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Lewis Henry Morgan
A SOCIEDADE ANTIGA
Ou investigaes sobre as linhas do
progresso humano desde a seivageria,
atravs da barbrie, at a civilizao.
[1877]
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PREFCIO
A gran de anti gi dad e da hu ma ni da de sobre a terra j foiconclusivamente determinada. Parece singular que asprovas tenham sido descobertas to recentemente, apenas nos
ltimos 30 anos, e que a atual gerao seja a primeira chamadaa reconhecer fato to importante.
Sabe-se agora que a humanidade existiu na Europa duran-
te o perodo glacial, e at mesmo antes de seu comeo, havendo
toda probabilidade de ter sido originada numa era geolgica
anterior. Sobreviveu a muitas raas de animais das quais foi
contempornea e, nos diversos ramos da famlia humana, pas-sou por um processo de desenvolvimento to notvel nos cami-
nhos seguidos quanto em seu progresso.
Como a provvel extenso da carreira da humanidade est
ligada a perodos geolgicos, exclui-se, de antemo, qualquer
medida limitada de tempo. Cem ou duzentos mil anos no
seria uma estimativa excessiva do tempo transcorrido desde odesaparecimento das geleiras no hemisfrio norte at o presen-
te. Independentemente de quaisquer dvidas que possam cer-
car os clculos aproximados sobre um perodo cuja durao
real no se conhece, a existncia da humanidade estende-se
pelo passado imensurvel e se perde numa vasta e profunda
antigidade.
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44Evolucionismo Cultural
Esse conhecimento muda substancialmente as idias que
prevaleceram a respeito das relaes dos selvagens com os br-
baros e dos brbaros com os homens civilizados. Pode-se afir-
mar agora, com base em convincente evidncia, que a selvagena
precedeu a barbrie em todas as tribos da humanidade, assim
como se sabe que a barbrie precedeu a civilizao. A histria
da raa humana uma s - na fonte, na experincia, no pro-
gresso.
to natural quanto apropriado desejar saber, se possvel,
como todas essas eras aps eras de tempos passados foram utili-
zadas pela humanidade; como os selvagens, avanando atravs
de passos lentos, quase imperceptveis, alcanaram a condio
mais elevada de brbaros; como os brbaros, por um avano pro-
gressivo semelhante, finalmente alcanaram a civilizao; e por
que outras tribos e naes foram deixadas para trs na corrida
para o progresso - algumas na civilizao, algumas na barbrie e
outras na selvageria. No demais esperar que, em algum mo-
mento, essas diversas questes sejam respondidas.
Invenes e descobertas mantm relaes seqenciais ao
longo das linhas do progresso humano e registram seus suces-sivos estgios; por outro lado, as instituies sociais e civis, em
virtude de sua conexo com perptuos desejos humanos, de-
senvolveram-se a partir de uns poucos germes primrios de
pensamento. Elas exibem registros de progresso semelhantes.
Essas insti tui es, invenes e descob ertas inc or por ar am e pre-
servaram os principais fatos que agora permanecem como ilus-trativos dessa experincia. Quando organizadas e comparadas,
tendem a mosttar a origem nica da humanidade, a semelhan-
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Apresentao 47
que sobra das artes, linguagens e instituies indgenas. Elas
esto perecendo a cada dia, e tem sido assim por mais de trs s-
culos. A vida tnica das tribos indgenas est declinando sob ainfluncia da civilizao americana; suas artes e linguagens es-
to desaparecendo e suas instituies esto se dissolvendo.
Dentro de mais uns poucos anos, fatos que podem ser agora
facilmente coletados sero impossveis de descobrir. Tais
circunstncias apelam fortemente aos americanos para que en-
trem nesse amplo campo e colham sua abundante seara.
