Post on 09-Feb-2016
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Diretor editorial Elifas Andreato
Diretor executivo Bento Huzak Andreato
Editor João Rocha Rodrigues
Editor de arte Dennis Vecchione
Editora de imagens Laura Huzak Andreato
Editor contribuinte Mylton Severiano
Redatores Bruno Hoffmann e Natália Pesciotta
Revisor Lucas Puntel Carrasco
Assistentes de arte Guilherme Resende e Paula Chiuratto
Assistente administrativa Eliana Freitas
Assessoria jurídica Cesnik, Quintino e Salinas Advogados
Jornalista responsável João Rocha Rodrigues (MTb 45265/SP)
Impressão Gráfica Oceano
O Almanaque Brasil de Cultura e Saúde está sob licença Creative Commons.
A cópia e reprodução de seu conteúdo são autorizadas para uso não-comercial,
desde que dado o devido crédito à publicação e aos autores. Não estão
incluídas nessa licença obras de terceiros. Para reprodução com fins
comerciais, entre em contato com a AndreAto ComuniCAção e CulturA.
Correspondências Rua Dr. Franco da Rocha, 137 - 11º andar Perdizes. São Paulo-SP CEP 05015-040 Fone: (11) 3873-9115 culturaesaude@almanaquebrasil.com.br
O AlmAnAque BrAsil de CulturA e sAúde é uma publicação mensal da Andreato Comunicação e Cultura em parceria com a FEBEC – Federação
Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer. A revista é distribuída por assinatura, pelos estabelecimentos filiados à Associação Paulista de
Supermercados (APAS) e pelos voluntários das Ligas de Combate ao Câncer.
Sumário 4 carta enigmática
5 você sabia?
11 gente aJUDanDo gente Dona Itália
12 PaPo-cabeça Wellington Nogueira
16 ilUstres brasileiros Henfil
18 esPecial Quanta História de Almanaque
22 Jogos e brincaDeiras
23 o teco-teco
24 viva o brasil Santana de Parnaíba - SP
28 temPeros e sabores Moqueca Capixaba
29 almacrônica por Lourenço Diaféria
30 em se PlantanDo tUDo Dá Castanha-do-pará
32 rir é o melhor reméDio
33 caUsos De rolanDo bolDrin
34 mUito obrigaDo por Osvaldo Martini
Presidente Antonio Luis Cesarino de Moraes Navarro
Uma batalha sem descansosta é a primeira edição do AlmAnAque BrAsil de CulturA e sAúde, uma espécie de filhote do AlmAnAque BrAsil de CulturA PoPulAr, distribuído desde 1999 nos voos da TAM. A revista nasceu da parceria entre a Federação
Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec), a Associação Paulista de Supermercados (APAS) e a Andreato Comunicação e Cultura, que publica o AlmAnAque. A vendagem será revertida para o trabalho das voluntárias que, dia após dia, numa incansável jornada, juntam forças para auxiliar quem sofre de câncer. Os recursos serão destinados a ações de prevenção e apoio biopsicossocial aos pacientes.Muito além da mobilização em torno de catástrofes que de tempos em tempos comovem o País, essas voluntárias estão em constante atuação. Angariam fundos, providenciam transporte, garantem medicamentos, fornecem alimentação e, sobretudo, dão carinho e atenção para pessoas que se encontram num momento tão delicado da vida.Para ajudar nessa batalha que não permite descanso, você pode assinar a revista, recebendo-a todos os meses em sua casa. Em breve será possível também adquirir as novas edições nos supermercados filiados à APAS ou com uma das muitas voluntárias das Ligas de Combate ao Câncer. Os temas vão sempre girar em torno da cultura brasileira e da saúde. Nesta edição inaugural, destacamos o trabalho do Doutores da Alegria, a partir de uma entrevista com seu fundador, Wellington Nogueira. Ganham espaço também seções exclusivas, como Gente Ajudando Gente, que traz a voluntária-símbolo dona Itália, e Muito Obrigado, com o agradecimento de Osvaldo Martini, que encontrou na música um antídoto contra a doença da mulher e a sua própria. Já a Carta Enigmática que abre a edição refaz brevemente a trajetória das Ligas de Combate ao Câncer. E revela: onde há voluntários, a sobrevida dos pacientes sobe 12%.Você ficará sabendo também qual é a origem dos almanaques, esse saboroso formato que encantou gerações e ainda mostra que tem muito a dizer. Além disso, a revista traz informações, curiosidades, turismo, culinária. E até causos e piadas, porque rir é o melhor remédio. Enfim, é cultura e diversão para pequenos e grandalhões.Receba todos os meses o AlmAnAque BrAsil de CulturA e sAúde em sua casa. Além de abastecer seu tanque de cultura brasileira, você estará dando uma importante contribuição para a luta contra o câncer no País. Você pode também presentear amigos e parentes com uma assinatura da revista. Custa apenasR$ 71 ao ano. Quem sabe eles façam o mesmo, ampliando ainda mais essa redede solidariedade em torno de uma causa tão importante.Para assinar a revista, acesse www.febec.org.br. Ou ligue: (11) 2166-4100.
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O meu próximo, para mim, é como eu mesmo.
Terêncio, poeta e dramaturgo romano
Rua Silva Airosa, 40. Vila LeopoldinaSão Paulo-SP Cep 05307-040
Fone: (11) 2166-4131
Janeiro 2010
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- eiro+ isas
- fista+ entes
- mesa+ vida
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- imidos+ ovam
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- rano
Solução na p. 22
o começo dos anos 1990, o Hospital amaral Carvalho, de Jaú, no interior de São paulo, já era uma referência nacional em tratamento de câncer. Gente de todo o Estado vinha se cuidar
gratuitamente na instituição. o tratamento era de ponta, mas, lon-ge dos familiares, e muitas vezes com pouco dinheiro, os pacientes enfrentavam dificuldades. Diante desse quadro, nasceu a Entidade de assistência Social anna Marcelina de Carvalho.os integrantes da entidade dedicam parte do dia para realizar pequenas atitudes, mas que são gigantescas para quem se en-contra num momento de tanta fragilidade. o trabalho dos volun-tários cresceu. Em 1996, foram criadas as ligas de Combate ao Câncer, e esses grupos se espalharam pelas cidades que costu-mavam encaminhar pacientes ao hospital.
os voluntários difundem informações sobre a doença, provi-denciam transporte para Jaú, fornecem roupas e calçados, ser-vem comida, acompanham o tratamento. Essencialmente, com carinho e atenção, tratam de amenizar as dificuldades por que passam os doentes.Hoje existem 91 ligas, quase todas em São paulo – com exce-ção de uma em Brasilândia, no Mato Grosso do Sul, e outra em Muzambinho, Minas Gerais. É a maior rede de voluntários de combate ao câncer do país. Todos os dias, cerca de quatro mil pessoas tornam a vida de pacientes mais agradável. Sempre pre-paradas para – sem receber nada em troca – fazer o bem para pessoas que talvez nem conheçam. Mas que nunca mais vão esquecer delas.
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Juscelino Kubitschek era famoso por fazer a alegria dos fotógrafos. Poucos como ele apareceram em situações e companhias tão me-moráveis. Em 1961 recebe Kim Novak, atriz de Um Corpo que Cai (Alfred Hitchcock, 1958). Depois de cerimônia de gala com a beldade de Hollywood, o presidente senta a seu lado e inadvertidamente ti-ra os sapatos. Kim o imita. A foto corre os jornais. Alguns ligam o gesto à fadiga dos famosos pés-de-valsa. Nelson Rodrigues explica: “O Brasil é justamente isso: um presidente que tira os sapatos para uma beleza mundial”. re
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20/1/1977INAUGURAÇÃO DO TERMINAL DE PASSAGEIROS DO AEROPORTO INTERNACIONAL
DO RIO DE JANEIRO, MAIS CONHECIDO COMO GALEÃO.
20/1/1985INAUGURAÇÃO
DO AEROPORTO INTERNACIONAL DE SÃO
PAULO/GUARULHOS, MAIS CONHECIDO COMO CUMBICA.
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J A N E I R O
Saiba MaiS No Youtube, assista a um vídeo publicitário estrelado por Joe. Procure por “Joe“ e “Graac“.
Doutor Joe receita alegria aospacientes
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Santo remédio: Luci, Joe e a pequena Vivian.
Confira a resposta na página 22
de quem são estes olhos?
Olhos que pertencem a uma figurinha carimbada do cinema brasileiro. Nascido em São Paulo no dia 3 de janeiro de 1969, chegou a cursar a faculdade de Belas Artes antes de subir aos palcos. Na tevê, estourou como o Cintura Fina de Hilda Furacão, e não parou mais. Seu currículo, além das novelas e minisséries,
conta com mais de 20 filmes, dentre os quais os aclamados Central do Brasil e Cidade de Deus.
Milagres que o amoropera
o Amicão, e os Cãopanheiros.Se o paciente está quieto, os cães apenas se sentam ao lado da cama. Sem latir, esperam. Os sorrisos e toques não demoram a aparecer. São o pagamento certo para cada consulta. Para os médicos, a presença dos animais é uma injeção de alegria que ajuda na recuperação dos doentes. Um dos pacientes de Joe era um menino que operou os olhos e se recusava a abri-los após a cirurgia. “Foi só o Joe aparecer, ele arregalou os olhinhos e correu para abraçá-lo. Por isso o trabalho vale tanto a pena”, conclui Luci.
batente começa cedo: às 5 da manhã. Doutor Joe
Spencer Wood Gold chega ao hospital com crachá e tudo. De leito em leito, visita todos os pacientes. E quando entra no setor de pediatria é uma festa só. A criançada sai pelos corredores para brincar com o terapeuta. Joe tem apenas 5 anos e é um cão da raça Golden Retriever que trabalha como voluntário em três hospitais de São Paulo. Sua função é divertir crianças e adultos doentes.Quando as irmãs Luci e Ângela conheceram Joe, em 2004, logo perceberam que a doçura do cão poderia ser um santo remédio para a rotina dos hospitais. O animal foi adestrado e conseguiu o primeiro emprego em um asilo. Fez tanto sucesso que hoje há fila de espera por ele. Com a procura pelos atendimentos, as donas trataram de ampliar a equipe. Nasceu assim o projeto Joe,
Carmen Dias: “Vivi uma vida de amor”.
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armen Annes Dias Prudente abraçou uma causa que já dura
décadas e não tem prazo para terminar. Arrastou um exército de voluntárias numa tarefa de amor. A resposta para tanta força chega suave. “A maior alegria é ver uma criança curada.” Em viagem à Alemanha, Carmen conheceu o cirurgião Antônio Prudente. Amor à primeira vista. Casaram-se. Chegaram a São Paulo em 1938 com o sonho: construir hospital para tratar cancerosos. Em 1946 nasce a Rede Feminina de Combate ao Câncer. Sete anos depois, o Hospital.Mesmo com a morte súbita do marido, em 1965, Carmen seguiu em frente. Criou a Fundação Antônio Prudente, em 1973. Como vice-presidente da Fundação e presidente da Rede Feminina de Combate ao Câncer, fez milagres para manter as portas abertas. Melhor momento do dia: rolar no chão, brincar com as crianças. “Deus não quis que tivéssemos filhos, por isso as amo tanto.”Símbolo do combate ao câncer no Brasil, morreu aos 89 anos. Pouco antes, declarou: “Sou uma pessoa muito feliz e realizada. Vivi uma vida de amor”.
6/1dia dagratidão
31/1dia mundial da solidariedade
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Prefeito acaba com cortiço e inaugura as favelas
ó vemos um conselho a dar a respeito dos cortiços: a demolição de
todos. Essa podia ser apenas mais uma frase de efeito na tese de concurso de um candidato à vaga de professor na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Isso caso o doutor em questão não fosse o futuro primeiro prefeito da Capital Federal. Na monografia de 1877, o baiano Cândido Barata Ribeiro discorria sobre as medidas sanitárias para impedir a propagação da febre amarela. Quinze anos depois, já no comando da prefeitura, não esqueceu daquelas palavras. O maior cortiço do Rio de Janeiro estava com os dias contados.
