Post on 14-Dec-2018
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
1
ART. 313 – PECULATO MEDIANTE ERRO DE OUTREM
“Ap r op r i a r - s e d e d i nhe i r o ou qua l que r u t i l i d ade que , no e xe r c í c i o d o c a r go r e c ebeu po r e r r o d e ou t r em :
Pena – r e c l u s ão , d e 1 ( um) a 4 ( qua t r o ) a no s , e mu l t a . ”
O crime de peculato mediante erro de outrem exige
como sujeito ativo o FUNCIONÁRIO PÚBLICO, portanto é crime PRÓPRIO.
É crime MATERIAL, que vai se consumar com a
apropriação efetiva do dinheiro ou da utilidade, por parte do
funcionário. Admite a tentativa, sendo crime PLURISSUBSISTENTE.
O tipo subjetivo do crime é COMPLEXO, porque exige
um especial fim de se apropriar da coisa - “animus rem sib habendi”.
Qual a distinção existente entre esta figura e a da
apropriação indébita, ou a do peculato do art. 312?
O peculato do art. 312 também tipifica uma conduta
de apropriação, só que nessa modalidade, o sujeito ativo adentra na
posse do bem de forma lícita. No art. 313, a posse advém do erro de
outrem, sendo portanto ilícita.
Qual é a diferença básica entre o peculato do
artigo 313 e do estelionato do artigo 171 do CP?
Não há uma similitude entre o estelionato e o art.
313, tal como existe com o peculato do art. 312 e a apropriação
indébita; o peculato do §1o com o furto. Nesses casos, há uma
similitude completa. O peculato do “caput” só se distingue da
apropriação indébita porque nesta o sujeito é o particular, enquanto
no peculato é o funcionário público. No peculato do §1o, a única
distinção reside na qualificação do sujeito ativo, enquanto no furto
é o particular.
Não há, entre o peculato do artigo 313 e o
estelionato do artigo 171, uma similitude completa como ocorre nos
casos acima porque enquanto no estelionato é o sujeito ativo que
cria na vítima, no lesionado a situação de erro, no art. 313 o erro
de “outrem” não foi criado pelo sujeito ativo. Ou seja, o peculato
mediante erro de outrem (art. 313) é aquele em que o funcionário
público se apropria do bem que recebe de terceiro (outrem), terceiro
este que atua em erro porque entrega o bem ao funcionário, que o
apropriou, acreditando que o funcionário fosse a pessoa legitimada
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
2
para receber o valor ou o bem, mas o erro não foi criado pelo
sujeito ativo.
Seria a figura do peculato de erro aquela em que A
deve entregar um bem a João, funcionário da repartição X, entrega a
José, acreditando que o José é o João. O funcionário José que recebe
esse bem nada faz para impedir a perpetuação do erro, se fazendo
passar por João.
Então há uma semelhança com o estelionato, pois
também neste a vítima é mantida em erro. Acontece que, enquanto no
estelionato o erro é criado pelo sujeito ativo, no peculato mediante
erro, o funcionário público não participa do erro, ele apenas impede
que o erro seja detectado.
Esse erro de outrem incide ou sobre a identidade do
funcionário a quem se entrega o valor ou o bem, como exemplificado
acima, ou o erro incide sobre a legitimidade que o funcionário
possui para adentrar na posse do bem.
Ex. A pessoa entrega para João, sabendo ser
este João, mas desconhecendo que o funcionário
não tem legitimidade para adentrar na posse do
bem.
O que é fundamental em qualquer situação do
peculato do artigo 313, é que o sujeito ativo não tenha criado a
situação de erro. Não foi ele quem induziu a vítima erro. Esta foi
levada a erro por ato voluntário próprio. Justamente por isso é que
se diz que não existe a figura do peculato estelionato, muito embora
seja correntemente utilizado.
ART. 313A – INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÃO
“ I n se r i r ou f a c i l i t a r , o f un c i o ná r i o au t o r i z ado , a i n s e r ç ão d e d ado s f a l s o s , a l t e r a r ou e x c l u i r i n d ev i d amen te d ado s c o r r e t o s no s s i s t ema s i n f o rma t i z ad o s ou b an co s d e d ado s d a Adm in i s t r a ç ão Púb l i c a c om o f im de ob t e r v an t agem i ndev i d a p a r a s i
ou p a r a ou t r em ou p a r a c au sa r d ano :
Pena – r e c l u s ão , d e 2 ( d o i s ) a 1 2 ( d o ze ) ano s e mu l t a .
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
3
Trata-se de tipo penal inserido no Código Penal
pela Lei 9983/00, que basicamente dispôs na esfera criminal condutas
relativas a crimes previdenciários.
A conduta do artigo 313-A importa na inserção de
dados falsos, inidôneos ou a facilitação para que dados inidôneos
sejam inseridos no sistema de informática ou banco de dados da
Administração Pública, ou exclusão ou alteração desses dados
corretos que estejam inseridos no sistema de informática ou banco de
dados, com o especial fim de obter vantagem indevida ou causar dano
à Administração.
São quatro, assim, os núcleos verbais: INSERIR,
FACILITAR, ALTERAR OU EXCLUIR. Nas duas primeiras situações
(inserção ou facilitação), o legislador se refere ao acréscimo no
sistema de dados informatizados ou ao banco de informações de dados
incorretos, que não deveriam ali constar. Nos outros núcleos, as
informações são corretas, já se encontram inseridas no sistema de
dados, mas são excluídas ou alteradas, afetando-se, com isso, o bem
jurídico, que é a CREDIBILIDADE, CONFIABILIDADE, que os dados
públicos devem ter.
O crime é formal, pois se consuma com a inserção,
facilitação, exclusão ou alteração dos dados, independentemente de o
sujeito ter conseguido ou não obter a vantagem ilícita, ou causar o
dano que pretendia.
O tipo subjetivo do crime exige o dolo de inserir,
o dolo de facilitar, o dolo de excluir, o dolo de alterar, mais o
especial fim de que cada uma dessas condutas tenha por finalidade
específica a obtenção da vantagem ou de causar o dano. O tipo,
assim, requer o dolo específico.
O sujeito ativo do crime não é somente o
funcionário público, mas sim aquele funcionário público que tenha a
autorização para proceder daquela maneira, ou seja, é o funcionário
público que tenha como ato de ofício a função de incluir ou manter
os dados, que constam no sistema de informações ou banco de dados
públicos.
Essa dupla qualificação especial que se requer do
sujeito ativo é importante por conta de uma situação - qual será o
direito diante da situação onde o sujeito pratica uma dessas
condutas:
(1)o sujeito que insere no banco de dados da previdência social que
tem 35 anos de serviços prestados e recolhimento de contribuições
previdenciárias, sem ser verdade, o que faz com o objetivo de
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
4
possibilitar a concessão futura de uma aposentadoria, conseguindo
obtê-la posteriormente. Qual é a hipótese?
(2) A, funcionário público autorizado a manter o sistema de dados,
em comum acordo com B, altera os dados no que toca a essa situação –
tempo de contribuição para a Previdência Social – para que a
aposentadoria a ser recebida por B seja divida por A. Qual é o
direito que toca ao funcionário?
O tipo requer essa circunstância (intenção de obter
a vantagem indevida) apenas no campo subjetivo. No plano objetivo,
para o tipo do 313A, a obtenção da vantagem indevida ou a causação
do dano constituem exaurimento da conduta. O exaurimento da conduta
é considerado pós-fato impunível quando outro tipo penal não lhe
atribuir tipicidade.
Assim, haverá ou não haverá crime por conta do
exaurimento da conduta? Haverá crime, caracterizado por conduta
fraudulenta, sendo que o bem jurídico tutelado será o mesmo da fé
pública, ou seja, a confiabilidade dos dados públicos.
O sujeito mediante fraude, obtém vantagem ilícita.
