Post on 28-Oct-2020
A LUTA PELA TERRA NA FRONTEIRA ENTRE O BRASIL E O PARAGUAI E A
IDENTIDADE DO SER BRASIGUAIO.
Jhérsyka da Rosa Cleve¹
Resumo: Este trabalho tem como objetivo evidenciar que a fronteira não pode ser entendida apenas do
interesse entre a proteção de territórios, a fronteira deve ser entendida com toda a multiplicidade que
carrega em si, dessa forma o artigo aborda a dinâmica dos brasiguaios. A partir desses sujeitos
poderemos compreender esse espaço fronteiriço. Muitos brasiguaios estão ligados a movimentos sociais
de luta pela terra no Brasil, são sujeitos que estão territorializados precariamente na fronteira entre o
Brasil e o Paraguai. Diferente do que os meios de comunicação e alguns autores apontam que o sujeito
brasiguaio é todo brasileiro que vive no Paraguai, deve-se entender que o brasiguaio difere-se do grande
produtor rural brasileiro que vive no Paraguai. Assim, este artigo tem como intuito apontar elementos
que configuram as lutas pela terra na fronteira entre o Brasil e o Paraguai e a dinâmica dos brasiguaios
nos conflitos de terra na fronteira.
Palavras-Chave: Fronteira, luta pela terra, conflitos, brasiguaios.
Introdução
História, povos, identidades, culturas, fronteiras naturais, soberania, limite, linha divisória, são
termos que automaticamente se incluem à questão da fronteira, porém cabe a nós pesquisadores
evidenciar o que realmente se trata as questões fronteiriças. Sabemos da existência dos inúmeros
conflitos sociais presentes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, sendo estes conflitos causados em
suma pela expansão da fronteira agrícola no Paraguai. A palavra fronteira possui uma variedade de
sentidos, vivemos um momento onde se “prega” o “fim das fronteiras”, nunca se falou tanto em viver
livremente em um mundo “sem fronteiras”, existe uma importância relativamente recente pela questão
das fronteiras e ainda persiste uma grande dificuldade em definir a questão, pois ao tratarmos sobre a
fronteira devemos levar em consideração que esta carrega uma variedade de elementos que fazem parte
desta questão.
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1. Mestre em Geografia pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Licenciada em Geografia na mesma
instituição. Atualmente professora da rede particular do estado de Sergipe
Ao imaginarmos a fronteira, no senso comum a primeira impressão que nos vêm à mente é o limite
de um Estado-Nação, a divisa entre países, aqui é o Paraguai e do outro lado é o Brasil, essa forma de
entender o termo caracteriza uma visão simplista.
A fronteira envolve uma construção humana, é construída a partir do imaginário de cada pessoa e
assim identificarmos o outro, ao abordar questões fronteiriças é necessário levar em consideração toda
a complexidade que está por trás, pois a fronteira está muito além de separar dois países diferentes,
abrange o estabelecimento de relações de grupos culturais distintos.
Segundo Boaventura de Sousa Santos (2002), parece que o processo de globalização tem
dissolvido as fronteiras das dimensões política, econômica, social e cultural, porém é dentro de cada
uma delas, e na relação entre elas que ocorrem os conflitos, em virtude disto que devemos deixar de lado
a visão simplista em relação à fronteira, pois o que estamos vivendo é diferentes globalizações, diferentes
ordens-políticas, tecnológicas, artísticas, econômicas, ou seja, a globalização colocou outras fronteiras,
não significando que elas sejam de todas novas.
Em virtude da proximidade entre o Brasil e o Paraguai ocorrem intensos fluxos, que acabam
produzindo diversas barreiras e travessias que se cruzam e redefinem a compreensão dos limites
nacionais, é através dos deslocamentos e da circulação dos sujeitos que fazem parte desse espaço
fronteiriço que podemos fazer reflexões sobre o que é a fronteira.
Buscamos neste trabalho evidenciar que a fronteira não pode ser entendida apenas do ponto de
vista em relação à proteção de territórios, a fronteira deve ser compreendida com toda a multiplicidade
que carrega em si, levando em consideração os sujeitos que fazem parte da fronteira, dessa forma
abordaremos sucintamente os conflitos de terra existentes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai e a
dinâmica dos brasiguaios.
É muito comum na imprensa ao se referir a um brasileiro que reside no Paraguai como brasiguaio,
ou até mesmo partir da migração de brasileiros para o Paraguai e os caracterizando apenas pelo fato da
migração como brasiguaios, entretanto devemos nos atentar, pois ao colocar todo brasileiro como
brasiguaio estaremos levando em consideração desde o despossuído de terra, passando pelo pequeno
produtor, até aos grandes produtores, como por exemplo, muitos meios de comunicação apontam o
empresário Tranqüilo Favero¹ como um brasiguaio, sendo que este sujeito deve ser considerado um
brasileiro que vive no Paraguai e não um brasiguaio.