Barata versus porco
Noite de 26 de janeiro de 1893. A entrada principal do cortiço apelidado de Cabeça de Porco é invadida por autoridades policiais e sanitárias. A despeito do destino que teriam os moradores (quase quatro mil), uma verdadeira operação de guerra é montada para o bota-abaixo. Às sete e meia, a entrada da estalagem é bloqueada. O prefeito assume pessoalmente o andamento da operação, acompanhado do exército, de policiais e de cerca de 140 operários.Com o início da “cirurgia”, o primeiro lado a ruir é o esquerdo, supostamente desabitado. Mas basta despencarem as primeiras telhas para que crianças e mulheres corram desesperadas. Quando partiram para o lado direito, sabidamente ocupado, deu-se novo impasse: ninguém queria sair. Assim mesmo, tudo foi derrubado.Ao raiar do dia, Barata havia vencido o Cabeça de Porco. E, como prova de compaixão, teria mandado “facultar à gente pobre que habitava aquele recinto a tirada das madeiras que podiam ser aproveitadas”. Não se sabe se o desfecho era esperado: móveis e entulhos reutilizáveis subiram o morro junto com os desalojados, formando o Morro da Favela, a primeira das favelas cariocas. Segundo o historiador Sidney Chalhoub, com a destruição do Cabeça de Porco, nem bem se anunciava o fim da era dos cortiços, e a cidade do Rio já entrava no século das favelas.
oão Avelino surpreendia torcedores, dirigentes e jogadores. Jeito simples, sempre trazia na
manga tática nova, surpreendente, quando não irreverente. Nascido em 1929, treinou clubes de menos recursos, de norte a sul do País.No Ceará, quando comandava o Fortaleza, percebeu que teria problemas com a estatura do goleiro: apenas 1,70 metro. Pediu para baixarem a altura das traves um tantinho. O time ganhou o título regional, perseguido por cinco anos. Só mais tarde perceberam a “tática”.No Remo, de Belém, mandou encharcar o campo no jogo contra o então poderoso Flamengo. Soltou uma tropa de cavalos que destruiu o gramado. Resultado: zero a zero, o melhor que poderia acontecer.Em 1986, Avelino dirigia o América de Rio Preto, do interior paulista. Supersticioso, apetrechou o vestiário com imagens de santos, altar, velas. Recebeu a visita do empresário Jota Ávila. Começou a brincadeira, registrada pelo jornalista Flávio Prado:– Pô, João, você é muito antiquado. Acabei de acompanhar a seleção argentina, campeã do mundo. O técnico Carlos Bilardo mostrou que os jogos devem ser ganhos com a modernidade. Aí eu entro no vestiário do meu time e vejo você com velas. Tenha dó!Avelino abraçou Ávila e perguntou:– Quem era mesmo o número dez do Bilardo?– O Maradona.– Pois é. O meu é o Niquinha. O Niquinha!
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Saiba MaiS Cidade Febril: Cortiços e epidemias na corte imperial, de Sidney Chalhoub (Companhia das Letras, 1996).
Ilustração de Angelo Agostini, de 1893, sobre o episódio.
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Sabendo da resistência dos enfermos em ingerir os amargos remédios, os donos das
antigas farmácias costumavam embelezar seus produtos, embrulhando-os em papéis
finos, na tentativa de torná-los mais atraentes. Vem daí a expressão, aplicada quando
alguém tenta melhorar a aparência de algo.
Dourar a pílulaOrigem da expressão
eSSe É o avelino14/1dia do
treinador de
futebol Para ganhar,
usou até cavalo no campo e vela no vestiário
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Janeiro 2010
Em 451, aos 28 anos, Genoveva con-venceu os habitantes de Paris a não entregar a cidade aos hu-nos e aplacou a ira de Átila com suas preces. Especula-se que teria informado ao invasor sobre uma epidemia de cólera, dissua-dindo-o de sitiar a cidade. Viveu até os 89 anos. É a santa padroeira de Paris.
sexta Martinhosábado Marcelinodomingo Genovevasegunda Caioterça Eduardoquarta Melânioquinta Reinaldosexta Vidalsábado Julianodomingo Petrôniosegunda Honorataterça Tacianaquarta Leôncioquinta Dáciosexta Isidorosábado Marcelodomingo Marianosegunda Liberataterça Martaquarta Fabianoquinta Frutuososexta Gaudênciosábado Áquiladomingo Artêmiosegunda Ananiasterça Titoquarta Mauroquinta Cirilosexta Báculosábado Hipólitodomingo Luísa
Santa Genoveva
ada tenho a dizer aos que gostam de ler. Eles já sabem. Mas tenho a
dizer a quem não gosta. Pena que, por não gostar de ler, é provável que não leia isto: “Você não sabe o que está perdendo.”Ler é uma das maiores fontes de alegria. Claro, há livros chatos. Não leia. O escritor argentino Jorge Luis Borges dizia que, se há tantos livros deliciosos, por que gastar tempo lendo um que não dá prazer?Na leitura, fazemos turismo sem sair de casa, gastando menos dinheiro e sem correr riscos. O Shogun me levou pelo Japão do século 16, em meio a ferozes samurais e sutilezas do amor oriental. Cem Anos de Solidão, que reli faz meses, me produziu espantos e ataques de riso.
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m futebol, o pior cego é o que só vê a bola, disse Nelson Rodrigues num de seus inúmeros escritos sobre o futebol.
O dramaturgo, escritor e jornalista tinha muitas obsessões. Uma delas era a loteria esportiva. Após a instituição da “loteca”, em 22 de janeiro de 1970, passou a jogar – às vezes, várias apostas na semana. Faria isso até o último dia de vida.Frequentador do Maracanã, conhecedor e entusiasta do futebol, caprichava nos palpites. Porém, jamais tirava a sorte grande; culpava os “idiotas da objetividade” e o impagável Sobrenatural de Almeida, criações dele. Por ser tuberculoso e fumante compulsivo, condições incompatíveis – óbvio ululante –, tinha a saúde debilitada. Na tarde de 21 de dezembro de 1980, acertaria, enfim, os 13 pontos da loteria esportiva num “bolão”, prática comum nas redações onde trabalhava. Nunca ficou sabendo de sua conquista. Havia morrido naquela manhã.
Saiba MaiS O Anjo Pornográfico – A vida de Nelson Rodrigues, de Ruy Castro (Companhia das Letras, 1992).
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Treze pontos, azar ou sorte?
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Rubem Alves é escritor.
Achei que Gabriel García Márquez deveria estar sob efeito de alucinógeno. Lendo, você experimenta seu mundo fantástico sem precisar de “aditivos”.É isso: quem lê não precisa de alucinógeno. Nunca tinha pensado nisso. A poesia do Alberto Caeiro me ensina a ver, me faz criança e fico parecido com árvores e regatos. Agora, essa maravilha de delicadeza e pureza, do Gabriel velho, com dores no peito e medo de morrer: Memórias de Minhas Putas Tristes. Li, ri, me comovi, fiquei leve e fiquei triste de o ter lido, porque agora não poderei ter o prazer de lê-lo pela primeira vez. Pena que você, não-leitor, seja castrado para os prazeres que moram nos livros.Mas, se quiser, tem remédio.
eSSe Foi grande
Aos que não gostam de ler
7/1dia doleitor
por Rubem Alves
Nelson Rodrigues
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Fases da Lua1 . 2 . 3 . 4 . 5 . 6 . 7 . 8 . 9 . 10 . 11 . 12 . 13 . 14 . 15 . 16 . 17 . 18 . 19 . 20 . 21 . 22 . 23 . 24 . 25 . 26 . 27 . 28 . 29 . 30 . 31
Saiba MaiSSite do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá: www.iepa.ap.gov.br
or que sempre apelar para os medicamentos convencionais quando temos uma verdadeira farmácia à disposição no
quintal? Pensando nisso, pesquisadores do Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá criaram o projeto Farmácia da Terra, que se baseia na tradição local para desenvolver medicamentos naturais contra doenças simples.Além de terem um custo mais baixo, os chamados fitoterápicos preservam e difundem a sabedoria popular e têm a capacidade de melhorar a qualidade de vida da população, que em muitos casos não tem acesso aos medicamentos convencionais. No projeto, agentes de saúde, parteiras, estudantes, professores e líderes comunitários aprendem a montar hortas, a extrair espécies da floresta e as indicações de uso das plantas. O Farmácia da Terra exige uma equipe básica, composta de dois farmacêuticos, um enfermeiro, um nutricionista e um técnico agrícola. O grupo tem a responsabilidade de estabelecer o projeto, desde o primeiro contato com as comunidades até a execução das oficinas, passando por treinamentos de plantio, manejo, coleta, secagem e armazenagem, além da produção de remédios caseiros. O projeto é dirigido às zonas rurais, mas pode ser implantado até mesmo em condomínios fechados nas cidades, diz Terezinha de Jesus dos Santos, coordenadora do Farmácia da Terra. “O mais importante é saber usar as plantas de forma eficaz e segura.” Hoje o projeto está em 21 comunidades de 12 municípios do Amapá.
PFormação de coletores do projeto Farmácia da Terra.
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Nhozinho lutou contra adoença para deixar seu legado
maranhense Antônio Bruno Pinto Nogueira, mais conhecido como Nhozinho, nasceu em Bacuripanã em 1904. Sua infância foi normal até
os 12 anos, quando tumores e feridas começaram a aparecer em suas mãos. Depois, a chaga se alastrou para as pernas e pés, impedindo-o até mesmo de vestir-se. O diagnóstico, nunca confirmado precisamente, era que sofria de sífilis.Confinado em casa, Nhozinho passou a confeccionar pequenos objetos de madeira que serviam de presente aos amigos – de presépios a carrinhos de boi. Aos 32 anos, com o corpo bastante deformado, começou a fabricar também as próprias ferramentas: facas, serrotes, formas, furadores, prensas e até um carrinho para sua locomoção. Tempos depois, muda-se para São Luís. Adota o buriti como matéria-prima e começa a vender timidamente sua arte. Enquanto diverte a criançada com brinquedos, torna-se referência em bonecos de bumba-meu-boi, figura-símbolo do folclore maranhense.Ferreira Gullar escreve: Rara é a pessoa em São Luís que não o conhece, e mais rara a que, conhecendo-o, não goste dele. Em O Globo, é chamado de o mais famoso artesão do Maranhão. Ganha exposições no Brasil e na Itália. Junto do reconhecimento, porém, vem o agravamento da doença. No auge da carreira, Nhozinho morre, em maio de 1974. Tal como Aleijadinho, foi um escultor de talento ímpar que não se deixou abalar nem mesmo diante das piores condições de saúde.
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Saiba MaiS Nhozinho: Imensas miudezas, organização de Alice Cavalcantee Heloisa Alves (Sábios Projetos, 2007).
Projeto no Amapá transforma quintais
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arte pela vida
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“De médico e delirante, todos nós temos bastante.”
Nossa homenagem a Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
Dia da Paz Mundial
Dia do Bonde
Dia do Juiz de Menores
Dia do Hemofílico
Dia da Saudade no Futebol
Dia do Mensageiro
Dia da Liberdade de Culto
Dia do Repórter Fotográfico
Dia do Fico
Dia do Astronauta
Dia dos Fabricantes de Baralhos
Dia da Fundação de Belém (PA)
Dia do Leonismo Internacional
Dia do Empresário de Contabilidade
Dia Mundial do Compositor
Dia do Cortador de Cana-de-Açúcar
Dia dos Tribunais de Contas do Brasil
Dia do Ensino Médio no Brasil
Dia do Terapeuta Ocupacional
Dia de São Sebastião
Dia Mundial das Religiões
Dia da Vila Brasileira
Dia do Senado
Dia Nacional do Aposentado
Dia do Carteiro
Dia do Comediante
Dia do Orador
Dia do Portuário
Dia da Hospitalidade
Dia da Saudade
Dia Mundial do Mágico
aquário(22-1 a 19-2) O aquariano tem sintonia com tudo o que é diferente, novo e moderno.
Costuma entender o mundo como um conjunto. Adora investigar e descobrir a razão das coisas. Bondoso e tranquilo, desafia o sistema e aquilo que possa representar opressão. Tem verdadeiro horror ao comodismo e às ideias cristalizadas. Em qualquer tipo de relacionamento, detesta cobranças.
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Façanha BraSileira
m 1922, Manoel Dias de Abreu volta ao Brasil depois de oito anos na Europa.
Encontra a Cidade Maravilhosa assolada pela tuberculose: “Havia óbitos, não havia doentes, os quais ocultavam seu diagnóstico na espessa massa da população; os poucos doentes que havia procuravam o dispensário na fase final da doença.”Nascido em São Paulo a 4 de janeiro de 1894, Abreu diplomou-se pela Faculdade Nacional de Medicina do Rio em 1913 e especializou-se em Paris. No Brasil, continuou pesquisando. Certa noite de 1936, consegue fotografar “no écran fluoroscópico, iluminado sob a ação dos raios-X, a imagem interna de um tórax”.“O novo método vai permitir o exame das grandes massas da população, de doentes aparentemente sãos, mas com tuberculose e em fase oculta ou ignorada”, afirma ao apresentar a descoberta.O método, reconhecido pela Organização Mundial da Saúde como eficiente, rápido e barato, generalizou-se para a pesquisa de lesões
cardíacas, tumores, micoses, câncer. Recebeu várias denominações: fluorografia, fotofluorografia, radiofotografia; e roent-genfotografia, por combinar a fotografia com raios-X, descobertos pelo físico alemão Konrad von Roentgen (1803-1879).Em 1939, no I Congresso Brasileiro de Tuberculose, o método recebe o nome de abreugrafia. Manoel morreu em 1962. Quatro anos depois, a data de seu nascimento foi instituída como o Dia da Abreugrafia.
Fotografou o corpo humanopor dentro
Meneghetti era ladrão, porém honesto
4/1dia nacional da abreugrafia
Aos 35 anos, chega ao Brasil o imigrante italiano Amleto Gino Meneghetti. Ladrão convicto.
