Post on 26-Mar-2021
A Intertextualidade em releituras da obra Última Ceia de Leonardo
Da Vinci Letícia Ribeiro Monteiro1
Resumo: Leonardo da Vinci sem dúvidas foi um nome célebre e marcante na história da humanidade. Não tinha muitos recursos financeiros, porém, os recursos científicos, artísticos, criativos e inovadores ficaram marcados na história da humanidade há 500 anos. Em sua vida como pintor, obras como A Anunciação, A Virgem das Rochas, Homem Vitruviano, Salvator Mundi, Mona Lisa, A Última Ceia, ganharam notoriedade no mundo todo. Muitas delas ganharam releituras em diversos géneros e modos semióticos. A última mencionada, A Última Ceia, será analisada neste trabalho como ponto de partida de conceitos que envolvem intertextualidade e intericonicidade como forma de releituras em diferentes textos. Portanto, o objetivo será compreender a intertextualidade e os diálogos presentes em textos de diferentes modos semióticos a partir da análise da obra “A última ceia” de Leonardo da Vinci. Para isso, se utilizará como corpus de uma escultura de aleijadinho e uma paródia de A Última Ceia. Para a análise será usando o modelo de intertextualidade/intericonicidade apresentado por Leonardo Mozdzenski (2013). Como resultado, percebemos que há diálogo intertextual entre textos de diferentes modos semióticos. Palavras-chave: intertextualidade; inconicidade; releitura
Introdução
A obra de Leonardo da Vinci, intitulada como A Última Ceia, foi uma
encomenda ao artista para a ornamentação de um convento em Santa Maria
Delle Grazie, em Milão (MENDES, 2008). A referida obra, passou por um
processo de cerca de dois anos de construção, 1495-1497, ficou por muitas
vezes inacabada, com avarias e deterioramentos, fazendo com que o próprio
autor a restaurasse várias vezes. Além, disso, até a atualidade, a obra passou
por vários processos de restauração, assim que, é de difícil definição a
1Graduada em Letras e mestranda do PPGCIMES/UFPA; leticiaribeiromonteiro@outlook.com
originalidade exata da obra inicial. A própria obra teria passado por um processo
de releitura.
Por outro lado, vale ressaltar que a mesma, a qual utiliza a narrativa
imagética, faz menção a uma narrativa bíblica, que se encontra no Evangelho
de Segundo Mateus 26, 20-29. Portanto, a obra A Última Ceia é uma releitura
de uma narrativa que utiliza a linguagem verbal na modalidade escrita. As obras
dialogam entre si, transmitem significados e experiencias ao expectador. Vale
ressaltar que vários artistas, inclusive anteriores a Da Vinci, já haviam pintado
obras baseadas na narrativa bíblica. No entanto, será possível que haja diálogo
entre a obras? Qual sentido transmitido nas mesmas? Há sentido? Será se os
diferentes autores tiveram as mesmas intenções?
Pensando em estes problemas e indagações, optou-se por analisar duas
obras a partir da obra principal, ambas imagéticas. Uma imagem e um cenário
com esculturas. Para analisar a produção de sentidos e o diálogo que há entre
eles, buscou-se na intertextualidade e na intericonicidade dados que norteassem
e baseassem esta pesquisa. Também, escolheu-se o autor Leonardo
Mozdzenski (2013), que elaborou um modelo afim de representar a
intertextualidade através da forma e da função. Acredita-se que com esse
modelo é possível observar se há relação dialógica ou não entre as obras
analisadas.
Conteúdo
Araujo (2014) afirma que os diversos textos, sejam eles utilizando a forma
verbal ou imagética, necessitam diferentes formas de percepção. O texto verbal
se difere do texto visual, e cada um é um meio de interação. Essa interação:
“permite ao usuário da língua, tanto produzir como interpretar textos compostos
por diferentes semioses, está diretamente ligado ao fenômeno da
intertextualidade” (ARAÚJO, 2014, p. 03).