A conduta final poderá ser caracterizada como estelionato ou como o
peculato previsto no artigo 312 – peculato desvio – desde que exista
ou não exista a posse do dinheiro ou da vantagem econômica, obtidos
por meio fraudulento. Existindo a posse da vantagem econômica, a
hipótese é de peculato desvio. Não existindo, a hipótese será de
estelionato.
Ocorre que, normalmente, a hipótese é de peculato
desvio porque o sujeito ativo do crime é pessoa autorizada a inserir
ou alterar dados no sistema de informação da Administração Pública.
Logo, se ele tem autorização para proceder de tal maneira, ele terá
disponibilidade jurídica sobre o valor.
Consequentemente, a disponibilidade jurídica para
efeito do crime configura posse, sendo que aquele que tem a posse do
dinheiro, mesmo sob a figura de disponibilidade jurídica, e o desvia
em proveito próprio ou alheio estará cometendo o crime previsto no
artigo 312 do CP, ou seja, peculato desvio e não o de estelionato.
Assim, quando o sujeito obtém uma vantagem pessoal
com a conduta descrita no art. 313A, normalmente estará cometendo o
crime de peculato-desvio.
A questão é saber se, mesmo assim, persistirá o
crime do art. 313A, ou se este estará absorvido pelo peculato.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
5
O crime de falso, de fraude, tanto no art. 313A
quanto no art. 313B, será crime de PERIGO, enquanto o crime do art.
312 – peculato – é crime de DANO. Poderia se cogitar, portanto, de
uma absorção do peculato pelo crime do art. 313A, como também pode
ser cogitada a absorção porque o art. 313A
prevê um resultado
naturalístico, do qual se abre mão porque o crime é formal, que é
justamente a percepção da vantagem ilícita.
Por isso, o crime do 313A pode ser considerado meio
indispensável para se praticar o crime de peculato, logo é hipótese
de progressão criminosa, o crime fim absorvendo o crime meio. Ou
seja, o crime do art. 313A será absorvido pelo crime do artigo 312,
quando o resultado danoso nele previsto for eficazmente causado.
Contudo, porque a Lei 9983 somente entrou em vigor
no ano de 2000, não há, ainda, consolidação da jurisprudência, mas
já se verifica uma tendência de não se considerar a absorção acima
citada, que vem sendo defendida sobretudo pelo Ministério Público,
argumentando-se com a DUPLA OBJETIVIDADE JURÍDICA. Ou seja, a
objetividade jurídica do art. 313A seria a credibilidade sistema de
informação, enquanto a objetividade jurídica defendida no art. 312 é
o patrimônio público, sendo, assim, bens jurídicos diversos.
Assim, para o Ministério Público não há a
progressão criminosa, não havendo a absorção.
O funcionário público não autorizado poderá
praticar a conduta do artigo 313B e não a do artigo 313A.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
6
ART. 313B – MODIFICAÇÃO OU ALTERAÇÃO NÃO AUTORIZADA DE SISTEMA DE
INFORMAÇÕES
“Mod i f i c a r ou a l t e r a r , o f un c i o n á r i o , s i s t em a de i n f o rmaçõe s ou p r og r ama de i n f o rmá t i c a s em au to r i z a ção ou s o l i c i t a ç ã o d e au t o r i d ade compe te n t e :
Pena – d e t en ção , d e 3 ( t r ê s ) mes e s a 2 ( d o i s ) a no s , e mu l t a .
P a r ág r a f o ú n i c o : A s p e na s s ã o aumen tada s d e um t e r ç o a t é a me tade s e d a mod i f i c a ção ou a l t e r a ção r e su l t a d ano p a r a a Adm in i s t r a ç ão Púb l i c a o u p a r a o
adm in i s t r a do . ”
Só pode ser sujeito ativo o funcionário público,
contudo, não se reclama que ele seja autorizado. O sujeito ativo é
o funcionário que pratica tal conduta, mas o faz sem autorização
legal, não tendo função específica de modificar ou alterar dados no
sistema. Ele desvirtua sua função, modificando ou alterando dados.
Nesse tipo penal não se reclama qualquer especial
fim de agir. Ou seja, não se exige o dolo específico, contentando-
se o legislador com a vontade de modificar ou alterar os dados,
independentemente da intenção do sujeito com tal atividade.
Se o funcionário público praticar a conduta com o
único intuito de obter vantagem e a obtém, para si ou para outrem,
estará caracterizado o estelionato (art. 171, §3o - estelionato
contra entidade de direito público), e não o peculato culposo,
porque o funcionário (sujeito ativo) no art. 313B não tem
autorização para trabalhar no sistema, por isso não terá a
disponibilidade jurídica sobre a vantagem, como ocorre no artigo 313
A.
Não sendo obtida a vantagem, mas ocorrendo o dano,
a hipótese será a do parágrafo único do art. 313B, sendo causa de
aumento de pena.
Quando o dano repercutir em obtenção de vantagem,
estará caracterizado o estelionato. Logo, quando o sujeito,
mediante a conduta fraudulenta descrita no art. 313B, obtém vantagem
ilícita, a conduta terá servido unicamente para configurar a fraude
exigida no estelionato, por isso a conduta do art. 313B será
absorvida por pelo crime de estelionato.
Entretanto, quando o sujeito tiver o dolo de
modificar ou o dolo de alterar e só isso, sem a finalidade de
obtenção de vantagem indevida, não estará caracterizado o dolo de
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
7
estelionato. Se ficar configurado dano, a pena será aumentada,
conforme determina o parágrafo único do art. 313B.
Assim, o art. 313B será absorvido pelo estelionato
na seguinte situação: quando o sujeito ativo, que não tem
autorização, modifica ou altera o sistema de informações ou o
programa de computação e, além de ter o dolo de modificar ou
alterar, tem a finalidade específica de obtenção de vantagem ilícita
para si ou para outrem. O dolo não será o de expor a perigo o
sistema de informação, mas sim o dolo de DANO ao patrimônio.
O crime é MATERIAL, apesar de se consumar com a
modificação ou alteração dos DADOS. O resultado causação de dano
somente serve para o aumento de pena. O único resultado
previsto no artigo 313B é a modificação ou alteração, não havendo
qualquer outro resultado naturalístico previsto no tipo penal, por
isso é considerado CRIME MATERIAL.
OBSERVAÇÃO: SITUAÇÃO DO “HACKER”. Primeiramente, o sistema de dados não
pode ser caracterizado documento, por isso eventual adulteração de um
“site” não caracteriza qualquer crime de falso. Contudo, há de se
analisar duas condutas distintas. A primeira se o invasor, no site da
Presidência da República, insere uma figura (ex. um cavalo), sem qualquer
outra conotação, o que não ensejará conseqüência jurídica alguma. O fato
é atípico. Outra situação que pode acontecer é aquela onde o site é
invadido, e o invasor consigna comentários maldosos a determinada pessoa.
Estará caracterizado crime contra a honra. Se a invasão do “hacker” tem
por intuito a obtenção de vantagem ilícita (invasão de banco para
transferir quantias de terceiros), estará caracterizado o estelionato.
Não há qualquer diferença entre MODIFICAR ou
ALTERAR.
ART. 314 – EXTRAVIO, SONEGAÇÃO OU INUTILIZAÇÃO DE LIVRO OU DOCUMENTO
“ E x t r a v i a r l i v r o o f i c i a l ou qua l que r d o cumen t o , d e que t em a gua r da em r a z ão do c a r go ; s onegá - l o ou
i nu t i l i z á - l o , t o t a l o u p a r c i a lm en t e :
Pena – r e c l u s ão , d e 1 ( um) a 4 ( qua t r o ) a no s , s e o f a t o nã o con s t i t u i c r ime ma i s g r a ve ”
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
8
Essa conduta encontra tipicidade, em conflito
aparente entre normas penais, em outros artigos. Ex. quando o
documento consistir em autos de processo judicial, a hipótese poderá
ser típica do crime contra a administração da justiça, dependendo da
natureza do sujeito ativo (art. 356 do CP). Já quando o documento
for relativo à cobrança de tributo, o crime será específico,
especial, do art. 3, I, da lei 8137/90 – crime funcional contra a
ordem tributária.