Conhecido como Gato do Telhado pela façanha de pular de casa em casa, escolhia mansões para suas ações. Só furtava de rico, jamais ameaçou ninguém.Anarquista, explicava, citando o filósofo francês Proudhon:“A propriedade é um roubo, por isso não sou ladrão.”Casado com mulher bela, dois filhos, não levantava suspeitas. Em 1926, protagonizou perseguição cinematográfica: 200 policiais e bombeiros atrás dele por oito horas. Escalou muros, saltou telhados e, exausto, entregou-se: 19 anos preso. Saiu em 17 de janeiro de 1945. Voltaria às penitenciárias diversas vezes. Aos 92 anos, ainda foi pego forçando fechadura de casa na Vila Madalena, hoje Livraria da Vila, em São Paulo. No local, há uma placa: Nesta casa, em14 de junho de 1970, foi preso pela última vez o grande ladrão Amleto Gino Meneghetti.Morreu seis anos depois, aos 98, pobre e doente.
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Manoel Dias de Abreu
Saiba MaiS Vida e Obra de Manoel de Abreu, de Benício dos Santos (Pongetti, 1963).
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Foi perdoado pelo presidente e previu
a própria morte
uando rapaz, José Pedro de Freitas, o Zé Arigó, ouvia vozes. Mais tarde,
vieram as visões. De uma fumaça vermelha, enorme rosto falava com estranho sotaque. Era o doutor Fritz, médico alemão morto em 1918.Incorporando o doutor (“Prronto! Vamos começarr!”), Zé passou a operare receitar remédios. Usava facas comuns nas cirurgias. Sem formação médica alguma, atendia todo dia centenas de pessoas do Brasil todo e até do exterior em Congonhas do Campo, MinasGerais. As consultas eram de graça e duravam segundos.Alguns médicos atestaram sua competência cirúrgica, outros juravam que não passava de um charlatão. Sofreu dois processos por exercício ilegal da Medicina. O presidente Juscelino Kubitschek o indultou em 1958. Em 1964, passou sete meses preso.No dia 11 de janeiro de 1971, morreu como havia previsto: acidente de carro. Doutor Fritz continuaria operando pelas mãos de outros médiuns.
charlatão ou gênio?
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O que se colhe em JANEIRO
Uva, maçã, quiabo, maracujá, banana, tomate, laranja-pera
estação colheita
enigma figuradoasceu em 27 de janeiro de 1933. Tinha apenas 10 anos quando iniciou
a vida artística, cantando em programas de rádio. Mas não foram seus
dotes vocais que o notabilizaram. Em 2006 completou 55 anos de teatro.
Não podia deixar de comemorar no palco, com Marido de Mulher Feia Tem
Raiva de Feriado, dirigida e protagonizada por ele. Nas telinhas, um de seus
papéis mais marcantes foi o do divertido prefeito da novela Roque Santeiro.
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Confira a resposta na página 22
ataque japonês a Pearl Harbor, em dezembro de 1941, coloca os
Estados Unidos na Segunda Guerra Mundial e rende ao Brasil um presente, digamos, vagabundo. A inclinação de Getúlio Vargas ao estilo nazi-fascista de governo é evidente. Para juntar o Brasil ao time dos Aliados, o presidente Roosevelt nos concede favores e dinheiro. Vargas libera a implantação de uma base militar norte-americana em Natal. O Brasil importa Coca-Cola e Hollywood (“o cigarro do sucesso”) e exporta Carmen Miranda. Logo declara guerra a Alemanha e Itália. Engajado no esforço diplomático, o desenhista e empresário de cinema Walt Disney parte para o Brasil. Inspirado pela chamada Política de Boa Vizinhança norte-americana, prepara um presente especial, tido como exemplo de brasilidade: Zé Carioca, personagem folgado e preguiçoso, misto de malandro e caloteiro.Zé Carioca surge pela primeira vez no filme Alô, Amigos, de 1942. Volta às telonas em Os Três Cavaleiros, de 1945. A estreia nos quadrinhos dá-se na primeira edição da revista do Pato Donald, em 1950. Onze anos depois ganha sua própria publicação. As duas revistas se alternam nas bancas, por isso, para
confusão dos leitores, sua primeira edição sai como 479.Por falta de histórias para manter a publicação mensal, quadrinhos de personagens Disney são adaptados para nosso papagaio trambiqueiro. Um dia ele é barbeiro, no outro, sorveteiro. Em 1997, Zé Carioca, ou Joe Carioca, ganhou samba-enredo da Acadêmicos da Rocinha: Zé Carioca, malandro bem brasileiro. Faz no pé, incendeia esse terreiro.
Estreia de Zé Carioca nos quadrinhos, em 1950.
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Zé Arigó, ou doutor Fritz.
Símbolo do Brasil segundo Walt Disney: um papagaio malandro e preguiçoso
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Janeiro 2010
secretária aposentada Maria Itá-
lia Toffalo Ronchi diz sempre ter
vivido para ajudar os outros. Foi até
presidente de um clube de terceira ida-
de em Jaú, sua cidade natal. Porém, de-
pois de cuidar da irmã mais velha com
câncer, passou a não ver muito sentido
naquilo. Acabou perdendo sua “segun-
da mãe”, mas um convite inesperado
lhe abriu novos horizontes. Algumas
esposas de médicos haviam fundado a
Anna Marcelina de Carvalho, entidade
para auxiliar pacientes com a mesma
doença de sua irmã, tratados no hospi-
tal Amaral Carvalho. Chamaram dona Itália para participar.
Ela lembrou da irmã Clotilde dizendo: “Eu queria que você
tratasse de outras pessoas como está tratando de mim”. “Acho
que foi um chamado”, reflete Itália, aos 82 anos. Há 16 anos
ela está envolvida com o projeto, que chegou a presidir. “Me
realizo e sinto minha irmã sempre presente.”
Difícil haver uma pessoa no hospital Amaral Carvalho que
não saiba quem é dona Itália. Apesar de hoje ser um símbolo
das voluntárias das Ligas de Combate ao Câncer, no começo
ela atuava quase às escondidas. Passou sete anos dizendo ao
marido que saía de casa para ajudar na confecção de uma so-
brinha. Até que um conhecido a encontrou na entidade. Admi-
rado, elogiou o trabalho para Augusto. O marido, durão, ficou
bravo, mas acabou compreendendo a dedicação da esposa.
Itália assumiu a coordenação do grupo
de estoque, responsável pela triagem
das doações, além da coordenação
geral da Anna Marcelina. Em 2007, po-
rém, deixou o cargo para dedicar-se a
Augusto. Ele começou a sofrer de Mal
de Alzheimer. Não a reconhece mais
e precisa de ajuda nas atividades coti-
dianas. A esposa aprendeu a lidar com
situações delicadas no Amaral Car-
valho: “Deus me preparou lá para eu
aguentar aqui”.
As dificuldades, no entanto, não a afas-
taram da liga. Está sempre presente
nos eventos de são João, Natal, dia das crianças, das mães,
dos pais. Às vezes, é chamada a acudir algum paciente que
chegou e precisa de uma força. Dirige até o hospital, abas-
tecendo o carro com mantimentos doados pelo caminho.
Nunca está parada. Costura guardanapos, babadores, faz ar-
tesanato para angariar fundos. “É uma pena que eu esteja no
crepúsculo da vida. Mas o que dá pra fazer a gente faz”, diz,
cheia de energia.
A voluntária símbolo das Ligas de Combate ao Câncer garan-
te que as alegrias superam as tristezas na rotina do hospi-
tal. E que, mesmo nos momentos mais tensos, jamais chora
diante de um paciente. “Tem coisa que balança. Mas não
trago nada pra casa. Eu chego e rezo, peço força pra Jesus e
depois volto. Sempre.”
Aos 82 anos, Itália dá força a quantos precisarem
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Sabe o que é coordenar 40 especialistas em subverter a ordem, resistir à autoridade,
bagunçar o coreto?
wellington nogueira
Em 1988, Wellington Nogueira conheceu o trabalho do palhaço Michael Christensen e seu Big
Apple Circus, em Nova Iorque. Integrou a trupe que alegra (e cura!) crianças internadas em
hospitais. De volta em 1991, montou projeto semelhante, o Doutores da Alegria. Hoje, esses
médicos do riso realizam 75 mil visitas por ano entre São Paulo, Rio, Recife e Belo Horizonte.
Levam alegria a crianças, pais e profissionais de saúde. Remédio sem contraindicações.
“A besteirologia deve ser aplicada diariamente até que o paciente não saiba mais como ficar triste.
É remédio para a vida toda”, prescreve Dr. Zinho, palhaço representado por Wellington, que assim
o descreve: “Gosta de fechar os olhos para dormir, coçar o nariz e descruzar palavras cruzadas;
aprecia estrogonofe de ganso siberiano do Himalaia, sorvete de fígado e paquiderme no palito;
nas horas vagas não faz muita coisa, nas ocupadas também não.”
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ministradora do Hospital Nossa Senhora de
Lourdes, no Jabaquara, me ligou, em 1991. E o
legal é que esse era o hospital menos óbvio.
Não conseguia me ver chegar, bater na porta
dos grandes hospitais. O Michael Christensen,
do Big Apple Circus, falava: “O trabalho sabe
para onde tem que ir. Faça o seu e não atrapalhe
o caminho do trabalho”. Consegui me estrutu-
rar como ONG – hoje somos uma organização
da sociedade civil sem fins lucrativos – e ter
um patrocinador, a Itaú Seguros, que ficou
com a gente por cinco anos.
O trabalho com as crianças doentes é importante
também para quem está acompanhando esses
pequenos pacientes?
Como todo bom palhaço, você
engana as pessoas. Você fala: “O
foco é a criança”. Mas não tem
como pensar na criança sem o
entorno: pais, médicos, enfer-
meiras. Tem pai que se diverte
mais que a criança. Estão numa
situação de tensão. A interna-
ção traz insegurança. E quando
começam a ver a criança inte-
ragir, aliviam o estresse. Tem
médico, enfermeira, que faz
questão de se relacionar, fuçar
a sacola, ver que truque tem. Existem momentos de uma intimi-
dade muito bonita. Vamos vivendo situações de chorar, rir jun-
tos. E o mais bonito é a desconstrução das hierarquias. Você está
falando com o Antônio, a Luísa, todos preocupados com a Rita.
A relação volta para o aspecto humano, com o tratamento
da pessoa pelo nome. Não acho isso pouca coisa.
E qual é o significado disso?
É despertar a solidariedade e a cumplicidade entre remediados
e aqueles que não têm esperança alguma. Isso foi o que aprendi
com as crianças. A única certeza que você tem é a daquele mo-
mento. Isso fica muito forte numa situação em que a morte
está tão presente, nesse fio de navalha. Você tem que ter a expe-
riência de alegria, ser maior do que tudo o que está em volta.
Não há como voltar para a sua vida com os mesmos olhos. De-
pois que você vive isso, tudo o mais é realizável, possível, sim-
ples, pequeno. Nunca vou esquecer do dia em que vi uma
Depois de viver a doença dessa
forma, tudo o mais é realizável,
possível, simples, pequeno.
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Como você entrou em contato com a ideia de
palhaços atuando nos hospitais, lado a lado com
os profissionais da saúde?
Eu estava estudando em Nova Iorque. Em 1988,
conheci o Big Apple Circus. Meu queixo caiu.
Nunca tinha visto palhaços com tanta elegância
e, ao mesmo tempo, tanta força. Lembro que a
dupla que eu segui entrou num quarto, e pen-
sei: “Essa criança não vai apresentar uma rea-
ção nem se Jesus Cristo descer à Terra”. Mas os
palhaços começaram, olhando nos olhos, se
apresentando. E, de repente, naquele diálogo,
uma fileira enorme de salsichas saiu da cama. A
criança ficou fascinada. Foi tão linda a intera-
ção! Três meses depois, fiz o teste para entrar
no grupo. E fui aprovado.
Como foram as suas
primeiras experiências?
Lembro que, certa vez, trabalhei
com um menino que, da cintu-
ra para baixo, estava todo tracio-
nado. Tinha sido atropelado.
Eu falava: “Vamos ver se a gente
consegue botar um pouco de ar
nessas pernas, deixar você mais
leve”. Quando estava indo em-
bora, o moleque falou: “Ei, dou-
tor! Estou me sentindo muito
mais leve”. Eu já tinha sido aplaudido de pé, mas nunca havia
visto esse impacto de um artista sobre uma plateia de uma pes-
soa só. O espetáculo acontecia entre mim e a criança. Era um
prazer sair do hospital todos os dias e buscar maneiras de fazer
novos truques, melhorar, criar mais mágicas. Foi uma experi-
ência de artista cênico que eu nunca tinha vivido.
E quando você resolveu trazer a ideia para o Brasil,
implantando o Doutores da Alegria?
No final de 1990, meu pai sofreu um grave derrame e foi interna-
do. Voltei para São Paulo e usei tudo o que eu tinha aprendido.
Meu pai se recuperou a ponto de sair do hospital. Viveu ainda
nove meses. Ele tinha sido o único cara a acreditar em mim e
em meus projetos em Nova Iorque. Achei que a maneira de re-
tribuir isso era montar um programa semelhante ao do Big Ap-
ple Circus. Foi assim que nasceu a ideia do Doutores da Alegria.
Ao longo do processo, conversei com tantos médicos que a ad-
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meira vez em que fui convidado a falar para um monte de mé-
dicos. Um deles mostrou o juramento de Hipócrates: “Prome-
to que vou exercer a arte de curar”. Hipócrates previu que ti-
nha que ter arte! Pode ser que a gente esteja resgatando
alguma coisa que durante algum tempo foi posta de lado. De
uns tempos para cá, passamos a dar aulas especiais em facul-
dades de Medicina. Acho isso revolucionário.
