
Os saberes da experiência são apontados por Tardif, Lessard e Lahaye (1991,
p.225) como aqueles que são a essência da competência profissional, porque por meio
deles o docente pode julgar sua formação anterior e também como são construídos os
programas, currículos e métodos. E assim, pela experiência acrescida do confronto que
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realiza com seus pares pode efetivamente objetivar seus fazeres e neste processo está
em constante formação.
Nessa mesma perspectiva, como salienta Paim (2005) a constituição de uma
prática pedagógica
(...)vai sempre exigir uma reflexão sobre a experiência de vida escolar do
professor, sobre suas crenças, posições, valores, imagens e juízos pessoais; a
formação docente é um processo que se dá durante toda a carreira docente e
se inicia muito antes da chamada formação inicial, através da experiência de
vida; cada professor é responsável pelo seu próprio desenvolvimento; é
importante que o processo de reflexão ocorra em grupo, para que se
estabeleça a relação dialógica; a reflexão parte da e é alimentada pela
contextualização sociopolítica e cultural (GERALDI; MESSIAS; GUERRA,
1998, p.248 apud PAIM, 2005, p.113)
Acreditando-se que a vida familiar, as experiências escolares, e as relações com
determinados professores fornecem subsídios para a constituição da identidade pessoal
dos docentes e seu conhecimento prático, faz-se necessário discutir: porque ensino do
jeito que ensino.
2 - PERCORRENDO O CAMINHO
A perspectiva de educação que permeia a minha prática docente deriva não
apenas do meu contato enquanto aluna com o curso de licenciatura em Educação Física
na Universidade Federal de Uberlândia, mas sim desde o meu envolvimento enquanto
educanda na Educação Básica. Sendo assim faz-se necessário explicar a minha trajetória
escolar.
Sempre estudei em escolas públicas. Durante toda minha vida, nunca estive
ligada a área de Educação Física. Acredito que seja pela minha personalidade tímida e
retraída, pois sempre tive vergonha de conversar, de me expressar, e de interagir com as
pessoas. As aulas de Educação Física, para muitos dos meus colegas eram tidas como
momentos de distração, de explosão de sentimentos, e de diversão, no entanto para mim
eram tidas como momento de angústia e de sofrimento, mediante a minha timidez, em
demonstrar a pouca performance nas atividades.
No Ensino Fundamental não nos era explicado o sentido das dinâmicas das aulas
de Educação Física. Na maioria das vezes, a professora apenas entregava a corda e bola
de carimbada para as meninas, e a bola de futebol para os meninos, deixando a aula
livre. As diversas modalidades esportivas não eram trabalhadas, com a exceção do vôlei
e do futebol, onde a professora apenas falava quantos alunos deveriam ficar de cada
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lado da quadra, e dava início à partida. Enquanto aluna pouco participava das aulas,
com medo das críticas que meus colegas pudessem fazer ao meu desempenho. Por sua
vez, a professora também nunca fez questão de me estimular e de entender o real motivo
da minha atitude durante os oito anos que passei ali (da 1ª a 8ª série do Ensino
Fundamental).
No Ensino Médio inicialmente estudei em uma escola onde a prática da
atividade física era obrigatória, pois caso contrário o aluno seria reprovado por falta. O
único esporte que a professora ministrava durante as aulas era o vôlei, mas assim como
minha professora do Ensino Fundamental, ela não explicava nada sobre o assunto,
apenas mandava os alunos dividirem os times, e realizava as partidas. Devido a minha
timidez, tive que arrumar um atestado médico para me ausentar das aulas, ou caso
contrário seria reprovada.
Posteriormente tive que mudar de escola. Nessa outra instituição, as aulas de
Educação Física eram ministradas sem compromisso. Nos era fornecido uma peteca,
uma bola de futebol e de vôlei, e um aparelho de som. Quem se interessasse em fazer as
aulas, as faziam, os demais alunos ficavam por ali circulando pelas quadras, fazendo
tarefas de outras disciplinas, estudando para as provas, etc. Assim como as outras
professoras, esta não explicava nada sobre sua disciplina e não se relacionava com os
alunos. E não diferente as outras escolas em que estudei, eu não participava das aulas.
Ficava apenas observando, quieta, sem ser percebida.