O crime consiste no extravio, na perda, na
sonegação ou na inutilização do livro ou documento do qual se tenha
a posse em razão do cargo. O sujeito ativo será o funcionário que
tem a posse do livro ou do documento, o extravia, sonega ou
inutiliza.
Sonegar significa não restituir, logo, na
modalidade sonegar o crime é omissivo, enquanto nas demais
modalidades o crime é de AÇÃO.
Porque na modalidade sonegar o crime é omissivo é
que se exige a intimação do sujeito para devolver o livro ou
documento. Sem a intimação, não existe o crime, não havendo do que
se falar em sonegação. Somente se pode cogitar da existência do
crime se o sujeito não devolver o livro ou documento no prazo
designado na intimação.
O extravio (que é perder) poderia conduzir
falsamente à idéia de que a conduta culposa seria punível. A
excepcionalidade do crime culposo (art. 18) exige que seja
expressamente prevista no tipo penal a modalidade culposa. Assim, o
extravio previsto no artigo 314 é a perda querendo perder, ou seja,
querendo extraviar o documento ou livro.
A inutilização consiste na destruição do livro ou
documento, que pode ser total ou parcial.
O crime do art. 314 é expressamente subsidiário,
porque depende da verificação da ocorrência ou não de crime mais
grave, conforme previsto na disposição acerca da pena.
Quando se verifica a conduta do art. 305, ela
absorverá o art. 314, que lhe é expressamente subsidiário.
Em todo o crime comissivo por omissão, a conduta
omissiva só será típica mediante a utilização da norma de extensão.
A modalidade sonegação no crime do artigo 314 configura crime
OMISSIVO PRÓPRIO, não sendo necessária a utilização de qualquer
norma de extensão.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
9
As modalidades ativas extraviar, inutilizar
configuram hipóteses de crime MATERIAL, portanto, admitem tentativa,
o que não ocorre na sonegação que, por ser crime omissivo próprio, o
crime é de MERA CONDUTA, não admitindo tentativa. Ou se sonega ou se
devolve, não havendo meio termo.
ART. 315 – EMPREGO IRREGULAR DE VERBAS OU RENDAS PÚBLICAS
“Da r à s v e r b a s ou r end a s púb l i c a s a p l i c a ção d i v e r s a da e s t abe l e c i d a em l e i :
P ena – d e t e n ção , d e 1 ( um) a 3 ( t r ê s ) me se s , ou mu l t a ”
O sujeito ativo do crime deve ser o funcionário que
tem por atribuição dar destinação da verba pública, normalmente
ocupante de cargo político, que tem o poder de dispor sobre o
destino da verba pública.
A destinação da verba deve ser estabelecida em lei
em sentido formal. Normalmente, mas não necessariamente, é a lei
orçamentária. Ex.: Recentemente, a lei de entorpecentes estabeleceu
que o dinheiro e todos os bens de traficantes, cuja perda é
decretada, são destinados a um fundo de verbas, cujo produto deve
ser utilizado para determinados órgãos específicos. Se o sujeito
destinar as verbas em desconformidade com o que foi estabelecido na
lei, estará incurso no art. 315.
Não será qualquer verba cujo desvio caracterizará o
tipo penal do art. 315. Deve haver destinação específica, prevista
em lei, para a utilização da verba, ou seja, deve ter uma rubrica
específica e uma destinação que deve ser estabelecida em lei formal,
não em mero ato administrativo.
No art. 315, o funcionário público não obtém
qualquer tipo de vantagem patrimonial direta ou indireta com a
destinação irregular da verba. A destinação irregular será
revertida para a própria administração. O crime estará caracterizado
mesmo na hipótese de aplicação da verba em saúde, quando a lei
determinava seu uso na educação.
Se o funcionário público desviar o dinheiro em
proveito próprio, estará cometendo o crime de peculato desvio.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
10
O crime é doloso, e o dolo é simples, abrangendo o
conhecimento claro da destinação específica da verba. Trata-se de
norma penal em branco homogênea, porque a lei referida no tipo é a
lei no sentido formal. O dolo nas normas penais em branco abrange o
conhecimento do complemento da norma referida na norma penal em
branco.
Não existirá o crime, por justificação, ou seja,
exclusão da ilicitude, quando o Estado estiver passando por uma
situação periclitante, onde o administrador se veja na obrigação de
estabelecer prioridades, ou seja, ponderar os interesses envolvidos,
para definir a prioridade.
Nesse caso, não se pode alegar que inexistiu o
dolo, mas sim que houve uma justificação da conduta - escolha entre
um bem jurídico primordial em detrimento de um secundário (a moradia
e a cultura).
O crime é formal, pois se consuma com o ato de o
sujeito dar a destinação, independentemente de ele conseguir que a
verba seja desviada. O crime se consuma com a ordem que o sujeito
dá para que a verba seja aplicada de forma diversa da prevista em
lei.
Dificilmente, na hipótese do art. 315, a ordem do
superior poderá ser considerada manifestamente ilegal, levando,
assim, a exclusão da tipicidade da conduta do agente (sendo inferior
hierárquico), na forma do art. 22 do CP.
Para a ordem ser considerada manifestamente ilegal
(o que é um conceito jurídico indeterminado), deve implicar numa
situação que afronte o bem comum. Ex. sargento manda o soldado matar
determinada pessoa.
Normalmente, a ordem não é manifestamente ilegal
quando o sujeito não tenta ocultar o seu cumprimento. Se houver
ocultação, estará caracterizada a ordem manifestamente ilegal. Ex.
adulteração do painel do Senado.
A obediência hierárquica, no plano militar, deve
ser observada com menos reservas, pois é inerente à atividade
militar o cumprimento das ordens de seus superiores.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
11
ART. 316 – CONCUSSÃO
“ E x i g i r , p a r a s i ou p a r a ou t r em , d i r e t a ou i n d i r e t amen t e , a i nda que f o r a d a f un ção ou an t e s d e
a s sum í - l a , m a s em r a z ão d e l a , v an t agem i ndev i d a :
Pena – r e c l u s ão , d e 2 ( d o i s ) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a .
E x c e ss o d e E x a ç ã o
§ 1 o S e o f un c i oná r i o e x i g e t r i b u t o ou con t r i b u i ç ão s o c i a l q ue s abe ou d e ve r i a s abe r i n d e v i d o , ou , q uando d ev i d o , emp rega na c ob r an ç a me i o v e xa t ó r i o
ou g r a vo s o , q ue a l e i n ão au t o r i z a :
Pena – r e c l u s ão , d e 3 ( t r ê s ) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a .
§ 2 o S e o f u n c i oná r i o d e s v i a , em p r o ve i t o p r óp r i o ou d e ou t r em , o que r e cebeu i ndev i d amen te p a r a
r e co l he r a o s c o f r e s púb l i c o s :
Pena – r e c l u s ão , d e 2 ( d o i s ) a 1 2 ( d o ze ) ano s , e mu l t a ”
Concussão é a extorsão praticada pelo funcionário
público em razão de suas funções.
O núcleo verbal do artigo 316 não é idêntico ao
núcleo verbal do art. 158 (extorsão). Nem os preceitos secundários
são idênticos.
Mesmo assim, a concussão nada mais é do que a
extorsão, qualificada pela presença do funcionário público.
O núcleo verbal da concussão é EXIGIR vantagem
indevida, enquanto o núcleo verbal do art. 317 é SOLICITAR
(corrupção passiva) vantagem indevida.
A distinção entre os dois núcleos EXIGIR e
SOLICITAR reside, não numa forma grosseira ou não de abordagem da
vítima, mas sim na ameaça dirigida pelo agente à vítima.