Rochester, Nova York, maro de 1877
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PARTE I - Desenvolvimento da inteligncia
atravs das invenes e descobertas
CAPTULO I - P e r o d o s t n i c o s
A s mais recentes investigaes a respeito das condies pri-mitivas d a r a a humana es to tendendo concluso deque a humanidade comeou sua carreira na base da escala e
seguiu um caminho ascendente, desde a selvageria at a civili-
zao, atravs de lentas acumulaes de conhecimento experi-
mental.
Como inegvel que partes da famlia humana tenham
existido num estado de selvageria, outras partes num estado de
barbrie e outras ainda num estado de civilizao, parece tam-
bm que essas trs distintas condies esto conectadas umas
s outras numa seqncia de progresso que tanto natural
co mo necessr ia. Alm dis so, possvel su po r qu e essa se q n - ,.
cia tenha sido historicamente verdadeira para toda a famlia
humana, at o status respectivo atingido por cada ramo.
Essa suposio baseia-se no conhecimento das condies em
que ocorre todo progresso, e tambm no avano conhecido
de diversos ramos da famlia atravs de duas ou mais dessas
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50 A Sociedade Antiga
Nas pginas seguintes, ser feira uma tentativa de apresen-
tar evidncia adicional da rudeza da condio primitiva da hu-
manidade, da evoluo gradual de seus poderes mentais e
morais atravs da experincia, e de si ia prolongada luta com os
obstculos que encontrava em sua marcha a caminho da civili-
zao. Essas evidncias estaro baseadas, em parte, na grande
seqncia de invenes e descobertas que se estende ao longo
de todo o caminho do progresso humano, mas levam em con-
ta, pri nci pal men te, as instituies domstic as que expressam o
crescimento de certas idias e paixes.
medida que avanamos na direo das idades primitivas
da humanidade, seguindo as diversas linhas de progresso, e eli-
minamos, uma aps outra, na ordem em que aparecerem, in-
venes e descobertas, de um lado. e instituies, de outro,
tornamo-nos capazes de perceber que asrjumcrras tem umaTe-
lao progressiva entre si, enquanto as ultimas foram se desdo-
brando. Ou seja: enquanto invenes e descobertas tiveram
uma conexo mais ou menos direta, as instituies se desenvol-
veram a partir de uns poucos germes primrios de pensamen-
to. As instituies modernas tm suas razes plantadas no
perodo da barbrie, ao qual suas origens foram transmitidas a
partir do perodo anterior de selvageria. Tiveram uma descen-dncia linear atravs das idades, com as linhas de sangue, e
tambm apresentaram um desenvolvimento lgico.
Duas linhas de investigao independentes convidam, as-
sim, nossa ateno. Uma passa por invenes e descobertas; a
outra, por instituies primrias. Com o conhecimento propi-
ciado por essas linhas, podemos esperar indicar os principais
estgios do desenvolvimento humano. As provas a serem apre-
sentadas derivaro, principalmente, cie instituies domsticas;
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de propsito, desenvolveu a linguagem articulada utilizando os
sons vocais. Esse grande tema, em si mesmo uma rea especfica
de estudo, est fora do escopo da presente investigao.Quarta. Com respeito famlia, seus estgios de crescimen-
to esto incorporados em sistemas de consanginidade e afini-
dade e nos costumes relacionados ao casamento, por meio do
qual, coletivamente, a histria da famlia pode ser seguramente
traada atravs de diversas formas sucessivamente assumidas.
Quinta. O crescimento de idias religiosas est cercado detantas dificuldades intrnsecas que talvez nunca receba uma
explicao perfeitamente satisfatria. A religio trata, em to
grande medida, da natureza imaginativa e emocional e, conse-
qentemente, de to incertos elementos do conhecimento, que
todas as religies primitivas so grotescas e, numa certa medi-
da, ininteligveis. Esse tema tambm est fora do plano deste
trabalho, exceto quando puder trazer sugestes incidentais.