Segundo Morales (2001) a relação professor-aluno supõe em princípio falar de
todo o processo de ensino-aprendizagem. Uma maneira de visualizar a importância de
nossa relação com os alunos é pensar nos resultados não-intencionais. Para o autor nós
docentes pretendemos que nossos alunos aprendam algo, mas pode acontecer que
através de nossos exemplos, além disso, eles estejam aprendendo outras coisas, que
preferiríamos que não aprendessem e que aprendem porque nós lhe ensinamos
inconscientemente, embora em alguns casos não nos demos conta disso. O que se ensina
sem querer ensinar e o que se aprende sem querer aprender pode ser, e com freqüência
é, o mais importante e o mais permanente do processo de ensino-aprendizado, e isso por
sua vez depende, em boa medida, do estilo de relação que estabelecemos com os alunos.
Acreditando que os efeitos desejáveis (e indesejáveis) sobre os alunos, sobretudo
aqueles que vão além do mero aprendizado dos conhecimentos, dependem de nossa
relação com eles, somos levados a buscar características do bom professor em termos
gerais, cujo modelo ideal (perfeito) e executável não existe. Segundo Morales (2001)
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alguns estudos apontam que há muitas maneiras de ser um bom professor, de manter um
bom relacionamento com os alunos e de influenciá-los de maneira positiva. Há muitos
traços associados ao bom professor, mas não é imprescindível ter todos eles. Desse tipo
de estudo emergem duas grandes categorias (traços de conduta) dos quais o autor
destaca: a competência do professor para ensinar, controlar a classe e o bom
relacionamento com os alunos (professor compreensível, que atende aos anseios, é
paciente, disponível para ajudar). Neste aspecto corroboramos com a idéia de que os
professores tem a responsabilidade ética e moral de fazer-se conscientes do impacto que
eles tem sobre os alunos. Tal influência não se dá apenas na linha dos conhecimentos e
do desenvolvimento intelectual; incide também no desenvolvimento emocional e social
dos alunos. Podemos influir também no desenvolvimento moral, no discernimento dos
próprios valores e no discernimento para saber o que eles querem em suas vidas. A esse
respeito compreendemos que nós docentes, não somos tudo, é claro, mas temos uma
grande influência, ou podemos tê-la na vida dos educandos.
Terminado o Ensino Médio surgiu a grande dúvida: Prestar vestibular para que
curso? Mergulhei fundo numa reflexão pessoal, na tentativa de encontrar subsídios que
me apontassem para a escolha de uma profissão em que eu me sentisse útil ajudando as
pessoas e realizada.
Em meio a inquietações veio a idéia: contribuir com a formação dos indivíduos,
na área que havia deixado grandes lacunas durante a minha formação. Mais que uma
escolha, tratava-se de um grande desafio.
A menina “tímida” e “desajeitada” durante a realização das aulas de Educação
Física, agora se propunha a quebrar paradigmas.
No ano de 2003 ingressei na faculdade Educação Física da Universidade Federal
de Uberlândia. Durante minha formação inicial a maioria das disciplinas visava apenas
os saberes técnicos (a técnica esportiva), onde nos era cobrado nas avaliações práticas e
escritas os movimentos, posicionamentos e regras dos esportes, sem uma reflexão
crítica sobre sua relação com o cotidiano escolar e com a sociedade em geral.
A este respeito torna-se importante considerar sobre o que os professores devem
refletir e como. Nesse sentido Zeichner (1998) aponta para uma formação docente
reflexiva que incorpore o tipo de análise social e política que é necessária para
visualizar e, então, desafiar as estruturas que impedem o propósito de se trabalhar para a
justiça social. Esses desafios significam criar possibilidades no interior da escola para
novas metodologias para o ensino de estudos étnicos, para a reformulação de currículos
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e ambientes escolares com o propósito de melhor articular cultura e identidade, para
estabelecer a necessária conexão entre desempenho escolar e diversidade cultural, criar
ações de oportunidades de sucesso escolar para todos os alunos independentemente de
seu grupo social, étnico/racial, religioso, etc., valorizando a importância da diversidade
étnica e cultural na configuração da pluralidade de estilos de vida.
Assim, o professor, que “assume seu papel de mediador, crítico e intérprete da
cultura” e “que domina a capacidade de analisar e de comparar a fim de poder perceber,
no lusco-fusco da cultura, os pressupostos, os preconceitos, as crenças e as idéias aceitas
sem um exame racional”(MELLOWKI; GAUTHIER, 2004, p.558 -566 ), é
determinante no processo de reinventar o conhecimento, pois pode se posicionar
criticamente acerca dos instrumentos pedagógicos em questão/praticados o interior da
escola, possibilitando-lhe a desconstrução de mitos, paradigmas e preconceitos
veiculados historicamente na cultura escolar.