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¹ Tranqüilo Favero é conhecido como o “rei da soja do Paraguai”, vive a quatro décadas no Paraguai e em entrevistas na
imprensa afirma possuir 45 mil hectares de terra, o grupo Favero é responsável pela maioria de silos e armazenagem de grãos
no Paraguai
De tal modo, é importante se atentar as diferenças entre “brasileiros no Paraguai” e “brasiguaios”,
isso se deve desde as condições sociais, politicas e econômicas. Os brasiguaios pertencem a uma classe
social muito distinta dos brasileiros que são produtores da soja no Paraguai, o grande conflito na fronteira
ocorre a partir desses produtores brasileiros e o movimento campesino paraguaio e em meio a esse
conflito estão os brasiguaios.
Nota-se que o discurso presente entre estes brasileiros grandes empresários da soja é em tratar os
paraguaios camponeses de “atrasados”, um discurso semelhante ao que o latifundiário brasileiro tem
com o indígena no qual o coloca como atrasado.
Assim sendo, os conflitos de luta pela terra presentes na fronteira são marcados por inúmeras
diversidades, entre os elementos centrais podemos apontar os brasileiros empresários rurais do
agronegócio, o movimento dos camponeses paraguaios e os brasiguaios sujeitos despossuídos de terra,
sem emprego, cidadania, nação, escola, ligação a movimentos sociais, etc.
Portanto, este trabalho busca apontar como estes sujeitos estão presentes nos conflitos de luta pela
terra na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, demonstrando que a fronteira é exatamente marcada pelo
conflito social.
A fronteira existe? O que é a fronteira? Será que vivemos o “fim das fronteiras”?
Falar sobre fronteira é preciso, antes de tudo, distingui-la quanto ao termo limite, é muito comum
usar o termo limite como linha demarcatória para uma delimitação territorial.
Do ponto de vista geográfico a fronteira é vista como uma ideia que se aproxima de limite, isto é
algo imaginário que separa dois países e com isso encontra-se o vinculo com o Estado que cria
artificialmente a fronteira.
Não se pode confundir limite com fronteira, o limite é uma linha e não pode ser
habitado; já a fronteira, que ocupa uma faixa, configura-se como zona habitável
onde os povos vizinhos podem intercambiar suas culturas. (RAFFESTIN, 2005)
No entanto, a aproximação da ideia de fronteira à ideia de limite gera um paradoxo, porque ao
mesmo tempo em que são impostos limites entre as nações, surgem espaços de contatos que diluem as
diferenças e aumenta a intersecção das culturas dos países limítrofes.
Segundo Machado (1998), limite é uma palavra que foi originalmente criada para indicar o fim da
ligação interna de uma unidade político-territorial. Machado (1998) assegura que o limite se menciona
a influência exercida através de acordos diplomáticos, responsáveis pela delimitação e jurisdição do
Estado-Nação, sendo desse modo exercidas as normas, regulamentações que visam proteger o território
nacional.
Muitas vezes o limite é entendido no senso comum como uma fronteira natural, como aponta
Albuquerque (2010), associam-se a imagem de um rio, de uma serra ou montanha como marco natural
que divide nações, estados e municípios. Para entender o que é o limite é necessário compreender que
este é abstrato, no qual nasce de um tratado jurídico internacional.
E afinal o que seria a fronteira? Será que podem existir fronteiras na fronteira? Vimos que o que
limite é abstrato, imaginário. Vamos então fazer um exercício de imaginar a fronteira, e o que vem
primeiramente em nossa mente.
Encontraremos as mais variadas respostas, porém a resposta predominante sobre o entendimento
de fronteira é aquela que entende a partir da divisa do limite de um Estado-Nação, entretanto essa forma
de entender o termo caracteriza uma visão simplista, uma vez que o significado de fronteira deve levar
em consideração toda a multiplicidade que ela carrega.
A fronteira envolve uma construção humana e na medida em que a fronteira começa a ser pensada
no imaginário de cada pessoa passamos a construí-la e identificarmos o outro, é necessário levar em
consideração toda a complexidade que está por trás, pois a fronteira está muito além de separar dois
países diferentes, abrange o estabelecimento de relações de grupos culturais distintos.
Com a divisão criam-se distintos grupos sociais, com isso a vida da população que reside em
territórios de fronteira é marcada por relações de contradições, ao mesmo tempo em que se integram por
partilhar de costumes e tradições através do contato internacional separam-se devido o fato de o espaço
ser delimitado por dois territórios com distintas jurisdições.
E será que o estar na fronteira contribui ou apenas aumenta as tensões? As cidades que fazem parte
do limite internacional apresentam problemas semelhantes a qualquer outra cidade (desemprego, acesso
precário a saúde e à educação), porém essas questões se duplicam devido à condição da fronteira, o
desemprego não é apenas um problema da cidade brasileira, o acesso à saúde ou a falta de acesso não é
apenas do brasileiro, mas sim do paraguaio, a educação não é apenas para brasileiros, pois muitos
paraguaios atravessam a fronteira em busca de uma qualidade de ensino, pois acreditam que a educação
brasileira seja melhor do que aquela que tem no Paraguai, essas questões que já são problemáticas se
acirram com este ir e vir da fronteira.
A esses sujeitos que vivem “na fronteira” ser um ou ser o outro é uma condição definitiva
(nacionalidade) que permite mobilidade, uma vez que se o registro civil de cada um define a que lugar
pertence, o “ir e vir” “de lá para cá e de cá para lá”, nos limites internacionais, se misturam e se
confundem ao mesmo tempo se identificam uns aos outros.