Você começou. E agora?
Hoje, entre São Paulo, Belo Horizonte e Recife, somos mais de
40 palhaços. Sabe o que é coordenar essa quantidade de espe-
cialistas em subverter a ordem, resis-
tir à autoridade, bagunçar o coreto?
E quais são os critérios para escolher
esses profissionais?
O processo seletivo é uma peneirada,
porque você vê currículos brilhantes,
mas na hora do jogo cênico muitos
não ouvem, não olham o parceiro.
Nosso trabalho não é submeter a
criança a uma performance: “Criança
hospitalizada, atenção, sou um gran-
de artista, estou aqui para te relaxar”.
Às vezes posso até entrar no quarto e
pensar que vou fazer uma coisa que o
paciente está esperando: “Oi, posso
entrar?”. E ele: “Só se o jacaré que es-
tá debaixo da minha cama deixar”. E
você olha debaixo da cama: “Jacaré?
Ora, como se eu tivesse medo de jaca-
rés”. E aí vai rolando.
Estrutura emocional é um parâmetro para
a seleção dos doutores?
É sim. Tanto que, no processo seletivo, passam
por uma entrevista com uma psicóloga. Apren-
der a ser palhaço no Doutores da Alegria deses-
trutura muita gente. Vão aprender, saem abala-
dos e não querem nunca mais saber. Tem que
haver muito amor na formação. O maior pro-
blema é o artista viver uma experiência forte e
varrer isso para debaixo do tapete. Não falamos:
“Você é um ator, tem que superar isso”. Ou en-
tão: “Você é um profissional, não pode se envol-
ver”. Absolutamente. Para nós é: “Você é um
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criança morrer e a equipe começou a conversar. Vi o médico
chorar, a enfermeira. E lembramos momentos alegres que tí-
nhamos vivido com aquela criança. Foram momentos legais
dentro daquela tristeza, o que nos nutre para continuar. Até
hoje, estou procurando entender e decifrar isso que fazemos,
mas essa força, essa importância do momento presente é a úni-
ca certeza. Viver a vida cheia, sem nenhum jogo.
Proporcionar isso é a missão do palhaço?
O homem criou o teatro, o cinema, a televisão, mas a vida real
é a grande mídia que precisava da interferência do artista de
maneira constante. O palhaço no
mundo tem a força de provocar, ins-
pirar, levar para outro passo, promover
mudanças. Ele provoca as pessoas pa-
ra desencadear novas atitudes sobre
a vida.
Os hospitais também se transformam
ao receber os palhaços?
Nas avaliações do nosso trabalho, os
profissionais dos hospitais costumam
dizer que os palhaços humanizam o
hospital. Será? Ou será que a gente,
como elemento externo, totalmente
inesperado – que é um palhaço vesti-
do de médico em um hospital –, não
abre brechas para que eles façam essa
humanização, entrem em contato
com uma maneira mais humana,
mais plena de se relacionar? Em vá-
rios hospitais, as paredes eram azuis-
clarinhas, rosinhas. Hoje as pedia-
trias estão todas pintadas com desenhos inte-
rativos. O palhaço criou a oportunidade do
profissional de saúde ver que tinha muitos es-
paços em branco. Isso foi tão forte que, em
1999, o governo criou o Programa Nacional de
Humanização do Atendimento à Saúde, hoje
HumanizaSUS. A princípio, os hospitais muda-
ram seu aspecto. E, aos poucos, suas condutas.
A formação dos profissionais de saúde também
não precisaria ser revista?
Isso também está se dando aos poucos. E é a
essência de tudo. Nunca me esqueço da pri-
Nunca vou esquecer do dia
em que uma criança morreu
e o médico e a enfermeira
começaram a chorar.
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hospital maior que o planeta Terra? Se o mun-
do está doente, que tipo de intervenção o pa-
lhaço pode fazer? Não tenho ideia de qual pos-
sa ser, mas estou preparando boas fornadas,
porque a melhor vingança é rir de tudo isso.
Hoje, palhaço em hospital é uma cultura dis-
seminada. Estamos agora direcionando o
Doutores para a formação. Começamos a tra-
balhar com jovens de baixa renda. Sinto que
evoluir também é criar condições de aprender
sem dor. Acho que o palhaço no hospital, mes-
mo na dor, fala: “Você pode aprender com a
alegria”. Estamos começando
a conectar outros grupos, por-
que nossa missão é fazer bons
palhaços para que encontrem
espaços que precisam ser preen-
chidos na sociedade, abram
portas para a transformação.
Todo ser humano quer uma vi-
da melhor. Acho que, se o ser
humano estiver empoderado,
encontra soluções para a fome,
para a miséria, para todas essas
condições. Não precisa vir de
fora. A pessoa que vive a ale-
gria, faz.
Parodiando a brincadeira dos
velhos circos: E o palhaço, o que é?
Acho que uma das missões do
palhaço é abrir espaço para falar de coisas que o ser humano
normal não fala. O palhaço nunca é o sabe-tudo, não é pan-
fletário, não é didático, não vem ensinar lição. O palhaço
veio para chutar o seu bumbum, passar o pé, puxar o seu ta-
pete... Tudo para, amorosamente, fazer você se sacudir, sair
daquela posição, tirar o pó. E o bom palhaço te pega, mas
deixa você ter a sacada. Palhaço não educa. Palhaço inspira.
Por isso é que é um arquétipo tão forte, presente em todas
as culturas. E quanto mais ele puder entrar em lugares inu-
sitados, mais espaço vai poder criar para reflexões e mudan-
ças. Na Medicina está acontecendo isso, com o Doutores e
outros grupos. Imagina o que pode acontecer na Educação,
no Direito...
SAIBA MAIS Site do Doutores da Alegria: www.doutoresdaalegria.org.br
profissional, tem que se envolver 200%. Vá fun-
do, não economize nada. A gente está aqui para
te segurar”. É assim que você vê um artista fi-
car ao lado de uma criança e, por magia da vida,
tocar a canção favorita dela no momento em
que ela decide não viver mais. Embalar aquele
momento, um dos momentos de maior intimi-
dade do ser humano: sua morte. É isso que alte-
ra nossa vida, nosso olhar. A arte levada a esse
ponto é transformadora. Não é pouca coisa.
Nesses momentos tão delicados, não há resistência
dos pacientes, inconformados com
a situação que estão vivendo?
Nunca me esqueço de uma cena
com um adolescente se tratando
de câncer em Nova Iorque. Fiz
meu truque que todo mundo
adorava, mas que, no caso, voou
como um balão de chumbo. Ten-
tei outra coisa e ele falou: “Sabe
qual é o teu problema? Você não
é nem engraçado”. E eu, come-
çando a chorar: “Não dou mes-
mo certo para nada... Essa era a
minha última tentativa de fazer
um trabalho”. E ele começou a
rir. Quanto mais eu me rebaixa-
va, mais ele se divertia. Chegou
um ponto em que ele disse:
“Chega, cara, senão você vai se
matar aqui na minha frente. Faz a sua coisa, vou achar engraça-
do”. Aí fiquei todo alegre e fiz um truque bem idiota. Ele falou:
“Tá ótimo”. Falei: “Que bom que você gostou, posso voltar ama-
nhã?”. E ele: “Tá bom, vai... Volta”. Minha treinadora perguntou:
“O que você aprendeu? Como você acha que é para um adoles-
cente estar no hospital, com seus hormônios a toda, passando
por tratamento de câncer e tendo a adolescência roubada, en-
quanto os colegas estão vivendo a vida?”. Quando chega uma
pessoa que fala “A criança não entendeu a bricadeira... Também,
coitada, na situação que está”, esse cara não está pensando na
criança, está pensando nele mesmo.
Qual você imagina que seja o futuro do Doutores da Alegria?
Não foi à toa que os palhaços entraram no hospital. É um lu-
gar onde a crise é forte e, se você for olhar o mundo, quer
Na Medicina os palhaços estão
provocando mudanças.
Imagina o que pode acontecer na Educação, no Direito...
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udo começou em Ribeirão das Neves, região me-tropolitana de Belo Horizonte. Lá nasceu e cresceu na década de 1940 o menino que entraria para a
história como um dos mais importantes desenhistas brasilei-ros. Henrique de Souza Filho, o Henfil, frequentou o colégio Arnaldo da Ordem do Verbo Divino, um curso supletivo e a faculdade de Ciências Sociais, que abandonou dois meses de-pois. Foi embalador de queijos, boy de agência de publicidade e revisor de textos, até especializar-se, no início da década de 1960, em ilustrações e quadrinhos. Estreou em 1964 na revista Alterosa, a convite do editor Roberto Drummond. Lá nasceram os famosos Fradinhos e o apelido que carregou pela vida afora – contração de Henrique e Filho. Logo estaria publicando desenhos em O Diário de Minas, no carioca Jornal dos Sports e nas revistas
Realidade, Visão, Placar e O Cruzeiro.Ainda em meados dos anos 1960 foi para o Rio de Janeiro, levando debaixo do braço seu livro Hiroxima meu Humor. O objetivo era conseguir que Millôr Fernandes – o grande nome do desenho e do humor na época – assinasse o prefácio da obra. Sem êxito. Voltaria ao Rio anos depois, agora não mais de passagem. Começou a trabalhar para o Jornal do Brasil e O Pasquim, tornando-se um nome conhecido por todo o País.
Guerrilheiro do cartumUma das características mais marcantes de Henfil foi o en-volvimento com os movimentos sociais e políticos contra a ditadura militar (1964-1985). “Tenho um instrumento uni-versal nas mãos que é o humor. Nasci no berço da luta de classes. Eu quero ser famoso como um cara que é mais um
T
Henfil
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O humor foi sua arma
Cartunista, jornalista, escritor. Mas, acima de tudo, um crítico. Destacou-se pelo engajamento na luta contra a ditadura e a aids. Conviveu com o vírus contraído numa transfusão de sangue, e nunca se deu por vencido. Revolucionou a história dos quadrinhos e renovou o desenho nacional com seus personagens tipicamente brasileiros, fazendo do humor uma arma de resistência.
O melhor produto do Brasil é o brasileiroCÂMARA CASCUDO
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cerca de 200 jornais. Mas o público começou a reclamar do humor pesado, e o acordo com o distribuidor acabou. Assim, dois anos depois, Henfil estava de volta ao Brasil. Sua estadia na terra do Tio Sam rendeu o livro Diário de um Cucaracha, que fala do preconceito dos norte-ameri-canos contra estrangeiros, especialmente os latinos.
Nos palcos e telasEm 1977, Henfil começou a colaborar com a revista IstoÉ. Cartas da Mãe era o nome da coluna em que críticas e desabafos do cartunista vinham à tona sob o pretexto de serem endereçadas a dona Maria da Conceição. Nos artigos, burlava a censura e tratava de temas como exílio político e anistia. No início da década de 1980, publicou os livros Henfil na China e Antes da Coca-Cola. Envolveu-se também com teatro e cinema. Realizou a peça A Revista do Henfil e, em 1984, escreveu e dirigiu o filme Tanga – Deu no New York, Times. Nas telinhas, foi redator da TV Mulher, da Globo. Publicou ainda os livros Diretas Já, Fradim de Libertação e Como se Faz Humor Político.Ciente de que o tempo não jogava a seu favor, produziu até o fim da vida. Morreu em 4 de janeiro de 1988, vítima de complicações da aids. Seus personagens, entretanto, vivem até hoje em livros escolares, revistas e em qualquer iniciativa de retratar o tempo em que viveu. A obra de Henfil é um registro de seu tempo.
SAIBA MAIS Procure no YouTube (www.youtube.com) por “Henfil”e assista ao documentário Henfil – Profissão Cartunista.