Sexta. A arquitetura da habitao, que est ligada forma
da famlia e ao plano de vida domstica, permite uma ilustra-
o razoavelmente completa do progresso desde a selvageria
at a civilizao. Seu crescimento pode ser traado da cabana
do selvagem, atravs das habitaes comunais dos brbaros,
at a casa da famlia nuclear das naes civilizadas, com todos
os vnculos sucessivos atravs dos quais um extremo est co-
nectado ao outro. Esse tema ser observado incidentalmente.
Ultima. A idia de propriedade foi lentamente formada na
mente humana, permanecendo em estado nascente e precrio
por imensos perodos de tempo. Surgindo durante a selvageria,
requereu toda a experincia daquele perodo e da subseqente
barbrie para desenvolver-se e preparar o crebro humano para
a a r p i r a r n H P s u a i n f l u n c i a controladora. Sua dominncia,
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como uma paixo acima de todas as outras, marca o comeo da
civilizao. Ela no apenas levou a humanidade a superar os
obstculos que atrasavam a civilizao, mas tambm a estabe-lecer a sociedade poltica baseada no territrio e na proprieda-
de. Um conhecimento crtico sobre a evoluo da idia de
propriedade incorporaria, em alguns aspectos, a parte mais no-
tvel da histria mental da humanidade./
Tratarei de apresentar alguma evidncia do progresso hu-
mano ao longo dessas diversas linhas e atravs de sucessivos pe-rodos tnicos, tal como revelado por invenes e descobertas e
pelo crescimento das idias de governo, famlia e propriedade.
Pode ser explicitada aqui a premissa de que todas as for-
mas de governo so redutveis a dois planos gerais, usando a
palavra plano em seu sentido cientfico. Em suas bases, os dois
so fundamentalmente distintos. O primeiro a surgir est ba-seado em pessoas e em relaes puramente pessoais, e pode ser
distinguido como uma sociedade (societas). Agens a unidade
dessa organizao. No perodo arcaico, ocorreram estgios su-
cessivos de integrao: agens, a fratria, a tribo e a confederao
de tribos, que constituam um povo ou nao {populus). N u m
perodo posterior, uma coalescncia de tribos na mesma rea,
formando uma nao, tomou o lugar da confederao de tri-
bos ocupando reas independentes. Assim ocorreu, atravs de
prolongadas eras, aps o aparecimento dagens, a organizao
quase universal da sociedade antiga; e perdurou entre os gregos
e romanos aps o surgimento da civilizao.
O segundo plano baseado no territrio e na propriedade,
e pode ser distinguido como um estado (civitas). Avila ou distri -
to, circunscrita por limites e cercas, com a propriedade que
contm, a. base ou unidade do estado, e a sociedade noltica.
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54 A Sociedade Antiga
Sjejoj^sukado. Essa est organizada sobre reasjL^ritoriais e
trata da propriedade e das pessoas, atravs de relaes-territo.-
riais. Os sucessivos estgios de integrao so a vila ou distrito,
que a. unidade de organizao; o condado ou provncia., que
uma agregao de vilas ou distritos; e o domnio ou territrio
nacional, que uma agregao de condados ou provncias; e o
povo de cada uma delas est organizado em um corpo poltico.
Aps terem alcanado a civilizao, coube aos gregos e roma-
nos, usando suas capacidades at o limite, inventar a vila e o
distrito e, assim, inaugurar o segundo grande plano de. gover-
no, que permanece at o presente entre as naes civilizadas.
Na sociedade antiga, esse plano territorial era desconhecido.
Quando ele apareceu, fixou as linhas de fronteira entre a socie-
dade antiga e a moderna, nomes com os quais a distino ser
reconhecida nestas pginas.
Pode-se observar tambm que as instituies domsticas
dos brbaros, e mesmo dos ancestrais selvagens da humanida-
de, ainda esto exemplificadas em partes da famlia humana, e
com tamanha completude que, exceto pelo perodo estrita-
mente primitivo, os diversos estgios desse progresso esro ra-
zoavelmente preservados. Eles so vistos na organizao da
sociedade com base no sexo, depois com base no parentesco e,
finalmente, com base no territrio; atravs das sucessivas for-
mas de casamento e de famlia, com os sistemas de consan-
ginidade assim criados; atravs da vida familiar e de sua
arquitetura, e atravs do progresso nos usos relativos proprie-
dade e transmisso da mesma por herana.