Podemos então apontar que as relações destes sujeitos não podem ser confundidas como relações
harmoniosas, muito pelo contrário o fato de estarem na fronteira faz dessas relações mais conflituosas,
não podemos apontar que na fronteira todos são iguais e partilham das mesmas angustias e sonhos, a
fronteira é um território hibrido e por ser hibrido é que faz desse território cheio de contradições.
Goettert (2013) salienta que a própria ideia de fronteira já é por si só “portadora” da condição
híbrida; ser e estar na fronteira – ou falar ou ouvir sobre a fronteira – parece condição característica e
peculiar de ser-estar híbrido. A língua é o maior exemplo para demonstrar como a condição hibrida se
torna presente no ambiente fronteiriço, as escolas são ambientes que tem a língua ora como forma de
aproximação, ora como distanciamento.
Por vez o português pode ser a língua oficial, que não é compreendida pelos alunos paraguaios,
assim como a língua guarani pode soar como o “diferente” ou a forma de “resistência”, como aponta
Goettert (2013) o espaço hibrido aparece em duas formas distintas, o espaço de linguagem é produzido
como espaço hibrido de aproximação ou como espaço hibrido de distanciamento.
Deste modo, por tudo que foi dito até aqui, será que podemos dizer que existem fronteiras na
fronteira? Sim, a exemplo disso é apenas viajar para a fronteira entre Pedro Juan e Ponta Porã e
encontraremos inúmeros exemplos de fronteiras construídas na própria fronteira.
Os próprios turistas se direcionam as compras nas grandes lojas (Studio Center, Shopping China),
sendo estas vistas como “seguras” e isso vai desde a própria alimentação, a garantia de fazer a
alimentação em um restaurante “conhecido” é melhor do que fazer uma refeição em um restaurante no
centro de Pedro Juan, pois este é visto como “sujo”.
Essas situações evidenciam o quanto o ambiente fronteiriço é marcado pelas contradições, tensões,
conflitos e diferenças, é a partir das diferenças que nasce a fronteira, para (MARTINS, 1997, p.50) a
fronteira “é essencialmente o lugar da alteridade”, lugar do conflito étnico, social, político ou econômico,
é um lugar onde os diferentes se encontram e se reconhecem, lugar dos sonhos de quem nela não está,
do paraíso para muitos, seja o “paraíso das compras”, a esperança de uma vida melhor, ou o pesadelo
para quem ali se encontra.
A fronteira é também o lugar de desencontro de temporalidades históricas, “pois cada um desses
grupos está situado diversamente no tempo da História” (MARTINS, 1997, p. 151). Para o autor:
[...] o tempo histórico de um camponês dedicado a uma agricultura de excedentes
é um. Já o tempo histórico do pequeno agricultor próspero, cuja produção é
mediado pelo capital, é outro. E é ainda outro o tempo histórico do grande
empresário rural. Como é outro o tempo histórico do índio integrado, mas não
assimilado. [...] Como ainda é inteiramente outro o tempo histórico do pistoleiro
que mata índios e camponeses a mandado do patrão e grande proprietários de terras
[...] (MARTINS, 1997, p. 159).
Na fronteira entre o Brasil e o Paraguai esse desencontro de temporalidades históricas torna-se
evidente entre a relação dos imigrantes de descendência europeia e os camponeses paraguaios, em
virtude de ter ocorrido na América latina uma forte imigração europeia que caracterizou esses imigrantes
como trabalhadores, brancos, superiores enquanto que os índios, negros eram tidos como preguiçosos.
O mesmo ocorreu na fronteira entre o Brasil e o Paraguai, os imigrantes brasileiros em sua
maioria oriundos do sul do Brasil de descendência europeia, transferem as mesmas referencias as
imagens que tem do nordestino, do negro e do índio ao camponês paraguaio, colocando os camponeses
paraguaios como atrasados e preguiçosos.
Esse discurso se intensificou no período da frente de expansão capitalista no Leste do Paraguai na
década de 1970, momento em que ocorreu uma forte imigração brasileira para o país vizinho, essa
imagem que foi construída dos brasileiros em relação aos paraguaios é semelhante às formas que os
colonizadores da América Latina davam aos índios, colocando o outro como atrasado, preguiçoso.
Assim, a fronteira simbólica mais terrível é aquela que nega o outro, que tem como objetivo
rebaixar a condição humana e social. A negação do outro ocorreu entre brancos e índios na Amazônia,
entre os primeiros colonizadores da América Latina e os indígenas que aqui habitavam, e muitos
pesquisadores tem se esforçado em apontar o que ocorre desde a década de 1970 entre os imigrantes
brasileiros e os camponeses paraguaios.
Passaram-se décadas e muitos desses imigrantes brasileiros que foram para o Paraguai na década
de 1970, hoje são os grandes empresários e produtores de soja com tecnologias avançadas em suas
propriedades. E com o passar dos anos o discurso se intensifica e as grandes propriedades de soja de
brasileiros servem para aumentar o discurso do trabalho dos imigrantes em relação aos camponeses
paraguaios, colocando os paraguaios como sujeitos que “vivem outro tempo” ou que “pararam no
tempo”.