A intertextualidade surgiu como nomenclatura utilizada pela primeira
através da autora Julia Kristeva, segundo Cavalcanti (2008), no entanto,
segundo a mesma, a noção já fora trabalhada por Bahkitin, quando menciona a
influencia que textos exercem sobre outros. “Para que haja a compreensão
desse texto é necessário que o leitor recupere os intertextos. [...] Os textos não
aparecem sozinhos, mas numa relação com outros textos.” (CAVALCANTi,
2008, p.41) Ou seja, para a autora, um texto será a junção de vários outros.
Seguindo essa linha de raciocínio, Mozdzenski (2013) afirma que um texto não
surge do nada e que ele sempre vai dialogar com os textos anteriores,
relacionados ao mesmo tema, e aqueles que ainda virão a ser criados. Ou seja,
haverá diálogo entre textos. O referido autor expõe as diferentes classificações
de intertextualidade, se é explicita, implícita, a intertextualidade presente nas
semelhanças, diferenças, se é marcada ou não marcada, entre outras
classificações. No entanto, Mozdzenski concebe um novo modelo de
classificação da intertextualidade, assim como da intericonicidade. Esta última
caracterizando-se pelo diálogo intertextual presente em narrativas imagéticas.
O modelo criado por Mozdzenski estabelece dois critérios para analise: a
função da intertextualidade e a forma como ocorre o fenômeno, como podemos
observar na imagem abaixo:
Gráfico 1
Fonte: MOZDZENSKI, Leonardo. Intertextualidade verbo-visual: como os textos multissemióticos
dialogam? / Verbal-Visual Intertextuality: How do Multisemiotic Texts Dialogue? Bakhtiniana, São Paulo, 8
Jul./Dez. 2013.
Segundo Araújo (2014), na categoria forma, o autor pretende por em
análise se o texto original, texto-fonte, aparece de maneira implícita ou explicita.
Ou seja, se há menção ou citação do texto-fonte no texto analisado. Já quanto à
categoria de função, diz respeito à voz do autor, suas intenções e sentidos com
relação ao texto fonte. Com isso, percebemos que há possiblidades divididas em
4 quadrantes. 1) função/aproximação + forma/implicitude; 2)
função/aproximação + forma/explicitude; 3) forma/implicitude +
função/distanciamento; 4) forma/explicitude + função/distanciamento.
Para a análise de corpus nesta pesquisa, descreveremos brevemente as
obras citadas, e sua devida classificação de intertextualidade proposta por
Leonardo Mozdzenski. A seguir apresentaremos o texto-fonte representada por
um texto imagético. A mesma se chama A Última Ceia, de autoria de Leonardo
da Vinci.
Figura 1: A Última Ceia, de Leonardo da Vinci
Fonte: Google imagens
A obra de Da Vinci, A Última Ceia, foi elaborada em um contexto
renascentista, em que as ideais de centralização do homem, da ciência e das
artes estavam cada vez mais valorizadas. A mesma é uma representação da
narrativa bíblica em que ocorre a celebração da Ceia de Jesus Cristo com seus
doze discípulos.
Na imagem acima, o autor utilizou suas técnicas matemáticas na
construção da obra. Nota-se uma grande mesa retangular com a figura de Jesus
posicionada ao centro. Além disso, há a presença de seus doze discípulos, seis
ao lado direito e seis ao lado esquerdo. Também é possível identificar os
elementos da cerimônia cristã, pão e vinho, na mesa. Ao fundo da imagem
também se encontram três janelas, pelas quais se pode ver o ambiente do lado
de fora em que ocorre o ritual.