Destacamos também que mesmo que a universidade possua um ambiente
facilitador para a aprendizagem (com quadras adequadas e grande número de material
para o desenvolvimento das aulas), não podemos ser apenas “reprodutores de um saber”
(de uma técnica). Acreditamos que o ambiente escolar nem sempre é um espaço de
aplicação dos conhecimentos aprendidos na universidade, neste sentido este tipo de
formação não nos prepara para a realidade precária que encontramos na maioria das
escolas, onde o professor terá que mobilizar seus diferentes saberes para adequar à
prática profissional ao contexto. Nessa perspectiva Cicillini (2002, p. 49) aponta que,
(...) no momento em que faz a reflexão- ao preparar suas aulas, ao lecionar ou
ao pensar sobre o que lecionou -, o professor pode utilizar-se de todo o tipo
de conhecimentos disponíveis advindos dos diferentes padrões de produção
social. O professor num primeiro momento pode ser considerado como
consumidor do conhecimento original, mas ao apropriar-se desse
conhecimento, transforma-o, originando um novo tipo de conhecimento.
Cremos ainda que durante a formação inicial não devesse ser dada a grande
“ênfase” a reprodução da técnica em um curso de licenciatura, que se propõe formar
professores que participarão da constituição/ formação dos sujeitos como um todo.
Para Imbernón (2002) o professor não deveria ser um técnico que desenvolve ou
implementa inovações prescritas, mas deveria converte-se em um profissional que deve
participar ativa e criticamente no verdadeiro processo de inovação e mudança, a partir
de e em seu próprio contexto, em um processo dinâmico e flexível. De acordo com o
autor durante muito tempo, a formação baseou-se em conhecimentos que poderíamos
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denominar de “conteúdo”. A perspectiva técnica e racional que controlou a formação
durante as ultimas décadas visava um professor com conhecimentos uniformes no
campo do conteúdo científico e psicopedagógico, para que exercesse um ensino também
nivelador. Atualmente considera-se o conhecimento tão importante quanto a
subjetividade docente, ou seja, tudo o que representa formar as atitudes e valores. Como
prática educativa é pessoal e contextual, precisa de uma formação que parta de suas
situações problemáticas. Portanto, o currículo de formação deve consistir no estudo de
situações práticas reais que sejam problemáticas.
Neste aspecto Baraúna e Silva (2007, p. 223) discutem que “o processo de
construção do conhecimento pressupõe que não basta apenas “saber” algo, algum
conteúdo alguma disciplina, é preciso, no mínimo, saber fazer, saber buscar as
informações necessárias, saber produzir resultados”.
Um dos objetivos de toda formação válida deve ser o de poder ser
experimentada e também proporcionar a oportunidade para desenvolver uma prática
reflexiva. Tal formação deve estar ligada a tarefas de desenvolvimento curricular,
planejamento de programas e, em geral, melhoria da instituição educativa, e nelas
implicar-se tratando de resolver situações problemáticas gerais ou especificas
relacionadas ao ensino em seu contexto.
Entendemos que a especificidade dos contextos em que se educa adquire cada
vez mais importância: a capacidade de se adequar a eles metodologicamente, a visão de
ensino não técnico, como transmissão de um conhecimento acabado e formal, e sim
como um conhecimento em construção e não imutável, que analisa a educação como um
compromisso político cheio de valores éticos e morais e o desenvolvimento da pessoa e
a colaboração entre iguais como um fator importante no conhecimento profissional.
Tudo isso nos leva a valorizar a grande importância que têm para a docência a
aprendizagem da relação, a convivência, a cultura do contexto e o desenvolvimento da
capacidade de interação de cada pessoa com o grupo, e com a comunidade que envolve
a educação. Hoje a profissão docente já não é a transmissão de um conhecimento
acadêmico. Ela exerce outras funções como: reflexão, motivação, luta contra a exclusão
social, participação, relações com estruturas sociais, etc., o que requer uma formação
permanente. Esta análise ajuda-nos a entender um processo em que o conhecimento
profissional, para além de uma classificação de traços unificadores de toda a profissão
docente, é fundamental. E nela desponta como característica primordial a capacidade
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reflexiva em grupo, mas não apenas como aspecto de atuação técnica, e sim como
processo coletivo para regular as ações, os juízos e as decisões sobre o ensino.