A teoria da degradao humana para explicar a existncia
dos selvagens e dos brbaros j no mais sustentvel. Ela apa-
receu como um corolrio da cosmogonia mosaica" e foi aceita a
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partir de uma suposta necessidade que j no existe. Como teo-
ria, no apenas incapaz de explicar a existncia de selvagens
corno tambm no encontra suporte nos fatos da experincia
humana.
Os remotos ancestrais das naes arianas presumivelmen-
te passaram por uma experincia similar das tribos brbaras e
selvagens existentes. Embora a experincia dessas naes con-
tenha toda a informao necessria para ilustrar os perodos de
civilizao tanto antigos quanto modernos, e tambm uma
parte do ltimo perodo de barbrie, sua experincia anterior
tem que ser deduzida, em sua maior parte, da conexo que
pode ser traada entre os elementos de suas instituies e in-
ventos existentes e os elementos similares ainda preservados
nas instituies e inventos das tribos selvagens e brbaras.
Pode ser observado, finalmente, que a experincia da_h_u :
manidade tem seguido por canais quase uniformes; que as
necessidades humanas, em condies similares, tm sido subs-
tancialmente as mesmas; e que as operaes de princpio men-
tal tm sido uniformes em virtude da identidade especfica do
crebro em todas as raas da humanidade. Isso, no entanto,
apenas uma parte da explicao da uniformidade dos resulta-
dos. Os germes das principais instituies e artes da vida foram
desenvolvidos enquanto o homem ainda era um selvagem. Em
larga medida, a experincia dos perodos subseqentes de bar-
brie e de civilizao foi plenamente utilizada no desenvolvi-
mento que se seguiu a essas concepes originais. Onde quer
que se possa traar uma conexo, em diferentes continentes,
entre uma instituio hoje existente e uma origem comum, es-tar implcito que os prprios povos derivam de um estoque
original comum.
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A discusso dessas diversas classes de fatos ser facilitada
pelo estabelecimento de um certo nmero de perodos tnicos,
cada um representando uma condio distinta de sociedade epo de nd o ser dist in gui do dos "outros por seu mo d o de vida
peculiar. Os termos "Idade daPedra", "do Bronze" e "do Ferro",
introduzidos por arquelogos dinamarqueses, tm sido extre-
mamente teis para certos propsitos, e continuaro a s-lo
para a classificao de objetos de arte antiga; mas o progresso
do conhecimento tornou necessrias outras e diferentes subdi-
vises. Implementos de pedra no foram totalmente deixados
de lado com a introduo das ferramentas de ferro nem das de
bronze. A inveno do processo de fundio do minrio de fer-
ro criou uma poca tnica, mas dificilmente podemos datar
uma outra que se tenha iniciado com a produo do bronze.
Alm disso, como a poca dos implementos de pedra se sobre-
pe aos perodos dos instrumentos de bronze e ferro, e como a
do bronze tambm se sobrepe do ferro, no possvel cir-
cunscrever cada um desses perodos e trat-los como indepen-
dentes e distintos.
Dada a grande influncia que devem ter exercido sobre a
condio da humanidade, as sucessivas artes de subsistncia,
surgidas a longos intervalos, provavelmente viro a possibili-
tar, ao final, bases mais satisfatrias para essas divises. Mas a
pesquisa no foi levada suficientemente longe nessa direo
para produzir a informao necessria. Com nosso conheci-
mento atual, o principal resultado pode ser obtido selecionan-
do outras invenes ou descobertas que permitam suficientes
testes de progresso para caracterizar o comeo de sucessivos pe-
rodos tnicos. Mesmo que sejam aceitos como provisrios, es-
J - - ' - ~ i-ac o ro c V p r f m o s romo
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cada um dos que sero propostos em seguida cobrir uma cul-
tura distinta e representar um modo de vida particular.
