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19 / Rev. Soc. Bras. Enferm. Ped. v.4, n.1, p. So Paulo, julho de 2004
O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL EMSITUAO DE MORTE IMINENTE DA CRIANA:
UM DESAFIO PARA A ENFERMAGEM
Mariana Gomes Cardim1
Dbora Luiza de Oliveira Rangel1
Maria Filomena Pereira Vancellote Almeida2
Maria Aparecida de Luca Nascimento3
ARTIGO DE PESQUISA
Resumo
Abstract
A constatao de um quadro clnico com um mau prognstico gera uma carga de reaes e sentimentos
variados que influenciam todos na enfermaria. Trata-se de um estudo descritivo exploratrio de abordagem
qualitativa com o objetivo de descrever a percepo dos profissionais de enfermagem acerca da sua atuao
junto criana e me/acompanhante aps a constatao de um quadro clnico com mau prognstico. Foram
identificadas trs categorias de anlise: Os sentimentos frente ao mau prognstico propiciando a crise; O
cuidar da criana com mau prognstico; e O cuidar da me/famlia da criana com mau-prognstico. Conclumos
que todo esse cenrio que envolve a constatao de um quadro com mau prognstico abrange o surgimento de
novos sentimentos, talvez to intensos que levam a uma mudana no relacionamento interpessoal dos
profissionais de enfermagem com a criana em situao de morte iminente e seus familiares.
Unitermos: Mau Prognstico. Relacionamento Interpessoal. Criana. Cuidado de Enfermagem.
AN INTERPERSONAL RELATIONSHIP IN IMMINENT DEATH OF THE CHILDS SITUATION: A
challenge for nursing
The clinical situation with a bad prognostic verification produces a load of reactions and varied feelings that
influence the whole infirmary. This is a descriptive exploratory study based on quantitative approach, whose
goal is to describe the nursing professionals perception about their performance with the child and the
mother/attendant after a bad prognostic verification. After the analyses, three categories emerged: The feelings
ahead of the bad prognostic propitiating the crisis; Taking care of the child with bad prognostic and; Taking
care of the childs mother/attendant with bad-prognostic. We concluded that the whole scenery that involves
the clinical situation with a bad prognostic verification includes the appearance of new feelings, maybe so
intense, that makes a change in the nursing professionals interpersonal relationship with the child in situation
of imminent death and their relatives.
Key Words: Prognostic. interpersonal relationship. Child. Nursing care.
1 Acadmicas de Enfermagem. Escola de Enfermagem Alfredo Pinto /EEAP. Universidade Federal do Rio de Janeiro UNIRIO.2 Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil (DEMI) da EEAP/UNIRIO Mestre em Enfermagem.3 Professora Adjunta do Departamento de Enfermagem Materno-Infantil (DEMI) da EEAP/UNIRIO - Doutora em Enfermagem.
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LA RELACIN INTERPERSONAL EN SITUACIN DE MUERTE INMINENTE DEL NIO:
Un desafo para la enfermera
La situacin clnica con una comprobacin de pronstico malo produce una carga de reacciones y sentimientos
variados que influyen en la enfermera. ste es un estudio exploratorio descriptivo basado en acercamiento
cuantitativo cuya meta es describir la percepcin de los profesionales de enfermera sobre su actuacin con el
nio y la madre/acompaante despus de la comprobacin de un cuadro clnico con pronstico malo. Despus
de los anlisis, tres categoras surgieron: Los sentimientos delante del pronstico malo que propicia la
crisis; El cuidar del nio con pronstico malo; y El cuidar tomando de la madre/familia del nio con pronostico
malo. Se concluy que todo ese escenario que involucra la constatacin de un cuadro con comprobacin
pronostico malo incluye el surgimiento de nuevos sentimientos, quiz tan intensos, que llevan a un cambio
en la relacin interpersonal de los profesionales de enfermera con el nio en situacin de muerte inminente
y sus parientes.
Palabras-clave: Pronstico. Relacin interpersonal. Nio. Cuidado de enfermera.
Resumen
INTRODUO
O presente estudo surgiu a partir de nossas vivncias
como acadmicas de enfermagem durante o ensino clni-
co da disciplina de Ateno Sade da Criana e do Ado-
lescente II, do Curso de Graduao, da Escola de Enfer-
magem Alfredo Pinto (EEAP), da Universidade do Rio de
Janeiro (UNIRIO), desenvolvido na enfermaria de
neurocirurgia de um hospital peditrico localizado no mu-
nicpio do Rio de Janeiro.