Podemos apontar que a fronteira entre o Brasil e o Paraguai é marcada por temporalidades
históricas, conflitos, contradições, hoje ela pode estar ocupada, como pode daqui a alguns anos não estar,
a fronteira está relacionada a situações definidas, por exemplo, a fronteira entre o Brasil e o Paraguai
tem servido desde a década de 1970 como ampliação da agricultura de exportação. Dessa forma, a
fronteira esta intimamente ligada com as relações que constituem o poder, a fronteira vai estar presente
onde o poder econômico e politico estiver abrangendo.
Diferentes culturas sempre irão existir, assim podemos voltar ao inicio dessa discussão, será que
vivemos o fim das fronteiras? Acredito que estamos sempre bombardeados por exemplos que não existe
o fim das fronteiras, mas novos papéis adquiridos pela fronteira, em virtude de toda a complexidade que
a fronteira carrega os estudos não devem apenas levar em consideração que os espaços de fronteiras
sejam locais de demarcação de um território, pois a fronteira se reconstrói a cada mudança de
temporalidade, assim o que realmente tem ocorrido é uma mudança temporal dos conceitos, não existe
o fim das fronteiras ou territórios, mas sim um constante movimento.
Realidade agrária atual do Paraguai.
A dinâmica no campo em território paraguaio tem passado por profundas transformações nos
últimos anos, a expansão da lavoura da soja tem sido responsável por uma série de problemas sociais e
ambientais, tem sido responsável também pela expulsão e expropriação de muitos brasiguaios e
camponeses paraguaios.
Diante do avanço do cultivo da soja a agricultura familiar tem passado por uma situação na qual
vivenciam a falta do acesso aos financiamentos, não encontrando escolha a não ser vender suas
propriedades aos produtores de soja.
A presença brasileira no Paraguai representa um fato de consequências extraordinárias no que diz
respeito à dinâmica social e econômica do Paraguai, sendo o espaço que se designado como território
"brasiguaio" é decorrente da colonização dos últimos trinta anos.
O que de inicio era para ser uma simples ocupação do espaço fronteiriço, transformou-se numa
verdadeira evolução da sociedade paraguaia. Os brasileiros que “atravessaram” a fronteira e passaram a
viver no Paraguai representam uma parcela dos agricultores paranaenses que emigraram em direção à
República do Paraguai, os quais se somaram aos brasileiros que já estavam se reproduzindo no vizinho
país, "empurrados" por um sistema que visava à modernização do Brasil a qualquer preço. O Ministério
de Relações Exteriores divulga que viviam no final da década de 1990, na República do Paraguai,
459.000 brasileiros. Os dados de censos mais recentes se referem a 98.000 brasileiros em situação legal
e a imprensa vem trabalhando com uma cifra de 350.000 não regularizados. Estes brasileiros, legalizados
ou não, representam oito décimas partes dos habitantes do Estado do Alto Paraná e seis por cento da
população total do Paraguai, e são responsáveis por 80% da soja produzida naquele país (Zaar, 2001).
Entretanto, se atualmente o Paraguai é um dos principais exportadores de soja, é também um dos
principais compradores de produtos manufaturados brasileiros, tendo este comércio facilitado em grande
parte pelos brasileiros que residem no Paraguai.
O papel do Estado paraguaio é também fundamental, pois ao invés de controlar o progresso da
frente pioneira em seu território não faz vistas grossas à questão, dessa forma sustentando uma situação
que também o convém.
Atualmente a região da fronteira é o principal ponto de discussão sobre o lugar do Paraguai no
Mercosul, sobre a produção da soja podemos assegurar que os departamentos com maior área de
produção desta são Alto Paraná, Canindeyú (divisa com o Paraná) e Itapuá (divisa com Argentina), os
departamentos da região norte e central do Paraguai recentemente entraram no processo de expansão da
soja.
Nos últimos anos, alguns lugares de plantios da soja se localizam nas colônias de descendentes
alemães, ressalta-se também a entrada de produtores brasileiros profundamente capitalizados, que
compram ou arrendam terras de médios e grandes pecuaristas, em alguns locais a expansão ocorreu
mediante a compra de quantias de terra de camponeses paraguaios.
A expansão da fronteira agrícola implica em impactos ambientais provocando desmatamento por
conta do uso de agroquímicos, não podemos deixar de lado que provoca consequências nos aspectos
sociais, já que a agricultura mecanizada necessita de pouca mão de obra (qualificada).
É importante apontar que o mesmo que acontece no Paraguai tem ocorrido no Brasil, o crescente
aumento deste modelo baseado na grande propriedade, no intenso uso de agrotóxicos e no baixo emprego
de mão-de-obra. Sendo este modelo não compatível com as formas tradicionais de vida no campo,
surgindo assim inúmeros conflitos de terra tendo como atores os entre grandes proprietários e militantes
de movimentos sociais do campo dos dois lados da fronteira.
No caso do Paraguai, o cenário dos conflitos tem se tornado ainda mais grave pela
internacionalização extrema do setor da soja do país, existe um número alto de produtores são brasileiros
que atuam de modo integrado com grandes conglomerados internacionais de grãos. Nota-se que o
número de organizações instaladas no Brasil tem importado soja do Paraguai para a sustentação de suas
atividades, das oito maiores companhias brasileira importadoras de produtos paraguaios, cinco
trabalham com soja: Bunge, ADM, Sadia, Agrícola Horizonte e Multigrain, também importam em menor
escala empresas como Cargill, Caramuru e como, por exemplo, cooperativas como Aurora e Cocamar.
