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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
A LINGUAGEM E O HOMEM: POR UMA VISÃO INTERACIONISTA DA LINGUAGEM
POR:
DANIELLE LEPORAES PEDRO
PROF. MESTRE MARCOS A. LAROSA
Rio de Janeiro, agosto de 2001
“Que as palavras que eu falo não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor. Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimento.” (Oswaldo Montenegro)
AGRADECIMENTOS
A todos aqueles que me ajudaram a percorrer este caminho,
incentivando-me nos momentos de fraqueza e me acompanhando nos momentos de
sucesso.
Aos meus pais, à minha avó, ao meu marido e a minha irmã, que
compreenderam o meu caso de amor com a Linguagem e que por vezes se privaram
da minha companhia, mas mesmo assim, me incentivaram nesta paixão.
SUMÁRIO
RESUMO .............................................................................................................01 CAPÍTULO I: Introdução.......................................................................................02 CAPÍTULO II: Breve Histórico sobre os Estudos de Aquisição de Linguagem....04 CAPÍTULO III: Quem Adquire a Linguagem?.......................................................11 CAPÍTULO IV: A Interação...................................................................................12 CAPÍTULO V: Conclusões Finais.........................................................................17 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:.....................................................................18 BIBLIOGRAFIA:.....................................................................................................20
RESUMO
Psicologia, Lingüística, Filosofia e Psicanálise são algumas disciplinas
para onde convergem hipóteses sobre a aquisição da linguagem. Todavia, todas as
hipóteses têm como base a questão de como o ser humano consegue se inserir no
sistema lingüistico de que faz parte em tão curto espaço de tempo.
O presente trabalho tem como objetivo principal fazer um percurso
histórico pelas teorias que falam sobre a aquisição da linguagem, dando ênfase ao
modelo interacionista.
CAPÍTULO I
INTRODUÇÃO
A aquisição da linguagem representa um dos importantes marcos do
desenvolvimento humano. Conseguimos em pouco tempo um repertório variado de
vocábulos e sentenças apesar da forma complexa que a linguagem possui.
Mas o que é linguagem? Podemos denominar LINGAUGEM “qualquer meio
que serve para expressão de sensações e idéias”, ou como “o conjunto de sinais
empregados e interpretados pelo homem”, ou como “um sistema de palavras nascido
na vida social que objetiva a expressão de idéias e sentimentos”. Ainda que haja
várias definições de linguagem, em todas tal conceito concebe-se como um sistema
simbólico que constitui um meio de comunicação e que apresenta uma relação
convencional e arbitrária entre significante e significado. Esta comunicação pode
ocorrer de várias formas: verbal (aquela que tem por unidade a palavra) e a não-
verbal que apresenta outros tipos de unidade (o gesto, a imagem, a nota musical e
outras).
A linguagem é a capacidade que o ser humano tem de produzir e de
compreender sons que adquirirem determinados significados. Este conhecimento
possibilita a combinação de palavras formando várias sentenças ao ser humano.
Para estudar a aquisição da linguagem, há quatro formas de se pensar o
sujeito desta linguagem, o que leva a diferentes concepções de linguagem:
1- Subjetividade Apriori – é aquela em que o sujeito é considerado
como universal e autônomo. É uma visão naturalista e inatista do sujeito; a
linguagem corresponde a um conjunto de regras objetivas que são pré-
existentes ao sujeito. Cabe ao indivíduo captar estas regras em algum
momento do seu desenvolvimento. Este é o sujeito da teoria de Chomsky;
2 – Subjetividade como Resultado da Aprendizagem – onde o sujeito é
entendido como uma “tábula rasa” e através da experiência, aprende e
adquire comportamentos. Desta forma, a linguagem é mais um
comportamento que faz parte do seu repertório. Este é o sujeito dos
behavioristas Watson e Skinner;
3 – Subjetividade como Resultado da Articulação entre Pressupostos
Apriorísticos e Pressupostos Construtivistas – o sujeito será pensado já
como possuidor de potencialidades (pertencentes a ele) mas que só se
desenvolverão quando em interação com o meio. A linguagem é definida
como um conjunto de regras que o sujeito capta e desenvolve quando inserido
em um meio social. Esta é a forma como Piaget encara o sujeito e a
linguagem;
4 – Subjetividade Socialmente Construída – onde a subjetividade é
construída a partir da experiência social e entendida como um conjunto de
regras normativas oriundas da prática social (interação entre os sujeitos).