O humor foi sua arma
espinho contra o estado das coisas. Essa fama eu quero para mim”, dizia. O engajamento político era traço de família. Irmão do sociólogo Betinho e do compositor Chico Mário, Henfil era, como eles, hemofílico. E também contraiu o vírus HIV numa transfusão de sangue. “Por causa da hemofi-lia, Henfil vivia sempre com a espada na cabeça”, lembra Ziraldo. “Ele sentia que podia morrer a qualquer momento. E se defendia do mundo através do humor.”Para muitos dos que o conheceram, o desenhista era uma mistura dos dois fradinhos que levou para O Pasquim quando a meca do jornalismo bem-humorado de esquerda o convocou para suas frentes. A personalidade dos dois era uma convocação para a tomada de consciência da situação em que se encontrava o Brasil. Falava da acomodação e da hipocrisia incorporadas ao fradinho Cumprido, e da ico-noclastia presente no fradinho Baixim. Outro personagem de destaque foi a esperançosa Graúna que, ao lado do cangaceiro Zeferino e de Bode Orelana, denunciava, em pleno milagre econômico, as disparida-des entre o norte e o sul do País. Também povoaram suas páginas Pó de Arroz, Orelhão, Cabôco Mamadô, Urubú, Bacalhau e Ubaldo Paranóico – figuras que exerceram um papel vital na renovação do desenho humorístico brasilei-ro. Apoiavam-se na descolonização numa época em que os quadrinhos nacionais tinham seu desenvolvimeno su-focado por publicações estrangeiras.Após uma década de trabalho no Rio, Henfil mudou pa-ra Nova Iorque para fugir da censura e tratar da saúde. Publicou Os Fradinhos, rebatizados de Mad Monks, em
“ Tenho um instrumento universal nas mãos que
é o humor. Quero ser um espinho contra o estado das coisas. ”
a aurora da civilização, saber a lua certa para o plantio e a estação própria
da colheita era fundamental para a vida. Observando a natureza e as estrelas, o homem pôde imortali-zar essas informações e trans-miti-las na forma de calendá-rio. Logo, o objeto tornou-se imprescindível para diferen-tes civilizações. Já no século 13 antes de Cristo, no túmu-lo do faraó Ramsés IV, há um calendário cronológico entalha-do. No Oriente antigo, os astrólogos presenteavam os soberanos com ca-lendários a cada início de ano. Não podia faltar.Com o passar do tempo, o calendário ganha nova roupagem. Páginas são acrescentadas, com ilustrações e imagens de signos. Ao longo dos séculos, recebe diversos nomes: reportório, folhinha, endimião, camião, lunário, prognóstico, sarrabal. Daí para o surgimento de um forma-to universal, capaz de conquistar qualquer um até hoje, foi
uma questão de tempo. Alma-nak, almenachus, almenaque, almanaque. Não se sabe ao certo a origem da palavra: po-de ter vindo tanto do grego como do latim. Ou quem sabe do siríaco, saxão ou celta. A tese mais corrente é de que a palavra teria surgido do ára-be al-manakh – lugar onde os camelos se ajoelham para beber água em meio a uma viagem. É, portanto, um pon-to de encontro, um local onde viajantes se reuniam e podiam relatar o que encontraram ou souberam nas paragens
por que passaram. Não será mesmo isso o almana-que, uma reunião de informações diversas, não muito
aprofundadas, divertidas, curiosas? Documentos históricos convivem com causos; literatura com dados astronômicos. Conselhos morais e práticos se acomodam em meio a festas religiosas, datas comemorativas, provérbios, anedotas. Para caber tudo isso, só mesmo um almanaque.
N
Informação e diversão, dos camelos do deserto aos céus do Brasil
Passando pelas mãos mais diversas ao longo dos séculos, o almanaque deixou sua marca na história.
Faraó ou profeta, revolucionário ou abolicionista, não houve quem tenha passado incólume a seus
efeitos. Divertir e informar, eis a vocação desse formato tão saboroso. Para enfrentar tanto tempo, não
havia como não se transformar. E ele não negou fogo. O AlmAnAque BrAsil, por exemplo, já conta 10
anos de vida. E retoma fôlego com esta nova revista que você tem em mãos.
ESPEC IAL
Quan t a h i s tór i a d e a lmanaque
E hão de chover almanaques. O Tempo os imprime, Esperança os edita; é toda a oficina da vida.Machado de Assis
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Profetas também se esparramaram em suas páginas
invenção da tipografia por Gutem-berg na primeira metade do século
15 ampliou a difusão de livros entre a população. O almanaque vai no embalo. O primeiro a ser impresso foi o alemão Praklic, de 1454. Ainda que em forma em-brionária, o livrinho de apenas cinco pá-ginas era disputado. O interesse se reflete também na produção. Multiplicam-se os autores. Um deles, procuradíssimo, fazia sucesso até entre reis e rainhas. Domina-va astrologia e astronomia. Falava fran-cês, latim, grego e hebraico. Sabia tudo
P A S S A d o , P r E S E n t E E f u t u r o
A
PRESENCA HISTORICAA importância dos almanaques no curso dos acontecimentos do mundo é inconteste. Para que não pareça megalomania, note: • Durante a Revolução Francesa (1789-1799), debates ideológicos eram travados nas páginas do Almanach Républicain (Almanaque Republicano), uma das únicas publicações que conseguiam ser mascateadas em meio ao caos da França revolucionária.• Nos Estados Unidos, o Anti-Slaveric Almanac (Almanaque Antiescravidão), de 1838, era usado como meio difusor das ideias abolicionistas.• Descobertas e invenções da Revolução Industrial foram divul-gadas por meio de almanaques.
P r o vA r P o d E , fA z E r n ã o
A escassez não impedea proliferação
de medicina, alquimia e teologia. E certamen-te mais um pouco. Seu nome? Nostradamus. O cé-lebre vidente foi responsável por um concorrido almanaque anual que circulou pela Europa durante uma década, entre 1550 e 1560. Ne-le, junto com sua vasta erudição, o francês desfilava seus intrigantes e singulares “poderes”. Além do pre-sente e do passado, o tal almanaque trazia previsões do futuro.
oi por mãos lusitanas que os almanaques chegaram às terras tupiniquins. Como as indústrias eram proi-
bidas – entre elas, a tipografia –, os livrinhos não podiam ser confeccionados por aqui. Os únicos escritos lidos em praça pública eram ordens régias, sob o rufar de tambores milicianos. Assim, só chegava almanaque importado ou clandestino, e não muitos. O Almanaque do Rio de Janei-ro, de 1792, e o Almanack das Musas, offerecido ao Gênio Portuguez, de 1793, eram alguns deles, e até hoje podem ser consultados na Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. Mas, mesmo diante da escassez, o formato não negou vigor. Pouco a pouco, tornou-se mania popular, seja no campo ou na cidade. Em 1812 é impresso o Almanaque da Bahia, o primeiro genuinamente brasileiro de que se tem notícia.
F
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Tem almanaque para todo gostoséculo 19 marca uma grande explosão de almanaques no Brasil. Brotam como cogumelos. Mesmo na socie-
dade machista como era, havia periódicos femininos, como o Almanaque das Fluminenses. No conto Como se Inventaram os Almanaques, Machado de Assis observa: Todas tinham al-manaques. Nem só elas, mas também as matronas, e os ve-lhos e os rapazes, juízes, sacerdotes, comerciantes, governa-dores, fâmulos; era moda trazer o almanaque na algibeira. Em 1844 sai a primeira edição do Almanak Laemmert. Seus fundadores, os irmãos Eduard e Heirinch, se estabelecem no Brasil depois de rodarem pela Europa aprendendo tipo-grafia e tarefas editoriais. Apostam na divulgação da lite-ratura nacional. Em 1839 haviam lançado a Folhinha (um antecessor do almanaque), manipulada única e exclusiva-mente por Eduard sob o inusitado pseudônimo de Pafúncio
t r A g A n A A L g I b E I r A
O Semicupio Pechincha. Com a fama, ousam novamente, lan-çando o Almanack Laemmert, um dos mais completos anuá-rios comerciais do Rio de Janeiro. O sucesso é tão grande que o Itamaraty passa a comprar parte da tiragem e distribuir às embaixadas no exterior a fim de divulgar o País pelo mundo.
A cada lançamento,três concorrentes no forno
a São Paulo oitocentista, cerca de 100 diferentes títulos foram impressos, a maioria anual. As iniciativas se des-
dobravam: um almanaque impresso em 1857 na tipografia de Joaquim Roberto de Azevedo Marques fez com que seu em-pregado, José Maria Lisboa, organizasse primeiro o Almana-que de Campinas, depois o Almanaque do Amparo e a seguir o Almanaque Litterario de São Paulo.Cuidadosamente estilizadas, as propagandas continham in-formações detalhadas sobre o estabelecimento, ocupando, muitas vezes, uma página inteira só com letras, sem imagens. E com aquela linguagem rebuscada que enche os olhos. Pala-vras como pharmacia, gymnasio, elle, Mogyana e commercio remetem a uma ortografia já substituída, embora saudosa.
NEu S e i Tudo n o Bras i l i n te i roFundado em 1921, o Almanaque Eu Sei Tudo chega para revolucionar. Abusando das ilustrações e fotografias, instaura definitivamente o uso de imagens, dando outro ritmo à leitura, mais descontraído. Seções como a do horóscopo são reduzidas para dar lugar aos rostos de aniversariantes e romances novelescos. A publicação gabava-se de ser vendida em todas as cidades do Brasil. E até mesmo em Portugal.
P A r E C E C o m P E t I ç ã o
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Literatura e farmácia para sanar corpo e mente
s almanaques distribuídos em farmácias, patrocinados por empresas de medicamentos, são seguramente os
primeiros a ser lembrados pelos que escarafuncham na me-mória – ou mesmo nos livros – recordações de almanaques. Naquele tempo, havia os que acreditavam que, enquanto o remédio tratava as mazelas, a leitura propiciava diversão e riso, fórmulas eficientes para antecipar a cura. O Pharol da Medicina, surgido em 1887 com tiragem ini-cial de 100 mil exemplares, é o pioneiro, seguido pelo Alma-naque Iza, Almanaque Bristol, Capivarol, Bayer, Gessy e Sadol – famoso por exibir mulheres seminuas nas capas. Em 1920 surge o mais importante deles: o Almanaque do Biotônico Fontoura, com a primeira edição inteiramente elaborada e ilustrada por Monteiro Lobato. Com mais de 165 milhões de exemplares distribuídos ao longo de quase 70 anos, ficou célebre por trazer aos leitores o Jeca Tatu, personagem que se tornou símbolo do homem do campo brasileiro. Num país com altos índices de analfabetismo, desafiava as estatísticas. Com tiragem elevada e distribui-ção gratuita, abrangia as mais distantes regiões do Brasil com dicas de higiene e saúde. Uma verdadeira enciclopé-dia popular. A ampliação em massa do mercado editorial ao longo do sé-culo 20 impõe obstáculos à sobrevivência dos almanaques. Aos poucos, eles têm de se modificar. Ganham cores, novos formatos, novos temas. Entre os humorísticos, sem dúvida o mais exitoso – refe-rência para qualquer um que se aventure a fazer graça no País – é o Almanhaque, do Barão de Itararé, que circulou entre 1949 e 1955. Confira a seção Baú do Barão, na página 9. A seu editor rendemos mensalmente nossa homenagem, publicando a cada edição uma de suas impagáveis frases.
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E um novo almanaque chega a você
o alvorecer do terceiro milênio os almanaques voltam a florescer. O AlmAnAque BrAsil é exemplo do vigor
e da força do formato em um tempo em que tanto se pre-zam as informações curtas, interessantes, precisas, curio-sas. Completamos 10 anos com a satisfação de nos saber-mos precursores de uma onda de publicações que tomam o formato emprestado para contar tanto a história de uma instituição como a de um movimento ou geração. Vide as livrarias, abarrotadas de congêneres.Em 129 edições, mais de 12 milhões de exemplares des-se “armazém da memória nacional” já foram distribuídos nos voos da TAM, por assinatura, em bancas e bibliotecas públicas. Seguimos agora com forças renovadas para rea-firmar nossa missão. Aos 10 anos, o AlmAnAque lança uma nova publicação, distribuída por assinatura, pelos estabe-lecimentos filiados à Associação Paulista de Supermerca-dos (APAS) e pelas voluntárias das Ligas de Combate ao Câncer. Fruto de uma parceria entre a APAS, a Federação Brasileira de Entidades de Combate ao Câncer (Febec) e a Andreato, editora que publica a revista, o AlmAnAque BrA-sil de CulturA e sAúde terá sua vendagem revertida para o trabalho das voluntárias de combate ao câncer.
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L E I t u r A q u E C u r A
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8Conte um ponto por resposta certa
valiação
teste o nível de sua brasilidade
Tradicional escola de samba do Bixiga, fundada em 1/1/1930: (a) X-9 (b) Vai-Vai (c) Camisa (d) Rosas de Ouro
Cidade em que circulou o primeiro trem urbano da América Latina, a partir de 5/1/1867:(a) Rio (b) São Paulo (c) Caracas (d) Recife
Célebre programa de rádio criado em 3/1/1934:(a) Balança mas Não Cai (b) Hora do Brasil(c) Balancê (d) A Hora do Ronco
Lei que, em 9/1/1881, instituiu eleições diretas:(a) Eusébio de Queiróz (a) Pedro I (c) Maria da Penha (d) Saraiva
Carioca que, em 28/1/1981, tornou-se a primeira bailarina do Teatro Municipal do Rio:(a) Ana Botafogo (b) Márcia Haydée(c) Lia Rodrigues (d) Cláudia Müller
Mercado de Salvador, incendiado em 10/1/1984:(a) Mercado Municipal (b) Paes Mendonça(c) Mercado Modelo (d) Mercado das Pulgas
Estrada que liga o Rio a São Paulo, inaugurada em 19/1/1951:(a) BR-101 (b) Castelo Branco (c) Ayrton Senna (d) Presidente Dutra
Filme de Walter Salles, ganhador do Urso de Ouro em Berlim em 22/1/1998:(a) Diários de Motocicleta (b) Central do Brasil (c) Abril Despedaçado (d) Cidade de Deus
ligue os pontosO Calculista das Arábias
Nossa homenagem a Júlio César de Mello e Souza, o Malba Tahan
Em uma de suas constantes viagens pelas Arábias, o sábio Beremiz Samir presenteou o rei Iadava com um tabuleiro de xadrez. Agradecido, o soberano propôs ao calculista que pedisse em troca o que quisesse. Beremiz disse não querer ouro nem prata, mas grãos de trigo. Diante da perplexidade do rei e de sua corte, explicou: “Dar-me-eis 1 grão de trigo para a 1ª casa do tabuleiro de xadrez, 2 pela 2ª, 4 pela 3ª, 8 pela 4ª e assim por diante, dobrando sucessivamente até a 64ª e última casa do tabuleiro”. O rei não conseguiu
pagar ao calculista a quantia solicitada e a dívida foi perdoada, pois Beremiz só queria ensinar a todos uma lição algébrica. Você saberia dizer qual?