O perodo de selvageria, de cuja parte mais antiga sabe-semuito pouco, pode ser dividido, provisoriamente, em trs sub-
perodos. Esses podem ser chamados de perodo inicial, interme-
dirio ou final de selvageria; e a condio da sociedade em cada
um, respectivamente, pode ser distinguida como status inferior,
intermedirio ou superior de selvageria.
Da mesma forma, o perodo de barbrie se divide natural-mente em trs subperodos, que sero chamados de perodo ini-
cial, intermedirio oufinal de barbrie; e a condio da sociedade
em cada, respectivamente, ser distinguida como status infe-
rior, intermedirio ou superior de barbrie.
Para marcar o comeo desses diversos perodos, difcil, se
no impossvel, encontrar testes de progresso que se revelemabsolutos em sua aplicao e sem excees em todos os conti-
nentes. Mas tambm no necessrio, para o propsito em
mos, que no existam excees. Ser suficiente que as princi-
pais tribos da humanidade possam ser classificadas, de acordo
com o grau de seu progresso relativo, em condies que pos-
sam ser reconhecidas como distintas.
I,Status inferior de selvageria. Esse perodo comeou com a infn-
cia da raa humana, e pode-se dizer que terminou com a aquisi-
o de uma dieta de subsistncia base de peixes e com um
conhecimento do uso do fogo. A humanidade estava ento vi-
vendo em seu habitat original restrito, subsistindo com frutas
e castanhas. O comeo da fala articulada ocorre nesse perodo.
No restou, no perodo histrico, nenhum exemplo de tribos
da humanidade nessa condio.
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II. Status intermedirio de selvageria. Comeou com a aquisi-
o de uma dieta de subsistncia baseada em peixes e com um
conhecimento do uso do fogo, e terminou com a inveno do
arco-e-flecha. A humanidade, enquanto nessa condio, espa-
lhou-se, a partir de seu habitat original, por grande parte da su-
perfcie da terra. Entre tribos ainda existentes, encaixam-se no
status intermedirio de selvageria, por exemplo, os australia-
nos e a maior parte dos ponsios, quando descobertos. Ser
suficiente dar um ou mais exemplos de cada status.
III. Status superior de selvageria. Comeou com a inveno do
arco-e-flecha e terminou com a inveno da arte da cermica. No
tempo de sua descoberta, encontravam-se no status superior de
selvageria as tribos dos atapascos, no territrio da baa de Hud-
son, as tribos do vale do Columbia e certas tribos costeiras da
Am rica do No rt e e do Sul. Isso encerra o per od o de Selvageria.
IV.Status inferior d_e_barbrie. Quando se levam em conta to-
dos os aspectos, a inveno ou prtica da arte da cermica ,
provavelmente, o teste mais efetivo e conclusivo que se pode
escolher para fixar uma linha dernarcatria, necessariamente
arbitrria, entre a selvageria e a barbrie. H muito foram reco-
nhecidas as especificidades de cada uma das duas condies,
mas no se produziu, desde ento, nenhum critrio para defi-
nir etapas de progresso de uma condio para a outra. Assim,
todas as tribos que nunca alcanaram a arte da cermica sero-
1
* - ' >classificadas como selvagens, e aquelas que possuem essa arte,
mas nunca chegaram a um alfabeto fontico e_ao uso da escrita,
sero classificadas como brbaras.O primeiro subperodo da barbrie comeou com a manu-
fatura de objetos de cermica, seja por inveno original ou por
adoo. Para determinar seu trmino e o comeo do status in-
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': j
termedirio, encontramos a dificuldade de os dois hemisfrios
terem caractersticas naturais distintas, o que comeou a ter
influncia sobre os negcios humanos depois de passado o pe-rodo da selvageria. No entanto, pode-se resolver isso com a
adoo de equivalentes. A domesticao de animais no hemis-
frio oriental e, no ocidental, o cultivo irrigado de milho e
plantas, junto com o uso de tijolos de adobe e pedras na cons-
truo de casas, foram selecionados como evidncia suficiente
de avanos para possibilitar a transio do status inferior para
o status intermedirio da barbrie. No status inferior esto,
por exemplo, as tribos indgenas a leste do rio Missouri, nos
Estados Unidos, e aquelas tribos da Europa e da sia que prati-
cavam a arte da cermica, mas no tinham animais domsticos.