Para Vygotsky, este sujeito será uma consciência constituída;
A proposta do presente trabalho foi a de:
1) analisar as diversas concepções lingüísticas e suas implicações em relação aos
sujeitos construídos pelas teorias.
2) identificar qual é a prática mais adequada para viabilizar a aquisição lingüística.
CAPÍTULO II
BREVE HISTÓRICO SOBRE OS ESTUDOS DE AQUISIÇÃO
DE LINGUAGEM
Como se pode perceber, há várias concepções de sujeitos que estão
subjacentes às várias concepções de linguagem, das quais decorrem as várias
formas de compreensão desta aquisição.
Não podemos afirmar que os estudos sobre a aquisição da linguagem
sofreram uma evolução ao longo do tempo, pois hoje em dia encontramos estas
teorias convivendo paralelamente. Além disto, cada teoria surgiu em um
determinado período da história humana, em um determinado contexto social que a
influenciou direta ou indiretamente.
• CHOMSKY
Na década de 60, culmina um grande interesse em estudar o conhecimento
subjacente da criança, isto é, aquilo que a criança conhece e o que lhe possibilita
falar. N. Chomsky se insere neste contexto, pois na sua concepção, é impossível
explicar o aprendizado da linguagem pela imitação e/ou reforço.
Chomsky (1980) afirma que o motivo que o levou a estudar a
linguagem foi a possibilidade de vê-la como um espelho do espírito, pois os
conceitos expressados e as diferenças desenvolvidas no uso normal da linguagem
não apenas revelam os modelos de pensamento construídos pela mente como
podem levar, através do seu estudo, aos princípios básicos que governam a sua
estrutura e uso.
Baseado na pergunta de Russell (1980) “de que modo os seres humanos,
cujos contatos com o mundo são tão breves, pessoais e limitados conseguem apesar
de tudo chegar a saber tanto quanto sabem?”1. Chomsky vai tentar explicar a
aquisição da linguagem. A linguagem para Chomsky (1971) se apresenta em dois
planos: o plano da competência lingüística e o plano do desempenho. O termo
“competência lingüística” refere-se ao sistema de conhecimento e de crenças que se
cria na primeira infância; é o conhecimento que todo falante tem da própria língua
que fala e de suas regras. Então, a competência de todos os falantes de uma
mesma língua é comum. Já o termo “desempenho” refere-se ao uso da linguagem.
Chomsky descreve a linguagem como um grupo de sentenças-núcleos,
adicionando regras de transformação a fim de alterar tais núcleos.
Chomsky se dedica ao estudo da competência, pois para ele a criança, no
momento em que aprende, compreende o conjunto de regras. Para Chomsky ocorre
um objetivismo lingüístico, pois a linguagem é concebida como pré-existente ao
sujeito e consiste em regras objetivas que em algum momento de sua história, o
sujeito assimilará.
Este posicionamento diante da linguagem acarreta em um determinado
modelo de sujeito. O sujeito que capta estas regras pré-existentes é um sujeito
universal e autônomo que independe do contexto em que está inserido, e que terá
sempre algo em comum com os outros sujeitos, pois possui dados próprios à
essência humana, como o LAD ( dispositivo de aquisição de linguagem ).