Na modalidade SOLICITAR, não existe ameaça
implícita ou explícita à vítima. Na concussão, a modalidade EXIGIR
implica numa ameaça de a vítima suportar um gravame jurídico, se não
atender ao exigido pelo agente. Na exigência, o exigido, na
hipótese de não adimplir a exigência, suportará um gravame jurídico,
que pode ser devido ou indevido. Na solicitação, a recusa do sujeito
passivo não fará com que este seja obrigado a suportar uma
conseqüência jurídica a seu desfavor. A ameaça é, assim, o que
distingue a concussão da corrupção.
O crime de concussão é crime FORMAL, que se consuma
com a conduta de EXIGIR, independentemente de o sujeito obter ou não
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
12
a vantagem exigida. Se o sujeito obtiver a vantagem indevida,
haverá um exaurimento da conduta.
É admitida a TENTATIVA, desde que o ato de exigir
possa ser fracionado, ou seja, só haverá tentativa se a exigência
for feita por escrito, porque o crime somente vai se consumar quando
o sujeito passivo vier a tomar conhecimento da exigência. Se a
exigência for verbal, não há a possibilidade de fracionamento da
conduta.
O tipo subjetivo exige o dolo, mais o especial fim
de obtenção da vantagem indevida. Trata-se de crime COMPLEXO. Há um
dolo específico.
A vantagem exigida é qualquer vantagem, mas na
maioria dos casos, tem conteúdo patrimonial, econômico.
O crime de concussão também guarda uma forma
especial - art. 3o, II, Lei 8137 – quando a situação análoga à da
concussão ocorrer no campo da administração tributária, ou seja, a
concussão for utilizada para deixar de pagar um tributo, estará
caracterizado o tipo especial, previsto na Lei 8137.
A pessoa que paga a quantia exigida não pratica
crime algum. A conduta é completamente atípica.
A exigência pode ser direta (pelo próprio
funcionário) ou indireta (por interposta pessoa). Quando a
exigência for indireta, a pessoa que se presta a isso, aderiu
subjetivamente à conduta do funcionário, por isso também estará
incursa no art. 316, em razão do disposto no art. 30 do CP.
Outra questão reside em saber se alguém que não se
qualifica como funcionário público poderá estar sozinho incurso na
concussão. A resposta é afirmativa, pois o tipo penal admite a
hipótese de o sujeito ativo ainda não ser funcionário público, mas
age em razão da futura função pública. O que se exige, nessa
hipótese, é que haja um mínimo de credibilidade nessa situação.
Não é necessário que o sujeito já tenha sido
nomeado para o cargo, o que representaria uma restrição indevida do
âmbito da norma.
O que a lei exige é o nexo de causalidade entre a
exigência e a função pública, porque assim se macula a dignidade da
função pública, que é o bem jurídico tutelado na norma. Exige-se,
somente, o mínimo de credibilidade para que a função pública seja
atingida.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
13
Assim, não estaria caracterizada a concussão na
seguinte situação: D vai se inscrever no concurso para promotor
público. Após a inscrição e munido do respectivo comprovante, D,
comparece a sua cidade natal e, dirigindo-se a uma determinada
empresa, que sabe ser sonegadora de tributo, exige do proprietário
uma propina para que, depois de passar no concurso público, não
persiga a empresa. Nesse caso, não se pode dizer que a honra do
cargo foi posta em dúvida por conta da atuação do sujeito. Não há o
nexo de causalidade entre a exigência e a função pública.
Se a conduta de exigir ocorrer após ter o sujeito
passado no concurso, mas antes de sua nomeação, poderá caracterizar
o crime de CONCUSSÃO.
As prisões em flagrante, noticiadas pelas TV,
ocorridas nas hipóteses de combinação de pagamento de exigência a
funcionário público representam, na realidade, prisões preventivas,
pois o crime consumou-se bem antes, ou seja, quando houve a
exigência. Não há flagrante portanto.
§1o – EXCESSO DE EXAÇÃO
No parágrafo primeiro, o legislador estabeleceu a
previsão de punição de uma conduta que não guarda qualquer relação
como o “caput” que trata do crime de concussão.
Enquanto a concussão é a exigência para que o
funcionário que a exigiu obtenha uma vantagem indevida, ou seja, a
vantagem na concussão reverte em benefício do próprio funcionário,
no crime de excesso de exação, previsto no parágrafo primeiro do
art. 316, há uma situação completamente diferente.
Deveria ter sido previsto, pelo legislador, um tipo
próprio, porque o excesso de exação consiste na cobrança e exigência
a maior de tributo, que se sabe ou deveria saber ser indevido, mas o
valor indevido que se obtém pelo eventual pagamento repercutirá em
benefício da própria Administração. Os cofres públicos serão
incrementados indevidamente. Ou seja, a situação não guarda qualquer
similitude com a concussão.
Na primeira modalidade – núcleo verbal EXIGIR – o
crime é formal, que vai se consumir com a mera exigência,
independentemente de o tributo exigido ter sido ou não pago.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
14
O dolo do sujeito pode ser DIRETO, quando sabe que
o tributo não é devido, ou EVENTUAL, quando deveria saber sobre a
inexigibilidade do tributo.
O crime só existirá em situação anormal, pois o
direito tributário consagra o princípio da legalidade. O sujeito
ativo do crime será, necessariamente, o funcionário público que
tenha por missão cobrar o tributo, quase sempre o fiscal.
Interpretações equivocadas do conteúdo da lei não
geram o crime de excesso de exação, sobretudo quando baseadas em
decisões judiciais ou entendimentos doutrinários. Nesses casos, o
máximo que existirá é a culpa, que não é punível pelo tipo penal.
Tributo cuja cobrança tenha sido declarada
inconstitucional pelo STF - se o sujeito souber da decisão, estará
caracterizado o DOLO DIRETO. Se ele deveria saber do conteúdo da
decisão, estará caracterizado o DOLO EVENTUAL.
O funcionário público não tem a discricionariedade
de cobrar o tributo. Ele tem obrigação de cobrar o tributo, sob
pena de responder administrativamente ou até penalmente. Tais
situações devem ser ponderadas para a caracterização do crime de
excesso de exação, pois, na dúvida, o sujeito deve cobrar o tributo.
Trata-se de norma penal em branco, pois o tipo não
terá qualquer eficácia sem que se conheça a norma tributária.
Há uma flagrante desproporcionalidade entre o crime
de excesso de exação e o previsto no §2o do mesmo dispositivo.
Trata-se de uma aberração jurídica, pois a pena
mínima aplicada ao §2o (excesso de exação qualificado) no qual se
exige o desvio da verba pelo funcionário em proveito próprio ou de
outrem, é menor do que a prevista no §1o (excesso de exação simples)
que versa da hipótese de destinação, à própria Administração
Pública, da verba exigida a maior.
A escala penal é parcialmente maior na modalidade
qualificada, pois somente a pena máxima do §2o é maior do que a
prevista no §1o, afrontando diretamente o princípio da
proporcionalidade. A lei, dessa forma, incentiva o sujeito a se
apropriar do dinheiro.
§1o – o dinheiro é revertido em benefício do Estado
§2o – o dinheiro é revertido em proveito próprio do sujeito.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
15
ART. 317 – CORRUPÇÃO PASSIVA
“ So l i c i t a r ou r e cebe r , p a r a s i o u p a r a ou t r em , d i r e t a ou i nd i r e t am en te , a i nda que f o r a d a f un ção ou a n t e s d e a s sum i - l a , ma s em r a z ão d e l a , v a n t agem i nde v i d a ,
ou a ce i t a r p r omes sa d e t a l v an t agem:
Pena – r e c l u s ão , d e 1 ( um) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a .
§ 1 o A p ena é aumen t ada d e um t e r ço , s e , em con seqüên c i a d a v an t agem ou p r omes sa , o f un c i oná r i o r e t a r d a ou d e i x a d e p r a t i c a r q ua l que r a t o
d e o f í c i o o u o p r a t i c a i n f r i n g i ndo d ev e r f un c i o na l .