A importância da soja na economia paraguaia se deve a partir do ingresso no país durante a década
de 1970, na fronteira Leste, divisa com o Brasil, dessa forma o grão teve um crescimento constante e,
em alguns momentos, até acelerado, sobretudo nos últimos dez anos.
A realidade agrária da fronteira gira em torno da expansão da lavoura de soja no Paraguai, visto
que o país nos anos de 2012 e 2013 aparece no ranking mundial como um dos principais produtores e
exportadores de soja, ficando atrás apenas dos Estados Unidos, Brasil e Argentina.
Constata que o cultivo de soja é superior ao de girassol, sendo que o cultivo de soja tem se
expandido de maneira drástica pelo território paraguaio, atualmente o Paraguai é o país com maior
concentração de terra do mundo, segundo Albuquerque (2005) as propriedades com menos de 20
hectares representam 83,4% do total de propriedades existentes no país, ocupando apenas 6% do
território total. Fabrini (2012) aponta que 77% das terras cultiváveis são controladas por apenas 1% dos
proprietários rurais, sendo muito deles brasileiros.
É necessário lembrar que desde 1960, o cultivo de soja foi estimulado pelo governo Stroessner,
adentrando o cenário rural do Paraguai neste período e abrangendo poucas áreas. Durante a década de
1970 (período que o imigrante brasileiro adentra o território paraguaio) tem inicio o aumento a superfície
cultivada e, e consequentemente o aumente da produção, como se observa no gráfico 01 durante a década
de 1980 a área de cultivo inicia sua ascendência.
Nota-se que o aumento da produção da soja ocorre a partir da década de 1990 observa-se também
que ocorre um distanciamento do aumento que corresponde à superfície cultivada, sendo a partir da
incorporação de meios técnicos, como por exemplo, corretivos químicos, aumentando dessa forma a
produtividade da cultura por área plantada.
O modo que o cultivo de soja se expande no território paraguaio tem intensificado as lutas pela
terra, o movimento campesino reivindica a reforma agrária e o combate à monocultura da soja, dessa
forma a expansão da soja no Paraguai tem se caracterizado por inúmeros conflitos de luta pela terra e
em meio a esses conflitos encontram-se os brasiguaios, sujeitos que buscam no país vizinho
oportunidades, entretanto com esse aumento do cultivo de soja acabam perdendo suas propriedades por
inúmeros fatores que veremos mais adiante.
O deslocamento dos brasileiros para o Paraguai e representações sobre o “outro”
Durante a década de 1960 e 1970 os governos paraguaio e brasileiro favoreceram a ocupação da
fronteira, SOUCHAUD (2002) aponta que a elevada aptidão dos solos, o apoio direto do governo na
concessão e compra de terras, as agências de crédito, dos ministérios do governo de Paraguai e Brasil
contribuíram na constituição desse território brasiguaio, visto que aqui aponto como território brasiguaio
em virtude da base social, econômica e produtiva é brasileira, mas se dá em território paraguaio. Não
podendo deixar de evidenciar que as construções da ponte da amizade e da represa de Itaipú também
incidiram neste processo (MENEGOTTO, 2004).
Não podemos apontar que a presença dos brasileiros na fronteira do Paraguai tenha ocorrido
unicamente a partir das políticas governamentais do Brasil e do Paraguai. O que houve foi uma junção
entre o processo e de deslocamento populacional, devido ao fato de ocorrer concentração da propriedade
nos estados do Sul do Brasil, com os interesses geopolíticos tanto do governo brasileiro quanto do
paraguaio em controlar e desenvolver a região leste daquele país.
A modernização e mecanização da agricultura contribuíram para a expansão dos plantios de soja
na década de 1970, favorecendo o deslocamento de muitos agricultores, arrendatários e posseiros de
terras brasileiras para o Paraguai.
É nesse contexto que o governo ditatorial do Paraguai concretiza um amplo plano de colonização
agrícola na região de fronteira com o Brasil, promovendo a entrada de empresas e colonos estrangeiros
nas cidades fronteiriças do Leste Paraguaio.
Os conflitos existentes na fronteira que hoje se acirram cada vez com maior intensidade devem-se
ao governo ditatorial de Alfredo Stroessner, pois a ditadura implantada por Stroessner afetou
profundamente o contexto agrário na fronteira. Para compreender de forma mais detalhada os conflitos
de luta pela terra na fronteira, é necessário compreender a estrutura fundiária do Paraguai e a própria
organização do movimento camponês paraguaio, entretanto abordaremos de forma sucinta, assim como
no Brasil o grande conflito de terra é em virtude da concentração de terra, no Paraguai a tensão se acirra
em virtude de muitas propriedades serem de estrangeiros, sendo um grande percentual de brasileiros
proprietários de terras no Paraguai.