Como ocorre a aquisição da linguagem na perspectiva chomskiana? A
criança aprende a língua partindo dos dados do desempenho para chegar à
competência. Então, o aprendizado da linguagem é, na verdade, um aprendizado de
regras ou princípios básicos para a formação de sentenças. O ser humano porta em
sua essência um mecanismo inato voltado à linguagem, o LAD, que se ativa quando
a criança é exposta a linguagem, captando os dados do meio ( o desempenho
lingüístico ). Traça, então, hipóteses, volta ao meio para testá-las e se estas
hipóteses são confirmadas, viram regras, criando-se assim, a competência lingüística
que é composta de dados inatos e dados ambientais.
1 Russel, B. apud Chomsky,1980, pág. 10
Com a postulação do LAD, Chomsky afirma que a criança não precisa estar
diretamente exposta a outro ser humano, não precisa haver interação para que uma
língua seja aprendida.
• SKINNER
Skinner especula sobre a origem da linguagem dizendo que o ser humano
sempre teve um aparato fonador que permitia a produção de ruídos, quando os
homens começaram a trabalhar juntos na caça, na pesca, e na construção de
abrigos. Estas situações propiciaram o surgimento de respostas verbais
rudimentares que evoluíram para a fala que hoje o homem possui a partir das
contingências de reforço.
Em “Verbal Behavior” (1957), Skinner se dedica ao estudo da linguagem se
propondo a realizar uma análise funcional do comportamento verbal. Este
comportamento verbal é um comportamento operante como qualquer outro.
Distingue-se porém, das outras formas de ação humana na medida em que, por seu
intermédio, o sujeito age apenas indiretamente sobre o meio. Logo, o
comportamento verbal é aquele cujas conseqüências só se fazem sentir pela
mediação de outras pessoas, isto é, este comportamento é reforçado por intermédio
de outras pessoas. Para ser fortalecido pelo estímulo social é necessário que uma
resposta apareça ao menos uma vez.
Skinner (1982) afirma que este comportamento se divide em mandos e tatos.
O mandos é o operante verbal da conduta imperativa, é estimulado por uma conduta
de necessidade e reforçado por uma conseqüência (ou ação) específica. O tatos é a
expressão verbal nominativa, é o comportamento de nomeação, de contato.
Skinner (1982) critica a explicação mentalista da linguagem. Na sua opinião
os mentalistas dão à linguagem um caráter de entidade, o que faz esta concepção
ser pouco produtiva, pois não se pode analisá-la através dos padrões científicos.
Quando a criança está aprendendo a falar, as condições em que o seu
comportamento é reforçado são extremamente vagas e, em geral, qualquer resposta
que se aproxime do comportamento padrão da comunidade é reforçada. Na medida
em que estas respostas começam a surgir com mais freqüência, ocorre uma ação
seletiva das contingências de reforço, passando a existir uma exigência de uma
precisão maior.
É quase impossível descobrir que estímulos levam uma criança muito jovem a
dar uma resposta verbal específica, mas não há nada de estranho na velocidade
com que a criança adquire um repertório verbal, pois ela aprende a linguagem com a
mesma velocidade com que assimila respostas não-verbais. Para que a linguagem
seja adquirida, só nos resta esperar que uma dada resposta ocorra para que a
reforcemos. Este reforço continua, posteriormente, a ser importante para a
manutenção da força das respostas.
Então, a aquisição da linguagem se faz presente pela ação do reforço sobre
os comportamentos verbais emitidos, provocados por estímulos desconhecidos.
Conclui-se, então, que a comunicação oral é um comportamento aprendido.
• PIAGET
Piaget era biólogo e inspirou-se na Biologia para abordar questões relativas ao
desenvolvimento do pensamento. Seu interesse pelo desenvolvimento infantil se
deu em função do interesse epistemológico de como o conhecimento é possível.
Para Piaget, os conhecimentos progridem, isto é, modificam-se. Então, os
conhecimentos que uma criança tem são diferentes dos conhecimentos que um
adulto tem. Desta forma, o desenvolvimento intelectual da criança foi um laboratório
para Piaget. Ele tentará verificar como ocorre a evolução dos conhecimentos.