Verificamos assim que a formação assume um papel que transcende o ensino
que pretende uma mera atualização científica, pedagógica e didática e se transforma na
possibilidade de criar espaços de participação, reflexão e formação para que as pessoas
aprendam e se adaptem para poder conviver com a mudança e a incerteza no mundo
globalizado. Tudo isso implica considerar o professor como um agente dinâmico
cultural, social e curricular, que deve ter a permissão de tomar decisões educativas,
éticas e morais, desenvolver o currículo em um contexto determinado e elaborar
projetos e materiais curriculares com os colegas, situando o processo em um contexto
específico influenciado pelo próprio coletivo.
Durante minha formação inicial em meio às discussões referentes “a prática do
professor” no cotidiano escolar, desenvolvidas nas disciplinas de Didática Geral,
Didática Especial da Educação Física e Prática de Ensino, conjuntamente com a minha
participação no NUTESES (Núcleo Brasileiro de Dissertações e Teses em Educação,
Educação Física e Educação Especial), despertaram-me o interesse em entender o
descaso das minhas professoras de Educação Física da Educação Básica, para com as
suas aulas. Desde então me entreguei a uma luta pessoal e profissional, que vai de
encontro a uma Educação Física única e igualitária, que vise à formação integral dos
educandos e não apenas a uma prática reprodutivista de técnicas esportivas (ensino
tradicional).
Entendendo que o fazer-se professor é um processo desenvolvido ao longo de
toda a vida, e não apenas como situado num dado momento ou lugar, ao discutirmos
sobre a construção do saber profissional que atende a formação integral dos alunos, e ao
indagarmos quais são os saberes que devem ser mobilizados e utilizados para trabalhar
o uno e o diverso nos ambientes educacionais, acreditamos que faz-se necessário
analisarmos os saberes desenvolvidos ao longo da formação docente.
Placo e Silva (2007, p. 26) descrevem as seguintes dimensões que envolvem o
processo de formação:
•A dimensão técnico-científica ou cânone da racionalidade técnica
(conhecimento técnico - cientifico relacionados à sua área – domínio do conteúdo);
•A dimensão da formação continuada ou cânone do professor pesquisador
(continuar pesquisando, questionando sua área de conhecimento, buscando novas
informações, analisando-as e incorporando-as à sua formação);
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•A dimensão crítico-reflexiva ou cânone do professor reflexivo (conhecimento
sobre o próprio funcionamento cognitivo pessoal, e de habilidade de auto-regulação
deste funcionamento);
•A dimensão do trabalho coletivo e da construção coletiva do projeto
pedagógico (trabalhar em cooperação, integradamente, considerando as possibilidades e
necessidades da transdisciplinaridade);
•A dimensão dos saberes para ensinar (conhecimento produzido pelo professor
sobre os alunos, o conhecimento sobre as finalidades e utilização dos procedimentos
didáticos, conhecimento sobre os aspectos afetivo-emocionais, conhecimento sobre os
objetivos educacionais e seus compromissos como cidadão e profissional).
De acordo com Azanha (2004), normalmente se desenha o “perfil profissional”,
por meio de uma listagem de competências cognitivas e docentes que deveriam ser
desenvolvidas pelos cursos formadores. Embora este traçado das discussões seja um
pouco simplificado, ele capta duas tendências sempre presentes no encaminhamento: a
primeira, a de que num país com tão grandes diferenças econômicas, sociais e culturais,
a única política nacional de formação de professores deva ser uma simples indicação de
rumos; e a segunda, de que o problema torna-se mais grave ainda, porque as discussões
e propostas que surgem em congressos, seminários e outros eventos tem se detido na
caracterização da figura abstrata de um profissional dotado de determinadas qualidades
como sendo um ideal de formação.
A responsabilidade dos educadores, especialmente os de níveis iniciais
escolares, com a formação de cidadãos com postura críticas e conscientes de sua
atuação social, faz da temática “formação docente”, um ato essencialmente político-
social. Além de uma questão estratégica, enquanto processo de organização continuada
do saber, torna-se fundamental nas ações pertinentes ao Estado democrático, fazendo
surgir a educação para a cidadania.