As disputas jurídicas pelos títulos das propriedades estão associadas aos conflitos de terra na
fronteira, os títulos das propriedades são sempre questionados, assim como os problemas com o meio
ambiente em área de cultivo de soja. Além do que foi apontado existe outro fator que vai além de um
conflito por terra, a problemática em relação à documentação dos imigrantes brasileiros, acarreta alguns
conflitos com a policia paraguaia, a presença de muitos brasiguaios que não possuem nenhuma
documentação, nem brasileira ou paraguaia, enquanto que outros imigrantes possuem o permisso² de
turista vencido.
É importante destacar que o governo paraguaio reformulou o estatuto agrário em 1963 permitindo
a venda de terras aos estrangeiros nas zonas de fronteira, até este período essa região era ocupada por
grupos indígenas e por empresas de extração da erva-mate, como por exemplo, a Mate Laranjeira.
Os imigrantes brasileiros, que obtiveram êxito socialmente durante as últimas décadas, são
reesposáveis por setores importantes da economia, da política e da cultura local em determinadas cidades
paraguaias, como por exemplo, em Santa Rita, Santa Rosa de Monday, Naranjal, San Alberto, etc.
É necessário apontar que o Leste do Paraguai teve uma forte colonização de imigrantes do Sul do
Brasil, em virtude desses sujeitos possuírem experiência no trabalho com lavouras, o discurso
governamental era que esses imigrantes desenvolviam uma “agricultura moderna”, e “civilizariam” os
paraguaios que não possuíam essa ideologia do trabalho, de acumulação e o desejo de crescer
economicamente.
Albuquerque (2010) salienta que “os imigrantes, principalmente aqueles que vieram do sul do
Brasil e que conseguiram ascender socialmente no Paraguai, assumem o discurso do progresso e de que,
portanto, são os únicos capazes de desenvolver um projeto de modernização no país”, assim esses
imigrantes brasileiros no Paraguai utilizam esse discurso de “pioneiros” e “trabalhadores” e que permeia
ainda em nossos dias. É a partir do discurso do trabalho que notamos a presença da mentalidade
capitalista do imigrante, que analisa o mundo a partir da lógica do trabalho e acumulação.
Os processos de mecanização e de concentração da propriedade da terra nessa faixa de fronteira
se ampliam a partir da década de 1970 e inicio de 1980, uma família de agricultores podia ter a
possibilidade de aumentar o plantio sem precisar contratar mais mão-de-obra.
A ação dos imigrantes brasileiros em seu início era basicamente com a exploração florestal
destinada ao mercado brasileiro, com o passar do tempo os colonos brasileiros instauraram gradualmente
uma agricultura baseada na revolução verde (genética e insumos químicos industriais). Cultivavam
primeiramente o trigo e a soja, cultivo que já era amplamente difundido no cenário rural do sul e sudeste
brasileiro.
A produção que antes tinha como base o milho, mandioca para a subsistência passa a ser trocada
pelo plantio de soja, é nesse processo que começam os deslocamentos de camponeses paraguaios e
brasileiros para outras frentes agrícolas no interior do Paraguai.
A partir desta imigração brasileira em terras paraguaias, construíram-se diversos estigmas entre
brasileiros e paraguaios, e que é reproduzido até para quem não faça parte do cotidiano da fronteira. Há
brasileiros que classificam os paraguaios como “bugres”, “falsificadores”, “sujos”, porém se auto
definem como “limpos”, “civilizados”, “trabalhadores”, “desenvolvidos”. Assim como há paraguaios
que classificam os brasileiros como “intrusos”, “narcotraficantes”, “imperialistas”, e se definem como
“paraguaios legítimos”.
Essa autoimagem de trabalhadores que os imigrantes brasileiros construíram não é um caso apenas
da fronteira entre o Brasil e o Paraguai, ela é tida em outros contextos fronteiriços, entre a fronteira da
Bolívia e o Brasil, os brasileiros apontam os bolivianos com os mesmo estereótipos que se referem ao
paraguaio.
As imagens que os imigrantes brasileiros constroem sobre os paraguaios e até mesmo sobre os
bolivianos é produto das relações de poder, pois o Brasil tem relativamente um poder maior econômico
e politico em relação ao Paraguai e Bolívia, dessa forma os imigrantes brasileiros se consideram
superiores aos bolivianos e paraguaios, entretanto essa imagem pode ser invertida em relação a um
imigrante brasileiro nos Estados Unidos, pois o imigrante brasileiro nos Estados Unidos é tido como
latino, pobre, intruso. Assim, podemos dizer que as imigrações possuem representações positivas e
negativas sendo construídas a partir de uma hierarquia entre nações.
A influência dos brasileiros em solos paraguaios perpassa diversos âmbitos desde politico,
econômico e até na própria cultura, a influência cultural predomina e vai desde a língua portuguesa,
meios de comunicação, religião, música, danças, tradições e culinária do Brasil na zona de fronteira.
Nas festas da Exposoja, que acontecem nessas localidades, sobressai a “cultura brasileira”, os
meios de comunicação, sobretudo os canais de TV brasileiros, reforçam o “domínio” da língua brasileira
nessas regiões nos últimos 20 anos.
A intensa força no poder econômico, político e cultural dos imigrante brasileiros no Paraguai tem
causado uma reação do movimento camponês, os conflitos entre empresários da soja e algumas esferas
da sociedade paraguaia têm provocado vários confrontos.