Na sua opinião, os conhecimentos se formam, têm uma gênese, ou melhor,
uma psicogênese (gênese da capacidade cognitiva). Toda estrutura comporta uma
gênese e toda gênese é biológica, isto é, tem uma base orgânica. Segundo
Bringuier (1978), Piaget recua até a gênese, porém não cai em um inatismo, pois o
sujeito não é passivo, e sim age sobre o meio (desenvolve-se a partir dos
mecanismos de acomodação e de assimilação).
Piaget acreditava que o desenvolvimento intelectual ocorre da seguinte
maneira: no início só há o organismo e os invariantes funcionais (mecanismos de
assimilação e acomodação). Então, as estruturas orgânicas começam a funcionar
segundo estes invariantes funcionais produzindo as estruturas psicológicas
(estruturas intelectuais). Piaget (1936) afirmava que a fisiologia do corpo fornecerá a
montagem hereditária, inteiramente organizada e virtualmente adaptada, mas que
ainda não funciona. As estruturas intelectuais ou psicológicas começam com o
exercício dos mecanismos de assimilação e acomodação do meio. Desta forma,
ninguém nasce inteligente, o indivíduo nasce com o organismo e os invariantes
funcionais e num dado momento a inteligência se organiza.
Charles (1975) considera Piaget como um dos mais importantes teóricos do
desenvolvimento intelectual humano. E lista as principais idéias de Piaget:
• “As crianças têm estruturas mentais diferentes das dos adultos. Não são
adultos em miniatura; elas têm seus próprios caminhos distintos, para
determinar a realidade e para ver o mundo.
• O desenvolvimento mental infantil progride através de estágios definidos.
Estes estágios ocorrem numa seqüência fixa – uma seqüência que é a
mesma para todas as crianças.
• O desenvolvimento mental é influenciado por quatro fatores relacionados
entre si:
a) Maturação – amadurecimento físico, especialmente do sistema nervoso
central.
b) Experiência – manipulação, movimento e pensamento sobre objetivos
concretos e processos de pensamento que os envolvem.
c) Interação social – jogo, conversa e trabalho com outras pessoas,
especialmente outras crianças.
d) Equilibração – o processo de reunir a maturação, a experiência e a
socialização de modo a construir e reconstruir estruturas mentais”.2
2 Charles,1975,pág. 1-2)
Piaget vê a linguagem como uma expressão do pensamento do sujeito. O
sujeito pré-existe a tal linguagem, e a criança a adquire durante o seu
desenvolvimento. A linguagem não é suficiente para explicar o pensamento, porém
ela é extremamente necessária.
Piaget divide o discurso da criança em dois tipos: egocêntrico e socializado. O
discurso egocêntrico e socializado. O discurso egocêntrico não se dirige a ninguém,
é um pensamento em voz alta que acompanha a ação. Não importa o interlocutor,
nem se este está compreendendo ou não. A criança, geralmente, parte do princípio
de que seu ouvinte entende tudo o que ela está falando ou desenvolve um
monólogo, ignorando o ponto de vista do seu interlocutor.
Assim como ocorre com a inteligência, a linguagem evolui de uma maneira
mais egocêntrica para uma forma socializada, além de ir se refinando e se
integrando em sistemas simultâneos.
Piaget (1979) afirma que na linguagem socializada das crianças antes dos
sete anos ainda não há o objetivo de comunicar o pensamento, pois o egocentrismo
ainda é muito forte. Desta forma, todo simbólico da criança é egocêntrico e ela não
consegue sair do seu ponto de vista e se colocar no lugar do outro. É a pressão
social que vai fazer com que a criança saia deste discurso egocêntrico.
O sujeito piagetiano se constrói a partir da interação com o meio. Ele cria a
partir do seu corpo biológico tanto a inteligência quanto a linguagem.
Piaget traz o germe da interação homem-meio e abre as portas para uma
visão interacionista da aquisição da linguagem.
• VYGOTSKY
Não é possível falar em Piaget sem lembrar da polêmica existente entre ele e
Vygotsky.