Durante a nossa prtica diria, cuidando de crianas
hospitalizadas no setor supracitado, observamos que, ao
ser constatado que a criana portadora de uma patolo-
gia fatal, quando se esgotaram as possibilidades terapu-
ticas e a morte se torna iminente, ocorre uma mudana na
dinmica da enfermaria. Isso se d porque tal situao
gera uma carga de reaes e sentimentos variados que
influenciam a enfermaria como um todo, afetando direta-
mente os familiares da criana, a equipe de enfermagem e
at mesmo as demais mes/acompanhantes que acompa-
nham seus filhos dentro desse setor, uma vez que as cri-
anas esto internadas com um quadro clnico que em
algum momento se aproxima da realidade da criana com
mau prognstico.
Nesse sentido, vale ressaltar que, apesar da morte fa-
zer parte do cotidiano dos profissionais de enfermagem
no ambiente hospitalar, observamos que esses profissio-
nais apresentavam dificuldades para se relacionar e cui-
dar da criana e interagir com seus familiares aps a
constatao do mau prognstico e muitas vezes se afas-
tavam da criana. Segundo Almeida e Leite (1997,
p.57): Quando a morte surge, em geral, os profissionais
de sade sentem-se despreparados para interagir com o
paciente terminal e usualmente saem de cena.
Os profissionais de enfermagem, por permanecerem
24 horas junto com a criana, assumem um papel de des-
taque em tal situao. Alm de terem que lidar com seus
prprios sentimentos e valores, frente morte iminente
da criana, precisam lidar com os novos anseios, reaes
e necessidades dos familiares da criana e com o reflexo
deste prognstico nos responsveis das outras crianas
internadas nessa mesma unidade.
Diante do exposto, fomos levadas a realizar este estu-
do, que tem por objetivo descrever a percepo dos pro-
fissionais de enfermagem acerca da sua atuao junto
criana e me/acompanhante aps a constatao de um
quadro clnico com mau prognstico.
DESCRIO METODOLGICA
Estudo descritivo que utiliza a abordagem qualitativa
que no entender de Polit e Hungler (1995, p.270): baseia-
se na premissa de que os conhecimentos sobre os indiv-
duos s so possveis com a descrio da experincia
humana, tal como ela vivida e tal como ela definida por
seus prprios atores.
Ainda para as referidas autoras: Os pesquisado-
res qualitativos coletam e analisam materiais pouco
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estruturados e narrativos que propiciam campo livre ao
rico potencial das percepes e subjetividade dos seres
humanos.
Momento tico
Para a realizao deste estudo, foi solicitada a devida
autorizao da instituio cenrio, mediante a apresenta-
o de um anteprojeto de estudo. Alm disso, foi apre-
sentado aos sujeitos do estudo um termo de consenti-
mento livre e esclarecido a fim de orient-los quanto aos
objetivos do estudo, resguardando seu anonimato quan-
do da apresentao de suas falas, conforme a Resoluo
196/90.
O cenrio
Um hospital peditrico pblico situado no municpio
do Rio de Janeiro.
Os sujeitos
A populao-alvo foi composta por 10 profissionais
de enfermagem (enfermeiras, tcnicas e auxiliares de en-
fermagem) que trabalham na rea de pediatria. Cabe res-
saltar, para que seja mantido o anonimato, os sujeitos do
estudo receberam nome de flores.
Produo de informaes
Para a coleta dos dados, utilizamos a entrevista semi-
estruturada guiada por um roteiro com perguntas abertas,
que, de acordo com Polit e Hungler (op.cit., p.168): per-
mitem uma perspectiva mais enriquecedora e completa em
relao ao tpico de interesse. As respostas foram gra-
vadas em fita cassete com o consentimento das entrevis-
tadas, e transcritas, a fim de possibilitar uma maior fide-
dignidade s entrevistas realizadas.
Trabalhando as informaes
Aps a transcrio das entrevistas, realizamos vrias
leituras enfocando a temtica e o objetivo proposto. As-
sim, os trechos repetidos foram agrupados surgindo trs
categorias de anlise denominadas:
- Os sentimentos frente ao mau prognstico propi-
ciando a crise;
- O cuidar da criana com mau prognstico;
- O cuidar da me/famlia da criana com mau prog-
nstico.
ANLISE E DISCUSSO DOS DADOS
Categoria um: Os sentimentos frente ao mau prog-
nstico propiciando a crise
No hospital, a morte e o ritual de luto que a ela segue
esto permanentemente presentes no cotidiano dos pro-
fissionais de enfermagem, pois a vida e a morte no po-
dem se separar. A morte faz parte da existncia humana. O
avano da cincia e o tecnicismo fizeram com que cres-
cesse no mundo contemporneo uma cultura de negao
morte. Por isso, cada vez mais, as pessoas tm dificulda-
de em falar e vivenciar o outro morrer. Como diz o poeta
Vincius de Moraes (Soneto da Felicidade), a morte
angstia de quem v