Vale ressaltar que em outras obras que retratam este momento religioso,
há a presença de comemoração, ou até mesmo, a paz que traz a cerimônia da
ceia, na tradição cristã. No entanto, na obra de Leonardo da Vinci, o autor
representa o momento em que Jesus está anunciando que será traído. É
possível ver nos rostos dos discípulos expressões como: questionamentos,
angustias, dúvidas e até acusações. Outra figura que se nota na obra, é a
presença de Judas Iscariotes ao lado esquerdo de Jesus, segurando um
pequeno saco, já dando indícios de que ele seria o traidor.
A segunda obra chama-se Passo d’A Ceia, composta por esculturas
representando a, também, narrativa bíblica. Criada por Antônio Francisco
Lisboa, mais conhecido por Aleijadinho, um artista brasileiro, de Minas Gerais.
Viveu um contexto diferente de Da Vinci, com convicções artísticas e religiosas
distintas, o período barroco.
Figura 2: Passo d’A Ceia, de Aleijadinho.
Fonte: https://www.tripadvisor.com.br/LocationPhotoDirectLink-g675680-d6438140-
i328539640-Doze_Profetas_De_Aleijadinho-Congonhas_State_of_Minas_Gerais.html
De acordo com Flávia Campos, a obra representa bem o período e o
movimento Barroco no qual o autor estava inserido. De cunho religioso, no
cenário é possível visualizar treze homens ao redor de uma mesa redonda, tendo
como panorama a vista frontal. Há a presença dos elementos da ceia, que estão
em uma única bandeja, ao contrário da obra de Leonardo da Vinci em que estão
espalhados na mesa retangular. Também é possível perceber as pernas de lira
presentes na mesa de Passo d’A Ceia, característica colonial. Para a Autora:
Evento da Ceia do Senhor como um sistema de signos intersemióticos, que tratam do momento de intimidade que significam a aliança e a amizade entre Jesus e os homens. É claro entendermos o conjunto de signos d’A Última Ceia, como a mesa posta com pães e vinho, onde o mito é Jesus Cristo, compartilhando com os apóstolos, naquela época da Páscoa, a libertação da escravidão do povo de Deus do Egito. (CAMPOS, 2009, p. 178)
Analisando a relação de intertextualidade entre as duas obras,
percebemos que ambas foram criadas em contextos diferentes. Uma, em uma
época renascentista e humanista. A outra, em um período colonial brasileiro,
com características barrocas, de cunho religioso. Percebemos que enquanto à
forma, ambas dialogam de uma forma similar, apresentam treze homens em uma
mesa, a presença de Cristo ao centro e seis discípulos ao lado direito es seis ao
lado esquerdo. As duas representam a narrativa bíblica da Santa Ceia, de modo
que podemos classifica-la com um grau de explicitude. No entanto, será se as
ideias e sentidos convergem?
Como citado anteriormente, a obra de Da Vinci, foca em sua narrativa o
momento do anuncio de traição, enquanto que Aleijadinho retrata a comunhão
entre Jesus e seus discípulos no memento que concerne a Páscoa. Por esta
razão, quanto à função, percebemos que há um certo distanciamento da voz do
autor e o sentido da obra no texto-fonte na obra de aleijadinho. Segundo esses
aspectos, encaixaríamos a intertextualidade no quadrante 4) forma/explicitude
função/distanciamento. O qual podemos visualizar no seguinte gráfico:
Gráfico 2
A terceira obra chamada: A última ceia da ciência, é de autoria
desconhecida. A mesma foi analisada por Ferraz (2011).