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Respostas
CARTA ENIGMÁTICA Pesquisas comprovam: onde há voluntários, a sobrevida dos pacientes de câncer sobe 12%.
ENIGMA FIGURADO Ary Fontoura. O QUE É O QUE É? Deixa de onda.
SE LIGA NA HISTÓRIA 1d (arara); 2c (beija-flor); 3a (maritaca); 4b (tucano).
BRASILIÔMETRO 1b; 2d; 3b; 4d; 5a; 6c; 7d; 8b.
O CALCULISTA DAS ARÁBIAS Para obter o total de grãos de trigo devemos elevar o número 2 ao expoente 64 e do total tirar uma unidade. Trata-se de um número verdadeiramente astronômico, de 20 algarismos, muito famoso na matemática: 18.446.744.073.709.551.615.
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Matheus nachtergaele
DE QUEM SÃO ESTES OLHOS?
1
2
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a Típicadocerrado,épossívelvê-lanosgrandescentrosurbanosemrevoadasqueproduzemumaverdadeiraalgazarra.
b Obicogrande,coloridoeocoésuacaracterísticamaismarcante.Nosanos1980tornou-sesímbolodeumpartidopolítico.
cOBrasilpossuiamaiordiversidadedessesanimaizinhosleveserápidos,capazesdebaterasasasde70a80vezesporsegundo.
d Capazdeemitirsons,imitarvozeseassoviar,ésinônimodeexotismotropicalcomsuaspenascoloridasevibrantes.
AdaptadodeO Homem que Calculava,deMalbaTahan(Record,2001).
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Diversão para pequenos e grandalhões
Temos praias do Oiapoque ao ChuíA
Diversão na areia
Cada número no diagrama abaixo corresponde a uma página do AlmAnAque. Descubra a letrinha colorida na página indicada e vá preenchendo os quadrinhos até completar a mensagem cifrada que escrevemos para você.
O lugar do Brasil mais perto da África é a Praia do Cabo Branco, que fica em João Pessoa, capital da Paraíba. Está a 2.850 quilômetros do território
africano. Perto, mas nem tanto. Se alguém decidisse ir ao outro continente de jet ski, que anda em média a 50 quilômetros por hora, chegaria em 57
horas, ou seja: mais de dois dias (isso sem parar nenhum segundo sequer...). Num navio que viaje a 30 quilômetros por hora, a viagem duraria quatro dias. Já se o maluco for remando num caiaque, chegará à África em 570
horas, quase 24 dias. Isso se nenhum tubarão almoçá-lo pelo caminho...
JÁ PENSOU NISSO?
A placade palhada praia
preta
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a-Língua
pa
ra ler e repetir em v
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ilustracões: luciano tasso
106 21 7 2024 22 9 18 17 25 109
Na praia – além de pegar sol e uns jacarés – dá para praticar esportes e outras atividades bacanas. O frisbee, por exemplo, é baratinho e bem fácil de brincar (mas cuidado pra não acertar a cabeça de ninguém!). Futebol na areia também é bem legal. Basta colocar uns chinelos como trave e correr atrás da bola. Vôlei de praia, então, nem se fale. O Brasil é tão bom no esporte que já conquistou nove medalhas olímpicas. Além, é claro, do brasileiríssimo frescobol, inventado em 1945 na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro.
h, o verão chegou. Você, como uma criança esperta, já deve ter separado o filtro solar, os óculos escuros e o boné para passar ao menos alguns dias na praia. E praia é o que não falta. O Brasil
possui um dos litorais mais extensos do mundo. São cerca de nove mil quilômetros de areias, conchinhas e o imenso Oceano Atlântico à frente. Desde a praia do Arroio Chuí, no Rio Grande do Sul, até a foz do Oiapoque, no Amapá, é uma ao lado da outra. Você já deve ter ouvido falar “do Oiapoque ao Chuí” quando alguém quer se referir ao Brasil inteiro – o Oiapoque é o pedaço do nosso litoral mais ao norte; o Chuí é o mais ao sul.Feliz de quem vive numa cidade litorânea. Ter um marzão perto de casa é um privilégio. Mas sorte mesmo tem quem mora em ilhas. Você sabia que três capitais brasileiras estão cercadas pelo mar? Então saiba: Florianópolis, em Santa Catarina; Vitória, no Espírito Santo; e São Luís, no Maranhão. Ô vidão...O mar tem grande influência no modo de vida do brasileiro. Por isso é tão exaltado em canções. Foi pelo litoral, por exemplo, que se iniciou a colonização. Ao longo dele foram erguidas as nossas primeiras cidades e muitas das capitais dos estados. Já reparou? Pode fazer a conta. Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Maceió, Belo Horizonte... Ops, Belo Horizonte?
SoluçÕES na p. 22
O mar esta bravo.
O que falar para
acalma-lo?
26 26 6 7 8 9 810 7 8 12 138
15 7 17 18 17 816 7 20 7 2119 10
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Não gasta nem uma hora o sujeito que partir de São Paulo em direção a Santana de Parnaíba.
A viagem por lá, porém, atravessará séculos. Arruar neste recanto é seguir os passos dos
bandeirantes e descobrir um lugar repleto de vestígios e visões do tempo.
Uma viagem na históriaSANTANA DE PARNAÍBA
o bucólico arraial que volteia uma colina à mar-gem esquerda do rio Tietê, os bandeirantes prepa-ravam, nos idos do século 17, suas expedições: arro-
bas de pólvora e balame, machados, redes de embira, batelões, bateias, trabucos e, que mais?, “Sapatões pra duzentas estra-das, chapelão pra dez anos de sol e de chuva”, nos cálculos do poeta Cassiano Ricardo (1895-1974). As Bandeiras, qual mu-ralhas de gente, se embrenhavam sertão adentro para ampliar nossa terra além do Tratado de Tordesilhas, dando forma de har-pa ao Brasil, segundo os geógrafos poetas.
Santana de Parnaíba, tão pertinho de São Paulo (35 quilômetros), hoje não é mais rodeada pelas águas claras onde banhavam-se perdizes. A temida Cachoeira do Inferno, pelo redemoinhar de suas águas mata-cavalo, jaz no fundo da represa, construída no início do século passado pela empresa canadense Light. Nessa garganta do Tietê, os batelões precisavam deixar o rio e seguir por terra, imagem que o escultor Victor Brecheret es-colheu para representar o Monumento dos Bandeirantes, no Ibirapuera, em São Paulo. Desde o naturalista Saint-Hilaire (1779-1853), tenta-se explicar a façanha desses nossos heróis
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Note como os rios da região, batizados pelos índios com nomes sonoros, hoje nomeiam bairros, locais ou cidades. Alguns exemplos:
Pirapora (morada do peixe), Parnaíba (lugar de muitas ilhas, ou onde é difícil passar), Voturuna (serra negra), Barueri (corredeira), Cururuquara
(morada ou esconderijo do sapo roncador), Anhembi (rio das perdizes), Araçariguama
(lugar em que pássaros araçaris banqueteiam), Itu (de utu-guaçu, cachoeira grande), Piratininga
(peixe seco) e Tietê (rio caudaloso).
Preste Atenção
fundos, e de frente para a Igreja Matriz. É hoje um museu com objetos de diferentes épocas da história. A casa, na verdade, é quase uma fortaleza, com suas paredes de meio metro de largura e janelões que se abrem para dentro com travessas verticais para impedir a passagem. O casarão ao lado, com portas-balcão e sacadas, os chamados “guarda-corpos”, abriga a Casa da Cultura. Era ali, dizem, o es-conderijo secreto do imperador Pedro I e de sua amante, a Mar-quesa de Santos.
casa dos bueno da silva, ou anhanguera: única bandeirista urbana que permanece em pé.
geográficos. “Quando Raposo regressa de sua viagem de 30 anos e sua família não o reconhece, que é isso senão uma página de Homero narrando a volta de Ulisses?” O poeta Cassiano procu-ra apenas reconquistar o espírito da nossa nacionalidade: “Quem caminha e leva uma fronteira nos pés, caminha dividido: de um lado é herói, do outro lado é bandido”.
Bandeirantes e imperadoresSantana de Parnaíba une em seu nome o tupi, a dar a localização exata e terrena – Pan-nei-i-o, “lugar de muitas ilhas” –, e a devoção a Sant’Anna de sua primeira mo-radora, Suzana Dias. Ela e seu marido, Manoel Fernandes, donos de uma fazen-da que originou a cidade, simbolizavam a mistura de raças: ele, branco e português; ela, mameluca descendente dos índios
guaianazes. Foram pais do bandeirante An-dré Fernandez, descrito em um documento
antigo como o Corsário do Sertão.Em Santana de Parnaíba viveram três gera-ções dos Bueno da Silva, todos alcunhados de Anhanguera – do tupi Diabo Velho. Sua casa, única bandeirista urbana que chegou até nos-sos dias, é voltada para um amplo quintal nos
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SabençasEm todas as ruas de Santana podem ser vistas casas construídas em diferentes séculos. Vale flanar sem pressa, notando os detalhes da arquitetura. Algumas eram armazéns; outras, casas simples e baixas; umas têm gradis em ferro trabalhado; outras, telhados de uma ou duas águas. Em poucas aparecem bandeiras sobre as por-tas, para a ventilação natural. As casas eram construídas com estruturas de taipa e taipa de pilão. No imóvel do Largo de São Bento, 80 – restaurado em 2003 pela Ofi-cina Escola de Artes e Ofícios –, amostras dessas técnicas podem ser vistas em pequenas aberturas deixadas no reboco, como a parede de pau-a-pique e adobe e o forro de bambu amarrado com cipó.Cabe lembrar ainda que o patrimônio de Santana de Parnaíba também são as “sabenças”, como dizia Mário de Andrade, que por lá andou pes-quisando música. Encontrou um tal Isidoro, que era o “dono do sam-ba”. Hoje tem dona Irene, do celebrado doce de lima umbiguda; os ca-beções, enormes bonecos feitos pelo mestre Tito; os efêmeros tapetes de flores; a festa do Cururuquara, em louvor a são Benedito.Para esta aldeia voltavam os heróis geográficos ao fim da caminhada. Tudo para dizer, finalmente: “Aqui é que começa o país da Esperança”.
Cidade festeira e musical, Santana de Parnaíba abriga todos os domingos o projeto Música na Praça, com apresentações de chorinho
e MPB ao lado do Coreto Maestro Bilo. Este, construído com ferros que vieram da Inglaterra, é um dos xodós da população.Todo segundo sábado do mês acontece o
Parnayba em Seresta e Serenata. Um grupo de músicos sai às 23h em seresta pelas ruas
do Centro Histórico, interpretando esse gênero musical que foi muito
popular no século 19.
Não deixe de ouvir
Santana de ParnaíbaTem Mais
O Grito da NoiteTalvez derive de uma manifestação católica de encomenda de
almas, quando se percorriam as ruas com choradeiras, flagelos e gemidos. A anunciação do Carnaval vem com o toque de tambores. É a deixa para a saída dos “fantasmas” pelas ruas do centro antigo.
Foliões vestidos com lençóis, caveiras e máscaras aterradoras zanzam pela cidade ao embalo de zabumbas e chocalhos. Com o passar do tempo, os fantasmas caíram no samba. Ou talvez seja
esta a outra origem da festa: uma manifestação dos escravos que ganhavam as ruas batendo tambores para comemorar a liberdade.
Corpus Christi Por aqui há registros dessa cerimônia religiosa de
herança portuguesa já no século 17. Na véspera da festa, moradores varam a madrugada nas ruas, fazendo tapetes com
motivos religiosos por onde passará a procissão. Duranteo ano, os habitantes armazenam serragem e cascade ovos que serão coloridos para atapetar cerca de
dois quilômetros de ruas no Centro Histórico.
Museu Paraibano deMúsica Benedicto Antônio Pedroso
O acervo do Museu de Música foi doado pelos moradores de Santana. São partituras, instrumentos musicais, quadros, fotos.
Além de uma coleção de antigos lps e 78 rotações – entre eles, algumas raridades. O Museu também promove o encontro
dos seresteiros da cidade.
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oS meNiNoS do PoeAo: mãoS à obrA.
om poucas variações, a vida de Diego Balsote é igual à
de muitos meninos de famílias pobres do Brasil: prefe-
riu viver sozinho nas ruas a ouvir as mesmas brigas na casa
onde faltava tudo. Aos 15 anos, morava na rua quando o Con-
selho Tutelar de Santana de Parnaíba o encaminhou ao Proje-
to Oficina Escola de Artes e Ofícios (POEAO). Lá Diego apren-
deu a restaurar a casa dos outros, mas acabou restaurando a
própria vida. Esta história é quase a mesma de Eduardo, An-
derson, Gabriel, David e Gilmar, também alunos da oficina.
A ideia do projeto veio de longe, no tempo e no espaço. A se-
mente brotou na cabeça de outro jovem, ex-menino pobre,
Jair Inácio. Ouro Preto, anos 1960. O negrinho era curioso e
muito inteligente. Aprendeu inglês de ouvir os turistas para os
quais vendia quadros com cenas da cidade. Acabou descolan-
do uma bolsa de estudos de um ano em Bruxelas, onde apren-
deu técnicas de restauração. De volta a Ouro Preto, foi traba-
lhar na recuperação do altar da Igreja do Pontal.