§ 2 o S e o f u n c i oná r i o p r a t i c a , d e i x a d e p r a t i c a r ou r e t a r d a a t o d e o f í c i o , c om i n f r a ção do d eve r f un c i ona l , c e dendo a p ed i d o ou i n f l u ê n c i a d e o u t r em : Pena – d e t e n ção , d e 3 ( t r ê s ) me se s a 1 ( um) ano , ou
mu l t a ”
Os crimes de corrupção ativa e corrupção passiva
não são, necessariamente, crimes bilaterais. Eles podem vir a ser,
eventualmente bilaterais, quando existir iniciativa por parte do
particular oferecendo vantagem ou promessa de vantagem e o
funcionário aceitá-las.
Na modalidade solicitar da corrupção passiva, não
haverá corrupção ativa, assim como também haverá a corrupção ativa
sem a passiva, bastando que o funcionário não aceite a vantagem
oferecida pelo particular.
Quando a iniciativa parte do funcionário público,
solicitando a vantagem ilícita, e o particular, concordando com tal
situação, dá ao funcionário a vantagem requerida, a conduta do
funcionário é típica na modalidade solicitar do art. 317, contudo a
conduta do particular não será típica, por falta de previsão legal,
já que o art. 333, que trata da corrupção ativa, somente anuncia 2
núcleos verbais que partem do pressuposto que a iniciativa da
negociação da vantagem ilícita parta do particular.
Isso pode ser considerado uma afronta ao senso
comum, no âmbito moral, pois o particular também estará atuando
ilicitamente. Entretanto, o legislador não previu essa modalidade
típica no art. 333 e, em face do princípio da reserva absoluta da
lei, deve ser considerada figura ATÍPICA a modalidade DAR a
vantagem, quando solicitada pelo funcionário.
O art. 309 do Código Penal Militar ao prever o
crime de corrupção ativa incluiu o núcleo verbal DAR, juntamente com
o OFERECER e PROMETER vantagem, o que não ocorreu no Código Penal
Comum.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
16
A corrupção passiva apresenta 3 núcleos verbais:
SOLICITAR, ACEITAR PROMESSA OU VANTAGEM, RECEBER.
O núcleo verbal SOLICITAR parte do pressuposto que
a iniciativa da ação ilícita deriva da conduta do próprio
funcionário. Nessa modalidade o crime é FORMAL, o crime se consuma
no exato momento em que o funcionário público solicita a vantagem,
que é um resultado naturalístico, dispensado pelo legislador,
caracterizando crime de consumação ANTECIPADA.
Isto quer dizer que, quando há o efetivo
recebimento da vantagem pelo funcionário, isso representará
exaurimento da conduta, ou seja, pós-fato impunível. Tal fato só
será relevante no momento da dosimetria da pena base.
Na modalidade ACEITAR promessa de vantagem o crime
também é FORMAL, pois se consuma com a aceitação do funcionário,
independente ou não de ter sido cumprida a promessa a posteriori.
Nas modalidades aceitar ou solicitar a promessa ou
vantagem, a tentativa só será possível quando essas duas condutas
puderem ser fracionadas ao longo do tempo.
Contudo, só é possível caracterizar a tentativa se
a solicitação for por escrito, porque a solicitação verbal é conduta
unissubsistente. Da mesma forma, a aceitação da promessa dependerá
de uma possibilidade de a conduta de aceitar ser fracionada, o que
também só pode ocorrer se a aceitação for por escrito, o que é
dificilmente verificado na prática.
A modalidade RECEBER caracteriza crime MATERIAL,
perfeitamente fracionável ao longo do tempo, portanto há
possibilidade plena de tentativa, sendo que o momento de consumação
do crime será quando o funcionário experimentar o incremento
indevido em seu patrimônio, com o recebimento da propina.
Deve ser considerado, entretanto, que se trata de
crime de AÇÃO MÚLTIPLA ou CONTEÚDO VARIADO, por serem três os
núcleos verbais (TIPO MISTO), sendo não cumulativos, o que significa
dizer que se o sujeito ativo passar por mais de uma da condutas
típicas do crime, ele só cometerá um crime de CORRUPÇÃO PASSIVA.
Ou seja, se o sujeito solicitou a vantagem e quando
ia recebê-la, por circunstâncias alheias a sua vontade, não pode
completar a conduta, o crime de corrupção passiva já estará
caracterizado, pois a mera solicitação já representa a consumação do
crime.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
17
Só responderá pelo núcleo verbal RECEBER aquele
funcionário que não solicitou, pois se ele já solicitou para depois
receber ele responderá pelo primeiro núcleo verbal, que é SOLICITAR.
No “caput” do art. 317, o legislador, em nenhum
momento, fez menção a que a conduta típica do funcionário deva ser
voltada a fazer com esse funcionário, pela corrupção, pela propina,
venha praticar ou deixar de praticar algum ato de ofício.
O tipo exige, tão somente, que as três condutas
típicas (SOLICITAR, ACEITAR PROMESSA ou RECEBER) estejam
relacionadas ao exercício funcional. Ou seja, pela interpretação
literal do tipo previsto no “caput”, aquele que recebe o presente,
por ser funcionário público, estaria praticando a conduta descrita
no tipo penal.
A questão é saber se o recebimento da vantagem,
quando não está vinculado a qualquer desvio funcional (praticar ato
de ofício ou deixar de praticar ou retardar ato de ofício),
caracteriza o tipo penal previsto no “caput” do art. 317, ou se a
vinculação ao ato de ofício é exigível para configurar o crime.
A posição dominante na jurisprudência brasileira
era no sentido de que não era necessária a vinculação de qualquer um
dos núcleos verbais ao ato de ofício, bastando, para caracterizar a
conduta criminosa, a SOLICITAÇÃO, ACEITAÇÃO DE PROMESSA e
RECEBIMENTO vinculada à natureza de funcionário público do sujeito
ativo, o que era suficiente para atentar contra a dignidade da
função pública, da administração pública.
Tal posicionamento sempre foi predominante na
jurisprudência brasileira, porque se argumentava que quando o
sujeito praticava ou deixava de praticar ato de ofício, isso
representaria uma causa de aumento de pena, sendo perfeitamente
cabível a punição pelo “caput”, quando não verificado o ato
funcional.
Contudo, quando do julgamento do ex-presidente
Collor de Mello, a respeito do recebimento de um carro da FIAT
quando exercia o cargo de presidente, o Supremo Tribunal Federal
mudou esse entendimento, ao considerar, por maioria de votos, inepta
a denúncia formulada pelo Ministério Público, porque não descrito o
ato de ofício que supostamente foi ou deixou de ser praticado pelo
acusado.
A denúncia não estabelecia a vinculação entre a
conduta típica e a prática de algum ato de ofício. A defesa do ex-
presidente baseou sua interpretação no Código Penal Italiano, que
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
18
serviu de base para a formulação de nosso código penal, o qual,
expressamente, prevê o crime de corrupção passiva vinculado à
prática do ato de ofício.
Segundo a defesa do ex-presidente, o §1o do art.
317 estabelece o aumento de pena para a hipótese em que o
funcionário público deixa realmente de praticar o ato ou o pratica
em violação ao dever funcional (corrupção passiva própria), sendo
que o “caput” estabelece a necessidade de vinculação ao ato de
ofício para os casos em que o sujeito não deixou de praticar ou
deixou de praticar sem infringência do dever funcional (corrupção
passiva imprópria).
Corrupção Passiva Própria – o sujeito ativo pratica
irregularmente um ato de ofício em razão da propina.
Corrupção Passiva Imprópria – é aquela em que o funcionário
pratica ou deixa de praticar um ato de ofício que já deveria
fazer, só que o faz mediante paga (ex. oficial de justiça que
recebe quantia para citar alguém, o que já é de sua obrigação).
Essa decisão representa o último posicionamento do
STF sobre esse tipo de crime. A jurisprudência dos Tribunais
inferiores continua contrária a essa tese.