No desenvolvimento da criança, existe um período pré-lingüístico do
pensamento e um período pré-intelectual da fala: o pensamento e a palavra não se
encontram relacionados por uma relação primária (não há dependência específica
entre as raízes genéticas do pensamento e as raízes da palavra). Durante o
desenvolvimento vão se fazendo conexões entre eles. De acordo com Vygotsky
(1992) há uma evolução da linguagem e outra do pensamento em que um passa a
alterar o outro, ou seja, linguagem e pensamento passam a se influenciar
mutuamente, ficando assim, ligados de uma forma dialética. O pensamento passa a
ser verbal e a linguagem neural. É através do significado que a ligação pensamento-
linguagem vai se fazer.
Segundo Castro (1992), o pensamento de Vygotsky sofre muitas mudanças
quando se torna linguagem não sendo, portanto, esta um simples instrumento de
expressão. Para ele, é através da linguagem que o pensamento ganha realidade e
forma.
Para Vygotsky (1989), a forma mais primitiva de discurso é o diálogo, pois o
discurso sempre é social, isto é, uma fala externa que se dirige a alguém, e logo, há
uma comunicação. O monólogo surge, em um dado momento, como uma subdivisão
deste discurso. O discurso egocêntrico pode ser considerado um discurso que aos
poucos vai se internalizando (onde o falante e o ouvinte acabam sendo a mesma
pessoa) e vai desempenhar a função de organizar o pensamento na situação
problema.
Segundo Vygotsky (1989), a criança, quando nasce, é essencialmente social,
a medida que vai crescendo vai havendo uma diferenciação e uma individualização.
Aos sete anos, o discurso egocêntrico está mais próximo do discurso internalizado,
sendo mais incompreensível.
Vygotsky vai dizer que:
“(...) Essencialmente, o desenvolvimento da fala interna depende de fatores
externos: o desenvolvimento da lógica da criança, como mostram os estudos
de Piaget, é uma função direta da sua fala socializada.”3
Para Vygotsky, então, o outro tem um papel de destaque desde o início, ele
está sempre presente e auxiliando na constituição da consciência do sujeito, para
que “a posteriori” o sujeito possa internalizar o seu discurso.
3 Vygotsky,1962, pág.51
CAPÍTULO III
QUEM ADQUIRE A LINGUAGEM?
Na linguagem independente do modelo que a descreva, há sempre alguém
que a adquire, há sempre um sujeito, e o sujeito que porta a linguagem é no início
uma criança.
Para Kramer (1982), a dependência da criança frente ao adulto é uma
característica social da infância que está presente de uma forma ou de outra nas
diversas classes sociais, em qualquer que seja a organização da sociedade. Trata-
se de um fato social. Contudo esta dependência varia de acordo com a classe
social.
Todas as teorias têm uma idéia geral de que as crianças portam em si um
potencial, uma capacidade para o desenvolvimento. A diferença está no
pensamento que norteia a teoria. De acordo com ele a criança vai ser vista de
determinada maneira, por exemplo: para Chomsky a criança tem uma essência inata
e não precisa de ninguém para aprender a falar.
A criança para o modelo interacionista é uma criança que tem um potencial,
porém precisa entrar em contato com o mundo para poder atualizá-lo, precisa do
outro para se desenvolver. Caso não haja este contato, esta troca, a criança ficará
só e não se desenvolverá adequadamente.
CAPÍTULO IV
A INTERAÇÃO
Este capítulo se dedicou a falar sobre um modelo de aquisição de linguagem
que teve sua semente com Piaget e Vygotsky, o modelo interacionista de aquisição
da linguagem.
Segundo McCormick (1984) um interacionista imagina o desenvolvimento
cognitivo determinado pela atividade adaptativa, o sujeito interage com o meio e
gradualmente altera e é alterado por este. Contudo, não negam a influência
biológica que é inata, pois como diz Carroll (1972) o único elemento hereditário na
linguagem é o fato de a criança nascer com um equipamento biológico complexo que
lhe permite aprender e produzir linguagem.