Na época, pipocavam hippies pela cidade. E ele pensou: se eles
são tão habilidosos nos artesanatos, podem aprender também
a arte do restauro. Trabalho era o que não faltava. Assim, Jair
tirou muitos jovens das ruas e das drogas.
Anos mais tarde, na década de 1990, seu filho Turinã Inácio e o
professor Júlio César Barros chegaram a Santana de Parnaíba.
O trabalho de recuperar as edificações era muito grande. Cada
Restaurar a vidacasa era quase uma amostra de todas as técnicas construtivas
empregadas nos séculos 16, 17 e 18. Onde conseguiriam tan-
tos e diferentes técnicos? Criaram então o POEAO, a partir de
um convênio entre a Prefeitura municipal, a Federação das In-
dústrias do Estado de Minas Gerais e o Senai mineiro. Os alu-
nos aprendem história da arte, carpintaria, alvenaria, pintu-
ra, ofício de talha, conserva-
ção de acervo gráfico e muito
mais. Recebem bolsa-auxílio,
vale transporte e alimenta-
ção. A Escola já formou 400
jovens qualificados para o
mercado de trabalho.
“Vale notar que de aprendiz
a técnico de ofício são oi-
to anos de estudos”, conta
o entusiasmado mestre de
ofício Edson Higino. Turi-
nã ressalta outro aspecto:
“Cada jovem é um multi-
plicador, e nossos meni-
nos estão empregados em
43 cidades brasileiras, rea-
lizando esse trabalho”.
C
Como chegar Pela rodovia Castelo Branco, partindo da capital paulista, pegar a saída 26b. Partindo do interior, entrar no acesso do quilômetro 26. Mais informações em www.santanadeparnaiba.sp.gov.br
Onde ficar Pousada 1896 Única localizada no Centro Histórico. O nome marca o ano de sua construção. É a preferida dos peregrinos que percorrem o Caminho do Sol. Tel.: (11) 4154-1680.
Hotel Newton Plaza Localizado a seis quilômetros do Centro Histórico, no bairro da Fazendinha, possui 42 suítes. Tel.: (11) 2808-6333.
Onde comerBerço Lusitano Como convém a um restaurante português, o forte da casa são os quitutes e os pratos à base de bacalhau. Os pastéis de Belém, Santa Clara e Tentuga são imperdíveis. Fica no Centro Histórico, com mesas na calçada. Tel.: (11) 4154-4875.
Restaurante São Paulo Antigo Também no Centro, sua especialidade são os pratos da cozinha caipira. Destaque para o leitão à pururuca. De sobremesa, vá do tradicional Pudim de Leite. Tel.: (11) 4154-2726.
Prata da Casa
se RviçO
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TROFÉU DE VITÓRIA
o Espírito Santo todo mundo sabe o que explica a cozinheira Ma-ra Fernandez Soares, da praia de Ubu, em Anchieta: “A panela de barro é o segredo para o sabor especial da moqueca capixaba”.
Apenas dessa maneira o caldo engrossa naturalmente. Além disso, vai do fogão direto para a mesa – um verdadeiro troféu da cultura do Estado.O ofício das paneleiras de Goiabeiras Velha, bairro da capital Vitória, não é apenas um Patrimônio Imaterial do Brasil, mas o primeiro deles a ser reconhecido pelo Iphan, em 2002. Cada uma das peças que sai da região é atestada com o selo “Raiz da Cultura Capixaba”. Além do galpão das paneleiras, em Goiabeiras também tem reza, “ben-zeção”, grupos de música e dança. Entre eles, o Boi Estrela, a Folia de Reis Goiabeiras Velha e uma banda de congos que atesta a importância do utensílio doméstico para a cultural local. Seu nome? Panela de Barro: Deixa crioulo / Deixa sambar / Panela de Barro / Acabou de chegar.As famílias produtoras de panelas estão organizadas em uma associação há 21 anos. Pouco, perto da idade da tradição – índios dizem ter apren-dido a amassar e moldar argila com o joão-de-barro, pássaro construtor. Vem desses nossos primeiros artistas, principalmente da tribo Una, a téc-nica milenar utilizada em Vitória.Antes, a fabricação era restrita à Quaresma, época de maior consumo de peixes e frutos do mar. E as únicas a dominar a técnica eram as mulheres. Hoje há produção o ano inteiro, e os homens já não se limitam a retirar o
barro do barreiro e a casca do manguezal. Participam de todo o processo de fabricação. Um pedaço de cuité, fruta local, auxilia a dar forma curva à argila, também alisada com uma pedra do rio antes e depois da queima. Por sua composição, dificilmente o barro tirado do vale de Mulembá ra-cha. Pelo mesmo motivo, as peças podem ser moldadas sem torno e não estouram na fogueira. Depois de secas e queimadas, um raminho de ervas molhado em tanino das árvores do mangue serve de pincel para impermeabilizar e dar tonalidade escura às panelas.
Panela de barro é que faz comida boaAs paneleiras dizem que qualquer alimento pode ser preparado e servido nessa verdadeira obra de arte. Afinal, ela mantém a receita quente por mais tempo, o sabor não é alterado por resíduos de alumínio e é mais fácil de lavar do que as panelas convencionais. “Mas peixe e marisco têm que ser na panela de barro”, enfatizam. Vários historiadores e especialistas em gastronomia nem consideram moqueca capixaba a receita feita em panelas comuns.Quando tem leite de coco também não vale. O ingrediente faz a diferença entre a receita capixaba e a versão baiana. O passo a passo da moqueca você pode conferir abaixo, com o urucum indígena e o coentro português – uma mistura com a cara do Brasil e o sabor do Espírito Santo.
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Uma mistura com a cara do Brasil e o sabor do Espírito Santo
Saiba MaiS Mão e Obra – Artesanato no Espírito Santo, de Renato Pacheco e Luiz Santos (Senac Espírito Santo, 2001). Em Nome do Autor, de Beth Lima e Valfrido Lima (Proposta Editorial, 2008).
Moqueca Capixaba (4 porções)
ingredientes 1 kg de peixe fresco em postas (badejo ou robalo*)2 maços de coentro picado1 maço de cebolinha verde picada1 cebola picada4 tomates maduros picados3 colheres de sopa de azeite1 alho socado Suco de 1 limãoSementes de urucum**Sal a gosto
Modo de preparoColoque o peixe em um recipiente com o suco de limão e sal. Conserve-o assim por pelo menos uma hora. Em uma panela de barro, refogue com o alho parte do tomate e do restante dos temperos, preparando uma “cama”. Sobre ela, arrume postas do peixe uma ao lado da outra. Monte mais duas ou três camadas de peixe, intercalando-as com tomate e os de-mais temperos. Não adicione água. Tampe e deixe cozinhar em fogo baixo. De vez em quando, segure a panela pelas bor-das, levante-a do fogo e dê uma mexidinha para a moqueca não grudar no fundo. Acerte o sal e cubra com coentro picado. Sirva a moqueca na própria panela, acompanhada de arroz branco, pirão de peixe e molho de pimenta.
* Também podem ser usados namorado, garoupa ou dourado ** Pode-se também utilizar tintura de urucum
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por Lourenço Diaféria
18/1 é o Dia internacional Do riso
Variedades sobre o risoVariedades sobre o riso
oo riso é reação humana. Até aí parece não haver novidade. Imemorial? Quem se lembra
da primeira vez que riu? O primeiro terno de marinheiro, a primeira bo-neca, o primeiro triciclo, essas coisas com maior ou menor importância dei-xam recordações. Mas o primeiro riso, dele não ficou nada. Claro que isso vale também para o choro. O que se sabe é que criança nasce chorando. Chorar, como consta, é bom para abrir os pulmões. Daí a primeira palmada na bundinha.Já nenhum outro animal, mesmo treinado com paciência e método, usa os músculos da face para manifestar alegria e satisfação. Ou usa? Os bichos são sisudos. Alguns, domesticados, tipo cachor-ro, gato e mesmo rato branco, na convivência com os donos tornam-se amáveis, mais que civilizados e edu-cados. Têm privilégios. Pulam, brincam, rolam, mas não chegam a ter o dom do riso.Não são poucos os casos de pessoas que agasalham e le-vam para a cama, à noite, para dormir com elas, animais de estimação. Pessoas inteligentes, assépticas, tomam banho duas vezes no dia, lavam as mãos, mas fazem questão de dividir o leito com um quadrúpede. Pois nem esses animais privilegiados com regalias são capazes de devolver a estima e afeição que recebem dando um leve sorriso de agradecimento.Ouço dizer que criança alguma nasce rindo. Nasce cho-rando, em geral aos berros. Nasce protestando. O riso tem variações. Pode se limitar a um sorriso. Um esgar. Tem características: pode ser franco; disfarçado; aber-to; fechado; tímido; envergonhado. Pode ter matizes? É
possível. Quem deu cor ao riso amare-lo? Por que ao riso, quando desatado de peias, dá-se o nome de gargalhada?
O riso não é uma reação simples. Pode ser forçado. Qualquer pessoa percebe quando não é natural. E há o riso que vale por um desabafo.
Não se pretende aqui deixar de levar a sério os milagres da vida. Há mais milagres abaixo
de nossos narizes do que bocas. Porém há risos que explodem como se fosse aberta a tampa de
uma panela de pressão. São risos milagrosos, ou quase. Contarei por alto o caso verídico,
acontecido num velório recente, velório comum, bolado pelo moderno serviço
funerário municipal, que substituiu quatro velas reais de cera acesas por quatro chamas elétricas que bruxuleiam. Um velório matutino.O primeiro a chegar ao evento (perdoem o inadequado emprego do termo) foi um senhor calvo, terno comple-to, sapatos, sem gravata. Chegou debulhado em lágrimas. Chorava mais copiosamente que fonte de cidade da inter-lândia, como se escrevia antigamente. Parecia parente ín-timo do falecido. Não era. Tratava-se de um credor que ha-via emprestado uma grana preta ao defunto (quando este estava vivo, é evidente). O choro era tamanho que logo se espalhou a informação de que o dinheiro emprestado havia sido deixado pelo devedor numa cômoda, com um bilhete que revelava a dívida. Portanto, que ficasse sosse-gado o visitante aflito: seu dinheiro estava garantido.Operou-se estupenda transformação. Num zás, o homem de terno enxugou os olhos, aproximou-se do esquife, bei-jou reverente a testa álgida do defunto, tomou distância, ergueu os dois próprios braços e bradou, rindo:“Viva o finado Olegário!”
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CASTANHEIRA-DO-PARÁ
Rainha da florestaA castanheira-do-pará dá um fruto que traz bom humor e aumenta a longevidade, graças ao selênio
presente em sua castanha. Limpa as artérias, reduz o colesterol. Modera o apetite.Faz tanto sucesso lá fora que ganhou outro nome, Brazil nut: castanha-do-brasil.
ovos de língua inglesa têm um ditado: Uma maçã por dia man-tém o médico longe (An apple
a day keeps the doctor away). Po-demos adaptar para um fruto nosso: Uma castanha-do-pará por dia sua velhice adia. Veja, se você comer uma só semente da castanheira-do-pará pela manhã, já garantiu sua dose diária de selênio. Esse guardião do organismo nos defende de bacté-rias, vírus, câncer, catarata, herpes, degeneração celular. E melhora o humor – o vizinho ranzinza pode ter carência de selênio. Recomende.A castanheira é árvore imponente, tronco ereto, até 4 metros de diâ-metro na base. Atinge 30, 50, até 60 metros – altura de um prédio de 20 andares. Cresce no Amazo-nas, Pará, Rondônia, Acre, Tocan-tins e Mato Grosso. Mas brasilei-ros de outras paragens a cultivam; ela vinga até no sulista São Paulo.Tal como tantos casos no reino vegetal, o que comemos dessa árvore não é sua fruta, o ouriço, que pesa entre meio quilo e um quilo e meio. A cápsula marrom escura bri-lhante, que semelha um coco, contém entre 15 e 24 se-mentes, as castanhas – estas sim a gente come, depois de quebrar as duras cascas que as envolvem.Durante uns cinco meses, entre o fim de um ano e o início
do seguinte, mais de 100 mil amazônidas se aplicam a uma mesma atividade, tí-
pica do Norte: coletar castanhas. Nin-guém precisa escalar as árvores. Os ouriços caem ao amadurecer.Consumimos a semente ao natural, picada, ralada, torrada. É comum na culinária nortista o “leite” de casta-nha. E dela extrai-se um azeite ex-tra virgem de delicado sabor.Se você já está esfaimado bem an-tes do almoço, coma umas casta-nhas. Aplaca a fome e depois você come menos. Não se preo-cupe: a castanha não engorda. Faz parte do seleto grupo das oleagi-nosas que carregam nutrientes e ativam a queima de gorduras, e
ainda mantêm estável o nível de açúcar no sangue.Por nutrir-se apenas do adubo da floresta, a castanheira produz um
fruto 100% natural.Nesse tempo de afã por terras férteis
para obter biocombustíveis em prejuízo do alimento, é bom lembrar: o imemorial extrativismo harmoniza o meio de sobrevivência do caboclo com preservação da floresta. E ainda gera empregos e traz divisas.Vamos de castanha-do-pará. Lá fora, médicos recomendam a Brazil nut. Será que existe algum brasileiro que nunca comeu uma?