V. Status intermedirio de barbrie. Comeou com a domesti-
cao de animais no hemisfrio oriental e, no ocidental, com a
agricultura de irrigao e com o uso de tijolos de adobe e pedras
na arquitetura, como mostrado. Seu trmino pode ser fixado
pela inveno do processo de forjar o minrio de ferro. Isso situa
no status intermedirio, por exemplo, os ndiospueblos do Novo
Mxico, do Mxico, da Amrica Central e do Peru, e aquelas tri-
bos do hemisfrio oriental que possuam animais domsticos,
mas no tinham um conhecimento do ferro. Numa certa medi-
da, os antigos bretes, embora familiarizados com o uso do fer-
ro, tambm pertencem a essa subdiviso. A vizinhana com
tribos continentais mais adiantadas havia avanado as artes de
subsistncia entre eles muito alm do que correspondia ao esta-
do de desenvolvimento de suas instituies domsticas.
VI. Status superior de barbrie. Comeou coma manufa tu ra
de ferro e terminou com a inveno do alfabeto fonticQ e o uso
(da_escrita em composio literria. Aqui comea a civilizao.
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6o A Sociedade Antiga
Isso pe no status superior, por exemplo, as tribos gregas da
ida de de Hom ero, as tribos ital ianas logo ant es da fundao de
Roma e as tribos germnicas do tempo de Csar.
VII.Statusde civilizao.C ome ou , co mo dito, co m o uso do
alfabe to fontico e a pr od u o de registros lite rrios, e se divide
em Antigo eModerno. Como um equivalente, pode-se admitir a
escr ita hieroglfica em pedra.
R E C A P I T U L A O
P e r o d o s C o n d i e s
I. Per odo inicial St at us inferior Da infncia da raa h u m a n a
de selva geria de selvager ia at o co me o do pr x im o
perodo.
II. Perodo Status Da aquisio de uma dieta de
intermedirio de intermedirio subsistncia base de peixes e
selvageria de selvageria de um co nh ec im en to do us odo fogo at etc.
III. Perodo final Status superior Da inveno do arco-e-flecha
de selvageria de selv ager ia at etc.
IV. Perodo Status inferior Da inveno da arte da
inicial de de bar br ie cer mi ca at etc.
barbrie
V. Perodo Sta tus Da dome stic ao de anim ais
. int er med ir io de inte rme dir io no hemisfrio orient al e, no
bar br ie de barb rie ocidental, do cultivo irrigado
de milho e plantas, com o uso
de tijolos de adobe e pedras,
at etc.
VI. Perodo final Status superior Da inveno do processo de
de barbrie de barbrie fundir minrio de ferro, com o
uso de ferramentas de ferro,
at etc.
VII. Status de Status de Da inveno do alfabeto
civilizao civilizao fon tico, co m o uso da escri ta,
at o-tempo presente.
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Cada um desses perodos tem uma cultura distinta e exibe
seu modo de vida mais ou menos especial e peculiar. Essa espe-
cializao de perodos tnicos possibilita tratar uma sociedadeespecfica de acordo com suas condies de avano relativo, e
tom-la como um tema independente para estudo e discusso.