A criança não é um espaço vazio, nem um recipiente passivo, “é um
adaptador” que nasce com propriedades gerais para perceber, organizar e interceder
de maneira correta no mundo. Em síntese, a criança nasce preparada para aprender
a falar e o ambiente a ensina.
Existe um corpo (a criança) e um outro que vai nomear este corpo, nomear
suas necessidades, vontades e objetos. Em suma, há um outro que nomeia o
mundo para o sujeito e isto só ocorre através da interrelação.
O interesse pelo processo de aquisição da linguagem levou a muitas
investigações. As primeiras buscavam auxiliar o desenvolvimento da linguagem em
crianças institucionalizadas e/ou portadoras de retardo mental. Estas propiciaram o
surgimento da abordagem tradicional didática de intervenção de linguagem feitas em
salas de terapia, que se utilizavam de treinamentos com reforçamento diferencial,
modelagem, imitação, repetição das tentativas, trabalhando com articulações e
fonologia para ensinar vocabulário, sintaxe e morfologia, habilidades lingüísticas
iniciais e treinamento de imitação vocal e motora, contudo esta forma de agir
esbarrava com a dificuldade de desenvolver na criança a habilidade de emitir e
entender enunciados verbais apropriados ao contexto social onde são produzidos,
isto é não garantiam a generalização lingüística.
Foi neste espaço deixado pela abordagem tradicional que surgiu a abordagem
naturalista empunhando a bandeira de que a intervenção da linguagem devia facilitar
a capacidade da criança de usar suas habilidades comunicativas em todas as
situações de sua vida. Esta abordagem enfatiza a linguagem usada nas
intervenções comunicativas que afetam o ouvinte de forma específica e
generalizada.
O modelo de intervenção em linguagem naturalista vai se apoiar em cinco
teorias:
• A Teoria da Comunicação – elaborada na década de 60 demonstra que
todo o comportamento comunica algo; os comportamentos se afetam
mutuamente, isto é, o comportamento de um indivíduo afeta e é afetado pelo
comportamento de outro indivíduo.
O modelo interacionista destaca desta teoria a função comunicativa que o
comportamento adquire ao produzir efeitos no meio e o desenvolvimento da
linguagem no contexto das interações sociais, nas quais os comportamentos
dos sujeitos funcionam num sistema articulado de influências mútuas.
• Teorias do Desenvolvimento Infantil – ressaltam as relações entre a
linguagem, a afetividade e a cognição, além da importância da interação mãe-
bebê.
A relação mãe-bebê é importante para que o bebê se sinta e possa explorar o
seu ambiente, pois esta relação propicia várias oportunidades para que a
aquisição da linguagem ocorra.
• A Pragmática – segundo esta teoria a aquisição da linguagem se
constitui como um dos aspectos do desenvolvimento social. A linguagem se
desenvolve em contextos funcionais a partir de intenções sociais e pessoais
que dão a linguagem um propósito (a comunicação e a interação social).
• A Teoria Behaviorista da Linguagem – a linguagem é um
comportamento como outro qualquer adquirido por reforçamento.
Esta ótica propicia aos pesquisadores da abordagem naturalista/interacionista
uma análise experimental do comportamento.
• Teoria Geral dos sistemas – Mc Donald (apud Nunes) afirma que
eventos interativos tais como a comunicação são descritos como fenômenos
que existem dentro de um sistema de “feedback”, onde cada evento tem
efeitos recíprocos sobre outros eventos, desta forma, não pode ser explicado
isoladamente.
O modelo interacional implícito no modelo de intervenção naturalista, coloca a
importância da contribuição da mãe para o aprendizado da linguagem e o
desenvolvimento cognitivo e emocional da criança. Para ele o elemento afetivo é
fundamental no mecanismo de aquisição da linguagem, pois para se comunicar é
necessário que a criança faça um laço afetivo com alguém.