É importante compreender alguns elementos que configuram os conflitos de terra na fronteira, é
válido observar que o movimento campesino paraguaio não tem reivindicando apenas as propriedades
de brasileiros, mas sim também de outros estrangeiros que possuem latifúndios no Paraguai como os
suíços, coreanos, chineses, norte americano, etc.
O avanço da agricultura em território paraguaio, enraizado no modo de produção capitalista é o
grande gerador de conflitos agrários na fronteira, assim a fronteira entre o Brasil e o Paraguai não
constitui apenas como o limite entre o território de dois países, mas, constitui também como
possibilidade de novas relações de produção, sendo neste caso, relações capitalistas.
Um apanhado que podemos tirar de tudo que foi dito até aqui, é que os conflitos agrários na
fronteira entre o Brasil e o Paraguai se devem ao fato da expansão da fronteira agrícola no Paraguai,
tendo grande fator responsável as frentes de expansão interna brasileira, no qual foram orientados
inicialmente por planos políticos durante a década de 1960 e 1970 e continuam em processo de expansão.
Outro fato se deve a ausência do Estado Paraguaio na fronteira, principalmente durante a década de
1970, o movimento camponês paraguaio também compõe o cenário dos conflitos agrários, em virtude
de reivindicarem os territórios ocupados por estrangeiros, esses fatores compõem os pilares dos conflitos
agrários existentes na fronteira entre o Brasil e o Paraguai.
Ainda que, os camponeses paraguaios lutem e reivindique, a fronteira agrícola continua se
expandindo no território paraguaio, ampliando os conflitos de terra. A partir das questões que foram
apontadas até aqui, é possível constatar um conjunto de elementos que compõem a questão agrária na
fronteira entre o Brasil e o Paraguai, e dentro desses fatores os brasileiros desde o passado até o presente
fazem parte destes conflitos na fronteira, mas e os brasiguaios? Até aqui muito foi dito sobre o embate
entre os latifundiários e camponeses paraguaios, veremos a seguir qual a relação dos brasiguaios com a
fronteira e a luta destes sujeitos.
Os brasiguaios na fronteira
O termo “brasiguaio” possui inúmeros sentidos, porém é muito utilizado para definir os brasileiros
que vivem no Paraguai, entretanto ao colocarmos todos os brasileiros que vivem no Paraguai como
brasiguaio estaremos levando em consideração desde o grande produtor rural até ao despossuído de
cidadania, dessa forma devemos estar atentos ao utilizar o termo brasiguaio.
A existência dos brasiguaios está intimamente relacionada a expulsão de imigrantes brasileiros do
Paraguai por causa da concentração da terra, da mecanização da agricultura, do fim dos contratos de
arrendamento e dos créditos agrícolas durante a década de 1980, o termo foi criado em 1985, período
que teve retorno para o Brasil do primeiro grupo organizado de imigrantes brasileiros, termo este que
foi criado por um deputado federal do Mato Grosso do Sul durante uma manifestação de imigrantes na
cidade fronteiriça de Mundo Novo (MS).
Esses sujeitos retornaram para o Brasil com a esperança da realização da reforma agrária no Brasil,
assim muitos desses sujeitos que voltam para o Brasil e engajam-se nas lutas por retorno a terra,
entretanto o que nota-se atualmente que muitos desses sujeitos retornam para o Brasil apenas pelo motivo
de voltar para o país de origem e inserindo-se em trabalhos como “peões” de fazendas ou trabalhando
em outros ramos que não são necessariamente do campo, dessa forma atualmente o sujeito brasiguaio
retorna para o Brasil não apenas com intuito de voltar para a terra.
É muito comum desde os próprios “colonos” e a imprensa identificarem o sujeito brasiguaio como
uma “vitima”, mas também é muito comum nos meios de comunicação apontar os brasileiros detentores
de grandes propriedades como brasiguaios.
O termo brasiguaio deve ser entendido por aquele sujeito que é um imigrante brasileiro, pequeno
produtor que perdeu sua terra no Paraguai e que não direitos civis, políticos e sociais dos dois lados do
limite internacional.
Entretanto, é necessário levar em consideração que os brasiguaios são condenados muitas vezes
como “indesejáveis” e “perigosos” nos municípios brasileiros que fazem fronteira com o Paraguai, pois
as autoridades politicas brasileiros e os latifundiários brasileiros em suma temem que os “brasiguaios”
ameaçassem a ordem social destas cidades.
Aqueles imigrantes brasileiros mais pobres consideram-se e aceitam ser chamados de brasiguaios
em virtude que apenas dessa forma conseguem receber benefícios sociais nos dois países, e dessa forma
acabam não se sentindo estrangeiros no Brasil e no Paraguai.
No entanto, o termo “brasiguaio” não é benquisto pelos brasileiros ascenderam economicamente
e politicamente, pois o termo ainda está associado aos sujeitos que não apresentam documentos e que
são pobres. Isso demonstra evidentemente uma distinção de classe entre aqueles brasileiros que
ascenderam- se socialmente e aqueles brasileiro despossuídos de qualquer direito.