No ano de 2008 iniciei minha carreira docente, atuando em uma escola da rede
estadual de ensino de Uberlândia, a qual faço parte do quadro de professores até os dias
atuais. Durante a minha prática pedagógica busco dar sentido/significado às atividades
esportivas mediante a realidade cotidiana dos alunos. Propondo que os mesmos
compreendam como as aulas de Educação Física podem se materializar no seu dia-a-
dia, contribuindo com uma formação crítica, reflexiva e autônoma dos educandos, para
que estes compreendam a sua importância enquanto cidadãos na sociedade.
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Nossas reflexões sobre a Educação e a Educação Física como práxis
transformadora, norteada por valores e autonomia, e por uma visão de corporeidade e
movimento, engloba um conceito de homem como unidade, como um ser no mundo,
como práxis, que cria sua própria essência genérica no processo dialético da história
humana, constituem o ponto de partida para o nosso posicionamento e as nossas críticas
às concepções predominantes na Educação Física.
Segundo Gonçalves (2007) a Educação Física como práxis educativa tem como
objetivo formar a personalidade do aluno mediante a atividade física, de modo a torná-
lo capaz de enriquecer e organizar sua vida pessoal. Para a autora lidando com o corpo e
o movimento integrado na totalidade do ser humano, a Educação Física atua nas
camadas mais profundas da personalidade, onde se formam os interesses, as inclinações
pessoais, as aspirações e os pensamentos. Inserida em uma luta política pela
transformação social, a Educação Física deve buscar a mudança de consciência. Tal
mudança exige mais do que a aquisição de uma consciência política, pois aponta para a
criação de um novo sistema de necessidades, que inclui uma sensibilidade, imaginação e
razão emancipadas do domínio da exploração. Enquanto prática transformadora visa,
assim, ao desenvolvimento da personalidade humana de forma total, abrangendo todas
as possibilidades de emancipação dos seus atributos humanos, e a sua integração na
vida social, o que significa compromisso e responsabilidade social.
Compactuamos que o objetivo da Educação / Educação Física seja propiciar
através de nossas práticas pedagógicas o desenvolvimento de qualidades pessoais como
a autonomia, a capacidade de decisão, a autoconfiança, a cooperação, a criatividade e a
sociabilidade, entre outras. No entanto, elas só adquirem sentido se visualizadas em uma
perspectiva ético-social.
Para Gonçalves (2007) dentro de uma perspectiva transformadora, a busca
desses objetivos deve ter como ponto de partida a crítica aos valores da sociedade
industrial moderna e à forma como eles se efetivam na realidade brasileira, pretendendo
sempre superá-los em uma ação concreta. Na sua prática educativa, é importante que o
professor desmistifique para os alunos as relações de dominação de uma classe sobre a
outra e sua conseqüências na forma de ser e pensar de indivíduos e grupos,
proporcionando vivências de organização comunitária objetivadas segundo valores
democráticos. Isso significa que o professor orienta conscientemente o processo
educativo para esses objetivos, procurando formar o homem que seja capaz de gerar as
transformações sociais. A prática revolucionária exige uma reformulação de objetivos,
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métodos de ensino e formas de avaliação, para que esses se adaptem ao projeto de
humanização do homem e de transformação social.
Corroboramos com os pensamentos de Gonçalves (2007) de encontrar na
Educação, assim como na Educação Física, uma possibilidade de ação consciente para a
libertação e a humanização do homem. A Educação física participa das contradições
que habitam a escola, em sua inserção na realidade concreta do sistema de produção
capitalista, reproduzindo em sua prática, as relações de poder e dominação que
caracterizam esse sistema. Pela mediação do educador, entretanto, ao transformar-se em
crítico das condições desumanizantes da sociedade contemporânea e da sua própria
prática pedagógica, devendo assumir efetivamente um caráter revolucionário e
contribuir efetivamente para a formação do homem como um ser ético, social e político.
3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS
A constituição do “ser professor” precisa ser tomada como um momento
significativo, que deve ser repensado durante toda a vida do docente. Existem
sentimentos, manifestações pessoais e profissionais que vêem à tona durante a carreira e
que demandam apoio para o profissional. Ferreira e Reali (2005) destacam a idéia de
que a postura de grande parte das escolas e universidades brasileiras tem sido a de
“fechar os olhos” para esse problema, o que tem demarcado uma série de
comprometimentos que tendem a ampliar a sensação de incompetência e até de
desistência da carreira docente por parte dos professores.