Ato de ofício - é o ato inerente à função do sujeito.
Vantagem indevida - qualquer tipo de vantagem que não seja
oriunda do exercício do cargo. A vantagem devida ao funcionário
em razão do cargo constitui os vencimentos. Qualquer outro tipo
de vantagem é indevido, desde que relacionado ao exercício da
função. Não há especificação quanto a ser a vantagem econômica ou
não, assim qualquer tipo de vantagem é considerada indevida,
mesmo a vantagem funcional (ex. promoção de funcionário).
Levando em conta a posição do STF, o recebimento,
por funcionários públicos, de presentes não poderia constituir o
crime de corrupção passiva, pois não há a vinculação a qualquer ato
de ofício. No máximo, tal conduta poderia representar infringência
administrativa, mas não no plano penal.
Contudo, considerando que essa orientação do STF
persiste minoritária na jurisprudência, é importante vislumbrar qual
o parâmetro que deve ser estabelecido para a configuração do crime
do art. 317, porque o recebimento de presentes configura prática
freqüente, inclusive normatizada pela administração pública federal.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
19
No plano penal, para os que considera incorreta a
tese do STF, no plano da tipicidade objetiva, estaria caracterizada
a prática punida no “caput” com o recebimento, por funcionário
público, de presente. Entretanto, a questão vem sendo tratada ora a
título de insignificância, ora a título de adequação social (o que é
mais correto). Não seria típica a conduta que se ajustasse aos
padrões da sociedade, ou seja, deve ser verificado se houve infração
ao valor moral da sociedade, ao senso comum (ex. recebimento de um
carro, etc.).
Adequação social é um conceito jurídico
indeterminado, que produz reflexos no direito penal, sendo que
alguns a tratam como hipótese de atipicidade material (majoritária),
outros a tratam como hipótese de excludente supralegal da
culpabilidade, e, ainda, há aqueles que a consideram no âmbito da
licitude – a conduta não seria ilícita, pois a sociedade não poderia
proibir aquilo que considera correto.
§1o - corrupção passiva própria concretizada - trata-se de causa
de aumento de pena, porque além de se ofender a dignidade da
função, se ofendeu também o interesse concreto da administração
pública porque há infringência do dever funcional em razão da
propina.
§2o – natureza jurídica de privilégio – não há obtenção de
vantagem, a pena é diminuída. Retrata a hipótese em que o
funcionário não obtém a vantagem, mas sim pratica, deixa de
praticar ou retarda a prática do ato, com infração ao dever
funcional, o que faz a pedido ou influência de terceiro. Trata-
se de hipótese de corrupção passiva própria privilegiada. É crime
de MERA CONDUTA, que só se consuma quando o sujeito deixa de
praticar, pratica ou retarda o ato. Na modalidade retardar e
deixar de praticar, o que vai caracterizar a infringência do
dever funcional é justamente a omissão ou o retardamento, o
atraso indevido, logo o crime irá se consumar e continuará se
consumando enquanto o sujeito não praticar o ato que deveria
saber, o que constitui CRIME PERMANENTE.
Essa mesma situação, tratando-se de corrupção passiva imprópria é
ATÍPICA, pois o funcionário, de qualquer forma, tem que praticar
ou deixar de praticar o ato de ofício requerido por terceiro, não
havendo a vantagem requisitada pelo funcionário.
Em concurso aparente de normas, deve-se fazer uma remição ao art.
13, II, da Lei 8137/90 – prática tributária.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
20
Quando o sujeito pratica o ato sem saber que está infringindo um
dever funcional, a hipótese é de ERRO DE TIPO.
Quando o sujeito deixa de praticar ou atrasa a prática do ato
porque está muito atarefado, a hipótese é de ausência de dolo.
Existe tipicidade objetiva, mas não há dolo (vontade livre e
consciente), sendo que a culpa não é punível, não havendo assim a
tipicidade subjetiva.
ART. 318 – FACILITAÇÃO DE CONTRABANDO OU DESCAMINHO
“ Fa c i l i t a r , c om i n f r a ção do d eve r f u n c i ona l , a p r á t i c a d e c on t r abando ou d e s ca m inho ( a r t . 3 34 ) :
Pena – r e c l u s ão , d e 3 ( t r ê s ) a 8 ( o i t o ) a no s , e mu l t a . ”
O artigo 318 representa uma exceção à regra
monista, tal qual o art. 317.
Distinção entre Contrabando e Descaminho - São crimes
completamente diversos. O crime de descaminho é crime
eminentemente fiscal, de sonegação fiscal. O crime de contrabando
não tem nada a ver com sonegação, mas sim corresponde a
internação ou exportação de mercadoria de comércio proibido.
O artigo 318 tipifica da conduta do funcionário que
facilita a prática do contrabando ou descaminho.
A facilitação mencionada no tipo penal deve
implicar em infração de dever funcional. Dessa necessidade de o
agente, ao facilitar, infringir o dever funcional extrai-se a
conclusão lógica de que somente pode ser sujeito ativo do crime
aquele funcionário público responsável pela repreensão da prática de
contrabando ou descaminho, ou seja, os funcionários da polícia
federal ou da receita federal. Só essas pessoas que estarão
infringindo o dever funcional ao facilitar a prática do contrabando
ou descaminho.
Como o legislador não mencionou explicitamente a
culpa, essa facilitação é interpretada como sendo dolosa, logo, isso
significa dizer que o sujeito, funcionário público, tem que ter o
conhecimento de que está sendo praticado o crime de contrabando ou
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
21
descaminho por outrem. Se ele não tiver conhecimento, ele não
poderá facilitar dolosamente, na modalidade dolo direto, o crime do
art. 334.
O crime é FORMAL, porque se consuma com a conduta
de facilitação dolosa, em que se adere subjetivamente ao contrabando
ou descaminho, independentemente de o contrabando ou descaminho se
consumarem. Logo, o ato de facilitar já consuma o crime, sem que
haja necessidade de consumação do crime de contrabando.
A consumação do contrabando ou descaminho é
considerada resultado naturalístico previsto no tipo, que não se
exige que seja realmente produzido.
O bem jurídico tutelado é a Administração Pública.
O que compõe o tipo do crime é a existência do
injusto de contrabando ou injusto de descaminho.
Questão: A, funcionário da alfândega, sabedor que seu amigo B irá
chegar de viagem repleto de componentes eletrônicos na bagagem que
deveriam extrapolar o valor da isenção, propõe ficar de plantão
nesse dia, para viabilizar a passagem de B sem que seja importunado.
B chega de viagem, com as mercadorias, mas depois de passar por A e
pela alfândega, é pego por outro funcionário, sendo instaurado o
competente inquérito. O Ministério Público deixa de denunciar B,
por entender que o valor não chegava a lesionar o interesse do
Estado – princípio da insignificância. Qual seria a situação em
relação a A?
Resposta: A conduta é atípica, ou seja, a inexistência do injusto
de contrabando ou de injusto de descaminho, que são os elementos
objetivos do tipo de facilitação de contrabando ou descaminho,
descaracteriza o crime de facilitação.
Trata-se de crime de fusão, ou seja, crime que
pressupõe a existência de um crime antecedente ou correlato, sob
pena de inexistir a tipicidade.
No plano processual penal, existirá entre o crime
de facilitação de contrabando ou descaminho e os crimes correlatos
do art. 334 inafastável conexão, demandando julgamento único.
Por descuido, se instauradas ações penais diversas,
não havendo mais possibilidade de reunião por conexão, e o processo
de facilitação for julgado antes do de contrabando, com trânsito em
julgado, será caso de revisão criminal, se for absolvido por
atipicidade material o sujeito no caso de contrabando.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
22
A decisão que for proferida na ação que trata do
crime do art. 334 que exclua a existência do injusto (ilicitude ou
tipicidade da conduta) irá condicionar o mérito da ação referente ao
crime de facilitação.