A mãe ou a pessoa que desempenha esta função é quem propicia a entrada
da criança no mundo, é ela que vai nomear o mundo para esta criança. É a primeira
troca que esta criança faz com o mundo.
A fala da mãe passou a ser estudada na medida em que a aquisição da
linguagem é vista como interação. Esta fala com características especiais passou a
ser chamada de “baby talk”.
Mas o que é o “baby talk”? É a fala da mãe que imita a fala da criança tal
como esta fala. Esta fala tem as seguintes funções: ganhar e manter a atenção da
criança, estabelecer laços afetivos entre a criança e o adulto e facilitar a
comunicação com a criança.
Este modelo enfatiza a linguagem funcional (linguagem entendida como
utilizada na interação comunicativa). Alega que a utilidade de um signo (significante
e significado) é estabelecida através da experimentação dos eventos que foram
produzidos pela emissão de uma verbalização. Segundo Warren, “a criança aprende
a usar determinados sons ou combinações de sons para controlar intencionalmente
seu ambiente imediato de forma a satisfazer as suas necessidades.
Para que esta linguagem se desenvolva, há necessidade de que a família ou
as pessoas que circundam a criança respondam aos comportamentos desta.
Através dos vínculos afetivos que a criança cria e mantêm com estas pessoas a
deixa disponível para aprender e falar. Estas pessoas ensinam coisas sobre o
mundo (nomeiam este mundo), as quais a criança demonstra interesse. Desta
forma, a criança aprende a definir as coisas que estão ao seu redor partindo de suas
necessidades.
Segundo Carroll (1972) são relevantes para o aprendizado da linguagem três
seqüências de desenvolvimento, que são:
• desenvolvimento da capacidade de reconhecer, identificar, discriminar,
manipular as características e processos do mundo que existe ao redor do
indivíduo (desenvolvimento cognitivo).
• desenvolvimento da capacidade de discriminação e compreensão dos
sons.
• desenvolvimento da capacidade de produzir sons (ou seqüência de sons)
cada vez mais próximos dos padrões da fala do adulto.
Não se descarta, apesar do papel importante do outro, que há também o papel
do aparato neuro-biológico do indivíduo.
Segundo Nunes (1992), a prática deste modelo consiste em:
• Ensinar a linguagem nas atividades rotineiras do ambiente natural da
criança;
• Ensinar no contexto das interações verbais normais da criança, onde seu
interesse e a atenção imediata são o fio condutor de todo o ensino, ou seja,
ensina-se a linguagem de acordo com a demanda da criança, pois não adianta
ensinar palavras, ou sentenças se ela não está interessada naquilo que
estamos nomeando e sim em outra coisa;
• Utilizar reforçadores funcionais indicados pela própria criança, estes
reforçadores não se resumem a repetir o que a criança fala, o próprio acesso
ao objeto solicitado pela criança serve como reforçador.
CAPÍTULO V
CONCLUSÕES FINAIS
O lado humano psíquico não serve para nada se não houver um lado físico.
Desta forma, é lógico que o aparato biológico herdado geneticamente dos pais, tem
um papel extremamente relevante, porém o corpo humano, sem ter uma relação de
alteridade com o outro, é apenas um corpo, pois é o outro que oferece o mundo a
este corpo, que nomeia este mundo e este corpo, que transforma este corpo em
sujeito.
A aquisição da linguagem se dá pela conquista da relação com o outro, onde o
sujeito aprende a sua língua. Então a linguagem é alguma coisa pré-existente ao
sujeito, mas também é criada por ele em sua troca com o mundo. Ela se processa
como um “feedback” entre as pessoas que interagem e/ou entre o indivíduo e o
mundo que o cerca.
Não se pode afirmar que o contato seja o único responsável pela aquisição da
linguagem, pois há várias coisas em jogo, como o corpo físico, as emoções,
sensações e os comportamentos adquiridos, etc. Todavia uma boa afinidade
representa um grande passo no caminho do relacionamento e da aquisição da
linguagem.
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