Dessa forma, o sujeito brasiguaio enfrenta muitas dificuldades desde a falta de escolas para os
filhos, a perca de suas propriedades adquiridas no Paraguai, pois são diversos os casos de pequenos
agricultores que obtiveram terras “griladas”, outra dificuldade enfrentada por esses sujeitos é em relação
à documentação pessoal de estrangeiro, que os submetem a corrupção das autoridades paraguaias.
Constata-se, que a permanência dos brasiguaios em terras paraguaias engloba um conjunto de
fatores políticos, econômicos, jurídicos, e culturais, não deixando de lado a expansão do agronegócio e
a modernização da agricultura no Paraguai, evidencia-se que fatores como irregularidades na
documentação das terras, discriminação, corrupção, falta de seguridades sociais, escola, são também
fatores que dificultam a permanência dos brasiguaios em terras paraguaias.
É a partir dessas dificuldades que muitas das famílias foram motivadas a sair do Paraguai, surgindo
assim o movimento dos brasiguaios em meados da década de 1980 é necessário compreender que o
processo de retorno do migrante brasileiro iniciou-se não apenas por dificuldades financeiras.
O migrante brasiguaio ao migrar tinha como finalidade principal obter terras, entretanto por
inúmeras adversidades acaba perdendo as terras adquiridas no Paraguai ou não conseguindo o objetivo,
com isso retornam para o Brasil engajados na luta para conquistar um pedaço de chão, por cidadania e
melhores condições de vida, em muitas vezes esses sujeitos acabam vinculando-se ao MST.
Podemos compreender melhor a distinção entre “brasiguaios” e “brasileiros no Paraguai” a partir
da inserção do sujeito brasiguaio nos movimentos sociais, segundo Ferrari (2007), os pequenos
agricultores e trabalhadores volantes do meio rural e urbano são reconhecidos como brasiguaios, o que
não acontece com médios e grandes produtores de soja, dessa forma indicando que a formação da
identidade de brasiguaio está assentada numa relação de classe.
É necessário compreender que o brasiguaio ao retornar para o Brasil acaba passando por um
processo de reterritorialização, dessa forma é necessário conceituarmos a territorialidade, que é um
conjugado de relações que se estabelecem espacialmente seja de forma coletiva ou individual.
A territorialidade nossos laços com o território, numa concepção bastante aberta
“pode ser definida como o conjunto de relações que desenvolve uma coletividade
– e, portanto um indivíduo que a ela pertence – com a exterioridade e/ ou a
alteridade por meio de mediadores ou instrumentos”. HAESBAERT (2007, p.23).
Assim o que ocorreu com o brasiguaio é que o mesmo ao retornar para o Brasil teve que passar
por um processo de reterritorialização, ou seja, o mesmo teve que construir seu novo território e uma
nova identidade, a identidade de brasiguaio.
É necessário compreender que muitos camponeses expropriados no Brasil que buscaram
oportunidades em terras paraguaias não tiveram possibilidade de enraizamento, fazendo esses sujeitos
serem territorializados precariamente, são esses sujeitos que vivenciam uma mobilidade constante, ora
no Paraguai, ora no Brasil, onde os vínculos que estabelecem são provisórios.
Torna-se necessário apontar que existe um sujeito social brasiguaio presente nos movimentos
sociais de luta pela terra, mas existe também, principalmente nos dias atuais, um sujeito em constante
mobilidade na fronteira, territorializados de forma precária, pois não encontra possibilidade de
permanência em terras brasileiras, faz-se necessário urgentemente que existam politicas públicas que
atendem este sujeito brasiguaio possibilitando seu retorno para o Brasil.
Portanto, o conflito na fronteira não ocorre a partir da identidade e nação dos diferentes sujeitos,
mas esta ancorada na classe social a que eles pertencem, e em meio a esses conflitos de terra na fronteira
entre o Brasil e o Paraguai encontram-se os brasiguaios, camponeses paraguaios e os grandes
proprietários de terras.
Algumas considerações finais...
Este trabalho teve como objetivo deixar o legado que é necessário compreender que a fronteira
não é algo estático, mas envolve uma construção histórica se deparando com diversas situações, como
por exemplo, ela tem sido atualmente empregada como ampliação da agricultura de exportação.
É na fronteira que coabitam diferentes sujeitos, tempos, trajetórias e cada elemento que configura
a fronteira se expressa de forma particular, assim é necessário ter como primeiro passo ao tratar as
questões fronteiriças, levar em consideração as pessoas que fazem parte deste processo, dessa forma este
trabalho buscou apontar como os sujeitos brasiguaios estão envolvidos nos conflitos agrários da
fronteira.
Embora, os campesinos paraguaios lutem por um pedaço de chão, a fronteira agrícola continua se
expandido como foi apontado no decorrer do trabalho, conforme essa expansão da fronteira agrícola
aumenta acirra-se os conflitos por terra e expulsam camponeses paraguaios e brasiguaios de suas
pequenas propriedades em favorecimento da agricultura de exportação. Os conflitos não se tratam apenas
de questões econômicas e politicas, vai, além disso, perpassando por questões culturais e simbólicas.
Deste modo, o que é visto nos conflitos de terra na fronteira é a colisão entre os imigrantes
brasileiros empresários da soja e os campesinos paraguaios, e no meio desse conflito se encontram os
brasiguaios, ora apoiando os campesinos paraguaios.
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