Injusto é fato típico e não jurídico.
O crime de contrabando é a exportação ou importação
de mercadoria proibida, daí porque a facilitação desse crime de
contrabando consiste em auxiliar, seja por omissão ou por ação.
A facilitação do contrabando ou descaminho
implicará na necessidade de se comprovar o injusto nesses crimes e,
se o contrabando consiste na exportação e importação de mercadoria
proibida, é possível vislumbrar a hipótese de uma mercadoria
proibida cuja importação ou exportação facilitada não enseja a
tipificação pelo art. 318, qual seja, SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE, o
que, se ocorrer, a conduta do funcionário pública consubstanciará
crime de tráfico, na modalidade de participação.
O art. 318, na realidade, caracteriza a conduta de
partícipe da conduta de contrabando ou descaminho.
A competência para a ação penal é da Justiça
Federal, pois o contrabando diz respeito à alfândega e o descaminho
à sonegação fiscal de tributo federal.
Trata-se de norma penal em branco, pois depende de
definição legal quanto ao tributo sonegado (descaminho) ou a
mercadoria proibida (contrabando).
ART. 319 – PREVARICAÇÃO
“Re t a r d a r ou d e i x a r d e p r a t i c a r , i n d ev i d amen te , a t o de o f í c i o , ou p r a t i c á - l o c on t r a d i s p o s i ç ão d e l e i , p a r a
s a t i s f a z e r i n t e r e s s e o u s en t imen to p e s soa l :
P ena – d e t e n ção , d e 3 ( t r ê s ) mes e s a 1 ( um) a no , e mu l t a . ”
São 3 núcleos verbais: retardar; deixar de
praticar e praticar. As duas primeiras condutas são omissivas,
enquanto a 3a conduta - praticar – é conduta de ação.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
23
Nas modalidades omissivas, a ação é unissubsistente
e a hipótese é de permanência, com a situação de flagrância
perdurando durante o tempo.
Na modalidade comissiva, a conduta é
plurissubsistente. Ou seja, quanto à prática, há possibilidade
teórica de tentativa e na omissão ou no retardamento, não há
possibilidade de fracionamento, impedindo a tentativa.
Nos 3 casos, as condutas devem se dirigir a um fim
especial. O tipo subjetivo é COMPLEXO, composto de dolo de se
omitir, ou dolo de retardar ou dolo de praticar o ato de ofício, com
o especial fim de satisfação de interesse ou sentimento pessoal.
Quando o sujeito deixa de praticar o ato por
ausência de tempo, ele atuará sem dolo genérico. Mas se esse
sujeito deixa de praticar o ato que deveria porque está com
preguiça, ele atuará com dolo, mas sem o especial fim de agir, pois
preguiça não é sentimento mas sim estado de espírito.
No plano subjetivo, exige-se a especial intenção de
satisfação de interesse de qualquer natureza, ou sentimento pessoal,
como raiva, inveja, pena, ciúme, etc..
Deve-se observar que é extremamente difícil de se
comprovar o especial fim de agir, por isso é que fica bastante
difícil comprovar a tipicidade quando o funcionário público deixa de
atender a uma determinação judicial. O crime de desobediência é
crime praticado por particular. Se o sujeito é funcionário público e
deixa de atender à ordem no exercício de sua função, ele estará, na
realidade, praticando o crime de prevaricação e não o de obediência,
sendo que a prevaricação exige o especial fim de agir.
ATO DE OFÍCIO – é o ato inserido dentro das atribuições do cargo
exercido pelo sujeito ativo do crime, que é funcionário público.
A lei mencionada pelo legislador é lei formal, não
sendo somente a lei penal.
O crime é FORMAL, porque se consuma com a mera
omissão ou com a prática do ato, independentemente de o sujeito
conseguir satisfazer seu interesse ou sentimento pessoal.
O crime de prevaricação é crime expressamente
subsidiário, não convivendo com a corrupção passiva. Esta, na
realidade, nada mais é do que uma prevaricação remunerada.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
24
A ação – o crime comissivo na prevaricação –
consiste na prática do ato de ofício. As duas outras modalidades
- retardar e deixar de praticar – trazem idéia de omissão própria.
Assim, a prevaricação é crime omissivo próprio, nas modalidades
retardar e deixar de praticar, e comissivo na modalidade praticar.
Essas 3 ações típicas são voltadas a fazer ou não
fazer o ATO DE OFÍCIO, que para efeito do Código Penal é o ato
inserido na esfera de atribuição do agente, de acordo com sua
função, o seu cargo.
Aquele sujeito que deixou de praticar, ainda que
para satisfazer interesse ou sentimento pessoal, ato que não estiver
abrangido na sua esfera de atribuição, não terá cometido o crime de
prevaricação.
Tal situação ocorre muito freqüentemente quando o
sujeito, ocupante de cargo subalterno, informalmente, tem delegada
uma função de cargo que não lhe pertence. Nessa hipótese, ainda que
seja satisfeito o aspecto subjetivo especial do tipo – deixar de
praticar, retardar ou praticar ato para satisfação de interesse ou
sentimento especial – ele não poderá responder pelo crime porque o
ato não pode ser caracterizado como ATO DE OFÍCIO. O ato de ofício
deve estar vinculado ao exercício da função ostentada pelo sujeito.
O elemento subjetivo do tipo exige o dolo de deixar
de praticar, dolo de retardar ou dolo de praticar, e mais o especial
fim de agir – com o objetivo de satisfazer o interesse ou sentimento
pessoal.
Se o sujeito deixar de praticar o ato por preguiça,
ele terá atuado com dolo de não praticar o ato de ofício, mas não
haverá o preenchimento do dolo específico do tipo – o especial fim
de agir, que é a satisfação do interesse ou sentimento pessoal. O
sujeito não responderá pelo crime.
Se o sujeito deixa de praticar o ato por acúmulo de
trabalho, sequer haverá a presença do dolo, pois não houve a
intenção de não querer praticar, de não querer agir.
Justamente por conta da presença desse especial fim
de agir é que o tipo acabará sendo subsidiário, porque obviamente
quando o funcionário deixa de praticar o ato porque recebeu propina,
ou pratica o ato porque foi subornado, ele não deixa de praticar as
ações típicas do tipo do art. 319, inclusive com o especial fim de
agir. Contudo, em razão do conflito de normas, prevalecerá o tipo
penal do art. 317 – CORRUPÇÃO PASSIVA – logo, o art. 319 somente é
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
25
aplicado nas hipóteses onde não houver tipicidade de outros crimes
contra a Administração Pública, por isso é crime subsidiário.
OBSERVAÇÃO: Absorção pode envolver duas situações. A primeira é a de
progressão criminosa, crime meio e crime fim, pode-se trabalhar com bens
jurídicos distintos, mas um dos tipos acaba servindo única e
exclusivamente com meio para a prática do outro crime. A segunda
situação de absorção é a hipótese de progressão criminosa sem
característica de elementar. Nesses casos, para que ocorra a absorção,
os bens jurídicos devem ser idênticos.
No caso da prevaricação e estelionato, os bens jurídicos são diversos. A
prevaricação não é um meio obrigatório para a prática do crime de
estelionato, logo não se fala em hipótese elementar do tipo, ela não é
elementar do estelionato, sempre que ocorrer essa hipótese estará
caracterizado concurso de crimes e não absorção.
ART. 320 – CONDESCENDÊNCIA CRIMINOSA
“De i x a r o f un c i oná r i o , p o r i n du l g ên c i a , d e r e spon sab i l i z a r s ubo r d i n a do que come teu i n f r a ç ão no e xe r c í c i o d o c a r go ou , q uando l h e f a l t e c ompe tê n c i a , n ão l e v a r o f a t o a o c onhe c ime n t o d a au t o r i d ade
compe t en t e :
Pena – d e t e n ção , d e 15 ( qu i n z e ) d i a s a 1 ( um) mês , ou mu l t a . ”
O crime do art. 320 tipifica duas condutas
omissivas próprias, por isso se trata de CRIME OMISSIVO PRÓPRIO.