No afeta o resultado principal o fato de que, num mesmo tem-
po, diferentes tribos e naes do mesmo continente, e at da
mesma famlia lingstica, estejam em diferentes condies,
pois, para nosso propsito, a condio de cada uma o fato ma-terial, o tempo sendo imaterial.
Outra vantagem de fixar perodos tnicos definidos que
isso possibilita orientar uma investigao especial para aquelas
tribos e naes que oferecem a melhor exemphficao de cada
status, a fim de tornar cada caso tanto um padro quanto um
elemento ilustrativo. Algumas tribos e famlias foram deixadas
em isolamento geogrfico para resolver os problemas do pro-
gresso atravs de esforo mental original e, conseqentemente,
mantiveram suas artes e instituies puras e homogneas, en-
quanto aquelas de outras tribos e naes foram adulteradas
pela influncia externa. Assim, enquanto a frica era e um
caos tnico de selvageria e barbrie, a Austrlia e a Polinsia es-
tavam na selvagena pura e simples, com as artes e instituies
prprias daquela condio. Da mesma forma, a famlia indge-
na da Amrica, diferente de qualquer outra existente, exempli-
ficava a condio da hu m a ni da d e em trs perod os tni cos
sucessivos. Na posse no perturbada de um grande continente,
com uma linhagem comum e com instituies homogneas,
aqueles indgenas ilustravam, quando descobertos, cada uma
A^^n^t- ^ ^ r >A , / - / A O O o- o c n o r n l m p n r p ac r n n r h r n p d n s r p t l l S i n f e -
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62 A Sociedade Antiga
rior e intermedirio de barbrie; e isso se dava de uma forma
mais elaborada e mais completa que entre qualquer outra par-
cela da humanidade. Os ndios do extremo norte e algumas dastribos costeiras da Amrica do Norte e do Sul estavam no sta-
tus superior de selvageria; os ndios parcialmente aldeados, a
leste do Mississipi, estavam no status inferior de barbrie, e os
pueblos da Amrica do Norte e do Sul estavam no status inter-
medirio. Dentro do perodo histrico, ainda no houvera
uma oportunidade como essa para se recuperar uma informa-
o completa e minuciosa sobre o curso da experincia e do
progresso humanos no desenvolvimento de suas artes e insti-
tuies atravs desses perodos sucessivos. Deve-se acrescentar
que a oportunidade tem sido aproveitada de maneiras desi-
guais. Nossas maiores deficincias esto relacionadas ao lti-
mo perodo nomeado.
Sem dvida, existiam diferenas entre culturas do mesmo
perodo nos hemisfrios oriental e ocidental, em conseqncia
das caractersticas desiguais de cada continente; mas a condi-
o da sociedade no status correspondente tem que ter sido,
em sua maior parte, substancialmente semelhante.
Os ancestrais das tribos gregas, romanas e germnicas pas-
saram pelos estgios que indicamos, e, na metade do ltimo, a
luz da histria caiu sobre eles. Sua diferenciao da massa in-
distinguvel de brbaros no ocorreu, provavelmente, antes do
comeo do perodo intermedirio de barbrie. A experincia
dessas tribos foi perdida, com exceo de tudo que represen-
tado pelas instituies, invenes e descobertas que trouxeram
com eles e que possuam quando pela primeira vez se encontra-
ram sob observao histrica. As tribos gregas e latinas dos
perodos de Homero e Rmulo permitem a melhor exemplifi-
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cao do status superior de barbrie. Suas instituies eram,
igualmente, puras e homogneas, e sua experincia est direta-
mente conectada com a chegada, por fim, civilizao.