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Bertholletia nobilis Miers
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Árvores Brasileiras, vol. 1, de Harri Lorenzi (Plantarum, 2002).Instituto Plantarum: www.plantarum.com.br
m 1999, três anos depois do massacre de Eldorado
dos Carajás, em que a PM do Pará matou 19 sem-terra e mutilou 69, meu amigo Dan Baron, arte-educador, rumou para lá. Ele é coordenador da Aliança Mundial pelas Artes Educacionais. Com a comuni-dade, desenvolveu um projeto “estético-político”. Muitos ali tinham sido expulsos de casta-nhais pelas queimadas de fazendeiros. Dan perguntou-lhes o que simbolizava o massacre.“A castanheira. Nossos pais foram castanheiros, nossos avós.”Resolveram erguer um monumento com 19 castanheiras
Homenagem aos castanheiros
E
Nosso herói,o selênio
resente em todo o corpo, e abundante nos rins, fígado, baço, pâncreas e testículos, ele é antioxidante por ex-
celência: neutraliza os radicais livres, retardando o enve-lhecimento. Fortalece o sistema imunológico e equilibra a tireoide, fundamental para o funcionamento das células. Previne câncer de pele, próstata, mama, pulmão, bexiga,
útero, ovário, fígado. Estimula a lactação. Man-tém a elasticidade dos tecidos. Aumenta a po-tência sexual. E acredita-se que atua contra a aids, pelo papel no sistema imunológico.
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astanha-do-pará tem: “gorduras do bem”, que reduzem o colesterol, previnem doen-
ças cardiovasculares, esclerose, mal de Alzheimer; vitamina E, antioxidante; zinco, produtor de gló-bulos brancos – nosso sistema de defesa; mag-nésio, que controla a pressão e acalma a mulher em TPM; potássio, para os músculos; ferro, para o sangue; e tanta proteína, que chamam essa oleaginosa de carne vegetal. Em cosméticos, seu óleo, por formar uma película protetora, impede a pele de ressecar e a deixa hidratada e macia.
E o que mais?
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calcinadas e 69 pedras pinta-das de vermelho. “Era preciso denunciar a violência, poeti-camente, e mostrar a eficácia do fazer coletivo”, diz Dan.Em forma do mapa do Brasil, no local do massacre “planta-ram” 19 troncos enegrecidos. No centro, um toco-altar com os nomes dos mortos, e ao pé 69 pedras “ensanguentadas”. Dan voltou lá em 2006 e par-
ticipou da “segunda edição”, agora com filhos das vítimas. Não mais um lamento do passado: “Um monumento não de morte, mas de vida”. Um grito do futuro, como o nascer de uma castanheira.
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Saiba maiS
32
O gato e a globalizaçãoDepois de perseguido pelo gato, o rato esconde-se numa toca. Fica ali durante horas. Ao ouvir latidos de cachorro do lado de fora, sentiu-se seguro: o gato certamente teria se escafedido. Mas assim que arriscou sair da toca, foi capturado pelo felino.– Mas será possível? – resmungou o rato. – Era você que estava latindo...– É, meu amigo, neste mundo globalizado, quem não fala duas línguas morre de fome!
Tomando na cabeçaO sujeito procura um advogado.– Doutor, quero entrar com uma ação de divórcio.– Pois não. Qual é o motivo?– É que, em 12 anos de casado, minha mulher não fez outra coisa senão me atirar tudo quanto é objeto na cabeça.– Doze anos? E só agora o senhor quer o divórcio?– É que só agora ela acertou a pontaria.
Conversa de capiauO capiau encontra o padre e pergunta:– O senhor acha justo, acha correto arguém ganhá dinheiro ou lucrá com a desgraça e o sofrimento do outro?– Claro que não, meu filho. Isso é um grande pecado – responde o padre.– Então pode devorvê a taxa que o senhor cobrou pra me casar com a cobra da minha muié!
Uma do JuquinhaA nova professora chama o Juquinha:– O caçador vê 15 passarinhos num galho de árvore. Atira com a espingarda de chumbinho e acerta nove. Quantos ficam?– Nenhum, fessora, porque, com o barulho, voaram todos – diz o Juquinha.– A resposta certa é seis, mas gostei do seu modo de pensar – diz a professora.O Juquinha pede então licença para apresentar um problema para a mestra:– Três mulheres tomam sorvete. Uma morde, outra lambe e outra chupa. Qual delas é casada?Ruborizada, a professora não quer passar recibo e aceita o desafio:– Bem, a casada é a que está chupando.– Não, fessora. A resposta certa é “A casada é a que está de aliança”, mas gostei muito do seu modo de pensar.
BêbadoBem cedo, apoiado num poste
para não cair, o bêbado vê a vizinha chata indo à feira:
– Feia!A reação da mulher vem de
bate-pronto:– Bêbado!
E o bêbado:– É, mas amanhã eu tô bom!
Marido fielA esposa comenta com o marido:
– Você já percebeu como vive o casal que mora aí em frente? Parecem dois namorados! Todos os dias, quando chega em casa, ele traz flores para ela, abraça-a e os dois ficam se beijando
apaixonadamente. Por que você não faz o mesmo? – Mas, querida, eu mal conheço essa mulher!
ParceriaO sujeito entra numa loja de pássaros e encontra dois lindos canários. Um deles cantava lindamente; o outro, apenas observava-o, sem dar um pio.– Amigo, quanto custa o canário cantor?– Cem reais.– E o mudinho?– Mil.– Mas como? Por que o canário calado vale 10 vezes mais do que o cantor?– É que este aqui é o compositor.
Uma de sograA sogra chega à casa do casal com três malas, fora as sacolas. É roupa para uns seis meses de estadia, uma verdadeira mudança. O genro se mostra gentil:– Puxa, dona Flor, quanto tempo a senhora vai ficar?– Até você enjoar de mim – provoca ela.E o genro:– Mas a senhora não vai ficar nem para um cafezinho?
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Nos tempos da ditadura
V ejam só: até dos tempos da marfadada ditadura tem causos pra gente contar. Esse que conto agora é dum camarada
muito boateiro que tinha num bairro de São Paulo. O homem fazia boato de tudo. E isso era sempre num botequinho que ele fre-quentava. Inventava coisas do governo militar, coisas de autoridades, zombava disso e daquilo outro.Acontece que, desse barzinho gosto-so de se trocar umas conversas de fim de tarde, um coronel que estava sempre à paisana era também um grande freguês. E, portanto, sabedor e até ouvinte assíduo do boateiro. Ninguém na-quele boteco sabia que o coronel era coronel do Exército... Isso porque o dito cujo não fazia propa-ganda da farda. Era um cabra até que bem humilde e bom de papo.Mas os boatos do tal amigo foram de certa forma chegando ao exagero e, com isso, no bom palavreado, foi enchendo o saco do bom militar. Daí o tal coronel resolveu fazer uma brin-cadeira corretiva com o boateiro. E, pra isso, simulou uma operação militar com jipes, metralhadoras e pessoal fardado, tudo combinado para pregar uma peça no moço dos boatos.Pois bem. Era de tardezinha, nosso amigo falava mal dos far-dados e eis que, de repente, surge aquela operação militar de araque.
Coronel (fardado e bravo) – O senhor está preso. Coloquem esse indivíduo no camburão. O se-
nhor vai ser julgado por um júri militar e condenado por causa dos boatos referen-tes ao Exército.Levam o dito cujo, simulam um júri e a condenação: morte por fuzilamento. Não
é preciso dizer que o boateiro fez aquilo nas calças. Pois bem. Isso posto, lá estava o nosso ami-go num paredão e na sua frente cinco fuzileiros apontando armas (com festim, é claro).Coronel – Prepararrrrr! Apontarrrr! Fogo!Dispararam as armas e o susto foi o pretendido pelo coronel, que se aproximou do boateiro, ain-da bravo:
Coronel – Isso é só pro senhor aprender a não fa-lar mal das Forças Armadas. Entendeu? Fora daqui,
seu desocupado (e dá-lhe um último safanão).No outro dia, lá está o nosso querido boateiro, chegando à por-ta do mesmo botequim, para as conversas de sempre, regadas a uma boa cachacinha.Alguns clientes e amigos que tinham presenciado a prisão no dia anterior se aproximam para saber das novidades.Freguês – Então, Justino! Como foi lá no quartel? Conta aí pra gente as novidades...O sujeito chama todos para perto de si e cochicha:Boateiro – Olha, pessoal. Não contem pra ninguém, mas nos-so Exército está totalmente sem munição...
Marido fielA esposa comenta com o marido:
– Você já percebeu como vive o casal que mora aí em frente? Parecem dois namorados! Todos os dias, quando chega em casa, ele traz flores para ela, abraça-a e os dois ficam se beijando
apaixonadamente. Por que você não faz o mesmo? – Mas, querida, eu mal conheço essa mulher!
ParceriaO sujeito entra numa loja de pássaros e encontra dois lindos canários. Um deles cantava lindamente; o outro, apenas observava-o, sem dar um pio.– Amigo, quanto custa o canário cantor?– Cem reais.– E o mudinho?– Mil.– Mas como? Por que o canário calado vale 10 vezes mais do que o cantor?– É que este aqui é o compositor.
Vendedor solícitoO ladrão entra na livraria e berrapara o vendedor:– O dinheiro ou a vida!– Pois, não. Qual a editora ou onome do autor?
CabeludosO jovem faz 18 anos, tira carta de motorista e já pede o carro do pai emprestado. O pai impõe as condições: passar no vestibular e cortar o cabelo, que está pelo meio das costas.Lá vem o jovem dois meses depois,todo feliz, aprovado, mas nada de cortar o cabelo. Inventou uma desculpa:– Estive pensando, pai. Sansão tinha cabelos compridos. Abraão também. E o próprio Jesus...E o pai:– É, tem razão. E também não tinham carro.
Sujeito distraídoO rapaz liga para a companhia aérea: – A senhora pode me informar quanto tempo leva a viagem de Salvador ao Rio? – Só um minutinho. – Obrigado! – e desliga.
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á três anos recebi a notícia de
estar com um câncer na região
da rinofaringe, logo acima do nariz. Foi
uma novidade dura de assimilar. Além
dos perigos da doença, era algo que
poderia comprometer a fala. Logo eu,
metido a cantor amador.
Na mesma hora me lembrei da minha
mulher, que infelizmente nos deixou há
15 anos devido a um câncer pulmonar. A doença dela chegou
severamente. Mas nunca me esqueço de como ela foi bem tra-
tada no Hospital Amaral Carvalho, com carinho, respeito, aten-
ção. E, claro, com qualidade no atendimento. É uma instituição
muito bem estruturada, com equipamentos de ponta e pessoal
preparado. Ela recebeu um atendimento de primeira. E de graça.
Claro, resolvi me tratar na mesma instituição. Os médicos deci-
diram por uma operação, que foi bem-sucedida. Por minha conta
e risco, decidi não passar por sessões de quimioterapia ou radio-
terapia. Desde então, sinto-me curado. Mas não bobeio. O pessoal
do hospital me acompanha periodicamente. Primeiro, de três em
três meses. Depois, de quatro em quatro, de seis em seis. Atual-
mente, só preciso ir a cada sete meses.
Além da qualidade no atendimento, o trabalho dos voluntários
é encantador. Eles são sempre solícitos, com uma boa vontade
de dar gosto. A ação deles é essencial para os mais pobres. Lu-
tam por remédios, por transporte, por alimentos. Promovem
jantares beneficentes para arrecadar dinheiro e brigam com
as prefeituras por mais benfeitorias aos enfermos. Enfim, não
medem esforços para cooperar com o pró-
ximo. São pessoas que merecem todo o
respeito da população.
Entretanto, percebi que o belo trabalho do
hospital e dos voluntários ainda não
tem a visibilidade merecida. Resolvi
dar a minha pequena parcela de con-
tribuição. “De que modo?”, pensei.
Com a coordenadora da Faculdade
de Educação Física de Barra Bonita,
professora Lucilene Ferreira, pro-
curei a direção do hospital e pro-
pus gravar um CD, cantado por
mim, para ser distribuído em
eventos. Assim que alguém contribuir com a institui-
ção, leva o CD para casa, como brinde.
O repertório será só de músicas românticas: Roberto Carlos,
Moacir Franco e por aí vai. Até em espanhol soltarei a voz.
Todo o custo de produção será bancado por mim. Claro que
ainda depende de questões legais, de direitos autorais. Torço
para que dê certo.
Fiquem tranquilos, garanto que a minha voz está bonitinha. Hoje,
aos 72 anos e curado, posso soltar o gogó. É uma maneira de aju-
dar as ligas de voluntários, formadas por pessoas tão importan-
tes para quem se encontra doente. Mas confesso ser impossível
esquecê-las por outro motivo. No meu município, Igaraçu do Tie-
tê, a liga de voluntários se chama MMM. Uma linda homenagem
à minha mulher, Marisa Murcare Martini.
Como retribuí? Soltando a voz!
H
Por Osvaldo Martini
Marisa e Osvaldo, em 1989.