A primeira situação – primeira parte do tipo – é
aquela onde o funcionário público subordinado a outro é flagrado em
desvio de conduta. Esse desvio de conduta pode importar tanto em
responsabilização administrativa, quanto penal.
Assim, o superior que flagrou ou que tendo sido
levado ao seu conhecimento o desvio de conduta de seu subordinado, e
por indulgência – o que reclama o especial fim de agir – deixar de
puni-lo, praticará o crime tipificado na primeira parte do art. 320
do CP.
O que interessa para a caracterização do tipo é a
omissão do superior hierárquico de não punir ou deixar de
responsabilizar o subordinado, com o especial fim de agir, ou seja,
por indulgência.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
26
Se o superior deixou de punir seu subordinado
porque este é parente de um outro funcionário mais graduado que
pediu para que não houvesse a punição, não haverá condescendência
criminosa, mas sim corrupção passiva prevista no §2º do art. 317,
porque não estará caracterizada uma mera indulgência.
A motivação, portanto, da condescendência criminosa
deve ser uma motivação com uma parcela de “nobreza” – o funcionário
superior deixa de punir o outro por pena. A conduta é
criminalizada porque, nesses casos, a Administração Pública deve
exigir a responsabilização do funcionário faltoso porque o interesse
público está acima das relações pessoais entre os funcionários.
Qualquer outro motivo que não seja tão nobre, será
suficiente para descaracterizar a conduta de condescendência
criminosa e, geralmente, caracterizar a hipótese de corrupção
passiva do art. 317, §2º.
Na primeira parte do tipo é absolutamente
necessário que o sujeito ativo do crime seja superior ao sujeito que
cometeu a infração administrativa ou penal.
Ou seja, é absolutamente indispensável na primeira
figura que o sujeito ativo tenha a atribuição, a competência para
responsabilizar o funcionário flagrado no desvio.
Na hipótese da 2a parte do tipo, qual seja, a do
funcionário que toma conhecimento ou presencia a infração praticada
por outro funcionário e, não tendo competência para puni-lo ou
responsabilizá-lo, deixe de notificá-la ao superior, a lei também
espera que essa pessoa pratique uma ação – que leve ao conhecimento
da pessoa que tenha competência para punir o funcionário a
ocorrência da infração.
Como se trata de crime omissivo próprio, é evidente
que há uma ação esperada pela norma penal. Se essa ação não for
praticada, a omissão é punida.
Ora, a ação esperada na primeira figura é a punição
ou pelo menos o início do processo voltado à punição. E a segunda
figura tem como ação esperada o ato de levar ao conhecimento da
pessoa com competência para punir o funcionário em desvio, a prática
da infração, seja administrativa, seja penal.
Na segunda hipótese, o legislador não fala
expressamente qual a motivação que deve consubstanciar o ato do
funcionário que não tem competência para punir o outro de não levar
ao conhecimento do superior a prática da irregularidade. Mas,
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
27
mesmo que não expressa, a motivação deve ser a mesma da primeira
parte do tipo, ou seja, a indulgência.
ART. 321 – ADVOCACIA ADMINISTRATIVA
“ Pa t r o c i n a r , d i r e t a o u i nd i r e t a men te , i n t e r e s s e p r i v ado p e r an t e a adm in i s t r a ç ão púb l i c a , v a l e nd o - s e
d a qua l i d ade d e f un c i oná r i o :
P ena – d e t e n ção , d e 1 ( um) a 3 ( t r ê s ) me se s , ou mu l t a .
P a r ág r a f o ún i c o . S e o i n t e r e s s e é i l e g í t imo :
Pena – d e t e n ção , d e 3 ( t r ê s ) mes e s a 1 ( um) a no ,
a l ém da mu l t a ”
O patrocínio de interesse por parte do sujeito
ativo, que é funcionário público, perante a Administração Pública
não é por si só proibido, porque se fosse, o funcionário público
seria inferior ao cidadão, pois o cidadão comum poderia pleitear
interesses próprios, privados perante a Administração, enquanto o
funcionário público não.
Claro, então, que nem se poderia punir esse tipo de
conduta, que desaguaria em uma inconstitucionalidade, por falta de
observância do princípio isonomia. O simples fato de ser funcionário
público não impede alguém de pleitear interesse perante a
administração.
O que é vedado – o núcleo verbal da conduta – é que
essa pessoa utilize seu cargo, o prestígio de seu cargo, ou as
facilidades a ele inerentes, para pleitear interesse privado perante
a Administração. É condição essencial à figura típica do art. 321
que esse patrocínio venha a ser beneficiado, ou seja, que haja um
nexo de causalidade entre o patrocínio e o exercício da função.
O interesse privado pode ser do próprio funcionário
ou de terceiros, não fazendo diferença se o interesse é legítimo ou
ilegítimo.
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
28
O patrocínio, perante a Administração Pública, de
interesse legítimo, mas mediante utilização da qualidade de
funcionário público será punido na forma do “caput”, ou seja, de
maneira mais branda, enquanto o patrocínio de interesse ilegítimo
será punido conforme o parágrafo único, de forma mais severa.
O crime é FORMAL, pois se consuma com a ação, que é
PATROCINAR, independente de o interesse ser satisfeito ou não pela
Administração.
Interesse legítimo é definido do ponto de vista
subjetivo do sujeito ativo. Ou seja, é legítimo o interesse se o
sujeito ativo acredita que tenha direito, independente se for legal
ou não, o que é de difícil prova no caso concreto.
Também deve ser observada a hipótese de concurso
aparente de normas, resolvido pelo princípio da especialidade,
quando o ramo da Administração Pública perante o qual se patrocina o
interesse privado for a Administração Pública Fiscal, Fazendária. A
hipótese será por especialidade a da Lei 8137, art. 3º, III (pena –
reclusão de 1 a 4 anos e multa).
É especial também a advocacia administrativa
vinculada a licitações e contratos públicos, que é punida de acordo
com o art. 91 da Lei 8666/93 (pena – detenção de 6 meses a 2 anos, e
multa).
Quando o interesse patrocinado for ilegítimo, mas
mesmo assim for acolhido pela Administração Pública, com a obtenção
de vantagem patrimonial, a hipótese será a de concurso entre o
estelionato e a advocacia administrativa. Esta não é absorvida pelo
estelionato.
ART. 322 – VIOLÊNCIA ARBITRÁRIA
“P r a t i c a r v i o l ê n c i a , no e x e r c í c i o d e f un ç ã o ou a p r e t e x t o d e e x e r c ê - l a :
P ena – d e t e n ção , d e 6 ( s e i s ) mes e s a 3 ( t r ê s ) a no s , a l ém da p ena co r r e sponden t e à v i o l ê n c i a ”
DIREITO PENAL - PARTE ESPECIAL
CRIMES PRATICADOS POR FUNCIONÁRIO PÚBLICO
29
A violência arbitrária é tipo que foi revogado pela
Lei 4898/65. O crime de abuso de autoridade é considerado revogador
do tipo do Código Penal do art. 322 – violência arbitrária.
Alguns autores chegam a defender, em posição
minoritária, a subsistência do art. 322, sob o argumento de que a
Lei 4898 até enunciou toda a situação do art. 322, mas este artigo
previu que o sujeito ativo poderia ser qualquer funcionário,
independente de ser ou não autoridade, enquanto a Lei 4898 seria
específica ao funcionário que pode ser considerado como
“autoridade”.
Contudo, a posição amplamente majoritária é a de
que o art. 322 foi revogado pela Lei 4898, até porque esta não
especifica quem é autoridade, podendo ser enquadrado nessa condição
qualquer funcionário que tenha a capacidade, pelo cargo, de afetar
os bens jurídicos tutelados nas alíneas do art. 3º e art. 4º, da lei
4898.