Comeando, ento, com os australianos e polinsios, se-
guindo com as tribos de ndios americanos e concluindo com
os romanos e gregos, que permitem as mais elevadas exemplifi-
caes, respectivamente, dos seis grandes estgios do progresso
humano, bastante razovel supor que a soma de suas expe-
rincias unidas representa a experincia da famlia humana
desde o status intermedirio de selvageria at o final da civiliza-
o antiga. Conseqentemente, as naes arianas encontraro
o tipo correspondente condio de seus ancestrais remotos,
quando na selvageria, nas condies dos australianos e poli-
nsios; quando no status inferior de barbrie, nos ndios se-
mi-aldeados da Amrica; e, quando no status intermedirio,
nas condies dos ndios pueblos, com as quais se conecta dire-
tamente sua prpria experincia no status superior. To essen-
cialmente idnticos em todos os continentes so as artes,
instituies e o modo de vida no mesmo status, que a forma ar-
caica das principais instituies domsticas dos gregos e roma-
nos pode ser vista, ainda hoje, nas instituies correspondentes
dos aborgines americanos, como ser mostrado no curso destevolume. Esse fato constitui uma parte da evidncia acumulada
tendente a mosttar que as principais instituies da huma-
nidade foram desenvolvidas a partir de uns poucos germes
primrios de pensamento; e que o curso e o modo de seu desen-
volvimento foram predeterminados, bem como mantidos den-
tro de estreitos limites de divergncia, pela lgica natural damente humana e pelas necessrias limitaes de seus poderes.
Descobriu-se que, num mesmo status, o tipo de progresso foi
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64 A Sociedade Antiga
substancialmente o mesmo em tribos e naes habitando con-
tin ent es diferentes e at m es mo n o conectados,. co md es vi os
da uniformidade ocorrendo em casos particulares e sendo pro-
duzidos por causas especiais. O argumento, quando desenvol-
vido, ten de a estabelecer a uni da de de origem da hu ma ni da de .
Ao estudar as condies de tribos e naes nesses diversos
perodos tnicos, estamos lidando, substancialmente, com a
histria antiga e com as antigas condies de nossos prprios
remotos ancestrais.
NOTAS
' Optou-se por manter no original a palavra latinagens(plural,gentes), por no
possuir correspondente em portugus. Seu uso disseminou-se principalmen-
te aps a publicao, em 1864, deA cidade antiga, de Fustel de Coulanges. Esse
autor buscou apresentar as caractersticas arcaicas da organizao social gre-
ga e romana, estendendo-as tambm para os povos indo-europeus. Na gens
"Lar, tmulo, patrimnio, na origem tudo isso era indivisvel. E a famlia
tambm, conseqentemente . O tempo no a desmembrava. Essa famlia in-
divisvel, que se desenvolvia atravs das eras perpetuando o seu culto e o seu
nome pelos sculos afora, foi a verdadeiragens. Agensera a famlia, po r m a fa-
mlia que conservara a unidade ordenada pela sua religio e alcanara todo o
desenvolvimento que o antigo direito privado lhe permitia atingir." (Rio de
Janeiro: Ediouro, 2003, p. 143) A evoluo da sociedade teria levado associa-
o de gentes em fratrias ou crias, nas quais cadagensma nt in ha sua religio e
governo domsticos, mas surgiam uma divindade e autoridades comuns. Se-
gundo Coulanges, "a associao continuou crescendo naturalmente , segun-
do o mesmo sistema. Muitas crias ou fratrias agruparam-se e formaram
uma tribo. Esse novo crculo tambm teve a sua religio; em cada tribo houve
um altar e uma divindade protetora." (p.157) (N. Org.)
2 Isto : invenes e descobertas, governo, famlia e propriedade, cada qual
correspondendo a uma parte do l ivro Ancient Society. (N.T.)3 Tito Lucrecio Caro (96-55 a.C), filsofo e poeta romano, autor de De rerum
natura. (N.T.)
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Lewis Henry Morgan 65
5 Foram aqui suprimidas crs pginas do texro original nas quais se discutem,
com detalhes tcnicos que no so fundamentais para o objetivo desta colet-
nea, as razes para a adoo do uso da cermica como marco de separao de
perodos tnicos. A idia central de Morgan que "A manufatura de cermica
pres sup e um a vida alde e considerv el progr esso nas artes simpl es." (N. Org.)