Figura 3: paródia de a última ceia da ciência
Fonte: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf8/07.pdf
Nesta imagem, releitura de A Última Ceia de Leonardo da Vinci, vemos
exatamente as mesmas características e elementos do texto-fonte. Com
exceção dos participantes presentes na mesa. Vemos Albert Einstein (1879-
1955), considerado o pai da Física. Ao seu lado, estão outros célebres cientistas,
seis em cada lado. Nomes como: Carl Sagan, Stephen Hawking, Sigmund Freud,
Charles Darwin, Galileu Galilei, Isaac Newton, Marie Curie, Richard Dawkins,
Aristóteles. Vemos explicitamente, quanto à forma, o diálogo e intertextualidade
presente em A Última Ceia da Ciência e a obra fonte. No entanto,
compreendemos que a mensagem a ser transmitida, a voz do autor, ou seja, de
Leonardo da Vinci, tem a função de distanciamento, os autores não passaram o
mesmo sentido, tampouco mensagens semelhantes. Por isso, a
intertextualidade presente em ambas as obras se encaixa no quadrante quatro,
como podemos ver no seguinte gráfico:
Gráfico 3
Considerações finais
Vendo o texto como um elemento semiótico que pode ser encontrado em
várias formas, inclusive imagens, a intertextualidade e a forma como os textos
dialogam entre si, é um assunto pertinente a ser analisado em releituras. Nem
sempre textos que dialogam possuem a mesma intenção ou a mesma forma.
Assim como, nem todas as vezes que uma obra é recriada, mantem-se o
sentido original entre as mesmas. Por esta razão, propôs-se a análise de duas
releituras da obra de Leonardo da Vinci, a fim de identificar, através da
intertextualidade, se há diálogo entre as mesmas, e em que grau elas se
aproximam como forma ou intenção e sentido.
Portanto, partindo de uma obra mundialmente conhecida, como a Última
Ceia, criada por Leonardo Da Vinci, artista italiano, este trabalho propôs a
análise de intertextualidade/intericonicidade a partir de um modelo proposto por
Leonardo Mozdzenski (2013). Este autor classifica a intertextualidade em sua
forma (explicitude/ implicitude) e função (aproximação/ distanciamento da voz do
autor).
Com os resultados obtidos a partir da análise de diferentes textos
semióticos, fotografia e esculturas, ambas imagéticas. Percebemos que os
sentidos presentes nos mesmos, de acordo com a forma da obra e a voz do autor
com relação à obra original, nem sempre será o mesmo. Ainda que se utilize a
mesma narrativa, os mesmos personagens, o sentido e objetivo da obra podem
diferenciar-se. Por esta razão, a análise da intertextualidade em obras,
principalmente em releituras, contribui para o entendimento do sentido das
mesmas. O diálogo entre textos sempre existirá, partindo do princípio,
mencionado anteriormente, que nada se cria a partir do vácuo, mas os textos
são feitos de intertextos. Assim como, se faz obras artísticas a partir de outras
obras, seja intencionalmente, ou não.
Referências Bibliográficas: ARAUJO, Ana Cláudia Menezes. A intertextualidade imagética: análise das relações imagético-cognitivas mantidas com Pietá de Michelângelo. Littera Online, Maranhãon. 08, 2014. CAMPOS, Flavia Simonini Paradella de Almeida. A ÚLTIMA CEIA: uma análise crítica da visualidade na obra de antônio Francisco lisboa – o aleijadinho. Dissertação (mestrado em ciência da arte). Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia. Rio de Janeiro, 2009. CAVALCANTI, Maria Clara Catanho. Multimodalidade e argumentação na charge. 2008. Dissertação (Mestrado em Letras) Centro de Artes e Comunicação, Universidade Federal de Pernambuco. 2008. FERRAZ, Salma. SANTA CEIA PROFANA. Revista Brasileira de História das Religiões. ANPUH, Ano III, n. 9. p. 154 – 172. Jan, 2011. MENDES, Romes de Sousa. A última ceia três tempos e três olhares. In: congressohistoriajatai. 2008.Disponível em: http://www.congressohistoriajatai.org/anais2008/doc%20(72).pdf, Acesso em: 10/06/2019. MOZDZENSKI, Leonardo. Intertextualidade verbo visual: Como os textos multissemióticos dialogam. Bakhtiniana, São Paulo, 8 (2): 177-201, Jul/Dez. 2013.