Deste modo, faz-se necessário pensar em estratégias formativas que considerem
tal problemática, auxiliando na minimização dos efeitos negativos que o docente
enfrenta. Neste artigo a análise da história de vida e do “jeito de ensinar”, representaram
uma tentativa de melhor compreender os processos de aprendizagem profissional do
professor, bem como as contribuições e desafios da docência, considerando que o
processo de formação docente se dá ao longo de um contínuo, em que o professor é um
sujeito ativo na consolidação de sua própria aprendizagem, e que o ensino é uma prática
reflexiva.
Torna-se importante considerar não só a questão do conhecimento necessário
para a atuação do professor, mas também a transformação/crescimento do mesmo ao
longo da carreira. Acreditamos que os elementos técnicos (como dar aula, o controle da
disciplina dos alunos, metodologias de ensino, recursos didáticos) e afetivos (amparo
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psicológico para o enfrentamento das dificuldades e dos problemas) merecem destaque
em estudos posteriores.
Destacamos ainda que a relação com o outro (vivenciando situações similares)
tem papel de evidência na construção de processos de aprendizagem coletivos, fazendo
os professores se descentralizarem de si mesmo, olhando outros problemas e
minimizando a sensação de solidão por alguns sentida e, ampliando seus níveis de
reflexão.
Neste contexto o modelo formativo em que acreditamos concebe o professor
como sujeito ativo do seu próprio processo de formação e valoriza os saberes que ele
próprio constrói, considerando as condições objetivas de trabalho que enfrenta e atribui
sentido, onde o docente passa a ser ouvido e ganha voz, deixando de ser visto como
reprodutor de saberes alheios, já que ele tem coisas a dizer e a fazer na realidade.
De acordo com Lucarelli (1990) uma das características essenciais que define tal
modelo é a valorização da prática do professor como eixo central de análise. Ou seja, é a
partir dela que são discutidos os problemas, identificadas as informações, adquiridos
novos conhecimentos, elaboradas e aplicadas novas propostas e soluções e realizados os
processos avaliativos de toda essa caminhada.
Para Nóvoa (1991, p.70 apud FONSECA, 2002, p.90-91) estar em formação
implica um investimento pessoal, livre e criativo sobre os percursos e projetos próprios,
com vista à construção de uma identidade pessoal, que é também uma identidade
profissional. De acordo com o quanto investimos o nosso eu no nosso ensino, na nossa
experiência e no nosso ambiente sociocultural concebemos a nossa prática.
Por meio da reflexão das ações e pensamentos, objetivou-se compreender a
configuração da profissão docente, suas dificuldades, as influências do contexto escolar
em suas formas de agir e pensar, desenvolver-se profissionalmente e também construir
práticas pedagógicas comprometidas com a aprendizagem dos alunos.
Diagnosticar o que o professor pensa e sente são aspectos que apontam para a
possibilidade da reorganização do tempo escolar dos docentes e da necessidade de se
usar estratégias que estimulem o relato/narrativa dos professores tanto na formação
inicial quanto na continuada.
Diante das análises aqui apresentadas, a reflexão sobre a prática pedagógica e o
“ser professor” nos trouxeram uma série de questionamentos que nos incitam a buscar
uma maior exploração desse campo de investigação tais como: Qual a finalidade da
educação/ensino? Ensinar o que? Para que? Para quem? Quais são os saberes e as
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habilidades mobilizadas na ação pedagógica? Qual a reflexão que fazemos sobre nossa
própria prática e saberes? Tais apreciações contribuem com a promoção de
aprendizagens relacionadas às necessidades características da docência, e demarcam
elementos que se configuram como desafiadores para os processos de formação em
geral.
Por fim destacamos que é preciso desenvolver novas práticas alternativas
baseadas na verdadeira autonomia e coletividade como mecanismos de participação
democrática da profissão que permitam vislumbrar novas formas de entender a
docência, revelar o currículo oculto das estruturas educativas e descobrir outras
maneiras de ver a profissão docente, o conhecimento profissional necessário, e escola e
sua organização educativa. Desta maneira a formação deve apoiar-se em uma reflexão
dos sujeitos sobre sua prática docente, de modo a lhes permitir examinar suas teorias
implícitas, seus esquemas de funcionamento, suas atitudes etc., realizando um processo
constante de auto-avaliação que oriente seu trabalho.
4 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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